Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Poucos meses depois, eu ainda tocava o pife que tinha feito na oficina,
mesmo não tendo acertado tão bem na medida e nos furos ainda podia me divertir
bastante. E recebi a notícia pela professora Valéria que o Núcleo de Flautas Doce
iria até Minas Gerais. Nosso roteiro de viagem envolvia passar em BH, onde a
Professora Valéria daria uma palestra na UFMG sobre a Cartografia de flautas no
território brasileiro e logo após a apresentação com o conjunto. Depois dessa
excursão seguiríamos até o município de Minas Novas, que fica perto da cidade de
Bem Posta, onde participaríamos do Encontro de Flautas do Vale do Jequitinhonha.
O Vale do Jequitinhonha é uma região que fica localizada ao Nordeste de
Minas Gerais e abriga 55 municípios, o que representa 14% do estado. A região é
banhada pelo rio Jequitinhonha, onde vivem cerca de 950 mil pessoas, e está
dividida em três microrregiões: Baixo, Médio e Alto Jequitinhonha. O Baixo
Jequitinhonha está localizado próximo ao estado da Bahia, enquanto Alto
Jequitinhonha está próximo à capital mineira, Belo Horizonte. O Médio
Jequitinhonha está entre as outras regiões, entre as cidades que compõem a região
destaca-se a cidade de Minas Novas e Bem Posta, que foram as principais pelas
quais passamos durante a viagem.
Durante muito tempo a região do Vale já foi considerada como umas das
mais pobres do Brasil, porém os indicadores de crescimento econômico como o PIB
e o IDH não são o suficiente para descrever a riqueza e cultura dessa terra. A
economia da região se baseia principalmente na agropecuária e na exploração e
exportação de minerais, granito e pedras preciosas. Por fora desses índices oficiais
de economia, existe uma forte rede de comércio de alimentos oriundos da
agricultura familiar, além dos trabalhos das ceramistas que passam o conhecimento
através de gerações e gerações passadas.
A região de Bem Posta está dominada também pela exploração do eucalipto
por grandes empresas do exterior, que devido a intensa atividade na região tem
causado enorme impacto na fauna e do flora da região, mesmo que ofereça
empregos sazonalmente para a população, acaba causando uma consequente
redução do nível dos cursos dos rios locais.
Assim que ficamos sabendo da viagem, começamos a preparar o repertório
do grupo de Flauta para tocar na UFMG. Nosso repertório envolvia músicas
tradicionais e danças da renascença e da idade média junto com um repertório de
músicas brasileiras, que pessoalmente falando combinaram muito com as flautas e
tornou-se muito prazeroso de executar. Nessa ocasião tocamos com a
contrabaixista Gabi Mafra, nossa colega do curso de música. Uma formação com o
contrabaixo foi inédita para mim durante todo esse tempo tocando com o Núcleo. O
grupo partiu para Minas Gerais no final do mês de setembro. Quando chegamos no
departamento de música da faculdade de Minas Gerais fomos recebidos pelo chefe
de departamento que nos explicou os cursos oferecidos pela universidade e as
formações e áreas de atuação dos cursos de licenciatura e bacharelado. Antes de
nos apresentarmos com o conjunto no Auditório Fernando Mello Vianna, o diretor
contou como era possível que os cursos de bacharelado realizassem uma ópera por
semestre, oferecendo serviços aos cursos de Artes Cênicas e Moda em troca de
material para a realização da ópera. Da nossa apresentação o que mais chamou a
atenção foi que o repertório de canções brasileiras soou muito bem com o núcleo de
flautas, e deu mais dinâmica para a apresentação. Dentro do repertório de músicas
brasileiras,apresentamos arranjos de músicas de Sivuca, Luiz Gonzaga e Edino
Krieger. Acredito que ter um repertório como esse dividido deu oportunidade de ter
um contraste frente ao repertório da renascença, como também mostrou um pouco
do uso de flauta doce na cultura popular tradicional no Brasil.
Não tivemos tanto tempo pra conhecer tudo da faculdade, mas após o
concerto visitei alguns lugares do departamento, como a biblioteca a procura de
partituras e livros interessantes, conversei com o professor do Bacharelado em
Flauta Transversal e assisti um pouco do ensaio da Big Band, que tinha poucos
músicos mas o repertório era excelente e bem executado.
