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Assim, no íinal dos anos 1950, a bossa nova se afirmava no cenário musical
brasileiro como música de qualidade e com influência sobre a juventude, carac
terísticas que atraíram o interesse da indústria fonográfica.
Hm 1959, podemos afirmar que o lançamento do disco Chega de saudade,
de João Ciilberto, sintetizou as principais inovações estéticas e as aspirações dos
músicos da bossa nova. Entre elas, havia a modificação rítmica do samba, a inte
gração entre harmonia, ritmo e contraponto, a função assumida pelo violão, a
interpretação contida e anticontrastante, a metalinguagem, a releitura de gêne
ros musicais como o samba-canção e o bolero, além do diálogo com influências
heterogêneas como a música erudita e o jazz.
À origem social dos músicos agregava-se a formação musical em conserva
tórios e escolas especializadas. Assim, mais do que um jeito diferente de tocar
violão ou de impostar a vozí, a bossa nova apresentou elementos inéditos e indis
pensáveis à análise do processo de institucionalização da música popular brasileira
a partir dos anos 1950. \
Nesse contexto de afirmação da bossa nova no cenário musical brasileiro,
os músicos bossa-novistas desde o início acentuaram o diálogo com a música
erudita, o jazz e, sobretudo, o samba. Tom Jobim declarou que, desde pequeno,
ouvia simultaneamente Noel Rosa, Ary Barroso, Lamartine Babo, Pixinguinha,
Boi hino e Léo Perachi e Villa-Lobos’ . Nesse mesmo sentido, Carlos Lyra afir
mou, cm entrevista a Almir Chédiak, que sempre gostou de Stravinsky, Ravel
e Debussy. “Acho que o impressionismo é fundamental para todo bossa-novista
que se preza. Não se podia, evidentemente, escapar a uma influência tão forte
como a de Villa-Lobos, que fazia música com toda brasilidade, neoclassismo e
neo-romantismo inerentes à bossa nova” 4.
Sobre a influência do jazz na bossa nova, Carlos Lyra mencionou que
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<n ■•<> r i i v i l n n A M Itm n
“a bossa nova não é uma nova batida nem nada igual e sim a evolução natural
/ da música popular. Ela é influenciada pelo mesmo impressionismo que atingiu
y l o jazz. Assenta-se em caminhos musicais, de forma algo semelhante aos cami
nhos harmônicos que deram origem ao jazz, diferindo, porém, quer na sua
estruturação melódica, quer no que de mais íntimo possuam as letras. Mais
claramente: os caminhos são semelhantes, sendo que o negro de lá motivou o
jazz e o daqui, o samba”.8
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() cineasta Nelson Pereira dos Santos, autor dos clássicos R io, 4 0 graus (1955) e R io, zona norte (1957), c apontado
I amo precursor do cinema novo. Ao lado, Glauber Rocha dirige Deus e o diabo na terra do sol.
“Cinema Novo é fenômeno não tanto da feitura mas do público. Cinema Novo
só passará a existir na medida em que exista um público para seus filmes; isto
já implica então num estudo, numa posição crítica do público. De início existe
para que este público assista a este cinema novo não em termos de chanchada,
mas com funções críticas”.15
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nu ro vo n n ahii k in o
C l NI MA NOVO
O movimento cinema novo teve início por volta cie 1960, com os primeiros
filmes cie Glaubcr Rocha, Ruy Guerra, Joaquim Pedro de Andrade, Cacá Diegues,
|,eon I lirs/.man e outros jovens cineastas, e manteve-se até 1967. Inspirado no
neo-realismo italiano e na política francesa dos autores, defendia um cinema de
jutor, despojado (cujo lema era “uma câmera na mão e uma idéia na cabeça”),
tentando conciliar formas narrativas avançadas e temas sintonizados com a reali-
tlade brasileira. Os cineastas identificados a esse movimento assumiram a posição
[|e vanguarda na discussão dos grandes problemas brasileiros, procurando, por
Intermédio de seus filmes, refletir sobre a identidade nacional. Os filmes mais
importantes da fase inicial foram: Osfuzis, de Ruy Guerra (1964), Vidas secas, de
Nelson Pereira dos Santos (1963) e Deus e o diabo na terra do sol, de Glauber Rocha
1964). Após o golpe militar, os filmes procuraram abordar a crise dos intelectuais
le esquerda e as contradições da vida política nacional, como nos filmes 0 desafo,
le Paulo Cesar Sarraceni (1965) e Terra em transe, de Glauber Rocha (1967). Uma
mportante referência ideológica do movimento foi o nacionalismo isebiano e al
umias das principais idéias do cinema novo foram sintetizadas por Glauber Rocha
io manifesto Estética dafome (1965)16.*I
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IM» I P r t i n i l MIMTANTI< * MIIHICA
“em primeiro lugar, uma de suas maiores figuras Vinícius de Morais , j.i se
encontra, com perdão da palavra, com sua senectude em via de se consolidar.
