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Coleção PASSO-A-PASSO

Andréa Barbosa
CIÊNCIAS SOCIAIS PASSO-A-PASSO
Edgar Teodoro da Cunha
Direção: Celso Castro

FILOSOFIA PASSO-A-PASSO
Direção: Denis L. Rosenfield

PSICANÁLISE PASSO-A-PASSO
Direção: Marco António Coutinho Jorge

Antropologia e imagem

ter

te

Jorge Zahar Editor


^
Ver lista de títulos no final do volume Rio de Janeiro
Sumário

Copyright © 2006, Andréa Barbosa e Edgar Teodoro da Cunha


Copyright desta edição © 2006:
Jorge Zaliar Editor Ltda.
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Introdução
20031-144 Rio de Janeiro, RJ
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Antropologia e imagem:
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Outras histórias paralelas:
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A reprodução não-autorizada desta publicação, no todo Flaherty e Malinowski 16
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Paradigmas de um cinema antropológico:
Composição: TopTextos Edições Gráficas Ltda. Mead e Bateson, Rouch e MacDougaU 28
Impressão: Cromostte
Capa: Sérgio Campante Qual o lugar da imagem na
pesquisa antropológica?
Conclusão •-;.,-
CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte
Z^f "
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ. Referências e fontes
Barbosa, Andréa Leituras recomendadas
B195a Antropologia e imagem / Andréa Barbosa e Edgar
Teodoro da Cunha. — Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,2006 Vídeos e fumes sugeridos
(Passo-a-pssso; 68)
Sob ré os autores
Inclui bibliografia •
ISBN 85-7110-936-2

1. Imagem (Filosofia). 2. Antropologia. 3. Antropolo-


gia visual. 4. Comunicação visual - Aspectos ajitropológi-
cos. 5. Comunicação de massa-Aspectos antropológicos.
I. Cunha, Edgar Teodoro da. U. Título. III. Série.

CDD 302.2J
06-2312 CDU 316.77
Introdução

A constituição de um campo da disciplina antropológica na


área cia discussão da imagem é questão que vem sendo
debatida internacionalmente há pelo menos 40 anos. Nem
por isso há unanimidade quanto ao termo que designaria
esse campo ou mesmo as subáreas que a ele poderiam estar
relacionadas. Em várias instâncias e instituições observa-se
a utilização de expressões como "antropologia visual", "an-
tropologia da imagem e do som", "antropologia cio audio-
visual", "antropologia da imagem3' e outras mais.
Todas elas guardam um pouco das facetas da longa
discussão acerca desse assunto: aJmaRem (fotografia, cine-
ma ou vídeo) como uma questão de método; ;
pjmsacla como artefato cultural e por isso passível de se
transformar em objeto dajintropolqgia; a linguagem audio-
visual como um caminho possiyel para elaboração c divul-
gação dos resultados de pesquisa, constituindo-se em alter-
nativa à etnografia clássica; e ainda a utilização do debate em
torno da imagem, realizada em_qualquer um desses casos,
como subsídio para urna discussão epistemológicadaprári-
ca antropológica.
8 Andréa Barbosa e Edgar Teodoro da Cunha Antropologia e imagem

Este livro tem por objetivo mapear um percurso de diferentes grupos e povos com os quais os gregos se relacio-
contato e interlocução entre a antropologia e a produção de navam já estivessem presentes na obra de Heródoto, Aristó-
imagens. Trata-se cie trazer uma discussão sobre o estabele- teles e Xenofontes, não podemos classificar essa produção
cimento de relações efetivamente construídas ou possíveis como uma disciplina, A antropologia, como campo de pro-
entre a elaboração do conhecimento antropológico e o uni- dução que posteriormente se transformará em disciplina
verso da imagem. Percorreremos, assim, desde os pontos de científica, é uma criação do humanismo do século XVIII,
contato das histórias do nascimento da antropologia como um momento bastante específico da história do pensamen-
disciplina e do cinema como linguagem até as experiências to, preocupado com a sistematização racional do conheci-
paradigmáticas da utilização da imagem no âmbito da pes- mento humano sobre diversas áreas, aí incluídos o próprio
quisa etnográfica. O intuito, nesse sentido, é discutir as várias homem e sua vida em sociedade. Nesse momento, tornava-
possibilidades que a introdução da imagem no campo da se importante sistematizar o conhecimento sobre os outros,
antropologia pode oferecer.' não-europeus, distantes no espaço, mas simbolicamente
próximos o bastante para serem considerados ameaçadores.
Diante dessas preocupações, o pensamento filosófico
Antropologia e imagem: primeiros encontros humanista e ilustrado doséculo XVIII construiu urna no cão
de alteridade, enquanto percepção das diferenças, enfati-
A história da construção da linguagem fotográfica e zando as semelhanças. O prpjeto de ciência do homem,
tográfica desenvolveu-se paralelamente à ela defendido por Voltaire, M^tesquieu e Rousseau, criava
métodos clássicos da antropologia. Houve muitas "aproxi- uma história natural, oposta à teleologia, que defendia uma
mações ao longo dessa história, mas, de forma geral, elas natureza humana universal. Nesse sentido, as diferenças
expressaram formas de olhar e de construir probl^pas de entre os homens são colocadas também na ordem da natu-
maneira homóloga — urna colaboração ao mesmo tempo reza. São externas e incómodas, existindo por interferência
distante e provocadora, mas que evidencia o quanto a an- de fatores exteriores e naturais, corno clima, localização
tropologia, a fotografia e o cinema, enquanto construções geográfica e outros elementos que as produzem.
culturais, podem compartilhar o desafio de entender e sig- A ideia do "bom selvagem" de Rousseau é a referência
nificar o mundo e sua diversidade. para pensar com interesse e, às vezes, condescendência so-
Embora a construção da noção de "medida humana" e bre grupos étnicos americanos, africanos c asiáticos coloca-
sua importância para a reflexão sobre o mtindo e a vida dos em contito permanente com os europeus pela expansão
remontem à antiguidade clássica e ainda que descrições de mercantilista empreendida desde finais do século XV. Eles
Andréa Barbosa e Edgar Teodoro da Cunha Antropologia e imagem 11

são considerados o que foram os europeus num passado alegoria da selvageria e da barbárie, como os índios tapuia.
mítico: povos distantes e não corrompidos pelo estabeleci- Por meio dos atributos associados a cada personagem o
mento da sociedade contratual. A diferença aqui é colocada artista constrói valores opostos, e é essa ambivalência que
em posiçSo ambivalente entre natureza e cultura. Iconogra- torna esses retratos tão instigantes até hoje.
ficamente, podemos lembrar das imagens produzidas pelos A alteridade, nesses casos, é marcada pela busca de uma
viajantes e artistas da missão de Maurício de Nassau ao origem da humanidade cuja memória se perdeu há rnuito
Brasil. Albert Eckhout (1610-65) foi um desses artistas que por questões externas ao próprio homem, mas que de algu-
esteve no Brasil entre 1639 e 1644, e foi a partir dessa expe- ma maneira esses homens "selvagens" poderiam fazer re-
riência que pintou, em telas de grande tamanho, os tipos lembrar. Interessante também é perceber que, acompanhando
humanos locais, como índios, mestiços e africanos, além de as reflexões filosóficas, estava o movimento de representar
espécimes da fauna e flora brasileiras. plástica e esteticamente essa alteridade, de tornar visível esse
Eckhout pintou oito figuras humanas, quatro casais em semelhante distante, mesmo que ainda exótico e muitas
retratos posados, com suas singularidades. São eles índio vezes opaco.
tupi e índia tupi, índio tapuia e índia tapuia, Mulher mame- É, contudo, o evolucionismo, na segunda metade do
luca e Homem mestiço-, Mulher africana e Homem africano. século XIX, que vai transformar a alteridade, a diferença, em
Neles podemos perceber certa ambivalência no tratamento
problema epistemológico. E vai fazê-lo rompendo com a
dosp|y|gnagens quanto a sua humanidade e ao lugar que,
ideia de uma natureza humana filosóf^teo "selvagem"
ocúpOTmó mundo. São quadroá monumentais, em que as
torna-se o "primitivo", o que vive emsiti]||lo semelhante à
figurãPímmanas foram concebidas praticamente em tama-
do homem civilizado europeu em seu passado histórico. A
nho natural, com inúmeros pormenores etnográficos, botâ-
história da humanidade passa a ser concebida corno uma
nicos e zoológicos, associados como atributos dos persona-
gens. Cada um deles é representado isoladamente, com o série de estágios sucessivos de desenvolvimento dos grupos
olhar voltado para o observador, ocupando a posição cen- humanos, em que os chamados povos primitivos seriam os
tral do quadro e se destacando do segundo plano composto remanescentes de etapas iniciais desse desenvolvimento, e
com eleme-ntos locais: plantas exóticas, pequenos animais, as sociedades europeias, o ponto mais elevado do processo
objetos, cenários e adereços que, além de conferirem caráter de evolução das sociedades humanas. Dessa maneira, as
descritivo às pinturas, lhes atribuem significados partícula- sociedades ditas primitivas seriam sobreviventes de uma
res.~Os indígenas ora são uma alegoria da domesticação e forma de vida que fatalmente desapareceria pela "evolução ~
por isso humanizados, como os índios tupi, ora são uma natural'3 das sociedades.
12 Andréa Barbosa e Edgar Teodoro da Cunha
Antropologia e imagem 13

A ideia da diferença perde sua ambivalência e se torna cinematógrafo constituíram ferramentas fundamentais
um problema epistemolôgíco para a ciência justamente
para o registro dos diferentes tipos físicos e culturais. Eram
quando é deslocada para o âmbito da cultura, É essa noção considerados instrumentos científicos, tanto quanto o mi-
de alteridade baseada numa diferença cultural que inaugura
croscópio, capazes de ampliar o olhar do cientista, pois ao
a necessidade do conhecimento empírico do outro. A cultu-
"estabilizar" ou "fixar" os dados obtidos em campo facilita-
ra não estaria apenas nos artefatos, mas também em hábitos, riam análises posteriores. Para o antropólogo Marc-Henri
valores e comportamentos que precisavam ser apreendidos Piault, o património imaterial que a antropologia pode hoje
pela observação e registrados. A questão agora era trazer o
vangloriar-se de ter contribuído para inventariar materiali-
que estava longe para perto, tão perto que se tornasse um za-se paradoxalmente nos rolos de filme produzidos nesses
passado presentificado. O período entre o final do século
processos. Segundo essa perspectiva, gestos, falas, movi-
XIX e o início do século XX é marcado por várias expedições mentos e expressões poderiam ser conservados nos filmes
etnográficas realizadas com esse sentido da busca do longín- assim como se conservam potes de barro e máscaras.
quo, dando-lhe visibilidade, e é nesse ponto que o encontro Nas fotos antro pó métricas, produzidas nas diversas
anunciado entre a antropologia e a fotografia e o cinema vai expedições realizadas na virada do século XIX para o XX,
acontecer. podemos perceber um exercício para construção de urna
Para a jovem antropologia desse período, essa opera- taxionomia dos tipos físicos e culturais e de seus estágios de
ção de estabelecimento de distâncias e proximidades seguia desenvolviment^pm uma fotografia da expedição ao es-
o movimento de encaixar toda a diversidade cultura] cons- treito de Torres^fpor exemplo, figura um grupo fazendo
tatada pelo movimento colonial do século XIX nos modelos fogo com um graveto. Ern outra página de relatório de nma
para o estudo evolucionista das rnanifesLações da natureza expedição à India,jerno3 a foto de uma menina colocada ao
humana. lado cie uma folHa de espécime botânico local. Nesse esforço
Nesse primeiro momento, pontuado pelo esforço ra- classificatório, homens e plantas compartilham um mesmo
cionalista, pesquisa antropológica e técnicas e linguagens lugar nas observações e nos registros científicos. Ainda para
visuais estavam juntas. Uin exemplo dessa parceria é a expe- Piault, é essa necessidade, criada pelo positivismo, de uin
dição multidisciplinar ao estreito de Torres realizada em conhecimento cientifico classificatório do homem e da na-
1898 e comandada pelo pesquisador Alfred Haddon, da tureza que justifica a ação "civílkadora" na exploração do
Universidade de Cambridge. Dela participaram vários cien- mundo.
tistas, entre eles C.G. Seligmane W.H, Rivers, na qualidade É nesse momento também que se difunde na Europa o
de antropólogos. Nesse projeto, a câinera fotográfica e o fascínio pelo mundo exótico e primitivo. Cartões-postais
14- Aridréa Barbosa e Edgar Teodoro da Cunha Antropologia e imagem 15