Depois desse episódio do concerto na UFMG, seguimos até o município de
Minas Novas, cidade próxima a Bem Posta ,onde durante um final de semana
acompanhariamos o encontro de flautas do Vale do Jequitinhonha, nosso objetivo
era realizar transcrições das músicas tocadas pelas bandas de taquara da região,
conversar e entrevistar os mestres e organizadores do evento, tanto que parte da
equipe que foi estava designada a gravar e filmar todo o evento. Além das
apresentações dos foliões e das bandas de taquaras, foram oferecidas oficinas de
confecção de flautas e caretas, que são máscaras das bandas de taquara, teve feira
de artesanato e agricultura familiar.
Ficamos hospedados na cidade de Minas Novas, bem cedo iamos ate Bem
Posta e ao longo do dia íamos até Bem Posta para o festival, o acesso até a
comunidade quilombola é por meio de uns 12 km de estrada de chão batido, e
durante o trajeto é possível ver os enormes hectares ocupados com as plantações
de eucalipto, sufocando e dizimando a vegetação nativa.
A primeira parte da programação do festival contava com uma visita a
comunidade ceramista da região, então logo após chegarmos na comunidade,
partimos para uma região vizinha conhecer algumas artesãs da região. Um dia
antes já tínhamos tido o privilégio de conhecer uma ceramista da região,que mora
em Buriti e nos recebeu em sua casa e explicou os detalhes da atividades das
artesãs com o barro e olaria, e desde daquele momento entendi como o povo da
região estava acostumado a falar e explicar para leigos das suas atividades, porque
a forma como ela nos recebeu e explicou demonstrava muita didática e coerência
na maneira que explicava. Na visita do dia seguinte, agora com mais pessoas
participantes do evento de flautas, visitamos outras artesãs em outra cidade. Além
do caráter econômico que envolve o trabalho da ceramista, as artesãs demonstram
como se desenvolveram no artesanato uma expressão que não tem como objetivo
apenas construir peças utilitárias, como um copo ou uma panela, como era mais
usual antigamente.
De volta ao município de Bem Posta, conhecemos a banda de taquara de
Bem Posta, e no dia posterior presenciamos com as bandas e foliões das cidades
vizinhas, muitas delas bandas mais antigas. Umas dessas bandas tinham encerrado
suas atividades e voltaram para poder participar dos encontros.
As bandas de taquara contam geralmente com cerca de 12 a 15 músicos,
podendo chegar até 20 integrantes. Do que observamos no festival em suma os
grupos são compostos por instrumentos musicais pré definidos, tendo como sua
base as duas flautas, comumente chamadas de canudo ou gaita, algumas caixas,
zabumbas, pandeiros e reco-recos. Sendo possível ser adicionado um instrumentos
harmônico como um acordeon, viola ou cavaquinho.
Duas figuras extramusicais estão presentes no conjunto, uma delas é o
careta, uma figura mascarada que vai a frente do grupo, com um facão de pau, ou
um esporão, cuja função é brincar e assustar o público. Outra figura é o guia, que
geralmente dita os movimentos da banda e pode ser assumida muitas vezes por um
dos flautistas de banda. As bandas de taquara da região são no geral requisitadas
para as festas de santo, responsáveis por levantamento de mastro, procissões,
leilões, acompanhamento de danças e outros eventos. Durante o cortejo das
bandas, as mulheres ficavam responsáveis por tocar instrumentos de percussão e
pelos cantos. No geral, as melodias se encontravam na região mais aguda da
flauta,que no geral não compremetiam na afinação e tinham ótima projeção com o
grupo completo.
Durante o almoço de domingo, um senhor flautista se juntou a nós, e
comentou sobre a flauta que eu tinha construído a alguns minutos, comparando a
sua que tinha mais de vinte anos e era feita de taquara, uma madeira linda e
estriada e escura. Concluímos que os agudos de uma flauta feita de PVC não
apresentava exatidão na afinação de que a de taquara.
Além de que na região do apito da flauta, onde fica a janela que quebra o ar e
produz o som de cada nota, essa parte da flauta é feita com cera de abelha, uma
etapa que é ensinada na oficina, precisa de uma atenção crucial pois ela que afina e
faz a flauta ter uma voz. O mestre mostrou a diferença da minha flauta para sua,
que utilizava uma cera preta, mais resistente e com mais dureza, permitindo que o
bloco não se mexesse depois de pronto o instrumento.
