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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

CLAUDIA FELIPE DA SILVA

“VIDA MUSICAL, IMIGRAÇÃO ITALIANA E


DESENVOLVIMENTO URBANO: A trajetória sócio-
histórico-cultural de Serra Negra, ao longo do século
XX”

CAMPINAS
2017
CLAUDIA FELIPE DA SILVA

“VIDA MUSICAL, IMIGRAÇÃO ITALIANA E


DESENVOLVIMENTO URBANO: A trajetória sócio-
histórico-cultural de Serra Negra, ao longo do século
XX”

Tese de Doutorado apresentada ao


Programa de Pós-Graduação em Educação
da Faculdade de Educação da
Universidade Estadual de Campinas para
obtenção do título de Doutora em
Educação, na área de concentração de
Ciências Sociais na Educação.

Orientadora: Profa. Dra. Olga Rodrigues de Moraes von Simson

O ARQUIVO DIGITAL CORRESPONDE À VERSÃO


FINAL DA TESE DEFENDIDA PELA ALUNA CLAUDIA
FELIPE DA SILVA, E ORIENTADA PELA PROFA. DRA.
OLGA RODRIGUES DE MORAES VON SIMSON.

CAMPINAS
2017
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

TESE DE DOUTORADO

“VIDA MUSICAL, IMIGRAÇÃO ITALIANA E


DESENVOLVIMENTO URBANO: A trajetória sócio-
histórico-cultural de Serra Negra, ao longo do século
XX”

Autora: Claudia Felipe da Silva

COMISSÃO JULGADORA:
Profa. Dra. Olga Rodrigues de Moraes von
Simson

Prof. Dr. Lutero Rodrigues da Silva

Prof. Dr. Joel Luís da Silva Barbosa

Profa. Dra. Maria Silvia Casagrande Beozzo


Bassanezi

Profa. Dra. Débora Mazza

A Ata da Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de


vida acadêmica do aluno.

2017
Aos Músicos de Serra Negra
AGRADECIMENTOS

O trabalho de pesquisa é um processo solitário, mas ao mesmo tempo solidário,


pois a solidariedade compensa a “solidão”. Registro a minha sincera gratidão aos que fizeram
parte direta e indiretamente deste estudo.
Aos senhores: Oswaldo Saragiotto, Roberto Gambeta (in memoriam), Arminio
Silotto (in memoriam), Terezinha Maria de Barros Marchi, Irineu Saragiotto, José Franco de
Godoy, Antonio Luigi Italo Franchi, Antonio Roberto Siqueira, Alcebíades Felix (in
memoriam), Claudio de Andrea Corsetti (in memoriam), Nelson Antonio de Barros, Demon
Clayr Batista Fernandes Del Nero, Armando Menegatti, Renor Siloto Perondini, Roberto
Siloto Perondini, Irineu Evangelista Cazotti, José Geraldo Dechetti Vicentini e José Vandair
Passadore Muniz, pela generosidade em dividir comigo suas vidas e trajetórias musicais.
À minha paciente e generosa orientadora, Profa. Dra. Olga Rodrigues Moraes von
Simson, meu profundo respeito e agradecimento, pela amizade, por sua orientação, que
conduziu minha paixão por Serra Negra e suas bandas e, a fascinação pela oralidade a um
trabalho concreto.
Ao Prof. Dr. Sérgio Eduardo Montes Castanho, membro da banca de qualificação,
juntamente com a Profa. Dra. Débora Mazza, agradeço pelas sugestões que contribuíram para
o enriquecimento do trabalho.
Minha profunda gratidão pelo apoio e incentivo que recebi de minhas amigas:
Profa. Dra. Maria Aparecida Morais Lisboa, com suas leituras e sugestões, Profa. Dra. Maria
José Ferreira de Araújo Ribeiro (in memoriam) e Profa. Dra. Arlete Assumpção Monteiro.
Aos amigos Welliton Cardoso Nunes e Lude Nunes, pelas leituras atentas.
Odilon Souza Lemos (in memoriam) e Nestor de Souza Leme por disponibilizar
de forma especial, as suas coleções de fotografias e, por gostarem tanto de Serra Nega e seus
“causos”. José Luis Siloto Giorio e Fernando Fioriti Corbo, agradeço o carinho pela Banda
“Lira”.
À historiadora Mirim Fagundes, por sua paciência e sua atenção durante os anos
da pesquisa e por manter o rico acervo da Foto Fagundes.
Alexandre Galaverna Bonami, Diretor Legislativo da Câmara Municipal de Serra
Negra, pela atenção e disponibilização do acervo histórico da instituição.
Aos proprietários do Jornal O Serrano, em especial ao Dr. Ennio Canhoni (in
memoriam), por acreditar em minhas pesquisas e disponibilizar o rico acervo do jornal. Ao
jornalista Carlos Alberto Valentino, por todo auxílio durante minha estada no jornal e a Maria
Eunice Brotto, por toda sua generosidade.
À família de Humberto Narbot, na pessoa de sua filha, Lucia Ermetice Narbot.
Ao Maestro Claudio Bernardino Marques pelo trabalho musical desenvolvido em
Serra Negra. Aos músicos Antonio Briotto (in memoriam), Geraldo de Macedo Bulk (in
memoriam), José Caetano dos Santos (in memoriam), Orlando Lugli (in memoriam) e Nilo
Lugli.
Ao Maestro João Corato (in memoriam), por sempre dividir comigo suas histórias
e experiências musicais.
Ao Maestro, Mestre e amigo Fioravante Lugli (in memoriam).
Aos músicos da Corporação Musical “Lira de Serra Negra”.
Meus agradecimentos estendem-se, ainda, a algumas pessoas, tais como: José
Maximo Ribeiro Sanches, Gerson Pinton Cordeiro, Marcos Vinicius Cordeiro, Vilma Silotto
Bragatto, Maria Eloísa P. de Toledo, Ligia Maria Lamari, Dilma Lamari Langella, Mirza
Pellicciotta, Cristina Dallari Macina, José Milton Dallari Soares, Guilherme Della Guardia,
José Paulo de Campos e Silva, Ivone da Costa Pereira, Benedita Gomes Rosa, Luciano Godoy
Gentilini, Dimas Mattedi, José Oscar Carniel Brolezi, Luiz Roberto Invernizzi, José Augusto
Silveira Santos, Ari Osmar de Oliveira Fiorante, Luiz Roberto Constardeli Carlos, Juliana
Maria Finati, Carlos Eduardo Silos de Araújo, Valquiria Felipe da Silva e Deborah Felipe da
Silva. Ao Centro de Memória da Unicamp e a Secretaria de Pós Graduação da Faculdade de
Educação.
Minha gratidão especial a meus pais, Cláudio Azevedo da Silva e Irmacília Felipe
da Silva pela oportunidade de crescimento espiritual.
RESUMO

VIDA MUSICAL, IMIGRAÇÃO ITALIANA E


DESENVOLVIMENTO URBANO: A trajetória sócio-histórico-
cultural de Serra Negra, ao longo do século XX.

O presente é um trabalho de reconstrução de memória, que se vale da intertextualidade,


entretecendo aspectos orais, visuais, documentais e musicais. Pretendeu-se estudar as
manifestações culturais que ocorreram em Serra Negra, tendo como foco principal a trajetória
das bandas de música e seus maestros, dos conjuntos musicais e seus músicos. O início da
atividade musical de Serra Negra/SP remonta ao final do século XIX, constatando-se a
influência cultural dos imigrantes italianos que aí se fixaram. Para o entendimento do
movimento musical foi necessário reconstruir, também, o desenvolvimento da cidade, que
pode ser dividido em três períodos: o início do povoamento, com a economia voltada para a
produção de café; a descoberta das águas radioativas e a instalação do Cassino e, finalmente,
o direcionamento das atividades econômicas para o turismo. No aspecto musical, a pesquisa
permitiu constatar que a banda formada pelos imigrantes italianos no final do século XIX
manteve-se atuante até a década de 1940. Ela dividiu, durante o período, espaço com outras
bandas serranas; no entanto, é notória a sua longevidade e soberania em número de concertos,
com destaque para o repertório diferenciado, que incluía trechos de óperas e obras de
compositores serranos. Após o encerramento oficial de suas atividades, surgiu na cidade a
Corporação Musical “Lira de Serra Negra”, que herdou participantes e o legado musical da
banda italiana. Outro aspecto encontrado na pesquisa diz respeito à intensa movimentação
musical na cidade, indo além das bandas, com a formação de conjuntos de baile, que atuaram
nas áreas rural e urbana, bem como a expressiva formação de novos músicos, que
frequentaram aulas particulares de música ou integraram as escolas musicais mantidas pelo
poder público. A metodologia utilizada na pesquisa é conhecida como Metodologia da
História Oral e se baseia no método biográfico, que consiste em colher depoimentos de
voluntários, ou seja, pessoas da comunidade ou do grupo que se deseja pesquisar. Para o
presente estudo foram convidados os musicistas que têm as trajetórias artística e pessoal
ligadas diretamente às instituições musicais da cidade, bem como alguns serranos mais
idosos, que vivenciaram as transformações urbanas ocorridas na estância.
Palavras-chaves: história oral, Serra Negra, banda de música, imigração italiana,
educação musical.
ABSTRACT

MUSIC LIFE, ITALIAN IMMIGRATION AND URBAN


DEVELOPMENT: The social, historic and cultural course of Serra
Negra throughout the 20th century.

This is a work of memory reconstruction by the means of intertextuality, bringing together


oral, visual, documental and musical aspects. It was meant to study the cultural manifestations
that occurred in Serra Negra, focusing mainly on the trajectory of music bands and their
conductors, of music ensembles and their musicians. The beginning of Serra Negra’s musical
activity dates back to the late 19th century, the cultural influence of the Italian immigrants who
settled in the town being ascertained. In order to better understand the local musical
movement it was also necessary to retread the development of the town, which can be divided
into three periods: the beginning of the population, with the economy centered on coffee
production; the discovery of radioactive waters and the installing of the Casino and, finally,
the turn of the economy towards tourism. In the musical aspect, the research determined that
the band formed by the Italian immigrants in the late 19th century was kept until the 1940s. It
shared space, during that period, with other local bands; however, it is notorious regarding its
longevity and supremacy in terms concert numbers; its differentiated repertoire, which
included fragments of operas and works of local composers, should also be highlighted. After
the official closing down of the Italian band’s activities, the Musical Corporation “Lira de
Serra Negra” was established, inheriting both the members and the musical legacy of its
predecessor. This research also delves into the hectic music movement in the town, which
goes beyond the bands, seeing also the formation of ball ensembles, which played both in
rural and urban areas; the noticeable formation of new musicians, who attended private music
classes or the music schools kept by the public power, is also discussed. The methodology
employed here is known as Oral History Methodology and it’s based on the biographic
method, which consists of gathering testimonies from voluntaries, that is, people from the
community or group the research focuses on. To this study were invited musicians whose
artistic and personal stories are connected to the music institutions of the town, as well as
some local elders who witnessed the urban transformations occurred in this spa town.
Key words: oral history, Serra Negra, music band, italian immigration, music
education.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Ilustração 1: Vista parcial de Serra Negra, década de 1960 31
Ilustração 2: Panorama de Serra Negra, 1908 71
Ilustração 3: Trecho da Ata da Seção da Câmara Municipal, 1892 76
Ilustração 4: Folha de Rosto – Estatuto da Societá Italiana, 1895 91
Ilustração 5: Símbolo da Societá Italiana, 1903 92
Ilustração 6: Jardim Público, década de 1910 95
Ilustração 7: Jornal A Serra Negra, edição de 06/01/1907 99
Ilustração 8: Manuscrito Maestro De Benedictis 107
Ilustração 9: Jornal O Serrano, edição de 27/12/1908 111
Ilustração 10: Jornal O Serrano, edição de 06/12/1908 111
Ilustração 11: Jornal Gazeta da Serra, edição de 16/05/1914 115
Ilustração 12: Jornal Fanfulla, edição de 1905 123
Ilustração 13: Homenagem a Monsenhor Manzini 133
Ilustração 14: Cartão Postal Thermas de Lindoya 137
Ilustração 15: Serra Negra Jornal, edição de 11/08/1932 138
Ilustração 16: Jornal O Serrano, edição de 11/06/1950 142
Ilustração 17: Serra Negra Jornal, edição de 07/05//1932 155
Ilustração 18: Jornal O Serrano, edição de 06/01//1940 158
Ilustração 19: Jornal O Serrano, edição de 04/02//1940 161
Ilustração 20: Jornal O Serrano, edição de 22/04//1945 173
Ilustração 21: Jornal O Serrano, edição de 28/09/1958 199
Ilustração 22: Casa de Câmara e Cadeia, 1913 208
Ilustração 23: Jornal O Serrano, edição de 28/10/1942 218
Ilustração 24: Trecho da Ata da Corp. Musical “Lira de Serra Negra” 220
Ilustração 25: Jornal O Serrano, edição de 15/07/1951 230
Ilustração 26: Jornal O Serrano, edição de 22/07/1951 230
Ilustração 27: Jornal O Serrano, edição de 15/02/1953 232
Ilustração 28: Jornal O Serrano, edição de 01/03/1953 232
Ilustração 29: Grade Musical, ópera: Nabuco de G. Verdi 238
Ilustração 30: Jornal O Serrano, edição de 27/10/1957 239
Ilustração 31: Jornal O Serrano, edição de 27/10/1958 240
Ilustração 32: Jornal O Serrano, edição de 01/02/1959 242
Ilustração 33: Repertório executado na Rádio Nacional 248
Ilustração 34: Jornal O Serrano, edição de 26/11/1944 251
Ilustração 35: Jornal O Serrano, edição de 21/01/1951 252
Ilustração 36: Jornal O Serrano, edição de 23/12/1956 256
Ilustração 37, 38 e 39: Caderno de repertório 257
Ilustração 40: Jornal O Serrano, edição de 09/02/1958 259
Ilustração 41: Jornal O Serrano, edição de 28/09/1958 261
Ilustração 42: Jornal O Serrano, edição de 09/08/1958 263
Ilustração 43: Jornal O Serrano, edição de 05/01/1964 267
Ilustração 44 e 45: Jornal O Serrano, edições: 29/04/1962 e 22/05/1966 269
Ilustração 46: Jornal O Serrano, edição de 22/05/1966 271
Ilustração 47: Jornal O Serrano, edição de 1967 272
Ilustração 48: Maquete do Centro Recreativo de Serra Negra 277
Ilustração 49: Jornal O Serrano, edição de 06/07/1961 283
Ilustração 50 e 51: Caderno de repertório 288
Ilustração 52: Jornal O Serrano, edição de 26/09/1965 290
Ilustração 53: Jornal O Serrano, edição de 23/09/1972 296
Ilustração 54: Jornal O Serrano, edição de 02/02/1975 301
Ilustração 55: Jornal O Serrano, edição de 07/08/1977 306
Ilustração 56: Jornal O Serrano, edição de 23/03/1980 315
Ilustração 57: Jornal O Serrano, edição de 05/10/1980 319
Ilustração 58: Jornal O Serrano, edição de 23/03/1980 320

LISTAS DE QUADROS
Quadro 1: Estabelecimentos Comerciais/ Artes/ Indústrias e Ofícios (1873) 70
Quadro 2: Estabelecimentos Comerciais/ Fábricas (1886) 73
Quadro 3: População (1872 e 1886) 73
Quadro 4: Imigrantes e suas profissões 83
Quadro 5: População (1872-1929) 85
Quadro 6: Estabelecimentos Comerciais, 1905 86
Quadro 7: Loja de Fazendas e Armarinhos nos bairros 87
Quadro 8: Edifícios sedes das fazendas serranas 87
Quadro 9: Estabelecimentos Comércio/Ofinicas/Fabricas/Serviços 89
Quadro 10: Produção de café, período de 1911 a 1922 146
Quadro 11: Máquinas de beneficiar café (1886-1924) 149

LISTAS DAS FOTOS


Foto 1: Funcionários concluindo o hospital, Serra Negra, 09/06/1928 32
Foto 2: Músico Ariovaldo do Amaral Campos, 1908 77
Foto 3: Corpo Musicale “Umberto I”, década de 1900 78
Foto 4: Trem da Mogiana, década de 1930 84
Foto 5: Maestro Vincenzo De Benedictis 98
Foto 6: Maestro Zacharias Quaglio 103
Foto 7: Largo da Matriz, década de 1900 109
Foto 8: Largo da Matriz, (Bilhete Postal), 1912 113
Foto 9: Maestro Alberto De Benedictis 116
Foto 10: Vista Parcial da cidade, década de 1930 118
Foto 11: Corpo Musicale “Umberto I, 1923 120
Foto 12: Procissão, década de 1910 121
Foto 13: Humberto A.M. Manzini, 1911 122
Foto 14: Largo da Matriz, década de 1930 124
Foto 15: Construção do Hospital Santa Rosa de Lima, 1928 125
Foto 16: Enfermaria Geral feminina do Hosp. Sta.Rosa de Lima, 1929 126
Foto 17: Altar em louvor à Santa Rosa de Lima, 1929 126
Foto 18: Portal comemorativo, centenário de Serra Negra, 1928 127
Foto 19: Monumento em comemorativo, centenário de Serra Negra, 1928 128
Foto 20: Procissão, 1928 129
Foto 21: Festa em Bairro Rural das Posses, 1925 130
Foto 22: Festa no Bairro dos Cunha, 1925 131
Foto 23: Procissão, Festa de São Benedito, 1923 132
Foto 24: Monsenhor Manzini e Firmino Cavenaghi, 1939 134
Foto 25: Missa da inauguração da Fonte Santo Antonio, 1930 140
Foto 26: Vista Parcial do Radio Hotel, década de 1930 142
Foto 27: Radio Hotel, década de 1940 143
Foto 28: Vista parcial da cidade, década de 1930 147
Foto 29: Revolução de 1932 148
Foto 30: Visita do Gov. Washington Luiz, 1921 151
Foto 31: Corpo Musicale “Umberto I”, 1926 153
Foto 32: Corpo Musicale “Umberto I”, década de 1930 154
Foto 33: Corpo Musicale “Umberto I”, 1938 157
Foto 34: Conjunto Jazz Band Melodia, década de 1930 159
Foto 35: Construção do Grande Hotel, década de 1940 168
Foto 36: Músico Luigi Benedetto, 1947 170
Foto 37: Músico Vitorio Pezzete, década de 1940 170
Foto 38: Conjunto Águias de Prata, 1943 172
Foto 39: Vista do Cassino, década de 1940 175
Foto 40: A cantora Demon Clayr, década de 1940 178
Foto 41: A cantora Lourdes Godoy, década de 1940 179
Foto 42: Conjunto vocal Garotos do Ritmo, década de 1940 181
Foto 43: Conjunto vocal Garotos do Ritmo, em Mogi Miriam, década de 1940 183
Foto 44: Conjunto vocal Garotos do Ritmo, década de 1940 184
Foto 45: Recepção dos Pracinhas serranos, 1945 187
Foto 46: Recepção dos Pracinhas serranos, 1945 188
Foto 47: As charretes em Serra Negra, década de 1950 191
Foto 48: Antigo Mercado Municipal, década de 1940 193
Foto 49: Antigo Mercado Municipal, década de 1940 194
Foto 50: Terreno após demolição do Antigo Mercado Municipal, década de 1950 197
Foto 51: A construção do Balneário Municipal, década de 1950 198
Foto 52: A inauguração do Balneário Municipal, 1958 199
Foto 53: Balneário Municipal, década de 1960 202
Foto 54: Fonte São Carlos 203
Foto 55: Fonte Santo Agostinho, década de 1940 204
Foto 56: Fonte Santo Agostinho, década de 1960 205
Foto 57 e 58 – Instituto Radium-emanoterapico S/A, década de 1950 207
Foto 59: Praça Barão do Rio Branco, década de 1940 210
Foto 60: Fórum da Comarca de Serra Negra, década de 1960 212
Foto 61: Solenidade de inauguração do Fórum serrano, 1959 214
Foto 62: Comercio serrano, década de 1940 217
Foto 63: Corporação Musical “Lira de Serra Negra”, década de 1960 229
Foto 64: Grupo de Carnaval “Vai com Jeito”, 1957 235
Foto 65: Corporação Musical “Renato Perondini”, 1960 246
Foto 66: Corporação Musical “Renato Perondini”, 1960 247
Foto 67: Corporação Musical “Renato Perondini”, 1960 247
Foto 68: Corporação Musical “Renato Perondini”, 1960 248
Foto 69: Corporação Musical “Renato Perondini”, 1960 249
Foto 70: Corporação Musical “Renato Perondini”, década de 1960 250
Foto 71: Programa de Auditório, Rádio Serra Negra, década de 1950 253
Foto 72: Regional do Programa de auditório, Rádio Serra Negra, década de 1950 254
Foto 73: Jazz “Blue Star”, década de 1950 255
Foto 74: Conjunto de baile, década de 1950 258
Foto 75: Jazz “Blue Star”, 1958 259
Foto 76: Orquestra Yara, 1958 261
Foto 77: Foto aérea de Serra Negra, década de 1960 265
Foto 78: Piscina pública 268
Foto 79: Seleção Brasileira em Serra Negra 270
Foto 80: Miniferico Serrano, década de 1970 276
Foto 81e 82: Cobertura do Ribeirão Serrano, década de 1970 277
Foto 83: Construção do Centro de Convenções, décadas de 1970/1980 279
Foto 84: Propriedade rural no Bairro da Serra, 2004 282
Foto 85: Corporação Musical “Renato Perondini”, 1961 283
Foto 86: Corporação Musical “Lira de Serra Negra”, 1961 284
Foto 87: Maestro Ângelo Lamari 285
Foto 88: Conjunto da Saudade 287
Foto 89: Sala da Banda 290
Foto 90: Corporação Musical “Renato Perondini”, 1963 292
Foto 91: Alfredo Dallari 293
Foto 92: Coreto da Praça João Zelante 294
Foto 93: Aniversário de Ângelo Lamari, 1973 297
Foto 94: Corporação Musical “Lira de Serra Negra”, 1973 299
Foto 95: Corporação Musical “Lira de Serra Negra”, década 1970 300
Foto 96: Maestro Luiz Lamari 307
Foto 97: Corporação Musical “Lira de Serra Negra” 308
Foto 98: Conjunto The Gold Fingers 309
Foto 99: Conjunto André & Orchestra 310
Foto 100: Conjunto André & Orchestra 311
Foto 101: Conjunto André & Orchestra 312
Foto 102 e 103: Conjunto André & Orchestra 314
Foto 104: Conjunto André & Orchestra 316
Foto 105: Conjunto André & Orchestra 317
Foto 106: Instrumento musical de André Afonso Bertini 318
Foto 107: Maestro Fioravante Lugli 323
Foto 108: Corporação Musical “Lira de Serra Negra” 325
Foto 109 e 110: Corporação Musical “Lira de Serra Negra” 326
Foto 111: Corporação Musical “Lira de Serra Negra” 327
Foto 112 e 113: Corporação Musical “Lira de Serra Negra” 328
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 17

1 - PROCEDIMENTO METODOLÓGICO 26
1.1 – A realização das entrevistas 28
1.2 – A constituição do acervo imagético 30
1.2.1 – O acervo Foto Fagundes 30
1.2.2 – O acervo Humberto Manzini 31
1.3 – Os textos memorialísticos 32
1.3.1 – Os textos memorialísticos de Sylvino de Godoy (1889-1970), Silvo Bertolini 33
(1931-2013) e Alcebíades Felix (1926-2015)
1.4 – Documentos escritos 34

2 – A CONSTITUIÇÃO DA CIDADE DE SERRA NEGRA 61


2.1 – A formação da cidade e os Códigos de Posturas 61
2.2 – O desenvolvimento de Serra Negra a partir da imigração: aspectos econômicos 79
e musicais.
2.2.1 – A chegada dos imigrantes em Serra Negra 79
2.2.2 – Os trilhos da Mogiana e o café 83
2.2.3 – As sociedades italianas 91
2.3 – As primeiras bandas de música, seus maestros e principais músicos. 96
2.4 – Monsenhor Manzini: religiosidade, música e desenvolvimento urbano 122
2.5 – As águas radioativas: início do turismo de cura e as novas perspectivas no 135
desenvolvimento urbano de Serra Negra
2.6 – Música, músicos e lazer. 152

3 – A CIDADE E AS MUDANÇAS (Décadas 1940-1980) 165


3.1 – A Segunda Guerra Mundial e o incremento do turismo. 165
3.1.1 – Cassino e Música 166
3.1.2 – A Segunda Guerra Mundial e os descendentes dos imigrantes 184
3.1.3 – O fim dos cassinos e a decadência da atividade turística 189
3.2 - A década de 1950 trouxe grandes mudanças urbanas 191
3.2.1 – A construção do Balneário Municipal 192
3.2.2 – A administração pública e o empenho para a melhoria da cidade: O Fórum 207
de Serra Negra.
3.3 – A musicalidade serrana no pós-guerra 218
3.3.1 – O Clube XV de Novembro e as performances dos conjuntos musicais 250
3.4 - Décadas de 1960 e 1970 264
3.4.1 – A cidade evolui através de investimentos civis e do Fumest 264
3.4.2 – A música com a nova fase da Banda “Lira” e os conjuntos de baile e seu 282
Repertório diferenciado
3.5 – Os anos de 1980 – A Corporação Musical “Lira de Serra Negra” e o novo 319
cenário musical serrano
4 – CONSIDERAÇÕES FINAIS 329
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 336
APÊNDICES 350
ANEXOS
Anexo 1: 355
Anexo 2: 356
Anexo 3: 357
Anexo 4: 358
Anexo 5: 359
Anexo 6: 360
Anexo 7: 361
Anexo 8: 362
Anexo 9: 363
Anexo 10: 364
Anexo 11: 365
Anexo 12: 366
17

INTRODUÇÃO

Desenvolveu-se no mestrado1 um estudo sobre a formação das bandas de música


no Brasil. Num primeiro momento realizou-se um amplo levantamento da produção sobre o
tema; buscou-se também compreender a formação dessas sociedades musicais. A seleção do
material levantado privilegiou as bandas nas formações militares, civis e étnicas.
Sequencialmente a pesquisa direcionou-se para a cidade de Serra Negra/SP, abordando o
início da formação e a atuação do Corpo Musicale "Umberto I", banda formada pelos
imigrantes italianos.
A transmissão do conhecimento musical no Brasil, num primeiro momento, esteve
vinculada ao espaço religioso. No período colonial temos a atuação dos jesuítas, tendo como o
seu maior expoente, o inaciano José de Anchieta (1534-1597), que utilizava a música como
mecanismo de conversão dos indígenas, o chamado “processo de divinização de canções
populares”, ou seja, adaptar letras religiosas a canções populares. (BUDASZ, 1996, p.9). Esse
método, conhecido como contrafactum2, foi amplamente utilizado na Europa nos séculos XVI
e XVII.
Instalaram-se as Sés Catedrais no Brasil, sendo a primeira a de Salvador, em
1552, seguida da do Rio de Janeiro em 1676, e somente em 1745 é que se criaram os bispados
de Mariana e São Paulo. Após esse fato é que surgiu no país o cargo de mestre de capela,
ocupado geralmente por músicos religiosos. Para o preenchimento do cargo exigiam-se alguns
pré-requisitos, como o domínio da teoria e da prática musical, noções de composição, de
arranjo e canto gregoriano. Também era submetido a um exame de proficiência com provas
de Latim, Doutrina Cristã e Moral. O mestre de capela era encarregado de selecionar jovens
cantores para integrarem o Coro, manter uma Escola de Música, e prestar todos os serviços
litúrgicos relacionados nos respectivos contratos, como funções da Semana Santa, do Natal,
da Páscoa, das Novenas e de outros eventos em que houvesse necessidade (DUPRAT, 1995).

1
SILVA, Claudia Felipe da. Bandas de Música, Imigração Italiana e Educação Musical. O Corpo Musicale
"Umberto I" de Serra Negra, uma localidade interiorana com forte presença italiana. Dissertação (Mestrado em
Educação) – Faculdade de Educação. Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2009.
2
Contrafactum – substituição de um texto por outro, sem mudança substancial da música. A mudança de uma obra
secular em sacra, ou o aproveitamento de um material antigo, reelaborado ou rearranjado foi um dos recursos
utilizados por compositores como Palestrina (1525-1594) e Bach (1685-1750) Dicionário Grove de Música. Edição
Concisa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994.
18

No século XVIII, sobretudo em Minas Gerais, foi criado um número significativo


de irmandades religiosas que abrigavam entre seus associados inúmeros músicos, muitos dos
quais se destacaram no cenário musical brasileiro, como Manuel Dias de Oliveira (1738-
1813), João de Deus de Castro Lobo (1794-1832), José Joaquim Emerico Lobo de Mesquita
(1746-1805) e Padre José Maurício Nunes Garcia (1767-1830).
Francisco Curt Lange realizou um dos primeiros estudos sobre a relação entre as
Irmandades e a Música, no qual defendia a hipótese da existência de um passado musical rico
no Brasil colonial, hipótese esta que foi confirmada através de levantamentos em acervos,
tanto oficiais quanto particulares, de várias irmandades e das corporações musicais que
conservaram um rico patrimônio de partituras. O trabalho de Curt Lange foi fundamental por
contrapor-se à ideia hegemônica de que o marco musical inicial no Brasil deu-se a partir das
composições do Padre José Maurício Nunes Garcia (1767-1830) no Rio de Janeiro, e também
por alicerçar inúmeras pesquisas sobre o tema (DUPRAT, 2010).
Os estudos posteriores à pesquisa de Lange permitiram recuperar toda uma
documentação que comprovava a existência de atividades musicais complexas em Minas
Gerais no século XVIII em início do XIX, especialmente em Vila Rica, Tiradentes, Sabará,
Mariana, São João Del Rei e Prados. Segundo Leoni (2007), a partir da segunda metade do
século XVIII, a maioria dos músicos que atuavam em Vila Rica, vinculados ou não às
Irmandades, eram homens pardos livres, muitos deles designados como “mestre da arte da
música”.
Um dos aspectos mais interessantes sobre as Irmandades religiosas diz respeito à
prática e ao ensino da música. Os músicos associados a elas exerciam a função de professores
de música. Além de participarem dos ofícios e festas religiosas, também concorriam à seleção
das festas cívicas organizadas pelas câmaras; segundo Castagna (2000), a câmara realizava
uma “arrematação” em praça pública, como se fosse uma forma de licitação, para serviços
públicos. Era anunciada qual seria a festividade, a necessidade de música e as especificações;
os interessados se apresentavam, mencionando seus músicos e respectivos orçamentos, e
quem oferecesse o menor preço e cumprisse as especificações era contratado. Para tanto,
exigia-se um repertório inédito, bons instrumentistas e o cumprimento dos termos constantes
do acordo.
Notou-se também que alguns membros das Irmandades, músicos, conseguiam o
licenciamento para exercer a função de mestre de música e trabalhavam como professores na
19

própria Irmandade ou ministrando aulas particulares, e responsabilizando-se, outrossim, pela


propagação do ensino de música. Muitos deles também mantinham vínculos militares,
atuando como instrumentistas e mestres de música nos Terços, nos Regimentos e nas Tropas.
A utilização da música nesses agrupamentos militares pode ser considerada como o embrião
da organização das bandas militares no Brasil.
Segundo Cardoso (2008), com a chegada da Corte Portuguesa a questão musical
toma outro rumo. Criou-se o cargo de mestre da Capela Real, o Arquivo Musical do Palácio
de Queluz foi trasladado para o Rio de Janeiro e nomeou-se o Padre José Maurício para o
cargo de Arquivista. Contrataram-se inúmeros músicos europeus, entre eles os castratis3, para
suprir a lacuna nos naipes de soprano e contralto do Coro da Catedral. Como no Brasil não
existia essa qualidade de músicos, preencheu-se tal função com vozes infantis; para o padrão
exigido na Corte, o desempenho das crianças deixava muito a desejar, pois faltava
dramaticidade nas execuções.
O Rio de Janeiro passou a ser visto como um local de oportunidades para a classe
musical, com a criação do Coro da Capela Real, da Real Câmara e do Teatro São João,
concorrendo para uma grande migração de músicos de várias regiões do Brasil e da Europa
dispostos a adquirirem um posto de trabalho, desencadeando forte concorrência. Entre os anos
de 1811 a 1824 constatou-se o registro de 175 músicos europeus trabalhando na Corte
Portuguesa.
A presença da Corte contribuiu também para a reestruturação da área militar, e,
consequentemente, deu-se a criação de novas bandas militares, oferecendo, desde então, um
outro espaço para o trabalho do profissional musicista, assim como uma oportunidade de
aprendizado, visto que cada corpo musical teria a obrigação de manter sempre quatro
soldados aprendizes de música. As aulas seriam ministradas pelo mestre de cada banda;
escolhiam-se os interessados entre os voluntários4 e os instrumentos de aprendizagem seriam
os que fossem convenientes. Com isso, a trajetória das Bandas Militares, dentre as quais a
Banda de Música da Força Pública de São Paulo5 e a Banda do Corpo de Bombeiros do

3
Castrati – Cantor, castrado antes da puberdade para preservar o registro de soprano ou contralto de sua voz.
Dicionário Grove de Música. Edição Concisa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994. Os castratis substituíam
as mulheres, pois as mesmas não tinham permissão de interpretar músicas religiosas.
4
Portaria de 16 de dezembro de 1815. Coleção de Leis do Brasil.
5
Atualmente Corpo Musical da Polícia Militar. Ver DELLA MÔNICA, Laura. História da Banda de Música da
Força Pública. São Paulo: Polítipo, 1951. 1ª edição.
20

Estado do Rio de Janeiro6, tornaram-se referência para outras bandas Militares e


influenciaram a criação das bandas civis.
Desde os primórdios de sua criação, as Bandas Militares sempre exerceram certo
fascínio nos músicos das bandas Civis, a princípio por representarem um espaço de trabalho
com melhores condições salariais, com perspectivas de profissionalização seguindo a carreira
militar e garantia de boa aposentadoria, além de outros atrativos, como a uniformização do
grupo, os desfiles cívicos com movimentos coordenados, a variedade do repertório tradicional
de dobrados e marchas, dos arranjos de composições contemporâneas, a qualidade dos
instrumentos musicais, em sua maioria importados, contribuindo para uma melhor afinação e
característica sonora das bandas, e a possibilidade de dedicação exclusiva à atividade musical.
Mesmo após a aposentadoria, muitos músicos militares retornam às suas cidades de origem e
continuam atuando em bandas civis. (SILVA, 2009, p.94).
Os estudos sobre as bandas de música brasileiras vêm aumentando gradativamente
nos últimos anos; alguns trabalhos buscam traçar o histórico da formação dessas corporações,
outros tratam da biografia de instrumentistas, maestros e compositores ou ressaltam o valor do
acervo musical. Ressalte-se também que a maioria dos estudos aponta para importância dessas
instituições musicais, tanto as civis como as militares, em relação ao ensino da música, pois é
através das bandas que se aprendem as primeiras noções sobre teoria e prática de
instrumentos.
Segundo os dados da Fundação Nacional de Artes, FUNARTE 7, até dezembro de
2016 foram cadastradas 2.455 corporações musicais no Brasil. Existem ainda vários projetos
direcionados às bandas de música, como o Pró Banda: Programa de Apoio às Bandas,
desenvolvido pelo Conservatório “Carlos de Campos” da cidade de Tatuí; o Projeto Música
no Interior, administrado pela Fundação Carlos Gomes, em Belém do Pará; os encontros de
bandas de músicas na cidade de Ouro Preto/ MG, que ocorrem anualmente; e a criação de
associações como a Associação de Bandas de Música do Estado do Rio de Janeiro, ASBAM-
RJ8, fundada em agosto de 2002 e que conta, atualmente, com 140 entidades cadastradas,
sendo que 21 são centenárias e continuam ativas.

6
Ver GOUVÊA, Geraldo Magela de. Banda do Corpo de Bombeiros do Estado do Rio de Janeiro, um Arquivo
Histórico-Musical Centenário. Dissertação (Mestrado em Música) – Escola de Música. Universidade Federal do
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.
7
<http://www.funarte.gov.br/novafunarte/funarte/instituicao.php> Acesso dezembro de 2016.
8
<http://www.asbamrj.com.br/index.htm > Acesso dezembro de 2016
21

Pesquisas realizadas no Nordeste do país relatam experiências referentes à


educação musical desenvolvidas através das bandas em Alagoas9, Rio Grande do Norte10 e em
Sergipe11, com organizações musicais de formação recente ou centenárias, indicam o quanto
essas corporações são importantes para o aprendizado musical da população, como salientou
Vicente Salles (1985) em seus textos.
Realizaram-se outros estudos nos estados de Minas Gerais12, São Paulo13 e Rio de
Janeiro14. Além de descrever as trajetórias de corporações centenárias, demonstram como as
escolas de música vinculadas às bandas proporcionam aos aprendizes oportunidades de
profissionalização. Pertencer a esses grupos e ter acesso a um espaço de produção e
transmissão do conhecimento musical é um privilégio, pois muitas cidades brasileiras
enfrentam carências na área educacional, e nesses espaços o jovem músico tem a
oportunidade de desenvolver disciplina, concentração e socialização, assim como os esforços
para frequentar uma Faculdade de Música e/ou profissionalizar-se no meio musical15.
Em Serra Negra os aspectos musicais foram poucos estudados, mas havia indícios
de uma intensa movimentação musical na cidade, o que me chamou a atenção.
Vale lembrar que minha iniciação musical ocorreu aí por volta de 1980, em
Serra Negra. Naquele período a Prefeitura Municipal mantinha, conjuntamente com a
Corporação Musical “Lira de Serra Negra”, a Escola de Música, dirigida pelo Senhor

9
Ver MAGALHAES, Adélia Maria de Amorim. Música também é historia: As bandas de música em Marechal
Deodoro e a tendência cívico-militar no seu repertorio tradicional. Dissertação (Mestrado em História) -
Departamento de Historia. Universidade Federal de Alagoas, 2006.
10
Ver LIMA, Ronaldo Ferreira. Bandas de Música, escola de vida. Dissertação (Mestrado em História) - Centro
de Ciências Humanas, Letras e Artes. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2006.
11
Ver MOREIRA, Marcos dos Santos. Aspectos históricos, sociais e pedagógicos nas Filarmônicas do Divino e
Nossa Senhora da Conceição, do Estado de Sergipe. Dissertação (Mestrado em Educação Musical) – Escola de
Música. Universidade Federal da Bahia. Salvador, 2007.
12
Ver FAGUNDES, Samuel Mendonça. Processo de transição de uma banda civil para banda sinfônica.
Dissertação (Mestrado em Musical) – Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2010.
13
Ver SARTORI, Vilmar. Banda Ítalo-Brasileira/Carlos Gomes: história e memória de uma corporação musical
centenária na cidade de Campinas. Dissertação (Mestrado Musicas) – Universidade Estadual de Campinas, 2013.
14
Ver GOMES, Karina Barra. E hoje, quem é que vê a banda passar? Um estudo de práticas e políticas culturais
a partir do caso das bandas civis centenárias em Campos dos Goytacazes. Dissertação (Mestrado em Políticas
Sociais) – Universidade Estadual do Norte Fluminense. Campos dos Goytacazes, 2008.
15
Por iniciativa do Governo do Estado de São Paulo, realizou-se, na cidade de Serra Negra, em maio de 2008, o
I Festival de Bandas, designado “Coreto Paulista”, sob a direção artística do Maestro Lutero Rodrigues. De
acordo com o Secretário do Estado da Cultura, João Sayad, um dos intuitos do festival foi o de “trazer de volta as
bandas como um núcleo de educação musical”. O II Festival de Bandas ocorreu em junho de 2009, também em
Serra Negra, sob a direção artística de Adauto Soares.
22

Fioravante Lugli16, que também era professor e maestro da banda. As aulas eram gratuitas e
a finalidade da escola era preparar jovens instrumentistas para atuarem na referida banda
local. A escola disponibilizava tanto o material didático como os instrumentos. O sistema de
ensino dividia-se em duas etapas: a primeira era dedicada ao aprendizado teórico e solfejo;
após alguns meses, se o aluno demonstrasse certa aptidão musical, iniciava-se a segunda
fase, com a prática de algum instrumento.
Em 1986, passei a fazer parte da Banda “Lira de Serra Negra” como clarinetista,
oportunidade em que desenvolvi relações de amizade com os músicos mais velhos. Nesse
período tive acesso às histórias sobre a trajetória da banda, a importância e atuação dos
músicos italianos na formação da primeira banda de Serra Negra, o Corpo Musicale
"Umberto I", designada por eles carinhosamente como “banda velha”. Ouvi pela primeira
vez nomes de músicos que mais tarde surgiriam em minha pesquisa sobre a música em Serra
Negra, como os das famílias Dallari, Lamari, Perondini, Morganti, Lugli, Mattedi e do
compositor Nicolino Fatigatti, entre outros, além de casos hilários de rivalidade entre as
bandas italiana e brasileira, muitas vezes motivada pelas disputas políticas.
Outro fato marcante foi o acesso obtido ao acervo de partituras da “Lira”. Na
ocasião pude ter em mãos algumas obras que foram compostas no final do século XIX e
início do XX pelos antigos integrantes da banda “Umberto I”. Mais uma vez nomes
relacionados às histórias musicais surgiram, materializando assim os fatos que me haviam
sido narrados.
A suposição nesse primeiro momento era de que o movimento musical serrano
estaria intimamente ligado às bandas de música e aos seus integrantes, mas para afirmá-lo
seria necessário um aprofundamento da pesquisa.
No presente trabalho pretendeu-se estudar as manifestações musicais que
ocorreram em Serra Negra e que gravitaram em torno de diversas famílias de imigrantes
italianos. Para construir o devido “pano de fundo”, necessitou-se acompanhar a transformação
da cidade no decorrer de décadas, considerando-se imprescindível tratar de alguns aspectos
que não foram contemplados no trabalho anterior de mestrado, a fim de permitir um maior
entendimento sobre o desenvolvimento da cidade de Serra Negra e sua vida musical.