com retratos de aborígines corn seus adereços primitivos, ridas na lógica racionalista e da crença na potencialidade da
como lanças com ponta de pedra ou gravetos e ossos atra- modernidade como solução para o desenvolvimento hu-
vessados no nariz, são amplamente divulgados e circulam mano, no final do século XIX ela também já era utilizada para
como suvenires entre as classes abastadas europeias. Esti- encantar e maravilhar os homens, apresentando uma preo-
ma-se que, só na Grã-Bretanha, milhões desses cartões-pos- cupação narrativa: temos o cinema se tornando linguagem.
tais circularam nas primeiras décadas do século XX, Ao lado dos filmes que mostram cenas em tempo real,
Nessa concepção, embora seja a cultura e não a nature- como os de paisagens e cenas do cotidiano, trens chegando
za que produz a diferença entre os povos, os chamados em estações, crianças sendo alimentadas, também eram
povos primitivos eram sempre representados visualmente produzidos filmes que reproduziam números de magia,
de forma a aproximá-los do mundo natural ern oposição ao encenações de contos populares e de contos de fada, estes
mundo civilizado europeu: nudez, artefatos manuais, cos- exigindo uma elaboração narrativa que fugia à consideração
tumes exóticos e não racionais e outros mais eram as situa- do cinema como mero dispositivo de registo documental.
ções e os elementos escolhidos para a construção dessas O mesmo processo pode ser pensado em relação à
representações imagéticas. antropologia, que em alguns casos desenvolve uma meto-
>

No esforço de demonstrar os ganhos advindos das des- dologia voltada, justamente, para a construção do que seria
cobertas técnicas e científicas dessas formas de conhecer o uma "boa distância" capaz de permitir a comunicação e
outro — a antropologia com palavras e a fotografia e o ci- ainda a produção de conhecimento sobre o oxitro, baseadas
nema com imagens —, os pesquisadores esqueceram-se de nessa experiência.
considerar um elemento fundamental que permeia a ação Como exemplo desse momento, podemos tomar os
de ambos: a imaginação. Tanto a antropologia como a foto- trabalhos pioneiros de Franz Boas realizados nos Estados
grafia e o cinema, em seus diferentes processos de constru- Unidos (The Central Eskimo, 1888) e de Bronislaw Mali-
ção do conhecimento, elaboram métodos e formas de re- nowski realizado nas ilhas Trobriand, na Oceania (Argo-
presentar, cie dar corpo a uma imaginação existente sobre a nautas ao Pacífico Ocidental, 1922).
alteridade. Imaginação aqui mencionada em seu sentido A "boa distância", ou seja, uma distância que permita
mais interessante, que é o de formular imagens de objetos e a comunicação — entre realizador, do comentarista, pes-
situações, que já foram ou não percebidos articulando no- quisador, analista e os grupos e processos nos quais eles
vas combinações de conjuntos e de referências. estão inter essados— configura-se, desde esse período semi-
Se, como dissemos, nurn primeiro momento a fotogra- nal, como um desafio tanto para a antropologia corno para
fia e o cinema se constituíam como invenções técnicas inse- o cinema, eé nesse senti d o-que pó demos estabelecer alguns
16 Andréa Barbosa e Edgar Teodoro da Cunha Antropologia e imagem 17

.3
paralelos entre trabalhos paradigmáticos tanto em ura cam- riamente terem se tocado. Estamos nos referindo ao cineas-
po como em outro. ta Robert Flaherty com seu Nannok ofthe North, de 1922,
por muitos considerado o marco inicial do cinema docu-
Cronologia filmica mental, e ao antropólogo Bronislaw Malinowski corn Argo-
nautas do Pacífico Ocidental, também de 1922, considerado
1895 Chegada do trem à estação, Saída da. fábrica, A refeição
o marco do método do moderno trabalho de campo na
do bebé, dos irmãos Lumière
antropologia,
1901 Canguru Ceremony, Austrália, Balclwin Spencer
O século XIX, em seu contexto social e histórico, mar-
1913/14 Sertões de Matogrosso, Brasil, major Thomaz Reis
cado pela busca da compreensão e assimilação do mundo
1914 The Land ofThe HeadHunters, Canadá, Eclwarcl Curtís
pelos europeus, caracteriza o surgimento e consolidação da
1917 Rituais e Festas Bororó, Brasil, major Thomaz Reis
1922 Nannok ofthe North, Estados Unidos, Robert Flaherty etnografia e dos registros visuais, como a fotografia e o
cinema, apontando para questões fundamentais sobre essas
formas de representação da realidade social. As expedições
Cronologia etnográfica
cientificas multidisciplinares e as técnicas fotográficas e fil-
1871 Publicação de Primitive Culture, E.B. Tylor micas, que se multiplicam a partir dessa época3 vão possibi-
1888 Publicação de The Central Eskimo, de Franz Boas litar o registro de acontecimentos de um mundo mais am-
1889 Publicação de Natíve Tribes of Central Austrália, de plo que o delimitado pelo continente europeu e permitir a
Baldwin Spencer e F.J. Gillen apreensão da diversidade racial e social.
1890 Publicação de The Golden Bough, de James Frazer É também no final desse século que a ambição do
1898 Realização da Expedição da Universidade de Cam- Ocidente em organizar o mundo se traduziiá em processos
bridge ao estreito de Torres (entre Austrália effé^fGuiné) como o da expansão colonial. A ciência, o cinema e a foto-
1922 Publicação de Argonautas do Pacífico Ocidental, de grafia assumem lugares fundamentais como disciplina e
Bronislaw Malinowskí
instrumentos privilegiados para a observação da experiên-
cia humana. A investigação científica propicia à empresa
Outras histórias paralelas: civilizado rã dos estados-nações europeus a certeza da exis-
Flaherty e Malinowski tência de uma medida racional que explica, a diversidade
racial e cultural do mundo, que a expansão colonial explora,
É interessante traçar um paralelo entre dois trabalhos cujos e mesmo justifica a legitimidade dessas formas de ação. O
métodos e propostas estiveram bem próximos sem necessa- cinema e a fotografia garantem a esse mesmo movimento
...,.,-.. ^ L-uyi-ii iuuuoruda Lunha Antropologia e imagem i»

civilizador um caráter de objetividade ao materializar cor- rnundo, mostrando coisas até então não vistas por olhos
pos e hábitos que se tornam assim passíveis de catalogação europeus.
e classificação. As primeiras décadas do século XX foram um período
Ainda nesse período, a etnologia dos "antropólogos de de grandes turbulências e transformações. As ciências e as
gabinete" realiza-se a partir dos registros visuais e escritos artes, com suas buscas metodológicas, estéticas e de lingua-
que os missionários e funcionários do governo e das expedi- gem, procuram criar novas formas de conhecimento e repre-
ções científicas traziam do campo. Nesse método de organi- sentação de um mundo imerso ern processos de transfor-
zação dos dados científicos, o cinema assumirá o mação acelerada, crises e turbulências. Nessa busca, torna-se
objeto significai!te que representará em imagens ui importante o contato com o mundo em primeira mão,
minada realidade empírica. O registro de outrospcfl tarefa naquele momento pensada corno possível com os
imagens fílmicas e fotográficas, é, dessa forma, construído novos métodos etnográficos e instrumentos de registro au-
por meio de elementos que distinguem e caracterizam a diovisual. Cientistas e cineastas, lançando mão de diferentes
relação ambígua entre hornem e natureza, apresentando recursos, buscam de alguma maneira responder à questão a
imagens de seres humanos que os europeus pensam estar respeito de para onde caminharia a "civilização".
mais próximo da natureza do que da civilização. A Primeira Guerra Mundial introduz vários elementos
O período entre o final do século XIX e o início do XX no processo de conhecimento sobre os povos não europeus;
é, portanto, fundamental para o desenvolvimento da antro- coloca em xeque, por exemplo, os modelos evolucionistas
pologia e do cinema. Nele, nem documentário, nem etno- da humanidade, evidenciando a "barbárie" presente no ho-
grafia científica são categorias consolidadas, e esse momen- mem civilizado europeu e abrindo a possibilidade de se
«rceber uma "civilização" no coração do homern selva-
to pode ser considerado de formação, no qual se reconhece
;em. Inseridos nesse contexto, tanto Malincwski quanto"
a necessidade de novos métodos, abordagens e técnicas para
Flaherty vão em busca da construção.de um novo olhar
lidar com a humanidade, ern seu sentido amplo. Com a
sobre os chamados povos primitivos, Para o primeiro, era
expansão do capitalismo, a criação de mercados mundiais
necessária a construção de um novo método de pesquisa
e a intensificação da industrialização há uma revisão dos
que possibilitasse à antropologia ter acesso ao "ponto de vista
conceitos de tempo e espaço e das teorias evolucionistas. Con- do nativo". O segundo aspirava a um novo método de rea-
ceitos corno bárbaros e civilizados passam por profundo lização capaz de construir um filme que apresentasse os nati-
processo de revisão e a fotografia e o cinema se afirmam vos ern sua luta cotidiana. Ainbos realizaram em seus tra-
como parte integrante e ao mesmo tempo integradora do balhos um movimento de percebei esses povos em seus
Andréa Barbosa e Edgar Teodoro da Cunha Antropologia e imagem 21

próprios termos por meio da identificação de semelhanças grupo, sempre orientado pelo cotejamento do que seus in-
aparentes que eram transformadas em diferenças pelos pro- formantes dizem com o que ele observa. Segundo Mali-
cessos de construção das respectivas representações etno- nowsld, salienta Eunice Durham, "é necessário contraporás
gráficas e fílmicas. ideias às emoções, o comportamento observado ao comen-
tário que sobre ele tece o nativo, a visão que o antropólogo
Novo olhar etnográfico. Malinowski inicia sua carreira como constrói da cultura à síntese inconsciente que, presente na
antropólogo nesse momento de definição e consolidação da 'cabeça do nativo', orienta e dá significado às suas ações",
disciplina, no qual as experiências das expedições científicas Esse cuidado com a observação e as formas de utiliza-
do final do século anterior incentivaram, pelo menos na ção dos dados empíricos é fundamental no trabalho que ele
Inglaterra, as pesquisas realizadas em campo, em oposição desenvolve, pois é essa a forma possível de penetrar e com-
aos estudos de gabinete empreendidos até então. Nos Esta- preender a especificidade dos diferentes grupos sociais, A
dos Unidos Franz Boas também fará um trabalho pioneiro busca de maneiras de perceber e entender a lógica própria
nesse sentido, mas é o de Malinowski que será consagrado de cada grupo é um dos princípios que norteiam sua prática
como aquele que inaugura o moderno método etnográfico. antropológica. Seu objetivo é reconstruir uma realidade
Em 1914 Malinowski foi surpreendido em campo, na Mela- cultura] específica como um universo integrado e singular
nésia, pela Primeira Guerra Mundial. Impedido de retornar de significados.
à Europa, iniciou uma nova pesquisa nas ilhas Trobriand, Essa postura é uma crítica contundente à forma evolu-
onde permaneceu por quase dois anos distribuídos em duas cionista de pensar os diferentes grupos humanos, pois na
viagens. Essa longa permanência em meio ao grupo estuda- abordagem de Malinowsld não fazia sentido uma compara-
do introduziu uma nova postura no método do trabalho de ção entre eles por meio de elementos isolados da vidasocial.
campo, que permitia o acompanhamento e a participação É preciso entender o grupo em sua lógica e seus contextos
do pesquisador na vida social e cotidiana de seu objeto de específicos, pois eles formam um sistema integrado no qual
estudo. A experiência trouxe para discussão não só ricos um elemento depende do outro. A realidade social de cada
dados etnográficos sobre os trobriandeses, como também grupo é considerada uma totalidade que deve ser com-
uma série de questões de ordem episternológica que in- preendida internamente,
fluenciaram profundamente os fundamentos da disciplina. Esse procedimento teórico leva Malinowski a construir
Para Malinowsld a pesquisa de campo é fundamental um modelo de análise, que chamamos de "piesente etno-
justamente por permitir, pela convivência intensiva, o aces- gráfico", em que o pesquisador isola urn determinado gru-
so a um rico material sobre as várias instâncias da vida do po no tempo e no espaço, mergulhando nessa realidade
Andréa Barbosa e Edgar Teodoro da Cunha Antropologia e imagem 23

