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MATERIAL EDUCATIVO
ENCICLOPÉDIA NEGRA
Anita Lazarim e Leandro Mendes1
Como aprendemos a história do nosso país? Como ela é narrada? De qual ponto de vista? Nas
cidades, como as ruas, as praças, as avenidas e os monumentos contam nossa história? Na
escola, quais referências utilizamos nas abordagens históricas? Quais personalidades apre-
sentamos aos estudantes? Afinal, quem decide quem entra para a história? E qual é o papel
das imagens nessa narrativa?
Provocada por essas e outras perguntas, Grada Kilomba (1968-), artista multidisciplinar
e autora do livro Memórias da plantação,3 declarou, em entrevista à cnn em junho de 2020,
que “o Brasil é um projeto colonial que deu certo e nunca foi descolonizado. É preciso rever e
reconstruir a linguagem, renomear ruas, e fazer uma transformação nas estruturas, nas ima-
gens, no vocabulário, trazendo novos conhecimentos.”4 Nessa entrevista, a artista portugue-
sa traz à tona um assunto fundamental: o papel do imaginário, pois o racismo opera também
pelo discurso e pela associação de imagens e palavras, dado que as imagens têm o poder
de ensinar e construir narrativas. E no Brasil, apesar do recente holofote sobre as questões
raciais no debate público, a sociedade ainda vive imersa num vocabulário e num imaginário
extrema e profundamente racista.
A professora estadunidense bell hooks (1952-) afirma que o racismo não terá fim enquan-
to não houver uma mudança fundamental em todas as esferas da cultura, em especial no
universo de criação de imagens.5 Em sua obra Olhares negros: Raça e representação, a teórica
feminista argumenta que, no processo da história colonial, supremacistas brancos percebe-
ram um fator central para a manutenção de qualquer sistema de dominação racial: a criação
e o controle das imagens. Assim, ao longo do tempo foram retroalimentando esse sistema
construindo imagens da negritude e de pessoas negras que sustentam e reforçam as noções
de superioridade racial branca, naturalizando não só as representações da negritude que rei-
teram a subalternidade, passividade e inferioridade, como também salientando estereótipos
de uma suposta violência, ferocidade e ameaça.
Segundo a pesquisadora Angela Maria Silva Arruda6, o imaginário pode ser definido como
a atividade mental de produzir imagens icônicas ou linguísticas. Já no caso do imaginário
social, Arruda cita o filósofo Castoriadis (1922-97), que o define como redes de significados
partilhados coletivamente, presentes em um ou mais grupos, instituições ou sociedades, que
influenciam na forma de pensar e de agir sobre si mesmos. Portanto, o imaginário social refe-
re-se tanto ao processo de criação quanto ao conjunto de imagens, modelos e crenças herda-
dos pelos indivíduos na sociedade.
Diante disso, bell hooks defende a urgência de se transformar as imagens hegemônicas,
questionando quais tipos de imagens subverter, apresentando alternativas críticas, transfor-
mando nossas visões de mundo. Assim, argumenta:
Uma vez que a descolonização como um processo político é sempre uma luta para
nos definir internamente, e que vai além do ato de resistência à dominação, esta-
mos sempre no processo de recordar o passado, mesmo enquanto criamos novas
formas de imaginar e construir o futuro.7
No Brasil, último país do Ocidente a abolir a escravidão e que até hoje é profundamente
marcado pela violência racial estrutural, que se manifesta objetiva e subjetivamente, desco-
lonizar a história e o imaginário significa justamente recordar o passado para criar novas for-
mas de imaginar e construir futuros. Ou seja, é necessário produzir algo novo que vai modifi-
car o imaginário existente, alterando o universo semântico da sociedade.
Nesse sentido, o projeto Enciclopédia negra representa uma importante contribuição no
campo das representações do imaginário da nossa história, promovendo a visibilização e a
valorização da vida de 550 personalidades negras do Brasil. De autoria dos historiadores bra-
5 HOOKS, bell. Olhares negros: Raça e representação. São Paulo: Elefante, 2019, p. 26.
6 ARRUDA, Ángela Maria Silva. Imaginario social, imagen y representación social. Cultura y Representaciones Sociales, v. 15, p. 37-62,
2020. Disponível em: <http://www.culturayrs.unam.mx/index.php/CRS/article/view/817>. Acesso em: 11 ago. 2020.
7 HOOKS, bell. Olhares negros: Raça e representação. São Paulo: Elefante, 2019, p. 37.
sileiros Flávio dos Santos Gomes (1964-) e Lilia Moritz Schwarcz (1957-) em parceria com o ar-
tista paulista Jaime Lauriano (1985-), a obra conta com 417 verbetes escritos com base em vasta
produção historiográfica, literária, antropológica, arqueológica e sociológica sobre o tema da
escravidão e do período do pós-abolição no Brasil.
Não se trata, todavia, de um projeto restrito ao período da escravidão, pois o escopo da
obra abrange personalidades negras que tiveram protagonismo em diferentes momentos e
regiões do país, desde o século xvi até o xxi, incluindo grandes intelectuais como Clóvis Moura
(1925-2003), Lélia Gonzalez (1935-94) e Beatriz Nascimento. A Enciclopédia negra representa
um passo crucial na trajetória da descolonização de nossa história, oferecendo novas chaves
de leitura sobre personalidades populares e propondo a visibilização de nomes menos ou até
mesmo desconhecidos, mas importantes na trajetória dos Movimentos Negros.
E, considerando os passos dessa longa trajetória, uma de suas grandes conquistas, que se
concretizou após décadas de muita articulação, propostas e reinvindicações, merece desta-
que: a publicação da Lei n.º 10.639/03, em 2003, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação, determinando a obrigatoriedade do ensino de história e cultura africana e afro-bra-
sileiras nos currículos escolares em todas as redes de ensino do país. Anos depois, com a Lei
n.º 11.645/08, em 2008, foi incluída também a obrigatoriedade do ensino sobre a presença das
culturas e das histórias indígenas.
Passados quase vinte anos da publicação da Lei n.º 10.639/03,8 acompanhamos avanços
fundamentais como o crescimento da oferta de cursos de formação para professores da rede
pública e privada. Materiais educativos9 de excelente qualidade foram produzidos, assim
como várias dissertações e teses que versam sobre os desafios da prática da educação antirra-
cista, além da criação de novos programas de pós-graduação e disciplinas dedicados à investi-
gação e proposição de ações nesse campo. No entanto, apesar desses progressos, ainda temos
muito a avançar para internalizar a prática antirracista na sociedade brasileira e, nesse quesi-
to, a comunidade escolar desempenha um papel essencial na construção de um currículo em
que o legado e a presença afro-brasileira sejam efetivamente transversais e transdisciplinares.
O projeto da Enciclopédia negra nasceu dessa necessidade de integrar produção de co-
nhecimento ao comprometimento com a descolonização de nossa história e se concretizou
apoiando-se no vasto acúmulo de fontes e pesquisas históricas das últimas décadas.
8 O artigo de Nilma Lino Gomes e Rodrigo Edenilson de Jesus intitulado “As práticas pedagógicas de trabalho com relações
étnico-raciais na escola na perspectiva de Lei n.º 10.639/2003: desafios para a política educacional e indagações para a pesquisa”
apresenta os dilemas, desafios e limites do processo da implementação do ensino de história da África e das culturas afro-brasi-
leiras nas escolas públicas e privadas da educação básica brasileira.
9 O material “Por uma escola afirmativa: Construindo comunidades antirracistas” escrito por Elly Bayó, Fernanda Miranda e
Fernanda Sousa reúne diversas referências fundamentais para embasar atividades antirracistas na comunidade escolar.
Disponível em: <https://www.companhiadasletras.com.br/sala_professor/pdfs/PROJETO_PorUmaEducacaoAntirracista.pdf>.
Acesso em: 13 ago. 2021.
A partir dos anos 1980, o campo da história social produziu uma série de investigações
sobre a população afro-brasileira, perscrutando trajetórias individuais e coletivas da história
da população negra, analisando, mapeando e registrando-a em toda sua ampla diversidade e
localização em diferentes regiões do país. Essas pesquisas resultaram em um material muito
rico e plural, e também revelaram que, em diversos momentos da história, pessoas margi-
nalizadas (homens e mulheres pobres, escravizados, forros e livres) mesmo submetidas às
mais variadas e extremas circunstâncias de coerção, não só desenvolveram estratégias de so-
brevivência, resistência, como também se apropriaram do arcabouço das leis de suas épocas
para lutarem por suas demandas na justiça, pela liberdade, pelo letramento, lançando mão de
estratégias próprias, da formação de redes, da articulação e da negociação, constituindo-se,
portanto, em agentes da história.
A Enciclopédia negra é um projeto que ultrapassa o formato de um livro, sendo mais bem
definida como o cruzamento do amplo esforço intelectual de gerações de estudiosos com a
leitura de obras clássicas da historiografia e do pensamento social brasileiro, cujos verbetes
biográficos formam uma verdadeira galeria de retratos de personalidades negras.
Assim, além de terem nomes, sobrenomes e fragmentos de suas trajetórias reunidos e re-
gistrados, os biografados também conquistaram um rosto, corpo e – por que não? – alma pe-
las mãos generosas de 36 artistas contemporâneos convidados a integrar o projeto. São eles:
Amilton Santos, Antonio Obá, Andressa Monique, Arjan Martins, Ayrson Heráclito, Bruno
Baptistelli, Castiel Vitorino, Dalton Paula, Daniel Lima, Desali, Elian Almeida, Hariel Revignet,
Heloisa Hariadne, Igi Ayedun, Jackeline Romio, Jaime Lauriano, Juliana dos Santos, Kerolayne
Kemblim, Kika Carvalho, Lidia Lisboa, Marcelo D’Salete, Mariana Rodrigues, Micaela Cyrino,
Michel Cena, Moisés Patricio, Mônica Ventura, Mulambö, Nadia Taquary, Nathalia Ferreira,
Oga Mendonça, Panmela Castro, Rebeca Carapiá, Renata Felinto, Rodrigo Bueno, Sonia Gomes
e Tiago Sant’Ana.