16
Fioravante Lugli, Músico Militar aposentado, falecido em 2000.
23

Para sua apresentação, o trabalho foi esquematizado em quatro capítulos, além


desta Introdução.
O Capítulo 1 – “Procedimento Metodológico”, contempla a abordagem
qualitativa, entretecendo as diferentes fontes utilizadas na pesquisa: documentação primária,
secundária e terciária, além de depoimentos orais, documentos iconográficos e escritos.
Detalhamos os procedimentos utilizados para a coleta dos depoimentos, a constituição do
acervo imagético, composto de fotos das instituições musicais, dos músicos e de fotógrafos de
Serra Negra. Abordou-se também a importância dos textos memorialísticos, que narram
acontecimentos não registrados oficialmente. Recuperou-se, ademais, uma rica
documentação escrita que permitiu traçar o desenvolvimento da cidade e suas atividades
musicais. Ao final, apresentam-se os depoentes envolvidos na pesquisa, através das breves
biografias.
O Capítulo 2 – “A Constituição da Cidade de Serra Negra: a partir de sua
formação até a década de 1930” se inicia narrando a constituição da cidade, a partir de seu
povoamento, abordando como os códigos de posturas foram fundamentais para entender o
processo de urbanização, ressaltando sua importância como instrumentos reguladores da vida
urbana. Realizaram-se levantamentos sobre as atividades econômicas, especialmente, a
cafeicultura. A imigração italiana foi outro ponto abordado, descrevendo a influência dessa
comunidade na vida social, econômica, religiosa e cultural de Serra Negra, principalmente nas
atividades relacionadas à musicalidade, salientando a relevância dos músicos imigrantes e
seus descendentes.
O mesmo capítulo também contempla a descoberta das minas de água radioativas
e as mudanças ocorridas no desenvolvimento da cidade. Após descoberta das águas, partes
das atividades comerciais foram direcionadas ao turismo, com a inauguração de hotéis e a
criação de pequenas fábricas de artigos de couro e madeira.
Estudou-se a década de 1930 buscando entender a administração pública e as
novas formas de lazer dos serranos, com a abertura de clubes sociais e o partilhamento de
músicos entre as tradicionais bandas de música e os conjuntos de baile recém-criados.
O Capítulo 3 – “A Cidade e as Mudanças (décadas 1940/1980)”, enfoca a cidade
partir dos anos de 1940, analisando como os acontecimentos do período influíram na pequena
Serra Negra, pois com o advento da Segunda Grande Guerra e com a exploração dos jogos de
azar, além dos eventos promovidos pelo cassino serrano, a cidade se transformou.
24

Destacou-se a importância do cassino para a economia local, assim como as


oportunidades de apreciação de espetáculos artísticos pelos munícipes, através do acesso as
apresentações promovidas no “Grill Room” do cassino. Examinaram-se também as
experiências e aprendizados vivenciados pelos músicos serranos.
A proibição dos jogos de azar, a partir de abril de 1946, obrigou os governantes de
Serra Negra a voltarem seus olhares para o potencial hídrico da cidade e sua exploração. O
empenho dos Prefeitos Sanitários Luiz Barra e Irineu Saragiotto contribuiu para o crescimento
da cidade, através da construção do Balneário Municipal, de logradouros e praças,
viabilizando assim o acesso às fontes de águas minerais e difundindo suas propriedades
terapêuticas através da imprensa e do cinema.
Foram retratadas também as iniciativas das administrações das décadas de 1960,
1970 e 1980, que se utilizaram de incentivos públicos e privados para promover Serra Negra
como estância hidromineral.
Com relação ao aspecto musical, buscou-se levantar a trajetória das bandas de
música “Lira de Serra Negra” e “Renato Perondini” e dos conjuntos de baile atuantes nas
áreas urbana e rural. Contemplou-se o perfil de músicos que se destacaram durante décadas,
enfatizando as composições, as performances, as direções musicais e o sistema de ensino de
música para os jovens da cidade.
O percurso musical de Serra Negra é refletido na atualidade através da atuação da
Banda de Música “Lira de Serra Negra”, que integra em seus naipes descendentes dos
primeiros músicos imigrantes e mantém em seu repertório as composições de autores
serranos, desde as que remontam ao início do século XX até as atuais.
Finalmente, no Capitulo 4 – “Considerações Finais”, destaca-se o emprego da
metodologia da história oral, aliado a suportes escritos e imagéticos, permitindo reconstruir
versões sobre o desenvolvimento de Serra Negra, das suas bandas de música, dos conjuntos
musicais e seus integrantes, membros de uma longa tradição imigrante, ainda perceptível na
cidade serrana.
25

O oficio da memória não é lembrar, recompor o que houve e, sim, reconstruir,


relembrar através de uma recriação, que, na arte ou fora dela, representa, isto é,
traz como ficção o que um tempo antes havia existido como um fato, um feixe real
de acontecimentos, nunca mais pode reexistir como tal. E assim, a lembrança é o
caminho pelo qual a existência retorna como representação.
(Carlos Rodrigues Brandão)
26

1. PROCEDIMENTO METODOLÓGICO

Para o desenvolvimento do projeto, utilizou-se a abordagem qualitativa,


procurando associar as diferentes fontes documentais e não documentais: bibliográfica,
documento de fonte primária, depoimento oral, documento iconográfico, arquivos íntimos,
acervos públicos e privados. Conforme aconselha Maria Isaura Pereira de Queiroz é
necessário que o pesquisador mantenha-se afastado do objeto pesquisado, olhando de fora o
material empírico, ainda mesmo quando esteja falando de algo que tem o maior apreço e

[...] seja qual for a escolha da técnica efetuada pelo pesquisador, o material colhido é
sempre submetido a uma análise, isto é, a decomposição dos informes para que
sejam encontrados os elementos que os compõem; a esta decomposição, segue-se
um relatório descritivo, no qual os dados são apresentados seguindo os diversos
aspectos revelados pela análise – relatório que deve ser o mais minucioso possível.
Finalmente, do relatório descritivo extrai-se tudo aquilo que compõe a resposta
essencial do problema estudado. (QUEIROZ, 1991, p.18).

Em suas considerações sobre as fontes na pesquisa qualitativa nas Ciências


Sociais e Educação, com objetivo e analisar e compreender o objeto de estudo, Alice Beatriz
da Silva Lang considera que:

A fonte escolhida depende necessariamente do objeto do estudo e da forma como foi


definido embora também das possibilidades materiais e, muito especialmente, da
criatividade do pesquisador. Muitas vezes recorre-se a dados procedentes de várias
fontes, para suprir as limitações e aproveitar as possibilidades de cada uma (LANG,
1992, p. 78).

Em todos os passos da pesquisa durante o seu processo, é importante salientar as


oportunidades de aprofundamento teórico e metodológico do pesquisador.
Nesse sentido Neusa Maria Mendes de Gusmão enfatiza que:

É parte integrante da ação do pesquisador, compreender como as categorias de


referência teórica são preenchidas de conteúdo pela realidade concreta dos sujeitos
investigados e, como tal, são também uma construção do pesquisador. As categorias
se constituem em situações sócio-culturais concretas e resultam em formas de
apropriação das diferenças – criança/adulto; casa/rua; indivíduo/família;
escola/trabalho etc. – tudo referido à vida dos sujeitos que se investiga e, portanto,
não como sujeitos gerais – A Criança, A Família, A Escola e assim por diante. Cada
um encontra-se referido a formas de representação construídas no e pelo meio social
particular e específico (GUSMÃO, 2001, p.85).
27

A realização da revisão bibliográfica foi imprescindível no desenvolvimento da


pesquisa para apreender como os autores estudaram o tema e quais foram às formas de análise
e suas conclusões, sem esquecer que toda produção tem uma intencionalidade.
As atividades musicais desenvolvidas pelas bandas de música em Serra Negra,
“Lira de Serra Negra” e “Renato Perondini”, sempre estiveram vinculadas ao poder público,
pois na maioria das vezes os contratos referentes as apresentações eram realizados junto à
Prefeitura ou Câmara Municipal, além das subvenções anuais recebidas por elas e, para
regularização dessas transações emitiram-se documentos oficiais que constam, atualmente, do
arquivo da Prefeitura e Câmara Municipal; tendo em vista esses dados realizou-se um
levantamento de leis, portarias e contratos junto aos arquivos mencionados.
A intertextualidade, na presente pesquisa, completou-se com os dados colhidos na
História Oral ou Método Biográfico e, utilizou-se a fotografia antiga, também, como
provocador da memória. Na reflexão de Olga R.M. von Simson (2014), sobre a utilidade
fotográfica para a pesquisa de caráter histórico-sociológico, afirma que:

Na realização da entrevista ou por ocasião da coleta de depoimento oral, a análise de


fotos (trazidas pelo depoente ou selecionadas e apresentadas a ele, pelo pesquisador)
enriquecem sobremaneira a troca de informações entre o entrevistador e entrevistado
que, sentados lado a lado, tentam mergulhar no fenômeno retratado (SIMSON, 2014,
p.8).

De acordo com Ana Maria Mauad, as fotos ganham novos significados:

[...] um dia já foram memória presente, próxima àqueles que as possuíam, as


guardavam e colecionavam como relíquias, lembranças ou testemunhos. No
processo de constante vir a ser recuperam o seu caráter de presença, num novo lugar,
num outro contexto e com uma função diferente. Da mesma forma que seus antigos
donos, o historiador entra em contato com este presente/passado e o investe de
sentido, um sentido diverso daquela dado pelos contemporâneos da imagem, mas
próprio à problemática ser estudada. Aí reside a competência daquele que analisa
imagens do passado: no problema proposto e na construção do objeto de estudo. A
imagem não fala por si só; é necessário que as perguntas sejam feitas. (MAUAD,
1996, p. 10).

Em suas considerações sobre o método biográfico, Olga R.M. von Simson aponta:

O método biográfico é utilizado em pesquisa de reconstrução histórico-sociológica


com a preocupação de captar e entender as visões de mundo, aspirações e utopias
elaboradas por diferentes estratos ou grupos sociais neles envolvidos e os
mecanismos de veiculação das mesmas, primeiramente entre os membros do próprio
grupo estudado e depois, alargando seu raio de influência, para atingir outros
28

agrupamentos da sociedade. Outra preocupação dessa modalidade de pesquisa seria


a de entender as formas de transmissão dessas visões de mundo e utopias de geração
para geração, não só dentro de um mesmo agrupamento social, mas também na
sociedade mais ampla. (SIMSON, 1996, p. 83)

Verena Alberti (2004, p.14), relata sobre o fascínio que a História Oral provoca
em muitos pesquisadores. As narrações das experiências dos entrevistados sobre determinados
temas, nos transporta para dentro da história que está sendo contada, “é como se pudéssemos
obedecer o nosso impulso de refazer aquele filme, de reviver o passado, através da
experiência de nosso interlocutor”. Ainda acrescenta que a identificação é tamanha que o
pesquisador acaba se transportando para os espaços narrados, “caminhando pelas ruas em
meio a bondes e senhores de chapéus”.
Além do fascínio, o Método Biográfico é um instrumento de pesquisa que oferece
a possibilidade de reconstruir determinados fatos, que apesar de serem citados em outras
fontes, só ganham sentidos quando narrados por aqueles que vivenciaram o acontecimento.

1.1 - A realização das entrevistas

Para o presente trabalho utilizaram-se 18 depoimentos17 e as entrevistas ocorreram


em dois momentos distintos. O primeiro, foi na década de 1990, quando houve por parte dessa
pesquisadora, a preocupação em registrar as lembranças de antigos moradores da cidade de
Serra Negra. Entre as gravações estão as dos expedicionários Oswaldo Saragiotto e Roberto
Gambeta e, a do agricultor Arminio Silotto.
Os demais registros realizaram-se entre os anos de 2011 a 2016, especificamente
direcionados para embasar essa pesquisa.
Constituíram-se quatro grupos específicos que dialogam entre si: o primeiro,
composto pelos expedicionários; o segundo foi formado pelos depoentes convidados a
narrarem suas lembranças relacionadas a cidade de Serra Negra e seu desenvolvimento; para o
terceiro grupo o convite dirigiu-se aos musicistas que atuaram na cidade nas décadas de 1940,
buscando as narrativas vivenciadas no período da vigência do cassino e, finalmente o quarto
grupo formado por músicos vinculados às bandas de música e aos conjuntos musicais
serranos.

17
Apêndice nº 01.
29

Segundo von Simson (2006), é imprescindível a preparação do pesquisador para a


realização da coleta dos depoimentos, sendo necessário uma pesquisa preliminar, “que cubra
o contexto histórico, econômico e social do grupo a ser investigado. Quanto maior for o
conhecimento prévio do pesquisador/entrevistador sobre a realidade a ser pesquisada, melhor
será sua atuação e, consequentemente, a qualidade do testemunho oral obtido” (p.148).
No processo de preparação, realizaram-se vários contatos, que antecederam as
entrevistas, criando assim, um vínculo de confiança mútua, essencial para o trabalho e, com
alguns depoentes necessitou-se de intermediários que concordaram em apresentar a
pesquisadora. Outros, no entanto, foram indicados e postos em contato através dos primeiros
depoentes, criando assim, uma rede de informantes.
Com relação ao grupo composto pelos músicos da Banda “Lira de Serra Negra”,
aceitou-se prontamente o convite para colaborar com a pesquisa, devido aos laços de amizade.
A seleção dos depoentes foi em virtude de suas experiências musicais vivenciadas em vários
momentos.

No caso de informantes idosos, não apenas os fatos podem ser enriquecidos por
outros ângulos de visão, como sua atuação na história pode ganhar dimensões que
eles não chegariam a conhecer senão tivessem a oportunidade de revisitar o passado
com outra pessoa, de sua confiança e intensamente interessada nessa reconstrução
(VON SIMSON, 2006, p. 149)

O primeiro momento da entrevista, realizou-se de forma livre, sob a qual o


depoente narrou o tema proposto, em seguida sugeriu-se os subtemas que não foram
espontaneamente elencados e, finalmente, convidou-se o entrevistado para contar alguma
passagem que lhe era significativa e que não havia sido abordada.
Os depoimentos gravados foram transcritos e em seguida iniciou-se o processo de
fichamento temático, para posteriormente fazer a comparação dos resultados obtidos18.
Selecionaram-se os mesmos temas em todas as fontes pesquisadas.

Não restringimos a investigação aos dados colhidos nos relatos orais. Sempre os
complementamos ou os comparamos com informações de outros suportes empíricos.
Essa documentação, reunida com base em fontes escritas, orais e visuais, precisa
necessariamente ser inserida num contexto sócio-histórico-cultural, que deve ser
elaborado pelo grupo de pesquisa (usualmente baseado em referencial bibliográfico),
para que possa adquirir sua significação real. (VON SIMON, 2006, p.157).

18
Além das gravações, outro instrumento utilizado são os registros no caderno de campo, com anotações e
impressões referentes as entrevistas.
30

1.2 - A constituição do acervo imagético

Durante a realização da presente pesquisa constitui-se um acervo significativo de


fotos abrangendo vários períodos da cidade de Serra Negra, das Corporações Musicais, dos
Conjuntos e dos músicos serranos.
Através dos contatos com os depoentes e familiares de músicos, possibilitou-se o
acesso a fotos19 que remontam a década de 1920, referente ao Corpo Musicale “Umberto I”,
bem como, as imagens da Corporação Musical “Renato Perondini” e, a trajetória da
Corporação Musical “Lira de Serra Negra”, registrando através de fotos os seus novos
fardamentos e apresentações públicas.
Para a formação do acervo imagético emprestaram-se as fotos para as cópias e, em
seguida, retornaram aos seus respectivos donos20.

1.2.1 – O acervo Foto Fagundes

Luiz de Camargo Fagundes (1897-1986), iniciou o que atualmente se considera o


maior acervo fotográfico de Serra Negra. Morador do bairro rural das Tabaranas, em 1923
comprou sua primeira máquina fotográfica e percorreu inúmeras fazendas fotografando
famílias, algumas vezes pernoitava na casa de seus clientes para realizar as fotos durante o
dia, aproveitando a luz natural. Em 1930, mudou-se para a cidade, residindo na Rua 7 de
Setembro; após alguns anos adquiriu uma propriedade na Rua José Bonifácio, local em que
instalou seu estúdio denominado Foto Fagundes e, um laboratório cujos equipamentos foram
construídos por ele; o imóvel continha cômodos escuros e vários tanques a fim de proceder a
revelação das imagens.
Luiz Fagundes registrou durante décadas o desenvolvimento urbano de Serra
Negra e os acontecimentos políticos e sociais. Os negativos foram recuperados por sua filha
Miriam Fagundes Bortolli, que organizou tematicamente o acervo, composto por mais de
quatro mil imagens. A Foto Fagundes continua prestando serviços à população serrana21.

19
Algumas fotos originais foram presenteadas à pesquisadora.
20
Existiu, contudo, um sistema de trocas, no qual os músicos cediam as fotos para reprodução, em contrapartida,
eles foram presenteados com fotos que não faziam parte de suas respectivas coleções.
21
Inúmeras fotografias originárias do Foto Fagundes estão disponibilizadas no Facebook através do grupo Serra
Negra de Antigamente.
31

Entre o trabalho desenvolvido na Foto Fagundes estavam os postais, com fotos panorâmicas
da cidade e, segundo Kossoy (2002, p.65), o cartão postal era um novo meio de
correspondência e entretenimento, o qual no início do século XX tornou-se um modismo que
incorporou na sociedade brasileira e, as edições estrangeiras eram importadas e colecionados
pelas famílias abastadas. Os profissionais nacionais absorveram esse novo mercado.

Ilustração nº 01. Vista parcial de Serra Negra, Foto Fagundes, início de década de 1960. Fonte: Foto
Fagundes. Acervo da pesquisadora.

Ao mesmo tempo, um novo mercado de trabalho, gráfico, editorial e fotográfico


passou a existir no Brasil. Fotógrafos conhecidos em diferentes Estados, a par de
suas atividades tradicionais como retratistas, além de editores locais, voltaram-se
também para a produção e veiculação de fotos postais, predominando as vistas de
logradouros e panoramas de cidades, temas esses de interesse comercial mais
imediato[...]. Os postais não eram apenas veículos de correspondência, mas,
também, instrumentos de propaganda, particularmente no caso de vistas das cidades.
(KOSSOY, 2002, p. 65 e 69).

1.2.2 – O acervo Humberto Manzini

O Sr. Humberto Narbot, era sobrinho e afilhado do Monsenhor Manzini e, residiu


com seu tio em Serra Negra, por muitos anos. A proximidade entre os dois, permitiu o acesso,
a guarda e a preservação do acervo do Monsenhor, que contém entre outros documentos, fotos
32

e postais de momentos significativos da cidade. Principalmente aqueles em que houve a


participação direta do religioso, como: o término da construção da Igreja Matriz Nossa
Senhora do Rosário, a construção do Hospital Santa Rosa de Lima, do Externato Sagrada
Família. Registrou-se, também, a vida religiosa da cidade, como as festas em louvor aos
santos, missas e procissões.
Ao analisar o acervo de Manzini, percebe-se que ele utilizou as fotos postais como
meio de correspondência, dando notícias particulares e, ao mesmo tempo registrando sua
atuação na comunidade serrana, inclusive suas fotos postais eram chanceladas.

Foto nº 01. “Funcionários concluindo o hospital, sob a direção do engenheiro, Serra Negra, 9/06/1928”. Na
parte superior da foto está a marca da chancela, no verso os dizeres em letra cursiva. Fonte: Humberto
Manzini. Acervo da pesquisadora.

1.3 – Os textos memorialísticos

Para reconstruir os eventos relacionados a vida musical e o desenvolvimento de


Serra Negra, recorreu-se a textos “biográficos memorialísticos” e documentos pessoais.
De acordo com Marina Maluf (1995), o narrador rememora fatos que lhes são
significativos e,
Esse narrador – protagonista principal de seu texto – que fala de si e menos das
circunstâncias, que busca explicações, descobertas e revelações pala auto-análise e
não pela ordenação lógico-temporal dos eventos, dá às suas lembranças um caráter
33

confessional de modo a estabelecer certa intimidade com o leitor que se torna, assim,
seu “escuta” e seu confidente. (MALUF, 1995, p.47).

Queiroz (1998) observa que é possível através da análise desses textos recuperar
as relações do indivíduo para com seu grupo social. Porém, atentou-se para a importância dos
dados serem verificados e complementados.
Embora colhidas com finalidades muito diferentes, autobiografia e biografias são
perfeitamente utilizáveis pelos cientistas sociais como material de análise. Ambas,
principalmente se bem feitas, podem constituir excelentes repositórios de dados que,
no entanto, devem ser verificados e completados por informações de outras fontes.
(QUEIROS, 1998, p. 25).

Como expôs Lílian Maria de Lacerda (2000, p. 84) dentro da obra do


memorialista podem ser encontradas notas, prefácios produzidos pelos autores ou por amigos
“em que se evidencia o lugar do narrador(a) e do discurso enquanto um depoimento
testemunhal’.

1.3.1 – Os textos memorialísticos de Sylvino de Godoy (1889-1970), Silvio


Bertolini (1931-2013) e Alcebíades Felix (1926-2015).

O livro, História da minha vida (1970) do autor Sylvino de Godoy é uma edição
particular, e está dividido em 32 pequenos capítulos; é dedicado aos familiares, com prefácios
de amigos próximos. Na introdução e no final da obra, estão explícitos o desejo do autor em
registrar os episódios que considerou significativos.
Iniciou-se a narração, a partir da “remota infância de 6 anos, em 1895... com o
apoio de uma memória clara e não vacilante”, seduzindo o leitor para apreciar o seu
testemunho.
Os cinco primeiros capítulos referem-se à sua estada em Serra Negra, os demais
narram seu retorno à cidade de Campinas no início da década de 1920, com desdobramento de
sua vida profissional antes e depois de se tornar um dos proprietários do Jornal “Correio
Popular”22, em 1938. Também, ressaltou suas conquistas sociais, procurando em cada capítulo
deixar uma mensagem de cunho moral.
O livro do musicista Silvio Bertolini, O Soldador de penico (2009), é composto
por 166 pequenos textos, referentes à cidade de Serra Negra, sua família, suas paixões, seu

22
O Jornal “Correio Popular” foi fundado em Campinas, em 1927, por Álvaro Ribeiro.
34

aprendizado musical, sendo que os últimos 52 textos dizem respeito tanto à sua vida
profissional quanto à vida musical na cidade de Campinas.
Apesar de não aparentar uma ordem cronológica, elas existem em decorrência das
experiências vivenciadas pelo trompetista e compositor. As leituras dos textos dão impressão
de que as lembranças surgem espontaneamente. Talvez, a maior dificuldade em relação à essa
obra, seja sua forma de narrativa, pois quem não conhece um pouco da história de Serra
Negra, seus músicos e antigos moradores, não encontra sentido em muitas informações e
lembranças ali contidas.
Alcebíades Felix publicou dois livros: Alcebíades Felix disse (e a história
confirma) (2012) e, As histórias que eu gosto de contar (2014), ambos compostos, também,
por pequenos textos, em que o autor descreve acontecimentos públicos e sociais nos quais
participou.
Analisaram-se as obras mencionadas, minuciosamente, buscando
complementar com as outras fontes utilizadas na presente pesquisa.

1.4 - Documentos escritos

A fim de construir um entendimento sobre o desenvolvimento de Serra Negra,


desde seus primórdios, necessitou-se a obtenção de dados antigos relacionados à produção
agrícola, ao número de habitantes e à administra pública e; para tanto, realizou-se pesquisa
nos acervos da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, no SEADE e NEPO -
Unicamp23. Os dados coletados nos almanaques, nos anuários estatísticos, nos códigos de
postura e nas leis, permitiram um novo olhar sobre a cidade.
Entre as fontes primárias, também, pesquisaram-se os documentos produzidos
pela Câmara Municipal de Serra Negra, que mantém no seu acervo histórico, documentação
datada a partir da segunda metade do século XIX. De forma mais intensa, analisaram-se um
total de 400 projetos de lei, entre os anos de 1940 a 1985. Fotografaram-se e armazenaram-se
tematicamente os de interesse para a pesquisa, versando sobre música, clubes recreativos,

23
A Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo ( http://www.al.sp.gov.br). A Biblioteca do IBGE
(http://biblioteca.ibge.gov.br). O SEADE – Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados
(http://produtos.seade.gov.br/produtos/bibliotecadigital) e O NEPO- UNICAMP. Dados Demográficos
(www.nepo.unicamp.br/publicacoes/versos.html). Esses sites disponibilizam um rico acervo, on line.
35

águas radioativas, transformação da cidade (cobertura de rios, reformas das praças e abertura
de ruas), construções de prédios públicos (Fórum e Balneário Municipal).
Consultou-se o acervo do judiciário, sobretudo, os processos relacionados ao
período pesquisado e aos personagens envolvidos.
Os documentos produzidos pela Societá de Mutua Assistência Fra Italiani, entre
os anos 1903 a 1940, como: atas e livros de presença, permitiram avaliar a organização e
influência dessa entidade na vida social dos imigrantes e seus descendentes.
Constituiu-se, também, como fonte de pesquisa, o acervo da Corporação Musical
“Lira de Serra Negra”, fundada em 1945, que herdou as partituras do Corpo Musicale
“Umberto I”, da Corporação Musical “Renato Perondini” (1957-1967) e das músicas que
integravam o acervo do Conjunto Musical “André & Orchestra” (1974-1999), permitindo-se
confirmar a existência “física” das músicas anunciadas nos jornais locais, no período
correspondente de 1906 até a década de 198024.
Foi de grande valia a utilização da imprensa, especialmente dos jornais locais,
pela grande possibilidade de exploração científica dessa fonte de dados, permitindo, inclusive
analisar sua repercussão na sociedade mais ampla. Nesse sentido, Lang (2001, p.61) observa
que “a análise do material da imprensa constitui uma fonte de grande interesse para o
pesquisador, pois permite conhecer não apenas os fatos, mas sobretudo sua exata cronologia”.
Entretanto, o pesquisador necessita de atenção e cuidado ao acessar essa fonte,
razão pela qual os jornais estão sempre relacionados com os interesses dos grupos que os
dirigem.
Dentre os semanários pesquisados, o jornal O Serrano; num primeiro momento,
consultaram-se os seus exemplares desde a sua fundação, em 1907, até a década de 1940; em
seguida, realizaram-se levantamentos de dados, nos exemplares a partir da década de 1940 até
1986. Assim como, o acervo do Legislativo, fotografaram-se as notícias e armazenaram-nas
tematicamente.
E, como observa Caeiro (2005, p.68), “consultar alguns milhares de jornais e de
revistas, acaba por se tornar cansativo e exasperante. Porém, não raras vezes, surgem
surpresas gratificantes nesta tarefa de arqueologia, de exumação de textos”.

24
Ainda, sobre o aspecto institucional, buscou-se, no arquivo da Câmara Municipal, os registros de contratos de
prestações de serviços, firmados entre a “Umberto I” e a Câmara, nos anos de 1906 a 1909, que especificavam as
apresentações cívicas, os concertos quinzenais e os honorários dos componentes da referida banda de música.
36

Outros jornais circularam na cidade, mas encontraram-se somente alguns


exemplares, como: O jornal A Serra Negra, exemplares no período compreendido entre 1904
a 1909. O Jornal Gazeta da Serra, edições de 1910 e 1914, A Serra Negra Jornal25 circulou de
1931 a 1939, após a crise do café, período, inclusive em que a cidade buscava redirecionar a
sua economia.
Como o jornal O Serrano manteve-se ativo ininterruptamente, possibilitou
comparar e complementar os fatos ocorridos na cidade, de acordo com as diversas visões dos
quatro semanários. Segundo von Simson (1985, p.71), “a imprensa era uma força social
relativamente recente na sociedade brasileira, mas já encontrava, nas últimas décadas do
século XIX, uma grande penetração entre as camadas urbanas, destacando-se como o meio de
comunicação mais atuante desse período”.
As informações colhidas através das publicações no jornal O Serrano,
conjuntamente com os dados contidos nos projetos de lei, foram fundamentais para embasar
as questões levadas aos depoentes, especificamente, sobre um passado recente, tendo em vista
a escassez de uma bibliografia produzida sobre Serra Negra, a partir de década de 1930.
Destarte, a partir dos anos de 1950, possibilitou-se abordar e entender as mudanças ocorridas
na cidade, período que a administração pública revalorizou a condição de Serra Negra como
Estância Hidromineral, na busca de recursos financeiros estaduais e a proteção de seus
mananciais de águas radioativas.
Consultou-se o acervo on line da Folha de São Paulo, com a finalidade de
complementar os dados levantados nos acervos serranos.
Analisaram-se as informações contidas nesses documentos conjuntamente com os
depoimentos orais e fontes imagéticas, para construir uma versão sobre o desenvolvimento da
cidade de Serra Negra, principalmente, a partir da década de 1930 até a década de 1980, tendo
em vista as raras produções sobre o período; assim como, apresentar as manifestações
musicais serranas e suas múltiplas formas.
Um pouco das histórias dos depoentes pode ser registrada nas pequenas
biografias: Oswaldo Saragiotto, Roberto Gambeta, Arminio Silotto, Therezinha Maria de
Barros Marchi, Irineu Saragiotto, José Franco de Godoy, Antonio Luigi Italo Franchi,
Antonio Roberto Siqueira, Alcebíades Felix, Claudio de Andrea Corsetti, Nelson Antonio de

25
Todos os exemplares publicados do “Serra Negra Jornal” estão em ótimo estado de conservação e são de
propriedade da família do Sr. Odilon Souza Lemos, sobrinhos do fundador do jornal.
37

Barros, Demon Clayr Batista Fernandes Del Nero, Armando Menegatti, Renor Siloto
Perondini, Roberto Siloto Perondini, Irineu Evangelista Cazotti, José Geraldo Dechetti
Vicentini e José Vandair Passadore Muniz.
38

DEPOENTE: OSWALDO SARAGIOTTO.


Entrevista realizada em maio de 1991.

Oswaldo Saragiotto, natural de Serra


Negra, nascido em 11 de maio de 1920. Provém
de família de imigrantes italianos. Seu pai,
primeiramente, trabalhou na área rural na cidade
de Laranjal Paulista, mais tarde se estabeleceu
como comerciante em Serra Negra, após montar
um armazém de secos e molhados na área central da cidade. O depoente foi, também, um dos
expedicionários serranos, convocados na Segunda Grande Guerra. Narrou de forma detalhada
sua vivência no período da guerra. Possuidor de uma memória privilegiada, tornou-se
referência para os jovens serranos que o procuram regularmente para ouvir histórias sobre a 2ª
Guerra Mundial.
Nos vários encontros realizados entre os anos de 2014 a 2016, tivemos a oportunidade de
olharmos juntos, fotos antigas da cidade e de seus habitantes. O Sr. Oswaldo, pacientemente
rememorou inúmeros acontecimentos serranos após ser estimulado pelas imagens, como a
importância das fontes de águas radioativas para atração do turismo, a construção de uma rede
hoteleira para acomodar o número crescente de visitantes, os clubes e seus bailes. Porém, as
lembranças sobre sua experiência na Itália ainda são marcantes. Estava com 71 anos por
ocasião da primeira entrevista.
Sim, o que era muito triste era, justamente, eram as crianças e os velhos italianos.
Eram o que mais sofreram na guerra, o soldado por mais que ele tenha experiência,
tem a malícia, então na hora de uma granada, a gente sabia se defender. Os italianos
se desesperavam e colocavam a mão na cabeça e saíam correndo... o que cortava
mais a gente, era na hora da comida principalmente, ficava aqueles velhos e criança
com as latinhas na mão esperando o resto da gente, para poder comer, e a gente não
podia dar, muitas vezes, porque se a gente não comesse, não tinha outro lugar para
compra por exemplo. Então, muitas vezes sobrava um pouquinho e, se você
pensasse em jogar no latão, eles ficavam desesperados, então a gente tinha que dar
os restos. Muitas vezes, aconteceu de eu comer macarrão e tinha duas moças que
queriam comer, então nós comemos os três em uma marmita. Fazer o quê, elas
comeram mais depressa do que eu. (Oswaldo Saragiotto, Serra Negra, 1991)
39

DEPOENTE: ROBERTO GAMBETA


Entrevista realizada em maio de 1991.

Roberto Gambeta, natural de Serra Negra, nascido


em 26 de setembro de 1916, pertencente a uma família de
imigrantes italianos. Teve uma infância difícil, pois todos os
familiares trabalhavam na agricultura. Para ele, Serra Negra de
antigamente parecia uma “fazenda”, pois não tinha calçamento,
as ruas eram de terra, só começou a desenvolver com a
instalação do cassino. Quanto jovem foi aprender o ofício de
carpinteiro, profissão que exerceu até sua morte, em 16 de junho de 1999. Gambeta foi o
primeiro serrano a ser convocado para a FEB, lembrou de várias passagens referentes a
convocação, os meses que passaram em Caçapava/SP e o treinamento no Rio de Janeiro, antes
da partida, inclusive narrou as condições de alguns companheiros que desertaram. A travessia
do Rio de Janeiro até a Europa levou oito dias e durante a trajetória muitos choravam e outros
mais bem humorados se divertiam entre conversas e piadas.
A permanência na Itália causou-lhe profundas reflexões, diante das condições
precárias em que se encontravam o povo italiano no período da guerra. Percorreu cidades que
foram inteiramente destruídas. A notícia do fim do conflito foi um alivio. Ao retornar para
Serra Negra, retomou sua profissão de carpinteiro e constituiu família. Estava com 75 anos
por ocasião da entrevista.
40

DEPOENTE: ARMÍNIO SILOTTO


Entrevista realizada em outubro de 1997.
Armínio Silotto, natural de Serra Negra,
nascido em 26 de setembro de 1909, no Bairro das Três
Barras, local que residiu até o seu falecimento em 09 de
abril de 2007. Filho de imigrantes italianos e narrou que
seu avô era lavrador, natural de Treviso, na Itália, o qual
emigrou para o Brasil com seus quatro filhos buscando
melhores condições para sua família. Desembarcou no porto de Santos, em 1887. Foi
contratado com outras famílias imigrantes por um fazendeiro de Três Pontes, bairro rural da
cidade Amparo/SP., essa propriedade possuía um milhão de pés de café. A família Silotto
trabalhou na fazenda de Três Pontes até conseguir pagar sua viagem para o Brasil, pois a
mesma havia sido subsidiada. Após esse período foram trabalhar na lavoura de café em uma
das glebas de José Antonio da Silveira, no sistema de ameia. Juntando as economias
adquiriram um sitio no Bairro das Três Barras, pertencente ao Sr. Gonçalves. A propriedade
ainda permanece com os descendentes da família Silotto.
Sr. Arminio contou que seu pai Pedro Silotto chegou ao Brasil com 09 anos, já era
alfabetizado e, aqui aprendeu português e sempre trabalhou como lavrador. Casou-se com
Graciosa Bettin e constituiu família composta por 13 filhos. Ele também narrou de forma
graciosa sua infância, lembrando do difícil trabalho na roça, plantando e colhendo alho, batata
doce e tomate e, depois a pé dirigia à cidade a fim de comercializar os produtos. Lembra com
carinho a convivência com seu avô Domingos, contando de forma marota algumas passagens,
como sua iniciação à leitura. Segundo ele, sua irmã mais velha era encarregada de alfabetizar
os irmãos, pois aprendera com o pai, como o acesso à escola era restrito, necessitava estudar
em casa. Pois bem, as aulas aconteciam todas as noites depois do jantar, as crianças sentavam
em volta da mesa e iniciavam os estudos, porém isso acontecia somente durante a presença do
Sr. Pedro Silotto, logo após o recolhimento dos seus pais, as crianças interrompiam as aulas,
pegavam o baralho e jogavam partidas de “biscas”. Sua juventude foi marcada por muito
trabalho, sempre plantando, colhendo e comercializando. O lazer acontecia nos finais de
semana, com os bailes aos sábados e missas aos domingos. Sr. Arminio contou ainda, que
cerca de 30 jovens, entre homens e mulheres, saiam descalços das Três Barras e caminhavam
até a entrada da cidade de Serra Negra, local onde se encontra o Centro de Convenções, lá
41

chegando, lavavam os pés, calçavam os sapatos, que sempre eram transportados pelos homens
e dirigiram-se para a missa das dez horas na Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário. Em
seguida, a missa a moçada ia direto ao jardim público e lá permaneciam até o horário de
voltar para casa. Outro evento esperado era a festa em louvor a São Roque, santo padroeiro do
Bairro das Três Barras, celebrada anualmente no mês de agosto. A narrativa de Armínio
Silotto, foi marcada por eventos ligados ao trabalho como agricultor, revelou também outros
traços destacando-se em sua fala a conduta correta diante dos compromissos assumidos, o
respeito à terra, à religião e à família. Estava com 88 anos por ocasião da entrevista.
42

DEPOENTE: THEREZINHA MARIA DE BARROS MARCHI


(conhecida por Tereza Marchi)
Entrevista realizada em julho de 2014.
Terezinha Maria de Barros Marchi, natural de
Serra Negra, nascida em 29 de julho de 1929, filha de
Benedito Inácio de Barros e Ana Englatina Dallari de Barros.
Seu irmão é também o depoente Nelson Antonio de Barros.
Possuidora de uma memória privilegiada, lembrou de vários
acontecimentos marcantes que ocorreram em Serra Negra,
bem como o cotidiano vivenciado no interior de sua família e
círculos de amizade. Realizaram-se inúmeros encontros com a
depoente, alguns acompanhados por seu irmão, que foi o responsável pelo primeiro contato.
Nessas ocasiões recordaram as histórias e aspectos da cidade analisando uma série de fotos
antigas de Serra Negra, com suas edificações e personagens.
Descreveu sua infância como ótima, sendo que as brincadeiras ocorriam no
entorno do antigo Mercado Municipal “a infância aqui em Serra Negra, para as crianças era
uma maravilha, a gente brincava no meio da rua, não tinha quase carro, à noite juntava
meninos da redondeza, as meninas. Tinha vários jogos: pula corda, bater peteca, rei e
rainha...”.
Tereza possui a habilidade de narrar determinados eventos ao se deparar com uma
imagem, acrescentando a transformação do local e o que ele representa na atualidade. Estava
com 85 anos na ocasião da entrevista.
43

DEPOENTE: IRINEU SARAGIOTTO


Entrevista realizada em Janeiro de 2014.