justamente para dar conta de perceber e compreender seu após remontagem e sonorização realizadas a partir de frag-
funcionamento como uma totalidade. Para Malinowski, mentos do original pela University of Washington e o Burke
cultura não é apenas um conjunto de manifestações rituais, Museum. Nesse filme Curtis constrói urna ficção, uma his-
mas um conjunto amplo que inclui também as técnicas e tória romântica protagonizada por um casal kwakiutl, en-
tecnologias empregadas na vida prática, a arte, a religião e as tremeada de danças, rituais e diversos aspectos da cultura
próprias relações sociais, todas integradas e inter-relaciona- material dos Kwaldutl. A visão romântica desse filme, asso-
das. O ponto de partida para a compreensão dessas múlti- ciada à feitiçaria e a rituais exóticos, deixou marcas importan-
plas facetas é a ação concreta dos indivíduos. tes no imaginário construído a respeito dos grupos indígenas
A novidade do trabalho de Malinowski está no método norte-americanos e no cinema produzido por Hollywood
de pesquisa e no conteúdo a partir dele elaborado, e também nos anos 1940 e 50.
na forma com que organizava e trazia a público sua pesqui- Também nesse período, no Brasil, o major Luiz Tho-
sa. Seus textos etnográficos são muito ricos ern imagens. maz Reis, responsável pela Seção cie Cinematografia e Foto-
Neles, os trobriandeses são descritos em toda sua vivacidade grafia da Comissão Rondon, enveredou por um. caminho
e humanidade. Os leitores são levados a esse mundo tão em que a realização fílmica estava vinculada a contextos de
diferente do nosso pela compreensão. Os costumes "estra- grande interesse etnográfico, As atividades da Comissão
nhos" ou "selvagens" tornam-se pouco a pouco familiares, abrangeram um amplo território fronteiriço e, até aquele
já que são compreensíveis. Suas atitudes não são apenas do momento,-pouco conhecido do interior do Brasil, e ao lon-
mundo da natureza, mas profundamente humanas, posto eo doslllp!
; ífeM?ra< '
de atuação,
*
seus membros travaram contato
que investidas de sentido, de uma lógica própria, e referen- com irnlmeros grupos indígenas, muitos ainda desconhe-
fe.
eidos. -.l*r
ciadas a um universo simbólico compartilhado.
Desses anos de atividades resulta o enorme legado a
Novo olhar cinematográfico. Ainda no início do sécido XX, que hoje temos acesso na forma de publicações, documen-
algumas experiências de realização fílrnica vinculadas a con- tos, relatórios, estudos de cará te r etnográfico e linguístico,
textos etnográficos acontecem na América, e o cinema con- fotografias e filmes. O major Reis foi peça fundamental
sagrado ao real torna-se bastante popular. Edward Curtis, nesse processo de documentação imagética, deixando-nos
conhecido por suas séries fotográficas sobre os índios nor- filmes como Rituais e f estas Bororó, de 1917, de expressiva
te-americanos, faz um épico sobre os Kwakiuú denominado importância para a história do filme etnográfico, dados seu
In the Lana ofthe Plead Hunters (1914), renomeado ao ser pioneirismo e sua proposta.narrativa;, alinhada às novidades
relançado em 1973 como In the Lana ofthe War Canoes, da época. Reis aborda de maneira singular 11 m importante
«-•* Andréa Barbosa e Edgar Teodoro da Cunha Antropologia e imagem 25

ritual do grupo indígena bororó, do Maio Grosso, buscando mem como agente, temas recorrentes nos filmes posterior-
construir seu sentido a partir de elementos da lógica local, mente produzidos por Flaherty, comoMoomz (1926), Man
fato raro ern contexto de absoluta exotização, cuja pauta era ofAran (1934) eLowsianaStory(l948).
tratar fílmicamente elementos de outras culturas. Tanto quanto Malinowsld, Flaherty acreditava que a
Esse filme faz parte de um conjunto mais amplo de história deveria emergir do material de carnpo. Ele, contu-
imagens produzidas pela Comissão Rondon e traduz um do, reconstrói esse mundo a partir de uma perspectiva que
momento cia construção da imagem do índio como ser é, em alguns sentidos, fixa. Sua câmera é estática, obviamen-
intocado, exemplo de uma cultura que mantém intacta suas te também por causa dos limites técnicos da época, que
práticas tradicionais e que, em virtude do contato perma- colocavam à disposição dos realizadores câmeras pesadas e
nente corn as frentes de expansão, é "assimilado", "civiliza- películas lentas. No entanto, essa postura também contribui
do" e finalmente incorporado à sociedade nacional, como para a circunscrição da abordagem que, como na etnografia
apontam os filmes posteriores. de Malinowsld, cria uma ideia de presente etnográfico. Fla-
Em 1922, Robert Flaherty realiza seu filme sobre os herty passou 12 meses filmando Nanook, interessado, corno
esquimós, Nanook of the North, e, tal como Malinowski
estivera Malinowsld, em traçar o perfil de uma cultura por
fizera entre os trobriandeses, segue um plano de inserção no
meio das ações dos indivíduos que lhe dão corpo. Havia
contexto de trabalho baseado numa longa permanência en-
então grande consciência da pessoa como indivíduo único
tre o grupo. Ao observar a cultura nativa, Flaherty introduz
e da importância de falar sobre as culturas por meio de seus
o conceito de câmera participante, que não só toma parte
sujeitos e de suas práticas.
dos eventos registrados, mas também procura refletir a
Seu interesse pelos Inuit inicia-se com urna viagem
perspectiva do nativo. Isso se realiza por meio das exibições
do material filmado, ao longo da produção do filme, aos realizada em 1910a fim de trabalhar ern estudos prelimina-
Inuit (denominação moderna para os esquimós) e na aber- res para a construção cie uma ferrovia no norte do Canadá.
tura para seus comentários, que iam sendo incorporados ao Flaherty produziu, durante seis expedições que realizou à
processo de realização do fíJme. área ocupada por esse grupo, uma grande quantidade de
Outro grande mérito desse filme reside no fato de o material fílraico, que foi perdido ern urn incêndio depois de
espectador ser levado a identificar-se com pessoas reais que seu retorno a Toronto. Felizmente, comenta o próprio Fla-
pertencem a um contexto social definido »e distinto. A re- herty ern artigo escrito na época sobre a realização de Na-
presentação desses indivíduos é marcada por sua luta inces- nook, jusíifícando-se por considerar aqueles filmes ainda
sante contra uma natureza hostil e pela afirmação do ho- muito amadores.
26 Andréa Barbosa e Edgar Teodoro da Cunha Antropologia e imagem 27

A partir daí cresceu seu interesse pelo cinema e, em outros homens. Aos poucos, num grande plano-seqúência
1920, inicia uma nova filmagem, agora com patrocínio de vemos essas pessoas e, agora também, cães se aproximarem.
uma empresa que comercializava peles. Seu aparato técnico Todos, homens, mulheres e crianças, num esforço coletivo,
incluía também a possibilidade cie revelar os filmes em cam- finalmente conseguem trazer o animal à superfície. Ao final
po, o que permitia mostrá-los aos Inuit à medida em que dessa longa sequência, na qual nos envolvemos intensa-
eram feitos, compartilhando dessa forma o processo de rea- mente, toclos cornem com expressão de rejubilo a carne da
lização. foca recém-caçada.
Nanook era um dos líderes do grupo de esquimós e Essa foi justamente a primeira sequência filmada e a
tornou-se seu principal informante. Durante as filmagens, todos mobilizou. Foi também a primeira parte do filme vista
três rapazes também auxiliavam Flaherty, porém muitas pelos esquimós durante o processo de realização âeNanook,
outras variáveis estavam envolvidas — esposas, famílias, ca- e a primeira vez que eles assistiram a um filme. O diálogo
chorros, trenós, caiaques e equipamento de caça. No filme, estabelecido com Nanook e seus companheiros ao longo de
uma sequência se destaca pela drarnaticidade: a caça à foca. todo o processo de filmagem — intensificado justamente
Nela, acompanhamos Nanook munido de um arpão an- por essa experiência de devolução do material filmado ao
dando em solo gelado e olhando com atenção para onde grupo — é o que firma uma relação de confiança entre
seus pés pisam. Ele procura algo. Pouco depois o vemos Flaherty e seus sujeitos t marca todo o trabalho realizado.
observar um pequeno orifício em meio a grossa camada de Nanook contava suas façanhas a Flaherty e esperava que ele
gelo e arremessar seu arpão em direção a algo dentro dele. tivesse interesse em filmá-las. No caso da sequência da caça
A partir daí urn longo processo se inicia. Parece que Nanook à foca, foi exatamente isso que aconteceu.
de fato acertou com seu arpão um animal, que, contudo, Tanto Flaherty quanto Malinowski estavam interessa-
parece resistir bravamente à captura. Nanook puxa e é pu- dos em urn modo particular de ver e reconstruir a realidade
xado. Tenta novamente içar c animal da água e é novamente tratada: uma representação estável em termos de tempo e
puxado. Após várias tentativas, chama seus companheiros e espaço e com tuna certa "aura". As transformações não eram
sua família para ajudá-lo. o foco de interesse, corno se ao serem abordadas pudessem
Essa é uma das mais belas cenas do filme: num plano colocar em risco a permanência da especificidade desses
com enorme profundidade de campo ^vemos em primeiro povos. Tanto o trabalho de carnpo quanto a imagem ein
plano Nanook agarrado à corda presa ao buraco e, atrás movimento foram utilizados para elaborar urna imagem
dele, chegando até o horizonte íbngínquo, um imenso bran- totalizant€ e única dessas sociedades, além de serem narra-
co, no qual alguns pontos pretos atestam a presença de tivas contundentemente realistas. Enquanto MalinowsJd
oarDosn e Edgar Teodoro da Cunha
Antropologia e imagem £d