Por outro lado —continua Carlinhos —, se atentarmos para a musicalidade des
tas composições, veremos que em meados de 34 Custódio Mesquita e Ewaldo
Rui lançaram o Noturno, cuja melodia possui características assustadoramenle
semelhantes às que agora se encontram em voga”.18
No processo de politização das artes, entre o final dos anos 1950 c o iní
cio de 1960, podemos associar o surgimento da vertente nacionalista da bossa
nova à trajetória musical e política de Carlos Lyra, que, por sua vez, evidenciou
as principais contradições do engajamento do artista de classe média às causas
nacionalistas.
Em fevereiro de 1960, João Paulo S. Gomes, da seção de Música Popular,
do jornal 0 Metropolitano, criticou essa entrevista de Carlos Lyra publicada no
periódico estudantil em edição anterior. Na reportagem “Carlos Lyra e a bossa
nova”19, o crítico apontava pelo menos dois aspectos questionáveis na entrevista
realizada com o músico.
O primeiro referia-se à seguinte observação de Carlos Lyra, citada por
Afrânio Nabuco:
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n m m n in imi ru fii n n n im piim i
Maria, Jair Amorim, José Maria dc Abreu, Lamartinc Babo ou Luís Bonfá. Como
resposta, João Paulo aconselhou Carlos Lyra a pesquisar a história <la música
popular brasileira e definiu a bossa nova como samba moderno:
I
comunista” do Teatro de Arena e com o movimento estudantil, a aceitação da
bossa nova pelo público universitário, a comercialização do gênero voltado para
abastecer a demanda do mercado fonográfico norte-americano, a participação no
c pc , a parceria com Nelson Lins e Barros e o contato com músicos populares são
alguns fatores que propiciaram a politização da bossa nova e, conseqüentemente,
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(icralJo Vandré e o Quarteto Novo (São Paulo, nov. 1966).
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No auditório da Pontlficln
Universidade Católica (puc) do
Kio, o festival Sambalanço, pro
movido pelo Centro Acadêmico
Eduardo Lustosa e comandado
por Carlos Lyra, caracterizava-
se pela produção mais artesanal
e não contava com o patrocínio
de nenhuma multinacional. Em
dezembro de 1971, o autor da
matéria “Carlos Lyra, no Opinião: Bossa Nova ainda ganha fácil da Nova Bossa"
mencionou os problemas técnicos ocorridos no show da p u c :
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fta nova entre artistas, intelectuais e,
sobretudo, estudantes: o i Festival de
Samba Session, realizado na Faculdade
de Arquitetura, da Faculdade do Brasil,
em 22 de setembro de 1959; o Segundo
Comando de Operação Bossa, realizado
na Escola Naval, em 13 de novembro
de 1959; e o show comemorativo do
aniversário da Rádio Globo, realizado
em 2 de dezembro de 1959.
Esse sucesso da bossa nova des
pertou a atenção de gravadoras como
a Philips e a Odeon, que disputavam o público jovem, a contratação de m ú
sicos e estimulavam a polêmica como estratégia publicitária, a exemplo do
impasse entre Carlos Lyra e Ronaldo Bôscoli. Nesse momento de consolidação
da indústria fonográfica no Brasil, o interesse das gravadoras pela bossa nova
explicava-se pela demanda da classe média urbana que se caracterizava pelo
gosto internacionalizado.
No início dos anos 1960, segundo David Treece, a pressão exercida pelas
gravadoras e emissoras de rádio e a competição entre sonoridades internacio
nalizadas introduziram a bossa nova no mercado fonográfico brasileiro como
/ alternativa de consumo ao rock nacional31.