Irineu Saragiotto, natural de Serra Negra,


nascido em janeiro de 1926 Seus pais eram imigrantes
italianos, que se estabeleceram no ramo de comércio,
seu pai era proprietário de um armazém de secos e
molhados localizado na esquina da Rua Coronel Pedro Penteado com a atual Praça John F.
Kennedy.
Irineu começou a trabalhar aos 11 anos de idade, como atendente da farmácia do
sr. Nicolau de Abreu Citrângulo. Em suas narrativas lembrou que quando o movimento da
farmácia estava tranquilo ele aproveitava para ler os livros de farmacopédia e de medicina,
por indicação de seu patrão; as obras eram escritas em francês, contribuindo para o seu
aprendizado desse idioma.
O seu trabalho permitiu um contato contínuo com o médico Firmino Cavenaghi,
pois alguns exames básicos de sangue e urina eram realizados na farmácia.
Irineu sempre teve tendências para os assuntos políticos, tanto que foi nomeado
pelo Governador Jânio Quadros para exercer a função de Prefeito Sanitário, na gestão de 1955
a 1959. Em sua administração promoveu inúmeras benfeitorias na cidade, como o término do
Balneário Municipal, todos os trâmites para a construção do edifício do Fórum serrano,
promoveu a desapropriação do imóvel que abrigava a nascente da Fonte Santo Agostinho,
entre outros atos administrativos.
No período em questão, os gastos com a educação consumiam boa parte do erário
público e, para solucionar o problema, Irineu transferiu 12 escolas municipais para o Estado,
sua atitude contribuiu para equilibrar as contas públicas, possibilitando o pagamento das
dívidas do Município, inclusive as referentes as desapropriações.
Candidatou-se para o cargo de prefeito novamente, mas não foi eleito, no entanto,
foi vereador por várias legislatura e Presidente da Câmara nos períodos de 01/01/1960 a
31/12/1960; 01/01/1962 a 31/12/1962; 01/01/1973 a 31/01/1975 e 01/02/1977 a 31/01/1979.
A sua experiência no campo político, possibilitou ter um olhar crítico sobre a
administração pública e seu depoimento muito contribuiu para entender o desenvolvimento de
Serra Negra, nas décadas de 1950 a 1970. Estava com 88 anos por ocasião da entrevista.
44

DEPOENTE: JOSÉ FRANCO DE GODOY


Entrevista realizada em junho de 2015.

José Franco de Godoy, conhecido por Zico,


natural de Serra Negra, nascido em 10 de setembro de
1922, no Bairro das Três Barras. Os integrantes da
família Franco de Godoy foram um dos primeiros a se
instalarem no Município de Serra Negra, principalmente
na área que atualmente abrange a cidade de Lindóia e o bairro serrano das Três Barras. Sua
família possuía uma propriedade rural, onde plantavam café e outras culturas como milho,
batata e frutas. Todos trabalhavam na agricultura, inclusive o depoente: Eu sou o primeiro
filho do casal, e quanto eles iam para o batente, eu tinha que ir junto e, acabei aprendendo a
puxar a enxadinha.
Sua infância no sítio paterno intercalava-se entre as tarefas da roça e as pescarias:
...e eu quando era moleque, que eu morava no sítio, meu gosto era caçar peixe
naqueles ribeirãozinhos, de peneira. De vez em quando tinha umas cobrinhas, mas
cobra que está na água não morde. No meu tempo não tinha quase cascudo, naquele
pedaço nosso, pescava só para cima, para baixo não, mas tinha muito lambari e
bagre. A gente ficava alí com a peneira, o peixe vinha e batia na peneira, fica por ali,
daí a pouco, você tinha a peneira cheia! E a minha avó... chegava com uns
peixinhos, a gente destripava tudo. A minha avó fazia uns bolinhos com peixe, eu e
mais uns companheiros que tinham lá, comia o bolinho que minha avó fazia. Que
beleza! Nossa Senhora! Tinha uma fartura, nossa... uma fartura, criava de tudo que
era tipo de... frango, boi, carneiro...

A família decidiu mudar do sitio pertencente ao avô, indo primeiramente morar na


cidade de Monte Alegre do Sul, na qual permaneceu por dois anos e, em 1933 foram para
Serra Negra onde se estabeleceram definitivamente. Seu pai alugou a casa que pertencia a seu
avô, localizada da Rua Coronel Pedro Penteado e montou uma selaria para fornecer material
para carroças, charretes e consertos de arreios, mais tarde adquiriu o imóvel, tornando o seu
proprietário.
Zico estava com 11 anos, quando se mudou para Serra Negra, dividia seu tempo
entre a escola e o trabalho, aprendeu o ofício com seu pai, na selaria e depois foi ser aprendiz
de sapateiro com o Sr. Virgilio Pezzini.
A minha infância foi... trabalhei só, desde da escola do primeiro ano, eu já
trabalhando. (Eu) aprendi o oficio com o meu pai. Aqui, aprendi oficio com ele,
depois mais tarde, aí nós resolvemos montar uma sapataria. A sapataria foi a coisa
45

mais gozada. Eu comecei a aprender o ofício aí, na sapataria que tinha aí... mais para
baixo aí... e quando eu comecei a fazer qualquer coisa, meu pai montou uma
sapataria e eu que toquei a sapataria, até hoje é Sapataria Godoy.
Com quem eu aprendi? Esse senhor você nem sequer... esse senhor ele chamava
“Bolota”, tinha uma sapataria aí, eu ia na escola, depois saía da escola, então eu ia
trabalhar lá, aprender o oficio. Naquele tempo tinha muito serviço de sapataria, hoje
não tem mais.
Tudo à mão e dava muito... era muita miséria aquele tempo, miséria, então comecei
a aprender o ofício lá, e trabalhava. Ia na escola, no Grupo e depois ia trabalhar, e
assim foi, que ... ele chamava-se Virgilio Pezzini. Morreram tudo.

A partir de 1930, residiu e ou trabalhou no mesmo local. Acompanhou as


mudanças da cidade, lembrou das pequenas casas geminadas, “não tinha aqueles espaços que
costuma ter hoje, que é obrigado por lei. Um aproveitava a parede do outro. E era assim. A
rua não era asfaltada, era tudo terra, terra, terra... e depois foi crescendo, crescendo. Ai surgiu
a nossa abençoada água, foi o que ergueu Serra Negra”. Descreveu a importância da
instalação do cassino para a economia da cidade e como a fábrica de Chapéu Pamanálinho
absorvia mão de obra feminina, pois as costureiras serranas trabalhavam em seus domicílios,
realizando os acabamentos dos produtos.
Rememorou a transformação urbana com a canalização dos córregos, a construção
de novos hotéis e, de como as verbas eram destinadas à Serra Negra na década de 1970, que
contribuíram para o melhoramento da cidade.
Zico foi sócio fundador do Serra Negra Esporte Clube e, por mais de 30 anos
membro da diretoria do Asilo São Francisco de Assis, ocupando o cargo de mordomo. Ele
continua sendo comerciante, trabalhando na Sapataria Godoy, no mesmo imóvel onde no
início da década de 1930 seu pai montou a selaria. Estava com 93 anos por ocasião da
entrevista.
46

DEPOENTE: ANTONIO LUIGI ITALO FRANCHI


Entrevista realizada em setembro de 2015.

Antonio Luigi Italo Franchi, natural de Serra


Negra, nascido em 12 de maio de 1939, no Bairro da
Serra Negra de Baixo. Filho de Amatici José Franchi e
Aide Coli. Seus avôs maternos vieram para Serra Negra
no final do século XIX e compraram uma propriedade
agrícola, designando à produção do café. Voltaram para
Europa inúmeras vezes. Sua mãe nasceu na Itália. Seu pai
era natural da Vila Sapecado, atual cidade de
Divinolândia/SP. Ao completar um ano de idade, sua família retornou para a Itália. Lá
Amatici serviu o Exército, deslocou-se por três vezes aos Estados Unidos em busca de
trabalho. Casou-se na Itália com Aide Coli. Antes da Segunda Guerra Mundial imigraram
para o Brasil, pois aqui a família paterna de Aide já possuía propriedade. Ao chegar reabriram
armazém de secos e molhados no Bairro da Serra, que pertenceu a Ansano Coli, tio de
Antonio Luigi. O depoente herdou a propriedade agrícola de seu avô materno, local ainda
produtivo com cafezal, milho e produção de aguardente de cana. Na década de 1970, iniciou-
se na carreira politica, sendo eleito prefeito para a gestão de 1979-1983, foi vereador e vice
prefeito e reeleito prefeito nas gestões de 2008-2016. Sua vivência como produtor agrícola e
administrador público permitiram-lhe, ter um olhar diferenciado sobre Serra Negra e seu
desenvolvimento. Estava com 76 anos por ocasião da entrevista.
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DEPOENTE: ALCEBÍADES FELIX


Entrevista realizada em agosto de 2014.

Alcebíades Felix, natural de Serra Negra, nascido


em 08 de julho de 1926, filho de João Felix e Joana
Castadelli Felix. Seus pais eram descendentes de imigrantes
árabes e italianos e estabeleceram-se no Bairro dos Leaes,
local de nascimento do depoente. Permaneceu na zona rural
até completar 17 anos. Em 1943, mudou-se com sua família para a cidade, tornando-se
aprendiz de marceneiro na oficina do Sr. José Salomão. Foi funcionário do Banco Paulista de
Comércio, trabalhou como funcionário da Prefeitura Municipal, no SAE de 1950 a 1966. De
1984 a 1988, foi Diretor do Departamento de Turismo e, de 1997 a 2005, dirigiu o Balneário
Municipal. Bacharel em Direito e especialização em Administração Hospitalar. Ocupou o
cargo de vereador na legislatura de 1977 a 1982.
Logo após sua mudança para cidade, Alcebíades juntamente com Januário Blotta,
Luiz Barbosa e José Ferreira de Campos fundaram um grupo de teatro vinculado ao Clube XV
de Novembro. Foi locutor do serviço de auto-falante, representante do conjunto Garotos do
Ritmo, fundador e proprietário da Radio Serra Negra, criador e apresentador do Programa de
Calouro da Radio Serra Negra, membro da diretoria do Clube XV de Novembro, do Serra
Negra Esporte Clube, da Associação de Imprensa de Serra Negra, do Asilo São Francisco de
Assis, entre outras entidades.
Fotógrafo inveterado, possuía um rico acervo imagético. Alcebíades era
conhecido como a “memória viva” da cidade, sempre indicado para conceder entrevistas
quando o tema era Serra Negra ou o termalismo, pois era um profundo conhecedor das
propriedades das fontes de águas minerais serranas, sendo que foi membro da Sociedade
Brasileira de Termalismo.
Suas “grandes paixões” relacionavam-se aos eventos culturais e artísticos, sendo
que atuou em inúmeras iniciativas nessas áreas. Segundo suas narrativas ser fundador e
proprietário da Radio Serra Negra foi a sua maior conquista. Faleceu em 06 de junho de 2015.
Estava com 88 anos por ocasião da entrevista.
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DEPOENTE: ANTONIO ROBERTO SIQUEIRA


Entrevista realizada em outubro de 2015.

Antonio Roberto Siqueira, natural de Mogi


Guaçu, nascido em 29 de agosto de 1920, mudou-se para
Serra Negra em 1948, depois de ter trabalhado na
Mogiana, como telegrafista. Trabalhou também no Grande
Hotel de Águas de São Pedro, de 1941 a 1946. Após o
fechamento do cassino enveredou-se para o comércio, montando uma loja de calçados.
Porém, abdicou-se desse trabalho e resolveu transportar café de Londrina para o Porto de
Paranaguá, período em que adoeceu, foi aconselhado por seu médico a buscar tratamento em
uma estância hidromineral, acreditando que estava com os rins comprometidos, razão pela
qual se mudou para Serra Negra. O seu problema não estava relacionado aos rins e depois de
uma intervenção cirúrgica se restabeleceu.
Em Serra Negra, fixou-se no comércio, primeiro com uma loja de calçados e, em
1949 montou a Sorveteria e Confeitaria Americana, localizada na praça central da cidade.
Atualmente, o imóvel abriga o Bar Americano.
Em 1950, casou com Nilza, sobrinha dos depoentes Irineu e Oswaldo Saragiotto.
Em 1961, vendeu a Confeitaria e investiu no mercado imobiliário, pois acreditava no
potencial turístico de Serra Negra.
Foi vereador por três mandados, suas relações no meio político induziram a sua
indicação o cargo de Superintendente do Fundo de Melhoria das Estâncias – FUMEST., em
1978, no governo de Paulo Maluf e, acredita-se que isso ocorreu por intervenção de Paulo
Egídio Martins, que o conhecera em uma reunião ocorrida em Serra Negra. Segundo Siqueira,
o FUMEST era considerado uma autarquia muito forte, com mais de 700 funcionários e, com
uma verba “milionária” para promover os repasses às estâncias.
Para exercer o cargo de Superintendente, Siqueira foi sabatinado por três
deputados estaduais, dentre eles estava Mantelli Neto, que havia proposto um Projeto de Lei
em 1975, com a finalidade de extinguir as estâncias. Porém, o Projeto foi vetado por Paulo
Egídio Martins, depois de algumas manifestações de serranos políticos locais. O fato
desagradou Mantelli que talvez, via com ressalvas a indicação de uma pessoa vinculada a
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cidade, tanto que o mesmo dificultou a sabatina de Antonio Siqueira, pois além da arguição
costumeira, ele exigiu uma redação, cujo tema era sobre esportes.
Quando a Seleção Brasileira de Futebol se hospedou em Serra Negra, na década
de 1960, Siqueira foi designado para acompanha-la e, consequentemente, foi convidado para
ser Delegado da Confederação Brasileira de Esportes, o que lhe proporcionou viajar com
Seleção Brasileira pelo território nacional, além de ir para o Chile e Inglaterra. A experiência
permitiu-lhe redigir um texto que agradou aos outros dois deputados, membros da banca,
sendo aprovado por eles, mesmo contrariado não restou outra alternativa ao Deputado
Mantelli Neto, pois Antonio Siqueira foi empossado no cargo.
Permaneceu no FUMEST de 1978 a 1982, período em que construiu o Centro de
Convenções Circuito das Águas e, durante a sua gestão as cidades de Santos e Praia Grande
foram elevadas à condição de estância.
A narrativa de sua experiência no FUMEST e as relações políticas mantidas ao
longo dos anos, foi de grande valia para o entendimento dos “bastidores’ políticos serranos,
nas décadas de 1960 a 1980 e, as consequências repercutidas no desenvolvimento da cidade.
Estava com 95 anos por ocasião da entrevista.
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DEPOENTE: CLAUDIO DE ANDREA CORSETTI


Entrevistas realizadas em agosto e setembro de 2013.
Claudio de Andrea Corsetti, natural de Serra
Negra, nascido em 03 de janeiro de 1932, filho de Luiz
Corsetti e Carmine De Andrea Corsetti. Trabalhou por mais
de 46 anos na Lindoiano Fontes Radioativas Ltda, empresa
fundada por Luiz Bulk e Adid João Did, na cidade de Lindóia/SP. Sua relação com o mundo
do trabalho foi o que mais pontuou seu depoimento, sempre muito minucioso na descrição de
suas atividades profissionais desde o seu primeiro emprego como auxiliar em 1943, na Casa
Bancária José Antonio da Silveira & Cia, em Serra Negra. Oriundo de família imigrante
italiana, seu pai trabalhou como colono na lavoura de café em uma das propriedades de José
Antonio da Silveira.
Quando criança foi engraxate e coroinha. Ainda muito jovem foi convidado para
ser coroinha do Bispo Dom Paulo de Tarso Campos, na cidade de Campinas. Seus pais viram
no convite uma grande oportunidade para que Claudio estudasse, assim autorizaram sua ida e,
em Campinas estudou no Colégio Diocesano Santa Maria. Como coroinha da Catedral de
Campinas, acompanhou o Bispo em inúmeras viagens. Lembrou que suas viagens para
Campinas, nessa época eram realizadas de trem.
Saia daqui de Serra Negra, de trem, às 4:00 horas da madrugada, chegava em
Jaguariúna, mudava de trem, que era outra bitola. Chegava em Campinas 09:00
horas. Saia às 4:00 chegava às 09:00, cinco horas de viagem para ir daqui à
Campinas. Então, o trem quando vinha de Amparo para cá, muitas pessoas até
pulavam do trem para acompanhar andando...na subida, não andava.

Ingressou na carreira política na década de 1970 e foi eleito vereador por dois
mandados (1972/1975 de 1976/1979). Foi membro da Rotary Clube de Serra Negra, da
Irmandade Santo Antonio de Pádua e Provedor do Hospital Santa Rosa de Lima.
Participou do conjunto vocal Garotos do Ritmo na década de 1940 e permaneceu
até o encerramento do grupo e, forneceu inúmeras fotos do conjunto. Ouvir a Rádio Nacional
era a sua maior diversão, principalmente o programa do Francisco Alves. Possuía a coleção
completa dos discos de Orlando Silva. Através dele foi possível conhecer e colher o
depoimento de Nelson Antonio de Barros que nos revelou inúmeras histórias da cidade de
Serra Negra. Faleceu em 01 de maio de 2015. Estava com 81 anos por ocasião da entrevista.
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DEPOENTE: NELSON ANTONIO DE BARROS


Entrevista realizada em março de 2014.
Nelson Antonio de Barros, natural de Serra
Negra, nascido em 22 de julho de 1931, filho de Benedito
Inácio de Barros e Ana Eglantina Dallari de Barros, seu avô
materno foi o músico Alfredo Dallari e, seus tios Aymoré e
Bruno também foram instrumentista, e por essa vocação familiar teve o privilégio de conviver
no meio musical serrano desde a sua infância. Acompanhou inúmeras vezes os ensaios e
apresentações do Corpo Musicale “Umberto I”.
Durante muitos anos trabalhou como marceneiro, cujo ofício ele e seu irmão José
aprenderam com o pai, mais tarde dedicou-se ao comércio e hotelaria, foi também proprietário
da Fábrica de Sabonetes Serra Negra.
Sua família paterna era proprietária de terras no Bairro das Tabaranas e lá cultivou
café, até a década de 1920. Seu pai decidiu-se mudar para cidade e foi trabalhar na marcenaria
do Sr. Tranquilo Perondini. Anos depois, em 1929, ao adquirir uma pequena casa localizada
na Rua Coronel Pedro Penteado, montou sua própria oficina. Viver naquele endereço permitiu
ao depoente acompanhar todo o desenvolvimento do comércio serrano, com o início das
pequenas fábricas e as aberturas das lojas destinadas aos veranistas.
Nelson foi um dos componentes do conjunto vocal Garotos do Ritmo, sendo o
responsável pela parte rítmica, também, integrou outros grupos musicais que se apresentavam
no Clube XV de Novembro.
Além do depoimento gravado, ocorreram várias reuniões na residência de sua
irmã Tereza, onde relembrou os bailes de carnaval, as seções de cinema e a cidade, através de
inúmeras fotos de Serra Negra. Sr. Nelson é considerado um excelente dançarino, conhecido
como “pé de valsa”, frequentador do grupo de dança promovido pela turma da melhor idade.
Estava com 83 anos por ocasião da entrevista
Era aquela cidade simples, gostosa, uma cidade que todo sábado e domingo a gente
se reunia na praça, as meninas girando do lado, os homens do outro. A banda... todo
domingo a banda ia tocar lá. Então era um fim de semana gostoso... Começou a
passar com um pouco de turista que vinha e, naquela época era muito divulgado a
qualidade da nossa água, para problemas de pele, então começou a vir gente para cá,
para se cuidar e, aí foi saindo mais hotéis, foram construindo outros hotéis e agora
fim de semana está tudo aí, mas antes era exclusivamente no período das férias
escolares, agora não sei se era junho, julho e depois dezembro e janeiro. Depois
Serra Negra ficava vazia...(Nelson de Barros, Serra Negra, 2014)
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DEPOENTE: DEMON CLAYR BATISTA FERNANDES DEL NERO


Entrevista realizada em abril de 2014.

Demon Clayr Batista Fernandes Del Nero,


natural de Serra Negra, nascida em 09 de novembro de
1932, descende de imigrantes portugueses e italianos.
Narrou sua procedência afirmando pertencer a uma
família simples; seu pai era empreiteiro. Sempre gostou
muito de música e, juntamente com suas amigas
decoravam as canções que estavam em moda. Era
frequentadora assídua do Clube XV de Novembro e foi a
primeira mulher serrana a se apresentar no “Grill Room”
no Grande Hotel do cassino. Sua voz e beleza encantavam os frequentadores do local.
Realizou inúmeras apresentações nos programas de calouros apresentados pela Rádio Serra
Negra de propriedade de Alcebíades Felix. Chegou a gravar um disco num estúdio serrano,
também montado por Alcebíades, sendo que o mesmo foi para presentear seu marido. Tinha
como modelo feminino as cantadoras da Rádio Nacional: Dircinha Batista, Linda Batista e
Dalva de Oliveira, dentro de seu repertório estava: Para que recordar, Besame Mucho,
Corason a Corason e Perfídia. Ficou viúva muito cedo e criou seus três filhos com
determinação. Lembrou com carinho sua infância e juventude vividas na Rua Duque de
Caxias. Estava com 82 anos por ocasião da entrevista.
Chegava a noite, assim que nem lá na Duque de Caxias, a gente punha as cadeiras na
calçada e ficava. Chamava a outra vizinha, vinha, punha também a cadeira e ficava
aquela turma. Aquela turma de gente na calçada. Com a cadeira na calçada, na rua
conversando, ficava ali. Nove horas era hora de dormir também, né? A gente saía
sete da noite, as nove tinha que estar em casa. Porque se não o pai, se não os irmãos
iam buscar a gente. Nove horas em casa! (Demon Clayr, Serra Negra, 2014)
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DEPOENTE: ARMANDO MENEGATTI


Entrevista realizada em abril de 2014

Armando Menegatti, natural de Serra Negra, nascido


em 12 de julho de 1931, filho de Arthur Menegatti e Angelina
Marchi Menegatti. Seus pais eram imigrantes italianos,
estabeleceram-se após o casamento, no Bairro das Três Barras,
trabalhando como meeiros nos cafezais da família Ioriatti. Ao completar 20 anos, Armando
decidiu ir para São Paulo, a fim melhores condições de trabalho, mas não se adaptou e
retornou à Serra Negra, depois de dois anos onde trabalhou em uma fábrica de sandálias. Na
década de 1960, montou seu próprio estabelecimento comercial, o Bar e Restaurante Santos,
localizado na praça central da cidade. Após alguns anos mudou de ramo novamente e montou
uma fábrica de sandálias e bolsas de couro e, para promover a venda de sua produção abriu a
loja “A Veranista”. Armando, continua em plena atividade e os produtos comercializados em
sua loja, são referências em Serra Negra, devido a qualidade e acabamento.
Ele sempre gostou de música, mas seu pai era muito rígido e não permitiu que
fosse estudar, enquanto estava solteiro. Porém, sempre acompanhou seu cunhado, o
saxofonista e clarinetista Nelson Buzzo, aos bailes e apresentações em que o músico
participava. Após seu casamento, em 1954, iniciou o seu aprendizado musical, como aluno de
Luiz Lamari e Santini Mattedi. Foi integrante da Corporação Musical “Lira de Serra Negra”,
do Conjunto Musical “Blue Star” e de outros grupos. Nos anos de 1970 tornou-se sócio do
Conjunto de Baile “André & Orchestra”. Após dez anos, Armando resolveu se desligar da
banda e da orquestra. No entanto, não conseguiu ficar sem uma atividade musical e fundou
“Os Notáveis”, um novo conjunto muito solicitado o qual durante anos realizou bailes em
uma casa noturna de Águas de Lindóia, bailes na cidade de Socorro. Nas décadas de 1980 e
1990, realizou apresentações nas noites de domingo, na praça central de Serra Negra,
oportunidade em que muitas pessoas dançavam e assistiam ao show. O repertório dançante
era composto de valsas, sambas, boleros e forró. Nesse período, o ator e comediante Ronald
Golias era frequentador assíduo da cidade e admirador do “Os Notáveis”: - “O Golias assistia
também no domingo. O Golias chegava a falar na televisão, vai lá ver o Menegatti”. Armando
trabalhou com os maestros Ângelo Lamari e Fioravante Lugli. Estava com 83 anos por
ocasião da entrevista.
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DEPOENTE: RENOR SILOTO PERONDINI


Entrevista realizada em abril de 2011.

Renor Siloto Perondini, natural de Serra Negra,


nascido em 1939, filho de Arcênio Perondini e Maria Siloto
Perondini, Pertencente a família de imigrantes italianos,
agricultores e musicistas, pois seu pai e tio Alceario foram músicos do Corpo Musicale
“Umberto I” e integrantes de conjuntos de baile. Dentre eles, os que se apresentavam em
Águas de Lindoia, a convite do Dr. Francisco Tozzi e, o trio era composto por: Arcênio no
trombome, Alceario no Clarinete e João Versani no acordeon. Seus irmãos Edino e Roberto
também são músicos, além de seus primos. Passou sua infância e juventude na zona rural,
trabalhando na agricultura, principalmente na lavoura de café, mais tarde trabalhou como
serralheiro e no ramo da hotelaria.
Seu pai foi quem o iniciou na música, muito curioso, juntamente com seu irmão
mais velho, Edino, descobriu entre os pertences de seu pai, uma caderneta com transcrições de
peças musicais, as mesmas utilizadas para a realização dos bailes na zona rural e, ambos se
interessaram em aprender um instrumento. O Sr. Arcênio entrou em contato com um primo,
também músico, Cesarino Perondini e, iniciaram as aulas de teoria musical. Os irmãos que
escolheram o instrumento clarinete. Mais tarde Renor também foi aprender saxofone.
Quando seu professor constatou que eles estavam preparados procurou o Maestro
da Banda “Lira de Serra Negra”, indicando os alunos para ingressarem na Banda. Porém,
somente seriam admitidos se fossem tocar sax de harmonia, como eles já tocavam
instrumento de canto resolveram não ingressar na Banda e, passaram a realizar bailes na zona
rural. Em 1957, Enzo Perondini sabendo da qualidade dos músicos, através de Cesarino,
entrou em contato e convidou os irmãos para fazerem parte do bloco de carnaval “Vai com
Jeito”. Após os festejos, permaneceram como clarinetistas da Banda “Renato Perondini”,
assim como, outros músicos serranos. Quando a Banda “Renato” encerrou suas atividades
eles migraram para a “Lira”. Seu irmão Edino permaneceu na “Lira” até início dos anos de
1980. Renor continuou instrumentista da Banda e atualmente é o 1º clarinete. Foi membro da
diretoria por inúmeras vezes, inclusive exercendo o cargo de Presidente, por dois mandatos e
hoje é o seu Vice Presidente. Nas décadas de 1970 e 1980, foi saxofonista do Conjunto
“André & Orchestra” e, participou de inúmeros carnavais ao longo dos anos. Trabalhou com
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os maestros: Cesarino Perondini, Fioravante Lugli, Ângelo Lamari, João Galo Corato, André
Afonso Bertini, Claudio Bernardino Marques e Roberto Siloto Perondini. Estava com 72 anos
por ocasião da entrevista.
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DEPOENTE: ROBERTO SILOTO PERONDINI


Entrevista realizada em julho de 2011.

Roberto Siloto Perondini, natural de Serra Negra,


nascido em 02 de setembro de 1947, filho de Arcênio Perondini e
Maria Siloto Perondini. Oriundo de uma família de imigrantes
italianos, agricultores e musicistas, assim como seus irmãos Edino e
Renor teve o privilégio de ouvir as histórias do Corpo Musicale “Umberto
I”, pois seu pai e tio foram musicistas da banda italiana. Antes mesmo de
ser alfabetizado já lia partituras, tendo em vista que sempre acompanhou
seus irmãos nos estudos musicais. O instrumento escolhido foi o
bombardino. Seu irmão Renor foi seu professor e, em 1960, foi convidado
por Enzo Perondini para fazer parte da Banda “Renato Perondini”. Porém,
antes do ingresso, apresentou-se diante do Maestro Fioravante Lugli, cuja
audição ocorreu na residência do Maestro, que aprovou o jovem
instrumentista. Roberto em seu depoimento lembrou que ficou muito
apreensivo e envergonhado diante de Fioravante Lugli, que era uma
referência entre os músicos. Iniciou na “Renato”, aos 13 de idade e participou de todas as
apresentações da banda, inclusive as ocorridas no Rio de Janeiro e Santos. Em 1967 já estava
tocando na Banda “Lira de Serra Negra”. Em 1971 entrou para o “André & Orchestra”.
Decorridos alguns anos obrigou-se a afastar-se do meio musical por motivo de saúde,
retornando como percussionista da Banda “Lira”. Em 1998, após alguns problemas internos
na “Lira”, assumiu a regência da Banda e, desde então é o seu Maestro. A sua importância
como instrumentista rendeu-lhe uma homenagem do compositor e Maestro João Galo Corato,
que lhe dedicou um dobrado. No início da década de 2000, reuniu um grupo de músicos para
se apresentar nos festejos do carnaval, com um repertório só de marchinhas, a sua iniciativa
agradou tanto que, atualmente, é atração obrigatória nos carnavais serranos. Também foi
responsável pela criação da Bandinha Itinerante, que se apresenta, nas principais ruas da
cidade, sendo mais uma atração para serranos e visitantes.
Trabalhou com os maestros: Fioravante Lugli, Ângelo Lamari, João Galo Corato,
André Afonso Bertini e Claudio Bernardino Marques. Estava com 64 anos por ocasião da
entrevista.
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DEPOENTE: IRINEU EVANGELISTA CAZOTTI


Entrevista realizada em julho de 2011.

Irineu Evangelista Cazotti, natural de Serra


Negra, nascido em 26 de agosto de 1939, filho de Orlando
Cazotti e Laura Avona Cazotti, membro de uma família de
imigrantes italianos e agricultores. Irineu trabalhou na
lavoura de café, assim como seu irmão e, também, músico
Dirceu. Durante alguns anos foi caminhoneiro transportando
água mineral para várias regiões do Brasil. Iniciou seus
estudos ainda jovem, tendo como professores Aymoré Dallari, Benedito Mattedi e Fioravante
Lugli; seu instrumento é o saxofone.
Assim como seus parceiros musicais foi convidado por Enzo Perondini para
integrar à Banda “Renato Perondini”, permanecendo até o encerramento de suas atividades.
Foi instrumentista do Conjunto “André & Orchestra”, de 1980 a 1996 e, caprichosamente,
registrou todas as apresentações, indicando os meses e as respectivas cidades; durante sua
permanência na orquestra realizaram mais de 800 shows. É saxofonista da Banda “Lira” e,
também, foi integrante de bandas das cidades vizinhas.
Trabalhou com os maestros: Cesarino Perondini, Fioravante Lugli, Ângelo
Lamari, João Galo Corato, André Afonso Bertini, Claudio Bernardino Marques e Roberto
Siloto Perondini. Estava com 72 anos por ocasião da entrevista.
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DEPOENTE: JOSÉ GERALDO DECHETTI VICENTINI


Entrevista realizada em agosto de 2014.
José Geraldo Dechetti Vicentini, natural de Serra Negra,
nascido em 01 de julho de 1941, filho de José Vicentini e Adelina
Dechetti Vicentini, neto de imigrantes italianos. Geraldo sempre
trabalhou como comerciante. Oriundo de uma família de músicos,
interessou-se pela arte musical desde tenra idade. Aprendeu teoria
musical com seus primos Geraldo e Renato Lugli. O seu primeiro instrumento foi o acórdeon,
era aluno de Vanilde Albertini. O seu principal incentivo foi assistir as apresentações da
Banda “Lira de Serra Negra”, pois os seus primos eram integrantes da mesma, além do
clarinetista Antonio Brioto, amigo de seu pai.
O músico Enzo Perondini quando obteve conhecimento de suas qualidades
musicais o convidou para integrar o bloco de carnaval “Vai com jeito”, que mais tarde se
transformou na Corporação Musical “Renato Perondini”; nessa ocasião iniciou seu
aprendizado em sax de harmonia, interessando em seguida pelo trombone. Ainda, muito
jovem participou de todas as apresentações da Banda “Renato”, incluindo as viagens e
concertos em outras cidades. Devido a sua musicalidade foi convidado para integrar a Banda
“Lira de Serra Negra”, passou então, a atuar nas duas bandas existentes na cidade. Quando a
“Lira” precisou de bombardino, ele se propôs a aprender esse instrumento. Nesse período
adquiriu um trompete, cuja intenção era estimular seu irmão ao aprendizado musical, mas ele
não se adaptou ao instrumento.
Depois que a Banda “Renato” encerrou suas atividades, Geraldo dedicou-se
somente à “Lira de Serra Negra” e, quando necessitou aumentar o naipe de sopros com mais
trompete, ele passou a estudar o instrumento e, desde então é trompetista da “Lira de Serra
Negra”. Em 1974, recebeu uma homenagem, sendo considerado o músico do ano. Foi
instrumentista do conjunto “André & Orchestra”, desde sua primeira formação,
permanecendo até 1988. Também integrou o conjunto “Os Notáveis”, do músico Armando
Menegatti, além de participar de inúmeros bailes de carnaval. Participou de bandas das
cidades vizinhas de Amparo e Monte Alegre do Sul. Trabalhou com os maestros: Cesarino
Perondini, Fioravante Lugli, Ângelo Lamari, João Galo Corato, André Afonso Bertini,
Claudio Bernardino Marques e Roberto Siloto Perondini. Estava com 73 anos por ocasião da
entrevista.
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DEPOENTE: JOSÉ VANDAIR PASSADORE MUNIZ


Entrevista realizada em setembro de 2016.

José Vandair Passadori Muniz, natural de


Serra Negra, nascido em 04 de fevereiro de 1970, filho
de Nadir Betin Muniz e Lídia Passadori Muniz. Como
pertencente a família de agricultores o depoente como o
seu irmão também, trabalharam na lavoura de café.
Vandair aprendeu o ofício de encanador e eletricista,
tornando um profissional muito respeitado em Serra Negra. Iniciou seus estudos musicais aos
13 anos, na Escola de Música do Bairro da Serra, com o Maestro Fioravante Lugli, assim que
começou seu aprendizado musical optou por tocar saxofone. Depois de três anos frequentando
a escola rural, encaminhou-se para a Corporação Musical “Lira de Serra Negra”. A sua
facilidade para o aprendizado musical chamou atenção do músico André Afonso Bertini que o
convidou para integrar o conjunto de baile “André & Orchestra”. A fim de aprimorar a
execução do repertório da orquestra, André se prontificou a dar aulas particulares para
Vandair. Aos 15 anos o músico já participava de todos os shows do conjunto. Catalogou todos
os bailes que participou até a sua saída, em 1998. Desligou-se da Banda “Lira”, por alguns
anos e foi convidado para ser instrumentista da Banda de Música na cidade vizinha de
Amparo/SP. Voltou para “Lira” em 2007, ocupando o lugar de 1º saxofonista da Banda.
Trabalhou com os maestros: Fioravante Lugli, João Galo Corato e Roberto Perondini. Estava
com 46 anos por ocasião da entrevista.
60

...vivemos mergulhardos em um
oceano de sons. Mergulhados em
sons. E em música. Em todo lugar, a
qualquer hora. Respiramos música,
sem nos darmos conta disso ...

(Gino Stefani,1987)
61

2 - A CONSTITUIÇÃO DA CIDADE DE SERRA NEGRA

2.1- A FORMAÇÃO DA CIDADE E OS CÓDIGOS DE POSTURAS.

Antonio Cândido de Melo e Souza, ao esclarecer como foi se constituindo o


povoamento do interior paulista, afirma:

[...] estas considerações adquirem maior clareza quando encaramos a evolução por
que passaram, freqüentemente, as cidades paulistas. No início, moradores
segregados. Em seguida, ereção de capela, em patrimônio doado, que atraía lojas e
depois algumas casas. Daí, passava a freguesia, já com o núcleo de população
esboçado. O povoado subia a vila, chegando afinal a cidade. Nestes casos, a
população rural ia se ampliando na periferia, onde apareciam novos bairros, que
passavam a vila, e assim sucessivamente, sertão adentro [...] (CÂNDIDO, 2003, p.
100)

Em 23 de setembro de 182826, a cidade de Serra Negra elevou-se à categoria de


Capela Curada.

