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Chiquinha Gonzaga and Pixinguinha: The whitening of Choro and the erased blackness
Glaw Nader
Universidade Federal de Minas Gerais
glaw.nader@gmail.com
Resumo: Discuto neste artigo, o embranquecimento do choro notadamente evidenciado em três situações: 1. A
negritude apagada de Chiquinha Gonzaga, que até pouco tempo estava no imaginário brasileiro como o de uma
mulher branca; 2. A estética sonora embranquecida com base na história protagonizada por Pixinguinha e
Radamés Gnatalli na gravadora Victor; 3. O racismo por parte dos protagonistas brancos no choro e no samba nos
anos 1930 e 1940. O embranquecimento, remonta ao projeto politico pós-abolição de embranquecer o povo
brasileiro, Esta discussão se dará com base em conceitos de negritude (seus usos e sentidos) de Munanga (2019),
racismo e desigualdade de Carneiro (2011) e decolonialidade e pensamento afrodiaspórico de Bernardino-Costa,
Maldonado-Torres E Grosfoguel (2020).
Abstract: In this article, I discuss the whitening of choro, notably evidenced in three situations: 1. Chiquinha
Gonzaga's erased blackness, which until recently was in the Brazilian imagination as that of a white woman; 2. The
whitened sound aesthetic based on the story starred by Pixinguinha and Radamés Gnatalli at the Victor label; 3.
Racism on the part of white protagonists in choro and samba in the 1930s and 1940s. Whitening dates back to the
post-abolition political project of whitening the Brazilian people. This discussion will be based on concepts of
blackness (its uses and meanings) of Munanga (2019), racism and inequality of Carneiro (2011) and decoloniality
and aphrodiasporic thinking of Bernardino-Costa, Maldonado- Torres e Grosfoguel (2020).
1 – Introdução
1
ALVES (2020), poucas eram as figuras femininas nos registros à época do choro. Alexandre
Gonçalves Pinto (1936) registrava em seu livro “O choro: reminescências dos chorões antigos”,
a história de centenas de chorões e apesar disso, há poucos personagens femininos nesse
registro. E as únicas musicistas citadas são Chiquinha Gonzaga e Lily São Paulo.
Remeto à figura de Chiquinha Gonzaga para que, observando sua história a partir de
uma perspectiva interseccional , seja possível compreender como a articulação entre
categorias como gênero e raça é fundamental para pensar sua trajetória como mulher
negra. A figura de Chiquinha é acionada para que possamos refletir sobre o
silenciamento de mulheres negras no domínio da cultura popular. Tendo lutado contra
o machismo e o sexismo presentes nos ambientes de produção musical de sua época,
Chiquinha pode ser pensada a partir das disputas em torno de sua imagem, que insistem
em branquear personagens negros da história do Brasil (ALVES, 2020 p.20-21).
1
eugenista pós-abolição corroborou para que a negritude fosse apagada não apenas da imagem
dos que realizaram o choro, como aconteceu com Chiquinha Gonzaga , mas, da estética sonora
embranquecida e no quanto isso influenciou na perda da identidade originária e
representatividade negras nas rodas de choro nas quais hoje, predomina a presença de músicos
brancos e de um público branco elitizado.
1
do Teatro Popular do SESI e dessa vez, a protagonista é a atriz Regina Braga. Em comemoração
aos 150 anos de Chiquinha Gonzaga, uma nova montagem foi produzida em 1998 e trazia como
protagonista a atriz Rosamaria Murtinho. Em 1999, a TV Globo lançou a minisserie Chiquinha
Gonzaga. Escrita por Lauro Cesar Muniz, dirigida por Jayme Monjardim, trazia como
protagonistas as atrizes Gabriela Duarte (Chiquinha Gonzaga jovem) e sua mãe, Regina Duarte
(como Chiquinha Gonzaga adulta). Nem no teatro, nem na televisão a negritude de musicista foi
mencionada. Nas palavras de Carolina Alves, “na série, os debates sobre negritude se resumiam
ao fato de Chiquinha ter sido influenciada pela música de negros, por ser abolicionista e pela
negritude de sua mãe, Rosa Maria de Lima, interpretada por Solange Couto” (ALVES, 2020 p. 22).