procurou retraíar o ponto de vista do nativo írobriandês, o


belecimento de duas categorias: a etnografia cientifica e o
filme de Flaherty procurou descrever o mundo dos Inuit a
partir de Nanook. filme documentário. Nesse momento elas se espelham uma
na outra a ponto de nos perguntarmos sobre o porquê dessa
Nanook of the North foi o primeiro filme ao qual se
separação tão drástica. Na história da antropologia temos
aplicou o termo documentário, cunhado por John Grier-
algumas exceções no que tange à tentativa de integrar a
son, cineasta inglês atuante nos anos 1930 que defendia a
produção audiovisual e fotográfica à pesquisa antropológi-
criação de um género fílmico específico, preocupado com a
ca, e. elegemos três dessas experiências para analisar aqui: a
representação da realidade. Flaherty era um cineasta ama-
de Margaret Mead e Gregory Bateson, a de Jean Rouch e a de
dor e viajante, exatamente o tipo de perfil de trabalho do
David e Judith MacDougall.
qual a moderna antropologia científica queria se distanciar
nesse período de consolidação de novos paradigmas na dis-
Margareíh Mead e Gregory Bateson: ambição e experimenta-
ciplina. Provavelmente por esse fato ele foi ignorado pelos
lismo. Entre 1936 e 1939 os dois antropólogos, na época
antropólogos por muitos anos. No entanto, podemos per-
casados, fizeram seus estudos de carnpo sobre comporta-
ceber que a ameaça não est<°<va na figura do aventureiro, mas
mento em Bali, Indonésia, e produziram cerca de 25 mil
na postura consciente, compartilhada por Malinowski, da
fotografias e sete quilómetros de rolos de filme. As fotos
necessidade de provocar uma reflexão sobre a natureza da
luunanidade. editadas, com uma análise antropológica, foram publicadas
no livro Balinese Character, era 1942. O material fUmico só
foi montado dez anos depois, sem a participação de-Bate-
son, e forma, ao final, um conjunto de sete filmes. Nessa
Paradigmas de um cinema antropológico:
experiência pioneira, Mead e Bateson buscaram por meio
Mead e Bateson, Rouch e MacDougall
do registro visual apreender e compreender o éthos balinês.
Não pretendiam realizar uma pesquisa sobre os costumes
Embora as relações entre construção do conhecimento an-
balineses, mas sobre o balinês, ou seja, como ele incorpora
tropológico e de narrativas filmicas sempre tenham sido
(embody) essa abstração que chamamos de cultura por meio
bastante instigantes, a constituição de um campo de pesqui-
do movimento, dos gestos e dos olhares.
sa da antropologia que Jidasse com análise e produção de
imagens demorou a se constituir, Seguindo o caminho aberto por Mareei Mauss, em seu
estudo sobre as técnicas corporais, e a influência direta do
A partir dos anos 1930 o paralelismo entre as duas his-
culturalismo de Franz Boas, Mead e Bateson objetivavam
tórias apontadas até aqui atinge seu ponto crítico com o esía-
estudar em Bali as relações e os comportamentos estabele-
aã Lunha
Antropologia e imagem
eidos pelas regras culturais expressas por elementos da co-
municação não verbal, como padrões gestuais e corporais nesse sentido, percebemos sua influência no trabalho de
nas relações entre pais e filhos, irmãs e irmãos e nas condu- Mead, que avançava cada vez rnais no. caminho de uma
tas vinculadas
hiera-rquia etc. a relações pautadas pelo respeito, elevação, abordagem psicoculturalista a partir de uma perspectiva
intercultural. Esses trabalhos de Mead foram publicados
Mead e Bateson atrib uíram à utilização cie fotografias e como Growing Up in New Guinea (1930) e Sex and Tempe-
filmagens um papel fundamental em sua pesquisa. Contu- ramentin Three Primitive Societies (1935).
do, esse papel estava vinculado à crença na objetividade do
Por sua vez, Bateson, antes de empreender a pesquisa
registro fotográfico e fílmico como suporte para preserva-
com Mead em Bali, aproximando-se do funcionalismo an-
ção de registros das expressões visuais de padrões culturais tropológico inglês de Malinowsld e Radcliffe-Brown, já ha-
que estariam fadados â extinção. Seria tarefa da antropolo- via realizado um trabalho entre os povos da Nova Guiné
gia dar a conhecer, estudar e produzir registros das culturas (Naven, 1936), no qual realizou um aprofundamento críti-
de todo o mundo antes que elas viessem a desaparecer, e, co em relação às noções de função e estrutura, procurando
nesse sentido, a fotografia e o cinema, considerados em seu
perceber o papel que o elemento sensível e emotivo desem-
aspecto técnico, se configuravam como instrumentos po-
derosos. penhava dentro de uma cultura: os papéis do éthos e do
eidos. Para Bateson, nenhum estudo funcional de uma cul-
Antes de realizar sua pesquisa ern Bali incorporando o tura estaria completo se a percepção do papel do éthos, .
cinema e a fotografia como instrumentos depé^^S1j>ara
compreendido como a "tonalidade afetiva geral da cultura",
abordagem de temas ligados a comportainentollprêgras não fosse levada em consideração.
sociais, e estimulada por Franz Boas, seu orientat||[> Mead
Juntando suas experiências anteriores e partindo da
já realizara outras pesquisas sobre assuntos afiiií^^^b sua
noção de éthos construída por Bateson, os dois antropólo-
abordagem da temática da puberdade e da sexualidade.
gos partiram para Bali com o objetivo de realizar um estudo
Boas incentivava investigações comparativas, embora sobre a constituição do conhecimento cultural não verbal,
defendesse a ideia de que o conhecimento do que há de
como ele se estrutura e se expressa na vida cotidiana. Para
comum entre as diversas culturas só teria sentido seprimei- isso, lançaram mão da fotografia e do cinema como aliados
ró os antropólogos se empenhassem em dar sentido a suas poderosos,
singularidades na tentativa de compreendê-las ern seus pró-
Como informa o antropólogo Etienne Samarn, que
prios termos. Boas também estava muito interessado no
dedica um longo artigo à contextualização e problematiza-
estudo das relações dos indivíduos com os laços cul furais, e, ção desse trabalho, MeadeBatesonacreditavamnairnagem
como instrumento de controle dos diferentes graus de sofís-
34. Anarea Barbosa e Edgar Teodoro da Cunha
Antropologia e imagem 33
ticação do lugar do pesquisador na pesquisa, E supunham
que as anotações escritas não dariam conta da riqueza de e elucidar coisas que o texto não consegue expressar, por
detalhes que o registro fotográfico e fílmico poderia oferecer outro, ela é por demais aberta e precisa de um discurso
para o estudo desses elementos da cultura. verbal para direcionar o olhar, a leitura, no sentido da dis
Mead e Bateson apostaram não só em outra forma dê cussão que o pesquisador quer desenvolver,
registro etnográfico, mas também em outra maneira de ex- Outra questão fundamental provocada por Mead e Ba-
pressão da reflexão antropológica quando optaram pela uti- teson em Balinese Character é a de que, assim como o texto,
lização extensiva de imagens na publicação dos resultados as imagens produzem ideias. Essa produção de ideias, con-
da pesquisa no livro Balinese Character: A Photographic tudo, parece ser mais "anárquica" e, para ser utilizada como
Analysis(1942). ferramenta científica, precisa ser "disciplinada" em seu co-
Nessa empreitada, ambos assumiram o desafio de tejamento com o discurso verbal. Essa contenção dos senti-
construir uma análise na qual existisse uma circularidade, dos possíveis, no entanto, parece também ter limites, pois,
uma mútua dependência e complementaridade entre a nar- além de "anárquica", a imagem também seria "rebelde",
rativa verbal e a visual, bem como o desafio de desnudar escapando, mesmo com o trabalho de associação ao texto,
todo o trabalho de edição dos dados da pesquisa, comum a às intenções cios autores e provocando outras possíveis
qualquer projeto etnográfico, mas que nunca é explicitado associações e sentidos na interação com o leitor.
como parte do processo de construção do conhecimento ou A utilização da imagem no trabalho antropológico te-
na apresentação de seus resultados. ria, assim, de lidar com essa polissemia, que acaba por tornar
No livro, o corpo centra] é composto por cem pranchas maisfl|mpíexos o movimento de ordenação epistemológica
fotográficas, perfazendo o total de 759 fotos dispostas lado das infifirnações obtidas em campo e também a própria
a lado com as análises verbais. A leitura do texto precisa das ^o de conhecimento, que se faz em várias instâncias:
fotos para adquirir sentido. A leitura das fotos depende das na interação entre antropólogos e sujeitos da pesquisa, na
informações que os autores apresentam para se constituir interação dos antropólogos com os dados (nesse caso, ima-
como narrativa etnográfica. gens e observação de campo para articulações mais abstra-
" O estabelecimento dessa relação dialógica entre texto e ías) e na interação dos leitores corn a ordenação e análise
imagem não é urna tarefa simples, ainda mais se pensarmos apresentada pelos antropólogos. Mead e Bateson tinham
na problematização que Mead e Bateson fazem do próprio plena consciência dessa problemática, mas, mesmo assim,
caráter ontológico da imagem. Para ambos, a imagem é assumiram o risco de não só realizar a pesquisa de campo,
polissêrnica: se, por um lado, ela tem a capacidade de evocar f como também de sistematizar suas reflexões a respeito uti-
lizando a fotografia e o cinema.
í'\a Barbosa e Edgar Teodoro da Cunha
Antropologia e imagem 35

