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BOSSA NOVA

Bossa nova é o termo pelo qual ficou conhecido um movimento de transformação


do samba irradiado a partir da Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro no final da década de
1950 e que, por conseguinte, passou a dar nome ao estilo de interpretação e
acompanhamento rítmico dele surgido, que ficou conhecido como “batida diferente”. De
acordo com o musicólogo Gilberto Mendes, a vertente era uma das “três fases rítmicas do
samba”, na qual a "batida" da bossa havia sido extraída a partir do "samba de raiz"

Segundo o jornalista Ruy Castro, a bossa nova era “uma simplificação extrema da


batida da escola de samba”, como se dela tivessem sido retirados todos os instrumentos e
conservado apenas o tamborim. A bossa nova daria lugar, no final da década de 1960,
a MPB, com a fusão da bossa nova com ritmos regionais e folclóricos brasileiros. [2]
O marco inicial da bossa nova é o samba "Chega de Saudade" (de autoria de Tom
Jobim e Vinicius de Moraes), lançado originalmente por Elizeth Cardoso em 1958 e, pouco
depois, por João Gilberto, que tocou violão em ambas as gravações. Paralelamente a isso,
o pianista e vocalista Johnny Alf, desde a gravação de “Rapaz de bem”, canção marcada
pela influência do jazz, também se tornava um dos pioneiros da renovação do samba
naquele momento. Em 1959, com o LP "Chega de Saudade", Gilberto consolidaria esse
novo estilo de tocar que alterava as harmonias com a introdução de acordes não
convencionais — como antes já realizavam violonistas como Garoto, Vadico, Oscar
Bellandi, entre outros — e uma sincopação do samba inovadora a partir de uma divisão
única realizada sobre sambas tradicionais como “Rosa morena” (de Dorival Caymmi),
“Morena boca de ouro”, de Ary Barroso, “Aos pés da cruz” (de Marino Pinto e Zé da Zilda)
e “É luxo só” (de Ary Barroso e Luís Peixoto). A partir e em torno de João Gilberto, um
grupo de músicos, quase todos oriundos de classe média e com formação universitária,
ajudaria a transformar as experiências formais do violonista baiano. O jeito suave de
cantar foi influenciado pelo jazzista Chet Baker.
A partir da década de 1960, o samba de bossa nova consolidou-se definitivamente
no cenário musical do Brasil, onde se destacaram, além de Gilberto e da dupla Tom e
Vinícius, nomes como Newton Mendonça, Billy Blanco, Aloysio de Oliveira, Baden
Powell, Oscar Castro Neves, Carlos Lyra, Ronaldo Bôscoli, Roberto Menescal, Sérgio
Mendes, César Camargo Mariano, Airto Moreira, Eumir Deodato, Milton Banana, João
Donato, entre vários, além do surgimento de inúmeros conjuntos vocais, como Os
Cariocas, ou instrumentais, como Bossa Três, Tamba Trio, Bossa Rio, Copa
5, Sambalanço Trio, Os Catedráticos, entre outros. Foi nesse mesmo momento que o
estilo experimentou uma projeção internacional em escala jamais vista com outra vertente
da música popular brasileira. Em 1962, o saxofonista Stan Getz em conjunto com o
guitarrista Charlie Byrd lançaram o LP "Jazz Samba", o que chamou a atenção do meio
musical nos Estados Unidos para a bossa nova. Naquele mesmo ano, um concerto
no Carnegie Hall de Nova York, que reuniu Tom Jobim e João Gilberto, entre outros, abriu
de vez as portas do mundo para o estilo. No ano seguinte, com o lançamento do
LP Getz/Gilberto, parceira entre o violonista brasileiro e o saxofonista americano, tornou a
vertente conhecida mundialmente, além de arrebatar o Grammy Award para álbum do
ano de 1965. Dois anos depois, sob o título “The girl from Ipanema”, versão em inglês para
o famoso samba Garota de Ipanema, de Tom e Vinicius, foi gravado por Frank Sinatra.
No entanto, já em meados dos anos sessenta, o movimento bossa-novista passava
por uma cisão. De um lado, um grupo manteve-se fiel a estética leve, caracterizada por
letras de temas amenos e descompromissados com a realidade brasileira ou qualquer
espécie de participação social, pelo tom suave e intimista (personalizado na voz de João
Gilberto) e a forte influência do jazz. De outro lado, outro grupo formado por compositores
como Baden Powell, Sergio Ricardo e Carlos Lyra e por letristas como Vinicius de Moraes
e Nelson Lins e Barros associou-se ao movimento geral da cultura brasileira no sentido de
buscar uma base popular folclórica nas músicas e uma temática de realismo e participação
social nas letras. Foi essa dissidência que veio estabelecer uma conexão importante entre
o samba da bossa nova e o samba das camadas populares, geralmente conhecido como
“do morro” ou "de raiz", fazendo com que nomes como Cartola, Nelson Cavaquinho, Zé
Keti e Elton Medeiros — sambistas de prestígio no meio do "samba de raiz", mas alijados
do mercado fonográfico de época — passassem a ser conhecidos por uma fatia do público
jovem e universitário. É nesse novo contexto que o o cenário artístico brasileiro viu surgir
uma nova geração de compositores, como Paulinho da Viola, tido ali como um sucessor
de Noel Rosa ou de Ismael Silva, e Chico Buarque, autor de composições que logo se
tornariam sambas antológicos.