De acordo com Pavão,
“em 1960, pela primeira vez a mídia deu grande publicidade para uma es
trela do rock nascida no Brasil, Celly Campello, a ‘Namorada do Brasil’ ,
cujas músicas tocavam exaustivamente nas rádios. Ela ainda colaborava com
os mecanismos promocionais que estavam sendo desenvolvidos para o mer
cado de consumo, gravando jingles e emprestando seu nome a uma boneca
infantil. O aparecimento da revista de rock, em agosto de 1960, marcou a
consolidação deste gênero da indústria fonográfica, que, por volta de 1962,
lançava um grande repertório de covers e versões dos hits norte-americanos,
bem como material original, conjunto doméstico de instrumentistas, filmes,
rádios e shows de t v ” . 32
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Para DavidTreece,
“isto ocorreu no mesmo ano 1l‘)62| em <|ue a bossa nova lançou se em sua pri
moira incursão ao mercado internacional, no lendário concerto do Carnegie
1lall, em 21 de novembro. Apesar dos problemas de organização, o show teve
uma grande audiência, funcionando como uma amostra dos principais nomes
da bossa nova, como João Gilberto, Luís Bonfá e Oscar Castro Neves. Com a
entusiástica presença de inúmeros músicos de jazz como Stan Getz, Charlie Byrd
e Gary Burton, o show expôs o novo estilo para uma ampla e internacional audiên
cia, angariando contratos de gravação para inúmeros artistas brasileiros”. !!
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m *n>nin im r«»vi» n n n i m r i n u
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mento. () «elo de autenticidade é dado |>ela* primeira* gravações de tutore* bossa
nova autêntico*, cuja* luta* pela* re.spectiva* vida*, nc**e pai* *ul>de*envolvido,
não permitem grandes opções. Mas a música já chega na Europa como sendo
americana ou pelo menos sem a devida consideração aos músicos nacionais. | ... |
Esta é a bossa nova que apareceu de novo, que está sendo lançada pela máquina
comercial, que está influenciando nossa juventude e os nossos compositores,
que queira Deus não faça sucesso porque nem c bossa nem é brasileira e nem
ao menos está dando dinheiro aos nossos músicos”.19
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Sérgio Mendes sugerindo, nas entrelinhas, que tradição e rceonheeimento musical
não garantiam fortuna. Segundo a matéria, Jolinny All, c|ue permanecera no Brasil
nos anos 1950 e 1960, mora hoje num hotel sem nenhum qlamour e arrecada cerca
de 5 mil reais por show, enquanto Sérgio Mendes, que se estabelecera nos Estados
l Inidos, vive atualmente em uma mansão e ganha cerca de 70 mil reais por apre
sentação. Indiretamente, essas análises evidenciam as lutas por representação que
permeiam a bossa nova desde o seu surgimento até os dias de hoje45.
Com a explosão comercial da bossa nova no mercado interno e externo,
a intelectualidade engajada considerou que a qualidade estética das canções não
condizia com o conteúdo evasivo das letras. Surgia, então, a preocupação em
aliar forma e conteúdo. A qualidade estética agregavam-se a crítica social e po
lítica e o diálogo com as tradições populares. Com a politização da bossa nova,
quem continuou a priorizar a forma ficou conhecido como alienado e alienante,
e quem passou a considerar o conteúdo gozou da reputação de comprometido e
participante. Assim, nos primeiros anos de 1960,
“os dois ‘fundadores’ da bossa nova [João Gilberto eTom Jobim] acabaram, em
certa medida, entrando para o index dos artistas e intelectuais mais nacionalistas,
como exemplo de bossa nova ‘antipopular’ e ‘entreguista’ . Dos ‘pais fundado
res’ , só Vinícius de Moraes conseguiu manter seu prestígio intacto junto aos
nacionalistas de esquerda, sendo um dos arautos da ‘nacionalização’ da bossa
nova, a partir de 1962”.44
Essa suposta divisão entre uma vertente “intimista” ligada à forma e outra
“nacionalista” voltada para o conteúdo é, no entanto, supervalorizada em manuais,
biografias e memórias da música popular brasileira. Como evidenciou o historia
dor Adalberto Paranhos, nessa divisão dualista não se enquadram músicos como
Carlos Lyra, Vinícius de Moraes e Nara Leão, por exemplo45.
