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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

Escola de Belas Artes

Programa de Mestrado Profissional em Artes - Prof-Artes

Mestrando: Nelson Rodrigues Pombo Junior


Orientador: Prof. Dr. Eugênio Tadeu Pereira
Disciplina: A Experiencia Artística e a Prática Do Ensino De Artes Na Escola
(Abordagens Metodológicas)
Professora: Rosvita Kolb Bernardes

DO DIGITAL AO ANCESTRAL E A
BUSCA POR UMA IDENTIDADE PERDIDA

Nelson Rodrigues Pombo Junior)1 1 - UFMG

Tópicos especiais em ensino em artes II

Resumo
O artigo apresenta a biografia de um professor, pesquisador, músico, documentarista e as
trajetórias percorridas em um processo de construção autobiográfica. Desde memórias da infância, os
primeiros contatos com a música através da roda de samba, o ensino da música formal e a trajetória
acadêmica. A visitação a este passado traz a possibilidade de ressignificação, vão compondo uma teia
que contém memórias afetivas, de luta e de aprendizado. A partir da leitura de textos que trazem as
narrativas de si, como de Delory-Momberger (2006), Josso (2004) e Ostetto e Kolb-Bernardes (2015)
foi possível compreender a importância de revisitar e ressignificar a própria história. Com isto a
necessidade de compreender e registrar as experiências profissionais e de vida. Vivências estas que se
confundem, devido, a sua importância na formação humana, de professor-artista, professor-
pesquisador e no processo de construção de uma identidade cultural.

Palavras-chave: narrativas de si, memorias auto biográficas, .

Introdução
São tantas imagens e lembranças que vão e vem, se compõem e decompõem
com muita facilidade e o simples exercício de rememorar dá mais sentido a uma série
de acontecimentos. A tentativa de buscar uma linearidade se perde com a intensidade
1
Professor em escolas públicas, músico e documentarista. nelsonpombojr@ufmg.br
das lembranças dos pensamentos. Com isto busquei relacionar o que de mais
significativo se deu no processo de educador e artista em minha trajetória.
Nessa interface do individual e do social – que só existem um por meio do
outro, que estão num processo incessante de produção recíproca o espaço da
pesquisa biográfica consistiria então em perceber a relação singular que o
indivíduo mantém, pela sua atividade biográfica, com o mundo histórico e
social e em estudar as formas construídas que ele dá à sua experiência.
(DELORY-MOMBERGER, 2012, p. 524).

Na busca de compreensão, como traz na canção de Pererê(: “Eu tentei compreender a


costura da vida, me enrolei pois a linha era muito comprida”, assim fui percebendo o tão
comprida é e em cada nó desfeito iam se formando mais e mais conexões. Como Ostetto e
Kolb-Bernardes (2015, 163), trazem:
Vinculando passado e presente, os discursos da memória e os modos de falar
de si permitem, como nos diz Elizeu Clementino de Souza (2008), a
“reconstituição da textura da vida”, marcando aspectos formativos que
constituem subjetividades e identidades.