Fazendo jus ao compromisso de promover a visibilidade de pessoas negras da sociedade
brasileira, é parte da iniciativa da Enciclopédia negra a valorização de personalidades em vida,
o que se traduz na concepção de uma exposição homônima na Pinacoteca de São Paulo (de
maio a novembro de 2021). A exposição conta com 103 obras inéditas, sendo que 36 delas já
fazem parte do caderno de imagens e da capa e contracapa do livro. Essa ação proporciona aos
artistas do projeto protagonismo e projeção no circuito da arte contemporânea, bem como
abre espaço para a criação de novas formas de ver, de novas representações sobre quem são os
sujeitos da história do Brasil, ampliando as fronteiras do olhar sobre nossos passado e futuro.
As obras foram doadas à Pinacoteca pelos artistas e integrarão a coleção do museu, con-
ferindo mais representatividade e diversidade à coleção. Embora a Pinacoteca de São Paulo
possua o maior acervo de retratos do Brasil, esses, em sua maioria, foram feitos por artistas
brancos retratando pessoas brancas.
Agora convidamos vocês, professoras e professores das mais diversas áreas do conheci-
mento, a adentrarem o universo da Enciclopédia negra. Vamos olhar juntos para os rostos dos
nossos antepassados, ler sobre suas vidas, conhecer seus desejos, seus planos e também suas
subjetividades e, assim, descobrir mais sobre a nossa história. Para isso, sugerimos a leitura de
imagens como catalisadora do diálogo:
VAMOS LÁ?
10 CHIOVATTO, Milene; AIDAR. Gabriela. Arte +. São Paulo: Pinacoteca do Estado, 2009, p. 7.
⋅
QUAIS INFORMAÇÕES DA LEITURA DO VERBETE
⋅
TE LEVARAM A ESCOLHER ESSE RETRATO?
QUE PISTAS A IMAGEM NOS DÁ PARA
A RELACIONARMOS COM O VERBETE?
APRESENTAÇÃO DA OBRA
Apresente à turma a obra Daniel, do artista Dalton Paula (1982-), e, num primeiro momento,
procure investigá-la a partir de uma descrição mais objetiva. Estimule-os a apontar os ele-
mentos que mais lhes chamam atenção, como cores, texturas, características físicas, as roupas
e, então, instigue-os a perceber os detalhes da composição. Deixe que os estudantes contem-
plem a obra em seu próprio tempo e só então passe para as questões interpretativas. Para isso,
sugerimos as seguintes perguntas disparadoras:
⋅
⋅
O QUE VOCÊ VÊ NESTA IMAGEM?
⋅
O QUE CHAMA SUA ATENÇÃO?
⋅
COMO VOCÊ DESCREVERIA O RETRATADO?
⋅
COMO SÃO OS DETALHES DO ROSTO, DO CABELO E DA ROUPA?
QUE IDADE VOCÊ DARIA AO HOMEM RETRATADO? POR QUÊ?
Historicamente existem alguns estereótipos e ideias sobre os fenótipos do corpo negro, tais
como: nariz largo ou lábios grossos. Ao criar meus retratos acredito que é possível pensar
em novas representações sobre pessoas negras. A escolha em pintar o retrato com o nariz em
tons beges claros, evidenciando um contraste em relação aos tons de marrons da face, tem
primeiramente a perspectiva de assumir e afirmar as características negras, que geralmente
são inferiorizadas e, ao mesmo tempo, refletir sobre a diversidade nas representações de tons
da pele negra nas pinturas, além de ser a minha identidade, como uma assinatura pessoal.12
11 Para saber mais sobre as ideias e o processo criativo do artista Dalton Paula, veja a entrevista na íntegra no canal do Masp.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=embj4aBOTcQ>. Acesso em: 12 ago. 2021.
12 Vídeo Masp. Live Amanda Carneiro e Dalton Paula. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=embj4aBOTcQ>.
Acesso em: 12 ago. 2021.
Após essa primeira observação da obra, conduza a investigação para uma análise mais pro-
funda sobre a história do retrato. Antes, pergunte aos estudantes:
⋅
⋅
QUEM VOCÊS IMAGINAM QUE SEJA ESTE HOMEM?
O QUE NA IMAGEM NOS INDICA ISTO?
Após uma conversa sobre as possibilidades levantadas, leia o verbete “Daniel Antônio de
Araújo” na Enciclopédia negra ou no verso da reprodução do retrato. Se preferir, também
pode convidar alguém da turma para ler em voz alta. Ao terminar a leitura do verbete, retome
a imagem e proponha uma reflexão sobre como o artista representou Daniel.
Daniel Antônio de Araújo tinha 30 anos quando liderou a revolta quilombola em Viana, no
Maranhão, em meados de 1867. Ele não só participou do enfrentamento armado como tam-
bém assinou uma carta defendendo a liberdade dos escravizados. O manifesto do coletivo de
revoltosos comunicava: “Nos achamos em campo a tratar da liberdade dos escravizados”, afir-
mando que a “liberdade era por muito aguardada” e que “nosso desejo é ter por todos e não
fazer mal a ninguém”. Assim, os insurgentes reivindicavam sua alforria, ameaçando invadir
mais vilas e povoados de Viana, alegando que “não teremos remédio senão lançarmos mão
nas armas”.13 A insurreição foi duramente reprimida, muitos participantes foram condenados
e Daniel foi sentenciado à prisão perpétua.
Após a breve apresentação da história de Daniel, volte à pergunta sobre sua idade:
⋅
QUAIS PISTAS O RETRATO APRESENTA DE UMA PROVÁVEL
FAIXA ETÁRIA DE DANIEL?
Dalton Paula retratou Daniel utilizando bastante texturas e volumes no seu rosto, sobretu-
do na testa, nas bochechas e no pescoço, elementos que podem remeter à presença de rugas,
às marcas da passagem do tempo na pele. A cor do cabelo mais clara também pode nos insti-
gar a pensar em alguém mais velho.
Observando esses detalhes, podemos investigar as camadas narrativas que o artista apre-
senta na obra. Uma delas poderia ser um Daniel figurado como um senhor de idade mais
avançada. Pergunte ao grupo:
⋅
QUE MENSAGEM O ARTISTA NOS PASSA AO PINTAR UM DANIEL
MAIS VELHO, SE DURANTE A REVOLTA ELE TINHA APENAS 30 ANOS?
⋅
NA SUA OPINIÃO, COMO O LÍDER QUILOMBOLA DANIEL
⋅
GOSTARIA DE SER RETRATADO?
E SE VOCÊ FIZESSE ESSE RETRATO, COMO REPRESENTARIA
DANIEL?
13 Ver mais no verbete de Daniel Antônio de Araújo em GOMES, Flávio dos Santos. LAURIANO, Jaime e SCHWARCZ, Lilia Moritz.
Enciclopédia negra. São Paulo: Companhia das Letras, 2021, p. 148.
14 Ver mais no verbete sobre Chico Rei em: GOMES, Flávio dos Santos. LAURIANO, Jaime e SCHWARCZ, Lilia Moritz. Enciclopédia
negra. São Paulo: Companhia das Letras, 2021, p. 124.
COTIDIANO E ARTE
Partindo da imagem, podemos chamar a atenção do grupo para outros temas que a
obra mobiliza, promovendo boas discussões sobre representação de pessoas negras
e brancas em diferentes espaços e situações, tais como a escola, a publicidade, o mer-
cado de trabalho, as relações afetivas etc. As perguntas a seguir têm como finalidade
aproximar a obra do cotidiano dos estudantes no formato de uma conversa.
⋅
DE QUE FORMA O CABELO DE PESSOAS BRANCAS E O
⋅
DE PESSOAS NEGRAS SÃO GERALMENTE REPRESENTADOS?
QUAIS PALAVRAS OU EXPRESSÕES SÃO UTILIZADAS
⋅
PARA SE REFERIR A ESSES TIPOS DE CABELO?
DE QUE FORMA PESSOAS BRANCAS E PESSOAS
NEGRAS SÃO APRESENTADAS NOS PROGRAMAS DE TV, NAS
REVISTAS E NA PUBLICIDADE? DE QUE MANEIRA ELAS SÃO
REPRESENTADAS?
Para estimular o grupo a perceber e refletir sobre essas perguntas e sobre a natu-
ralização do racismo nos meios de comunicação, sugerimos os seguintes materiais:
⋅
QUAIS SÃO OS SIGNIFICADOS EMBUTIDOS EM UMA
MARCA DE ESPONJA DE AÇO CHAMADA “KRESPINHA”?
⋅
ESSE NOME?
COMO É A IMAGEM DA MULHER NEGRA NA
EMBALAGEM DO FEIJÃO? DE QUE FORMA ELA ESTÁ
⋅
REPRESENTADA?
QUAIS CONSEQUÊNCIAS ESSAS IMAGENS PODEM
GERAR?
Converse com a turma sobre os estereótipos racistas reforçados por essas e outras
embalagens. No caso da marca de esponja, a imagem está atrelando o cabelo crespo
à sujeira, relacionando-o a um produto de aço para limpeza pesada. Já a segunda em-
balagem, apresenta o estereótipo da mulher negra de forma sexualizada e restrita ao
universo do trabalho doméstico. Com base nessas imagens, pergunte aos estudantes
quais outros estereótipos eles identificam presentes no seu vocabulário e cotidiano.
Caso apareça no debate a reprodução de ideias racistas, como algum comentário rea-
firmando que “cabelo crespo é ruim”, é fundamental que haja uma intervenção nesse
diálogo. Primeiro, questione esse comentário e incentive o grupo a refletir sobre ele.
Para isso, aproveite a própria discussão sobre as embalagens para problematizar e
promover a reflexão sobre os comentários.
APRESENTAÇÃO DO ARTISTA
Dalton Paula nasceu em Brasília, em 1982, e atualmente reside em Goiânia. Formado em artes
visuais, possui experiência com pintura, fotografia, gravura, performance e vídeo. Participou
da 32ª Bienal de São Paulo – Incerteza Viva, com o trabalho Na rota do tabaco (2016), no qual
registra sua pesquisa no município de Cachoeira, na Bahia, onde conheceu diferentes perso-
nagens da região. Realizou também obras que registram biografias de pessoas negras invisi-
bilizadas nos registros históricos, como João de Deus Nascimento (2018), alfaiate baiano que
liderou a Revolta dos Alfaiates (1798-1799) e Zeferina (2018), líder quilombola que comandou
uma revolta no século xix em Salvador.