Muitas coisas poderiam ser tidas sobre o encontro de flautas em Bem Posta,
mas os fatos mais impressionantes de ter visto foi a alegria do povo de se reunir e
da receptividade que a comunidade recebeu a todos. Ver e conhecer crianças tão
interessadas em construir e tocar flauta, como se isso fizesse parte de um símbolo
de status entre os pequenos, tornava o encontro ainda mais admirável. Fazia
sentido para todas aquelas pessoas que tocar flauta era uma atividade muito
valorizada pelos participantes, e as trocas musicais aconteceram de maneira fluida
com a ajuda da generosidade dos mestres e tocadores de flautas, que não só nos
recebemos como também nos ensinaram como construir as flautas, tocar suas
músicas e dançar suas rodas típicas.
Com toda certeza que essa experiência de viagem foi transformadora,pode
ver a história do Brasil reverberando nas expressões culturais e artísticas de um
povo. Então digo que essa viagem não trouxe apenas ensinamentos musicais, mas
nos transformou também como indivíduos e que irá refletir em nossa formação
acadêmica, social e profissional. Muitos detalhes desse encontro são
impressionantes, o reencontro com os mestre que conhecemos aqui em
Florianópolis, o choque cultural entre as regiões, da riqueza cultural e histórica de
Minas, do encontro de flautas e das características das banda de taquara, desde
dos uniformes até o careta performando e brincando com as crianças, são muitos
atravessamentos etnomusicológicos dentro de um mesmo festival.
https://nhumbiaflautasbrasil.wixsite.com/nhumbiaflautasbrasil/daniel-magalh%C3%A3es
https://nhumbiaflautasbrasil.wixsite.com/nhumbiaflautasbrasil/jequitinhonha
https://www.em.com.br/app/noticia/cultura/2023/09/30/interna_cultura,1569445/encontro-de-
flautas-do-jequitinhonha-resgata-a-tradicao-da-banda-de-taquara.shtml
https://www.udesc.br/noticia/semana_da_musica_ocorre_na_udesc_de_18_a_25_de_nove
mbro
https://drive.google.com/drive/folders/1H13Dm_jMvs56ZiCkcYsZRY_bXXFpW08z
https://flautadoceudesc.wixsite.com/extensao/oficina-flautas-do-jequitinhonha
https://www.facebook.com/flautasdojequitinhonha/
https://www.youtube.com/P%C3%ADfanos%20e%20gaitas
https://www.instagram.com/p/ClEK0QZLZ3a/
http://www.iepha.mg.gov.br/index.php/noticias-menu/606-voce-conhece-a-rota-dos-quilombo
s-no-vale-do-jequitinhonha
https://www.flautanativa.com/a-origem-do-pifano/
https://musicahistoricadiamantina.com.br/daniel-magalhaes
https://bdmgcultural.mg.gov.br/artigos/o-som-que-reune-pessoas-e-tradicoes/
https://www.instagram.com/reel/Cxd7BTFO1NX/?igshid=MTc4MmM1YmI2Ng%3D%3
https://www.artesol.org.br/conteudos/visualizar/Coqueiro-Campo-MG3
https://youtu.be/lZgXkSPO3SA
https://www.ipatrimonio.org/minas-novas-quilombo-macuco/#!/map=38329&loc=-17.2186457
56382475,-42.598213831307575,17
https://www.wikiaves.com.br/municipio_3135803
https://www.udesc.br/ceart/ppgmus_eventos/rodadas2020/valeria
https://musicahistoricadiamantina.com.br/leticia-bertelli
https://www.ufmg.br/proex/cpinfo/saberesplurais/artista/mestre-antonio-bastiao/
https://blogdobanu.blogspot.com/2010/02/mestre-antonio-bastiao-ganha-premio-do.html
vídeos
http://gerais.info/?cat=87
http://gerais.info/?p=4750
https://www.em.com.br/app/noticia/cultura/2023/09/30/interna_cultura,1569445/encontro-de-
flautas-do-jequitinhonha-resgata-a-tradicao-da-banda-de-taquara.shtml#google_vignette
https://www.cedefes.org.br/projetos_realizados-101/
https://mundoeducacao.uol.com.br/geografia/a-populacao-indigena-no-brasil.htm