Posso começar com memórias que foram significativas, de uma época em que era bem
pequeno, na casa de meu avô. Eu morava em Contagem, região metropolitana de Belo
Horizonte, com meus pais e meu irmão mais novo e vinha sempre passar alguns feriados na
casa do meu avô. Este carregava nas mãos a força de um povo que foi escravizado e que se
refugiou em um uma região nas montanhas de Ouro Preto, conhecido como Lavras Novas,
uma comunidade remanescente de quilombo. Um lugarejo no meio da mata, com acesso
difícil e que de fechado fez de seu povo desconfiado, uma característica marcante. Ele Sr.
Geraldo Pombo, um dos primeiros moradores a vir trabalhar bem jovem em Belo Horizonte,
se estabeleceu no bairro Padre Eustáquio, onde construiu uma casa e criou seus filhos, junto
com a sua esposa, Dona Etelvina. Eram muito simples no modo de viver e o “Vô”, tinha em
sua casa um grande pergolado com uma linda videira, onde todo mês de dezembro, fica cheio
de deliciosas uvas roxas, com um sabor meio doce e um pouco azedo. Com não podia nos dar
presentes e com toda a sua simplicidade apontava para uma parte e dizia que era meu e do
meu irmão, e que iria deixar sempre reservado para gente, como uma herança e que, mesmo
depois que ele se encantasse aquela parte era nossa. Me encantava uma coleção de chaveiros
penduradas em um quadro, cheio de miniaturas de tudo que era coisa, era um mundo
particular na parede. A varanda com a Serra do Curral de fundo e a vista do por do sol, trazia
uma paz. O som do violão que era tocado por meu tio e o batuque que meu pai fazia na caixa
de fósforo é uma das primeiras lembranças que tenho do fazer musical. Ver a felicidade que
era no entorno, os sambas antigos, o chorinho, a seresta. Me lembro que quase toda casa tinha
um livro de músicas de seresta e que marcava o repertório, que eu conhecia bem. De como
eram expressivos e que algumas músicas eram como um novo ato, como o caso do Ébrio, de
Vicente Celestino, em que vinham todos assistir. Daí o samba e a música foram e voltaram
em diferentes momentos na minha vida.
Meu pai era operário, trabalhava no almoxarife de uma mineradora, tinha o habito de
acordar muito cedo e pegar o ônibus para a mina. Já minha mãe era dona de casa e cuidava de
mim e do meu irmão. Ambos não tiveram formação artística nenhuma e fora a música não
tive contato significativo com outras linguagens artísticas. Na escola as professoras de arte
usavam a arte como passa tempo, com aula de desenho ou artesanato, tudo voltado pras artes
visuais sem considerar outras linguagens.
Outro fato importante na minha vida é o envolvimento com movimentos sociais e
políticos. Me lembro de um período nos anos 80, eu criança e estava participando de
atividades com os amigos de meus pais, contra a ditadura, uma panfletagem, teve show na
praça da estação. Eu fui instruído que, se for preciso, se a polícia chegasse, era pra, jogar os
panfletos para um lado, a bandeira para o outro e correr pra perto de onde eles estavam. No
final das manifestações, que deveriam ser da campanha das diretas, importante movimento de
democratização, sempre me levavam para rodas de samba e me lembro bem de um lugar que
era uma escola, de desenho técnico, em que as pessoas se encontravam e lá o som rolava até
de madrugada, em um ambiente me fascinava. Os instrumentos irem passando de mão em
mão, foi quando tive um contato direto com este universo e a memória da caixinha de fósforo
sempre voltava. Alguém, naquele momento me falou que eu precisava sentir o som e que era
só olhar para o violonista, olhar a sua mão, ver os movimentos, sentir e tocar que iria dar
certo. E eu acho que deu certo, pois ficava muito tempo tocando, era pandeiro, agogô,
tamborim e o ganzá, a roda de samba, crescia conforme a madrugada entrava. Eu sentia uma
certa familiaridade com estes sons, já que todos os domingos eram os dias em que meu pai
ligava a vitrola pra ouvir seus sambas antigos, de Cartola, Bezerra da Silva, Benito de Paula,
Chico Buarque e Vinícius de Morais, músicas que eu sabia cantar.
Estas memórias sempre me envolviam e na escola, no ensino fundamental, uma