Nessa atividade prática, faremos uma reflexão sobre as referências do artista Dalton Paula para a
criação desse retrato. Embora a obra analisada aqui não seja uma fotopintura, este gênero é uma
das referências de Dalton.17 Em seu blog pessoal, o artista comentou que a fotopintura possibilita
que pessoas de baixo poder aquisitivo sejam retratadas com trajes elegantes, que normalmente
não teriam condições de adquirir. Dessa forma, a junção de fotografia e pintura amplia as possibi-
lidades poéticas e expressivas, bem como o alcance da imaginação popular.18 Sobre o gênero:
A fotopintura atua também como um disparador de memória, fazendo renascer o passado dos
indivíduos nela representados, para alguns é uma tentativa de conservar sempre presente o
passado que se foi de uma forma atualizada para oferecê-lo ao futuro. O registro fotográfico en-
riquecido pela pintura, do qual são retiradas as imperfeições estéticas, retrata a representação
de um desejo, ou a representação da influência e das artimanhas do comércio dos vendedores.19
17 A fotopintura é um processo artístico utilizado desde o século xix, inicialmente pelo fotógrafo francês André Adolphe Eugène
Disdéri, no qual uma fotografia preta e branca, geralmente de baixo contraste, é pintada com guache ou tinta óleo, tornando a
imagem colorida.
18 Ver mais no texto “Retrato Silenciado (Silenced Portrait)”, postado em 05 de outubro de 2014. Disponível em: <http://dal-
tonpaula.blogspot.com/2014/10/retrato-silenciado-silenced-portrait.html>. Acesso em: 13 ago. 2021.
19 Consultar a dissertação de mestrado KUSMA, Vinícius Silveira. A fotografia, a tinta, a fotopintura, e a (re)significação dos sonhos:
Uma etnobiografia de Mestre Julio Santos. Pelotas: ich UFPel, 2016, p. 26. Disponível em: <http://repositorio.ufpel.edu.br:8080/
handle/prefix/3188>. Acesso em: 13 ago. 2021.
Para realizar esta atividade, você vai precisar dos seguintes materiais:
⋅Reproduções de fotopinturas para servir como referência20;
⋅Retratos em preto e branco (podem ser xerocados ou impressos);
⋅Materiais de desenho e pintura como tintas, giz, caneta hidrocor, lápis de cor.
Começando a atividade...
Estimule o grupo a observar novamente a obra:
⋅
⋅
QUAIS CORES FORAM UTILIZADAS NESSA PINTURA?
COMO VOCÊ DESCREVERIA A POSE DO RETRATADO?
Após conversar sobre essas perguntas, sugerimos que siga o passo a passo da atividade
descrito a seguir.
20 Como referência, sugerimos esse endereço: <https://laart.art.br/blog/fotopintura>. Acesso em 9 set. 2021. Nele você encontra-
rá imagens de fotopinturas e um vídeo sobre os processos e trajetória do Mestre Júlio dos Santos.
⋅
DE QUE FORMA VOCÊS GOSTARIAM DE SER VISTOS NO
⋅
FUTURO?
QUAIS ELEMENTOS SÃO IMPORTANTES NESTA IMAGEM PARA
CONTAR ESSA HISTÓRIA?
Com esses tópicos em mente, estimule-os a usarem a criatividade para construir o retrato
que desejam sobre a imagem recortada. Outra dinâmica interessante para esta atividade é si-
mular encomendas de retratos de fotopintura. Para isso, a turma deve ser dividida em duplas
em que um parceiro realizará o retrato do outro com base em uma entrevista, na qual cada
estudante compartilhará com sua dupla como gostaria de ser representado.
Rainha Marta dos Quilombolas de Iguaçu, séc. xix, Iguaçu, Rio de Janeiro.
Rainha Marta dos Quilombolas de Iguaçu, 2020, acrílica e giz pastel oleoso sobre tela de Mariana Rodrigues, 80 cm × 50 cm. Pina-
coteca do Estado de São Paulo.
APRESENTAÇÃO DA OBRA
Convide o grupo a investigar os aspectos visuais da obra, chamando atenção para os detalhes
da composição do retrato, como as texturas, as cores e a forma como a mulher foi representa-
da. Para tal, seguem-se algumas perguntas de mediação:
⋅
⋅
COMO VOCÊ DESCREVERIA A ROUPA E O OLHAR DESSA MULHER?
⋅
QUAIS CORES CHAMAM A SUA ATENÇÃO NESSE RETRATO?
⋅
O QUE ESSAS CORES PODEM NOS SUGERIR?
E COMO É A POSE DA RETRATADA?
Investigue com o grupo as respostas dessas perguntas. Provoque-os a refletir sobre quais
seriam os possíveis significados das cores presentes na obra. Para isso, pode fazer perguntas
como:
⋅
QUAIS SENTIMENTOS E SENSAÇÕES O USO DO VERMELHO,
LARANJA, AMARELO E O BRILHO METÁLICO COBRE PODEM NOS
TRANSMITIR?
As cores usadas na composição da obra são muito vivas e quentes e normalmente estão
ligadas à representação de elementos que remetem ao fogo, à força e à coragem. E, conside-
rando que essas cores foram usadas para pintar essa mulher, o que podemos inferir sobre ela?
⋅
⋅
COMO VOCÊ ACHA QUE ESSA MULHER É?
COMO SERIA SUA PERSONALIDADE, SUAS ATITUDES, SUA
HISTÓRIA DE VIDA?
⋅
⋅
QUEM VOCÊ IMAGINA SER ESSA MULHER?
⋅
O QUE NA IMAGEM OS FAZ PENSAR ASSIM?
QUAL TERIA SIDO O PAPEL DELA NA HISTÓRIA BRASILEIRA?
⋅
VOCÊS JÁ OUVIRAM FALAR DE ALGUM QUILOMBO? SE SIM,
⋅
QUAL(IS)?
⋅
O QUE É UM QUILOMBO? EXISTE QUILOMBO HOJE NO BRASIL?
VOCÊS JÁ TINHAM OUVIDO FALAR DE UMA LÍDER QUILOMBOLA
⋅
MULHER? SE SIM, QUEM?
QUAIS SERIAM OS PAPÉIS EXERCIDOS PELAS MULHERES NOS
QUILOMBOS?
21 Verbete da Rainha Marta dos Quilombolas de Iguaçu, ver em: GOMES, Flávio dos Santos. LAURIANO, Jaime e SCHWARCZ, Lilia
Moritz. Enciclopédia negra. São Paulo: Companhia das Letras, 2021, p. 503.
22 Idem, p. 503.
Partindo dessas questões, explique aos estudantes que as mulheres foram fundamentais
na constituição e manutenção dos quilombos. De acordo com o verbete23 na Enciclopédia ne-
gra, elas exerciam funções de organização e logística de comércio, atuando no provimento de
alimentos, armamento e pólvora. Além disso, confeccionavam roupas e utensílios, cuidavam
das pessoas feridas e também combatiam ao lado dos homens, pois faziam parte da estratégia
de luta e sobrevivência da comunidade. Apesar do silêncio de muitos livros de história sobre
o protagonismo feminino nos quilombos, existiram muitas Martas na história do Brasil, e
precisamos conhecê-las.
Olhando novamente o retrato, explique ao grupo que a mulher carrega uma galinha-d’an-
gola, que, de acordo com os ritos do candomblé, pode ser interpretada como símbolo de bom
presságio e de ancestralidade. O editorial da sp-Arte 36524, registra o relato de Mariana Rodri-
gues (1995-), a autora da obra, contando que, após receber o verbete da Enciclopédia negra
para produzir o retrato de Rainha Marta, sonhara com uma mulher de turbante segurando
uma galinha. E que, depois desse sonho, aprofundou sua pesquisa sobre o significado da gali-
nha-d’angola25, uma ave muito importante nas culturas de terreiros e profundamente ligada
à ancestralidade afro-brasileira, simbolizando a iniciação no candomblé.
Aproveite esse momento para perguntar ao grupo:
⋅
⋅
O QUE É ANCESTRALIDADE?
⋅
QUEM SÃO OS ANCESTRAIS?
VOCÊS OS ACHAM IMPORTANTES E POR QUÊ?
Converse sobre o papel fundamental dos nossos pais, avós, bisavós como referências de
ensinamento de vida na construção da nossa identidade. A imagem de Rainha Marta segu-
rando uma galinha-d'angola no retrato pode ser interpretada como uma homenagem, uma
reverência aos seus ancestrais. Afinal, muitas estratégias coletivas de resistência bem como
muitos elementos culturais do povo negro foram preservados e transmitidos de geração em
geração, incluindo as religiões de matriz africana. E Rainha Marta, como líder do quilombo de
Iguaçu, pôde honrar seus antepassados por meio das suas ações, defendendo os interesses e a
cultura de seu povo.
COTIDIANO E ARTE
Para aproximar a obra às questões do cotidiano e dos lugares de vivência dos estu-
dantes, procure instigar algumas reflexões. Pergunte, por exemplo, sobre suas refe-
rências de lideranças femininas de hoje em dia:
⋅
QUAIS MULHERES NEGRAS VOCÊS CONHECEM
QUE OCUPAM UMA POSIÇÃO DE LIDERANÇA?
⋅
E NA SUA ESCOLA, HÁ ALGUMA? E NA COMUNIDADE
⋅
DO SEU BAIRRO?
QUAIS MULHERES NEGRAS FAZEM A DIFERENÇA
NO MUNDO HOJE?
APRESENTAÇÃO DA ARTISTA
Mariana Rodrigues nasceu em 1995 em Osasco, cidade do estado de São Paulo, onde
reside. Formada em design digital, começou a se dedicar à arte ao final da graduação.