Em linhas gerais, grande parte da literatura sobre a bossa nova apresenta
Carlos Lyra como fundador da dissidência nacionalista. Todavia, nessa época, ele
compôs simultaneamente canções consideradas “intimistas” —como “Primavera”
c “Minha namorada”, com Vinícius de Moraes —e músicas rotuladas “nacionalis
tas” —como “Maria Moita”, com Vinícius de Moraes, e “Feio não é bonito”, com
(lianfrancesco Guarnieri. Sendo assim, é difícil enquadrar alguns músicos como
adeptos dessa ou daquela vertente.
. 7 2 .
1)0 TKATWn Mil I TANT r (\ miinii n i » n i Mn | n i » n
“ultimamente, com o total apoio da classe estudantil, este ritmo tem se infiltra
do de forma excepcional em nosso palco musical. Estas reservas musicais que
se encontravam no intimo destes reformistas estão se propagando de maneira
assombrosa devido ao grande potencial melodioso nelas contido”.46
. 7 3 .
m m iin iA nn povo iihanii m ito
com o povo, sugerida por Carlos Hstcvam Martins. Primeiro, como conciliar a
receptividade da bossa nova entre universitários com a preocupação da intelec
tualidade com a realidade brasileira e a politização da música popular? Segundo,
como combinar a qualidade artística da bossa nova e a influência do jazz com a
causa nacional-popular?
No artigo “Música popular e suas bossas”, publicado na revista Movimento
cm outubro de 1962, Nelson Lins e Barros discutiu a idéia de que para se atingir
a massa tinha-se de baixar o nível da música popular e analisou o fenômeno de
comercialização da bossa nova. Para o compositor, a música popular brasileira
passava por um impasse que consistia em “não se saber como alcançar uma mú
sica genuinamente brasileira, atualizada, com força popular e artística suficiente
para vencer a tremenda pressão da música estrangeira, principalmente da música
americana ” 47 .
Nessa busca pela melhor integração entre forma e conteúdo nacionais-po
pulares, Nelson Lins e Barros distanciou-se das noções de “arte do povo”, “arte
popular” e “arte popular revolucionária” e associou a produção da música à classe
social de origem. Para ele, alguns gêneros e estilos musicais brasileiros não tinham
sido totalmente estandardizados pela indústria fonográfica no início da década de
1960, como o samba de enredo e a marcha-rancho, que representavam as classes
populares, e a bossa nova, que representava a classe média48.
Nesse artigo de 1962, Nelson Lins e Barros não concebeu a influência do
jazz na bossa nova como resultado da submissão nacional ao imperialismo norte-
americano. O compositor evidenciou os.principais problemas pelos quaispassava
a música popular brasileira. Em primeiro lugar, havia a questão da estandardização
da música regional, que, a exemplo do baião, transfere-se do núcleo de origem
para os grandes centros, onde, para ser divulgada, passa por um processo de
adaptação ao gosto mais urbanizado49. Em segundo lugar, estava.o problema da
música do Rio de Janeiro, que exercia demasiada influência sobre a música popular,
seja pela popularidade, seja pela expressão das classes sociais50.
No primeiro caso, “as músicas mais popularizadas não são, necessariamente,
nem as de melhor nível, nem a representativa das classes populares” . O segundo
caso apresentava duas situações distintas: 1) “as músicas não popularizadas, de
caráter autêntico, que ou foram dominadas pela avalanche de música comercial,
deturparam-se, gastaram-se e morreram”, como as modinhas, serestas, choros e
* 74-
Do T I I AT KO M 11 I TA NT B A M i m e n KNiinjniM
»ambas «lo breque, “ou enquistaram-se nos grupos sociais multo pobres que não
têm acesso aos meios «le divulgação e onde se conservam mais ou menos imutâ
vois”, como as marchas-rancho e os sambas de enredo; 2) a música da alta « lasse
média, cjue, a exemplo da bossa nova, “ainda não produz padrões com capacidade
de popularização e dos quais possam sair fornadas comerciais”51.