Origens
A palavra "bossa" apareceu pela primeira vez na década de 1930, em São Coisas
Nossas, samba do popular cantor Noel Rosa: O samba, a prontidão/e outras bossas,/são
nossas coisas (...). A expressão "bossa nova" passou a ser utilizada também na década
seguinte para aqueles sambas de breque, baseado no talento de improvisar paradas
súbitas durante a música para encaixar falas.
Alguns críticos musicais destacam uma certa influência que a cultura americana do
pós-guerra, de músicos como Stan Kenton, combinada ao impressionismo erudito,
de Debussy e Ravel, teve na bossa nova, Uma especialmente do cool jazz e bebop.
Embora tenha forte influência da música estrangeira, particularmente do jazz, a bossa
nova possui elementos de samba sincopado. Além disso, havia um fundamental
inconformismo com o formato musical de época. Os cantores Dick Farney e Lúcio Alves,
que fizeram sucesso nos anos da década de 1950 com um jeito suave e minimalista (em
oposição a cantores de grande potência sonora) também são considerados influências
positivas sobre os garotos que fizeram a bossa nova.
Um embrião do movimento, já na década de 1950, eram as reuniões casuais,
frutos de encontros de um grupo de músicos da classe média carioca em apartamentos da
zona sul, como o de Nara Leão, na Avenida Atlântica, em Copacabana. Nestes encontros,
cada vez mais frequentes, a partir de 1957, um grupo se reunia para fazer e ouvir música.
Dentre os participantes estavam novos compositores da música brasileira, como Billy
Blanco, Carlos Lyra, Roberto Menescal e Sérgio Ricardo, entre outros. O grupo foi
aumentando, abraçando também Chico Feitosa, João Gilberto, Luiz Carlos
Vinhas, Ronaldo Bôscoli, entre outros.
A popularidade da bossa nova na zona sul do Rio de Janeiro deu-se muito pela
adesão do gênero no meio universitário. A repercussão dos encontros nos apartamentos
em Copacabana e Ipanema despertou o interesse da organização de eventos do Clube
Universitário Hebraico do Brasil, que realizou no primeiro semestre de 1958 a primeira
apresentação pública de bossa nova. No palco, artistas como Roberto Menescal, Nara
Leão, Luiz Eça e Sylvinha Telles, grande destaque da noite, executaram canções do
repertório que viriam a se tornar clássicos como “Rapaz de Bem”, de Johnny Alf.
A divulgação do evento no Clube Universitário Hebraico também tem parte na
origem do nome “bossa nova” para o movimento. Uma secretária da instituição,
responsável pela criação de cartazes de divulgação do show, divulgou-o como “Sylvinha
Telles e um grupo bossa-nova”, visto que o conjunto não tinha um nome.
Outro evento universitário de grande repercussão foi realizado no Anfiteatro da
Faculdade de Arquitetura da UFRJ, na Praia Vermelha em 20 de Maio de 1960, com a
presença de João Gilberto, Astrud Gilberto, Nara Leão, Tom Jobim, Vinicius de Moraes e
foi batizado como “A noite do amor, do sorriso e da flor” fazendo referência a canção
“Meditação” de Tom Jobim e Vinicius de Moraes. Pouco a pouco aquilo que se tornaria a
bossa nova foi ocupando bares do circuito de Copacabana, no chamado Beco das
Garrafas.
Início oficial
Movimento que ficou associado ao crescimento urbano brasileiro — impulsionado