D. Manuel Joaquim Gonçalves de Andrade, pr mercê de Deus, e Confirmação da Sé


Apostolica Bispo de São Paulo, do Conselho de S. M. I. & & &. Aos que esta N.
Provisão virem Saúde, e Benção em o Senhor, Fazemos saber q. Attendendo Nos ao
q. pr. sua pam. representarão os Povos da Capella de N. Snra. do Rozario da Serra
Negra filial de Mogy merim deste N. Bispado, tendo em consideração a longa
distancia com asperos caminhos, em que estão pa. procurarem em suas respetivas
Parochias o pastor espal., e conhecendo Nos depois das mais serias, e exatas
informaçoens o qto. convem q. S. M. I. ali erija hua Parochia o que ora levamos a
Sua Augusta Preza., em qto. isto senão verifica querendo Nos da nossa pte. minorar
todos os encomodos destes Povos, pr. bem espal., e temporal seu Havemos pr. bem
pela preze. erigir, e constituir a da. Capella da Serra Negra Curada [...](SIQUEIRA,
1934, p. 119)

Fez-se a solicitação de 9 de setembro de 1828, através de uma petição assinada


por um grupo formado por 200 cidadãos, proprietários de terras, que já se encontravam
instalados na região do pequeno povoado de Serra Negra. A intenção da referida petição era
de que o povoado, já denominado “Capela”, fosse elevado a “Freguesia”; porém, o pedido foi
atendido parcialmente, designando-se “Capela Curada”27.

Os Povos da Capela de Nossa Senhora do Rosário da Serra Negra, por mais uma vez
tem recorrido a V. Exa., pedindo remédio, para o desamparo em que se acham os
socorros espirituais, por se acharem afastados da vila de Bragança 9 léguas e de

26
Segundo Siqueira, o texto foi transcrito do Livro de Registro de Provisões do ano de 1828 fls. 5.v., arquivado
na Cúria Metropolitana de São Paulo. A certidão da provisão foi fornecida pelo diretor do Arquivo, o Sr. F.de
Salles Collet e Silva.
27
Capela Curada: título oficial dado pela igreja católica a uma vila com determinada importância econômica e
populacional.
62

Mogi, sete. V. Exa., por sua paternal bondade tem acolhido com benignidade aos
clamores dos suplicantes, já enviando-lhes para que os socorra, já nomeando-lhe o
Padre Antonio do Prado, as qualidades de Capelão curado...que este Padre faleceu...
É por isso que os suplicantes vêm de novo aos pés de V. Exa., implorar a esmola de
elevar a Freguesia aquela Capela para assim ficar remediado os vexames que
(passam) os Suplicantes.
P.P. a V. Exa. Por sua alta providencia se digne deferir-lhes o implorado. O Alferes
Joaquim José Pires[...](JOSÉ, 1999, p.35)28

O Alferes Joaquim José Pires foi quem encabeçou a assinatura do documento.


Entre os assinantes constava o nome de Lourenço Franco de Oliveira, que mais tarde foi
designado como o fundador oficial da cidade. Este, juntamente com João Franco e José
Antonio Pedroso, doou uma área, em cujo local erigiu-se a primeira capelinha de Serra Negra,
dedicada a Nossa Senhora do Rosário29.

Uma capela representava, nessa época, - como, aliás, até hoje – o centro obrigatório
da sociedade rural, onde, nas missas dominicaes, nas novenas festivas e nos terços
vespertinos, se fraternisavam pela mesma crença os moradores de toda a
redondeza... Escolheu-se para tal uma planície na fralda da serra Negra, distante
mais ou menos de seis kilometros das Três Barras e onde já havia duas ou três casas
de construção primitiva, cobertas de sapê. (SIQUEIRA, 1934, p. 117).

O documento datado de 23 de setembro de 1828, primeiro registro oficial de Serra


Negra, durante muito tempo concordou que o seu povoamento se iniciou nas terras de
Lourenço Franco de Oliveira, no Bairro das Três Barras; porém existem outros dados que
permitem traçar novas possibilidades sobre tal origem. Roberto Pastana Teixeira Lima (1998,
p.59), nos seus levantamentos, admite a hipótese de que a região que atualmente compreende
os municípios de Serra Negra e Amparo fazia parte de uma velha rota denominada “Rumo do
Pirapitinguy” e que em um espaço descampado criou-se um pouso bandeirista30.
Na mesma área do “Rumo do Pirapitinguy” formaram-se dois bairros fronteiros;
um conhecido por Bairro do Brumado, o qual atualmente pertence ao município de Amparo;

28
É importante frisar que na relação dos nomes dos cidadãos que assinaram o documento, no final, o escrivão
Francisco Martins da Silva reconheceu as firmas assinadas perante ele; umas eram de próprio punho e outras
eram marcadas com o sinal da cruz, sendo nominadas por ele e pelo Alferes Joaquim José Pires, pois nem todos
eram alfabetizados.
29
Nesse período Serra Negra pertencia juridicamente à Vila de São José de Mogi Mirim. Na obra de Saint-
Hilaire, Viagem à província de São Paulo, o autor narra sua passagem por Mogi Mirim, em 1819, e suas
impressões sobre o pequeno povoado e seus arredores. Descreve que as terras eram muito férteis e apropriadas
para o cultivo da cana-de-açúcar, cuja produção era enviada para o Rio de Janeiro e São Paulo. Durante os anos
de 1818 a 1823 muitos mineiros afortunados migraram e se estabeleceram na região de Mogi. Descreve também
sua estada em um engenho de cana, denominado Pirapintingui ou Pirapitingui (do guarrani, piratitagi- peixe
quase vermelho) antes de seguir viagem para Campinas. (ps. 142-146)
30
O “Pouso Pirapitinguy” situava-se no caminho São Paulo – Goiás.
63

outro, o Bairro dos Leaes31, pertencente a Serra Negra. Segundo os dados fornecidos por
Lima, nesta região havia a prospecção de ouro, extraído em pequenas quantidades, supondo-
se que o povoamento nestas terras iniciou-se ainda no século XVIII. O que corrobora tal
hipótese é a pesquisa que Sebastião Pinto da Cunha realizou sobre a ocupação oficial do
território de Serra Negra, afirmando que o primeiro registro que encontrou diz respeito a uma
propriedade adquirida por José Rodrigues de Oliveira e sua esposa Isabel Cardoso no ano de
1804, localizada entre os bairros Brumado e Leaes:

Valentim da Silva Pinto e Appolinária Ribeiro, eis o primeiro casal que habitou o
território de Serra Negra, segundo documentação existente. Em 19 de maio de 1804
venderam a José Rodrigues de Oliveira (apelidado José Leal) e sua mulher, Isabel
Cardoso, a propriedade denominada (Bromado), correspondente ao atual Bairro do
Brumado e Bairro dos Leais. A escritura foi lavrada no livro nove, folha 49, do 1º
Tabelião de Moji Mirim. (CUNHA, s/d, p.5).

Através dos dados apresentados possibilitou-se uma análise prévia do pequeno


povoado de Serra Negra e seu entorno. O núcleo da futura cidade era formado pela capela em
homenagem a Nossa Senhora do Rosário e por algumas casas ao seu redor; indica-se,
outrossim, que o número de moradores era ínfimo, que a área rural contava com maior
número de habitantes32 e que, além da agricultura de subsistência, havia na região plantação
de cana-de-açúcar. Se na Petição dos Povos foram colhidas 200 assinaturas, pressupõe-se que
parte dos cidadãos eram proprietários de terras, possuíam famílias e agregados e que esses
habitavam toda a área rural da Capela Curada de Serra Negra. Não foi possível dimensionar
cada propriedade, mas admite-se que nesse período é que se iniciou a formação dos bairros.
Segundo Antonio Cândido:

O bairro, com efeito, podia ser iniciado por determinada família, que ocupava a terra
e estabelecia as bases de sua exploração e povoamento. Com o tempo, conforme
tendência visível em todo o povoamento de São Paulo, antes da imigração
estrangeira, atraía parentes, ou filhos casados que se estabeleciam, bem como os
genros, etc. Ao fundamento territorial, juntava-se o vínculo da solidariedade de
parentesco, fortalecendo a unidade do bairro e desenvolvendo a sua consciência
própria. (CÂNDIDO, 2003, p.101)

De acordo com Cândido (2003), várias denominações de bairros levavam o nome


dos primeiros proprietários. Em Serra Negra isso também ocorreu, razão pela qual existem os

31
A denominação do Bairro encontra-se grafada como “Leaes” e “Leais”.
32
O primeiro censo encontrado data de 1872; Serra Negra possuía 4.980 habitantes, sendo 224, na condição de
escravos.
64

bairros “da Ramalhada” (família Ramalho), “dos Costas”, “dos Cunhas”, “dos Leaes”, “dos
Rodrigues” e “dos Francos”. Mesmo sendo grandes propriedades com poucas famílias, as
relações de vizinhança eram mantidas, especialmente no período eleitoral e nas festas
religiosas.
Demoraria mais treze anos para a Capela Curada ser elevada à categoria de
Freguesia, o que ocorreu em 12 de março de 1841, através da Lei nº 173.

Rafael Tobias de Aguiar, Presidente da Província de São Paulo etc. Faço saber a todos os seus
habitantes, que a Assembléia Legislativa Provincial decretou, e eu sanccionei a Lei seguinte:
Artigo 1º - Ficam erectas em freguezia as capellas curadas do Campo Largo do município da
villa de Coritiba e da Serra Negra do município da villa de Mogy Mirim, o presidente da
província lhes marcará os limites. Artigo 2º - Ficam revogadas as disposições em contrário.
(CALDEIRA, 1935, p. 57).

A condição de Freguesia proporcionou um novo status ao povoado, inclusive em


relação às funções político-administrativa, judicial, fazendária e fiscalizadora.
Regulamentou-se o cargo de Juiz de Paz, entre cujas atribuições estava a de coordenar as
eleições. No livro Ata de Registros de Eleições, com termo de abertura de 7 de setembro de
184233, encontrou-se o documento mais antigo sobre a atuação dos Juízes de Paz em Serra
Negra. Tal cargo instituiu-se através do Regulamento das Câmaras Municipais do Império, de
01 de outubro de 1828, que no artigo 88 cita as atribuições dos juízes de Paz 34:

Os juízes de paz são os privativos para julgarem as multas por contravenção ás


posturas das câmaras a requerimento dos procuradores dellas, ou das partes
interessadas: e no processo seguirão o disposto nas leis, que regulem suas
atribuições.

A atuação do Juiz de Paz se restringia ao município ou distrito. Era eleito em suas


comunidades, aplicava e supervisionava o estabelecido no Código de Posturas e julgava
pequenas demandas nas áreas criminal e cível. A pesquisa realizada por Telarolli (1981)
mostra que
Os juízes de paz foram as autoridades do poder judiciário que mais contato tiveram
com os aspectos da vida local e mais influência exerceram sobre sua vida política, já
que cada distrito de paz, menor circunscrição territorial do Estado, era servida por
três deles. Eram escolhidos mediante eleições diretas, em número de 3 para cada
distrito, com mandato por 3 anos, cada um deles servindo por um ano na ordem da
votação obtida. (TELAROLLI, 1981, p. 181)

33
Ata de Eleições – ano 1842. Arquivo Câmara Municipal de Serra Negra. Tombo 149.
34
Regimento das Câmaras Municipais do Império do Brasil. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert,
1857.
65

No âmbito criminal sua função era de reunir provas, interrogar os suspeitos e


encaminhar o feito ao seu superior hierárquico. Também dentre suas competências estava a de
prevenir e destruir qualquer agrupamento de escravos fugitivos, como os quilombos35.
Em Serra Negra, o Juiz de Paz atuou em várias circunstâncias sempre seguindo as
determinações legais. O eleito trabalhava em processos da área criminal. No acervo do
judiciário serrano consta um processo criminal de 1845, cujos autos relatam que um homem
foi assassinado a facadas por seu cunhado e coube ao Juiz de Paz suplente, o Sr. João
Rodrigues de Freitas, dar andamento à primeira fase do processo. Determinou-se a lavratura
do auto de corpo de delito do cadáver e a oitiva de testemunhas. Como se tratava de um crime
hediondo, a jurisdição foi encerrada e encaminharam-se os autos para o Termo de Mogi
Mirim, cessando a atuação do Juiz de Paz serrano.
Através da lei de nº 651 de 24 de março de 1859, sancionada pelo Presidente da
Província José Joaquim Fernandes Torres, Serra Negra elevou-se à categoria de Vila e, com
as novas atribuições, os habitantes incumbiram-se da construção da Cadeia e da Casa de
Câmara36.
Somente em 1885, Serra Negra passou à condição de cidade, quando o Presidente
da Província José Luiz de Almeida Couto sancionou a Lei de nº 113. Através do Decreto 114
de 30 de dezembro de 189037, criou-se a comarca.
O Governo do Estado attendendo as representações que lhe dirigiram a intendência
municipal de Serra Negra e muitos moradores do termo do mesmo nome, a respeito
da necessidade de ser creada nelle uma comarca, e considerando serem procedentes
os fundamentos daquellas representações;
Decreta:
Artigo 1.º - Fica creado a comarca de Serra Negra constituída pelo termo do mesmo
nome que se desliga da comarca de Amparo, com as divisas actuaes.
Artigo 2.º - A sede da comarca será a cidade de Serra Negra.
Artigo 3.º - Revogam-se as disposições em contrario.
O secretario do Governo o faça publicar
Palácio do Governo do Estado de São Paulo, 30 de dezembro de 1890.
JORGE TIBIRIÇA

35
Flort (1986) e Telarolli (1981) discutem em suas obras as atribuições dos Juízes de Paz nos pequenos
povoados, inclusive analisam as denúncias de corrupção praticadas por eles, o despreparo jurídico e o vínculo
com as lideranças políticas locais. As atribuições foram se alternando ao longo dos anos e, com a Lei 2222/1927
criou-se o cargo de Juiz Substituto. Com a reforma o Juiz de Paz passou a exercer sua função somente junto aos
Cartórios de Registro Civil, oficializando casamentos. Interessante destacar a peça teatral O Juiz de Paz na Roça
(1842), em que o autor Martins Pena descreve de forma jocosa alguns acontecimentos envolvendo um Juiz de
Paz.
36
Segundo Siqueira (1934, p.127) a primeira cadeia foi construída no local em que atualmente localiza-se a
agência do Banco Itaú S/A.
37
Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Departamento de Documentação e Informação.
www.alesp.org.br – acesso em 02/02/2014.
66

Entre 1859 e 1890, Serra Negra, na condição de Vila, passou por várias
transformações e, através da análise dos Códigos de Posturas, constatou-se algumas mudanças
ocorridas, além da substituição da mão de obra escrava pelo trabalho dos imigrantes.
As Posturas designam as leis ou os decretos municipais, instituídos em benefício
de uma coletividade, nos quais, ao lado das normas de conduta a serem seguidas pelos
munícipes, fixam-se penas e multas a serem impostas a todos os que se mostrem
transgressores ou infratores dos preceitos nelas instituídos38.
Lapa (2008, p.54) aponta que “as posturas municipais constituem fonte primária
fundamental para o estudo da urbanização do interior de São Paulo, identificando-se na
maioria de suas disposições independentemente do tamanho da cidade”, acrescentando ainda
a importância desses documentos como instrumentos reguladores da vida urbana, e afirma
ainda que eles foram produzidos e alterados de acordo com a evolução e transformação da
cidade.
Foram encontrados quatro Códigos de Posturas de Serra Negra, sendo o mais
antigo de 1875, com aditamento de 03/06/1877, seguindo-se o de 1886, com alterações de
alguns artigos conforme resolução de 22/08/1888. Regulamentou-se o de 1905, em 18 de
novembro, através da Lei nº 51 e, em 1919 encontrou-se o último Código de Posturas.
Ressalte-se que em ata lavrada em 01 de fevereiro de 1896 constam alterações de alguns
artigos referentes às Posturas regularizadas através da Lei de nº 14 de 14 de novembro de
1885, porém, não se encontraram mais informações sobre as Posturas de 188539.
Considerando os quatro Códigos mencionados, é possível constatar que nos
intervalos desses anos ocorreram mudanças significativas, e que houve a necessidade de
alterações e reformulações dos artigos presentes nos sobreditos códigos.
O Código de Posturas de 1875 é composto de oito capítulos com 91 artigos.
O primeiro capítulo referia-se ao “Alinhamento, Elegância e Regularidade dos
Edifícios”, deliberando de forma detalhada sobre as larguras das Ruas, as metragens das casas
térreas e sobrados, incluindo os diâmetros das portas e janelas.

Art. 1º. As Ruas e travessas novas que para o futuro se formarem nesta Villa,
conterão a largura de 13m, 20.

38
De Plácido e Silva. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Companhia Editora Forense, 2001.
39
Ata da Câmara. Acervo Câmara Municipal de Serra Negra tombo nº 91.
67

Art. 2º As portas dos prédios será construído ou reedificado sem assistência do fiscal
e arruador, para darem o alinhamento competente e fazerem guardar a symetria,
elegância e regularidade de que mencionão os parágrafos seguintes.
§ 1.º As casas, sendo térreas, deverão ter pelo menos 4m, 40 de altura, e as de
sobrado, 7m, 92 para cima, sendo as soleiras levantadas do nivelamento da Rua 22
centímetros.
§ 2.º As portas dos prédios que se edificarem ou reconstruírem terão de altura duas
terças de seus pés direitos, e de largura 1m, 10. As Janellas guardarão para com as
portas, em altura a mesma proporção que estas guardão para com os pés direitos
(dous terços), sendo, porém, os espelhos inferiores de quatro palmos de altura,
inclusive o peitoril, tendo de largura 1m, 10.40

As construções eram sempre supervisionadas por um fiscal e pelo arruador.


Segundo Lapa (2008), tratava-se de um profissional contratado pela Câmara cuja
especialidade voltava-se para construção, podendo ser engenheiro ou mestre de obras41.
O capítulo II tratava da comodidade e segurança pública, normatizando tudo o que
se relaciona às ruas da cidade, como a proibição de lançar quaisquer imundices, “fazer
estrumentos ou lançar cousas corruptas”. Também estabeleceu regras para a criação de
animais domésticos, definindo as áreas com cercado e mediante pagamento de impostos
destinados às obras da Igreja Nossa Senhora do Rosário. Ainda nesses capítulos, estipulam-se
regras de convivência entre os vizinhos, com as divisões dos quintais e pastos.
Nas Posturas abordaram-se outros pontos sobre os espaços públicos, proibindo
corridas com cavalos, soltar buscapés e tiros; a estes dois últimos a permissão era dada
somente nas festas de Santo Antonio, São João e São Pedro.
As formas de divertimento seguiam regras: além das festas religiosas permitiam-
se apresentações de cavalhadas e cavalinhos, teatros e espetáculos dentro da moral pública e
as “congadas que fazem os pretos pelo Natal”.
A instalação de fábricas de fogos de artifícios com pólvora e espetáculos de touros
só poderiam ocorrer nos arredores da cidade.
No Capítulo III regulamentou-se a abertura e manutenção das vias públicas,
estradas municipais e caminhos. Os cidadãos moradores das áreas urbana e rural eram
convocados para executarem as referidas tarefas. Cada morador ou proprietário obrigava-se a
prestar serviços, que consistiam no fornecimento de mão de obra, sendo que dois terços dos
homens de cada casa eram convocados, incluindo os escravos. A empreitada consistia em

40
Código de Posturas disponível no site da Assembleia Legislativa de São Paulo.
www.al.sp.gov.br/alesp/normas. Acesso em 17/02/2014.
41
No Código de Posturas de 1886, a função do arruador é mais bem definida, disposto no Capítulo XI, que
dispõe sobre os empregados da Câmara.
68

abrir ou manter um determinado trajeto e, para executar os trabalhos, designavam-se aqueles


que eram proprietários ou moravam no local beneficiado. Supervisionava o serviço um
inspetor previamente nomeado pela Câmara Municipal, que controlava a assiduidade e
horário dos “colaboradores”. Caso houvesse algum problema aplicavam-se multas
previamente definidas nas Posturas. Com o término dos serviços no respectivo trajeto,
findava-se a convocação dos envolvidos nas tarefas42.
Havia também a preocupação com a preservação dos mananciais de água,
proibindo-se a pesca que utilizasse venenos e cercos e/ou que comprometessem a saúde
pública.

CAPÍTULO IV
Dos Rios
Art.45. É prohibido cercar águas que passão nos terrenos da Villa. É igualmente
prohibida a pescaria por meio de parys, cercos, timbós e outros ardis, ou por
venenos que possão prejudicar a saúde pública. O contraventor será multado em
20$000 e obrigado a repor as águas em seu primitivo estado.
Art. 46. É prohibido lavarem-se roupas ou quaesquer outros objectos sujos, acima
das bicas de águas desta Villa, bem como lançar objectos sujos que prejudiquem a
limpeza e saúde pública; multa de 30$000 ao contraventor, além da obrigação de
fazer a limpeza das águas a sua custa.

Tratou-se da agricultura, no Capítulo V, com um único artigo proibindo a queima


de roçados sem o aviso prévio aos confrontantes e respeitando as delimitações dos terrenos.
Regulamentou-se também o comércio, no Capítulo VI, determinando os valores das licenças
de funcionamento, de acordo com o tipo de produto, a inspeção sobre pesos e medidas e
adulteração dos alimentos. Havia itens específicos para a comercialização do café, cultivo e
plantação de fumo, e a fabricação e venda de aguardente.

42
A supervisão era rigorosa e as multas eram aplicadas corriqueiramente, porém havia a possibilidade de
recorrer da punição. Foi o que fez o cidadão José Vieira de Carvalho. No dia em que foi convocado para a
abertura de um caminho no Bairro do Barrocão, José não pode ir. Justificando o ocorrido ele apresentou um
requerimento na seção da Câmara Municipal de Serra Negra, realizada em 05 de maio de 1895, solicitando a
reconsideração da aplicação da multa de 10 mil réis, narrando que a sua ausência foi suprida com a ida de outra
pessoa, mas o inspetor recusou a substituição. Como apresentou testemunhas o requerimento foi deferido e a
multa suspensa. Ata da Câmara Municipal de Serra Negra, Tombo nº 03. ACM 03. Durante muitos anos a
manutenção das vias públicas e caminhos foi regulamentada pelas Posturas Municipais. Quando o poder público
assumiu a responsabilidade alguns problemas surgiram. Dentre eles estava a cobrança de taxas e impostos sem a
contrapartida da execução de melhoramentos das estradas municipais que serviam a área rural. Em abril de 1950,
apresentou-se um requerimento na Câmara Municipal, contestando o valor exorbitante das taxas cobradas na
década de 1940, argumentando ainda que a Prefeitura não efetuara nenhum melhoramento nas estradas rurais e
que “não se admite taxa de conservação de estradas municipais, quando é certo, certíssimo, que a Prefeitura não
conservou qualquer estrada municipal no exercício de 1949”. O pedido solicitava a dispensa do pagamento da
taxa de conservação referente ao ano de 1949 e a redução do valor desse imposto. O requerimento contou com
assinatura de 95 proprietários, representantes de todos os bairros rurais do município de Serra Negra.
69

O Capítulo VII destinou-se à segurança e à tranquilidade pública, incluindo a


proibição de jogos de azar, a prática de esmolas e, de forma sucinta, havia a preocupação com
epidemias como a bexiga, em que os doentes eram obrigados a deixar a cidade. Destarte,
obrigou-se a população a comparecer às campanhas de vacinação.
O último capítulo tratou das disposições gerais, referindo-se o art. 90
especificamente aos escravos, porém o art. 58 também aludia aos cativos. É importante frisar
que qualquer descumprimento dos artigos constantes do Código de Postura penalizava-se com
multas.

Art.58 – É prohibido negociar com escravos, sem bilhete de seu senhor; multa de
20$000 ao contraventor e 15 dias de prisão .

Art. 90.- Todo escravo fugido que for capturado dentro deste Município e fechado
na Cadêa desta Villa, o senhor do escravo ou pessoa que apresentar documentos
competentes do senhorio, pagará, sendo habitante do Município desta Villa, 12$000
ao Fiscal; sendo o escravo de outro Município, pagará 30$000; dessa quantia o
Fiscal tirará no primeiro caso, 4$000, e no segundo, 6$000 para a Câmara, pagas as
despesas da somma entregará ao apprehendor do escravo a titulo de gratificação,
pagas as despezas de carceragem e sustento do preso, e seu curativo se tiver
adoecido, pelo senhor do escravo, sem o que não lhe será entregue.

Em maio de 1875 ocorreu um aditamento ao Código de Posturas sobredito,


acrescentado alguns artigos estipulando multas e impostos de patentes e licenças.
Nesse período, segundo os dados apresentados no Almanak da Província de São
Paulo para 187343, Serra Negra já estava direcionando sua produção agrícola para a produção
do café, pois suas terras “são muito apropriadas para á cultura do café, pelo que é ella
geralmente adoptada por seus habitantes”. Registraram-se 97 fazendeiros, sendo 86 com
atividades direcionadas à cafeicultura e 11 desenvolvendo o plantio de cana-de-açúcar44.
Embora com um perímetro urbano pequeno, a cidade se expandia e constituíram-
se novos estabelecimentos, tanto que, através da Resolução nº 19 de 16 de março de 1876
regulamentou-se o Mercado da Vila de Serra Negra, estipulando o horário de funcionamento,
alugueres, tipo de produto a ser comercializado, multas e atribuições do administrador.

43
ALMANAK DA PROVÍNCIA DE SÃO PAULO para 1873, organizado e publicado por Antonio José
Baptista de Luné e Paulo Delfino da Fonseca. Edição Fac-Similar. Imprensa Oficial do Estado S. A. São Paulo,
1985. (425/427).
44
Apêndice 2 – Quadro de Fazendeiros de Café e Fazendeiros de Cana-de-Açúcar.
70

ESTABELECIMENTOS COMERCIAIS / ARTES/ INDÚSTRIAS E OFÍCIOS

Quantidade Tipos
03 Negociantes de Fazendas
04 Negociantes de Fazendas e Molhados
06 Negociantes de Molhados
01 Alfaiates
06 Carpinteiros
02 Ferreiros
01 Marceneiros
01 Sapateiro

Quadro nº 01. Estabelecimentos Comerciais. Serra Negra, período de 1873. Fonte: Dados do Almanak da
Província de São Paulo. Quadro elaborado pela pesquisadora.

Siqueira (1934) descreveu o perímetro urbano em 1875 e a necessidade de


ampliação; para tanto, a Câmara resolveu abrir mais uma rua, porém o proprietário de um
terreno por onde a mesma passaria recusou-se a cedê-lo e, segundo depoimento colhido de
uma testemunha do fato, o Capitão Francisco Pinto da Cunha45, abriu-se a Rua da Várzea
mesmo sem a autorização do proprietário.

Numa bella manhã, aqui aportava, chefiando um decidido grupo de filhos do


pitoresco povoado, Salvador de Almeida. Reuni-se a alguns serranos. E, a golpes de
foice, abriu a Rua que hoje se chama cel. Pedro Penteado. Estava dessa maneira,
summariamente resolvida a questão que tanto preoccupou os velhos edis desta
cidade. (SIQUEIRA, 1934, p. 129)46

Ainda segundo Siqueira, Serra Negra possuía na década de 1870, 4.750


habitantes, sendo 224 escravos; o único edifício era o da Matriz e contava com 85 fogos e
duas escolas, sendo sua delimitação:

[...] Rua Visconde do Rio Branco chamava-se Rua de Santa Cruz; a José Bonifácio,
Rua das Flores; a Saldanha Marinho, travessa do tanquinho; a Prudente de Moraes
(anteriormente Luis Leite), Rua Direita; a Tiradentes, Rua de Santo Antonio ou Rua
da Ponte. A Rua 7 de Setembro, que nessa época não possua a extensão actual,
chamava-se Rua do Commercio. Havia também o largo de São Benedito, actual
praça da Independência47, e o largo da Matriz, que hoje se chama Praça Lourenço
Franco de Oliveira. (SIQUEIRA, 1934, p. 128/129).

45
Capitão Francisco Pinto da Cunha, conhecido como Chico Ramos, chefe político local, cujos seguidores eram
conhecidos como “ramistas”.
46
A princípio a rua foi designada como Rua da Várzea, pois se localizava no Bairro da Várzea; em 1887 passou
a chamar-se Rua da Liberdade e, finalmente, no período republicano denominou-se Rua Cel. Pedro Penteado,
nome que perdura até a atualidade, sendo a principal rua do comércio da cidade de Serra Negra.
47
Atualmente: Praça Barão do Rio Branco
71

Ilustração nº 02 - Panorama de Serra Negra, 1908- Apresentando a área urbana da cidade, com as duas
Ruas principais: Rua Cel. Pedro Penteado (abaixo) e Rua Sete de Setembro, com alguns sobrados.
Cedida por Alcebíades Felix. Acervo da pesquisadora.

As posturas regulavam a convivência de moradores e atividades nesse núcleo


central, sendo somente alguns de seus artigos específicos destinados à zona de arrabalde.
Nesse aspecto, Lapa enfatiza que:
[...] a linha que delimita a área considerada urbana pela distribuição de edificações e
o traçado de vias e praças era chamada quadro. Essa era a área compreendida pelo
conjunto de preceitos municipais, geralmente codificados, representados pelas
posturas que normatizavam a ordem pública a ser cumprida pelos munícipes [...]
(LAPA, 2008, p.54)

Os divertimentos também estavam presentes nas posturas, com suas proibições e


permissões, conforme os artigos editados na resolução 69 de 1875:

Art. 32 – É prohibida dentro da Villa a dansa de batuque e cateretês48, em geral todo


o ajuntamento com algazarras e vozerias que possão incommodar o socego publico;
multa de 20$000 ao dono da casa e 2$000 por pessoa que formar o ajuntamento,
quer que seja feito dentro de casa, quintal, Ruas dos pateos, além de serem desfeitos
os mesmos ajuntamentos. Se, porém, este for feito por escravos, serão recolhidos à
Cadêa, e, depois de paga a multa pelos senhores, serão postos em liberdade.
Art. 33 – São permitidas as congadas que fazem os pretos pelo Natal, as quaes não
devem exceder as horas de recolhida, e quando exceção, serão dispersas, e no caso
de desobediência, serão recolhidos a Cadêa os contraventores por 24 horas.

48
Manifestações culturais de negros e indígenas.
72

Em 07 de junho de 1886, aprovou-se o novo Código de Posturas serrano pela


Província de São Paulo, este mais elaborado e ampliado que o anterior. Compunha-se de 14
capítulos e 230 artigos, além das recomendações da postura de 1875. Os acréscimos
demonstram que a cidade estava sob nova configuração, com capítulos específicos sobre o
uso e manutenção do matadouro público e do mercado municipal. A iluminação pública
também ganhou destaque, sendo que no artigo 189 recomendou-se que deveria “começar às
seis horas da tarde no inverno, e às sete no verão, conservando-se os lampeões accesos até as
duas horas da manhã seguinte”.
A nova Postura tratou, sobremaneira, da estrutura administrativa da cidade. Em
seu Capítulo XI relacionaram-se os cargos referentes aos empregados da Câmara, como:
secretário, fiscal, procurador, porteiro e arruador. Entre os artigos 205 a 214 discriminaram-se
os deveres, as punições e as gratificações dos funcionários. Outro capítulo que chamou a
atenção é o de número XII, que diz respeito aos valores dos impostos, em cujos artigos
incluíram-se os impostos sobre serviços, oficinas e profissões como os advogados, que
deveriam pagar a taxa anual de 15$000, quando domiciliados na cidade, e 30$000, os vindos
de outros lugares para exercerem suas atividades.
A nova configuração da cidade também pode ser exemplificada pelo aumento e
diversidade dos estabelecimentos comerciais, bem como o salto significativo em relação à sua
população, que quase dobrou. Comparando-se ao levantamento datado de 1872, a população,
que era estimada em 4.980 habitantes, chegou, em 1886, a 9.620 habitantes A cidade contava
com quatro edifícios: a Igreja Matriz e a Igreja de São Benedito, a Casa de Câmara e Cadeia,
um pequeno teatro, além das casas térreas e três sobrados49.
Nesse mesmo ano de 1886, o café tornara-se o principal produto da lavoura, cuja
produção média anual era de 3.000.000 de quilogramas, seguido da cana-de-açúcar, com a
produção de 21 mil litros de aguardente50. Serra Negra nesse período começava a vivenciar
uma vida urbana mais bem estruturada, apesar da maioria da população concentrar-se na área
rural. Implantaram-se muitos estabelecimentos comerciais na cidade, a fim de atender às
necessidades da população.

49
RELATÓRIO apresentado ao Exmo. Sr. Presidente da Província de São Paulo pela Comissão Central de
Estatísticas, Leroy King Bookwalter, São Paulo: Tipografia King, 1888
50
Idem Relatório de 1888.
73

ESTABELECIMENTOS COMERCIAIS/FÁBRICAS

Quantidade Tipos
05 Fábricas de açúcar e aguardente
03 Máquinas de beneficiar café
02 Lojas de fazendas, ferragens e armarinho
04 Armazéns de secos e molhados
03 Farmácias
02 Hotéis
02 Açougues
06 Padarias
02 Sapatarias
02 Selarias
04 Ferrarias
03 Marcenarias
03 Foguetarias
02 Casas de bilhar
03 Olarias
01 Fábrica de cerveja

Quadro nº 2. Estabelecimentos Comerciais. Serra Negra, período de 1886. Fonte: Dados do


Relatório Provincial de 1888. Quadro elaborado pela pesquisadora.

Além da população de homens livres, em dez anos também aumentou


consideravelmente a população escrava. No Código de Posturas de 1886, a questão referente à
escravidão apresenta mais artigos em relação às posturas de 1875.

ANO POPULAÇÃO
Livres Escravos
1872 4.756 224
1886 9.148 472

Quadro nº 3. População de Escravos, período de 1872 e 1886. Fonte: Dados contidos na


obra São Paulo dados Demográficos 1836-1920. Quadro elaborado pela pesquisadora.

Entre os artigos relacionados aos escravos estão:


Art. 49 – Os donos de casas de jogos lícitos que consentirem nellas jogar escravos
ou filhos de famílias sem consentimento de seus pais ou tutores, incorrerão na multa
de 20$000.
Art. 53 – É prohibido andarem com escravos com ferro ao pescoço ou nos pés pelas
Ruas da cidade. O senhor que assim for encontrado será multado em 20$000, salvo o
escravo estiver fugido.
Art. 54 – É prohibido passarem com escravos amarrados ou algemados pelas Ruas
da cidade, a não ser conduzido pela polícia. O infractor será multado em 20$000.
74

Art. 65 – Ninguém poderá comprar à escravos café, assucar, aguardente ou qualquer


cousa de valor, sem bilhete dos respectivos senhores ou administradores, sob pena
de multa de 30$000 e oito dias de prisão.
Art. 66 - Nenhum negociante permittirá em sua casa ajuntamento de escravo por
mais tempo do que o necessário para comprar ou vender, sob pena de multa de
10$000.

Os referidos artigos permitem algumas observações, como que a aplicação de


castigos aos escravos era de conhecimento de todos, tendo como ressalva que a parte
desumana não deveria ser explicitada, como andar pelas ruas com ferros ao pescoço ou nos
pés. O cativo não era merecedor de confiança, pois as mercadorias em seu poder, a princípio,
poderiam ser roubadas. Maria Odila Leite da Silva Dias (1995), analisando a condição
feminina em São Paulo no século XIX, levantou dados que permitem afirmar que eram
comuns denúncias sobre a prática de pequeno comércio realizado por escravos e libertos,
sendo que

[...] com a eventual conivência de proprietários brancos de pequenas vendas,


tabernas, ranchos, que a lei procurava reprimir, pressupondo não somente a venda
clandestina, que era fato generalizado, mas a agravante (conforme reiteravam as
denúncias) de se tratar de um comércio de objetos roubados. (DIAS, 1995, p. 159)

Por outro lado, o ponto comercial não poderia ser encarado como um espaço de
lazer para os cativos, mas nem sempre as normas eram cumpridas a rigor, como aponta Lapa,
para Campinas:

Como temos visto, a frequência e participação no comércio era objeto de diversas


normas. Assim, as tabernas, botequins e armazéns eram locais que muitos escravos
elegiam para seus contatos e desrespeitos àquelas normas. Só eram consentidos
quando se dirigiam para esses estabelecimentos com a finalidade de fazer compra,
não podendo demorar mais que o tempo necessário para tal ato. (LAPA, 2008,
p.290).

No entanto, são poucos e raros os dados encontrados sobre os escravos que


residiram em Serra Negra para além dos números de habitantes já mencionados: em 1872, 224
escravos e em 1886, 472 indivíduos; nos Dados Demográficos realizados pelo
Nepo/Unicamp, registra-se que, dos 472 escravos, 268 eram homens e 204 eram mulheres.
Outra informação do referido levantamento diz respeito aos filhos livres das escravas
matriculadas e averbadas até 30 de junho de 1886. Com a promulgação da Lei do Ventre
75

Livre, em 1871, 172 pessoas foram beneficiadas em Serra Negra, mas os novos libertos
permaneceram residindo nas terras dos proprietários de suas respectivas mães51.
Corrobora ainda para a lacuna existente a posição de alguns autores que trataram a
questão escravocrata em Serra Negra de maneira superficial e com informações imprecisas,
como salientou Siqueira (1934, p. 131), “mas, sobre a repercussão da Lei Áurea nesta
localidade, nenhum documento importante encontramos. A esse respeito, também a tradição
oral bem pouca guarda. E esse pouco é confuso, contradictorio”.
Têm-se também as afirmações encontradas nas obras de Caldeira (1935) e Felix
(2012), as quais simplesmente enaltecem os cidadãos serranos pela atitude nobre ante o
sistema escravocrata, sem nenhuma menção às fontes pesquisadas ou quaisquer
52
questionamentos .

Em sua maioria, os nossos agricultores sentiam aversão pela escravatura, sendo


constantes os casos de libertação espontânea dos escravos por parte dos respectivos
senhores, muito antes, mesmo, de aparecerem os primeiros rumores prenunciando a
campanha de que resultou a lei de 13 de maio de 1888 (CALDEIRA, 1935, p. 62)

Fato digno de registro é que muito antes da campanha que resultou na lei de 13 de
maio de 1888, Serra Negra não registrava nenhum escravo. (FELIX, 2012, p. 24)

Nesse primeiro momento da história da cidade de Serra Negra, desde a sua


fundação até a transição da mão de obra escrava para a livre, encontram-se pouquíssimos
dados sobre o aspecto musical. No entanto, lembrem-se as proibições registradas nos códigos
de posturas que não permitiam que houvesse danças de batuques e cateretês, toques de viola e
outros divertimentos semelhantes, permitindo-se congadas somente no Natal. Nas Posturas
dos anos de 1905 e 1919, após a Lei Áurea, estranhamente tratou-se o tema.