Chiquinha era neta de uma mulher negra escravizada e filha de mãe negra forra. Nesse
sentido, ainda que seu pai fosse branco, não seria possível percebê-la como uma mulher
branca. Considero que o processo de negação da negritude de Chiquinha e a
consolidação de sua imagem como a de uma mulher branca podem ser compreendidos
à luz do que alguns intelectuais chamam de “ideologia do branqueamento”, que deve
ser observada sem que se perca de vista, o racismo estrutural existente no Brasil
(ALVES, 2020 p.26).
Uma vez que não foi possível buscar o acento racial de Chiquinha Gonzaga com base
nos periódicos da época, visto que a crítica se ocupava com o seu gênero, a autora Carolina
Alves sugeriu outro rumo, no qual se reinvindicasse a negritude da artista com base na atuação
do movimento negro, tendo como caso de maior repercussão a negritude reconhecida do
escrito Machado de Assis. E, para discutir sobre o apagamento da negritude em consequência
desse branqueamento histórico no Brasil, é importante que se entenda o que é negritude e/ou
identidade negra, e como ela é percebida e assimilada. A negritude enquanto conceito e
movimento ideológico existe há aproximadamente 70 anos. Para Munanga (2019):
Nem sempre está claro quando se fala de identidade: identidade atribuída pelos
estudiosos por meio de critérios objetivos, identidade como categoria de autodefinição
ou atribuição do próprio grupo pelo grupo vizinho? [...] A negritude e/ou a identidade
negra se referem à história comum que liga, de uma maneira ou de outra, todos os
grupos humanos que o olhar do mundo ocidental “branco” reuniu sob o nome de
“negros” (MUNANGA, 2019).
1
a ótica de que a negritude tem referência direta com a história comum que liga de uma ou outra
maneira todos os grupos humanos que o mundo branco eurocêntrico reuniu e nomeou como
negros, é importante frisar, de acordo com Munanga, que apesar de negritude ter origem na cor
da pele negra, ela não é essencialmente de ordem biológica. É importante salientar que, quando
o autor fala sobre história, se refere às barbaridades sofridas pelos povos africanos em diáspora
na tentativa brutal de desumanização e destruição de suas culturas. O autor lembra ainda, que
nos primórdios da dita civilização, “a África negra era considera como um deserto cultural e seus
habitantes como um elo entre o homem e o macaco” (MUNANGA, 2019, p.19). Ao que ele diz:
Com base nessa ótica de resgate de uma identidade coletiva, de uma comunidade de
condição histórica e consciente, é que se torna imperativo reinvindicar a negritude de
personagens históricos como Chiquinha Gonzaga, compreendendo a negritude como parte da
luta para reconstruir positivamente a identidade da artista.
Entre as décadas de 1930 e 1940, a música popular brasileira difundida por meio de
discos e rádio sofreu uma série de modificações, afastando-se cada vez mais das práticas de
choro e de samba, passando a incluir uma estética mais voltada para o erudito, tanto na
composição, quanto no arranjo e interpretação. Novos gêneros foram incorporados ao
repertório de música brasileira como valsas e canções sentimentais, que ganhavam público
1
entre os de maior poder aquisitivo. Dos elementos estéticos da música popular brasileira, o que
mais evidenciou essa guinada estética foi o arranjo.
De fato, entre 1937 e 1941, a “Orquestra Diabos do Céu”, dirigida por Pixinguinha,
gravou apenas 58 fonogramas, número irrisório se comparado aos 304 gravados entre
1932 e 1936. Entre 1942 e 1945, as gravações dessa orquestra foram apenas 12. Nesse
último período, já eram raras na Victor gravações de sambas e marchas carnavalescos
acompanhadas por orquestra: somadas, não chegavam a 40. Em contraste, aumentava
o número de valsas, foxes e sambas-canções gravados com acompanhamento
orquestral (BESSA, 2008 p.4).