pela fase desenvolvimentista da presidência de Juscelino Kubitschek (1955–1960) — a
bossa nova iniciou-se para muitos críticos quando foi lançado, em agosto de 1958,
um compacto simples do violonista baiano João Gilberto (considerado o papa do
movimento), contendo as canções Chega de Saudade (Tom Jobim e Vinicius de Moraes)
e Bim Bom (do próprio cantor).
Meses antes, João participara de Canção do Amor Demais, um álbum lançado em
maio daquele mesmo ano e exclusivamente dedicado às canções da iniciante dupla
Tom/Vinicius, interpretado pela cantora carioca Elizeth Cardoso. De acordo com o
escritor Ruy Castro (em seu livro Chega de saudade, de 1990), este LP não foi um
sucesso imediato ao ser lançado, mas o disco pode ser considerado um dos marcos da
bossa nova, não só por ter trazido algumas das mais clássicas composições do gênero -
entre as quais, Luciana, Estrada Branca, Outra Vez e Chega de Saudade-, como também
pela célebre batida do violão de João Gilberto, com seus acordes dissonantes e inspirados
no jazz norte-americano - influência esta que daria argumentos aos críticos da bossa nova.
Outras das características do movimento eram suas letras que, contrastando com
os sucessos de até então, abordavam temáticas leves e descompromissadas - exemplo
disto, Meditação, de Tom Jobim e Newton Mendonça. A forma de cantar também se
diferenciava da que se tinha na época. Segundo o maestro Júlio Medaglia, "desenvolver-
se-ia a prática do canto-falado ou do cantar baixinho, do texto bem pronunciado, do
tom coloquial da narrativa musical, do acompanhamento e canto integrando-se
mutuamente, em lugar da valorização da 'grande voz'".
Em 1959, era lançado o primeiro LP de João Gilberto, Chega de saudade,
contendo a faixa-título - canção com cerca de 100 regravações feitas por artistas
brasileiros e estrangeiros. A partir dali a bossa nova era uma realidade. Além de João,
parte do repertório clássico do movimento deve-se as parcerias de Tom Jobim e Vinícius
de Moraes. Consta-se, segundo muitos afirmam, que o espírito bossa-novista já se
encontrava na música que Jobim e Moraes fizeram, em 1956, para a peça Orfeu da
Conceição, primeira parceria da dupla, que esteve perto de não acontecer, uma vez que
Vinícius primeiro entrou em contato com Vadico, o famoso parceiro de Noel Rosa e ex-
membro do Bando da Lua, para fazer a trilha sonora. É dessa peça, baseada na tragédia
Grega Orfeu, uma das belas composições de Tom e Vinícius, "Se todos fossem iguais a
você", já prenunciando os elementos melódicos da bossa nova.
Além de Chega de saudade, os dois compuseram Garota de Ipanema, outra
representativa canção da bossa nova, que se tornou a canção brasileira mais conhecida
em todo o mundo, depois de Aquarela do Brasil (Ary Barroso), com mais de 169
gravações, entre as quais de Sarah Vaughan, Stan Getz, Frank Sinatra (com Tom
Jobim), Ella Fitzgerald entre outros. É de Tom Jobim também, junto com Newton
Mendonça, as canções Desafinado e Samba de uma Nota Só, dois dos primeiros clássicos
do novo gênero musical brasileiro a serem gravados no mercado norte-americano a partir
de 1960.