Possui experiência com abstração na pintura, produzindo formas fluidas, com ges-
tos vibrantes. Também é integrante do Nacional Trovoa, movimento de mulheres
racializadas no circuito da arte brasileira. A artista já produziu outro retrato de uma
mulher quilombola, Dona Laura, do Quilombo da Fazenda, comunidade de cerca de
200 anos de existência, localizada na Praia da Fazenda, uma das áreas mais preser-
vadas de Mata Atlântica no estado de São Paulo.
Para realizar esta atividade, você vai precisar dos seguintes materiais:
⋅Objeto pessoal escolhido;
⋅Câmera para fotografar (pode ser de celular).
Começando a atividade...
Estimule a turma a observar novamente a obra:
⋅
⋅
QUAIS SÃO AS CORES UTILIZADAS NA PINTURA?
QUAL É A POSE DA RETRATADA?
⋅
COMO VOCÊ GOSTARIA QUE FOSSE O SEU RETRATO PARA
⋅
O FUTURO?
SE PUDESSE ESCOLHER UM ELEMENTO (PODE SER UM
⋅
OBJETO) PARA COMPOR SEU RETRATO, QUAL SERIA?
E QUAIS CORES SERIAM USADAS NO SEU RETRATO?
Após conversar sobre essas perguntas, sugerimos que siga o passo a passo da atividade
descrito a seguir.
Embora possa ser realizada com turmas de qualquer faixa etária, esta atividade é bem
envolvente para crianças. Inspirados na imagem de Rainha Marta com sua galinha-d’angola,
um elemento importante da composição do retrato e cheio de significados, peça aos estu-
dantes que tragam à escola um objeto que seja significativo para eles. Peça que apresentem
seu item, contando o porquê de sua escolha e seu significado. Então, estimule as crianças
a testarem diferentes poses junto ao objeto até descobrirem aquela que consideram ideal
para um retrato. A atividade pode ser realizada com a produção de um autorretrato ou a
turma pode ser dividida em duplas para que os colegas fotografem uns aos outros. Ao final
da atividade, os estudantes podem compartilhar suas intenções e os significados de seus
autorretratos/ retratos.
Começando a atividade...
Após conversar sobre essas etapas, sugerimos que siga o passo a passo da atividade descri-
to a seguir.
Esta proposta é mais direcionada a grupos de jovens ou adultos, mas, com ligeiras adapta-
ções, também pode ser desempenhada com crianças. Proponha que os estudantes realizem
uma pesquisa sobre as lideranças femininas negras de sua comunidade. Sugira que registrem
os dados levantados por escrito e depois utilizem as informações coletadas para escrever ver-
betes biografando essas mulheres. Para isso, é necessário estudar ou revisar com a turma a
definição e a estrutura textual de um verbete. Os textos dos perfilados na Enciclopédia negra
também podem servir de modelo. Durante o processo, o grupo pode produzir retratos dessas
mulheres, utilizando diferentes técnicas como fotografias, colagens, desenhos e pinturas. A
comunidade escolar pode ser convidada a se envolver nesse projeto, pensando em maneiras
para exibir e divulgar o resultado dessa atividade, seja em um mural, cartaz, um jornal da es-
cola, ou com a organização de uma mostra.
APRESENTAÇÃO DA OBRA
⋅
⋅
COMO VOCÊ DESCREVERIA ESSA IMAGEM?
QUE CORES E TEXTURAS VOCÊ CONSEGUE PERCEBER NESSE
⋅
RETRATO?
COMO É A EXPRESSÃO NO ROSTO DESSA MULHER? O QUE ELA
TE SUGERE?
Germana é retratada com cores sóbrias: uma roupa preta e um fundo com vários tons de
cinza variando do mais claro para um mais azulado. O cabelo grisalho, de textura crespa, é
também da cor cinza, com algumas linhas mais claras. Sua pele apresenta variações de cor
desde o bege escuro até diferentes tons de marrom no rosto e no pescoço. O artista cria vo-
lume na sua pele por meio das pinceladas de cor, gerando um efeito que dá a impressão de
rugas no rosto e pescoço. Germana é uma mulher idosa que olha diretamente para o especta-
dor. Há certa melancolia e seriedade no seu olhar. Seus lábios estão cerrados, sem esboçar um
sorriso. Converse com os estudantes sobre essas impressões iniciais do retrato, para depois
estimulá-los a investigar qual seria a história por trás da expressão no rosto de Germana.
⋅
⋅
ANTES DA LEITURA DO VERBETE, PERGUNTE À TURMA:
⋅
QUE HISTÓRIA VOCÊ ACHA QUE ESSE RETRATO NOS CONTA?
COMO VOCÊ ACHA QUE FOI A VIDA DE GERMANA?
rigoroso cativeiro a que ainda era submetida e pedia o seu dinheiro de volta, uma vez que não
conseguia chegar a um acordo com seu senhor.
Converse com a turma sobre o significado da história de Germana. No retrato, à primeira
vista, chama atenção o semblante que sugere uma expressão séria e melancólica. Porém, ao
descobrirmos parte de sua história, podemos interpretar sua fisionomia de novas formas. As
marcas do tempo no seu rosto podem ser resultado dos anos de luta e resiliência, pois, mesmo
com idade avançada, Germana não desistiu da própria liberdade. O caso dela mostra como,
ainda que idosas, as “escravizadas se negavam a permanecer no cativeiro e lutavam para pas-
sar seus últimos anos em liberdade com suas famílias”.28 É, portanto, um exemplo de como a
população negra buscou as mais variadas formas de resistir, incluindo as vias jurídicas, em-
penhando-se para exercer sua cidadania e fazer valer seus direitos, ainda que estes fossem
poucos e precários.
26 Germana faz parte do verbete coletivo de Felicidade, Germana, Libânia e Maria Madalena, ver em GOMES, Flávio dos Santos.
LAURIANO, Jaime e SCHWARCZ, Lilia Moritz. Enciclopédia negra. São Paulo: Companhia das Letras, 2021, p. 199.
27 O valor de 20$000 (ou vinte mil réis) em São Paulo, em meados da década de 1880, poderia ser correspondente ao aluguel
mensal de um quarto simples e pequeno. Para se ter uma ideia dos valores da moeda corrente da época, utilizamos a pesquisa
da historiadora Maria Luiza Ferreira de Oliveira sobre as condições de vida de classes médias em formação no ambiente urbano
de São Paulo na segunda metade do século xix. Segundo a historiadora, ao analisar o caso do inventário de bens de uma senhora,
D. Carolina Rangel que morava próximo ao rio Tamanduateí e tinha por vizinhos seus inquilinos, o preço médio do aluguel de
pequenos quartos, nos quais moravam famílias e pessoas pobres era de 10$000 ou 15$000 por mês para o aluguel. (A diária de
serviço de um pedreiro era em torno de 2$000). Ver OLIVEIRA, Maria Luiza Ferreira de. Entre a casa e o armazém: Relações sociais
e experiência da urbanização, São Paulo, 1850-1900. São Paulo: Alameda, 2005, pp. 35-36. Para saber mais sobre a grafia do padrão
monetário do Brasil Império, acesse: http://www2.assis.unesp.br/folquito/teses/tese01/MoedaSiglasAbreviacoes.pdf, Acesso em:
19 out. 2021.
28 GOMES, Flávio dos Santos. LAURIANO, Jaime e SCHWARCZ, Lilia Moritz. Enciclopédia negra. São Paulo: Companhia das Letras,
2021, p. 200.
COTIDIANO E ARTE
Partindo do caso de Germana, proponha aos estudantes uma reflexão mais ampla
sobre a garantia dos direitos, em especial a liberdade, na sociedade brasileira. Peça
que reflitam sobre as questões a seguir:
⋅
SE VOCÊ ESTIVESSE NO LUGAR DE GERMANA NO
TRIBUNAL, NO BRASIL ESCRAVOCRATA, COMO DEFENDERIA
⋅
SUA LIBERDADE?
QUAIS SERIAM SUAS ESTRATÉGIAS E ARGUMENTOS?
⋅
COMO VOCÊS IMAGINAM QUE GERMANA CONSEGUIU
⋅
LUTAR PELA SUA LIBERDADE NA JUSTIÇA?
COMO OS ESCRAVIZADOS ACESSAVAM AS LEIS
E CHEGAVAM AOS TRIBUNAIS?
APRESENTAÇÃO DO ARTISTA
Bruno Baptistelli nasceu em São Paulo, em 1985, é formado em Artes Visuais pela Unicamp e
trabalha com pintura e intervenção pictórica em arquiteturas. Nas palavras do artista: “meu
trabalho é sobre a relação entre as pessoas e os espaços que elas ocupam. Como os espaços e
os elementos que o compõem: objetos, arquitetura, sociedade, linguagem, podem modificar
essas relações”.32
Com base na história de Germana, é possível trabalhar diferentes métodos de estudo. Per-
gunte aos estudantes se eles sabem o que é um mapa mental e explique que se trata de um
dispositivo didático muito rico e interessante, que conecta imagem e escrita, ou seja, há uma
relação entre o visual e o textual, constituindo uma ferramenta de estudo eficaz para organi-
zar e resumir informações, principalmente para quem aprende melhor por meio de imagens.
Para facilitar o entendimento, releia o texto do verbete no verso da imagem e, na sequên-
cia, comece a montar com os estudantes um mapa mental sobre a vida de Germana. Faça com
eles o exercício de identificar quais são as ideias centrais do texto e então encoraje-os a usar
a criatividade para expressá-las no mapa, usando diferentes cores, setas e formas. Espera-se
que escolham palavras-chave como Germana, Salvador (ba), Manuel Pinto de Oliveira, forro,
sessenta anos, ação na Justiça, seu senhor, castigos físicos, alforria, entre outros termos que
avaliarem como relevantes. Observe o exemplo abaixo:
O mapa mental pode ser feito no caderno, em uma folha avulsa, usando o material que es-
tiver disponível em mãos. Também pode ser feito num slide de powerpoint ou Google Slides
ou ainda em outras plataformas digitais de desenho.
32 Informações do site do Projeto Afro. Disponível em: <https://projetoafro.com/artista/bruno-baptistelli/>. Acesso em: 13 ago. 2021.