Apesar do que se dizia na época a respeito dos arranjos de Pixinguinha não serem
modernos, entre 1938 e 1940, segundo a biógrafa Marília Barboza da Silva:
Pixinguinha compôs cinco dos oito arranjos sinfônicos inéditos que foram encontrados
pela pesquisadora no arquivo pessoal do músico. Um deles, o de Carinhoso, foi levado
ao ar pela rádio Mayrink Veiga em 1938, durante as comemorações do quinto
aniversário da direção artística de César Ladeira na emissora. Segundo Sérgio Cabral,
era uma resposta aos boatos que corriam na época, segundo os quais Pixinguinha teria
“perdido a vez” para Radamés Gnattali porque não sabia escrever para cordas (BESSA,
2008 p.5).
1
Com base nessas informações, pode-se notar que o afastamento de Pixinguinha da
indústria fonográfica não foi espontâneo e ao que se sabe, veio acompanhado de dificuldades
econômicas, que segundo Bessa (2008) obrigaram Pixinguinha a vender a co-autoria de
diversas composições suas para Benedito Lacerda. Entre os anos de 1946 e 1951, juntos
gravaram pela Victor 34 fonogramas. A parceria entre ambos só se encerrou com a morte de
Benedito. De acordo com a autora, Benedito exigiu ser o flautista nessa parceria, o que levaria
Pixinguinha a assumir o saxofone de vez. Apesar do resultado positivo do trabalho com
Benedito Lacerda permitir que Pixinguinha pagasse a dívida de sua casa própria, jamais se
compararia com o sucesso e status do qual ele havia desfrutado nos idos de 1930.
1
com uma predominância de músicos brancos, e os poucos negros de pele clara que se
mantinham nesses grupos eram relegados aos instrumentos de percussão (BESSA, 2008).
O regional da Rádio Nacional, por exemplo, era liderado por Dante Santoro, músico
gaúcho de formação erudita, contemporâneo de Pixinguinha. É verdade que havia
negros entre os membros do conjunto. Mas eles não eram bem vistos pelo principal
maestro da rádio, Radamés Gnattali: “eram tudo uns cachaças”. Radamés simpatizava
mesmo era com o regional de Benedito Lacerda [...] Além do líder flautista, faziam parte
do conjunto os violonistas Dino (sete cordas) e Meira (seis cordas, único artista negro
do conjunto) e o cavaquinhista Canhoto, que juntos formariam o “trio de base” mais
conhecido entre os regionais brasileiros. Nesse grupo, o caráter informal das antigas
rodas de choro foi substituído por um profissionalismo bastante rigoroso, sob a
liderança de Benedito Lacerda, que aplicava multas por faltas e atrasos e, às vezes,
tratava os músicos com violência, principalmente os ritmistas (BESSA, 2008 p.7).
Para Sueli Carneiro (2011), o pensamento social no Brasil está pautado no estudo
da problemática racial e, apesar disso, a negação da discriminação ainda perdura. De acordo
com a autora, uma das características do racismo:
É a maneira pela qual ele aprisiona o outro em imagens fixas e estereotipadas, enquanto
reserva para os racialmente hegemônicos o privilégio de serem representados em sua
diversidade. Assim, para os publicitários, por exemplo, basta enfiar um negro no meio
de uma multidão de brancos em um comercial para assegurar suposto respeito e
valorização da diversidade étnica e racial e livrar-se de possíveis acusações de exclusão
racial das minorias. Um negro ou japonês solitários em uma propaganda povoada de
brancos representam o conjunto de suas coletividades. Afinal, negro e japonês são
todos iguais, não é? Brancos não. São individualidades, são múltiplos, complexos e
assim devem ser representados (CARNEIRO, 2004 para o site Portal Geledés).