iniciativa de criação de uma banda de música me reaproximou. Eu comecei a frequentar as
aulas e se tratava de uma fanfarra. No início aprendi a tocar instrumentos de percussão, surdo
e tarol, me identifiquei e em pouco tempo já sabia tocar. Algumas aulas depois fui para o
pistom, ou trompete e me lembro que achei muito difícil, e não só difícil, foi traumático. Para
uma criança que queria brincar e a via a música como uma coisa divertida, que me levava pra
outros lugares e me deparei com uma coisa bem técnica, cheia de normas, tempos, compassos,
semínimas e colcheias que me fizeram correr para longe daquela sala e aquilo me afastou
completamente da música. O tempo passou e eu ganhei um violão, mas não aprendi a tocar.
Sentia que não conseguiria, não tive muito interesse e em casa ninguém sabia tocar. Esta
memória sempre me intrigou e na licenciatura, sempre me voltavam estes pensamentos e o
que eu não deveria fazer, como professor de música. Ter cuidado para não desestimular uma
pessoa, um aluno a querer estudar música ou arte. A forma tradicional, no caso do ensino de
música erudita me incomoda e me levou a buscar outras formas e metodologias, bem como
linguagens. A busca por conhecer um pouco mais da música tradicional dos povos originários
do Brasil, da música africana, oriental, tentando entender estas referências. Principalmente no
que diz respeito sobre a cosmovisão de outros povos e suas relações com o som e a música,
em contraponto com a música ocidental europeia, ensinada nos conservatórios, escolas de
música e na própria academia.
Eu vivia em uma região operária, na família, amigos e vizinhos, ninguém tinha
conhecimento algum de arte, e na escola muito menos. No bairro em que morava tinha um
Baile Black, onde se encontravam os amigos que dançavam o ritmo Soul e era uma música
envolvente e eu entrava, ainda menor de idade e aprendi os primeiros passos ao som de James
Brown. Eu achava muito bonita toda a estética em torno dos bailes, as luzes, a bola de
espelhos, os cabelos black power bem certinhos, ou quadrados, ou redondos, mas impecáveis,
as roupas sociais e os sapatos bicolores, as pernas que deslisavam no chão, parecendo que
estavam flutuando. Em Contagem na década de 90 o rock era o que dominava os corações e
as mentes de garotos como eu, que rapidamente me interessei em aprender a tocar um
instrumento e montar uma banda. Já no ensino médio, comecei com um contrabaixo e fiz
algumas aulas e fui me interessando cada vês mais, sem muita pretensão, e tratava como
diversão. Tive muito contato com o Bicicross, o Skate e na rua conheci o Hip Hop. Através do
pixo e do graffiti, fiz algumas incursões nos muros e descobri esta forma de expressão própria
da arte de rua, dos guetos e vielas. Foi uma libertação, sair de bicicleta deixando as minhas
marcas em uma cidade cinza e poluída, e os primeiros graffitis começaram a aparecer,
inspirados nos filmes que passavam na tv.
Na escola os poucos contatos que tive foram com a arte, foi com artes visuais e os
contatos com outras linguagem se deram de forma autônoma, pois não tinha interesse. Já tinha
feito curso de eletrônica e a maioria dos amigos tinha planos de trabalhar em alguma indústria
da região e continuar a saga dos nossos pais, sermos operários, proletários, viver uma vida
medíocre, casar e ter filhos, comprar um apartamento e viver o resto da vida ali, nos prédios
batizados por nós mesmos de Terceiro Mundo. Minha vida profissional foi bem diversa e
vinha trabalhando em muitas coisas diferentes, fabrica de bolsas, oficina de panela de pressão,
locadora de vídeo, cartório e nada tinha a ver com artes ou música. Foi quando vi uma
propaganda na TV da UEMG, Universidade do Estado de Minas Gerais, do vestibular e fiz a
inscrição. Eu queria estudar música e eu escolhi a Licenciatura em artes o que vim a descobrir
que era relacionado a educação quando eu já estava na universidade.
Eu tive estas experiências em roda de samba, as aulas frustradas de instrumentos de
sopro e pouco contato com artes visuais, e não conhecia nada de fotografia ou cinema,