Art. 82
Só serão permittidas as congadas nos dias de festa e mediante autorisação do
delegado de polícia, e isto só depois de satisfeito o imposto de 20$000.
§ único.
São prohibidos: os sambas, batuques, funcçoes, danças de São Gonçalo e outras
congêneres, sob pena de multa de 20$000. (Posturas de 1905)

51
São Paulo do Passado. Dados demográficos 1836 -1920. Um instrumental de trabalho (p. 92 e 97)
www.nepo.unicamp.br/publicacoes/versos.html, acesso em 20/03/2014.
52
Será necessária uma pesquisa mais aprofundada do tema e uma das possíveis fontes é o acervo do judiciário
serrano, que poderá contribuir para uma análise criteriosa da escravidão serrana, contrapondo as citações
mencionadas, que se baseiam no senso comum. O acervo do judiciário da Comarca de Serra Negra contém ações
que envolveram escravos e seus proprietários, são feitos de natureza cível e criminal e abrangem as décadas de
1870 e 1880.
76

Art. 93 – É expressamente prohibido sob pena de multa de 20$000:


17 º - Promover sambas, batuques e funcçoes dentro do perímetro urbano da cidade
e povoações. Os bailes públicos cobrando entradas e os sambas e congadas por
occasiões de festas, são permitidos depois de pagos os impostos devidos e
licenciado o empresário ou responsável pela autoridade policial. (Posturas de 1919)

Todos os artigos e multas com certeza não evitaram manifestações que


envolvessem os escravos e seus descendentes, pois, mesmo de forma distante, elas
permaneceram nas lembranças de algumas pessoas, como a narrada pelo músico Silvio
Bertolini, que, relembrando sua infância, contou o que, por volta de 1933, ele ouvia em sua
casa, no bairro rural das Três Barras:

No lado oposto do vale, em uma choupana, moravam uns remanescentes dos


escravos que diariamente faziam seu batuque e cantos saudosistas, como um clamor
que juntava as saudades e as lamentações próprias desse povo. As pancadas surdas
de seus bumbos e atabaques ainda soam nos meus ouvidos como algo presente
(BERTOLINI, 2009, p. 62).

Outro registro interessante é o de 25 de janeiro de 1896, quando uma corporação


musical executou o Hino Nacional em uma seção extraordinária na Câmara Municipal,
convocada para a inauguração de uma galeria de retratos, e contou também com a presença
das autoridades locais e público em geral. Nesse evento os homenageados foram: o Marechal
Floriano Peixoto, o Presidente da República, Prudente José de Moraes Barros, e o Presidente
do Estado, Bernardino José de Campos.

Ilustração nº 03 - Trecho da Ata da Seção da Câmara Municipal de 25/01/1896. Fonte: Acervo da Câmara
Municipal.

Não se encontraram mais informações sobre essa Banda de Música.


Possivelmente era formada por artistas serranos, pois a presença de alguns músicos ficou
registrada no cenário musical da cidade nas primeiras décadas do século XX, como a do
músico e maestro Cezarino Teixeira de Barros, que também exercia o cargo de escrivão do
77

Juizado de Paz da Comarca de Serra Negra; o músico, maestro e professor de música José
Rodrigues da Silva Munhoz, também oficial de justiça; e o músico violinista Ariovaldo do
Amaral Campos, professor de música, maestro e compositor53. Segundo Rocha (2007),
Ariovaldo estudou em um conservatório na cidade de Campinas e suas obras teriam sido
destruídas por sua esposa, logo após o seu falecimento.

Foto nº 2. O músico Ariovaldo do Amaral Campos, 1908. Foto realizada em estúdio. O músico
aparece executando seu instrumento e regendo. Foto cedida por Maria Eloíza Patrício de Toledo.
Acervo da pesquisadora.

No final do século XIX iniciou-se o processo de imigração para Serra Negra.


Muitos imigrantes foram trabalhar na área rural, na cafeicultura; outros tantos se
estabeleceram na cidade, desempenhando seus respectivos ofícios, principalmente os
italianos, que trouxeram em suas bagagens um instrumento musical e, logo ao chegar,
preocuparam-se em organizar uma sociedade de mútuo socorro e uma banda de música, como
bem narra Franco Cenni.

As bandas musicais constituíram um elemento típico dos agrupamentos italianos,


em qualquer latitude, nas grandes cidades ou mesmo nas fazendas perdidas em
lugares longínquos. Muitos imigrantes tinham trazidos de sua terra natal, entre
poucas outras coisas, um instrumento musical, uma trompa, um corno ou uma
flauta, com os quais haviam acompanhados os cantos durante a interminável
travessia. Nos lugares de trabalho já havia outros com um clarim ou com um

53
Esses músicos foram muito atuantes em Serra Negra, inclusive convivendo e influenciando os músicos
imigrantes italianos.
78

trombone, e assim ia-se formando um quinteto que, com mais alguns instrumentos
adquiridos após laboriosas economias, transformava-se em uma pequena banda de
10 a 15 figuras, até que esta se completasse com tambores e pratos. Algumas, nos
mais afastados rincões, nem sempre conseguiam realizar o grande sonho de se
uniformizar ao menos com um bonnet, mas outras contavam com trajes completos e
se compunham de grande número de músicos, quase sempre bigodudos, a soprar
com energia em trombones e bombardinos. (CENNI, 1975, p.240)

Foto nº 03. Corpo Musicale “Umberto I” de Serra Negra, década de 1900. Atrás dos músicos a bandeira
da banda. Ao centro, sem instrumento, o Maestro Vincenzo De Benedictis; ao seu lado direito, Alberto
De Benedictis com trompete entre os joelhos; o próximo é Zacharias Quaglio, com clarineta apoiada na
coxa esquerda. Fotógrafo: C Giuliano. São Paulo. Foto cedida por Guilherme Della Guardia. Acervo da
pesquisadora.
79

2.2 – O DESENVOLVIMENTO DE SERRA NEGRA A PARTIR DA IMIGRAÇÃO:


ASPECTOS ECONÔMICOS E MUSICAIS

Depois que meu avô veio, isso foi lá em Santo Aleixo54, não foi em Serra Negra,
então já era tempo de apanhar café. E meu avô tava apanhando café assim. Quando
estava apanhando café, passou o feitor que ia levando comida para os escravos. Os
escravos estavam trabalhando mais prá cima que meu avô. E meu avô trabalhava no
tempo de escravo, mas separado. Mas ele cumprimentou meu avô. – Bom dia,
Domingo, como vai? Ele ia indo lá. Sabe o que é bruaca?
É uma espécie de jacá, mas é de couro. Cheio de angu. Dois cochos. Um burro
levava dois cocho e o outro burro a bruaca de virado. E lá estendia aqueles cochos
assim. Chamava um preto para ajudar desatar a carga. Despejava no cocho, dava um
empurrão para lá e pra cá. E a negrada vinha. ...Quando foi uma certa hora, o sino da
fazenda bateu. Bateu o sino! O meu avô não sabia mais o que fazer. Porque era
ordem de quando o sino batesse na fazenda, para tudo se apresentar. Meu avô já
tinha o meu pai. Já tinha 12 anos. – Mas, Pedro, você vai na fazenda e peça para o
administrador o que que tá acontecendo? Aí o menino, daí deu três pulo e pulou lá
na fazenda e foi falar com o administrador: – Ah! Diga pro seu pai, que não é nada
com ele. Diga que pode trabalhar. É que agora os negros ficaram gente que nem
nóis. Agora ficara gente também... Aí foi lá e falou, pro meu avô: – Ah! Pai, ele
disse que não é nada com o senhor não, senhor pode trabalhar, que agora os negro
ficaram gente que nem noi. – Será que fica? O menino ainda falou: - Porco cane é
vero!!. Não demorou muito a gritaiada de negro. Não comeram virado aquela vez.
Despejaram por aquele cafezal afora. – Temo forro, temo forro!!!. Aí meu avô ficou
lá:- Mai temo forro. O que, que é esse temo forro? Temo forro. O que, que é esse
temo forro?55 (Armínio Silotto, 1997, Serra Negra /SP).

2.2.1 A chegada dos imigrantes em Serra Negra

A família do Sr. Armínio Silotto chegou ao Porto de Santos em 1887, vindo de


Motta Di Livenza, Treviso. Na viagem estavam seu bisavô Bartholo, com 90 anos, seus avôs
Domênico e Santa Seraphina e quatro filhos, entre eles, seu pai Pedro. Uma das crianças, com
quatro anos, não aguentou a viagem e faleceu durante a travessia56. A fala do Sr. Armínio

54
Santo Aleixo é um bairro rural de Serra Negra, antes denominado Bairro do Pary, onde estava localizada a
fazenda de João Pires Baptista, proprietário de vários escravos, entre eles Adão e Abel, réus condenados na
primeira seção de júri, no ano de 1886, na Comarca de Serra Negra.
55
A narração permite observar que o imigrante Domingos (Domênico) Silotto ficou questionando a felicidade
dos escravos, parecia não entender : ... temo forro...temo forro.... (Estamos alforriados! Estamos livres!).
56
As péssimas condições de viagem são narradas por Angelo Trento (1988, p. 44/45). O autor descreve que o
número de passageiros era bem superior às vagas disponíveis, vinham acomodados em beliches espalhados pelo
convés e até dormiam diretamente no assoalho. A alimentação não era adequada, os imigrantes estavam sujeitos
a várias doenças, sendo que a viagem poderia durar até 30 dias, todas essas condições aumentavam o índice de
mortalidade, principalmente a infantil. Verena Stolke (1993, p. 44) observa que, além das condições da longa
viagem, outros fatores contribuíram para o falecimento de inúmeros imigrantes, entre crianças, idosos e adultos.
A autora cita o traslado entre o Porto de Santos e as fazendas, as condições climáticas e alimentares, fatores esses
agravados pela miséria.
80

sugere que os imigrantes que vieram juntamente com seus familiares já estavam
comprometidos com um determinado fazendeiro.

O fazendeiro ia soltar a escravidão... mas o fazendeiro segurou... porque custava


muito caro o escravo também, para o fazendeiro. Daí também iam se quebrar
também com a fazenda. Aí seguraram mais dois anos. O meu avô veio, ainda existia
a escravidão. O fazendeiro, de certo grande, comprou a imigração que estava meu
avô. E ai ele tinha que fazer dois anos, depois de o fazendeiro comprar, o imigrante
tinha que fazer dois anos, sem conversar.... (Armínio Silotto, 1997, Serra Negra/SP).

Nos contratos entre os imigrantes e os fazendeiros incluíam-se algumas cláusulas


e, de acordo com Stolke (1993, p.43), o fazendeiro é quem financiava a viagem, inclusive os
gastos dos traslados entre os portos e as fazendas, forneciam ainda a alimentação e as
ferramentas de trabalho. Instalavam-se as famílias em casas individuais, nem sempre em boas
condições. Também, concedia-se um pedaço de terra para realizarem pequenas plantações de
subsistência. A dívida contraída deveria ser liquidada pelo imigrante e somente depois haveria
a possibilidade de mudança para outro local de trabalho, na área rural ou urbana. Talvez seja
esse o motivo descrito pelo Sr. Armínio pelo qual seu avô teve que permanecer por dois anos
na primeira fazenda em que se estabeleceu, sem direito a nenhuma “conversa”, ou seja, sem
nenhum tipo de acordo, antes de pagar a dívida.
A família Silotto, assim como outros imigrantes que foram trabalhar na área rural,
conviveu com os escravos nos anos que antecederam a Lei Áurea. Não foram localizados
registros sobre esse convívio distanciado; a princípio parece que era pacífico, visto que
encontramos a presença de dois imigrantes italianos, Domingos Zanoni e Domingos
Morganti, atuando como testemunhas de defesa do escravo Casimiro, em uma Seção do Júri
em 188757.
Stolke (1993), que também aborda em sua pesquisa a divisão de trabalho entre
escravos e imigrantes recém-chegados, afirma que as casas destinadas a abrigar as famílias
imigrantes foram construídas separadamente das senzalas. O trabalho também era
diferenciado: aos escravos cabia a tarefa de preparação do solo, plantação de novas mudas de
café e a manutenção das culturas de subsistência que abasteciam a fazenda; aos imigrantes
restavam as tarefas do cultivo e da colheita do café, geralmente no sistema de ameia.
Depois de trabalhar por doze anos no sistema de ameia, a família Silotto, graças a
um significativo pecúlio, conseguiu comprar um sítio no Bairro das Três Barras, em Serra

57
Referente ao processo criminal 1887 – Acervo da Comarca de Serra Negra/SP,
81

Negra (70 alqueires de terra). Antes de se tornarem proprietários, os Silottos trabalharam na


fazenda do José Antonio da Silveira58 por 10 anos. Narrou Sr. Armínio que o proprietário,
conhecido como Juca Preto, ficou “muito sentido” com a saída deles e sugeriu que ficassem
trabalhando na fazenda por mais um ano, pois no sítio que haviam comprado o antigo
proprietário já realizara a colheita do café naquele ano e eles não teriam renda tão cedo59.
De acordo com a pesquisa de Zuleika Alvim, os fazendeiros brasileiros preferiam
contratar o grupo familiar, ao invés de trabalhadores assalariados.

Suas justificativas apoiam-se em dois argumentos: o trabalho familiar


permitiria ao fazendeiro maior exploração sobre a mão-de-obra, uma vez que
se pagavam salários pelas tarefas e não por indivíduos e, ainda, que as
unidades familiares abrandariam a tendência de abandono do trabalho,
garantindo maior estabilidade da mão-de-obra nas fazendas. (ALVIM, 1986,
p. 12)

O trabalho infantil estava integrado ao trabalho familiar, pois desde cedo os filhos
menores eram encarregados de pequenas tarefas, como o cuidado dos animais ou levar o
almoço e o lanche até o local onde os mais velhos estivessem trabalhando60.
Ainda segundo Alvim (1986, p.87), as mulheres, além dos serviços domésticos,
ocupavam-se das hortas e do cuidado com animais, participavam da plantação e da colheita
das diversas culturas, pois “a divisão de tarefas implicava necessariamente no trabalho de
todos e garantia as necessidades básicas da família”.
Vários imigrantes que eram agricultores e chegaram para trabalhar nas lavouras
permaneceram nessa atividade, inclusive adquirindo suas próprias propriedades. Outros
agricultores se aventuraram no ramo comercial, na área urbana, como os pais dos depoentes
Oswaldo e Irineu Saragiotto, os quais eram oriundos de Padova. A família chegou ao Brasil
em 1892. A princípio trabalharam em uma fazenda na cidade de Laranjal Paulista, depois se
mudaram para Serra Negra, estabelecendo-se como comerciantes.

58
Segundo Ferrari (2013, p. 137) a família Silotto permaneceu por 10 anos como meeiros nas propriedades de
José Antonio da Silva.
59
Membros da família Silotto ainda são proprietários, no Bairro das Três Barras, das terras remanescentes da
primeira compra realizada por Domingos Silotto. Os descendentes Décio e Alfeu Silotto mantêm a tradição da
feitura do vinho, inclusive a uva que utilizam é da variedade “Jacks”, cuja primeira muda Domingos trouxe da
Itália, no final do século XIX. Produzem também cachaça e recebem visitantes para degustação nas
dependências do Sítio São Pedro.
60
Na fala de Sr. Armínio ele apontou a presença de seu pai, Pedro, então com 12 anos, entre os trabalhadores
italianos.
82

Petrone (1984, p.59/61), aponta que, depois de conseguir comprar um pedaço de


terra, o imigrante construía uma casa, quando não havia habitação no lote comprado;
organizava em volta uma horta e um pomar; construía ainda estábulos, galinheiros e um paiol.
Optava-se pela policultura, pois a ideia era ser autossuficiente. O excedente era vendido e
alguns itens eram plantados com o intuito de serem comercializados. Dedicava-se a uma
cultura de maior rentabilidade. O comércio dos produtos ocorria praticamente durante o ano
todo, pois plantavam de acordo com as estações, oferecendo aos fregueses urbanos mandioca,
milho, feijão, verduras e frutas, além de fubá, farinha de milho, vinho e cachaça.
A pesquisa realizada por Della Guardia (1987) demonstra que, embora o maior
fluxo de famílias italianas para a cidade de Serra Negra tenha ocorrido a partir do ano de
1887, existem indícios de imigrantes já estabelecidos por volta de 1870. Catalogou-se a
chegada de 631 imigrantes italianos, suas profissões e locais de origem. Observou-se também
que 425 eram lavradores, oriundos principalmente das regiões do Vêneto e da Toscana.
Segundo esse pesquisador, acredita-se que Serra Negra recebeu em torno de 800 famílias.
Uma das dificuldades para se obter um número exato da população estrangeira
fixada na região tem relação com a movimentação desses imigrantes, pois muitos que
chegaram a Serra Negra num primeiro momento não permaneceram na cidade. Alguns
voltaram para Europa depois de alguns anos, outros se mudaram para diversas cidades ou
ainda emigraram para Argentina, Estados Unidos e Canadá, países tidos como melhores
destinos. Entretanto, não foi possível precisar o número de imigrantes que chegaram a Serra
Negra de forma subsidiada. Sabe-se, porém, que nem todos eram de origem rural. Eles
aproveitaram os incentivos governamentais e dos fazendeiros para conseguirem realizar a
viagem, depois buscaram se estabelecer em seus ofícios de origem transferindo-se para a área
urbana.
Nesse aspecto, enfatiza Trento (1989, p.130) que “o mundo do trabalho urbano
oferecia outras possibilidades de inserir-se, principalmente nas camadas mais baixas”. Entre
os ofícios estavam os de barbeiro, sapateiro, alfaiate, marceneiro, ferreiro, pedreiro e
marmorista.
O levantamento de Della Guardia (1987) elenca algumas das atividades e o
número de profissionais imigrantes que se estabeleceram em Serra Negra no final do século
XIX e início do século XX, como demonstra o quadro a seguir:
83

Alfaiates 05 Industriais 03
Artistas- músicos 04 Lavradores 255
Canteiro 01 Lavradoras 170
Carpinteiro 05 Marceneiros 04
Carroceiros 03 Médico 01
Comerciantes 25 Mecânicos 05
Construtores 05 Motoristas 04
Costureiras 03 Oleiro 01
Do lar 70 Operários 27
Eletrotécnicos 01 Pedreiros 10
Encanadores 02 Perito industrial 01
Ferreiros 03 Professoras 02
Ferroviários 02 Religiosas 04
Guarda-chuveiros 01 Relojoeiros 01
Guarda – livros 02 Sapateiros 05
Hoteleiros 03 Seleiros 02

Quadro nº 4. Imigrantes e suas profissões. Fonte: Quadro extraído do livro:


Imigração Italiana em Serra Negra: 1887-1987. Della Guardia, Guilherme. Serra
Negra, 1987, p.105/106.

2.2.2 – Os trilhos da Mogiana e o café

De acordo com Trento (1989, p. 108), “os municípios onde mais se fez sentir a
presença dos italianos foram os situados na zona de fronteira da expansão do café, ou seja, nas
áreas ao longo das ferrovias Mogiana e Paulista”.
Os trilhos da Mogiana chegaram a Serra Negra no ano de 1892, vindos da cidade
vizinha de Amparo61, que foi a pioneira na região a receber a ferrovia, em 1878. Os trilhos
seguiram para Monte Alegre do Sul, atingindo, finalmente, em 1909, a cidade de Socorro62.
Ferrari (2013, p.185) enfatiza a importância dos funcionários e operadores da
Mogiana, pois, além do maquinista, do foguista63 e do vendedor de bilhetes, existiam os
responsáveis pela carga, descarga e conferência das mercadorias, o telegrafista que
61
Entre Serra Negra / Amparo a extensão da linha era de 41 quilômetros e a viagem durava 2:15hs.
62
O Ramal da Mogiana de Serra Negra foi desativado no ano de 1956. O Prefeito Irineu Saragiotto apresentou
um Projeto de Lei em 17 de maio de 1957, solicitando a abertura de crédito adicional com a finalidade de
adquirir da Companhia Mogiana de Estrada de Ferro o terreno e o respectivo prédio que abrigava a estação,
tendo em vista não ter logrado êxito a tentativa de doação do imóvel para o Município. A lei foi aprovada e a
área passou a pertencer à municipalidade.
63
Foguista era o responsável pela reposição da lenha e fervura da água.
84

comunicava a partida de cada trem e eventuais problemas na linha e os trabalhadores que


realizavam a limpeza da linha, retirando troncos de árvores, terra e pedras.
A inauguração do ramal em Serra Negra foi de vital importância para o
escoamento da produção do café, que aumentava anualmente. O cultivo do café, iniciado em
meados de 1870, atingiu em 1886 a produção média anual de 3.000.000 de quilogramas. A
princípio, a produção era transportada nos lombos de animais até o Porto de Santos, como
lembrou o depoente Claudio Corsetti:
...o que salvou Serra Negra foi o trem, porque podia exportar... porque o pessoal do
Juca Preto levava o café para Santos, em 25, 30 cavalos, tudo com café no lombo,
dos dois lados. Então depois fundaram o trem, então Serra Negra começou a crescer,
porque aqui sempre produziu muito café. E de primeiríssima qualidade. Um café
diferente. (Claudio Corsetti, 2013, Serra Negra/SP)

De 1878 a 1892 conduziu-se o café para a estação da cidade de Amparo. Depois


da instalação da linha ferroviária em Serra Negra, as fazendas que não foram beneficiadas por
um “braço” da ferrovia (como as propriedades localizadas próximas as estações de Brumado e
Santo Aleixo), continuaram transportando a produção até a cidade nos lombos dos animais e
nas carroças.

Foto nº 04. Trem da Mogiana, passando pelas propriedades rurais numa manhã de inverno, com muita
geada. Década de 1930. Foto cedida por Nestor Leme. Acervo da pesquisadora.
85

A chegada da família de Sylvino de Godoy64, oriunda de Campinas, ocorreu três


anos após a inauguração do ramal férreo em Serra Negra. O narrador elencou todas as
pequenas estações ferroviárias em que o trem da Mogiana passou em seu trajeto, descrevendo,
ainda, o seu encantamento ao ver as montanhas tomadas pelos cafezais.

Foi numa tarde pálida e morna do mês de agosto de 1895, que desembarcamos em
Serra Negra, final de um ramal férreo da Mogiana, com a bitola reduzida para
sessenta centímetros, a partir de Amparo. Porque éramos muitos, meus pais, cinco
irmãos e minha cunhada com o seu primeiro rebento no colo, além dos criados,
ocupamos todo um vagãozinho de primeira classe e, sob uma verdadeira chuva de
fagulhas e fumaça escura, cheirando a carvão de pedra, sinuosamente, entre
montanhas cobertas de café, alcançamos a primeira estação, Alferes Rodrigues, de
onde se descortinava um panorama a perder de vista. Pudemos, então, respirar um
pouco de ar puro para, logo mais, caminharmos de novo, ziguezagueando pelos
verdejantes cafezais que se estendiam continuadamente, até novas paradas em mais
de três pequenas estações: Pantaleão, Brumado e Santo Aleixo.
Chegamos. Aliás a maquinazinha, com repetidos e estridentes apitos, disso mesmo
nos avisara. Foi depois de uma grande curva da linha que vimos a pequena estação
de Serra Negra, onde desembarcamos sob a curiosidade de meia dúzia de pessoas
(GODOY, 1970, p.1-2).

A chegada dos imigrantes motivou tanto o aumento populacional quanto o do


número de fazendeiros de café. Em 1890 Serra Negra contava com 10.649 habitantes, mais
que dobrando sua população, quando comparada àquela de dezoito anos antes e um aumento
considerável em 1900.

ANO POPULAÇÃO
1872 4.980
1886 9.620
1890 10.649
1900 27.683
1905 21.684
1912 22.000
1916 24.682
1920 22.960
1925 26.699
1929 31.829

Quadro nº 05. População em 1872 / 1929. Fonte: Anuário Demographico.


1925/1929. Quadro elaborado pela pesquisadora.

64
Sylvino de Godoy foi um dos sócios do jornal Correio Popular, fundado em Campinas, em 1927, por Álvaro
Ribeiro.
86

Para atender as necessidades do número crescente de habitantes que a cidade


recebia, foi necessária a abertura de novas atividades comerciais, novos estabelecimentos de
serviços, além da ampliação do lazer. A nova dinâmica da cidade se estabeleceu com rapidez,
porque parte do contingente de imigrantes permaneceu na área urbana.

Quantidade Tipos
06 Alfaiates
05 Barbeiros
05 Caldeireiros e funileiros
10 Carpinteiros e marceneiros
07 Ferreiros e serralheiros
01 Fogueteiros
53 Negociantes
04 Ourives e relojoeiros
02 Sapateiros
607 Fazendeiros de Café

Quadro nº 06. Estabelecimentos Comerciais. Serra Negra, período de 1905. Fonte: Dados do
Almanack Laemmert de 1906. Quadro elaborado pela pesquisadora.

Os dados dos quadros acima apontam que Serra Negra, em 1905, estava com
21.684 habitantes, contava com 607 fazendeiros de café e a produção da rubiácea estava em
torno de 400.000 arrobas65. O aumento dos recursos circulantes justificava os novos postos de
serviços e as atividades comerciais, criados na zona urbana. A produção cafeeira influenciou
mudanças também na área rural, pois, a partir do final do século XIX, implantaram-se pontos
comerciais, como o instalado no Bairro dos Leaes, onde o imigrante sírio-libanês João Felix
instalou sua loja de fazendas e armarinhos, como lembrou o depoente Alcebíades Felix.

Quando meu avô chegou aqui, ele se estabeleceu em Serra Negra, João Felix. Aí ele
trocou a casa daqui com o Bairro dos Leaes e lá ele pôs um armazém de secos e
molhados, tecidos, etc. [...] no Bairro dos Leaes, aquela casa em frente a Igreja
Santo Antonio. (Alcebíades Felix, 2014, Serra Negra/SP.)

65
Almamak Laemmert, 1906.
87

LOJAS DE FAZENDAS E ARMARINHOS NOS BAIRROS

Proprietário Bairro
Armando Pivello Leaes
Coli & Comp. Serra de Baixo
Domingos Morganti Macacos
Hercules Lamari Costas
Humberto Nicoleti Serra de Cima
Irmãos Nóbrega & Cia Santo Aleixo
João Felix Leaes
Luiz Martini Tabaranas
Manoel Gonçalves Cerdeira Leaes
Pedro Moretti Serra de Cima
Sebastião Tolentino da Silva Barreiro

Quadro nº 07. Lojas de Fazendas e Armarinhos/ área rural. Serra Negra, período de 1912.
Fonte: Dados mencionados no Almanack de Serra Negra, 1913. Quadro elaborado pela
pesquisadora.

Destarte o ciclo cafeeiro influenciou também as construções na área rural, já que,


a partir do final de 1870, em algumas propriedades erigiram-se os edifícios-sedes das
fazendas, conforme demonstra a pesquisa realizada por Marialice Faria Pedroso (1998)

Fazendas / Bairro Ano de construção


Fazenda Campinho / Brumado 1900
Fazenda Chave Pires / Santo Aleixo 1890
Fazenda Chave Preta/ Tabaranas 1908
Fazenda Fortaleza do Rumo /Brumado 1880
Fazenda Monjolinho / Macacos 1887
Fazenda dos Pinheiros / Bairro da Serra 1900
Fazenda Santo Aleixo / Santo Aleixo 1877
Fazenda Santo Antonio / Bairro da 1870
Serra
Fazenda Macaquinho / Macacos 1890

Quadro nº 08. Edifícios-sede das fazendas. Serra Negra, período de 1870-1908.


Fonte: Dados levantados na pesquisa de Pedroso, Marialice Faria: Arquitetura
das Fazendas de Café de Amparo, Monte Alegre do Sul e Serra Negra, 1998.
Quadro elaborado pela pesquisadora
88

Apesar do aumento do número de casas comerciais, alguns imigrantes que se


fixaram em Serra Negra como comerciantes não conseguiram manter suas atividades. Um
desses casos diz respeito aos membros da família Lamari66. Os Lamari chegaram ao Brasil em
1890, provenientes da Província de Collemandina - Lucca – Toscana. Instalados em Serra
Negra, munidos de um certo capital, os irmãos Gabriel e Raphael compraram inúmeros
imóveis na área urbana e montaram um armazém de secos e molhados no centro da cidade.
A Sociedade Gabriel Lamari & Irmão manteve-se até o ano 1904. Em 30 de
setembro de 1904 propuseram junto ao Fórum local a ação de Convocação de Credores67. Os
sócios alegavam que estavam sendo afetados com a crise no comércio e não queriam
prejudicar seus credores. Na época da propositura da ação, o patrimônio em mercadorias era
composto por 211 itens, incluindo roupas, caçarolas, lápis, vinhos, entre outros. Na prestação
de contas registraram-se 21 devedores e 37 credores, e todo o patrimônio dos irmãos foi
utilizado para o pagamento da referida dívida.
Apesar da primeira crise na cafeicultura, em 1906 a produção em Serra Negra
continuava a crescer e, segundo os dados do Almanaque de 1913, passou para 640 mil arrobas
anuais e havia

aproximadamente 8 milhões de cafeeiros em tratamento e produção, subdivididos


por 620 lavradores. Destes, 11 são possuidores de mais de 100 mil, 8 de mais de 70
mil, 60 aproximadamente tem 1 a 2 mil cada um, e os restantes de 2 a 70 mil
cafeeiros (Almanaque de Serra Negra, 1913, p.78).

Os estabelecimentos comerciais obtiveram, entretanto, um considerável aumento,


com significativo destaque para os proprietários de origem italiana. É interessante frisar que
os cargos públicos não eram ocupados por imigrantes, ficando reservados aos membros da
elite local, que geralmente tinham formação acadêmica, principalmente no ramo do Direito,
nos cursos frequentados na capital paulista e na cidade de Campinas.

66
A família Lamari é respeitada em Serra Negra em razão do legado musical dos irmãos, com seus respectivos
instrumentos: José – flauta, Romeu – clarineta/piano, Luiz – percussão/ violino, Caetano – bombardino e Ângelo
– violino e maestro da Corporação Musical “Lira de Serra Negra”. Eles participaram ativamente da vida musical
na cidade, sendo professores, instrumentistas das bandas de música e de conjuntos musicais.
67
Processo 1904 – 1º Ofício da Comarca de Serra Negra- Acervo do Judiciário.
89

ESTABELECIMENTOS - SERRA NEGRA EM 1912


(Comércio/Oficinas/Fábricas/Serviços)
Quantidade/nº de imigrantes Tipo/ Comércio
15 - 09 Açougues
03 - 01 Casas de armarinho
09 - 04 Botequins
02 - 01 Bilhares
07 - 05 Oficinas de alfaiates
12 - 08 Compradores de café
06 - 00 Escritórios de advocacia
02 - 03 Chapelaria
02 - 01 Confeitarias
02 - 01 Casas de calçados
04 - 03 Depósitos de cal e cimento
03 - 03 Casas de ferragens
40 - 23 Lojas de fazendas e armarinhos
Quantidade/nº de imigrantes Tipo/ Oficinas
02 - 01 Oficinas de caldeirarias
11 - 09 Oficinas de sapateiro
05 - 04 Oficinas de costureiras
11 - 08 Oficinas de ferreiros
Quantidade/nº de imigrantes Tipo/ Fábricas
01 - 01 Fábrica de cadeiras
01 - 01 Fábrica de carroça
14 - 14 Fábricas de vinho
03 – 03 Fábricas de cerveja
01 - 00 Torrefação de café
07 - 00 Engenhos de cana (aguardente)
09 - 06 Olarias
Quantidade/nº de imigrantes Tipo/ Serviços
01 - 00 Dentista
01 - 00 Empresa fúnebre
23 - 14 Moinhos de fubá
04 - 02 Consultórios médicos
03 - 02 Professores de música
05 - 03 Máquinas de beneficiar café
05 - 00 Farmácias
02 - 00 Pensões
02 - 00 Tipografias

Quadro nº 09. Estabelecimentos Comerciais. Serra Negra, período de 1912.


Fonte: Dados mencionados no Almanack de Serra Negra, 1913. Quadro elaborado
pela pesquisadora.

A produção agrícola na primeira década de 1900 também estimulou o povo


serrano a criar o Banco de Crédito Rural de Serra Negra68, cuja fundação ocorreu em 01 de
setembro de 1907. A sociedade estava amparada no Decreto nº 434 de 1891, que
regulamentava as companhias de sociedades anônimas. A aprovação dos estatutos sociais e a
eleição da primeira diretoria realizaram-se na sala da Câmara Municipal, presidida pelo Juiz

68
Em 1903 inaugurou-se o primeiro Banco de Crédito Rural na cidade de Capivari, por Jacintho Pereira da Silva
Barros e serviu como modelo para a instalação de demais bancos no interior do Estado de São Paulo. Segundo
seu criador, os bancos rurais seriam uma espécie de caixas de crédito para prover e auxiliar a lavoura, utilizando
a poupança que os lavradores traziam em suas residências e que, por falta de confiança, não depositavam nos
bancos tradicionais. Ver mais: CORREA, Fabio Rogério Cassimiro. Os Bancos de Custeio Rural e o crédito
agrícola em São Paulo (1906-1914). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de
História. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014.
90

de Direito, Julio Amaro da Rosa Furtado, e o capital inicial foi de cem contos de réis,
contando com 72 acionistas.
De acordo com os levantamentos de Correa (2014), em sua pesquisa sobre os
Bancos de Custeio Rural no Estado de São Paulo, a finalidade dessas casas bancárias era a de
promover empréstimos aos pequenos e médios fazendeiros associados, sendo que o valor
liberado era somente o estritamente necessário aos gastos anuais para manutenção do cafezal
e à colheita, tendo a safra como garantia do penhor. O contrato entre os acionistas e o banco
assegurava o financiamento por três anos, cobrindo três safras consecutivas e o valor
emprestado estaria associado a uma avaliação dos custos da produção anual do solicitante. Os
juros contratados eram de 6%ªª. As casas bancárias estavam vinculadas a uma Sociedade
Incorporadora, fundada em 1906, cuja finalidade era a regulamentação e institucionalização
dos pequenos bancos instalados no interior do Estado; estavam submetidos à fiscalização da
Secretaria da Fazenda e todos seguiam o modelo do banco experimental da cidade de
Capivari. Nos anos de 1907 e 1914 foram criados 48 bancos no Estado de São Paulo.
O autor também chamou a atenção para a situação econômica da cidade de Serra
Negra, pois a mesma assinou 22 contratos no valor médio de 2:448$864, com penhor de
15.387 arrobas de café, no dia 19 de setembro de 1909, poucos dias após o registro oficial do
funcionamento do Banco Rural de Serra Negra, apontando que toda a documentação para a
abertura do banco estava em ordem. Destinaram-se os empréstimos aos pequenos e médios
produtores, cumprindo a finalidade da entidade financeira.
As transações continuaram até 2 de janeiro de 1914, quando a Sociedade
Incorporadora teve sua falência declarada em decorrência da insolvência de vários
comissários de café de Santos com a Incorporadora, segundo os levantamentos de Correa
(2014). Considerou-se uma transação ilegal, pois os empréstimos, a princípio, não eram
destinados a terceiros.
A quebra da Incorporadora atingiu todas as Casas de Crédito Rural do Estado de
São Paulo, inclusive a de Serra Negra, que, em abril de 1914, obrigou-se a ajuizar o pedido de
falência. A ação tramitou até abril de 1918, quando ocorreu o último rateio dos créditos
devidos.
A produtividade do café, a variedade de culturas agrícolas e o aumento da
população no Município de Serra Negra contribuíram para novos postos de trabalho e
91

estabelecimentos comerciais, tanto na cidade como no campo. A nova organização da cidade


exigia também novas formas de convívio social e a comunidade italiana muito contribuiu para
isso.

2.2.3 – As sociedades italianas

Segundo Franco Cenni (2003, p. 299), no início do século XX fundou-se na


cidade de São Paulo um grande número de sociedades, “cada qual procurando desenvolver
uma ação independente. Com seus estandartes, suas bandeiras e com número variável, as
sociedades italianas promoviam comemorações nas datas não apenas de festa nacional, mas
também das festas tipicamente regionais”. E em Serra Negra não foi diferente, pois, no final
do século XIX, surgiu na cidade a primeira configuração de uma organização italiana, Societá
Italiana Di Mutuo Soccorso “Umberto I” in Serra Negra69. Conforme informação presente no
estatuto, em 23 de fevereiro de 1896 convocou-se uma
Assembleia Geral, ocasião em que o documento
estatutário foi aprovado por unanimidade. Os membros
da comissão elegeram a primeira diretoria, para os
seguintes cargos: Antonio Coli - presidente, Giuseppe
Adami - vice-presidente, Domênico Morganti –
cassiere70 e Giovanni Paladini- segretario.

Ilustração nº 04 - Folha de Rosto do Estatuto da


Societá Italiana di Muttuo Soccorso in Serra
Negra.

O estatuto71 compunha-se de seis capítulos com 59 artigos que regulamentavam as


atividades da entidade e as atribuições da diretoria. A formação dessa primeira sociedade
ocorreu no mesmo período do início da estruturação do Corpo Musicale “Umberto I”.