Segundo Etienne Samain foram justamente essas ca-


racterísticas, por um lado experimentais e por outro am- New Guinea Baby, 1952; Childhood Rivalry in Bali and New
biciosas, de Balinese Character e dos filmes de Margaret Guinea, 1952; e Bathing Babies in Three Cultures, 1954) e a
Mead e Gregory Bateson, no tocante à articulação do discur- dança tradicional balinesa (Trance and Dance in Bali, 1952;
so verbal e imagético para a construção do conhecimento e Learning to Dance in Bali, 1978).
antropológico, que acabaram levando essa iniciativa a ser Esses ternas foram trabalhados por intermédio de per-
considerada, nos anos 1980, obra referencial, fundadora de sonagens e situações sempre apresentados pela narração da
um campo que passou a ser designado como antropologia própria Margaret Mead, inserida na época da montagem
visual. dos filmes. Os enquadramentos são sempre abertos e a câ-
rnera, estática, o que faz com que as situações sejam feitas
Na dinâmica do trabalho de campo, Bateson era o
para ela ou para os antropólogos atrás dela, cujo olhar pare-
responsável pelas filmagens e fotografias e algumas pistas
ce estar encantado com os corpos em movimento, seja num
nos indicam que a interação dos dois quanto ao estatuto da
momento ritual, seja numa situação doméstica cotidiana. O
imagem nessa fase do trabalho não era um ponto pacífico.
olhar da câmera e, não esqueçamos, do antropólogo, privi-
Mead considerava a câmera quase "um olho espião", para
legia esse corpo social em movimento, em relação.
utilizar expressão da antropóloga Anna Grimshaw. A câme-
Nesse sentido, percebemos pelos filmes que não são as
ra deveria estar estática, registrando impassível a cena que
mar cãs explícitas no corpo que interessam a Mead e Bateson
ocorria a sua frente. Ela almejava a menor interferência ^ para compreender o éthos balinês, mas marcas sutis, presen-
possível no comportamento e nas atitudes das pessoas fil- tes nos gestos, olhares e posturas. Aqui o olhar do antropó-
madas. Já Bateson parecia ser da opinião de que essa câmera logo que quer dar conta cie conhecer uma alteridadesupos-
"espia" era incapaz de ver qualquer coisa, A câmera precisa- tamente fadada ao desaparecimento se amplia, buscando o
va do olho do antropólogo, q -ie é intencional, ou seja, está registro extensivo de todos os procedimentos e performan-
sempre buscando algo. Não é de estranhar, portanto, o fato ces que não poderiam ser descritos de outra forma senão a
de o material filmada em campo só ter sido montado no visual. As imagens captadas equivalem a anotações minu-
início da década de 1950 por Margaret Mead, sem a partici- ciosas queposteriorrneute foram analisadas, e são essas aná-
pação de Bateson.
lises que se acrescentam às imagens no momento da mon-
Os sete filmes curtos montados a partir do material tagem do filme, da mesma forma que já fora feito com as
produzido em Bali e Nova Guiiié versam sobre temáticas fotografias.
como as relações familiares (A Balinese Family, 1951), a
infância (Karba'sFirst Years, 1952.; FirstDays in theLife ofa Jean Rouch: o antropólcgo-dneasta. Se até aqui a imagem
estava sendopensada pela antropologia como uma Janela de
. ...jui iuuuuio dd Cunha
Antropologia e imagem 37
acesso ao mundo ou como um instrumento de registro da
realidade mais minucioso, no trabalho de Jean Rouch essa Rouch e de outros das esferas de discussão predominantes
relação entre o fazer antropológico e a produção de imagens da antropologia. Essa situação acabou por estimular a dis-
torna-se mais complexa.
cussão que Rouch desenvolvia quanto ao fazer antropológi-
Com formação em engenharia, Jean Rouch parte a co. O prolífico antropólogo-cineasta produziu mais de cem
trabalho para a África no final dos anos 1940 e lá entra em filmes ern sua trajetória de mais de 50 anos de trabalho.
contato com uma realidade bastante heterogénea e diferen- Rouch foi urn incansável defensor da expressão da sub-
te da que chegava à França pelas etnografias clássicas, Deci- jetividade no filme etnográfico e ainda do fazer fílmico co-
de, então, continuar seus estudos cm etnologia e inicia pes- mo espaço privilegiado que possibilitava a associação da
quisa sob orientação de Mareei Griaule. Desde o início, linguagem cinematográfica em sua plenitude com os méto-
incluí a câmera em sua estratégia de pesquisa, mas o faz de dos de construção do conhecimento da pesquisa antropoló-
fornia questionadora. A perspectiva que vai se construindo gica. Sua questão era como construir reflexões antropológi-
não é a de uma câmera de filmar que registra ciados etnográ- cas com e a partir do filme. Seu foco foi a utilização do filme
ficos, mas a de um instrumento de comunicação com a como urna forma de contar e expressar coisas que não po-
_^realidade etnográfica. Esse é o primeiro elemento comple- deriam ser expressas de outra forma, principalmente o ima-
xifícaclor introduzido por Jean Rouch, que torna mais den- ginário que povoa a vida dos indivíduos ern seu contexto de
sas as situações etnográficas nas quais ele se envolve. vida. A câmera e seu operador-antropólogo tornavam-se
A cârn.era estimula a relação no cal^o com os sujeitos nesse percurspjy|||fites e sujeitos na realidade etnográfica, s
da pesquisa e provoca a relação, fora Tdo campo, com os Não havia nef^fflp^.ántenção de confundir o espectador
espectadores do filme. A prática etnográfica associada ao quanto ao processoy j' *•
de construção que envolvia esse tipo de
cinema propiciaria o estabelecimento 'cfêúma antropologia elaboração do conhecimento: pelo contrário, era impres-
compartilhada, alvo importante do trabalho desenvolvido cindível que íidílse claro o ponto de vista que alinhavava Q
por Jean Rouch, em tempos de revisão e crítica ao colonia- filme.
lismo, e, no caso específico do campo de Rouch, da desco- Rouch elf);f a reflexibilidade e a. stibjetividade corno
lonização e emancipação das nascentes nações africanas. pilarei de sua produção intelectual. A verdade do filme
A recusa, naquela época, por parte d e instituições aca- estava justamente ern tornar clara esta perspectiva: a reali-
démicas como a Sorbonne na França, em considerar o cine- dade filmada era a realidade presente nas relações estabele-
ma etnográfico uma foirna de produção antropológica legí- cidas entre o antropólogo e os sujei t os com os quais filmava.
tima acabou por alijar a produção cinematográfica de Plerdeiro por um lado de Flaherty, no que tange a uma
câmera participativa, integrada no cot.id.iano dos sujeitos, e,
-,u /-Miurea Baroosa e Edgar Teodoro da Cunha
t
Antropologia e imagem 39
por outro, do russo Dziga Vertov, que defendia a presença
do autor como construtor da realidade ou da verdade fílmi- considerava a realização fílmica parte da sua prática antro-
ca, Rouch construiu um método de trabalho calcado na pológica.
provocação, na negociação e na criação. Em Mói, un noir, a narração, característica de boa parte
Sua discussão antropológica não se dá na esfera das dos trabalhos de Rouch, se dá em três instâncias, eviden-
grandes teorias, mas da prática. A antropologia rouchiàna, ciando a preocupação do autor em criar dentro do filme um
como aponta Renato SztuLman, é definida pela prática cine- espaço de diálogo sem, no entanto, abrir mão da autoria. Na
matográfica e com ela pretende compor um programa ético. primeira instância, cie caráter mais descritivo e tradicional,
Para Rouch a questão era rnenos realizar a descrição de uma o narrador, no caso o próprio Jean Rouch, nos introduz aos
dada realidade do que estabelecer com o grupo estudado personagens e ao ambiente de Treichville, bairro de Abdí-
um diálogo sempre potencializado pelo cinema que, como jan, na Costa do Marfim, que o filrne toma corno cenário.
linguagem, poderia ajudar a pensar a prática etnográfica e, Na segunda e na terceira instâncias inserem-se as vozes dos
por conseguinte, a própria antropologia, personagens — como Robinson — que conduzem a nar-
A câmera subjetiva, as improvisações, atuações dos su- rativa.
jeitos filmados e a narração marcando ou sugerindo um olhar O autor traz à cena ainda alguns diálogos entre os
específico para o que foi filmado fazern parte de um projeto atores, que, curiosamente, jamais correspondem à imagem
ético e estéticoj-no-qual discurso etnográfico e experiência que se vê. A sequência final do filrne é um bom exemplo
etnográfica são indissociáveis, Rouch, mesmo tendo cola- disso, nela Eddie Constantine e Edward Robinson, errTum
borado para o aperfeiçoamento do projeto do Nagra, grava- travelling ao longo da costa litorânea de Abdijan refletem
dor de som inventado por Stefan Kudelski nos anos 1950, sobre a experiência imaginária da guerra da Indochina e
que permitia a sincronização do som com a imagem, não sobre seus p roj etos futu ros. '• '
utilizou esse recurso na chave realista. A verdade, para Nessa sequência, imagem e som es tão em evidente des-
Rouch, que gostava de parafrasear Vertov, está no filme. É a continuidade, no entanto, integrados em uma unidade de
verdade do filme. É, portanto, considerando o filme uma, grande lirismo e drarnatlcidade, evidenciando os dispositi-
forma de acesso a essa outra realidade que leva em conta o vos do filme enquanto linguagem, e principalmente como
imaginário individual e cultural, que Rouch reaJiza -seus processo. Isso se dá também na utilização de depoimentos
filmes. Mói, un noir (1957J e Chronique d'un été (1961) são dos protagonistas do filme registrados após a captação, so-
bons exemplos da maneira questionadora com a qual Rouch brepostos is irnagens, comentin do sua própria, p erforman-
ce e suas indagações ao longo io processo ocorrido.
tu Andrea Barbosa e Edgar Teodoro da Cunha
Antropologia e imagem 41

Chronique d'un été, dirigido em parceria com o soció-


logo Edgar Morin, é exemplar dessa espécie de feedback pois elas privilegiariam a voz enquanto meio de objetivação
propiciado pelo dispositivo do filme. Boa parte dele temati- de um argumento, em detrimento da imagem, marcada pela
za a apreciação de seus personagens a respeito cie suas per- performance, pelo ato e a ação. Segundo essa visão, ao falar^
formances no filme e, a partir daí, novas questões se colo- sobre como vivem, as pessoas estariam fazendo urna racio-
cam e a narrativa se desdobra em caminhos surpreendentes, nalização da ação, e não é esse o foco das questões que mo-
bilizam esse tipo de cinema. O que interessa é a ação pro-
David e Judith MacDougall: cinema como meio de pensar a priamente dita, que contém a possibilidade de refletir a seu
antropologia, David e Judith MacDougall encontram a an- respeito e cie seu significado para os sujeitos do filme.
tropologia nos Estados Unidos, nos anos 1960, em um mo- A performance para a câmera pressupõe uma afinidade
vimento de busca de um modo de trabalhar corn áreas negli- com as performances cotidianas, e a opção é justamente
genciadas da vida social. O ambiente universitário era então mostrar os sujeitos na vicia e não falando sobre ela. Nesse
permeado por ideais democráticos, provocado pela memó- caminho estaria a chave da utilização do cinema como ins-
ria de um pós-segunda guerra ainda vívido e pelo movimen- trumento para construção de um conhecimento antropoló-
to de crítica ao estado homogeneizador norte-americano e gico. A realização cinematográfica apresenta-se como uma
de oposição à Guerra do Vietnã.
possibilidade de refletir sobre questões epistemológicas, já
Questões sociais fervilhavam e movimentos éticos e que o próprio processo de construção do filme passaria por
estéticos apontavam como possíveis respostas^É^eaminhos uma discussão de categorias e métodos muito próximos aos
abertos pelo neo-realismo italiano, pelo cinema'ciireto nor- " cía antropologia. Essa preocupação perpassa todo o trabalho
te-americano, pelo cinema verdade de Jean Rouch è até
de ambos, que ainda hoje estão em franca produção, já con-
mesmo pela Nouvelle Vague francesa. No final da década de tando com mais de duas dezenas de filmes.
1960 David e Judith participaram de um curso coordenado
Ainda no final da década de 1960, os MacDougall vão
por Colin Young na Universidade da Califórnia, Los Ange-
para a África e lã realizam duas trilogias: uma em Uganda,
les, que tentava aliar uma perspectiva do cinema direto
com os povos Jie (The Live with Heras, 1968-72; Nawi,
norte-americano à inspiração retirada da etnografia clássica
1968-72; e Under Mens Tree, 1968-74) e outra no Quénia
de Malinowski, cuja atenção se voltava para a vida cotidiana.
entre os Turkana (The Wedding Catneb, 1974-77; Lorangs
Surge assim o chamado observational cinema, cinema de
observação. Way, 1974-79; A WifeAmcng Wives, 1974-81).
Para esse novo género, a questão do método era funda- Nessa primeira fase do trabalho existe significativa ade-
mental: em seus filmes, entrevistas não são bem-vindas, são à proposição do cinema de observação, segundo a qual
o cineastadeveriatornar-.se invisível no campo a fim de obter
tsaroosa e Edgar Teodoro da Cunha
Antropologia e imagem 43

dos sujeitos urna atuação mais próxima de sua vida cotidia-


. na. Nessa perspectiva, a familiaridade com o contexto seria quer dramaticidade. Seu foco não recai sobre rituais ou
a responsável por fazer a câmera desaparecer na cena e, com processos de produção da cultura material, rnas sobre situa-
ela, o realizador. Esse caminho visa a um resultado estético ções corriqueiras que muitos não perceberiam como bons
muito próximo dos objetivos do cinema neo-realista, cujos objetos fílmicos.
filmes procuram mostrar a vida acontecendo diante das Outra característica relevante é que seus persona-
câmeras. gens/sujeitos são sempre pessoas com as quais os MacDou-
Característica bastante interessante no trabalho dos gall criaram vínculos durante a pesquisa etnográfica. Essa
MacDougall é justamente a constante reavaliação dos obje- situação é sempre explicitada enrsutis aparições, como um
tivos e estratégias colocados nos diversos filmes. Essa postu- comentário lacónico dos pesquisadores ou mesmo a inclu-
ra altamente reflexiva atenua o excesso de racionalismo e são no filme de perguntas dos sujeitos a eles direcionadas.
fornece ao conjunto da produção extraordinária coerência, Se por um lado percebemos sua filiação ao que chama-
cada filme tentando resolver os limites epistemológicos en- mos de cinema de observação, por outro, eles se afastam da
contrados no anterior. ideia mais radical de objetividade inconteste e explicitam a
Após o período africano, David e Judith se transferem presença do realizador corno participante da situação de
para a Austrália, onde atuam como pesquisadores do Cen- pesquisa. Seus filmes não oferecem a presunção da onis-
tre for Cross-Cultural Research da Universidade Nacional ciência dos documentários expositivos dirigidos pela narra-
da Austrália. Trabalham.também cm colaboração com o ção», nem uma pretensão de objetividade, marca dos docu-
Australian Institute of At>|>riginal Studies e produzem uma míj|iário5 de observação.
série de filmes a partir dj^uma
«.i 9
demanda política realizada
por grupos aborígines. Entre rles, estão GoodBye OldMan,
1975-77; Take Over, 1978-81; e Three Horsemen, 1978-82.
f ies mostram de forma sutil a participação dos pesqui-
:s no processo de construção de conhecimento sobre
o muro. Esta é, aliás, a questão central de todo o trabalho de
Davicl e Judith MacDougall: a construção do conhecimento
Na reflexividade que sempre esteve presente no cinema
etnográfico que eles empreendem desde os anos 1960 já es- pela interação da realização cinematográfica na pesquisa
tavam presentes elementos como a relevância da experiên- etnográfica.
cia individual, o universo afetivo e sensório e as escolhas que Seus filmes, sempre cuidadosos em relação ao diálogo
fazem parte de todo trabalho de Campo, mas que raramente com seus interlocutores, nos fazem realizar o que David
aparecem nas etnografias escritas. Seus filmes querem nos MacDougall reafirmou diversas vezes em textos e entrevis-
levar a penetrar os momentos da vida cotidiana sem qual- tas: crRefietir sobre a vida de alguém e suas relações com os
outros é também dela participar." A reflexão não ocorre
44 Andréa Barbosa e Edgar Teodoro da Cunha Antropologia e imagem «