Por último, o problema da influência estrangeira, sobretudo da música
norte-americana, sç «lava, segundo Nelson Lins e Barros, de duas formas: uma,
“a música estrangeira de melhor nível, de uma sociedade mais desenvolvida, é
acessível (economicamente e culturalmente) à alta classe média”,..como a pene
tração do jazz na bossa nova; outra, a música comercial norte-americana, cuja
indústria fonográfica e os meios de comunicação transformam em sucesso «I«'
vendas, como o rock-balada, o bolero e o twistS2.
Na perspectiva de Nelson Lins e Barros, a não resolução desses problemas
significava transformar a música regional e a música das classes pobres e negras «1«i
Rio de Janeiro em objeto passível somente da análise dos folcloristas c condenar
a música da alta classe média ao hermetismo, pois não representava a cultura do
povo nem a música brasileira.
Por fim, cabia aos compositores conscientes encontrar as soluções para es
ses problemas. O diagnóstico de Nelson Lins e Barros encontrou ressonância na
atuação de Carlos Lyra e vice-versa. Juntos, os dois produziram 11 músicas para
disco, cinema e teatro e tentaram resolver o problema do hermetismo da bossa
nova e do isolamento do samba carioca.
Nessa época, apesar da revisão crítica da noção de engajamento artístico
proposta por Carlos Estevam Martins, Nelson Lins e Barros continuava a analisar
a indústria fonográfica que atuava no país como instrumento de divulgação da
música comercial norte-americana e de propaganda do american way o) lifc (es
“a estética da bossa nova original continuou em suas linhas gerais no que havia
de bom. O preciosismo tanto dos acordes como da linha melódica cedeu lugar
a uma espontaneidade natural e tradicionalmente brasileira sem nunca descer
ao vulgar ou comercial. A letra não perdeu em poesia e ganhou em conteúdo
social. O jazz, ainda presente, deixou de prescindir o esquema harmônico.
Agora apenas contribui, quando essa contribuição é enriquecedora, funcional
e harmoniosa ao todo brasileiro”.55
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D l) I I A T II I ) M i l l i A N I I \ H l ' h l l A I N 11 A | A I ) A
Nara Leão recebe Zé Kéti e Nelson Cavaquinho em seu apartamento (Rio de Janeiro, 1964).
A essa nova fase cia bossa nova, que não se entregou à alienação do conteúdo
nem à promiscuidade do mercado, Nelson Lins e Barros denominou de “nova bos
sa” . “Gimba”, de Carlos Lyra e Gianfrancesco Guarnieri, “Marcha da quarta-feira
de cinzas”, de Carlos Lyra e Vinícius de Moraes, “Esse mundo é meu”, de Sérgio
Ricardo e Ruy Guerra, “Berimbau”, de Baden Powcll e Vinícius de Moraes, c “O
morro não tem vez”, de Tom Jobim e Vinícius de Moraes, são alguns exemplos
dessa fase em desenvolvimento56.
Carlos Lyra, que se destacou nesse processo de nacionalização e populari
zação da bossa nova, chamou a nova fase de “sambalanço”. A expressão utilizada
desde 1960 foi definida por Nelson Lins e Barros na contracapa do terceiro
disco de Carlos Lyra, Depois do carnaval —o sambalanço de Carlos Lyra, lançado em
1963: “Carlos Lyra criou a denominação ‘sambalanço’ para delinear, dentro do
movimento, aquele sentido nacionalista que procura elevar o nível da música
popular brasileira de dentro de suas próprias fontes”57. Vinícius de Moraes, por
sua vez, questionara, na contracapa do segundo disco de Carlos Lyra, de 1961, a
. 77 .
I I I N I <l Ml A l l l l I M I V I I II M A S I I I I M u
necessidade i I.i ( iv)ct i.k,a< i: “( ai linlii >s I yra pertence ao que poderíamos chamar
de '.i corrente mais n.H ionalista da bossa nova’ : o (|ilr o Irvou, com um senso
dilereiuiador, a ( i iar o termo ‘sambalanço’ para ,is suas composições. Lu, pes-
soalmenlc, discuto a necessidade do termo; e tal já lhe disse de viva-voz” ’6.
Acerca da politização da hossa nova, Nelson Lins e Barros afirmou, no artigo
“Bossa nova colônia do jazz”, de 1963, que “essa nova bossa é a mão que vai
encontrar o morro, o terreiro e o sertão”’“, ou seja, os novos lugares da memó
ria da esquerda brasileira que reproduzia determinada interpretação da história,
como acentuou Arnaldo Daraya Contier.