Além do mapa mental, proponha aos estudantes que pesquisem no dicionário o signifi-
cado de palavras que provavelmente desconhecem, tais como “amealhar”, “pecúlio”, “forro”,
“alforria”. Oriente-os a registrar o significado dessas palavras no caderno, montando o seu
próprio glossário de termos novos. Ao fim da atividade, peça que apresentem seus mapas
mentais, recontando a história de Germana com suas próprias palavras. Isso também os fará
perceber como os termos que pesquisaram são importantes para o entendimento do texto.
⋅
⋅
COMO VOCÊ CONTARIA A SUA HISTÓRIA NUM MAPA MENTAL?
⋅
QUAIS SERIAM AS PALAVRAS-CHAVE ESCOLHIDAS?
⋅
QUAIS SERIAM OS MARCOS DA SUA HISTÓRIA?
QUAIS DATAS, LUGARES OU PESSOAS FORAM MARCANTES
EM SUA VIDA?
APRESENTAÇÃO DA OBRA
⋅
⋅
O QUE VOCÊ VÊ NESTA IMAGEM?
QUAIS ELEMENTOS PRESENTES NA OBRA CHAMAM SUA
⋅
ATENÇÃO? POR QUÊ?
VOCÊ RECONHECE ALGUM DESTES ELEMENTOS? O QUE ELES
⋅
PODEM SIGNIFICAR?
QUAL É A EXPRESSÃO DO RETRATADO?
Antes de contar a história de Chico Rei, peça que observem o retrato e descrevam os ele-
mentos presentes na obra. Instigue-os a reparar na expressão do retratado, nas cores utili-
zadas, nos elementos que compõem a imagem. Nela, o monarca veste um manto, rosário e
coroa. Pergunte também aos estudantes como eles descreveriam a textura do retrato e se
reconhecem os materiais utilizados pelo artista.
Há dois elementos ao lado de Chico Rei: uma estrela dourada de cinco pontas e uma cruz
vermelha. Esses dois ícones estão presentes em nossa cultura como símbolos de corte, ritos
religiosos, bandeiras, estandartes e indumentárias de muitas manifestações culturais tradi-
cionais, tais como a congada, o maracatu, o afoxé, reisado etc. Portanto, a obra Chico Rei dialo-
ga diretamente com esse universo de referências visuais afro-brasileiras.
Após o primeiro olhar e a descrição dos elementos presentes no retrato, peça à turma que
apresente hipóteses sobre quem poderia ser este homem, baseando-se nos aspectos obser-
vados na imagem.
Alguns trabalhos realizados por Antonio Obá têm como referência álbuns de famílias e ar-
quivos históricos. Suas obras buscam reinventar memórias, articulando referências pessoais
com grandes temas como a identidade nacional, racial e política. Nessa obra, o artista usou
como referência o retrato de seu próprio avô para dar vida à imagem de Chico Rei.34 Conside-
rando essa informação, provoque o grupo a refletir:
34 Nesse vídeo temos um depoimento do artista Antonio Obá apresentando algumas obras e explicando um pouco do seu pro-
cesso artístico do retrato que figura Chico Rei. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=ZdL2-Gv9i58>. Acesso em: 13
ago. 2021.
⋅
QUAIS SIGNIFICADOS A PINTURA GANHA QUANDO SABEMOS
QUE O ARTISTA PARTIU DA IMAGEM DO AVÔ PARA PRODUZIR A OBRA?
⋅
QUEM SERIA ESTA PESSOA? QUAIS OBJETOS QUE
SIMBOLIZAM PODER VOCÊ UTILIZARIA PARA COMPOR O RETRATO?
35 Durante a escravidão no Brasil, as Irmandades eram um tipo de associação de pessoas negras que previa a criação de fundos
para poder socorrer principalmente as viúvas e os filhos de escravizados, ajudar nos tratamentos de pessoas que sofriam algum
acidente de trabalho, mas também uma estratégia coletiva para compra de alforrias. Portanto, as Irmandades representam uma
forma de inteligência coletiva, organização e proteção das pessoas negras. Ver mais em SCHWARCZ, Lilia Moritz, GOMES, Flávio
dos Santos. Dicionário da Escravidão: 50 textos críticos. São Paulo: Companhia das Letras, 2018, p. 268.
36 Texto disponível em: <http://www.acervodastradicoes.com.br/portfolio/congada_stefigenia/>. Acesso em: 13 ago. 2021.
Reza a lenda que Chico Rei conseguiu acumular muito ouro articulando ações com pes-
soas escravizadas, recomendando que elas depositassem periodicamente na pia batismal o
ouro que escondiam entre os cabelos.37 Dessa forma, quando fossem lavar a cabeça para o
batismo, acabavam deixando ouro acumulado na pia. Ouro este que servia como doação para
que as irmandades libertassem cada vez mais pessoas e organizassem as festas e congadas.
No retrato, podemos perceber que o artista veste Chico Rei com indumentária semelhante
à dos reis da congada mineira, com manto vermelho e dourado, rosário no pescoço, além da
coroa ou resplendor, folheada a ouro na cabeça.
Após contar a história de Chico Rei, aproveite para apresentar à turma outras referências
sobre esse personagem:
37 GOMES, Flávio dos Santos. LAURIANO, Jaime e SCHWARCZ, Lilia Moritz. Enciclopédia negra. São Paulo: Companhia das Letras,
2021, p. 124.
38 Disponível em: <https://www.youtube.com/playlist?list=PLDYbiSk6JwPIyeu7IykK29Tv5S9mli1Sa>. Acesso em: 13 ago. 2021.
Imagem 3: Festa Nossa Senhora do Rosário, 1835, litografia, de Johann Moritz Rugendas, Coleção particular.39
Imagem 4: Coleta para a manutenção da igreja de Nossa Senhora do Rosário em Porto Alegre, c. 1828, Jean-
-Baptiste Debret.40
Imagem 5: Mestre Miguel Ferreira no Encontro de Tradições, 2019. Disponível em: <http://www.comunicacao.
pr.gov.br/Noticia/Morre-o-Mestre-Miguel-Ferreira-Rei-da-Congada-da-Lapa-Ferreira>. Acesso em: 13 ago. 2021.
COTIDIANO E ARTE
A partir do conjunto de imagens de apoio apresentadas, reflita com o grupo
⋅
QUANDO FALAMOS DO PERÍODO DA ESCRAVIDÃO,
QUAIS SÃO AS IMAGENS QUE ESTAMOS ACOSTUMADOS
⋅
A RELACIONAR ÀS PESSOAS NEGRAS?
DE QUE FORMA IMAGINAMOS AS PESSOAS NEGRAS
NESSE PERÍODO?
⋅
⋅
COMO SÃO OS REIS QUE VOCÊS TÊM NA MEMÓRIA?
QUAIS ELEMENTOS ESSES REIS UTILIZAM NO CORPO?
⋅
QUANDO VOCÊ IMAGINA UM REI OU UMA RAINHA, COMO
⋅
ELES SÃO?
COMO ESTÃO VESTIDOS?
Debata com o grupo sobre como suas referências de realeza são transmitidas e
construídas historicamente. Nesse debate, problematize imagens de reis e rainhas
europeus, introduzindo provocações que estimulem o grupo a querer descobrir ou-
tras referências não eurocêntricas de personalidades reais.
APRESENTAÇÃO DO ARTISTA
Antonio Obá nasceu em Ceilândia, em 1983, mas vive e reside em Brasília. Formado em artes
visuais, possui experiência com escultura, pintura, instalações e performance. Além de artis-
ta, Antonio Obá também é professor. Seu trabalho artístico perpassa temas como religiosida-
de, iconografia cristã, mestiçagem e resgate de memória afetiva na busca por um debate da
identidade racial e política.
DESFILANDO A REALEZA
Para realizar essa atividade, você vai precisar dos seguintes materiais:
⋅Tecidos e retalhos, embalagens, papel, tinta, papelão, jornal, fita adesiva, barbante,
miçangas, linhas, arame etc;
⋅Câmera para fotografar (pode ser celular).
Começando a atividade...
Estimule o grupo a observar novamente o retrato de Chico Rei comparando-o com outras
imagens de realezas sugeridas a seguir.
Para estimular a imaginação do grupo pergunte:
⋅
⋅
COMO SERIA O SEU NOME DE REI OU RAINHA?
⋅
EM QUAL LUGAR VOCÊ GOSTARIA DE REINAR?
⋅
QUAIS SERIAM SUAS PROPOSTAS E AÇÕES PARA O SEU REINO?
QUAIS SERIAM SUAS CORES E COMO SERIAM SUAS
BANDEIRAS?
Após conversar sobre essas perguntas, sugerimos que siga o passo a passo da atividade
descrito a seguir. Esta é uma atividade proveitosa para ser realizada com crianças. Para come-
çar, apresente aos estudantes imagens de líderes soberanos de diferentes lugares do conti-
nente africano. Alguns deles foram fotografados pelo austríaco Alfred Weidinger e os retratos
podem ser vistos na exposição Espírito da África: Os Reis Africanos, de 2014, disponível no site
do Museu Afro Brasil.41
Observe os retratos com as crianças, estimule-as a compartilharem suas impressões, com-
parando-os com as imagens que já viram de monarcas. Na sequência, proponha que cada um
crie a sua indumentária de rei ou rainha inspirados pelas fotografias de apoio apresentadas.
A atividade pode ser desenvolvida em etapas, cada uma delas dedicada à confecção de uma
parte do traje. Para a coroa, sugerimos a utilização de diferentes tecidos ou até mesmo mate-
riais do cotidiano como embalagens, cordas, papelão, jornal amassado e fita adesiva. Estimule
os estudantes a perceberem que a forma e a maleabilidade desses materiais podem oferecer
diferentes possibilidades para o formato da coroa, instigando-os a repensar o tradicional mo-
delo europeu desse acessório e a se abrir para a criação de novas formas.
Imagem 6: Detalhe da coroa do Oba Adeyeye Enitan Ogunwusi Ojaja ii, Ooni (governante tradicional) do reino
iorubá de Ile-Ife desde 2015. Disponível em: <https://bit.ly/coroaoba>. Acesso em: 13 ago. 2021.