Sob essa ótica, pode-se compreender o processo que estereotipou os músicos negros
das orquestras das rádios, quando susbstituídos pelos músicos brancos de ascendência
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européia no momento da profissionalização das orquestras, sendo relegados a uma
participação muito tímida, ocupando em maioria apenas a função de ritmistas. Os músicos
negros, pejorativamente chamados de “cachaças” e “esculhambados”, perderam seu trabalho
para os músicos brancos, entendidos como verdadeiros profissionais.
Pixinguinha sendo “lembrado” como alguém que deixou (no passado) uma jóia, algo
de precioso para o Brasil se lembrar e celebrar: Carinhoso; enquanto a Radamés, é dado o
destaque em contínuo de alguém atuante e magistral, o músico competente, inovador, que
conquistou seu lugar na música brasileira com muito trabalho e esforço. Após narrar com
ênfase os feitos de Radamés, o radialista encerra o programa ao som de Alma brasileira, da
seguinte forma:
1
Os olhos se embaçam quando se percebem o vulto de um gênio. É o que deve ter
acontecido comigo. Quando a contribuição vale pela admiração que evoca o artista
perfeito. Porque é simples e faz questão que o chamem de músico. Apenas músico.
Músico que tem um nome: Radamés Gnattali (Programa Caricaturas nº 14 apud BESSA,
2008 p.12).
4 – Considerações finais
O impacto desse embranquecimento pode ser sentido até os dias de hoje quando se
ouve falar das rodas de choro. Os corpos que realizam o choro já não são mais negros. Uma
presença maciça de músicos brancos que se ajuntam nas rodas, munidos de partituras das
músicas compostas muitas vezes por músicos negros, incluindo no choro instrumentos de
corda eruditos, performando o choro aos moldes da música de concerto, como a mencionada
herança imposta a partir do regional de Benedito Lacerda. E, como se já não bastasse, essas
rodas acontecem em bares frequentados por um público branco zona sul. Para Maldonado
Torres (2007):
Se olharmos para a sociedade brasileira, encontraremos o protagonismo negro
denunciando esse mesmo colonialismo e colonialidade. Ele está no clamor de negras e
negros cujas vozes ecoaram contra a escravidão e no corpo dos que lutaram e ainda
lutam pela nossa humanidade [...] contra a hegemonia do padrão estético branco-
europeu e o conhecimento eurocentrado (MALDONADO-TORRES, 2007 p.225).
Diante disso, reivindicar a negritude de Chiquinha Gonzaga, bem como trazer à luz
o racismo evidente nas décadas de 1930 e 1940, atingindo especialmente Pixinguinha e os
1
demais músicos negros das orquestras de rádio da época, se torna imperativo. Principalmente
porque isso coloca em perspectiva o protagonismo negro no choro, de forma a atribuir aos
artistas negros sua autoria, produção e manutenção, bem como situar historicamente os
eventos de forma a criar identificação e senso de comunidade na negritude que construiu e
moldou o choro.
Referências de Texto
1. ALVES, Carolina Gonçalves. “Ô abre alas que eu quero passar”: rompendo o silêncio sobre
a negritude de Chiquinha Gonzaga. PROA: Revista de Antropologia e Arte, 10. P. 18-36.
UNICAMP, 2020.
4. CARNEIRO, Sueli. Racismo, sexismo e desigualdade no Brasil. Selo Negro. São Paulo.
2011.
5. MUNANGA, Kabengele. Negritude, usos e sentidos. Editora Autêntica. Belo Horizonte. 2019.
Referência da Web
CARNEIRO, Sueli. Negros de Pele Clara. Portal Geledés. 2004. Acessado em 27 de novembro
de 2022. https://www.geledes.org.br/negros-de-pele-clara-por-sueli-carneiro/