após o trabalho de campo, mas durante todo o processo em Aqui existe mais um dado interessante a se perceber no
que vivemos a situação do campo e o grande desafio é como trabalho de David e Judith: as características etnográficas não
construir essa experiência fflmicamente. estão somente no assunto tratado, que pode ser mais ou menos
Partindo dessa perspectiva, é impossível separar a ela- exótico, nem na explicitação verbal dos objetivos, tampou-
boração da pesquisa da própria situação fílmica. Ao optar co num supôs to respeito ético para com os sujeitos do filme.
por filmes sem muitas entrevistas ou narrações, mas com Está essencialmente na estética que é construída no filme.
diálogos explícitos ou implícito»; entre pesquisador e sujei- Em finais dos anos 1980, os MacDougall passam a de-
tos e com cenas longas em que acompanhamos as ações dos senvolver projetos de pesquisa na índia e o primeiro filme
sujeitos, eles pretendem trazer para o filme a qualidade cie dessa fase é Photo Wallahs (1988-91). Nele, o foco recai
nos fazer mergulhar na experiência da relação construída sobre a questão da visualidade ou, melhor, nas formas vi-
para a pesquisa. suais do conhecei. Existe uma preocupação explícita em
A reflexividade expressa-se como estilo ou proposta trutar fílmicamente questões como a experiência, a subjeti-
porque não há como separar a .realização do filme das vidade e a intuição no processo de construção da vida coti-
preocupações epistemológicas que acompanham esse pro- diana e do conhecimento antropológico.
cesso: como o filme representa o conhecimento? que tipo de Photo Wallahs tem como tema central a questão da
conhecimento está disponível para os antropólogos/cineas- hierarquia social e também a da hierarquia estética. Não há
tas? como lerribrar aos espectadores que os filmes qualquer intenção de fixar urn significado estrito por meio
marcam um ponto de vista que é construído numa situaçãó do filme, pois ele, assim corno as fotografias, que são seu
de pesquisa que é também a própria situação fílmica? tema, permanece aberto e indeterminado. O filme está an-
Para David MacDougall a reflexividade está sutihnente corado, por um lado, em uma perspectiva temporal e, por
presente no filme e, para percebê-la, o espectador precisa outro, numa perspectiva espacial.
engajar-se de forma mais imaginativa; a reflexividade, por- Pergunta-se o significado da fotografia e de seus usos
tanto, não está na presença física dos pesquisadores ou do para pessoas de urna cidade turística nas montanhas. Mos-
aparato técnico nos enquadramentos, mas no movimento tram-se fotos que são produzidas no momento das filma-
de câmera, no enquadramento, na seleção do que está den- gens e fotos antigas apresentadas por alguns fotógrafos ve-
tro e fora do quadro, na opção da montagem, enfim, em teranos. Somos legados a outra questão, que é o vídeo,
uma grande quantidade de elementos que o próprio cineas- também se colocando corno faceta importante para enten-
ta não pode precisar, justo porque ele está intimamente der as novas e aatigas relações construídas so~bre a imagem,
envolvido na situação vivida e filmada. Essas questões vão sendo apresentadas não num discurso
••u «nuiea carnosa e togar leodoro da Cunha Antropologia e imagem 47

direlo e racional, mas numa série de justaposições de ima- O filme se configura assim como uma arena para se
gens e tempos: imagens que evocam em vez de explicitar urn exercer uma fornia de engajamento no mundo, expressan-
significado. A questão epistemológica que se coloca numa do uma relação entre filme e política, e uma forma de ques-
proposta como essa é: que tipo de conhecimento é produzi- tionamento do mundo. Ele exige um papel ativo e criativo
do quando lidamos com fotografias e filmes ou vídeos pro- do espectador, pois evoca em vez de demonstrar e o coloca
duzidos num contexto no qual seu sentido desliza? também na posição de agente, tanto quanto o sujeito e o
Interessante, também, é perceber que o ato de realizar pesquisador, na construção dos sentidos possíveis.
um filme parte de uma preocupação etnográfica em com- O filme construído com esse propósito é capaz de tor-
preender os contextos com os quais se está envolvido, o que nar-se experiência, de tornar-se parte das subjetividades
não implica necessariamente a realização de uma etnografia envolvidas na sua realização. Aqui chegamos a um ponto
escrita sobre essa mesma experiência. Embora David Mac- importante, que é o fato de David MacDougall desenvolver
Dougall escreva bastante sobre suas reflexões, o momento- em seus artigos as questões epistemológicas que mobilizam
chave para que essa etnografia aconteça é o momento da suas pesquisas/filmes e neles ter forjado o conceito de "cine-
realização do filme, pois é nessa situação que podemos com- ma intertextual" para o tipo de cinema etnográfico que ele
preender aspectos culturais que não surgiriam de outra forma. propõe e realiza. A partir desse conceito, a relação construí-
Aqui a cultura não está sendo considerada algo anterior da entre realização cinematográfica e pesquisa ou entre pes-
e que é preciso fazer o filme mostrar. A cultura é expressa quisador/realizador e sujeitos cio documentário torna-se o
nas relações que são construídas e evocadas em situações foco do problema. O cinema intertextual cria no espaço de
contextuais, como a da realização do filme. Existe nessa realização dó filme um ambiente também privilegiado para
perspectiva um certo posicionamento crítico em relação a a reflexão antropológica, pois é pensado corno o lugar do
uma noção essencializada de cultura embutida na noção de encontro, como o espaço em que "observadores" e "obser-
presente etnográfico. Nesse sentido, os filmes de MacDou- vados" não estão essencialmente separados, e em que a
gall se afastam da inspiração malinowskiana. observação recíproca e a troca estabelecida foram o centro
De maneira sintéticarpodemos dizer que as preocupa- sobre o qual recai o foco — intersubjetividades criando
ções que norteiam o trabalho de David e Juclith MacDougall intertextualidades.
caminham no sentido de colocar a noção de realidade e de Se lembrarmos que rio início do cinema e da antropo-
representação justapostas para instaurar uma possível refle- logia havia uma tendência catalogadora das diferenças, per-
xão entre essas duas instâncias sempre apresentadas em cebermos que, com o passar do tempo e com as mudanças
oposição. epistemológicas, essa preocupação cede terreno, embora
Andréa Barbosa e Edgar Teodoro da Cunha Antropologia e imagem 49

não se esgote, para uma postura que assume a troca de olha- particular no âmbito cia antropologia. Imagem como méto-
res. O significado não é dado a priori nem espera para ser do ou técnica adotados na pesquisa de campo, dado bruto
decifrado; é antes construído a partir da interação entre os de pesquisa ou registro, expressão de um processo de pes-
sujeitos envolvidos na experiência da construção do conhe- quisa e ainda a imagem, ou narrativas visuais e audiovisuais,
cimento que, no caso das experiências aqui levantadas, é como objeto de análise para a antropologia são alguns dos
potencializada pela realização fflmica, caminhos abertos nesse sentido.
É interessante perceber que a questão da reflexividade Se é verdade que a antropologia sempre teve grande
presente nas experiências da produção de imagens no âm- interesse pelo visual, é também evidente sua dificuldade
bito da pesquisa etnográfica antecede seu aparecimento na quanto à maneira de lidar com ele na prática antropológica,
experiência etnográfica ou antropológica mais tradicional e o que se expressa na própria dificuldade em definir um
expressa na etnografia escrita que só vai ser problematizada estatuto claro para esse campo.
ao longo da década de 1980. A utilização da linguagem Historicamente, como vimos, o foco na utilização de
audiovisual "despida" de seu efeito de real, de sua naturali- imagens estava a princípio direcionado para o conteúdo,
dade, apresentou-se, assim, como um recurso fértil para incor- paia uma alternativa "mais segura" e mais "objetiva" de
porar a reflexividade no fazer etnográfico. A linguagem audio- registro das observações de campo. A câmera era considera-
visual ajudou de certa forma a evidenciar e a problematizar da quase um instrumento de precisão, mas aos poucos o
a "construção" ou o "efeito de real" das etnografias clássicas, recurso da imagem na pesquisa antropológica foi-se desco-
lando da função de registro de dados etnográficos e ganhou
outras possibilidades.
tff !^Ç

Quallblugar da imagem na
pesquisa antropológica? Produção de imagens corno método ou técnica adotado na
pesquisa de campo. Mesmo quando o propósito do uso de
Até aqui exploramos alguns aspectos-do desenvolvimento imagens na pesquisa possui um cunho mais "documental"
paralelo do cinema e da antropologia demarcando os pon- de registro de informações e situações de campo, elas po-
tos de contato e a consolidação de uma prática audiovisual dem ser utilizadas no trabalho com uma série de variações.
no campo antropológico. Olhando, porém, para esse longo A produção de imagens no âmbito da pesquisa de campo
processo de desenvolvimento, cabe perguntar acerca dos pode, nesse sentido, ater-se a urna aderência "realista", na
usos da imagem em geral e da imagem em movimento, em qual elas figuram como material comprobatório da presen-
50 Andréa Barbosa e Edgar Teodoro da Cunha Antropologia e imagem 51

ca do antropólogo em campo, um exemplo "palpável" de aspecto a antropologia dificilmente conseguirá se desvenci-


situações e contextos etnográficos ou ainda como descrições lhar —, por outro lado, os antropólogos contribuem para o
visuais destas mesmas situações. questionamento sobre a forma de apreensão e interpretação
Há, contudo, outra aproximação, segundo a qual essas da realidade filmada.
imagens captadas no processo de pesquisa são, elas mesmas, A antropologia que mobiliza imagens em sua prática
objeto de reflexão e análise. Neste último caso, a imagem mostra que, isoladamente, a observação possui limitações
não é vista como dado empírico objetivo, mas como ponto quanto à produção de conhecimento. Mostra que a perti-
de partida para uma reflexão conjunta sobre determinados nência da observação etnográfica está centrada na constru-
contextos e situações, e podern ou não constituir material a ção de um olhar compartilhado, resultante da interação e do
ser incluído no formato final de apresentação dos resultados confronto entre universos culturais distintos. Pensamos
da pesquisa, seja tese, artigo ou relatório. São imagens de que é nesse aspecto que o filme etnográfico pode potencial-
um processo e a decisão de expô-las na reflexão final depen- mente distanciar-se do filme documentário convencional,
de das escolhas e dos objetivos do pesquisador. Existe uma longa discussão sobre a pertinência ou não
Nessa situação, podemos citar, como exemplo, ima- da denominação filme etnográfico e ela também se confun-
gens captadas que são utilizadas como parte da devolução de com a discussão mais geral da definição de um campo
do trabalho do antropólogo aos grupos pesquisados, corno para a prática antropológica que lida com a imagem. De
eos e fotografias que são mostrados e comentadc fçrffiã geral, essa categoria é pleiteada por antropólogos que
eitos durante o próprio processo de pesquisa, è lã p realizam filmes e vídeos em suas pesquisas e sentem neces-

agens utilizadas com mediadores para o estabelecii sidade de distinguir essa realização das empreendidas pelos
.e vínculos com os sujeitos no campo, como ré meios de comunicação de massa ou mesmo por cineastas e
gravações em vídeo por eles solicitadas e cuja reaí jornalistas, que atuariam orientados por objetivos diversos
firma importante reciprocidade para o desenvolvimento da do projeto antropológico.
pesquisa. O primeiro elemento levantado como bandeira é a
presença de uma longa pesquisa que informa e forma o
A imagem como expressão de :>im processo de pesquisa. O filme. Não basta o tema ou o contexto de realização do filme
desenvolvimento estético do documentário influenciou ser "tipicamente" etnográfico, como grupos minoritários
profundamente os moldes do filme etnográfico. Se, por um ou tradicionais, ou conflitos sociais. Para ser classificado
lado,'os cineastas contribuem para o questionamento da como etnográfico, seu processo de realização deve ser infor-
objetividade e do realismo do registro fílmico — e desse mado poi preocupações antropológicas. A realização do filme
Armrea Barbosa e Edgar Teodoro da Cunha
Antropologia e imagem 53