Imagem 7: Ade (coroa de contas) do rei Onijagbo Obasoro Alowolodu, também conhecido como Ogoga de Ikere,
reinado da Nigéria, cerca de 1890-1928. Disponível em: <https://bit.ly/coroacontas>. Acesso em: 13 ago. 2021.
Após a etapa da criação da coroa, proponha a elaboração dos outros objetos de poder para
compor o visual da realeza, como a capa ou o manto, objetos de mão (como cetros), braceletes
e colares ou até mesmo o trono ou banco.
Para finalizar a atividade, organize uma apresentação dos reis e das rainhas, para que as
crianças possam exibir seus objetos de poder. Se considerar pertinente, peça que expliquem
os significados e os elementos em que se apoiaram na criação de seus trajes reais. Após o desfi-
le, cada realeza deve ocupar seu lugar no trono e fazer uma pose régia para um retrato. Assim,
ao final da atividade, a turma terá um conjunto de fotografias com diferentes referências de
reis e rainhas, o que pode até gerar uma exposição sobre o tema.
Esta proposta é bem interessante para um grupo de jovens e adultos, por aproximar o tema
da obra Chico Rei do cotidiano dos estudantes. Para isso, comece propondo uma reflexão so-
bre as representações e insígnias de poder presentes no cotidiano de cada um. Para começar,
apresente as fotos dos soberanos da exposição O espírito da África – os Reis Africanos e con-
verse com a turma sobre os símbolos de poder ostentados por diferentes grupos sociais e nos
locais onde os estudantes vivem.
Para contribuir com essa conversa, vale a pena apresentar referências presentes em diver-
sas mídias para que o grupo identifique duas situações: como os símbolos de poder fazem
referência a tradições e como os símbolos de poder também podem se modificar com o
passar do tempo, sendo atualizados. Sugerimos as seguintes referências musicais e visuais:
Imagem 8: Beyoncé durante apresentação no festival Coachella de 2018. Disponível em: <https://bit.ly/
coachellabey>. Acesso em: 13 ago. 2021.
Imagem 9: Capa do novo single de Babu Santana, “Soul África”. Disponível em: <https://bit.ly/santanababu>.
Acesso em: 11 jul. 2021.
Imagem 10: Ilustração do professor João Luiz Pedrosa, participante da 21ª edição brasileira do reality show Big
Brother Brasil, feita pelo artista visual Jefferson Corsi. Disponível em: <https://bit.ly/ilustrapedrosa>. Acesso
em: 11 jul. 2021.
Após a mediação de referências visuais e musicais, proponha que cada um crie uma ima-
gem que apresente os símbolos de poder relacionados ao seu cotidiano ou à sua história. Eles
podem usar como referência uma foto pessoal ou de alguém do grupo ou da comunidade com
a qual se identificam ou fazem parte. A imagem pode ser produzida de diferentes maneiras:
colagem (utilizando fotos e imagens de revistas) ou uma ilustração digital usando aplicativos
ou programas de edição.45 Além disso, pode-se realizar uma pintura, desenho ou até mesmo
uma performance que simule a experiência de estúdio de fotografia, na qual os alunos plane-
jam e executam a construção da pose e da caracterização da personagem utilizando objetos,
acessórios, roupas, tecidos, criando cenários para serem fotografados.
45 Algumas sugestões de software livres e gratuitos para edição de imagens: PicsArt, gimp (similar ao Photoshop), Pixlr, Inkscape
(similar ao Illustrator).
APRESENTAÇÃO DA OBRA
Domingos Álvares foi representado nesta obra pelo artista paulistano Oga Mendonça (1979-).
Apresente o retrato aos estudantes e peça que descrevam os elementos presentes na obra. Você
pode começar com as seguintes perguntas norteadoras:
⋅
⋅
O QUE CHAMA A ATENÇÃO NESSA IMAGEM?
QUAIS ELEMENTOS VOCÊS RECONHECEM?
Conforme a obra for observada e descrita pelo grupo, estimule-os a observar os elementos
utilizados para compor o retrato e a tentar identificar suas referências.
⋅
QUE TÉCNICA VOCÊS ACHAM QUE O ARTISTA UTILIZOU PARA
⋅
FAZER ESSE RETRATO?
QUE REFERÊNCIAS CONSEGUEM IDENTIFICAR? O QUE ACHAM
QUE ELAS SIGNIFICAM?
Domingos está centralizado, cercado de diferentes figuras e áreas com cores e letras. Algu-
mas figuras estão fragmentadas, outras são indícios de palavras, formando sílabas que apa-
rentam delinear seu nome “Domingos Álvares”. Os fragmentos dessas palavras, com letras
pretas sobre o fundo laranja, aparecem dispostos como se estivessem sobrepondo-se uns aos
outros. Durante a mediação, oriente a turma a perceber a composição de planos sobrepon-
do-se na imagem como se fossem papéis que se rasgaram com o passar do tempo, revelando
fragmentos de outras imagens que estavam por trás, numa camada anterior. Outra possibili-
dade de leitura visual é considerar as áreas da imagem como se fossem um mapa, no qual o
personagem se encontra entre as fronteiras de diferentes territórios, como uma pessoa que
transitou por diferentes espaços.
O efeito simulando os “rasgos” foi realizado digitalmente por meio de uma técnica chama-
da pintura digital, na qual o artista, ao invés de utilizar as técnicas tradicionais de pintura, usa
um software ou programa gráfico para a realização de sua obra. Pergunte:
⋅
EXISTE ALGUMA RELAÇÃO ENTRE OS FRAGMENTOS
⋅
PRESENTES NA IMAGEM? QUAL?
O QUE ESSES FRAGMENTOS PODEM SIGNIFICAR? E A QUE TIPO
⋅
DE MEMÓRIAS ELES PODEM ESTAR VINCULADOS?
ONDE DOMINGOS ÁLVARES PARECE ESTAR?
Para aprofundar a leitura visual da obra, apresente detalhes da história de Domingos Álvares.
Use como referência o verbete presente na Enciclopédia negra e no texto do verso da repro-
dução da imagem, a fim de relacionar sua biografia com as diferentes camadas de referências
visuais criadas por Oga Mendonça.
No retrato, identificamos elementos que fazem referência ao antigo reino do Daomé (atual
Benin) e à história de Domingo Álvares. Há um fragmento que mostra uma cidade com vista
para o mar e para as montanhas. Nota-se também a presença de um conjunto de búzios ou
cauris, típicos de muitas indumentárias e objetos de cultos de religiões africanas e afro-brasi-
leiras.46 Os elefantes com coroa, símbolo da bandeira do antigo reino do Daomé, estão dispos-
tos como se formassem um padrão de estampa. No canto inferior direito, vê-se um trono do
antigo Daomé chamado de zingpo gandeme (“assento do rei”).
Outro elemento que chama atenção, no canto superior esquerdo, é a representação da li-
derança Ahosi, um grupo de mulheres guerreiras do exército fon que existiu até meados do
século xix. A guerreira representada empunha uma arma na mão direita e traz uma cabeça
decapitada na esquerda, usando um traje do exército militar do Reino do Daomé.
Enquanto compartilha essas informações, incentive a turma a perceber como elas fazem alu-
são às origens e às experiências de vida e religiosas de Domingos Álvares. Apresente um mapa da
África e localize a atual região do Benin. Ao longo dessa mediação, compartilhe também imagens
das referências visuais usadas pelo artista, tais como os búzios (se possível, mostre o objeto), o tro-
no de Daomé,47 a bandeira48 do antigo Reino do Daomé e imagens das guerreiras Ahosi.49
Domingos Álvares é representado como um homem mais velho, já de barba branca. Suas
roupas de cores claras podem ser entendidas como uma remissão à sua prática curandeira,
já que ele era um detentor de saberes religiosos, herdados de seus pais, como o culto aos vo-
duns;50 essa percepção também é corroborada pelo fato de que, nas religiões de matriz africa-
na, este tipo de roupa faz parte da indumentária dos terreiros e cultos religiosos.
Considerando que Domingos Álvares foi uma liderança religiosa que exerceu práticas de
cura e adivinhação, sendo preso em 1742 e levado para Portugal acusado de feitiçaria, é funda-
mental que, na mediação dessa obra, seja discutido o conceito do racismo religioso. Para isso,
prepare uma conversa com os estudantes sobre como as religiões de matriz africana foram
formadas e como ainda são perseguidas no Brasil. Explique que, diante desse longo processo
de opressão, houve muita inventividade e resistência organizada pela população negra.
46 Para mais informações, consulte o material África em artes. Disponível em: <http://www.museuafrobrasil.org.br/docs/defaul-
t-source/publica%C3%A7%C3%B5es/africa_em_artes.pdf>. Acesso em: 13 ago. 2021.
47 Imagem disponível em: <https://www.museunacional.ufrj.br/dir/exposicoes/etnologia/etn007.html>. Acesso em: 13 ago.
2021.
48 Imagem disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Reino_do_Daom%C3%A9#/media/Ficheiro:Dahomey_kingdom_flag.
png>. Acesso em: 13 ago. 2021.
49 Veja imagens dessas guerreiras em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Dahomey_amazon1.jpg> e também: <https://
pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Dahomey-amazoner.jpg>. Acesso em: 13 ago. 2021.
50 Oriundo da língua fon, do antigo reino africano do Daomé (atual Benin), o termo “vodu” significa "divindade" ou “espírito”.
ARAUJO, Emanuel. O Haiti está vivo ainda lá: A arte das bandeiras, dos recortes e das garrafas consagradas ao vodu. São Paulo: Mu-
seu Afro Brasil, 2010.
COTIDIANO E ARTE
Abordar aspectos artísticos, históricos e culturais presentes nos temas religiosos
de matriz africana, como o candomblé e a umbanda, sempre foi um grande desafio
dentro dos espaços educativos, principalmente o escolar. Como educadores, antes
de começar nossas mediações com os estudantes, cabe nos perguntar:
⋅
QUAIS SÃO OS MEUS ENTRAVES PESSOAIS PARA
TRABALHAR A TEMÁTICA DA RELIGIOSIDADE AFRO-BRASILEIRA
⋅
COM OS ALUNOS?