tampouco tinha conhecimento em música erudita. Com os estudos foram se abrindo portais e
estas conexões sempre iam e vinham. As aulas de folclore eram as que eu mais gostava, pois
me colocou em contato mais próximo à cultura popular e me faziam lembrar do “Vô” e a toda
cultura tradicional e ancestral. A cultura popular estava sempre presente e passei a frequentar
outros espaços quebrando paradigmas, reaproximando das minhas origens. Sinto que tudo se
conecta em redes que podem ficar adormecidas por muito tempo, mas que as memória se vão
e vêm, contribuindo assim na construção de um ser pensante, que é parte de um meio, sofre
influencias e também como parte, exerce influência. Na universidade, conforme vinha
passando o tempo eu ia me perguntando o que estava fazendo ali, para onde iria e se o
caminho seria realmente a sala de aula. Me dava uma apreensão, uma vez que nunca me
considerei um aluno esforçado, muito menos passava pela minha cabeça ser um professor.
Passei a me cobrar mais e tentar entender meu lugar naquele universo. Foi aí que o
contato com uma disciplina e a dedicação de uma professora foi o elemento transformador e
que abriu outros portais e outras possibilidades. Eu estava nestes questionamentos e a
Professora Ângela passou a me observar, a comentar meus trabalhos e dizia ela que eu tinha
uma composição com cores que eram muito boas, e que eu deveria me dedicar. Com o tempo
eu entrei em reflexões profundas, eu estava quase desistindo de cursar a licenciatura, sem
vontade e não estava vendo sentido em continuar, e foi aí que veio a grande mudança. Em
uma série de trabalhos com a Professora Ângela, na disciplina de materiais expressivos,
começamos a fazer uma série de intervenções em fotografias, fotos jornalisticas e de
publicidade, com colagens e tinta. No terceiro ou quarto trabalho da série com fotografias, ela
pediu pra que a foto a ser usada no trabalho fosse de alguma pessoa próxima, ou do próprio
aluno, foi aí que tudo mudou. Eu passei a ver sentido e a dar sentido às coisas ao meu redor,
foi uma ressignificação até do que eu era, onde estava, tudo que havia passado até então e o
que eu poderia fazer com tudo isto. Tinhas conflitos em casa e não tinha apoio na formação
em artes, minha família não compreendia e achava que eu deveria estudar outra coisa e, por
outro lado, eu não concordava com aquele posicionamento. Isto só serviu pra me dar mais
força pra entender o que estava acontecendo e fazer daquilo uma forma de que eles se
orgulhassem de mim. Foi aí que no trabalho com as fotos eu peguei varias fotos em formato
3x4, geralmente usadas em documentos, tinham fotos minhas, de minha mãe, de algumas
colegas da turma e começei a passar as fotos, olhando as imagens e imaginando situações e
muita coisa passou na minha cabeça. O simples fato de usar imagens de pessoas conhecidas e
manipular estas imagens me fez viajar no meu passado e nas possibilidades de futuro. A
atividade passava por fazer intervenções nas imagens usando massinha de modelar, aquelas
coloridas que são usadas muito com crianças. Comecei a manipular a massinha e a juntar
varias ideias, e juntei a outros materiais. Em casa peguei um pedaço grande de madeira e
pintei fazendo um fundo, como eu tinha um material de eletrônica, eu desenhei em algumas
placas como se fossem peças de verdade, coloquei alguns componentes eletrônicos e no meio
da placa eu colei as fotos. Fiz ligações entre as placas e um teclado de telefone e com as fotos
eu fiz intervenções apenas nos cabelos, mudando apenas os tipos, e as cores. Curiosamente eu
coloquei em uma foto minha, tranças tipo Dread Lock, que é um estilo de cabelo próprio dos
Rastafari, que são originários da Etiópia, coisas que eu nem sabia na época, sendo que, anos
depois, eu passei a usar o cabelo com este estilo. Na hora da apresentação todo mundo
assustou, pois eu poderia ter levado uma foto 3x4 e tinham mais de 10, em um quadro imenso,
grande e pesado. A Professora Ângela gostou tanto que me levou pra trabalhar em seu ateliê e
eu fiquei um tempo lá e aprendi muita coisa. Um amigo da turma que é dramaturgo pediu a