No início dos anos 1960 a atuação de Carlos Lyra como criador e mediador
musical sintetizou alguns dilemas que se apresentaram ao artista de classe mé-*1
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Mm I I A l lt m M i l I I AN I I À M i l SM A I N l i A | A I» A
1
dia engajado nas causas nacionalistas: com o com por música “intimista” sem ser
chamado de alienado; com o participar da fundação c organização do cpc sem
abdicar da carreira profissional e do ingresso no m ercado fonográfico; c com o
m anter a qualidade técnica e estética conquistada pela bossa nova sem ignorar a 1
tradição da música urbana brasileira.
Fsta aproxim ação de artistas e intelectuais do cpc com os com positores e
intérpretes populares pode ser interpretada com o uma maneira de ampliar o
material sonoro da bossa nova, aliando m odernidade à tradição.
F com o propósito de estabelecer o contato com a tradição cultural brasi
leira e enriquecer o universo estético e sentimental da intelectualidade, o cpc
organizou, em dezembro de 1962, a i Noite de Música Popular.
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Samba e um pouco dc política: a i Noite de
Música Popular
No início cios anos 1960 os núcleos de teatro, cinema e música se destacaram
na trajetória do c p c . Em linhas gerais, podemos dizer que o núcleo de teatro
contribuiu para a aglutinação da intelectualidade e a criação do c pc , o de cine
ma para a revisão critica do engajamento artístico proposto por Carlos Estevam
Martins e o de música para a concretização da frente única cultural.
Segundo Dênis de Moraes, a idéia de organizar um evento que unisse os
ativistas do cpc e os compositores populares teve início quando Sérgio Cabral
publicou na coluna Música Naquela Base, do Jornal do Brasil, uma nota demonstran
do estranhamento de que não tivesse partido dos estudantes cariocas a iniciativa
do show de música popular da Faculdade Mackenzie de São Paulo, que contou
com a participação de Sílvio Caldas, Aracy de Almeida, Ciro Monteiro, Vinícius
de Moraes e Sérgio Porto como apresentador6’.
Esse com entário favoreceu a
organização de um seminário sobre
música popular pelo diretório aca
dêmico da Faculdade Nacional de
Filosofia. Segundo Dênis de Moraes,
Sérgio Cabral tratou das escolas de
samba; Vinícius de M oraes, da bossa
nova; Jota Efegê, do carnaval; Edson
Carneiro, da música folclórica; e
José Ram os Tinhorão, dos funda
m entos so cioló gico s da m p b . Na
programação, Sérgio Cabral e José
Ramos Tinhorão convidaram C ar
tola, Zé Kéti, Nelson Cavaquinho e
Ismael Silva para participar das suas
respectivas conferências64.
Im ediatam ente, os artistas e
Zé Kéti e Cartola se apresentam para universitários
intelectuais integraram os músicos
(São Paulo, 1964). populares às atividades artístico- •
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I M» T H A T m i m ilif lN I ■ « nM Hiun
culturais <lo cpc . Sobre essa aproximação, Liana Silveira afirmou: “depois (pie
o ci»c abriu o convívio com gente como Nelson Cavaquinho c Cartola, aqueles
jovens tiveram motivo de se ufanar, pois constataram o valor da cultura popular,
antes considerada uma coisa menor” 65.
Em 19 de julho de 1962 uma nota publicada no Jornal de Brasil dizia que o
contato com os músicos populares significava para Carlos Lyra uma espécie de
“higiene mental” 66.
Em 1” de dezembro de 1963, numa conversa publicada em 0 Jornal, Carlos
Lyra criticava o espaço reduzido dos músicos populares na indústria fonográficu
c nos meios de comunicação. Na avaliação do músico,
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1 T I 1 I 11« •'
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H o T u r m i MMITANTK A m í m i c a i i n €i a | ai >a
Pixinguinha (1 9 6 4).
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Do I K AT HI t M I I I I A N I I K M l h l l A INI li A |A 11A
popular sem a mediação dou artistas c intelectuais. Como acentuou Luiz Antô ^
nio Afonso Giani, os músicos populares participaram da construção da canção
engajada como matéria-prima e fonte de inspiração e,
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