Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
O teatro brasileiro deu os seus primeiros passos no século XIX, em um Brasil ainda nascente,
com espetáculos compostos de atores negros e indígenas, em um período histórico em que
não havia prestígio para o exercício da atuação. Desde então, o teatro nacional tem percorrido
um longo caminho em busca de sua identidade, uma vez que os padrões preferencialmente
adotados foram os eurocêntricos. A construção de instituições de prestígio como o Teatro
Municipal do Rio de Janeiro, o Teatro Municipal de São Paulo e o Teatro Amazonas, com claras
referências arquitetônicas aos teatros parisienses, trazem consigo o protagonismo e o
estrelato dos atores portugueses e brasileiros não negros que falassem em prosódia
portuguesa. Impactada pelo imperialismo e pela desumanização dos povos tradicionais, a
estética cênica seguiu desconsiderando a riqueza das matrizes culturais africanas e indígenas
estruturadas em símbolos repletos de elementos pré-teatrais, como o cantar, o dançar e o
rezar o ato de performar o cotidiano e o mundo espiritual, que não constituíram linguagem
primordial de representação nas atividades artísticas nacionais.
Produzir um teatro que reflita o ponto de vista da negritude diante da hegemonia estética, que
ainda considera a brancura como um cânone de beleza, exige um entendimento
multidisciplinar da história brasileira. Numerosas foram as formas de resistência de grupos e
coletivos na luta pela manutenção da identidade negra na cena. A partir dos anos 1940,
iniciativas como as do Teatro Experimental do Negro (TEN – 1944 –61), de Abdias do
Nascimento (1914–2011), do Teatro Profissional do Negro (TEPRON – 1970–85), de Ubirajara
Fidalgo (1949–1986), do Teatro Popular Brasileiro (TPB – 1950–75), de Solano Trindade (1908–
1974), e também do Teatro Folclórico Brasileiro (1949–57), de Haroldo Costa (1930–), que
contribuiu para a difusão das danças populares brasileiras no exterior, realizando várias
temporadas na Europa, , se estabeleceram, capacitando artistas e fazendo crítica social e
política em cena, driblando assim as assimetrias de um horizonte desigual. Alguns dos
dramaturgos integrantes desses grupos, escreviam para as demais companhias, outros
atuavam, outros coreografavam ou dirigiram, tudo para produzir um teatro cuja estética desse
conta das temáticas afro, do jongo, do coco, dos maracatus, dos lundus – havia muito trabalho
criativo a fazer. Vale lembrar que nessa época, brasileiros e brasileiras estavam diante do mito
da democracia racial e de seu ideal falacioso da miscigenação integradora, disseminados pelo
governo militar brasileiro.
Esses multiartistas também ficaram marcados pelas propostas que apresentavam, paralelas às
suas atividades teatrais, como o amplo debate pedagógico e político em torno da reivindicação
da inclusão de pretos e pardos na vida pública do país, realizando cursos de alfabetização e
outras formações para os seus integrantes, operários, donas de casa e estudantes, como os
encontros promovidos pela 1ª Reunião da Convenção Nacional do Negro, em 1945, e o 1º
Congresso do Negro Brasileiro, em 1950. Cabe destacar também a fundação do Instituto
Nacional do Negro, em 1949, e a publicação, elaborada pelo departamento de estudos e
pesquisas do TEN, entre 1948 e 1950, dos dez números do jornal Quilombo, com notícias sobre
as atividades do TEN e de outras entidades do movimento negro.
É importante destacar que os grupos de dança e de teatro formados por artistas negros não
viveram isolados, eles estiveram vinculados ao surgimento da Frente Negra Brasileira, primeiro
partido político da população negra do Brasil, nos anos 1930, e do Movimento Negro Unificado
(MNU), em 1978, só para citar alguns núcleos. Esses coletivos articulavam-se entre si,
aquilombados, colaborando para o êxito de suas atividades, foram parceiros em prol da
construção de uma estética negra no embate artístico e político do cotidiano. Importa frisar
ainda que esses agrupamentos foram diretamente influenciados pelas lutas a favor dos
direitos dos negros dos Estados Unidos, pelos movimentos de libertação dos países africanos
como Guiné Bissau, Moçambique e Angola, e por correntes do pensamento marxista.
Por fim, nos palcos e na vida, urgem a releitura crítica da história e das identidades, o combate
aos discursos hegemônicos, à marginalização, ao genocídio negro, à violência policial, ao
desemprego e à pobreza, a busca por melhores condições de vida, em geral, e para o devido
reconhecimento da população negra no país e a afirmação de seu importante papel histórico,
cultural e social, além da recuperação da memória e a valorização das raízes africanas e
indígenas.
Mendes, Miriam Garcia, A personagem negra no teatro brasileiro. São Paulo: Ática, 1982.
Munanga, Kabenguele (org.), História do negro no Brasil. Brasília: Fundação Cultural Palmares,
2004.
Sobral, Cristiane, Teatros negros. Estéticas na cena teatral brasileira. São Paulo: 2018: Mi Pariô
Revolução, v. 1, Coleção Quadro Negro.