69
Segundo o Statuto Della Societá Italiana Di Muttuo Soccorso “Umberto I” in Serra Negra fondada el giorno 8
dicembre 1895. Documento pertencente ao acervo da família de Luiz Roberto Invernizzi.
70
Entende-se por Cassiere o cargo de tesoureiro e o de Segretario refere-se a secretário.
71
O documento foi redigido em idioma italiano.
92

É importante notar que, de acordo com Caldeira (1935, p.68), mencionou-se a


data da fundação do Corpo Musicale “Umberto I” como sendo no ano de 1896; porém,
“vários embaraços surgiram, de modo que a Philarmônica só pôde constituir-se
definitivamente em 1898, quando realizou o seu primeiro concerto, em 15 de novembro”.
Ambas as instituições homenagearam o rei “Umberto I”, da Itália. Apesar da
inexistência de documentos vinculando a fundação da Sociedade e da Banda de Música, é
possível deduzir que ambas tiveram a mesma origem72.
A sociedade italiana73 não prosperou. A banda de música, porém, manteve-se em
atividade por mais de quarenta anos.
Em 21 de maio de 1903 fundou-se uma
nova entidade com a designação de Societá de Mútua
Assistenzia Fra Italiani74. Os estatutos contendo 61
artigos foram aprovados e elegeu-se a primeira
diretoria. Entre os sócios fundadores estavam
imigrantes, tanto da área urbana como da área rural.
Ilustração nº 05- Símbolo da Societá

A sua identificação ficou reforçada com “as duas mãos que se apertam como
símbolo da irmandade”.
Em Serra Negra, foi marcante a atuação da Societá Fra Italiani em vários
momentos, auxiliando, outrossim, os membros da colônia. No mesmo mês de sua fundação,
por exemplo, os sócios se reuniram para discutir a questão da educação de jovens e adultos
pertencentes ao contingente dos imigrantes italianos. Eles deliberaram que seria aberta uma
escola noturna gratuita para os sócios e seus filhos, a qual funcionaria na residência do
associado Sr. Cesare Tosi. Na assembleia resolveu-se que a Societá pagaria uma porcentagem

72
No Almanacco Del Fanfulla, publicado em 1905, constam informações de inúmeras sociedades italianas
instaladas no Estado de São Paulo. Estão registrados: datas de fundação, membros das diretorias, associados,
fotos das sedes e fotos de bandas de música. É possível identificar que as atividades musicais encontram espaço
considerável na publicação.
73
Sobre a Societá Italiana de Mutuo Soccorso Umberto I, não foram encontrados dados sobre o seu
funcionamento; o que se tem é a menção da sua extinção registrada em livro ata da Societá de Mutua Assistenza
Fra Italiani, em reunião realizada em 13/07/1905.
74
Essa nova sociedade de mútua assistência permaneceu em atividade até a década de 1940.
93

do aluguel do imóvel e, em troca, o Sr. Cesare ministraria as aulas em duas horas diárias e
disporia de alguns cômodos da casa para essa atividade de ensino75.
A preocupação com a educação dos imigrantes e seus filhos também era
pertinente à família do Sr. Armínio Silotto (1997), em cujo depoimento descreveu que seu pai,
Pedro Silotto, ao chegar ao Brasil com nove anos, já era alfabetizado, e aqui aprendeu
português. Contou, também, que sua irmã mais velha era encarregada de alfabetizar os
irmãos; pois aprendera a ler com o pai; como eram poucas as escolas localizadas na zona
rural, o acesso a elas era restrito. Assim sendo, a saída para o problema era o estudo em casa e
as aulas aconteciam todas as noites. Após o jantar, as crianças sentavam em volta da mesa e
iniciavam os estudos, porém isso se dava somente durante a presença do Sr. Pedro Silotto.
Logo após o recolhimento dos seus pais, as crianças interrompiam as aulas, pegavam o
baralho e jogavam partidas de “bisca”76.
A criação do Grupo Escolar em Serra Negra ocorreu através do Decreto do
Governo Estadual de 18 de fevereiro de 1901, mas não atendia a todas as crianças em idade
escolar e funcionou durante muito tempo de forma precária, em um espaço adaptado, com
acomodações consideradas impróprias. As salas eram muito pequenas, faltavam galpões de
abrigo para o recreio e aparelhos de ginástica77. A despeito do edifício não ter sido
considerado ideal para o funcionamento de um Grupo Escolar, ele permaneceu no local até o
ano de 1914, quando se inaugurou o prédio especialmente construído para abrigar a escola78.
Apesar das mudanças ocorridas em virtude da crescente população imigrante,
faltava em Serra Negra estrutura para o lazer dos seus munícipes. A grande maioria dos
atrativos eram os ligados à religiosidade, como as festas e quermesses realizadas em
homenagem aos santos devotos e que englobavam as apresentações musicais. A possibilidade
da criação de um clube recreativo naqueles anos comemorou-se na cidade com muito jubilo,
porque se criava uma regularidade de funções recreativas, não mais condicionadas às
homenagens aos santos em datas determinadas.

75
Ata da reunião das Societá M. A. Fra Italiani, datada de 31 de maio de 1903. Acervo Família Lamari.
76
Ainda na área rural, era comum os jovens das propriedades próximas se reunirem em uma determinada casa e
contratarem um professor.
77
Relatório apresentado pelos inspetores que vistoriaram o Grupo Escolar nos anos de 1906 e 1907. Livro
Termo de Visitas. Acervo da Escola Estadual “Lourenço Franco de Oliveira”.
78
Antes da criação do Grupo Escolar em 1901, a cidade contava com as Escolas Reunidas e, segundo os dados
constantes do Livro de Matrículas de Aula Pública de Instrução Primária do Sexo Masculino, em 1887 estavam
matriculados 54 alunos. Em 1888, 59 alunos. Em 1889, 69 alunos e, em 1890, foram registrados 54 alunos.
Acervo da Escola Estadual “Lourenço Franco de Oliveira”.
94

CLUB RECREATIVO
Hoje, a 1 hora da tarde, realisarse-á, na sala da câmara municipal, uma reunião de
diversos cavalheiros da nossa sociedade com o fim de tratar-se da fundação e
organização aqui de um Club Recreativo. Applaudimos com enthusiasmo essa idéia
e protestamos nosso franco apoio a Ella, esperando cheios de esperança a sua
realização. Já era por demais sentida a falta, nesta cidade, de um “meio” onde se
encontrassem algumas distrações para o espírito. Cançado pelo trabalho do dia, à
noite tem-se necessidade de palestra agradável, música, leitura variada, jogos
familiares, qualquer cousa emfim que nos ponha na alma um deleite suave, uma
doce alegria. Tem-se assim, apar da vida material, uma vida espiritual cheia de
attrativos. E isto vem realisar nosso club, que nos arrancará do marasmo, em que
vivemos, contribuindo ainda para o progresso desta terra. Associações similares a
esta desenvolvem nos seus membros o sentimento altruístico, educam moral e
intellectualmente. E o facto da convivencia estreita amizades que constituem a baze
de uma sociedade moralisada e boa. Eis porque nos alegrou essa notícia que
transmittimos aos nossos leitores, fazendo votos para que na reunião de hoje fique
definitivamente assentado o plano de organisação desse novo gremio. (Jornal “A
Serra Negra”, 29/01/1905)

Outro evento de grande significado para a cidade foi a inauguração do Jardim


79
Público , um espaço público todo cercado e, segundo Caldeira (1935, p.69) o fato ocorreu no
dia 15 de novembro de 1905, graças aos esforços de Francisco Pinto da Cunha80. A solenidade
contou com a presença de autoridades locais e realizou-se um concerto pelo Corpo Musicale
“Umberto I”, inaugurando também o primeiro coreto da cidade. Nomeou-se também um
zelador, o qual se responsabilizaria pela manutenção desse logradouro público, com horários
fixos de abertura e fechamento.

Reunir-se: fazer pública a sua presença, exibir pompa, ver homens e mulheres bem-
vestidos e bonitos, contar e ouvir as novidades, assistir a apresentações musicais,
mostrar filhas na busca de maridos, homens finos admirando e fazendo a corte a
cortesãs. Os jogos sociais e sexuais – com a tácita concordância entre seus
praticantes – o plaisir de la promenade, tinha um palco magnífico nos jardins
públicos. (SEGAWA, 1981, p. 46).

O Jardim Público constituiu-se de grande representatividade para as bandas de


música serranas81, principalmente a “Umberto I”. Ali se forjou um local que seria
especialmente usado para as apresentações musicais. Nos documentos assinados registraram-

79
O Jardim Público localizava-se no espaço designado Largo da Liberdade; depois designou-se como Praça
Barão do Rio Branco e, atualmente, é a Praça João Zelante. Firmou-se um contrato, em 26/08/1905, entre a
Câmara Municipal e o Sr. Manoel Estevam de Barros, para fazer o assentamento do coreto no Jardim Público,
pelo preço de 1:600$000. Termos de Contrato entre Câmara e Particulares. Tombo nº 43. Acervo da Câmara
Municipal de Serra Negra.
80
Francisco Pinto da Cunha também foi o responsável pela abertura da Rua da Várzea, atual Cel. Pedro
Penteado, como mencionado anteriormente.
81
A Corporação Musical “Lira Serra Negra”, fundada em 1945, realiza concertos quinzenais no mesmo local
desde sua fundação.
95

se contratos firmados entre a Banda “Umberto I” e a Câmara Municipal, os critérios para as


apresentações, os valores a serem pagos e os concertos quinzenais a serem realizados, com
início às 18 horas, no Jardim Público82.

Ilustração nº 06 - Jardim Público, fundado em 15 de novembro de 1905. Fonte: Almanach de Serra


Negra, 1913. Década de 1910. A imagem denota a preocupação com embelezamento da cidade ao
projetar e plantar o jardim público dotado de bancos, mas, principalmente de um belo coreto que
recebesse as apresentações dos grupos musicais da cidade.

82
O primeiro contrato encontrado é de 11/04/1906, sendo renovado no ano seguinte e, posteriormente, em 1910.
Constava também nas cláusulas que o programa musical deveria ser publicado no jornal local. A Banda teria que
realizar as alvoradas nas datas cívicas e se apresentar nas solenidades promovidas pela Câmara. Em
contrapartida, a Câmara se comprometia a avisar o maestro das datas comemorativas, com oito dias de
antecedência, a fim deste de preparar o repertório. Termos de Contrato entre Câmara e Particulares. Tombo nº
43. Acervo da Câmara Municipal de Serra Negra.
96

2.3 - AS PRIMEIRAS BANDAS DE MÚSICA, SEUS MAESTROS E PRINCIPAIS


MÚSICOS.

CORPO MUSICALE “UMBERTO I”

É provável que, após a primeira apresentação do Corpo Musicale “Umberto I”, em


1898, as seguintes tenham ocorrido de forma recorrente, sendo que o registro mais antigo
refere-se à comemoração da virada do século.

...Foi naquela pacatíssima Serra Negra, que tivemos a emoção de assistir às


cerimônias da passagem do século, ocorrência que alvoroçou o povo na madrugada
de 1º de janeiro de 1900... após essa tocante cerimônia, as bandas de música-
“Humberto Primo” e “Cezarino”83, percorrendo as Ruas principais, festejaram com
alegria o começo do século. (GODOY, 1970, p. 14)

Em 22 de janeiro de 1905, encontrou-se o primeiro apontamento em jornal sobre a


autuação da banda “Umberto I”, tratando de uma apresentação realizada no final da tarde de
15 de janeiro de 1905, sob a regência do maestro Vincenzo De Benedictis, imigrante italiano.
O texto permite algumas observações: a “Umberto I” estaria se apresentando regularmente e o
maestro já havia conquistado certo prestígio na cidade e o local da apresentação, designado
Largo da Liberdade, foi no mesmo ano reinaugurado como Jardim Público, como já
mencionado.
RETRETA
Aos primeiros clarões vespertinos do dia 15 do corrente, no espaçoso, plano e
apreciável Largo da Liberdade, admiravelmente enfeitado em seu fundo pela poética
floresta da montanha em que se encosta o mercado municipal, quando ainda os
últimos raios de um sol christalino doiravam o cimo das esmeraldinas collinas que
circundam esta cidade, teve início primorosa sonata clássico musical da conhecida
corporação italiana “Umberto I”, que tanto honra os fóros de civilisação deste
município e muito enaltece o progresso artístico-musicaes do nosso meio. A rabél
batuta do talentoso e provecto maestro De Benedictis durante a primorosa sonata
jamais desceu da elevada posição em que manteve-se como bússola orientadora dos
lisonjeiros progressos musicais, pelos quais tem passado este povo.
A magnífica e apreciada phylarmonica fez com a máxima correcção executar o
programma previamente annunciado, que compunha-se das seguintes peças:
1º - Uma lagrima de amor – Mazurka – Rozatti.
2º - Grand Pot Purri da opera Policído – Donizetti
3º - Symphonia do Guarani – Carlos Gomes
4º - (a pedido) Um fim de batalha – sensacional e apparatosa phantasia de Gatti. (A
Serra Negra. 22/01/1905)

83
Com relação à banda “Cezarino”, possivelmente tem relação com o músico e maestro Cezarino Teixeira de
Barros. Existe também a referência de um conjunto musical chamado “União Faz a Força” e sua apresentação
em junho de 1904.
97

VINCENZO DE BENEDICTIS

O imigrante italiano, Maestro Vincenzo De Benedictis, foi quem conduziu na


década de 1900 o Corpo Musicale “Umberto I”. Não foi possível afirmar a data da chegada do
maestro a Serra Negra. A princípio, em 1904 ele já estaria regendo a “Umberto I”, como
constou no anúncio publicado pelo jornal A Serra Negra, de 22 de janeiro de 1905. Sabe-se
que ele permaneceu na cidade até 1909, ano em que se mudou com a família para a cidade de
Jaboticabal/SP. Retornou em 1913 e reassumiu o comando da “Umberto I”, realizando
inúmeros concertos até meados de 1916, quando adoeceu, tendo o seu falecimento ocorrido
em 10 de dezembro de 1918.
Bertolini (2009, p.38), menciona que “o famoso maestro Vicente De Benedicttis,
emérito regente e grande requintista, que por causa de sua bronquite costumava caminhar
todas as madrugadas aproveitando o ar fresco”, ocasião em que cumprimentava os
trabalhadores que iniciavam suas atividades nas primeiras horas da manhã.
Vincenzo De Benedictis era diplomado pela Real Academia de Santa Cecília, e
também exerceu a atividade de professor de música em Serra Negra por muitos anos.

VICENTE DE BENEDICTIS
MAESTRO DE MÚSICA
Diplomado pela Real Academia de Santa Cecilia (em Roma), ex-examinador do
Circolo Filarmonico Internacional de Roma, lecciona Piano, Canto, Violino,
Bandolim, Harmonia, Orchestra. Largo Municipal n.3 Serra Negra. (O Serrano,
11/11/1915)

De acordo com os levantamentos realizados por Rocha (2007, p. 10-11), ele


nasceu em 1849, em Spaltore, na Itália. Para se titular como Diretor de Banda pela Real
Academia de Santa Cecília apresentou o arranjo para banda de música denominado Fantasia
Sull’Opera Il Balo in Mascheral, da obra de Giuseppe Verdi, e a marcha Lo Squilo de sua
autoria, sendo aprovado em 3 de dezembro de 1888. O músico e seu filho mais velho,
Alberto, desembarcaram no porto do Rio de Janeiro em julho de 1898.
98

Foto nº 05. Maestro Vincenzo De Benedictis, década de 1900. Fonte: Galeria de


Retratos da Corporação Musical “Lira de Serra Negra”. Acervo da pesquisadora.

Além do prestígio alcançado pelo músico como maestro e professor, Vincenzo de


Benedictis também foi compositor. Durante sua permanência em Serra Negra, ele compôs e
ofereceu inúmeras das suas obras às várias personalidades serranas 84. Conforme o noticiado
no jornal A Serra Negra, em 1907 duas peças foram oferecidas, uma inclusive para a esposa
do Juiz de Direito Júlio Amaro da Rosa Furtado. Outra obra com dedicatória que constou do
programa executado no concerto que se realizou em 15 de novembro de 1912, a Mazurka de
sua autoria foi dedicada à esposa do médico italiano Francisco Tozzi85. Era uma maneira de
estreitar relações no meio social e, consequentemente, angariar auxílio para a banda de
música.

84
Outros compositores também utilizaram desse procedimento, como os imigrantes Alberto e Lívio De
Benedictis e o serrano Nicolino Fatigatti. O oferecimento de obras pelos compositores sempre foi muito comum
no meio musical. No Brasil, essa prática foi adotada por inúmeros artistas e em vários períodos. No início do
século XIX, o compositor baiano Damião Barbosa de Araújo utilizou esse procedimento e dedicou suas obras a
membros da elite. Era uma forma estratégica de inserção social. Ver mais. BLANCO, Pablo Sotuyo. Damião
Barbosa de Araújo (1778-1856): novas achegas biográficas e musicais. Salvador: Fundação Gregório de Mattos:
EDUFBA. 2007.
85
Francisco Antonio Tozzi, médico imigrante italiano, nascido em 1870, na Província de Beneveto, Itália.
Chegou ao Brasil em 1900, instalando-se na cidade de Socorro/SP. Em 1901, mudou-se para Serra Negra. Foi
membro da Sociedade Italiana e da diretoria da Banda "Umberto I". Em 1914 transferiu-se para Água Quente,
núcleo gerador da atual cidade de Águas de Lindóia, fundada em 1916. Apesar de ter-se estabelecido na cidade
em que fundou, manteve relações de amizade com membros da comunidade italiana de Serra Negra; faleceu no
Rio de Janeiro em 13 de novembro de 1937, sendo seu corpo sepultado no cemitério municipal de Serra Negra
(SILVA, 2005, p. 77-81).
99

Ilustração nº 07 – Jornal A Serra Negra, edição de 06/01/1907

15 DE NOVEMBRO
Conforme notíciamos será amanhã festejada nesta cidade a gloriosa data de 15 de
novembro. Assim é que pelo amanhecer desse dia percorrerá as principais Ruas da
cidade a corporação musical “Umberto I”, executando escolhidas marchas, sendo
por essa occasião queimada uma salva de 21 tiros.
Às 6 horas da tarde a mesma corporação, sob a regência do distinto maestro Vicente
de Benedictis, executará no coreto do jardim publico o seguinte programma.
1a Parte
1-Hynno Nacional
2-Marcha Militar - R. Trucillo
3-Mazurka - dedicada a distincta D. Philomena Tozzi- V. Benedictis.
2a Parte
1- Valzer - Cordialita - V. de Benedicts.
2- Grande Phantasia - com variações da Opera Norma- D. Alessio
3- Polka -Primavera Scapigliata - G. Straurs.
4-Dobrado - Floriano Peixoto - NN. (O Serrano, 14/11/1912/ grifo nosso).

A proximidade com a comunidade local motivou o envolvimento do maestro com


a classe política. O fato tornou-se explícito nas eleições de 14 de dezembro de 1907, quando o
grupo vencedor foi homenageado, inclusive com a presença da banda de música,
100

oportunidade em que o maestro De Benedictis ofereceu ao chefe político Cap. Francisco Pinto
da Cunha a marcha intitulada 14 de Dezembro.

Outrossim, agradece a espontânea e sincera prova de estima demonstrada na


manifestação de domingo último. Às corporações musicais “Umberto I” e
“Morganti”, também agradece o valioso concurso pelas mesmas prestado, em todas
as manifestações, abrilhantando-as com os seus variados repertórios. Ao insigne
maestro senhor Vincenzo De Benedictis, agradece a delicada lembrança com que o
mimoseou, dedicando-lhe a majestosa marcha, de sua composição, a que deu o
nome de “14 de Dezembro”...
Serra Negra, 18 de dezembro de 1907.
O presidente do Diretório, Francisco Pinto da Cunha (O Serrano, 20/12/1907)86.

Com a demonstração pública de suas preferências nas urnas, o músico


comprometeu-se com um grupo político, tornando-se alvo do grupo rival liderado pelo Major
Pires87.
Vincenzo De Benedictis tinha como profissão essencialmente a música, porém
suas atividades não rendiam o suficiente para o sustento de sua família. Em um episódio
envolvendo seu filho mais velho, Alberto, tornou-se público que a comunidade local mantinha
uma lista de assinantes cuja finalidade era a de angariar fundos a fim de auxiliar
financeiramente o maestro e sua família88.
Independente dos problemas familiares, políticos e financeiros, Vincenzo manteve
a condução da Banda, com apresentações quinzenais, renovando os contratos com a Câmara
Municipal, além de participar de festas religiosas e das comemorações organizadas pela
Società Fra Italiani.
Dentre suas façanhas temos a participação da “Umberto I” no “concurso de
bandas musicais das diversas cidades do Estado”, realizado nos dias 18 e 19 de abril de 1908,
no Parque Antártica, em São Paulo89, evento no qual a Banda e seu maestro foram
classificados entre as melhores do Estado de São Paulo, causando orgulho e admiração na

86
Não foram encontrados mais dados sobre a atuação da Corporação Musical Morganti. Segundo a narração do
músico Geraldo Bulk, era uma pequena banda compostas pelos membros da família Morganti e colonos da
fazenda dos Morgantis; anos mais tarde a propriedade foi vendida e os músicos foram para cidade e alguns deles
foram integrar os naipes da "Umberto I".
87
Francisco Pinto da Cunha, também conhecido como “Chico Ramos”, liberava o grupo ramista opositor do
grupo do Major Pires, que ficou denominado como pirista, sendo que os dois grupos dominaram o cenário
político da pequena Serra Negra, por muitos anos.
88
Edição do Jornal “O Serrano” em 14/03/1908.
89
O concurso foi promovido pelo Salão Steinway, situado na Rua São João, nº 61. “O Serrano”, edição de
05/04/1908. Dentre o repertório escolhido estavam as peças: Pot-pourri del Ballo Brahma de Constantino
Dell’Argine e Scena del finale del 2º ato nell’Opera La Traviata . As obras fazem parte do acervo de partituras
da Corporação Musical Lira de Serra Negra Rocha (2007, p.272).
101

pequena Serra Negra. A “Umberto I” não obteve o primeiro lugar, porém o acontecimento
passou a fazer parte da história da banda, e o episódio ficou conhecido através das gerações de
músicos serranos. Inúmeras lembranças foram transmitidas de maneira variada, revelando-se,
porém, a importância do fato no universo musical serrano. Após terem participado do
concurso em São Paulo, os músicos foram para a cidade de Campinas/SP, onde realizaram um
concerto a convite dos membros da colônia italiana.
[...]Si não obteve uma medalha, porque motivo deixamos de dizer, obteve um
prêmio brilhante, que satisfaz mais que todos os outros, e que é a opinião pública,
que lhe foi favorável, que sagrou-a uma das melhores bandas de todo o Estado.
Estamos certos de que a “Umberto I”, si concorrer a novo torneio, em que os juízes
estejam em condições de decidir com toda a imparcialidade e se a opinião pública
for acatada, há de obter um dos primeiros lugares. De regresso da Capital, esteve, no
dia 21, em Campinas, a convite de vários membros da colônia italiana, entre eles o
sr. Ângelo Franceschini. A banda aí cumprimentou o Prefeito Municipal, a redação
dos jornais e, à tarde, após uma passeata, executou no coreto do jardim um escolhido
programa. Diz no jornal O Comércio de Campinas, de 22: A concorrência foi
enorme àquele local e a banda foi muito aplaudida. Ali compareceu o sr. Prefeito
Municipal para transmitir a saudação a todos os membros da banda. E termina: Hoje
partirá para Serra Negra, deixando entre nós as melhores impressões. O povo desta
cidade recebeu festivamente a esforçada Corporação Musical... (O Serrano,
26/04/1908).

Em abril de 1909 foi noticiada a saída de Vincenzo De Benedictis da Banda e a


“Umberto I” passou por alguns constrangimentos, sendo obrigada a justificar a interrupção
dos concertos por meio de seu presidente, Dr. Francisco Tozzi. Tudo indica que a decisão de
Vincenzo de deixar a Banda ocorreu de forma inesperada, não dando tempo para a entidade se
organizar e nomear um novo maestro.
Corporação Musical “Umberto I”
Deixou a regência desta excellente Corporação Musical o Sr. Vicente de Benedictis.
Houve, por esse motivo, reunião da referida corporação, em que se deliberou
promover a sua reorganização urgente. Para isso, e estando já à espera de um
distincto maestro, o presidente da corporação solicitou e obteve, do sr. Prefeito
Municipal, uma licença de dois mezes, para que a mesma continue os seus concertos
em o nosso jardim.
A reunião que para esse fim se effectuou, compareceram 21 músicos, que
protestaram por escripto serem solidários e observadores dos Estatutos, pelo prazo
de dois annos, ao mesmo tempo que affirmavam aos seus illustre presidente, sr.
Dr.Tozzi, inteira e real firmeza. (O Serrano 25/04/1909)

Sem mais explicações sobre o fato pertinente a Banda e Maestro, em maio de


1909 foi anunciada a mudança da família De Benedictis para a cidade de Jaboticabal/SP.
102

Despedida
Vicente de Benedictis e família, retirando-se desta cidade para Jaboticabal, e não
dispondo absolutamente de tempo para se despedir dos seus amigos, fazem-no por
este meio, offerecendo-lhes os seus limitados préstimos em sua nova residência.
Serra Negra, 20 de maio de 1909.
Vicente de Benedicitis e família (O Serrano, 23/05/ 1909)

A repentina saída do maestro De Benedictis e sua família de Serra Negra,


explicou-se pelo fato de que ele havia sido contratado para reger a Società Filarmonica
Italiana Pietro Mascagni, banda fundada na cidade de Jaboticabal em abril de 1901, pelos
membros da colônia italiana, cujo contrato celebrou-se em 06 de maio de 1909. No dia 15 de
julho do mesmo ano ele foi apresentado à população local pelo secretário da Banda Pietro
Mascagni, o Sr. Lourenço Vitta. Sua permanência em Jaboticabal não foi muito longa: tem-se
a notícia que em 14 de julho de 1910, o maestro De Benedictis pediu demissão da referida
Filarmónica90.
A sua ida para assumir uma banda de música em outra cidade permite deduzir que
os músicos imigrantes mantinham relações com as inúmeras comunidades italianas,
ocasionando o trânsito desses profissionais.

ZACHARIAS QUAGLIO: O MÚSICO ESQUECIDO

Após dois meses sem concertos realizados pela Banda Italiana, surge o nome de
Zacharias Quaglio, clarinetista da “Umberto I”, para ocupar o cargo vago, contrariando a
notícia de maio de 1909 de que a diretoria da banda estivesse providenciando a vinda de um
“distinto maestro”. Assim, realizaram-se os concertos quinzenalmente, cumprindo o contrato
assinado.
CONCERTO
Depois de uma interrupção de dois mezes, a corporação musical “Umberto I”,
executou no Jardim Publico desta cidade, sob a regência do Sr. Zaccaria Quaglio,
algumas peças do seu não pequeno repertório.
O concerto satisfez geralmente, tanto mais quanto há já algum tempo não tinha a
população desta cidade essa aprazível recreação.
Bem e elegantemente illuminado como estão o coreto e jardim, uma boa ahi aos
domingos, proporciona de facto horas agradáveis aos habitantes desta cidade.
Fazemos votos para que, sem interrupção, continue essa boa corporação musical a
nos deleitar com concertos como o de domingo ultimo. (O Serrano, 27/06/ 1909)

90
Ver mais sobre a história de Jaboticabal/SP. CAPALDO, Clovis Roberto. A História de Jaboticabal 1828 –
1978. Jaboticabal: Editora Multipress, 1993.
103

O músico Zacharias Quaglio atuou como spalla do Corpo Musicale “Umberto I”,
por muitos anos. Imigrante, natural de Rovigo, na Itália, chegou ao Brasil em 1888, com sete
anos. Estabeleceu-se em Serra Negra no início do século XX, com a profissão de sapateiro.

CONCERTO
Hoje, as horas do costume, a banda musical “Umberto I” executará no coreto do
jardim publico, o seguinte programma.
Primeira Parte
1º - Dobrado – 1º do Anno, dedicado ao dr. Tozzi
2º - Polka – Alegria – G. de Benedictis
3º - Coro final nell’Opera Ione – Petrella
4º - Valsa – Fior á Aprile – G. de Benedictis
Segunda Parte
1º - Dobrado – Irmão – N.N.
2º - Mazurka – Amélia Zelante – N.N.
3º - Cavatina della Sonnambula – Bellini
4º - Tango – N.N. (O Serrano, 04/07/ 1909)

O ano de 1910 anunciou-se como promissor para a “Umberto I”, pois a primeira
notícia encontrada diz respeito ao novo fardamento da Banda, seguida do anúncio de um
concerto, o qual sugeria a renovação do contrato para apresentações públicas. De fato, foi o
que ocorreu: as apresentações do grupo foram regulares.

Foto nº 06. Maestro Zacharias Quaglio, década de 1900. Fonte: Galeria de Retratos
da Corporação Musical “Lira de Serra Negra”. Acervo da pesquisadora.

A situação da “Umberto I” tornou-se confusa no início de 1911. Quaglio


permaneceu na função de maestro e não ficou claro se houve renovação de contrato para
apresentações públicas, mas existiu uma forte mobilização, via imprensa, a fim de dar
104

continuidade aos concertos. O apelo surtiu efeito, pois a “Umberto I”, sob a regência de
Zacharias Quaglio, realizou uma apresentação musical em 7 de maio de 1911.

Retreta
Segundo nos consta, os músicos da banda “Umberto I”, reuniram-se e deliberaram
executar no coreto do jardim publico, no dia 7 de maio próximo um concerto
musical, sob a regência do sr. Zacharias Quaglio.
Pelo que nos consta o programma está sendo confeccionado com todo o capricho e
por certo agradará ao publico que ha bom tempo esta privado desse agradável
divertimento.
Os nossos votos são para o que consta se torne uma realidade, para vermos
novamente com movimento o nosso belo jardim. (O Serrano, 30/04/1911)

Apesar da aparente boa vontade dos músicos e do maestro Quaglio, era evidente a
falta de estrutura da banda, tanto que a “Umberto I” obrigou-se a rejeitar um convite, feito em
junho de 1911 pela Colônia Italiana da cidade de Campinas/SP, para participar de um
concurso de bandas de música. Zacharias Quaglio continuou regendo a Banda pelo restante do
ano, mantendo-se como maestro também em 1912.

RETRETA
Hoje, às 5 horas da tarde a Corporação Musical “Umberto I” executará no coreto do
Jardim Público, sob a regência do Sr. Zacharias Quaglio o seguinte programma.
Primeira Parte
1 - Dobrado – 1º de março- V. Benedictis
2 - Valsa - Vigliando - NN
3 - Pout-pourri- nell’opera Bello Brana D’allargini
4 - Marcha militar - Baraese

Segunda Parte
1 - Marcha- Alberto Benedictis - L. Facimi
2 - Mazurka - Scapigliata -Straus
3 - Duo per clarinete e bombardino nell opera Lucia de Lamemoor- Donizetti
4 - Tango – NN (O Serrano, 31/03/1912)

A partir de agosto de 1912 começaram a circular informações sobre o retorno do


maestro Vincenzo De Benedictis. Os dados indicam que a diretoria da “Umberto I” entrou em
contato com o maestro, convidando-o para voltar a Serra Negra. Foram realizadas reuniões e,
em novembro de 1912, Vincenzo fixou-se em sua nova residência91.

91
“Umberto I”. Acha-se nesta cidade, onde fixou residência, o exímio maestro de música snr. Vicente de
Benedictis que veio assumir a regência da Corporação Musical “Umberto I”. O Sr. Benedictis que já residiu
nesta cidade não precisa ser recommendado ao público e especialmente os amantes da bella arte musical, pois, já
é muitíssimo conhecido da nossa população. Fazendo votos pela sua longa permanência nesta cidade, damos
parabéns aos componentes da Corporação Musical “Umberto I” pela valiosa aquisição que acabam de fazer. (O
Serrano, 07/11/1912)
105

Não foram encontrados dados sobre a permanência de Quaglio na Banda


92
Italiana . Uma notícia interessante revelou que em outubro de 1914 fundara-se uma nova
banda, a Corporação Musical Carlos Gomes93, que mais tarde ficou conhecida por “banda
brasileira”, embora seu regente fosse um ex-integrante da “Umberto I”, o músico italiano
Zacharias Quaglio.

NOVA BANDA MUSICAL


Consta-nos que diversos elementos desta localidade estão se congregando para
constituírem uma nova corporação. Segundo nos affiançaram, a nova banda tomará
por patrono o nosso glorioso patrício Carlos Gomes e será regida pelo hábil
musicista Zacharias Quaglio. (O Serrano, 25/10/1914).

Zacharias Quaglio faleceu em dezembro de 1962, aos 82 anos de idade. Nos dados
constantes de sua necrologia não existe referência sobre sua vida musical.

O RETORNO DO MAESTRO VINCENZO DE BENEDICTIS

Em janeiro de 1913, o maestro Vincenzo De Benedictis recomeçou suas


atividades musicais em Serra Negra, além de retomar a regência da “Umberto I”, anunciando
a organização de uma nova orquestra composta por músicos de ambos os sexos. Durante o
ano realizaram-se 22 concertos, além das participações em solenidades oficiais. No final de
novembro, o maestro Vincenzo adoeceu e por alguns meses os concertos passaram a ser
regidos por seu filho, Alberto De Benedictis.
O maestro Vincenzo De Benedictis, após ter recuperado a saúde, apresentou-se
regendo a “Umberto I” em seus concertos e, no mês de junho, foi convidado para reger a
Corporação Musical Bersaglieri na cidade de São Paulo, evento realizado em 7 de junho de
191494, no Jardim da Luz.

92
Segundo o músico Antonio Briotto, o músico Quaglio havia saído da “Umberto I” por desentendimentos com
o trompetista Alfredo Dallari.
93
A atuação da Banda Carlos Gomes foi marcante no cenário musical serrano, como concorrente da Banda
Italiana, sendo que por inúmeras vezes as duas participaram do mesmo evento.
94
Segundo Siqueira (2002, p. 93-95) a banda XI Dei Bersaglieri foi fundada no início do século XX e era
oriunda do bairro paulista Bom Retiro. O nome dessa corporação foi escolhido em homenagem a unidade militar
que lutou na ação militar da Itália contra a Líbia em 1911, em território que estaria sob o domínio do Império
Turco.
106

RETRETA NO JARDIM DA LUZ


Tendo sido convidado para reger a Corporação Musical “Bersagliere” que no dia 7
do corrente realisará uma retreta no Jardim da Luz, em São Paulo, seguiu para essa
capital o Sr. Vicente De Benedictis, maestro da Corporação “Umberto I”, desta
cidade. (O Serrano, 04/06/1914).

Em janeiro de 1915 Serra Negra recebeu a visita da Corporação Musical “XI dei
Bersaglieri”, por intermédio do maestro Vincenzo. A banda convidada movimentou a pequena
cidade. No concerto executou uma composição do maestro Vincenzo De Benedictis e, no
encerramento da visita, percorreu várias ruas da cidade. Na ocasião o vice-presidente da
Corporação Musical discursou no idioma italiano, agradecendo às autoridades locais e ao
povo brasileiro a calorosa recepção. Explicou a origem dos nomes “Umberto I”, referindo-se
ao Rei italiano, e “XI dei Bersaglieri”, aos acontecimentos ocorridos na Líbia por ocasião da
ação militar italiana nesse país. Finalizou o discurso com um brinde: “Alzo per ultimo il cálice
porgendo il saluto alla Pátria Brasilana che ci ospita e um evviva allá nostra bella Itália.
Adunque signori, viva l’Italia, viva la banda musicale “Umberto I” e viva la banda musicale
‘XI Bersaglieri’” (Jornal O Serrano, edição de 14/01/1915).
Em 1916, o maestro Vincenzo De Benedictis tornou-se notícia novamente,
recebendo críticas em relação à seleção do repertório95, pois, como em muitas outras ocasiões,
o maestro aproveitava as retretas para executar suas composições e, às vezes, a escolha
extrapolava o bom senso.

A Corporação Musical Umberto Primo, executará hoje, as dezoito horas, no coreto


do Jardim Público, sob a regência do maestro snr. Vicente de Benedictis, o seguinte
programma

I - Marcha Militar – Vicente De Benedictis


II - Polka- Alice - Vicente De Benedictis
III - Mazurka – Lucia – Vicente De Benedictis
IV -Simphonia Original – Vicente De Benedictis

Segunda Parte
V - Marcha Honra ao Mérito – Vicente De Benedictis
VI – Valsa – Felicitações – Um Bailo da Maschera – Verdi
VII -Tango – NN (O Serrano, 26/03/1916, grifo nosso)

95
A prática de inserir no repertório peças de compositores membros da banda é vista de forma corriqueira em
vários períodos da história da banda, inclusive atualmente.
107

RETRETA
Conforme fora annunciado a Corporação Musical “Umberto I”, sob a regência do
hábil maestro Vicente De Benedictis, realisou Domingo p. passado no coreto do
Jardim Público, a retreta correspondente à segunda quinzena do corrente mez. As
peças constantes do programma foram bem executadas, não sendo, porém de bom
gosto o critério adoptado na organisação do programma desse concerto no qual
figuraram muitas composições de um só autor. Como das vezes anteriores, a
afluencia de exmas, familias do Jardim Público, por occasião da retreta, foi grande.
(O Serrano, 30/03/1916, grifo nosso)

Ilustração nº 08. Manuscrito da composição do Maestro Vincenzo De Benedictis.


Fonte: Acervo da Corporação Musical “Lira de Serra Negra”

Em vários concertos realizados entre os anos de 1916 a 1918 o maestro De


Benedictis foi substituído por seus filhos Alberto e Lívio, pois encontrava-se em tratamento
de saúde, vindo a falecer em 10 de dezembro de 191896.

OS PRINCIPAIS MÚSICOS SERRANOS

Além da intensa atividade do Corpo Musicale “Umberto I” desde o seu primeiro


concerto oficial em 1898, ocorriam outras atividades musicais.

96
A esposa de Vincenzo De Benedictis, Sra. Heminia De Benedictis faleceu em 26 de agosto de 1916.
108

Em junho de 1904, quando de uma solenidade de inauguração, o músico Cezarino


e a Banda “União Faz a Força” estiveram presentes no evento e executaram por horas as
peças do repertório do conjunto musical.

Inauguração
Inaugurou-se no dia 26 p. passado na casa do Srs. Moysés Mendes e Cª. A luz do
gaz accetylene. Ora, sendo a casa dos cidadões Mendes e Cª o único ponto aprasivel
desta cidade, onde de reúne a escol da nossa melhor sociedade, onde o ponto em que
se congrega a sociedade de gosto e espírito, há a convivência expansiva suavisando-
nos a vida tão monótona sem atractivos no interior, é digno de louvor e apllausos tão
grande melhoramento, que proporciona-nos em uma tão boa sociedade luz em
profusão, tanto a phisica como a do crepitar do espírito e alegria.
Para festejar tão útil melhoramento a música do Capm. Cezarino foi comprimenta-
los havendo nessa ocasião brindes, conversas, cavacos e prosas, tudo regado a boa
cerveja, vinhos e do apreciável néctar cearense, delicioso vinho de caju. A banda de
música “União faz a força” tocou durante mais de uma hora muitas peças de seu
repertório alegrando-nos proporcionando-nos uma cerata cheia e agradável.
Agradeceu tão expontanea manifestação o humorístico e espirituoso moço João de
Toledo, que em phrases repassadas de fino espírito e humor trouxe nos suspenso de
sua verve agradecendo em nome dos proprietários e assim terminou-se a serata, que
se tornará sempre grata e lembrada por quantos a assistiram (Jornal A Serra Negra,
03/07/1904).

Encontrou-se também uma referência ao maestro e professor de música José


Rodrigues da Silva Munhoz97 nas lembranças narradas por Sylvino de Godoy (1970), nas
quais consta que após sua chegada, no ano de 1895, ele e sua família estabeleceram-se na
zona rural. Descreveu que as bagagens foram acondicionadas em troles, alugados
antecipadamente, e atravessaram a cidadezinha sob o olhar dos curiosos.
O autor narrou ainda que as ruas eram de terra e o trotar dos animais produzia
muito pó. A propriedade comprada por seu pai era uma fazenda, bastante retirada da zona
urbana

[...]lá, bem em cima da cidade, começava a estrada de Amparo, pela qual devíamos
chegar a São Domingos, a fazenda que meu pai comprara de um tal João Bueno,
distante cinco quilômetros. Essa fazenda, anos depois, como referência à cidadania
de nosso pai, passou a ser conhecida pela denominação de “Fazenda do Campineiro”
(GODOY, 1970, p.2).