Mudanças
Em meados da década de 1960, o movimento apresentaria uma espécie de cisão
ideológica, formada por Marcos Valle, Dori Caymmi, Edu Lobo e Francis Hime e
estimulada pelo Centro Popular de Cultura da UNE. Inspirada em uma visão popular e
nacionalista, este grupo fez uma crítica das influências do jazz norte-americano na bossa
nova e propôs sua reaproximação com compositores de morro, como o sambista Zé Keti.
Um dos pilares da bossa, Carlos Lyra, aderiu a esta corrente, assim como Nara Leão, que
promoveu parcerias com artistas do samba como Cartola e Nelson Cavaquinho e baião e
xote nordestinos como João do Vale. Nesta fase de releituras da bossa nova, foi lançado
em 1966 o antológico LP "Os Afro-sambas", de Vinicius de Moraes e Baden Powell.
Entre os artistas que se destacaram nesta segunda geração (1962-1966) da bossa nova
estão Paulo Sérgio Valle, Edu Lobo, Marcos Vasconcelos, Dori Caymmi, Nelson Motta,
Francis Hime, Wilson Simonal, entre outros...

Fim do movimento, da bossa nova à MPB


Um dos maiores expoentes da bossa nova comporia um dos marcos do fim do
movimento. Em 1965, Vinícius de Moraes compôs, com Edu Lobo, Arrastão. A canção
seria defendida por Elis Regina no I Festival de Música Popular Brasileira (da extinta TV
Excelsior), realizado no Guarujá naquele mesmo ano. Era o fim da bossa nova e o início
do que se rotularia MPB, gênero difuso que abarcaria diversas tendências da música
brasileira até o início da década de 1980 - época em que surgiu um pop rock nacional
renovado.
A MPB nascia com artistas novatos, da segunda geração da bossa nova,
como Geraldo Vandré, Edu Lobo e Chico Buarque de Holanda, que apareciam com
frequência em festivais de música popular. Bem-sucedidos como artistas, eles tinham
pouco ou quase nada de bossa nova. Vencedoras do II Festival de Música Popular
Brasileira, realizado em São Paulo em 1966, Disparada, de Geraldo, e A Banda, de Chico,
podem ser consideradas marcos desta ruptura e mutação da bossa em MPB.

Legado
O fim cronológico da bossa não significou a extinção estética do estilo. O
movimento foi uma grande referência que para gerações posteriores de artistas, do jazz (a
partir do sucesso estrondoso da versão instrumental de Desafinado pela dupla Stan
Getz e Charlie Byrd) a uma corrente pós-punk britânica (de artistas como Style
Council, Matt Bianco e Everything but the Girl). Hoje tem uma nova geração de artistas que
revivem o estilo. Entre eles destacam-se Bogdan Plech, Eliane Elias, Irene Miranda
Quartet, Rosa Passos, Shelley Dunstone e Lisa Ono, entre outros.
No rock brasileiro, há de se destacar tanto a regravação da composição
de Lobão, Me chama, pelo músico bossa-novista João Gilberto, em 1986, além da famosa
música do cantor Cazuza composta por ele e outros músicos, Faz parte do meu show,
gravada em 1988, com arranjos fortemente inspirados na bossa nova.
Seu legado é valioso, deixando várias joias da música nacional, dentre as
quais Chega de Saudade, Garota de Ipanema, Desafinado, O barquinho, Eu Sei Que Vou
Te Amar, Se Todos Fossem Iguais A Você, Águas de Março, Outra Vez, Coisa mais
linda, Corcovado, Insensatez, Maria Ninguém, Samba de uma nota só, O pato, Lobo
Bobo, Saudade fez um Samba, Bossa Nova

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