deve fazer parte de um processo cie reflexão antropológica


Podemos retomar, nesse sentido, o conceito de "cine-
na qual ele se afirma como expressão.
ma intertextual" de David MacDougall, ou seja, que o espa-
À parte toda uma discussão sobre os graus de valor
ço de realização do filme serve também à reflexão, desde que
etnográfico, ou sobre o quanto um filme pode estar mais
pensado como o lugar do encontro e possibilitando, dessa
próximo ou mais distante dos propósitos antropológicos,
forma, um entendimento da produção de imagens ou nar-
encabeçada por Karl Heider em seu livro sobre o filme
rativas audiovisuais corno inseparáveis da produção de
etnográfico, talvez a busca de uma especificidade desse tipo
questões teóricas no âmbito de uma pesquisa etnográfica.
de filme se coloque no âmbito de um processo também
Nesse caminho vão também as reflexões de Etienne
específico de realização. Nesse sentido, nem sempre essa
Samain ao afirmar que as linguagens audiovisuais definem
característica é visível no produto final.
formas específicas de apreensão do mundo e proporcionam
___^-, Muitas pessoas julgam precipitadamente que o filme
estilos cognitivos e modos de compreensão e interpretação
etnográfico deva ter técnica e estética toscas, como se esse
próprios. Elas oferecem alternativas para a construção de
dado fosse menos importante que o conteúdo tratado. Con-
modos de ver, elaborar e construir o conhecimento. <f
tudo, percebemos nos exemplos de Jean Rouch e David
Assim, além de método, as linguagens visuais e audio-
MacDougall que tanto técnica como estética são elementos
visuais promovem "matrizes geratívas de uma outra manei-
constitutivos do que a linguagem audiovisual pode oferecer
ra de pensar novos e velhos campos da antropologia" e se
como possibilidades para uma reflexão acerca de um tema
--m.ogJM^É|™|'ticularmente eficazes para compreender ern / .H
de interesse antropológico.
novâsrgjfflllpes o imaginário humano, individual e coletivo.
O julgamento que se apoia em morfologias a fim de
conferir ao filme um rótulo ou mesmo um stalus — e, no
narrativas visuais e audiovisuais como objeto de
fundo, é disso que se trata — vai depender de informações
gens fotográficas, fílmicas e, mais recentemente,
que invariavelmente estão fora do filme e esvaziam discus-
videográficas retraiam a história visual de uma sociedade,
sões de natureza classificatória.
expressam situações significativas, estilos de vida, gestos,
Quando falamos a respeito da imagem como expressão
atores sociais e rituais e aprofundam a compreensão de
de um processo de pesquisa, estamos de certa forma assu-
expressões estéticas e artísticas. Nesse caso, o que está em
mindo o quão estéril pode ser a tentativa de classificar e
jogo é a análise de imagens e discursos visuais, produzidos
rotular uma prática, o que não significa, entretanto, que
no âmbito de uma cultura, como uma possibilidade para
estamos renunciando a refletir sobre a especificidade dessa
dialogar com. as regras e os códigos dessa cultura. Imagens
prática.
podem ser utilizadas como meio de acesso a formas de
54
Andréa Barbosa e Edgar Teodoro da Cunha
Antropologia e imagem

compreensão e interpretação das visões de mundo dos su- - •_ r f-..


jeitos e-das teias culturais em que eles estão inseridos. "realidade". No entanto, no mundo contemporâneo, ela se
tornou o centro das fornias de fruição do mundo—está nas
Nossa sociedade confere ao olhar um enorme poder.
Até mesmo os atos de pensar e de conhecer parecem ter ruas, nas casas, no céu, nas roupas, nos jornais, nos carros,
origem no olhar, se levarmos em conta disciplinas como a formando uma espécie de banco de referências para a cons-
antropologia, que se baseia sobretudo no método da obser- trução da experiência cotidiana. A comunicação se estabe-
vação. Partindo desse princípio, construímos todo urn con- lece por meio de signos e estes se transformam culturalmen-
junto de códigos e significações fundamentados na expe- te em significações. As representações são justamente as
riência visual que são, na maioria das vezes, naturalizados. manifestações exteriores dessa significação construída pelos
Podemos perceber facilmente o quanto a leitura e a escrita indivíduos em seu fazer cotidiano. Uma representação não
requerem um longo esforço de aprendizagem, mas não cos- é uma realidade observável, mas um conjunto abstraio que
tumamos considerar o rnesmo em relação às linguagens só conhecemos por certas manifestações exteriores que re-
visuais. Talvez por estarem ligados a nossas relações mais constituímos mediante relatos, imagens e narrativas,
primárias com o mundo, olhar e ver não se distinguem. v Nesse sentido, o contexto em que as imagens são cons-
O antropólogo que lida com a imagem não pode, no truídas e articuladas é fundamental para percebermos os
entanto, destituir o olhar de sua força de significação. O possíveis significados criados. O contexto é crucial na análise
olhar capta o que pode significar, diferentemente da visão, dos filmes não por ser definitivo, mas por ser provocativo,
que é uma competência física do corpo humano. Sua visão sugestivo, por viabilizar a construção deíum. quadro de
é genérica, o olhar é intencional, e as formas de olhar são possibilidades. As imagens que compõem urn filme são ele-
resultado de uma construção que é cultural e social. ^Y mentos que, considerados em conjunto, nos permitem pen-
Os trabalhos antropológicos que lidam com a análise sar, articular significados que, de forma isolada, não acon-
da imagem nessa perspectiva lidam também com o cruza- teceriam,
mento de olhares: o do autor das imagens, os dos sujeitos da
Que representações surgem na produção cinematográ-
imagem e o do próprio pesquisador. É nesse cruzamento de
fica de uma época ou de um grupo social? Que imagens se
intencionalidades que reside a possibilidade de pensar a
integram às representações? Em que medida, no cinema,
imagem como um objeto fértil para a reflexão antropo-
lógica. essas representações se tornam coletivas? Trabalhar com
filmes exige saber que se está trabalhando com. a repre-
A imagem sempre esteve presente na experiência hu-
sentação de um imaginário cotidianamente recriado e em
mana se a entendermos como qualquer representação da
movimento.
LLIIllld
Antropologia e imagem 57

Uma forma bastante comum de olhar a relação entre


cinema e sociedade é a que define o primeiro como um elementos simbólicos, e os filmes, artefatos culturais extre-
reflexo da segunda. Talvez essa seja a forma mais imediata, mamente férteis para o estudo antropológico. Em um mo-
embora também a mais enganosa, de lidar com essa reJação. vimento espiralado estamos continuamente ordenando e,
de maneira simbólica, recriando o mundo e, nesse sentido
Outra visão, a nosso ver mais rica e cheia de possibili-
produzindo conhecimento.
dades, é a que encara a reJação entre cinema e sociedade
como uma rua de mão dupla. O cinema é, sim, produto das De acordo com a antropóloga Sylvia Caiuby Novaes, a
formas pelas quais uma sociedade constrói suas representa- análise de filmes e vídeos permite outra entrada na história
ções. Um filme opera os códigos culturais da sociedade da cultural de grupos sociais, bern como um melhor entendi-
qual ele é originário. Ele faz parte de urn contexto. Mas esse mento dos processos de mudança social, do impacto do
mesmo filme, por suas características de interação com o colonialismo e da dinâmica das relações interculturais. Des-
indivíduo por meio de sua linguagem, possibilita um retor- sa forma, imagens de arquivo ou contemporâneas coletadas
no, de forma "digerida" ou "ressignificada", dessas repre- ern pesquisa de campo podem e devem ser utilizadas como
sentações para a sociedade. O cinema faz parte da realidade fontes que conectam os dados à tradição oral e à memória
dos grupos estudados.
social contemporânea e, como parte irredutível do social,
constitui uma dimensão pela qual os homens constróem a Assim, o uso da imagem acrescenta novas dimensões à
percepção de si mesmos e do mundo. ,- .-. interpretação da história cultural, permitindo aprofundar a
vffl^iWK'" compreensão do universo simbólico que, por sua vez, se
Dessa perspectiva, o cinema não ";^ra|:rser entendido
como algo pronto e operacionalmente uuMaclo para forta- exprime em sistemas de atitudes pelos quais se definem
lecer regras e definir relações sociais, neni tampouco só ser grupos sociais, se constróem identidades e se apreendem
mentalidades.
considerado em seus termos técnicos ou estéticos. Como
Clifford Geertz alertou: a arte faz parte cia vida. É preciso Como antropólogos, nos interessamos pelo estudo de
entendê-la, então, como parte de um complexo processo mitos, máscaras e rituais, procurando, mediante análises
pelo quai procura-se dar sentido ao mundo, e o cinema detalhadas, elementos que nos permitam uma melhor com-
corro um processo que busca imprimir uma significação preensão da organização social de uma determinada socie-
possível para o mundo operando sua reelaboração visual e dade e do universo de valores que orientam padrões de
sonora. comportamento e mesmo as categorias básicas de um pen-
samento que é culturalmente marcado.
Elementos estéticos como a luz, a cor e o enquadra-
mento, quando observados desse ponto de vista, tornam-se Muitas vezes não percebemos que, tanto quanto esses
aspectos da organização social e da cultura material, ima-
5» Andréa Barbosa e Edgar Teodoro da Cunha
Antropologia e imagem 59

gens fílmicas e fotográficas podem revelar dados fundamen- Dessa forma, a problematização dos modos dever im-
tais sobre nossa própria sociedade e nosso modo de pensar. põe-se como uma tarefa que possibilita a expansão do olhar
Da mesma maneira que essas outras temáticas, abordadas e a delimitação de novos problemas, permitindo a passagem
tradicionalmente por antropólogos e sociólogos quando de um exercício de construção de conhecimento baseado na
querem ter acesso à esfera simbólica cie um coletivo social imagem como objeto para outro, em que as imagens podem
específico, também o cinema, enquanto artefato cultural, é ser pensadas como modos de ver, olhar e pensar, ampliando
uma via de acesso privilegiada para os objetivos a que a
as possibilidades de análise dos domínios do
antropologia e as ciências sociais em geral se propõem.
As imagens fílmicas, tal como mitos, rituais, vivências
e experiências, condensam sentidos e dramatizam situações
do cotidiano, descortinando a vida social e seus contextos Conclusão
de significação. Os aspectos recorrentes e inconscientes do
agir social estão igualmente presentes nas imagens fílmicas Indicando os pontos de contato e interlocução entre antro-
e fotográficas, cabendo ao pesquisador investigar as relações pologia e imagem, pretendemos trazer à luz o quanto a
que se constróem e os significados que as constituem. antropologia, disciplina dedicada ao estudo de "alterida-
Se mesmo contemporaneamente cientistas sociais des", se torna ela mesma aberta a variações no processo de
vêem com reservas uma maior aproximação com a imagem, construção do conhecimento. Graças ao fato de estar em
isso talvez seja pelo fato de eles ainda associarem a imagem permanente contato com outras formas de pensar e inven-
a signos naturais em oposição às palavras como signos con- tar o mundo, a antropologia é urna área do conhecimento
vencionais. Ufflbposição dessa ordem ignora o fato de que que necessita de engenho e criatividade para sejgghiventar
olhar não é apenas um fenómeno fisiológico — assim como em face dos novos desafios cotidianamente colocados.
imagens fíJmicas ou fotográficas não são apenas cópias do Estamos aqui utilizando o termo "invenção" no senti-
mundo visível — e também nossa capacidade de perceber do de criação, como fictio, algo construído. A antropóloga
por meio da linguagem exatamente aquilo que procuramos Marilyn Strathern, aliás, em artigo da década de 1980 —
estruturar e ordenar, sobretudo aquilo que conhecemos^X quando se viria um momento de grande questionamento
Concebemos o mundo por valores que delimitam nossa pós-moderno quanto às representações construídas nas et-
capacidade de olhar, nossa percepção e nossas possibilida- nografias clássicas —, classifica a produção etnográfica
des de apreensão de sentido. como "ficções sérias".
ou Anarea tsartjosa e Edgar Teodoro da Cunha Antropologia e imagem 61