obra empresta e usou em uma peça, em que uma garota nua, com a peça pendurada no
pescoço falava assim: “Clique em mim!”.
Daí em diante foi continuar a formação mais voltada pra música, estágio e assim que
me formei fui atuar na sala de aula. Tinha feito um concurso em Contagem e fui trabalhar em
uma escola na região rural e foi uma experiência boa, por mais que eu não sabia o que iria
encontrar, já que a teoria é muito diferente da realidade. Trabalhei algum tempo em varias
escolas, era ensino fundamental e tive algumas experiências traumáticas, muitas vezes por
falta de experiência e dificuldade pra entender muita coisa, que hoje é mais clara. A escola é
um micro ambiente que tem o poder de catalisar tudo que está no macro ambiente. É um
microcosmo que tende a reproduzir o que tem de bom e o que tem de ruim na sociedade, o
racismo, a intolerância, a indiferença, a crueldade do ser humano se encontra naquele
ambiente. Cabe ao educador, compreender a importância de seu papel de formador, e que ele
pode fazer diferença na vida das pessoas, não reproduzindo as mesmas práticas opressoras e
usar a educação como importante ferramenta para a libertação do ser humano.
Eu me senti muito incomodado com o tempo e já atuava em diversas frentes, e a escola não
tinha o ambiente mais agradável pra se conviver, na verdade eu achava muito tóxico. As condições
não eram boas e o grupo desunido, muita competição e brigas desnecessárias, já que não chegavam a
lugar nenhum. Não queria conviver naquele ambiente por muito tempo e fui trabalhar um um órgão
público de cultura, o Centro Cultural de Contagem. Foi um crescimento profissional muito grande e
tive a oportunidade de me envolver com muitas linguagens e ver como funciona um outro lado mais
burocrático. Eu já tinha ações junto a movimentos sociais, pontos de cultura e de comunicação
colaborativa, como na Casa do Movimento Popular onde funcionava a Rádio Abóboras. Era uma rádio
comunitária e uns amigos tinham um programa de Rock e na casa tinham várias ações, sociais e
culturais. Foi lá que conheci me envolvi mais com a comunicação comunitária e em uma oficina sobre
mídia livre, através da Ciranda Afrolab, um coletivo internacional de comunicação compartilhada, e
conheci toda uma articulação de comunicação entre diferentes povos e movimentos. Outra chave
virou, pois eu fiquei conhecendo outras redes e articulações, pessoas que tinham as mesmas
frustrações e vontades que eu tinha. Participei junto a Ciranda Afrolab do Fórum Mundial de
Educação do Baixo Tietê e conheci uma rede de articulação entre indígenas e quilombolas de todo o
Brasil. A Ciranda era da comunicação do Fórum Social Mundial. O contato com esta realidade me fez
refletir sobre o as culturas ancestrais e tradicionais, a sala de aula como espaço este de
experimentação, o compartilhamento de vivências e a fazer conexões sobre tudo isto na minha vida,
pessoal e profissional. Da cultura popular fui pro digital, comecei a usar câmeras e fiz alguns
registros da Comunidade dos Arturos, em Contagem, comunidade remanescente de quilombo.
Com o contato com a Ciranda Internacional de Comunicação Compartilhada e as experiências
com o Afrolab, um laboratório de comunicação colaborativa, outro portal se abriu, o do
audiovisual. Fui ao Fórum Social Mundial de Belém e conheci o pessoal que fazia as batalhas
de Rap debaixo do viaduto Santa Tereza, em bh e começei a fazer as coberturas de Duelos de
MC's. Do duelo de mcs fui convidado pra filmar uma manifestação de estudantes, quase
acabei detido por registrar a mesma, resultado: um vídeo chamado: “Meio Olho”, que mostra
um pouco a truculência da polícia. O que chama a atenção que o tempo todo foi falado que eu
não era professor, que eu não tinha carteirinha de professor, e até que eu era é Oficineiro,
deslegitimando assim quem realiza oficinas em escolas e projetos culturais. (JUNIOR, 2009).
Foi uma agressão o que acontece e eu passei a ter um outro olhar, toda vez que eu ligava a
câmera, um olhar mais atento no entorno da ação. Todos estes elementos eu conseguia levar