QUAIS SÃO AS MINHAS DIFICULDADES DIANTE DESSE
⋅
TEMA?
HÁ ALGO QUE ME DESMOBILIZA? POR QUÊ?
⋅
POR QUE AS REFERÊNCIAS ARTÍSTICAS, CULTURAIS
E HISTÓRICAS, QUE SE APROXIMAM DA RELIGIOSIDADE AFRO-
⋅
-BRASILEIRA, CAUSAM TANTO ESTRANHAMENTO?
O QUE VOCÊ JÁ OUVIU FALAR SOBRE AS RELIGIÕES DE
MATRIZ AFRICANA?
A partir de tais reflexões, prepare uma conversa com os estudantes sobre o que
aconteceu com Domingos Álvares:
⋅
POR QUE UM HOMEM NEGRO FOI PRESO POR CULTUAR SUAS
DIVINDADES?
Para responder esta pergunta, explique ao grupo que, em 1742, as práticas religiosas não
católicas eram proibidas e sujeitas a punições do Tribunal do Santo Ofício da Inquisição51, que
tinha como seus alvos preferenciais os judeus convertidos ou cristão novos e as mulheres
consideradas feiticeiras. No direito eclesiástico, a feitiçaria fazia parte da jurisdição dos tribu-
nais do Santo Ofício, sendo enquadrada como crime de heresia52. Esses casos de perseguições
aconteceram também com muitos africanos e seus descendentes, como Domingo Álvares.
Instigue essa reflexão relacionando-a com o que acontece atualmente. Nessa conversa,
observe os comentários realizados pela turma verificando se são de cunho estereotipado ou
racista. Caso sejam, aproveite para apresentar à turma o conceito da intolerância religiosa ou
racismo religioso53 e faça também uma leitura dos dados do gráfico a seguir, relacionando-o
com essa discussão. Qualificar esse debate mobilizando conceitos e dados concretos da reali-
dade pode ser uma boa estratégia de abordagem:
51 Para saber mais sobre o histórico da repressão das religiões afro-brasileiras desde o Brasil Colônia com o Tribunal do Santo
Ofício da Inquisição até o Brasil República com instrumentos legais de perseguição, acesse: <https://www.redalyc.org/jour-
nal/770/77055372003/html/>. Acesso em: 19 out. 2021.
52 Ver também o verbete de Luzia Pinta em: GOMES, Flávio dos Santos. LAURIANO, Jaime e SCHWARCZ, Lilia Moritz. Enciclopédia
negra. São Paulo: Companhia das Letras, 2021, p. 348.
53 Para consultar as definições dos conceitos de preconceito, discriminação e racismo, sugerimos a leitura de: ALMEIDA, Silvio
Luiz de. Racismo estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019, p. 32.
54 NOGUEIRA, Sidnei. Intolerância religiosa. São Paulo: Pólen, 2020, p. 35.
Para contribuir com essa reflexão, apresente alguns dados como gráficos e notícias de jor-
nais e revistas e assistam a vídeos que tratam sobre o tema. As indicações a seguir também
podem ser úteis para o debate:
Imagem 11: Infográfico que retrata as religiões mais citadas nos livros didáticos. Fonte: Diniz, Debora; Lionço,
Tatiana; Carrião, Vanessa/ UnB. “Laicidade e Ensino Religioso no Brasil”, estudo realizado com amostragem
de 25 livros didáticos usados em todo o país. In:“Diversidade – Por que estimular a tolerância religiosa
no ambiente escolar”. Aprendizagem em foco. Disponível em: <https://www.institutounibanco.org.br/
aprendizagem-em-foco/33/>. Acesso em: 13 ago. 2021.
Imagem 12: Fonte: Balanço Disque 100 – Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos.55
Outro ponto necessário na análise dessa obra é ressaltar a grande contribuição que as re-
ligiões56 de matriz africana tiveram para a história e cultura do Brasil, seja na forma de inven-
tividade, resistência e organização social, cultural e política, seja como estratégia de preser-
vação de saberes, isto é, os conhecimentos trazidos do continente africano e que até hoje são
mantidos e transmitidos dentro de espaços sagrados e no nosso cotidiano. Segundo o antro-
pólogo Kabengele Munanga, a religião constitui o núcleo duro, a partir do qual se organizou a
resistência cultural afro-brasileira em outros setores da vida: artes, música, dança, culinária,
plantas medicinais, entre outros.57
APRESENTAÇÃO DO ARTISTA
Oga Mendonça vive em São Paulo. É artista com experiência em design multimídia e ilustra-
ção. Assina a capa e identidade visual da Enciclopédia negra.
Após conhecer parte da história de Domingos Álvares e a forma como o artista Oga Mendonça
o representou, proponha uma atividade de criação de imagens e histórias em camadas.
Peça aos estudantes que formulem a cronologia de sua própria vida no formato de uma
linha do tempo. Estimule-os a lembrar de seus ancestrais, lugares de origem, algum marco
importante ocorrido na sociedade nesse período, mas deixe-os livres para decidirem como
querem que esse tempo seja dividido e organizado, selecionando do modo que acharem mais
conveniente as pessoas e os fatos que serão os marcos de suas linhas pessoais do tempo.
Com a cronologia pronta, é hora de escolher as imagens para ilustrá-la. Comente com os
estudantes que o momento da seleção de imagens é fundamental no processo criativo e vi-
venciado por muitos designers e artistas visuais na produção de suas obras. A turma pode
fazer uma pesquisa on-line, em revistas, em catálogos e até mesmo em álbuns de família para
selecionar as imagens ou palavras que representem cada período ou marcos presentes em
sua linha do tempo. Proponha algumas questões que podem contribuir com o processo de
pesquisa iconográfica:
56 Como introdução ao tema da religiosidade afro-brasileira, intolerância religiosa ou racismo religioso, recomendamos a leitu-
ra: SILVA, Wagner Gonçalves da. Candomblé & Umbanda: Caminhos da devoção brasileira. São Paulo, Summus/Selo Negro, 2005.
Ver também: NOGUEIRA, Sidnei. Intolerância religiosa. São Paulo: Pólen, 2020.
57 MUNANGA, Kabengele. "As religiões de matriz africana e intolerância religiosa. In: Crítica e Sociedade: Revista de cultura
política, Uberlândia, v. 10, n. 1, 2020, pp. 9-10. Disponível em: <http://www.seer.ufu.br/index.php/criticasociedade/article-
view/57901/30233>. Acesso em: 13 ago. 2021.
⋅
⋅
QUAIS SÃO AS IMAGENS QUE REPRESENTAM SUA FAMÍLIA?
⋅
O LUGAR QUE VOCÊ NASCEU?
⋅
SEUS HÁBITOS? OS LUGARES QUE FREQUENTA?
OU ATÉ MESMO COMO SE IMAGINA NO FUTURO?
Você também pode apresentar o perfil do artista Oga Mendonça no Pinterest, platafor-
ma que funciona como uma rede social de compartilhamento de imagens e que pode servir
também como fonte de inspiração para aumento de repertório visual para diversas áreas e
pessoas.
Disponível em: <https://br.pinterest.com/ogamendonca/_saved/>. Acesso em: 13 ago.
2021.
Depois que as imagens forem escolhidas, instrua os estudantes a elaborarem uma compo-
sição com essas figuras (por exemplo, um retrato), a fim de representar a sua história. Incen-
tive-os a se inspirarem no trabalho de Oga Mendonça para criar as camadas de imagens do
trabalho, fazendo sobreposições com palavras ou cenas fragmentadas. Também podem ser
utilizados programas de edição58 ou imagens impressas para realizar uma colagem.
58 Algumas sugestões de software livres e gratuitos para edição de imagens: PicsArt, gimp (similar ao Photoshop), Pixlr, Inkscape
(similar ao Illustrator).
APRESENTAÇÃO DA OBRA
Apresente ao grupo a imagem da obra Rosa do artista Mulambö (1995-). Deixe que observem
por algum tempo e estimule-os a descrevê-la, com perguntas como:
⋅
⋅
O QUE VOCÊ VÊ NESTA IMAGEM?
⋅
QUAIS SÃO AS CORES UTILIZADAS?
SOB QUAL SUPORTE A PINTURA PARECE TER SIDO REALIZADA?
⋅
⋅
O QUE VOCÊ ACHA QUE ESTÁ ACONTECENDO NESTA IMAGEM?
ONDE VOCÊ IMAGINA QUE ESSAS PESSOAS ESTEJAM? POR
QUE ESTARIAM NESSE LUGAR?
59 MULAMBÖ, Não tem museu no mundo como a casa da nossa vó, 2020, Catálogo virtual, p. 8. Disponível em: <https://drive.
google.com/file/d/1xMgZo4kiQyRXsaUq42wc2JmpWCgbnDwU/view>. Acesso em: 13 ago. 2021.
60 GOMES, Flávio dos Santos. LAURIANO, Jaime e SCHWARCZ, Lilia Moritz. Enciclopédia negra. São Paulo: Companhia das Letras,
2021, p. 511.
todas de roupa branca, mas sem expressões faciais, e mais uma criança pequena em seu colo,
mamando. Rosa veste um turbante branco e blusa amarela, tendo suas feições e expressão
representadas com um olhar dirigido ao observador. Mulambö deu foco na personagem, tor-
nando-a protagonista da cena, como é recorrente nos retratos. Levando em consideração a
história no verbete, cabe perguntar:
⋅
SERÁ QUE O ARTISTA REPRESENTOU JUSTAMENTE A CENA DA
⋅
FUGA DE ROSA?
O QUE NA IMAGEM TE FAZ PENSAR ASSIM?
A atitude de Rosa fazia parte de um movimento maior que levou diversos escravizados a
fugirem do Rio Grande do Sul em direção à fronteira do Uruguai e Argentina, buscando con-
dições melhores de vida e liberdade. Muito antes que o Brasil, o Uruguai estabeleceu leis abo-
licionistas: em meados de 1842, o país decretou que os filhos de escravizados seriam conside-
rados livres e, quatro anos depois, o próprio fim da escravidão. Em 1853, foi a vez da Argentina.