O que esse momento crítico traz é uma provocação pológico. Vale, porém, o esforço para quem tem interesse
bastante pertinente, na medida em que toca o ponto central em enveredar por essa seara. Nos filmes os leitores poderão
da disciplina: a relação do antropólogo com o conhecimen- perceber as questões apontadas ao longo deste texto e pos-
to que produz. Essa reflexividade no interior da antropolo- sivelmente muitas outras, dado o caráter polissêmico da
gia, desencadeada naquele período e direcionada sobretudo imagem, que também foi aqui tratado.
para a crítica da representação escrita do conhecimento
etnográfico, acaba por possibilitar a abertura do enquadra-
mento e o retorno a discussões de trabalhos como os em-
preendidos por Margaret Mead, Gregory Bateson, Jean
Rouch e David e judith MacDougall que, corno sublinha-
mos, vinham sendo desenvolvidos, desde muito tempo, à
margem das grandes discussões realizadas no meio acadé-
mico antropológico. Mesmo o trabalho que Mead e Bate-
son, antropólogos de grande popularidade, desenvolvem
com as imagens permanece sem grande repercussão.
A inventividade sempre esteve presente, e a incorpora-
ção da imagem, seja ela fotográfica ou em movimento, ao
processo de construção da prática antropológica constitui,
assim, não mera questão de método, mas sobretudo uma
questão epistemológica. Não se trata, portanto, dejfei novo
meio para simplesmente produzir dados de pesquisa ou de
estabelecer contatos e vínculos no campo, mas de propor, a
partir da inclusão da imagem, novas questões e novos pro-
blemas.
Terminamos sugerindo aos leitores que assistam aos
filmes comentados ao longo do texto. É certo que nem todos
são de fácil acesso, e esta é uma séria dificuldade que ainda
temos de enfrentar: a péssima distribuição dos documentá-
rios em geral e, especificamente, daqueles de cunho antro-
Antropologia e imagem 63

• Outra importante coletânea de textos sobre quem pensa e


Referências e fontes defende um campo para a antropologia visual: Hockings,
Paul (org). Principies of Visual Ánthropology (New York:
Mouton de Gruyter, 1995).
• Uma coletânea importante que discute a imagem como
possibilidade de reflexão epistemológica na antropologia:'
Devemos mencionar uma questão geral que é a pouca quan- MacDougall, David. Transcultural Cinema (Princeton:
tidade de livros em língua portuguesa que discutem os te- Princeton University Press, 1999).
mas aqui desenvolvidos. Listamos a seguir algumas obras
importantes para quem deseja aprofundar as questões abor- • Citamos, no tópico "Experiências Paradigmáticas", o tra-
dadas. balho inovador de Mead e Bateson, cuja referência completa
é: Bateson, Gregory e Mead, Margaret. Balinese Character:A
• Um livro fundamental sobre as relações entre cinema e Photographic Arialysis (New York: New York Academy of
antropologia: Piault, Marc-Henri. Anthropologie et Cinema Sciences, 1942; 2S edição, 1962). Um comentário criterioso
(Paris: Editions Nathan, 2000). sobre esse livro:,Samain, Etienne. "Balinese Character Revi-
stado" (in Alves, André. Os argonautas do mangue. Campi-
• Para a discussão sobre os modos de construir o olhar na
nas: Editora Unicamp; São Paulo: Imprensa Oficial, 2004).
antropologia: Grimshaw, Anna. The Ethnographers Eye
(Cambridge: Cambridge University Press, 2001). • Uma síntese sobre o trabalho e a proposta de prática an-
tropológica de Jean Rouch. pode ser encontrada em: Sztut-
• Para acompanhar por meio das palavras do próprio autor man, Renato. "Jean Rouch: urn antropólogo cineasta" (in
sua experiência de realizar Nanook of the North: Flaherty, Barbosa, Andréa.; Cunha, Edgar Teodoro da et ai. Escrituras
Robert. "How I filmed Nanook of the North" (in Geduld, da imagem. São Paulo: Edusp, 2004) e em: Sztutman, Rena-
Harry, ed. Film Makers on Film Making. Penguin, 1969). to. "Jean Rouch e o cinema como subversão de fronteiras"
• As referências a Sylvia Caiuby Novaes no item "Método, (in Sexta-Fdra — Antropologia artes humanidades, v.l. São
objeto de pesquisa ou forma de expressão?" vêm de seu Paulo: Pletora, L997).
artigo "O uso da imagem na antropologia" que faz parte da • Uma coletânea importante sobre a temática da fotografia
coletânea O fotográfico, organizada por Etienne Samain e antropologia: Elizabeth Edwaids, Ánthropology andPho-
(São Paulo: Senac, 2005). tography (London: Royal Anthropological Institute, 1992).


Mnarea «aroosa e Edgar Teodoro da Cunha

• Para ler Malinowski em sua obra seminal: Malinowski,


Bronislaw. Argonautas do Pacifico Ocidental (São Paulo:
Leituras recomendadas
Editora Abril, Coleção Os Pensadores, 1978). Uma boa co-
mentarista do trabalho de Malinowski é Eunice Durham,
em seu livro A reconstituirão da realidade (São Paulo: Ática,
1978).
Embora a literatura sobre o tema, em língua portuguesa,
não seja muito vasta, temos boas coletâneas que oferecem
textos interessantes, tanto do ponto de vista teórico como
do ponto de vista etnográfico.

BARBOSA, Andréa; CUNHA, Edgar Teodoro da et ai. Escritu-


ras da imagem. São Paulo: Edusp, 2004.
Coletânea bastante instigante, organizada por nós e ou-
tros colegas do Grupo de Antropologia Visual da USP,
contém seleção de artigos que narram diversas expe-
riências da imagem sendo utilizada coino parte da refle-
xão antropológica. Inclui, além de artigos, ensaios foto-
gráficos e análises críticas de vídeos recentes produzidos
em contexto de pesquisa. 14-
Cadernos de antropologia e imagem, Rio de Janeiro: Uerj.
Toda a coleção dessa revista, que já tern duas dezenas de
volumes, é fundamental para quem quer acompanhar
as discussões atuais sobre o tema e ainda ter acesso à
tradução de textos de autores estrangeiros importantes,
assim como a artigos de pesquisadores brasileiros que
têm refletido sobre as relações possíveis entre imagem, e
antropologia. Os números l e 2 são especialmente im-

65.
66 Andréa Barbosa e Edgar Teodoro da Cunha

portantes por inaugurar essa iniciativa com textos clás-


Vídeos e filmes sugeridos
sicos e fundamentais para a compreensão cia questão.
Horizontes antropológicos. Número temático: Antropologia
visual. Ano l, número 2, 1995.
Esse número foi pioneiro em reunir reflexões sobre o
campo da antropologia visual. Nele há artigos muito
instigantes, corno o de Etienne Samain sobre Malinows- Muitos dos clássicos mencionados neste livro, a exemplo da
ki e a fotografia e o de Dominíque Gallois e Vincent bibliografia, só são encontrados no exterior ou nos poucos
Carelli sobre experiências com vídeo e diálogo intercul- centros de pesquisa que se dedicam ao tema em nosso país.
tural. A seguir indicamos alguns títulos fundamentais que podem
ser encontrados no Brasil.
LEITE, Miriam Moreira e FELDMAN-BlANCO, Bela. Desafios
da imagem. Campinas: Papirus, 1998. • Robert Flaherty. Nanook oftheNorth, 1922,79 min. Esse é
Coletânea bastante abrangente que trata de temas bem o clássico que tanto mencionamos no texto. Existe uma
diversos, como a relação entre texto e imagem e o relato versão em DVD lançada pela The Criterion Collection (EUA)
de experiências da utilização da imagem em contextos em 1998. Algumas videotecas de universidades possuem
ae ensino nas ciências sociais. cópias em vídeo. Vale a pena procurar e assistir por seu
SAMAIN, Etienne (org.). O fotográfico. São Paulo: Senac, 2005. caráter histórico, mas também pelo caráter estético. É urn
O livro que já está em sua segunda edição e conta com filme instigaste e fundamental.
ensaios bastante heterogéneos, mas que dão conta de . Jean Rov&SJICronique d'un eté, 1960,80 min e Mói, un noir,
vima discussão ampla da fotografia como "modo de ver 1958,80 min. Dois filmes também fundamentais na extensa
e pensar", nas palavras do próprio Etienne. filmografia deste antropólogo-cineasta.
• Dominique Gallois e Vincent Carelli. A arca dos Zoe, 1993,
22 min. Esse trabalho é exemplar da utilização do vídeo
como uma ferramenta de comunicação intercultural me-
diada. É possível ter acesso a ele em algumas videotecas
universitárias ou diretamente com o Piojeto Vídeo nas Al-
deias www.videonasaldeias.org.br

67
68 Andréa Barbosa e Edgar Teodoro da Cunha

• Luiz Thomaz Reis. Rituais e festas Bororó, 1917, 20 min. Sobre os autores
Esse e outros filmes podem ser encontrados no Museu do
índio, no Rio de Janeiro, ou em algumas videotecas univer-
sitárias.

Andréa Barbosa é doutora em antropologia pela Universi-


dade de São Paulo (USP) e pesquisadora de temas urbanos
e da relação entre antropologia e produção audiovisual.
Participa do Lisa — Laboratório de Imagem e Som em
Antropologia da USP — desde 1996, tendo desenvolvido
pesquisas nos projetos temáticos da Fapesp "Imagem em
foco nas Ciências Sociais" (1997-2002) e "Alteridade, ex-
pressões culturais do mundo sensível e construções da rea-
lidade" (2003- ). Atualmente desenvolve pesquisa de pós-
doutorado junto ao Departamento de Antropologia da
USP, onde a relação entre memória, imagem e experiência
" vivida é foco da produção de uma série de documentários
sobre personagens anónimos da cidade de São Paulo. O
e-mail para contatos é acmmb@uol.com,br
Edgar Teodoro da Cunha é doutor em antropologia
pela USP e pesquisador associado do Lisa, onde faz parte do
projeto temático da Fapesp "Alteridade, expressões cultu-
rais do mundo sensível e construções da realidade". Desde
1996 vera desenvolvendo pesquisas nas áreas de etnologia e
antropologia da imagem, das quais resultaram sua disserta-
ção de mestrado Cinema e imaginação: a imagem do índio no
cinema brasileiro dos anos 70 e sua tese de doutorado Ima-
gens do contalo: representações da. alteridade e os Bororó do

69
e cagar leodoro da Cunha
h

MT. Dirigiu ainda os documentários /ea« Rouch, subverten-


do fronteiras (2000,40 min) e Ritual da vida (2005,30 min).
Atualrnente coordena o curso de pós-graduação em cinema
documentário da FGV/EESP/CPDOC em São Paulo. O Volumes recentes: A pragmática na filosofia
f
e-mail para contatos é edgajr.cunha@uol.com.br contemporânea [59], Danilo
CIÊNCIAS SOCIAIS PASSO-A-PASSQ Marcondes
Sociologia do trabalho [39], Wittcjenstein & o Tractatus [60],
José Ricardo Ramalho e Edgar Marques
Marco Aurélio Santana Lelbnir & a linguagem [61],
negócio do social 140], Vtvianne de Castilho Moreira
Garcia Filosofia da educação [62],
da linguagem [41], Leonardo Sartori Porto
'Bruna Franchetto e Yonne Leite Estética [63], Kathrin Rosenfíeld
Literatura e sociedade [48], Filosofia da natureza [67],
Adriana Facina Márcia Gonçalves
Sociedade de consumo [49],
Hume [691, Leonardo S. Porto
Livia Barbosa
Antropologia da criança [57], PSICANÂUSE PASSO-A-PASSO
Clarice Cohn
Depressão e melancolia [22],
Património histórico e cultural [66],
Urania Tourinho Peres
, Pedro Paulo Funari e Sandra
gr, de Cássia Araújo Pelegrini A neurose obsessiva [23],
Maria Anita Carneiro Ribeiro
'Antropologia e imagem [68],
Andréa Barbosa e Edgar T. da Cunha Mito e psicanálise [36],
Ana Vicentini de Azevedo
FILOSOFIA PASSO-A-PASSO O adolescente e o Outro [37],
Maqulavel & O Príncipe [46], Sônia AJberti
Alessandro Pinzani A teoria do amor [38],
A Teoria Crítica [47], Marcos Nobre Nadiá P. Ferreira
Filosofia da mente [52], O conceito de sujeito [50],
Cláudio Costa Lúcia no ELia
' Espinosa & a afetividade humana A sublimação [51], Orlando Cruxên
[53L Marcos André Gleizer La ca n, o grande freudiano [56],
Kant fi a Crítica da Razão Pura [54], Marco António CoutLnho Jorge e
Vinícius de Figueiredo Nadiá P. Ferreira
Bioética [55], Darld Dall'Agnol Linguagem e psicanálise [64],
Anarquismo e conhecimento [58], Leila Longo
AJberto Oliva Sonhos [65], Ana Costa r1

\o PASSQ-A-PAS5O

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