pra salas de aula, apresentava documentários e os relacionava à atuação na comunicação
compartilhada. Neste período eu já estava de volta as salas de aula em escolas estaduais,
passei a filmar as manifestações culturais e políticas. Em 2013, nas jornadas de junho, pude
participar bem de perto e em uma situação similar a já vivida, por ocasião da manifestação
dos estudantes, registrei um dia de muita repressão, tive meus equipamentos quebrados por
um guarda que me agrediu com cassetete, corri, tomei um tiro de borracha e consegui me
proteger. Parecia uma continuação de um filme que passou em minha vida e me vi
protagonista em outra situação, em outros vídeos. Em meio a tudo isto eu entrevisto o
comandante da operação, Capitão Carvalho e era tiro, porrada e bomba. Mais tarde fui detido,
enquanto entrevistava uma garota, fui agredido, colocado dentro de uma viatura, fui ameaçado
de diversas formas e por fim, apagaram os vídeos do meu aparelho celular que registravam a
agressão. Consegui os recuperar os vídeos e fiz uma matéria para a ciranda narrando este dia,
com o nome, “Eu Acredito é na Rapaziada” (JUNIOR, 2013). Com as ações de mídia livre eu
fui agraciado com o Prêmio Santo Dias de Direitos Humanos, da Assembleia Legislativa de
São Paulo. O material filmado, juntamente com mais vídeos e fotografias integrou o livro e
exposição, Escavar o Futuro no Palácio das Artes, com a mostra: “Os Brutos”. Uma
construção que levou em consideração toda esta estética que contempla a arte de rua, a
transgressão, desobediência e rompeu as barreiras chegando na elite cultural da cidade de
Belo Horizonte. Em meio a isto e nas coberturas do Fórum Social Mundia estive em edições
em Belém, Porto Alegre, Salvador, Dakar no Senegal e Tunis, capital da Tunísia. Foram indas
e vindas que ajudaram a formar e reformar o olhar de artista, de poder compreender os
costumes locais e deles aprender. A experiência com grupos de música, em especial o coletivo
12Duoito foi outra coisa que contribuiu em muito nesta formação, em performance, com um
aprendizado muito grande, já que os elementos musicais, e rítmicos são bem diversos. Um
grupo heterogênio, com raízes na música negra, da roda de samba à escola de samba, Cidade
Jardim, do alto do morro.
E é na sala de aula que tudo ganha corpo, sentido e novos significados e a
possibilidade de trazer estas experiências, vivências e compartilhar da possibilidade de um
mundo melhor.
Considerações finais
A linearidade se perde nas intensidades das ideias, lembranças vão e veem. O que
passava despercebido reaparece em novas conexões e adquire novos significados. O simples
exercício de buscar estas lembranças leva a compreender a importância que pequenas coisas,
pequenos acontecimentos e imagens, lembranças e memórias que contribuíram para a
formação do artista, músico, professor e pesquisador, com a potência que é a possibilidade de
revisitar este passado e dele dar novos sentidos aos acontecimentos. E para guiar caminhos
que, uma vez percorridos se reencontram no vazio dos pensamentos e memórias, influenciam
na expressão legítima de cada um. Expressão que está presente nos papeis de educador, de
artista, de pessoa de uma forma inconsciente e que ganha novos sentidos, à partir do momento
que é ressignificada.

Fig 1. Batuque de Negão no Senegal, Michele Torineli, 05/02/2011, Dakar – SEN

Fig 2. Arquivo pessoal, 17/06/2013, Belo Horizonte – MG


Fig 3. Marcha de Abertura FSM, 2015, Tunis – TUN, Foto: Stella Oliveira.

Fig 4. Sala de aula, 2019, Belo Horizonte, Arquivo pessoal.

Referências Bibliográficas
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Revista Brasileira de Educação, [S.L.], v. 17, n. 51, p. 523-536, dez. 2012. FapUNIFESP
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Josso, Marie-Christine. (2012). O Corpo Biográfico: corpo falado e corpo que fala. Cortez.
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https://www.ciranda.net/spip.php?page=article&id_article=7789&lang=pt_br
OSTETTO, L. E.; KOLB-BERNARDES, R. Modos de falar de si: a dimensão estética
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