A região em que se localizava a fazenda adquirida também era destinada ao


plantio de café, pois o autor relembrou as plantações: “víamos pastarias e nas montanhas os

97
O maestro Munhoz também acompanhava as peças teatrais e eventos políticos. Ele foi professor do músico
imigrante Alfredo Dallari, trompetista e integrante da "Umberto I", como instrumentista e membro da diretoria
da banda, a partir da década de 1900.
109

cafezais verdejantes, que nosso velho pai dizia serem uns cento e vinte mil pés, de uns
quarenta anos de idade e outros novos em menor número”.
A família permaneceu na propriedade rural por cerca de cinco anos. Após a queda
do preço do café começaram as dificuldades econômicas, e os Godoy decidiram mudar-se
para a cidade, onde adquiriram um casarão localizado no Largo da Matriz. Apesar de Sylvino
descrever a cidade como limpa e organizada, ela era ainda muito precária e o maior
contingente da população se concentrava na área rural.
Na nova moradia, Sylvino passou a acompanhar a vida religiosa da cidade,
lembrando-se das rezas do mês de Maria, “com ladainhas cantadas, por um coro de vozes
femininas”. As ladainhas eram dirigidas pelo maestro Munhoz.
Este Munhoz dirigiu também uma orquestra de câmara que acompanhava os
espetáculos do Grupo Dramático 18 de Agosto. Em umas das apresentações a renda se
direcionou para as obras da Igreja Matriz. Nesse dia, a orquestra executou as seguintes peças:
La Gracieuse – overture – por O. Metra; La Souveraine – ouverture, por Alp. Herman e a ária
final da ópera Beatriz di Tenda98.

Foto nº 07. Largo da Matriz, Serra Negra, década de 1900.


Reforma da Igreja Matriz. É visível um bebedouro para animais
ao centro da imagem, e a cruz de madeira à esquerda. Fonte:
Humberto Manzini. Acervo da pesquisadora.

98
Jornal A Serra Negra, edição de 18/08/1907.
110

Munhoz também esteve envolvido nas disputas eleitorais ocorridas em 1907,


assim como o maestro Vincenzo De Benedictis, tanto que dois musicistas que integravam a
Corporação Musical manifestaram-se publicamente99 a favor de uma determinada facção
política.
Nós, abaixo assinados, declaramos que, desta data em diante, somos solidários ao
partido governista, chefiado pelo capitão Francisco Pinto da Cunha, por ele nos ser
mais simpático e nos merecer mais confiança. Declaramos mais, que nos retiramos
da Corporação Musical regida pelo professor José Rodrigues da Silva Munhoz e
nada temos que ver com qualquer compromisso que a mesma tenha. Serra Negra, 10
de janeiro de 1908. a) Hygino José do Nascimento. a) José Alves de Godoy. (O
Serrano, 11/01/1908).

Outra agremiação musical do mesmo período foi a Corporação Musical União


Familiar, cuja denominação variava entre Banda Musical Santa Cecília ou Corporação
Musical União Família Santa Cecília100. Entre suas apresentações está a inauguração da
iluminação geral do Teatro Municipal, local de apresentações do Grupo Dramático Luso
Brasileiro.

Inauguração
Na noite de 27 p.p.mez, o Sr. Alfredo Romano, inaugurou no Theatro Municipal
desta cidade um apparelho para iluminação geral do theatro. A machina fuccionou
perfeitamente dando-nos uma optima luz. Ao acto compareceram muitos
cavalheiros, gentis senhoritas e a corporação musical União Familiar que executou
diversas peças. Este melhoramento deve-se aos distinctos rapazes do grupo
Dramático Luso Brasileiro, que de há muito trabalhavam para esse designo. (O
Serrano, 11/01/1908).

A regência da Banda “União Familiar” atribui-se ao músico Ariovaldo do Amaral


Campos, também professor de música e compositor. A “União Familiar” e a “Umberto I”, em
1908, realizaram concertos regularmente, ambas no Jardim Público, apresentando
particularidades quanto à relação do repertório, pois a “Umberto I” incluía em seu programa
trechos de óperas e obras de compositores italianos, o que era sua principal característica; já a
“União Familiar” incluía marchas, valsas, tangos, dobrados e até samba.
99
A Corporação Musical do Maestro Munhoz apoiou o Grupo do Major Pires, também denominados piristas. Os
dois músicos dissidentes eram ramistas.
100
Essa Banda era parte da Sociedade União Familiar Santa Cecília, pois consta o anuncio de um espetáculo em
1909: “Haverá hoje, no salão da sociedade ‘União Familiar S. Cecília’, um espectaculo, promovido pelo ‘Grupo
Infantil’, em beneficio da mesma sociedade. Nesse espectaculo serão levadas a scena as interessantes comedias –
Os chinellos de uma cantora, em um acto, e Miguel e Torneiro, em dois actos. Num intervallo a galante menina
Laura Nascimento recitará a bellissima poesia – O sonho do Bebê.” (O Serrano, 18/07/1909).
111

Ilustração nº 09 - Jornal O Serrano, Ilustração nº 10 - Jornal O Serrano, edição


edição de 27/12/1908. de 06/12/1908

Na década de 1910, Serra Negra ganhou outra movimentação. Além das


apresentações quinzenais das bandas de músicas, a cidade passou a obter novos espaços de
lazer para a população, pois no final de 1909 inaugurou-se o primeiro cinema serrano.
De acordo com Alcebíades Felix (2012, p. 80 e 81), o Joly Cinema foi fundado
em 1909, sendo que a primeira exibição ocorreu no dia 19 de dezembro. Adaptou-se o local
para as exibições em um imóvel localizado no largo da Matriz. Os primeiros proprietários
foram os Srs. Atilla Vaz e Ramiro de Oliveira. O segundo endereço do Joly foi na antiga Rua
13 de Maio, atualmente Rua Duque de Caxias, esquina com a Cel. Pedro Penteado, e o
segundo proprietário foi o Sr. José Fernandes de Carvalho101.
Como o cinema era mudo, alguns músicos serranos foram contratados para
acompanhar a exibição dos filmes e, segundo Felix, as partituras acompanhavam as fitas. No
Joly Cinema o conjunto musical era composto por Silvio Bianchi102 - piano, Cristina Bianchi
– violino, Tonico Macedo – flauta, e Ariovaldo Campos – contrabaixo.

101
Na Rua Tiradentes foi instalado o segundo cinema, chamado Central, de propriedade de João Tozzini; o seu
funcionamento também ocorreu no período em que o cinema era mudo e o conjunto musical que acompanhava
os filmes era formado por Josefina Tozzini – piano, Luiz Lamari – violino, Angelo Lamari – violino, José
Lamari – flauta e Alfredo Dallari – contrabaixo.
102
De acordo com Nello Dallari (1966), o músico Silvio Bianchi teria sido o primeiro maestro do Corpo
Musicale “Umberto I”, porém não foram encontrados registros sobre sua atuação na banda de música. Segundo
dados fornecidos por Maria José Ferreira Araújo Ribeiro, a cidade de Americana abrigou também um maestro de
banda com o nome de Silvio Bianchi; inclusive suas duas filhas foram professoras de piano.
112

A inauguração de um novo clube recreativo foi bem recebida pela comunidade,


um evento que foi digno de uma reportagem no Jornal Gazeta da Serra, com detalhes
minuciosos, inclusive descrevendo as vestimentas das senhoras presentes. O baile foi
abrilhantado por uma orquestra regida pelo Maestro Munhoz103.
Baile no Club União
O “Club Recreativo União de Serra Negra” abrio os salões na noite de 20 corrente,
para proporcionar uma explendida festa as Exmas. famílias dos sócios e convidados.
Foi assim que, via-se o salão de baile caprichosamente ornamentado com flores
naturaes e de modo esthetico, que deixava ver-se uma bellesa arrebatadora.
A illuminação feita a capricho pela Câmara Municipal e Luz Electrica, dava aos
salões verdadeiro brilhantismo.
As 9 horas em ponto chegava a orchestra regida pelo maestro Munhoz, que ia
executar as contradanças para a effectividade do baile.
As 9 ½, deram entrada no salão de baile, diversas famílias de sócios e convidados
que trajavam vestidos de verdadeiro gosto e arte. Notamos as seguintes: Senhorita
Benedita Furtado – verde mar e rendas brancas; Antonia Vaz – verde mar e
bordados; Clarice Toni – rosa enfeitado de preto; Hermecinda Lopes – frese e rendas
brancas; Cassilda Tezzoni – azul e branco; Alayde Mangeon – azul e blusa creme;
Anninha Vaz – frese e branco; Maria José de Barros – cor de rosa e branco;
Amanda Mangeon – frese enfeitado de preto; Alcina Peluso – frese e branco; Rosa
Munhoz e Alice de Toledo Nascimento – todo branco; Joanna Munhoz – rosa e
branco; Alzira Mangeon – verde e branco; Liticia Vergal – branco e vermelho;
Gilcelia Furtado – todo vermelho e preto. Madames Áurea Furtado – branco
salpicado e manto azul; Maria Mangeon – todo preto; Anna Elisa de Godoy – lilaz
para violeta; Letícia Ramos – todo branco; Rita Toni de Vasconcellos – todo laranja;
Geraldina Vaz – cinza e branco.
Notamos a presença de muitos cavalheiros da fina flor social, entre elles o
exmo.snr.dr. Julio A da Rosa Furtado, José Flavio de Queiroz Mello, Adhemar
Marques Teixeira, Constantino Vergal, Henrique Mangeon, Lafayette Dantas e
Waldemar Dantas de Vasconcellos, Adão Avelino de Godoy, Oscar e Carlos
Mangeon, Mariano A. Lopes, Attila de C. Vaz, Izidoro Rodrigues de Oliveira,
Joaquim de Barros, João Ulisses Mecenas de Toledo Mello, Emilio Zelante, dr.
Ramiro Ramos de Oliveira e outros cujos nomes nos escapam.
A orchestra e botequim estiveram como sempre, irreprehensiveis.
As danças se prolongaram até às 4 horas da madrugada de domingo, quando todos,
satisfeitíssimos, se retiraram dos salões do “Club União”
Parabéns a Directoria por mais essa festa, que tanto agradou aos sócios convidados.
(Gazeta da Serra, 25/08/1910).

103
A orquestra foi constituída em dezembro de 1908, entre seus membros estavam bons músicos e que se
prestam simplesmente por amor à arte. Sua estreia ocorreu no Teatro Municipal em uma apresentação em
benefício da cantora Clotilde Morosini. (Jornal O Serrano, edição de 27/12/1908). A diretoria da “Orchestra
Munhoz” era composta pelo Presidente – Attila de Camargo Vaz; Vice-Presidente – Ariovaldo Amaral Campos;
Thesoureiro – Alfredo Dalllari; Secretario - Ernesto Nascimento Santos e Maestro Regente - José Rodrigues da
Silva Munhoz. (Almanach de Serra Negra, 1913, p. 254). Temos na diretoria do conjunto musical músicos
serranos, um imigrante italiano e o proprietário do primeiro cinema mudo, indicando que as três bandas de
música que estavam atuando no período conviviam de forma harmônica e a convivência sugere a troca de
informações musicais entre esses musicistas.
113

Foto nº 08. Largo da Matriz, Serra Negra, 1912. Bilhete Postal, anotações manuscritas - “Serra
Negra, 20-8-1912, Umberto Manzini”. Veem-se a Igreja Matriz com a reforma inacabada e pessoas
saindo da igreja, inclusive um padre, ao término da missa. Do lado esquerdo da foto vemos a Rua
Visconde do Rio Branco, com suas casas alinhadas, seguindo o Código de Postura, além dos postes de
energia elétrica. O Cine Joly, localizava-se ao lado direito da Matriz. Fonte: Humberto Manzini.
Acervo da pesquisadora.

CORPORAÇÃO MUSICAL “UNIÃO OPERARIA”

Em 1911, surgiu a notícia da atuação da Liga Operaria, juntamente com a primeira


menção da Corporação Musical “União Operaria”.

Solemnisando a magna data de 1o de maio os sócios da Liga Operaria desta cidade,


reuniram-se e precedidos da corporação musical ‘União Operaria’, realisaram
imponente passeata pelas principaes Ruas d’esta cidade, saudando as autoridades e a
imprensa. Ao passarem por frente desta redação, fez uso da palavra o sr. Annibal
Câmara, quem em nome dos seus collegas saudou a nossa folha. Respondeu
agradecendo a nosso director Sr. Adolpho Lombardi. (O Serrano, 13/05/1911)

A diretoria da referida Liga Operaria apresentava as seguintes configurações:


Secretário – Manoel Joaquim Ferreira; Tesoureiro – José Felippe; Conselheiros – Alfredo
Felippe do Carmo e Alfredo Dallari. Já a Corporação Musical “União Operaria” tinha como
presidente o Sr. Annibal Câmara; Tesoureiro, o Sr. Manoel Joaquim Ferreira; Secretário, o Sr.
114

João Vicente de Campos e regente, o Sr. José Pinto de Oliveira, que também exercia a função
de Oficial de Justiça104.
A Banda “União Operaria” realizou várias apresentações musicais, como os
concertos no Jardim Público e em festas religiosas, dividindo espaço com a Banda “Umberto
I”.
RETRETA
Si o tempo permitir, a Banda Musical “União Operaria”, executará hoje, ás 6 horas
da tarde, no coreto do Jardim Público, sob a regência do sr. José Pinto de Oliveira, o
seguinte programma.
Primeira Parte
I- Dobrado - Augusto Muniz
II- Valsa - Amorosa
III- Mazurka - La Mascotte
IV- Symphonia - Le priggione D’Edeburgo
V- Polka - Leonidas - por Ernesto Rossi e dedicado ao prof. Leonidas de Oliveira.

Segunda Parte
I- Dobrado - Idolo
II- Valsa - Leo Feroves
III- Quarteto de Damogio
IV- Tango- Canto Cantadori por Tito A. Silva (O Serrano, 01/09/1912)

As informações abaixo indicam que a Banda “União Operaria” passou por algum
tipo de dificuldade financeira, mas a superou e se reorganizou, já que se fez presente na festa
de Santa Cruz.

“UNIÃO OPERARIA”
Com o fim de ser reorganisada a banda musical “União Operaria” desta cidade, foi
aberta pelo seu antigo regente, Sr. José Pinto de Oliveira, uma lista destinada a
receber os auxílios para a aquisição de alguns instrumentos. Os auxilios já
subscriptos montam a uma boa somma, o que faz prever que dentro de pouco tempo
esteja a Corporação Musical “União Operaria” reorganisada. (O Serrano,
16/04/1914)

Em 17 de maio de 1914, realizou-se a festa de Santa Cruz. Além da missa e


procissão houve leilão das prendas doadas pela comunidade e um concerto da Corporação
Musical “União dos Operários”.

104
Almanach de Serra Negra, 1913 ps. 246 e 254. A Liga Operaria demonstrava ser muito ativa; pena que são
raros os registros de sua atuação. Era composta por membros da comunidade italiana, entre eles José Felippe,
que foi sócio-proprietário da Fábrica de Chapéu Panamá-linho, fundada em 1911. Em janeiro de 1912 os
associados foram convidados para uma reunião a fim de tratar dos interesses da sociedade. (Jornal O Serrano,
edição de 14/01/1912).
115

Ilustração nº11. Jornal Gazeta da Serra, edição de 16/05/1914

A Corporação Musical “União Operaria” continuou sua programação com


regularidade até início dos anos de 1920, dividindo espaço com o Corpo Musicale “Umberto
I” e a Corporação Musical “Carlos Gomes”. Em 1921, a Liga Operaria, à qual a Banda estava
vinculada, anunciou sua dissolução. A doação do seu patrimônio destinou-se para contribuir
no tratamento do músico Nicolino Fatigatti, acometido pela tuberculose.

LIGA OPERARIA
Tendo se dissolvida a ‘Liga Operaria’, desta cidade, o conselho administrativo da
mesma resolveu fazer donativo da importância que havia em caixa 62$100, o Sr.
Nicolino Fatigatti, que se acha em Campo Mystico em tratamento de sua saúde. (O
Serrano, 20/03/1921).

MAESTRO ALBERTO DE BENEDICTIS

A Corporação Musical “Umberto I”, mesmo passando por algumas dificuldades


após o falecimento do maestro Vincenzo De Benedictis, continuou se apresentando
regularmente entre o final da década de 1910 e toda a década de 1920, embora dividindo
espaço com as outras Corporações Musicais. Assumiram a regência da “Umberto I” os filhos
do maestro Vincenzo De Benedictis.
Alberto De Benedictis chegou a Serra Negra, juntamente com o pai, Vincenzo De
Benedictis, no início do século XX. Era músico integrante da “Umberto I”, como trompetista.
116

Casou-se em Serra Negra em 1908, com a filha de um rico cafeicultor serrano, matrimônio
que causou incômodos a determinada parte da sociedade local, pois era inconcebível para
alguns filhos da terra que jovens brasileiras se casassem com imigrantes ou seus
descendentes.
Provavelmente em razão desta hostilidade, Alberto e sua família tenham se
mudado para outra cidade. O que corroborou a hipótese foi um anúncio de 15 de janeiro de
1911, em que o músico ofereceu seus serviços como professor de música, o que leva a crer
que ele estava retornando a Serra Negra.

Professor de Música
Fixou residência nesta cidade, no Largo da Matriz n.9, o sr. Alberto de Benedictis,
hábil professor de musica, que se acha a disposição dos interessados para os serviços
de sua arte, leccionando piano e outros instrumentos em domicilio do alumno. (O
Serrano, 15/01/1911)

Não foi possível afirmar que Alberto De Benedictis voltou a integrar os quadros
da “Umberto I”, porém o músico passou a organizar em outubro de 1911 uma banda de
música infantil, talvez reunindo seus alunos.

Foto nº 09. Maestro Alberto De Benedictis, década de 1900. Fonte: Galeria de


Retratos da Corporação Musical “Lira de Serra Negra”. Acervo da pesquisadora

Assim como seu pai, Alberto De Benedictis foi compositor e suas obras aparecem
constantemente nas apresentações da Banda. A primeira notícia sobre suas composições data
de 13 de março de 1912, uma marcha denominada L. Facini, e em junho do mesmo ano foi
anunciada outra de suas peças.
117

GENERAL AMELIO
O Sr. Alberto De Benedictis, maestro de musica nesta cidade, acaba de offerecer á
Corporação Musical “Umberto I”, uma marcha de sua composição a qual deu o
título de “La presa di Rodi dal Generale Amelio” e que brevemente será executada
no Coreto do nosso Jardim Público. (O Serrano, 02/06/1912)

O Corpo Musicale “Umberto I” executou as obras de Alberto De Benedictis sob a


regência do músico Zacharias Quaglio, demonstrando, outrossim, que o autor mantinha boas
relações com os membros da referida Banda.
No final do ano de 1913 o maestro Vincenzo De Benedictis adoeceu e Alberto o
substituiu no concerto de 7 de dezembro de 1913. A partir de 1914, Alberto passou a exercer
outra atividade além de músico, pois inaugurou uma chapelaria, chamada Chapelaria Alberto,
em uma das ruas centrais da cidade. Em novembro de 1916, assumiu definitivamente a
condução da “Umberto I”, nela permanecendo até 1922105.

JARDIM PÚBLICO
A Corporação Musical “Umberto I” executará hoje, ás dezoito horas, no coreto do
Jardim Público, sob a regência do hábil maestro Alberto De Benedictis o seguinte
Programma:

1ª Parte
1- Puglielli – Marcha Militar – Ettore Furamosca
2- Virani – Polka Flora
3- De Benedictis – Mazurka – Água Poderosa
4- Ascolese – Symphonia Original – Yolanda

2ª Parte
5- Marchetti – Passo doppio- Symphonia Odore
6- Verdi – Symphonia – Conte S. Bonifaccio
7- De Benedictis – Valsa - Filhinha
8- Cruz – Tango Cutúba (O Serrano, 26/08/1917)

O ano de 1918 destacou-se por vinte e um concertos apresentados pela “Umberto


I”, sob a regência de Alberto De Benedictis. Também nesse ano, deu-se continuidade a uma
campanha para arrecadação de fundos junto à população serrana visando à confecção de um
novo fardamento para os músicos da Banda Italiana106.
O ano seguinte não foi diferente do anterior: a “Umberto I” realizou concertos
regularmente, porém não foi possível a renovação do contrato para o ano de 1920, a fim de

105
Na impossibilidade de seu comparecimento em alguns concertos, foi substituído por seu irmão Lívio De
Benedictis.
106
O novo fardamento da Banda só foi confeccionado em 1923.
118

manter as apresentações quinzenais. Assim, Alberto apresentou a última retreta do ano de


1919, com uma inusitada despedida.

Corporação “Umberto I”
“Sendo hoje a ultima retreta que a Corporação Musical “Umberto I”, realisa no
coreto do Jardim Público desta cidade, por ter sido indeferido o seu requerimento, o
abaixo assignado vem agradecer em seu nome e no dos músicos, aos representantes
da Câmara Municipal e ao Sr. Adriano Pinto da Fonseca, digno prefeito, a attenção e
preferência que sempre tem dado à referida corporação durante todo tempo que
realizou suas retretas no Jardim Público desta cidade.
(a) O maestro - Alberto De Benedictis. (O Serrano, 28/12/1919)

Entre os anos de 1920 a 1922, as apresentações da “Umberto I” aconteceram


esporadicamente, havendo notícias de retretas realizadas pela Corporação Musical “Carlos
Gomes”, porém não ficou claro se a Banda Brasileira havia conseguido o contrato para as
apresentações regulares. O último concerto que Alberto De Benedictis regeu à frente da
“Umberto I” ocorreu em 10 de dezembro de 1922. Logo em seguida, ele mudou-se
definitivamente para a vizinha cidade de Amparo, local em que exerceu atividade como
professor de música até o seu falecimento, fato que ocorreu em janeiro de 1932.

Foto nº 10. Vista Parcial da cidade, início da década de 1930. No plano inferior, à esquerda, Hotel da
Empresa da Fonte Santo Antonio, parte da Rua Cel. Pedro Penteado e suas casas antigas. No Alto do
morro a Igreja São Benedito e o Hospital Santa Rosa de Lima. Fonte: Foto Fagundes. Acervo da
Pesquisadora.
119

MAESTRO LÍVIO DE BENEDICTIS

Quando Alberto De Benedictis deixou a regência da “Umberto I”, substitui-o seu


irmão Lívio. O músico Lívio De Benedictis chegou a Serra Negra no início do século XX,
juntamente com seus familiares. Era o segundo filho do maestro Vincenzo De Benedictis. As
primeiras informações encontradas sobre o músico datam de dezembro de 1915, quando a
“Umberto I”, sob a regência de Vincenzo, apresentou a peça Água Poderosa, de sua
autoria107.
RETRETA108
A Corporação Musical “Umberto I”, executará hoje, às dezoito horas, no coreto do
jardim público, sob a regência do maestro snr. Vicente De Benedictis o seguinte
Programma
I – Vicente De Benedictis – Marcha Militar –I Granatieri
II – Vicente De Benedictis – Polka – Leticia
III – Alberto De Benedictis - Symphonia Original
IV – Lívio De Benedictis – Mazurka – “Água Poderosa” dedicada ao distinto
Clínico Sr.Dr. Francisco A. Tozzi.
Segunda Parte
I – Orlando – Marcha Symphonica Poeta e Contadino
II – Gounod – Phantasia Faust
III – Vicente De Benedictis – Valsa – Filhinha
IV – Neves – Tango – O Delirante (O Serrano, 26/12/1915)

[...] Foi bem apreciada a mazurka “Água Poderosa” de Composição do jovem Lívio
de Benedictis, recompensada ao seu primeiro e feliz esforço. (O Serrano,
30/12/1915)

Após a estreia de Lívio De Benedictis como compositor da mazurca Água


Poderosa, este se apresentou à comunidade serrana como professor de música.

Lívio De Benedictis
Maestro de Música
Lecciona Piano, Canto, Violino, Bandolin, Harmonia e Orchestra
Rua 7 de setembro
Num. 39
(O Serrano, 07/11/1916)

Assim como seu irmão Alberto, Lívio regeu a Banda Italiana na ausência de seu
pai. Seu concerto inaugural aconteceu nas comemorações oficiais da data de 15 de novembro
de 1917. Nessa solenidade a população serrana foi convidada a participar de uma passeata

107
A peça faz referência a descoberta das águas radioativas em Thermas de Lindóia.
108
Predominância na escolha do repertório de peças compostas pelos membros da família De Benedictis.
120

cívica, evento que contou com a Corporação Musical “Umberto I”, Corporação Musical
“Carlos Gomes” e pela linha de tiro, encerrando-se com um concerto.
Destacou-se a atuação de Lívio De Benedictis como professor de música. Esta
pode ser ressaltada devido à realização das audições musicais de seus alunos, como a ocorrida
em 25 de março de 1920, no espaço do Cinema Joli. O Sarau Artístico contou com a
participação da “Umberto I” e de outros conjuntos musicais que se apresentaram regidos pelos
músicos Lívio de Benedictis, Zacharias Quaglio, Alfredo Dallari, Ângelo Lamari109, além da
Sra. Artemisa Rielli Lombardi.
No final de 1922, Lívio De Benedictis assumiu a regência da “Umberto I”,
substituindo seu irmão Alberto. Nesse período ele já era reconhecido como professor de
música e compositor. Em 1923 realizaram-se vários concertos sob seu comando e a Banda
passou por uma reestruturação. Com a nova diretoria, encaminhou-se todo o instrumental para
a cidade de Campinas/SP, para reforma e manutenção e, finalmente, a “Umberto I” inaugurou
seu novo uniforme. O fardamento de casimira seguiu os moldes dos oficiais da infantaria
italiana; a confecção ficou a cargo do músico e também alfaiate Ermindo Della Guardia.

Foto nº 11. Corpo Musicale “Umberto I”, setembro de 1923. Foto em comemoração a estreia
do fardamento. Foto cedida pelo músico Orlando Lugli. Acervo da pesquisadora.

109
É um dos primeiros registros da atuação do músico Ângelo Lamari como maestro. A partir de 1950, Angelo
assumiu a regência da Corporação Musical "Lira Serra Negra" permanecendo até 1975.
121

Lívio De Benedictis permaneceu como maestro da banda até julho de 1925. Já no


concerto realizado no mês de agosto a regência passou para Astolpho Perondini. Ao assumir a
regência, Astolpho encerrou uma longa fase da banda, que foi marcada pela presença dos
membros da família Benedictis.
O registro desse período mostrou várias manifestações musicais, num curto
espaço de tempo. Vemos que em menos de 30 anos possibilitou-se elencar a atuação das
seguintes bandas: Corpo Musicale “Umberto I”, Banda de Música “Cesarino”, Corporação
Musical “Carlos Gomes”, Banda dos “Morgantis’, Banda de Música “União Faz a Força”,
Corporação Musical “Munhoz”, Corporação Musical “Santa Cecilia”, Corporação Musical
“União Operaria”. Elencaram-se também os conjuntos musicais que atuaram nas sessões de
cinema mudo, com a presença de instrumentistas femininas como Josefina Tozzini e Cristina
Bianchi, além da pianista Artemisa Rielli Lombardi nos saraus artísticos. Têm-se ainda a
Orchestra Munhoz e a Orchestra Euterpe Serrana, que acompanhavam os espetáculos teatrais
e realizavam bailes dançantes, e os grupetos que animavam as festas na área rural - muitos
músicos eram agricultores e lavradores -, além das manifestações da musicalidade da cultura
negra.
Alguns eventos significativos ocorreram também nesse período; a maioria em
decorrência da atuação de um jovem que optou pela carreira religiosa e que era imigrante
italiano; seus serviços religiosos e filantrópicos e a ajuda da comunidade local, inclusive da
colônia italiana, mudaram a configuração da cidade.

Foto nº 12. Procissão cortando a cidade de Serra Negra, vinda provavelmente da Igreja de
São Benedito, no Alto dos Pinheiros, caminhando pela Rua Sete de Setembro, subindo o
Paço Municipal, passando em frente ao Grupo Escolar e seguindo em direção a Igreja
Matriz. Década de 1910. Foto cedida por Nestor Leme. Acervo da Pesquisadora.
122

2.4 - MONSENHOR MANZINI: RELIGIOSIDADE, MÚSICA E


DESENVOLVIMENTO URBANO.

O imigrante Humberto A. M. Manzini nasceu em Mântua, na Itália, em 23 de


fevereiro de 1879 e chegou ao Brasil em 01 de novembro de 1888, juntamente com seus pais,
Marcos Manzini e Matilde Trevisi.
A família se instalou na cidade de São Paulo e Humberto Manzini, com apenas
nove anos, seguiu para Campinas para estudar. Nessa cidade se ordenou sacerdote em janeiro
de 1911. Ele trabalhou como secretário particular de Dom João Batista Correa Nery e foi
reitor do Seminário e Ginásio Diocesano de Campinas.

Foto nº 13. Lembrança da ordenação do Sacerdote Humberto A. M. Manzini, celebrada


na Catedral de Campinas em 22/01/1911. Fonte: Humberto Manzini. Acervo da
pesquisadora

Ao se estabelecer na cidade de Serra Negra, empreendeu esforços a fim de


arrecadar fundos para o término da reforma da Igreja Matriz e, em novembro de 1912,
organizou os festejos para recepcionar o Bispo Diocesano, Dom João Batista Correa Nery, em
123

sua vinda a Serra Negra. Tais festas contaram com a presença de duas bandas de música,
como denota a notícia publicada no jornal local110:

BISPO DEOCESANO
A CHEGADA DE D. JOÃO BAPTISTA CORREA NERY
A chegada do Bispo de Campinas provocou grande festa e comemoração na cidade,
com recepção, Discurso Oficial e com a participação das Corporações Musicais
“Umberto I” e “União Operaria”, com apresentações no coreto construído em frente
a casa de residência do vigário desta parochia. (O Serrano, 07/11/1912).

Estreitaram-se os laços de amizade com membros da comunidade serrana e o


padre Manzini passou a frequentar assiduamente a sapataria de outro imigrante italiano,
Alfredo Dallari. Durante sua permanência ali, passava horas conversando em italiano,
relembrando o seu país de origem. A sapataria do Sr. Dallari localizava-se no largo da Matriz
e se tornou um ponto de encontro entre os amigos para discussões acirradas e declamações da
obra de Dante Alighieri. Alfredo Dallari era assinante do
jornal Fanfulla e muitos conterrâneos, inclusive da área
rural, passavam pela sapataria a fim de saber sobre os
últimos acontecimentos referentes à colônia italiana que
eram veiculados no jornal. A comunicação se dava através
da leitura conjunta do referido jornal e, em voz alta, tudo
era noticiado a todos os interessados.

Ilustração nº 12 - Jornal “Fanfulla”,


edição de 1905.

Em 1888, os pais de Alfredo Dallari chegaram ao Brasil, oriundos da Villa


Collemandina, arrabalde de Lucca, na Toscana, e foram proprietários de um armazém na
Fazenda Campineira111, na área rural de Serra Negra. Dos quatro irmãos somente Alfredo era
músico e seus instrumentos eram o trompete e o contrabaixo. Ele se casou em 1905 com
Maria De Lorenzi, também imigrante italiana. Desde o início do século XX era membro do

110
O fato de o Monsenhor Manzini ter realizado seus estudos em Campinas teria dado a ele a compreensão da
importância da boa música na realização das cerimônias religiosas. Daí talvez o apoio que ele sempre forneceu
às corporações musicais da cidade, buscando assemelhá-las às bandas que conhecera na terra de Carlos Gomes, e
para isso as relações com os imigrantes/músicos italianos foram fundamentais.
111
A Fazenda Campineira foi propriedade da família de Sylvino de Godoy, como já mencionado.
124

Corpo Musicale “Umberto I” em Serra Negra e, como músico exemplar, empreendeu uma
significativa liderança entre seus pares. Ele atuou também como professor de música,
capacitando várias gerações de instrumentistas. Da grande amizade que mantinha com
Manzini decorreu que, após a mudança do Monsenhor de Serra Negra, Alfredo não mais
frequentou a Igreja. Outros vínculos de amizade ligaram-no aos músicos das famílias Lamari
e Morganti112.

Foto nº 14. Largo da Matriz, Serra Negra, inicio da década de 1930. Anotação a
maquina de escrever: “Chiesa Parrocchiale Serra Negra”. Trata-se do registro de
uma festa paroquial. Nota-se grande reunião de pessoas em frente ao templo
religioso e um carrinho de pipoca do lado esquerdo. Fonte: Humberto Manzini.
Acervo da pesquisadora.

Desde o final do século XIX, a Igreja Nossa Senhora do Rosário permaneceu em


construção e reformas. Os impostos e multas angariados em alguns artigos dos Códigos de
Postura destinavam-se às obras da Igreja, além das rendas dos inúmeros espetáculos que
foram realizados pela comunidade local em benefício das obras de Matriz. A conclusão das

112
Silva, Claudia Felipe. A música como elemento integrador de imigrantes italianos à sociedade de Serra
Negra: O papel das bandas de música na vida sócio-cultural paulista na primeira metade do século XX – Bolsa
Pesquisa SAE/PRG – 2000/2001. Orientadora- Profa. Dra. Olga R. de Moraes von Simson.
125

obras da Matriz requereu muita dedicação por parte do Monsenhor Manzini, que cuidou de
todos os detalhes. Em 12 de junho de 1916, o Padre, representando a comissão de obras da
Igreja Matriz, solicitou à Câmara Municipal a presença do arruador113, para que se procedesse
ao alinhamento e nivelamento ao seu redor, visando ao início das obras de construção do
passeio nesse mesmo espaço114.
Após o término da obra, o Padre Manzini voltou-se para a construção do Hospital
de Caridade, cuja primeira comissão formou-se em 1912. Por mais de 10 anos levantaram-se
fundos necessários para a construção do nosocômio e, em 1923, lavrou-se o contrato no
Segundo Tabelionato da Comarca, para a construção do hospital115.
A partir do início das obras o Monsenhor registrou várias etapas da construção,
até a sua inauguração em 30 de agosto de 1929.

Foto nº 15. Vista parcial da frente do prédio em construção - Hospital Santa Rosa de Lima. Photo
Ambulante, F.N. Ano de 1928. Posando à frente do hospital em construção podemos observar um grupo
formado por autoridades e dois trabalhadores. Um dos membros usando a batina é Monsenhor Manzini.
Fonte: Humberto Manzini. Acervo da pesquisadora.

113
Como já mencionado, o arruador era um profissional contratado pela Câmara cuja especialidade se voltava
para a construção, podendo ser engenheiro ou mestre de obras. A função estava prevista no Código de Posturas,
que deliberava de forma detalhada sobre a largura das ruas, a metragem das casas térreas e sobrados, incluindo o
diâmetro das portas e das janelas.
114
Livro de Registro – Alinhamentos e Nivelamentos. Acervo da Câmara Municipal de Serra Negra.
115
A escritura de contrato de Empreitada para Construção do Prédio que se destinava ao “Hospital Santa Rosa de
Lima” é datada de 14 de junho de 1923. A comissão para os trabalhos era composta por José Antônio da
Silveira, José Fernandes de Carvalho, o médico Firmino Cavenaghi e o Cônego Manzini. Acervo de José
Augusto Silveira Santos.
Entre os empreiteiros estavam os irmãos Mattedi, que também eram músicos, componentes da “Umberto I” e de
outros conjuntos musicais, como a Jazz Band Melodia, fundada em 1929.
126

Os arquitetos e engenheiros paulistanos Francisco Salles Malta Junior e Henrique


Jorge Guedes elaboraram o projeto para a construção do Hospital, que seria composto por três
fachadas (frente, fundos e uma dos lados), duas enfermarias (masculina e feminina), uma sala
cirúrgica, espaços destinados à área administrativa, cozinha, refeitório, banheiros e necrotério.
No interior do edifício construiu-se um jardim interno e, próximo às enfermarias,
erigiu-se uma pequena capela em homenagem a Santa Rosa de Lima, padroeira do Hospital.

Foto nº 16. Enfermaria Geral feminina do Hospital Santa Rosa de Lima, Serra Negra, 1929.
Fonte: Humbeto Manzini. Acervo da pesquisadora.

Foto nº 17. Altar em louvor à Santa Rosa de Lima, padroeira do Hospital.


Serra Negra, 1929. Fonte: Humbeto Manzini. Acervo da pesquisadora.
127

Outro marco importante na vida da cidade no final dos anos de 1920 foram as
comemorações do centenário de Serra Negra, que se estenderam por vários dias. Formou-se
uma comissão organizadora constituída por autoridades locais e “gentis senhoritas”, que
programou os festejos com antecedência; a cidade foi caprichosamente decorada com cordões
de vegetação trançada e construíram-se vários portais na entrada das principais ruas.

Foto nº 18. Portal Comemorativo, Serra Negra/SP, 1928. Comemoração dos 100
anos de Serra Negra. Rua Sete de Setembro. Além do Portal, enfeites confeccionados
com cordão de mato trançado. Movimentação de pessoas. Lado direito ficava a
Farmácia Central. A visão de outros portais dá a impressão da construção de um
portal em cada esquina. Bandeiras colocadas em cima do portal. A Placa em cima do
portal diz: “Aos antepassados. Homenagem da cidade no seu centenário, 1828 –
1928”. Fonte: Humberto Manzini. Acervo da pesquisadora.

A programação incluiu a realização de uma missa especialmente preparada pelo


Monsenhor Manzini, que, em sua prédica, saudou a cidade. Na ocasião inaugurou-se o
primeiro monumento da cidade, oferecido pelo médico italiano Francisco Tozzi.
128

Foto nº 19. Monumento em comemoração ao 1º Centenário da cidade, oferecido pelo médico


Francisco Tozzi. Ano de 1928. Foto cedida por Nestor Leme. Acervo da pesquisadora

As bandas de música sempre acompanharam as inúmeras procissões e festas


religiosas, que seguiam um roteiro predeterminado. Às 05:30 iniciava-se a alvorada, momento
em que a banda percorria as principais ruas da cidade, com repertório de dobrados e marchas.
Dependendo do tipo da festa, às 09:30 a banda acompanhava a comissão festeira para a
retirada das prendas e doações que seriam utilizadas nas quermesses e leilões. O período
vespertino destinava-se ao acompanhamento das procissões e o dia festivo encerrava-se com o
concerto noturno e a queima de fogos116.

116
Dependendo da festa ocorriam variações nos horários das atividades e percurso da procissão.
129

Foto nº 20. Procissão realizada nas ruas centrais de Serra Negra, em 1928. Na primeira fila: os
membros da irmandade; ao centro, Monsenhor Manzini, acompanhado de seus coroinhas; logo atrás, a
Banda Musical “Umberto I”. Destaque para a presença do trompetista Alfredo Dallari, de terno, na
direção do barril. Foto cedida por Wanda Dallari. Acervo da pesquisadora.

Além das festas religiosas realizadas na cidade programadas no calendário anual,


existiam inúmeros festejos que eram comemorados nos bairros rurais e que também contavam
com a presença da Banda de Música, como as ocorridas no bairro das Três Barras (Festa de
São Roque), Bairro das Posses, Bairro dos Francos (Festa de São Sebastião), entre outros.
Depois da Igreja Matriz Nossa Senhora do Rosário, que é a instituição religiosa mais antiga
da cidade, surgiu a Irmandade de São Benedito, cuja fundação deu-se em 9 de maio de
1866117, sendo considerada a primeira associação religiosa de Serra Negra.