Dessa forma, as fugas de escravizados brasileiros cruzando essas fronteiras revelam que essas
informações circulavam, pois os sujeitos estavam informados das leis dos países vizinhos e
tinham suas estratégias para buscar uma vida melhor. Rosa buscava garantir liberdade não
somente para si, mas também para os seus cinco filhos.
Nessa mediação com o grupo, para aproximar o tema da obra com o cotidiano atual, faça
paralelos entre a história de Rosa e a de muitas mulheres contemporâneas que lutam para
garantir seus direitos e de seus filhos. Para isso pergunte:
⋅
VOCÊS CONHECEM ALGUMA MULHER COM UMA HISTÓRIA
PARECIDA COM A DA ROSA? QUEM E QUAL É A SUA HISTÓRIA?
COTIDIANO E ARTE
Aproveite a história de Rosa e converse com os alunos sobre as lideranças femininas,
principalmente as mulheres negras que, durante toda a nossa história tiveram atuação
fundamental na garantia de direitos à população negra. Mencione a importância de
organizações de mulheres que atualmente lutam para que suas vidas e de seus filhos
não sejam exterminadas pela brutalidade policial.
Nessa conversa, você também pode apresentar verbetes de outras mulheres61 da
Enciclopédia negra e suas mediações presentes neste material. Além disso, podem
ser levadas para a sala de aula imagens e músicas que dialogam com a obra, trazendo
exemplos de organizações de mulheres que hoje lutam pelos seus direitos e de seus
filhos, tais como o Movimento Independente Mães de Maio,62 Rede Nacional de Mães
e Familiares de Vítimas do Terrorismo do Estado63 e coletivo Mães pela Diversidade.64
Imagem 13: Mãe Preta ou a fúria de Iansã, 2009-14, acrílica sobre tela de Sidney Amaral, São Paulo,
acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo.
61 Sugerimos outros verbetes com histórias de mulheres como Acotirene e Aqualtune, p. 25; Ambrosina, p. 42;
Caetana, p. 102; Catarina Cassange, p. 114; Luzia Pinta, p. 347; em: GOMES, Flávio dos Santos. LAURIANO, Jaime
e SCHWARCZ, Lilia Moritz. Enciclopédia negra. São Paulo: Companhia das Letras, 2021.
62 Para saber mais: <http://periferiaemmovimento.com.br/crimesdemaio15anos/>. Acesso em: 13 ago. 2021.
63 Veja mais em: <https://web.facebook.com/Rede-Nacional-de-M%C3%A3es-e-Familiares-de-V%C3%ADtimas-do-
-Terrorismo-do-Estado-106855194355288/>. Acesso em: 13 ago. 2021.
64 Veja mais em: <https://maespeladiversidade.org.br/>. Acesso em: 13 ago. 2021
MÚSICA "RIMA DELA", DE MEL DUARTE, BIANCA HOFFMANN, SOUTO MC, CRIS SNJ E KILLA BI.66
⋅
NA MÚSICA “BENÇA”, DE DJONGA, QUEM É O NARRADOR?
⋅
QUAL A MENSAGEM DESSA MÚSICA?
⋅
O QUE ESSA MÚSICA PODE TER A VER COM A HISTÓRIA DE ROSA?
QUAL É A IMPORTÂNCIA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS
⋅
APRESENTADOS?
⋅
QUAIS DIREITOS SÃO REIVINDICADOS?
VOCÊ CONHECE ALGUÉM QUE PARTICIPA OU PARTICIPARIA
DESTE MOVIMENTO? SE SIM, POR QUAL MOTIVO?
APRESENTAÇÃO DO ARTISTA
Mulambö nasceu em 1995, Saquarema, Rio de janeiro. Atualmente vive e trabalha em São Gon-
çalo, também no Rio de Janeiro. Seu trabalho procura valorizar materiais do cotidiano, como pa-
pelão, tijolo e fotografias de redes sociais. Possui trabalhos em coleções institucionais brasileiras
como o Museu de Arte do Rio – mar, a Pinacoteca do Estado de São Paulo e o Museu do Ingá.
A história de Rosa nos revela uma mulher de coragem, que cruzou a fronteira de outro país
para fugir da escravidão em busca de rumos melhores para ela e seus filhos. Considerando as
ações de Rosa e de muitas outras mulheres, que criaram estratégias para lutar por um futuro
melhor, nessa atividade queremos destacar como a arte e a poesia também são exemplos de
estratégias de ação política.
Diante disso, a proposta de atividade será realizar uma atividade de poesias faladas ou
slam68 na escola. Trata-se de uma atividade bastante produtiva para jovens dos anos finais do
ensino fundamental ou do ensino médio. Primeiro, recomendamos um estudo das regras e
referências desse tipo de competição. Para tanto, sugerimos que assistam ao vídeo do canal
da Olimpíada de Língua Portuguesa69 sobre como organizar um slam na escola. Após a fami-
liarização com a performance, pergunte se a turma sabe ou imagina como acontece esse tipo
de manifestação artística e cultural.
Apresente algumas referências e exemplos de poesias criadas pelas slammers Mel Duarte,
Roberta Estrela D'Alva, Jessica Campos entre outras. Mostre também alguns vídeos com algu-
mas batalhas. Sugerimos começar pelo Slam das Minas – São Paulo,70 Slam das Minas – Rio de
Janeiro,71 Slam Resistência72 e Slam Brasil.
Explique que o slam acontece em diversas regiões do país e que dialoga principalmen-
te com a cultura das periferias, constituindo-se como um espaço de voz, reconhecimento e
luta, onde muitos jovens se reúnem em lugares públicos como ruas, praças e viadutos para
se manifestarem através de suas rimas. Durante essa apresentação do slam, dê ênfase para a
existência de um circuito do slam em todo o Brasil, que é muito organizado e estruturado.
A partir das referências apresentadas, proponha ao grupo a criação e escrita das suas pró-
prias rimas. Tendo em vista as aprendizagens essenciais definidas pela bncc,73 as situações de
trabalho colaborativo entre os jovens favorecem o protagonismo dos estudantes, desenvol-
vendo processos criativos através da investigação de corporalidades, musicalidades, textuali-
dades literárias e manifestações culturais. Assim, o slam propicia a criação artística, aprecia-
ção, análise e reflexão sobre referências históricas, estéticas, sociais e culturais do grupo.
No início da atividade, peça que retomem a obra e o verbete Rosa e considerem tudo o
que essa mulher teve de enfrentar em busca de condições mais dignas de vida, comparando
as circunstâncias sociais da época em que ela viveu com as circunstâncias sociais de hoje em
dia. A partir dessas ponderações, incite os estudantes a pensarem em situações que os afetam
diretamente e que, assim como Rosa, eles desejariam mudar. Com base nessas reflexões, peça
que escolham um tema e, a partir dele, desenvolvam sua poesia. Caso perceba que estão com
dificuldade na criação individual, sugira que formem grupos para que a composição da poesia
seja coletiva. Aproveite esse processo para destacar as habilidades e competências desenvol-
68 Segundo Josi de Paula, o slam é uma competição de poesia falada criada nos Estados Unidos por Marc Smith, em Chicago
nos anos 1980 e trazida ao Brasil em 2008 por Roberta Estrela D’Alva. As batalhas de poesia falada seguem as seguintes regras:
as poesias autorais têm até três minutos e não usam objetos cênicos ou acompanhamento musical. Corpo e voz são elementos
fundamentais! O desempenho dos participantes e suas notas são determinadas por um júri popular que é escolhido no momento
da competição. A batalha pode ocorrer em três fases: geral, semifinal e a final, que revela quem venceu a edição. Num slam são
recitadas poesias de temas livres, mas nota-se que grupos marginalizados e historicamente excluídos vêm se utilizando dessa
expressão artística para reivindicar direitos, conferindo maior visibilidade às suas lutas e protagonizando sua narrativa histórica.
Fonte: PAULA, Josi de. "Slam: literatura e resistência!" Revista Educação Pública, v. 19, n. 30, 19 de novembro de 2019.
69 Disponível em: <https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/19/30/slam-literatura-e-resistencia>. Acesso em: 12 jul. 2021.
70 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=dcKDZVPoW4Q&t=249s>. Acesso em: 13 ago. 2021.
71 Veja em: <https://www.youtube.com/channel/UCKf278fcNBd18_1y5nqt05g>. Acesso em 13 ago. 2021.
72 Veja em: <https://www.youtube.com/channel/UCvpYWn9C_xv7ebfLfLhip3g>. Acesso em: 13 ago. 2021.
73 Veja em: <https://www.youtube.com/watch?v=L4UqTST3Uqk>. Acesso em: 13 ago. 2021.
vidas pelos slammers, tanto na produção quanto na apresentação dos poemas. Enquanto os
estudantes estiverem trabalhando na escrita dos poemas, proponha alguns exercícios de de-
clamação, enfatizando as rimas, a entonação e a impostação de voz, para que eles percebam
como esses aspectos colaboram na expressão de sentimentos e sensações.
Num segundo momento, quando a turma já estiver mais à vontade com o processo de
escrita de poesia, realize uma batalha slam. A competição pode ser feita dentro da sala de aula
e, posteriormente, levada para o pátio da escola, envolvendo alguns funcionários e colegas de
outras classes, que podem ser convidados para ser jurados ou fazer parte da plateia. Ao longo
do processo, também é possível expandir essa proposta, criando batalhas entre estudantes de
todas as classes.
Ao organizar a batalha, é importante que os estudantes definam a sua palavra ou frase de
ordem que geralmente é dita pela plateia antes da apresentação dos slammers. A palavra de
ordem pode ser um lema, uma pauta de luta, reivindicação de acordo comum que represente
o grupo. Para isso, provoque os alunos:
⋅
QUAL SERIA A PALAVRA DE ORDEM OU LEMA DO SLAM
DOS ESTUDANTES?
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O percurso deste material termina com a elaboração do lema ou da palavra de ordem dos
estudantes.
⋅
QUAIS PALAVRAS E VOZES OUVIREMOS DOS NOSSOS
ESTUDANTES? O QUE ELES TÊM A NOS DIZER E A EXPRESSAR?
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