117
Segundo Caldeira, 1935, p.60.
130

Foto nº 21. Festa em Bairro Rural, Serra Negra, 1925. Anotações a máquina de escrever - “Processione
passando dinanzi allá casa Polidoro, a circa de 3 kilm. dalla cittá. Serra Negra, 8/5/1925”. Festa na área
rural de Serra Negra, na propriedade da família Polidoro, uma das maiores produtoras de café da região.
Procissão com meninas carregando um estandarte com a imagem de algum santo, seguida pelos
meninos também com um estandarte, seguidos de adultos. Provavelmente a trajetória da procissão
percorre um terreiro de café em direção à capela da fazenda. Fonte: Humberto Manzini. Acervo da
pesquisadora.

Segundo Benedita Gomes Rosa (2014), em 1873118já existia uma pequena igreja
em homenagem ao Santo Padroeiro São Benedito, localizada no topo de um morro próximo
ao antigo prédio da Cadeia119. Em 13 de maio de 1883, inaugurou-se o cemitério São
Benedito, próximo à Igreja. Depois de alguns anos transferiu-se para o sopé do morro do
Fonseca120. Quando da sua desativação, os restos mortais foram trasladados para o atual
cemitério, fato este ocorrido em meados do século XX.
Em 1889 construíram-se dois chafarizes na cidade, a fim de auxiliar no
abastecimento de água, um deles no largo da Matriz e o outro no largo da Igreja de São
Benedito. Em 1909 demoliu-se a Igreja de São Benedito e erigiu-se uma nova construção em
um local denominado Alto dos Pinheiros121.

118
Existem também as informações que seguem: Em 1873 tem-se o registro da Irmandade Santíssimo
Sacramento, a Matriz sob a invocação de Nossa Senhora do Rosário, Capela de Santa Cruz e um cemitério
municipal. Dados de 1873 – Almanak da Província de São Paulo. Dados de 1888- Relatório da Província de São
Paulo. A Capela São Benedito e cemitério estavam localizados no antigo Paço Municipal, o espaço foi
desapropriado pela Câmara para a construção de uma avenida. Jornal “Gazeta da Serra”, edição de 07/07/1910.
119
Atualmente está instalado no local a Agência dos Correios.
120
Atualmente Praça Lions Club.
121
Atualmente a entidade denomina-se Irmandade de São Benedito da Paróquia de São Francisco de Assis,
sendo patrimônio da Diocese da Amparo/SP; aprovou-se o último estatuto em 21 de julho de 1957.
131

Foto nº 22. Festa no Bairro dos Cunhas. Ao fundo, a Capela em homenagem a Nossa
Senhora da Pompeia; ao lado esquerdo, Monsenhor Manzini. Festa típica de bairros
rurais, integrando os membros da comunidade local, crianças, jovens, homens e
mulheres. Serra Negra, 08/05/1925. Fonte: Humberto Manzini. Acervo da
pesquisadora.

Benedita Gomes Rosa (2014) descreve a vestimenta da irmandade da seguinte


forma:
Uma opa branca até a altura dos joelhos sobreposta por uma capinha preta que,
contornando o pescoço, chega aos cotovelos, identifica nas procissões o Irmão de
São Benedito. Nas mãos o Irmão de São Benedito carrega uma vela protegida por
uma redoma de vidro presa a uma haste grossa, que chega até o chão.

Anualmente, no dia 6 de janeiro, celebra-se a festa em louvor a São Benedito.


Rosa relatou também que, segundo os mais antigos, as festas eram sempre muito concorridas
e bem organizadas. Os festeiros, alguns moradores dos bairros rurais, vinham especialmente
para as novenas e ocupavam um lugar privilegiado nas procissões: eles carregavam o mastro à
frente do andor, o qual era cercado por uma guirlanda de flores. A cortesia era justificada,
pois esses senhores eram responsáveis pela manutenção das festas.
132

Foto nº 23. Procissão descendo a Rua Santos Pinto. Ao fundo, a Igreja São Benedito, no Alto dos Pinheiros.
Na frente da procissão, dois Irmãos de São Benedito, devidamente trajados, seguram as velas protegidas. Ano de
1923. Ao fundo aparecem os estandartes de mais duas irmandades. Foto cedida por Nestor Leme. Acervo da
Pesquisadora.

A existência de uma irmandade em devoção a São Benedito permite pensar que


ela era composta, ao menos no início, por negros cativos e/ou libertos; Julita Scarano aponta
122
em sua pesquisa (1975) que fazer parte de uma irmandade era uma maneira de se integrar
socialmente; caso contrário, o sujeito estaria fora do convívio social e seria visto com
desconfiança. Assegurava, também, alguns direitos como registro de nascimento, de batismo e
de casamento. Essa afiliação proporcionava alívio e despreocupação para com os rituais pós-
morte, pois garantia-se aos seus membros um local onde seriam enterrados seus corpos e o
fortalecimento para a alma com a encomenda do corpo e as missas regulamentares. Mesmo
com toda influência da doutrina cristã, Scarano (1975, p. 150) expõe que “as confrarias
serviam de veículo de transmissão de diversas tradições africanas, que se conservaram pela
frequência dos contatos, pela conservação da língua e outras razões semelhantes”.
Outro empreendimento digno de registro sobre o Monsenhor Manzini foi a
construção do novo prédio do Externato Católico Sagrada Família, para melhor atender as
crianças carentes da cidade. O início das atividades do Externato deu-se no final do ano de
1931, e esteve sob a direção das Irmãs Franciscanas Missionárias do Egypto, assim como o
esteve o Hospital por muitos anos. Passados três anos o casarão alugado já não mais atendia
as necessidades das meninas que o frequentavam; algumas alunas cuja condição familiar era
muito precária, ou que eram órfãs, permaneciam hospedadas no Externato sob os cuidados das
Irmãs. Houve, então, a intervenção do religioso, que mobilizou a cidade mais uma vez. No

122
A pesquisa realizada por Julita Scarano, que resultou em seu livro Devoção e escravidão: A Irmandade de
Nossa Senhora do Rosário dos Pretos no Distrito Diamantino no século XVIII, publicado em 1975, estuda a
estrutura das irmandades desde seu aparecimento no Brasil. Sua obra tornou-se referência para estudos
posteriores.
133

final de 1937, inaugurou-se o novo prédio do Externato Sagrada Família, porém Monsenhor
Manzini não acompanhou as últimas providências para comemorar o evento, já que se
encontrava doente e em processo de recuperação na casa de familiares em São Paulo. A
doença obrigou-o a se afastar da Paróquia de Serra Negra em meados ano de 1936. A
população serrana, num gesto de gratidão, organizou uma festa de despedida, pois ele havia
completado 25 anos de permanência e atividade religiosa na cidade. O programa dos festejos
foi publicado previamente em dezembro de 1936 e contou com a presença da Corporação
Musical “Umberto I”.

Ilustração n º 13. Jubileu de Monsenhor Manzini. Fonte: Humberto Manzini.

Em janeiro de 1937, assumiu o reverendo Padre Francisco de Campos Machado.


Após sua mudança, Monsenhor Manzini manteve sólidos vínculos com os serranos, sempre
preocupado com os antigos párocos, tanto que tomou a iniciativa da confecção do brasão da
cidade123. Ele pessoalmente entrou em contato com Affonso de E. Taunay, para que este
confeccionasse o escudo serrano. Manzini teve o apoio do Prefeito da época, também seu
amigo, João Zelante, assim como contou com a aprovação dos membros da Câmara
Municipal, em especial de Firmino Cavengaghi.
A divisa do brazão de Serra Negra foi composta pelo revmº. Mons. Humberto
Manzini, a quem se deve, também a iniciativa da confecção desse trabalho.

123
ANEXO Nº 01
134

S.Revma. tendo encontrado apoio decidido e inteligente do sr. Governador da


cidade, procurou o sr. dr. Affonso de E. Taynay, entregando á competência desse
eminente historiador a confecção do escudo serrano. Logo depois estava o trabalho
concluído e uma copia era colocada em exposição numa das galerias do Museu
Paulista. A Câmara Municipal, attendendo a uma indicação do vereador sr. dr.
Firmino Cavenaghi, entendeu, pois de homenagear o revmº mons. Manzini....(Serra
Negra Jornal, 17/10/1937)

Foto nº 24. Dr. Firmino Cavenaghi e Monsenhor Manzini, foto datada de


05/10/ 1939. Fonte: Humberto Manzini. Acervo da pesquisadora.

Monsenhor Manzini se estabeleceu na cidade de São Paulo e assumiu, em


outubro de 1940, a Paróquia de São Gabriel Arcanjo, Jardim Paulista, lá permanecendo até
1949, quando se afastou por motivo de doença. Faleceu em São Paulo, em 04 de outubro de
1951. Seu corpo está sepultado no Cemitério do Araçá.
135

2.5 - AS ÁGUAS RADIOATIVAS: INÍCIO DO TURISMO DE CURA E AS NOVAS


PERSPECTIVAS NO DESENVOLVIMENTO URBANO DE SERRA NEGRA

Um fato ocorrido no final dos anos de 1920, mais precisamente em 1928, alterou a
pequena Serra Negra: descobriu-se uma mina de água na propriedade do imigrante italiano
Luiz Rielli. O proprietário logo relacionou a qualidade da água com as já afamadas águas das
fontes de Thermas de Lindóia124.

[...] fazendo escavações em terrenos de sua propriedade, notou ele o aparecimento


de um veio de água, límpida e abundante e de paladar agradável; curioso de saber se
a mesma apresentava característica idêntica as das águas da região serrana, em vista
da proximidade das fontes de Lindóia (17 quilômetros), providenciou em primeiro
lugar o exame de radioatividade em uma amostra enviada da Capital do Estado.
(Relatório de 1957).

Em março de 1930, técnicos do Serviço Sanitário do Estado de São Paulo125


analisaram a qualidade da água utilizando o fontoctoscópio de C. Engles e Sieyekings número
2.420, sendo o resultado de 29,48 manche por litro126. Inclusive detectou-se a presença de
Estrôncio127.
Justifica-se a relação entre as fontes lindoianas e a mina descoberta, pois as
propriedades daquelas águas já eram amplamente conhecidas no período. Tornado-se
necessário um breve histórico sobre as águas radiotivas de Águas de Lindóia. Segundo
Caldeira (1935, p. 71), as primeiras providências para a exploração das águas radioativas na
região de Serra Negra, especificamente em Thermas de Lindóia, ocorreram em junho de 1910,
quando se atendeu o requerimento que João Orlandi formulou, solicitando a isenção de
impostos durante 20 anos, a fim de explorar as “águas thermais de Água Quente” e no local
construir um hotel.

124
Thermas de Lindóia localizava-se em um bairro do Distrito de Paz Lindóia, pertencente à Comarca de Serra
Negra. Somente em 1938, Lindóia e Águas de Lindóia emanciparam-se politicamente de Serra Negra, sendo
Lindóia promovida a Estância Hidromineral. Em 1953, Águas de Lindóia torna-se Distrito de Lindóia, sendo
elevada a Municipio somente em 1963.
125
No ano de 1957 foi constituída uma Comissão Municipal de Turismo, cujo objetivo era o de avaliar as
propriedades das águas serranas, através de um levantamento realizado em diversas fontes. O trabalho originou
vários relatórios com históricos e dados das fontes. Proc. nº 36/1957- Acervo da Prefeitura Municipal da
Estância de Serra Negra/SP.
126
Outra análise foi realizada com o aparelho denominado Eletrômetro de Wulff, com resultado de 16.1
Unidades Manche por litro de água, valor que classifica a fonte como radioativa.
127
Estrôncio - elemento químico de número atômico 38 da família dos metais alcalinoterrosos.
136

O requerimento referia-se a Thermas de Lindóia, bairro que pertencia ao


município de Serra Negra; desde novembro de 1903, uma análise feita reconhecia a qualidade
das nascentes locais.

Analyse das Águas Quente, feita no Laboratório Chimico do Estado de São Paulo,
em Novembro de 1903.
Temperatura das águas na fonte ...28,º5 C.
Temperatura do ambiente..............22,ºC.
Gazes dissolvidos a 0,º e 760mm...86 cc.
Sendo:
Oxigênio..................................15, cc. 5
Azoto ........................................70, cc. 5
Matéria orgânica calculada em oxigênio.. 0,0005%
Bicarbonato de magnésia...........................0,0270 %
Bicarbonato de cálcio................................0,0454 %
Bicarbonato de potássio............................0,0081%
Bicarbonato de sódio ................................0,0070%
Cloreto de sódio ....................................0,0045%
Matéria orgânica e perdas.........................0,018%
Ferro, alumínio e sulfatos..........................Traços
Mineralização por litro.............................0,1028%
Acido carbônico, sulflydrico, sulfuretos
E azoticos ...............................................Ausência
Ácidos azotados, azotoso, azotidos e
Amoníaco................................................Ausência

Essas águas estão infelizmente até hoje inexploradas. É, entretanto, grande já o uso
que dellas se faz nesta cidade e localidades visinhas. Muitas pessoas tem ido ás
fontes fazer uso de banhos. A distância, alguma difficuldade de comunicação talvez,
terão impedido até hoje de se fazer alli um estabelecimento que facilite o bom
aproveitamento daquellas águas, consideradas como de grandes virtudes.
(Almanach, 1913, ps. 76/77).

De acordo com Campos e Silva (2005), as águas já eram apreciadas desde o final
de 1899. Porém, quando, em 1909, o médico Francisco Antonio Tozzi128 adquiriu a
propriedade Poços da Água Quente, ele se aliou a outro médico, o Dr. Vicente Rizzo, e juntos
iniciaram uma série de estudos sobre os benefícios das águas e a possibilidade de serem
exploradas comercialmente. Em 1915, divulgou-se o levantamento em uma conferência na
Sociedade de Medicina e Cirurgia, ganhando destaque na imprensa paulista. O jornal A Nação
publicou o artigo intitulado: “A fonte de águas thermais radio-activas de Lyndoia”, na edição
de 19 de julho de 1915.

128
Ver nota nº 84.
137

Ilustração nº 14. Cartão Postal das Thermas de Lindoya. Fonte: Humberto Manzini. Acervo
da pesquisadora.

O valor das águas radioativas, aliado ao trabalho desenvolvido pela equipe do Dr.
Tozzi, chamou a atenção da cientista polonesa Marie Sklodowska-Curie129. Quando visitou o
Brasil em 1926, o Dr. Tozzi convidou-a para conhecer as Thermas de Lindoya. Depois de
alojada, ao inspecionar os hotéis, os pavilhões de banho, os locais de engarrafamento das
águas, as fontes Santa Filomena e São Roque e os salões de emanações, observou que
“aquelas águas eram fortemente radioativas”130.
Os estudos continuaram, inclusive despertando interesse de vários pesquisadores,
tornando as águas radioativas de Lindoya tema do 1º Congresso Brasileiro de Hydro-
Climatologia, realizado em 1935, em São Paulo.

“Os resultados do Congresso – Uma das grandes revelações do Congresso foi a


interpretação dada por Bruno Lobo ao admirável poder curativo das águas de
Lindoya. Esse illustre assistente do Ministério da Agricultura estudou as águas
daquella estância paulista sob o ponto de vista da radioactividade, descobrindo
nellas o thoron, corpo capaz de manter vivos os effeitos da emanação. Assim se
explica a razão de possuir Lindoya um poder therapeutico accentuado, quando a sua

129
Marie Sklodowska-Curie: cientista polonesa, detentora de dois Prêmios Nobel, fundadora do Instituto do
Rádio em Paris no ano de 1909.
130
Braga, Francisco José dos Santos. Ano Internacional da Química, 2011: Marie Curie. In Polonicus: revista de
reflexão Brasil-Polônia/Missão Católica Polonesa no Brasil- Ano 2, n.4 (jul/dez.2011) – Curitiba. Ps. 56-74
138

radioactividade apenas alcança os limites mínimos da dose medicamentosa. Em


geral, as águas radioactivas saem da fonte carregada de emanação, que rapidamente
se dispersa. Com Lindoya não se dá isso: a sua carga e emanação é constantemente
renovada pelo thoron que ella posue em dissolução” (Caldeira, 1935. p.208)

O Dr. Francisco Tozzi não economizou investimentos para a divulgação da


Thermas de Lindoya, empreendimento que teve também a parceria do Grupo Matarazzo131 e
muita divulgação nos jornais da região.
Retomando a descoberta ocorrida em Serra Negra, após o resultado positivo das
análises, o Sr. Rielli associou-se a membros da família Silveira, iniciando a construção das
instalações da fonte Santo Antonio e, em anexo, construiu-se o Hotel da Empresa, que era
uma espécie de balneário com espaços específicos e aparelhados para o uso medicinal das
águas. Os visitantes se hospedavam no hotel durante o período em que estavam em tratamento
com as águas radioativas e eram supervisionados por um profissional da medicina
especializado em hidroterapia.

Ilustração nº 15. Matéria publicada no Serra Negra Jornal, promoção publicitária da nova Fonte
Santo Antonio e da propriedade radioativas das suas águas, veiculava nos jornais as imagens da
radiação. Serra Negra Jornal, edição de 11/08/1932.

Oficialmente considerou-se a Fonte Santo Antonio como a primeira fonte voltada


ao tratamento de saúde; porém a narração do depoente Irineu Saragiotto apontou para o fato
inusitado de que outras minas d’água já eram usadas pela população local devido às suas
qualidades curativas. A história de uma delas envolve o médico Firmino Cavenaghi132.

131
Idem 130. Campos e Silva, 2005, p. 81.
132
Firmino Herminio Cavenaghi: nascido na cidade de Itapira, filho de imigrantes italianos, fixou-se em Serra
Negra, na década de 1920. Era médico, foi prefeito da cidade por duas gestões, membro da Sociedade Italiana e
participou da construção e diretoria do Hospital Santa Rosa de Lima.
139

O Dr. Firmino, clínico geral e um “curioso” do termalismo, tinha como pacientes


membros da família Tartarotti, que possuíam um pequeno sítio localizado no Bairro do
Barrocão133. Nessa propriedade havia uma nascente de água mineral. Aconselhados pelo Dr.
Firmino, os Tartarotti construíram no local alguns banheiros rústicos de tijolo e cimento.

... Mas, voltando então na parte das águas minerais. Então o Dr. Firmino mandava as
pessoas tomarem banho, que tinha essas banheiras de banho de imersão, ali na
chácara do Tartarotti e eu constatei pessoalmente, alguns anos atrás as ruínas desses
banheiros lá... (Irineu Saragiotto, 2014, Serra Negra/SP).

As narrativas de Irineu Saragiotto, embora com poucos dados relacionados a esse


aspecto, nos permitem deduzir que foi o sítio da família Tartarotti que abrigou, rusticamente,
o primeiro balneário serrano, utilizando as águas para tratamento de cura com recomendação
médica.
A população local valeu-se, também, de outras fontes, por atribuírem-lhes
propriedades terapêuticas desde o final do século XIX. Como exemplo, existiu a fonte São
João, de propriedade do imigrante português João Pires. Este, a fim de comprovar a
veracidade terapêutica do manancial que o saber popular difundia, realizou análises do
líquido, obtendo resultado positivo quanto à radioatividade de 14,12 unidade manche. “A
Radio-actividade foi feita ‘in loco’ com o Fontactoscopio de Egler e Scieveking. São Paulo,
10 de dezembro de 1931. – O chimico (a) S.Teixeira – O auxiliar technico (a) Adelno Leak”
(Caldeira, 1935, p.127).
O laborioso João Pires construiu também um pequeno balneário, oferecendo
tratamento para moléstias do estômago, fígado, intestino, reumatismo, acido úrico e vias
urinárias. A fim de explorar ainda mais o potencial de sua mina, passou a engarrafar a água
coletada e vendê-la em todo o território nacional através de uma concessão à firma M.
Silvestrini, sediada na cidade de São Paulo. Também utilizou como matéria-prima as águas da
Fonte São João na fabricação do Guaraná Cunhambebe, iniciada no ano de 1934.
A comunidade também se utilizou da Fonte São Agostinho devido aos seus
benefícios; embora estivesse localizada dentro de propriedade particular, o proprietário
liberou o seu uso134.

133
A propriedade era próxima do atual Hotel Fazenda São Matheus.
134
Devido ao grande fluxo de pessoas, a área da fonte e seu entorno foram desapropriados no final da década de
1950, tornando-se espaços públicos, atendendo aos serranos e veranistas.
140

A partir de 1928, iniciou-se a exploração das águas radioativas da Fonte Santo


Antonio, acontecimento que trouxe para a cidade uma nova perspectiva econômica. A busca
da cura através das águas estimulou a Sociedade Rielli & Silveira e Filho a ampliar seus
investimentos. Em junho de 1930, inaugurou-se a construção que abrigou a Fonte Santo
Antonio. Para esse evento Monsenhor Manzini celebrou uma missa na qual as autoridades
locais estiveram presentes.

Foto nº 25. Missa da inauguração da Fonte Santo Antonio. Serra Negra/SP, 1930.
Anotações manuscritas de Umberto Manzini. “Missa Inaugural da Fonte Santo Antonio”.
Celebrante o pároco Cgo. Umberto Manzini, 12/6/1930”. Fonte: Humberto Manzini.
Acervo da pesquisadora.

No início dos anos de 1930, a cidade ainda era desprovida de infraestrutura


para receber o grande fluxo de visitantes, o que motivou os proprietários da Fonte Santo
Antonio a ampliar seu empreendimento, construindo um hotel mais requintado. Em junho de
1931 houve o lançamento da pedra fundamental, que contou com a presença da Corporação
Musical “Umberto I”.

Lançamento da Pedra Fundamental do Grande Hotel


Este grandioso acto, teve logar as 14 horas, com a presença de todas as autoridades
locaes, corpo docente e discente do nosso grupo escolar, de milhares de pessoas de
todas as classes sociaes e foi abrilhantado pela corporação musical “Umberto I”.
(Serra Negra Jornal, 08/06/1931)
141

Entre tantas medidas tomadas pelos sócios esteve a contratação dos arquitetos do
Escritório Ribeiro e Masini, da cidade de Campinas. Em abril de 1933 executou-se o
alinhamento e nivelamento do terreno135.

Termo de alinhamento e nivelamento, requerido pelos senhores Rielli, Silveira e


Filho, para construção de um prédio com três andares, destinado a um hotel.
Aos vinte e seis dias do mez de abril do anno de mil novecentos e trinta e três, nesta
cidade de Serra Negra, Estado de São Paulo, na secretaria da Prefeitura Municipal,
onde se achava o secretario adeante nomeado, compareceu o senhor Benedicto
Mattedi e disse: que em despacho proferido num requerimento que lhe foi
apresentado pelos senhores Rielli, Silveira e Filho, no qual pede a nomeação do
arruador para proceder ao alinhamento e nivelamento em um terreno sito a Rua
Coronel Pedro Penteado, onde pretende construir um prédio com três andares,
destinado a um hotel sanatório, junto a fonte de águas radio-activas “Santo
Antonio”. (Grifo nosso)

Segundo a descrição de Odilon Souza Lemos136, a construção seria em estilo


colonial, contendo três pavimentos. “O Radio Hotel começou a funcionar em meados dos
anos 30, integrando o seu patrimônio: a Fonte Santo Antonio, área de lazer, instalações
fisioterápicas e uma reserva florestal anexa”.
No final dos anos de 1930, o imigrante italiano João Gerosa arrendou o hotel.
Conforme lembranças do depoente Oswaldo Saragiotto, o primeiro hotel de qualidade na
cidade foi o Hotel do Comércio, da família Vichi. Depois surgiu o Hotel São Paulo, quando as
ruas ainda eram de terra. Só mais tarde foi construído o Radio Hotel e, quando João Gerosa o
arrendou, a cidade ainda sofria com a falta de estrutura e recursos financeiros.
Ele mesmo falou, tudo o que ganhei aqui eu vou empregar aqui. Que quando ele
veio em Serra Negra, o Gerosa, ele tinha vendido um hotelzinho que ele tinha lá em
São Paulo. E ele veio para cá e comprou o hotel, não o prédio. O Radio Hotel e
montou... ele não tinha muito dinheiro e ele chegou a dever um ano ai no armazém.
Tinha um fornecedor de lenha, porque o fogão era tudo a lenha, era o Giuseppe
Tomarelli que era o que tinha o deposito ... chegou a dever um ano também. Mas ele
devagarzinho foi... foi...acertou. Pagou todo mundo e cresceu . (Oswaldo Saragiotto,
2014, Serra Negra/SP)

João Gerosa empreendeu grandes investimentos, depois de um tempo de


arrendamento do Radio Hotel. Ele construiu uma piscina para ser utilizada pelos hóspedes e,
mediante o pagamento de uma taxa, pelos os habitantes de Serra Negra e pelos visitantes.
Outro empreendimento foi a construção do Prédio das Arcadas, em frente ao Radio Hotel. A
parte superior era composta de apartamentos e a parte térrea destinava-se ao comércio. A

135
Livro de Registro – Alinhamentos e Nivelamentos. Acervo da Câmara Municipal de Serra Negra.
136
Jornal A Cidade, edição de 13/06/2008.
142

justificativa para construção era que os hóspedes do hotel teriam mais um espaço para lazer e
compras.
Tereza Marchi também lembrou em seu
depoimento a inauguração do Prédio das Arcadas:
A inauguração! A gente foi aí. Eu era
solteira, ainda, mocinha. Ah! A banda!
Foi uma beleza, foi um acontecimento,
porque Serra Negra não tinha... nem
prédio de apartamento. Foi o Gerosa,
quem fez. (Tereza Marchi, 2014, Serra
Negra/SP)

Ilustração nº 16. Prédio das Arcadas. O imóvel


ainda conserva suas características arquitetônicas e
de uso. Propaganda da Loja Ritz. Fonte: Jornal O
Serrano, edição de 11/06/1950.

Foto nº 26. Vista lateral do Radio Hotel. A foto é anterior à construção da piscina e do
Prédio das Arcadas. Vemos na parte inferior da foto uma pequena entrada lateral. Aí a
população de Serra Negra tinha permissão de entrar no hotel para utilizar a Fonte Santo
Antonio. A construção beirando a esquina era o chamado Hotel da Empresa, primeiro local
utilizado para hospedagem e tratamento dos doentes. Com a construção do prédio novo, o
mesmo foi desativado. Década de 1930. Fonte: Foto Fagundes. Acervo da pesquisadora.
143

Foto nº 27. Rua Cel Pedro Penteado, avistando o edifício do Radio Hotel, Serra
Negra/SP. Década de 1940. Fonte: Foto Fagundes. Acervo da Pesquisadora.

A partir do investimento aplicado na Fonte Santo Antonio e da construção do


Radio Hotel, a Rua Coronel Pedro Penteado vai lentamente se reconfigurando pelo fato de
demolirem-se alguns imóveis, dando lugar a novas construções, como lembrou o depoente
Nelson de Barros. Seu pai comprou um imóvel por volta de 1929, na Rua Coronel P. Penteado
e, durante muito tempo, só havia dois sobrados nessa rua, o da família Rielli e o do Sr.
Francisco Saragiotto. A edificação mais vistosa era a do Radio Hotel, enquanto o restante da
rua era “um monte de casinhas velhas”. Depois de dez anos, seu pai demoliu o imóvel velho e
construiu um sobrado, sendo a parte superior destinada à moradia e o piso térreo servindo de
abrigo à sua marcenaria. Com o fluxo de turistas, direcionou a produção da oficina para o
artesanato.

Foi nesse período... o Radio Hotel já estava construído. Nesse período, então
começou (sic) a aparecer turistas, aí que meu pai começou a trabalhar com
artesanato... aí começou as lojinhas. Não tinha! O Spinhardi, era uma fábrica de
sandália, no começo....tinha o Corsi, ele abriu uma loja em frente à casa do meu pai.
Não tinha loja, não! (Nelson de Barros, 2014, Serra Negra/SP).

No entanto, os veranistas, como eram designadas na época as pessoas que


frequentavam as estâncias de cura, vinham em períodos específicos, principalmente nos meses
de janeiro, fevereiro, março, abril, julho e dezembro. Era incipiente o fluxo dessas pessoas nos
primeiros anos após a descoberta das águas, e geralmente permaneciam na cidade por 21 dias,
período que durava o tratamento, ou a critério médico.
144

Ganhava importância a estada dos veranistas na pequena cidade, motivando


também os jornais da localidade a registrarem sua permanência.

Em uso das águas


Estão hospedados no Hotel da Empresa: dd. viscondessa da Cunha Bueno, Amélia
Pinto de Souza, Leopoldina C. Aguirre, Albertina Maria de Campos, mme. Dr.
Raphael Cavalcante, dd. Clara Sobral, Dulce Rego Freitas, mme. Manoel Salustiano
de Araujo, stas Maria P. de Almeida, Lourdes Rego Freitas, srs. Antonio Alves Pinto
de Almeida ...
No Hotel do Commercio: srs. dr. Lourival Casabona, Vicente Casabona, Paschoal
Leopardo, Rubens Camargo, Amâncio Peixe e sta. Aracy Moraes de São Paulo ...
(Serra Negra Jornal, 01/04/1933)

Outra forma de tornar públicos os benefícios das águas serranas era a narração dos
tratamentos com resultados positivos e o registro de depoimentos daqueles que apresentavam
melhoras após a medicação aquática.

“C.C.L. de 26 annos de edade, brasileira, casada, residente em Soccorro.


Chegou em Serra Negra em 5 de fevereiro de 1933 para tratar-se de um eczema
secco que lhe appareceu, há 3 mezes, em ambas as mãos. O tratamento
medicamentoso, feito desde o início da sua moléstia, foi absolutamente inefficaz-
motivo porque a paciente veio a Serra Negra, a conselho de seu médico, para
submetter-se a tratamento crenotherapico.
Nesta cidade fez uso das águas radioactivas da Fonte Santo Antonio, sob minha
orientação clinica, de 7 a 22 de fevereiro. Indiquei exclusivamente a referida água
em uso interno na dose de 2 300 c.c. por dia, para ser tomada de 15 em 15 minutos e
em 3 sessões. Externamente, não permitti nem siquer a applicação de compressas.
O eczema desappareceu completamente 15 dias de pois do início do tratamento.
Serra Negra, 26 de fevereiro de 1933
Dr. João Lombardi (Serra Negra Jornal, 18/03/1933)

...Do dr. José F. de Queiroz Telles:


Cheguei em Serra Negra aos 7 de Outubro de 1933, em companhia de minha
família. Vim para me convalescer de um terrível rheumatismo e hoje posso dizer que
me acho completamente restabelecido.
...Do dr. Antonio Amaral Vieira, ministro aposentado do Tribunal de Justiça do
Estado:
E, si não fiquei mais moço do que vim, volto convencido de que não sou tão velho
como pareço (Caldeira, 1935, p. 116)

A divulgação da nova estância de tratamento contribuía para os propósitos dos


investidores, que era a de aumentar a frequência dos visitantes. Tornou-se de grande valia o
episódio ocorrido em meados do ano de 1931, quando a Revista Chácaras e Quintaes137
publicou uma matéria assinada pelo entomologista Frei Tomás Borgmeier (Alemanha, 1882-

137
Revista criada pelo italiano Amadeu Amadei Barbiellini em 1909 e extinta em 1971.
145

Brasil, 1975), que nesse período era assistente no Instituto Biológico de São Paulo. Frei
Tomás permaneceu em Serra Negra um mês e realizou alguns levantamentos sobre a cidade e
suas águas. Após retornar a São Paulo publicou a referida matéria, que foi transcrita na edição
do Serra Negra Jornal em agosto de 1931.

... Parece fora de duvida que o alto gráo do radioactividade verificado nas águas de
Serra Negra, está em relação da formação geológica do lugar. Diz Madame CURIE
no seu “traitê de radioativité”: As fontes mais activas se encontram nos terrenos
formados por rochas antigas”. E é justametne isso que se dá com a fonte de Serra
Negra. Pois suas águas nascem, segundo foi constatado por abalisados geólogos
paulistas, de rochas eruptivas, de origem vulcânica, e pertencentes a época archeana
que é a mais antiga dos tempos geológicos. Já obtiveram curas maravilhosas pelo
uso das águas radioactivas de Serra Negra, havendo numerosos casos documentados
por attestados dos médicos do lugar drs. Jovino Silveira, Firmino Cavenaghi e João
Lombardi....(Serra Negra Jornal, 01/08/1931)

O deslumbramento em relação às águas poderosas proporcionara novas


perspectivas para Serra Negra, e as famílias abastadas investiram no novo empreendimento. A
Fonte Santo Antonio, que foi descoberta em 1928, teve suas propriedades analisadas em
1930; no mesmo ano foi inaugurado o seu pavilhão, e no ano seguinte construíram o Hotel da
Empresa. Iniciou-se também o seu funcionamento para abrigar os pacientes, assim como a
estrutura montada para os banheiros que eram utilizados nos tratamentos, tudo supervisionado
por um profissional da área médica, o Dr. João Lombardi, que era o diretor clínico da Fonte.
Em 1935 o Radio Hotel já se encontrava edificado e equipado para receber os veranistas,
tendo demandado pouco tempo para a realização das construções. Com um investimento
considerável, pôde-se oferecer à população local mais postos de trabalho na área da
construção civil e no ramo da hotelaria. O mesmo se deu com o investimento realizado por
João Pires em um balneário mais modesto, utilizando as águas da Fonte São Carlos para os
tratamentos.
As lembranças do depoente José Franco de Godoy mostraram uma cidade carente,
sobretudo a Rua Coronel Pedro Penteado, toda precária. Apesar das águas radioativas, o café
ainda era a principal riqueza de Serra Negra.

...e depois foi crescendo, crescendo e surgiu a nossa abençoada água, foi o que
reergueu Serra Negra... não vinha muita gente... era aquela coisinha modesta, pouco
conhecida. Nem sabia que existia Serra Negra... Quando surgiu o Radio Hotel, já
começou a melhorar... É uma pena que ficou propriedade particular, no começo os
serranos iam buscar água aí... quantas vezes que nós íamos buscar água com o
garrafão... não tinha nada, nem é bom lembrar, algum botequinho, bar. Bar sempre
teve em todo o lugar... O Spinhardi, depois ele montou uma fábrica de bolsas, cintos.
146

Naquela época, não posso lembrar, mas tinha meia dúzia de fabricantes de bolsa,
cinto e sandália... tinha um loja de tecido do João Dib... era do tempo do metrinho,
vendia por metro, você comprava o pano e mandava fazer a calça, a camisa... O forte
era o café, ainda é o café, aqui tem muito café! (José Franco de Godoy, 2015, Serra
Negra/SP).

Como fonte primordial de renda do município, a produção chegou a 9.200.000


cafeeiros entre os anos de 1921/1922. O café permaneceu como principal produto agrícola,
também, na década de 1930, tendo produzido 485.950 arrobas da rubiácea entre os anos de
1931-1932.

ANOS CAFEEIROS PRODUÇÃO TOTAL / ARROBAS


1911-1912 7.822.000 357.480
1912-1913 7.822.000 224.505
1913-1914 7.822.000 413.100
1914-1915 8.360.000 301.820
1915-1916 8.360.000 334.890
1916-1917 8.360.000 335.830
1917-1918 8.935.000 382.000
1918-1919 8.935.000 208.000
1919-1920 8.935.000 186.000
1920-1921 8.935.000 336.000
1921-1922 9.200.000 280.000
Quadro nº 10. Produção de Café. Serra Negra, período de 1911 a 1922, Fonte: Dados
contidos na obra Os Municípios Paulistas. Org. Eugênio Egas, 1925. Quadro elaborado
pela pesquisadora.

Não houve no período a preocupação em diversificar a produção agrícola e,


quando a crise do café se instalou, muitos agricultores perderam dinheiro e propriedades,
sendo que alguns imóveis foram leiloados para garantir o pagamento dos débitos em
execuções ajuizadas; outros foram desmembrados, formando pequenos sítios cujos
compradores eram imigrantes e seus descendentes que já haviam conseguido capital para
investir em terras.

[...] Serra Negra, cidade relativamente antiga, tendo suas esperanças voltadas para a
cultura do café, pois era ella a sua principal e quasi única riqueza, soffreu atrozmente
com a crise que, há annos, empolgou a lavoura paulista. Baixando o preço do
precioso producto, os fazendeiros serranos tiveram graves prejuizos e, com elles,
todo o município sujeitou-se a padecer, luctando contra a falta de meios. A cidade
entrou, então, em período de franco declínio, causando geral apreehensão esse
estado de cousas, principalmente porque nenhuma solução parecia existir, impondo-
se a todos a triste verdade: Serra Negra, a prospera séde da comarca invejada pelas
suas visinhas, estava na imminecia de retrogradar, de voltar pelos passos feitos,
tornando-se novamente simples districto de paz![...] (CALDEIRA, 1935 p.106).

O depoente Oswaldo lembrou que seu pai, o Sr. Francisco Saragiotto, quando
chegou a Serra Negra, no final do século XIX, foi trabalhar em um estabelecimento comercial
147

e, depois de algum tempo, conseguiu comprar um terreno localizado entre a esquina da Rua
Cel. Pedro Penteado e o largo do antigo Mercado Municipal, local onde construiu um
sobrado. No térreo ele montou um armazém; o andar de cima serviu como morada da família.
O armazém possuía uma grande variedade de produtos que atendiam tanto a
clientela da área urbana como da rural. Anotavam-se as vendas em cadernetas e os
pagamentos eram feitos anualmente, após a colheita do café. Nesse tempo, os
estabelecimentos comerciais tinham a obrigatoriedade de manter um espaço onde os animais e
charretes pudessem ser guardados. Com a crise, muitos lavradores, proprietários e meeiros
não conseguiram um bom preço para vender a produção de café. Consequentemente, eles não
tiveram como honrar os seus compromissos, contribuindo para que os donos dos armazéns
ficassem em uma situação difícil. O Sr. Oswaldo contou que seu pai foi obrigado a fechar três
das quatro portas do armazém, e só passado muito tempo conseguiu recuperar parte do
dinheiro que lhe era devido.

Foto nº 28. Vista Parcial da cidade, início da década de 1930. No plano inferior estão dois
pavilhões do Mercado Municipal, parte do Jardim Público, com o coreto. Ao fundo está o
prédio do Grupo Escolar. Todo o centro da cidade tem um traçado regular em suas construções,
seguindo as orientações dos Códigos de Posturas. Fonte: Foto Fagundes. Acervo da
pesquisadora.
148

Além da questão econômica, a Revolução de 1932 deixou marcas significativas na


cidade, pois dois jovens serranos morreram em combate no mesmo ano: o Sargento
Agostinho de Oliveira e o Tenente Mario Hilário Dallari138.
Na lembrança do depoente Oswaldo Saragiotto, a revolução de 1932 rendeu
algumas histórias, entre elas o episódio da chegada de uma patrulha na cidade.

Eu tinha 12 anos. Na Revolução de 32, eu tinha 12 anos. Eu lembro bem, porque a


gente ia aos lugares mais altos para ver se via algum bombardeio, aquela
curiosidade. Falavam que a tropa do norte vinha por Minas e de fato veio. Vieram
até Amparo e em Serra Negra veio uma patrulha. Eu estava na rua e me lembro, eu
era moleque, estava na rua e tinhas uns guardas... e apareceu uma patrulha de
Amparo....antigamente a saída de Amparo era aqui... era desse lado aqui.. na
continuação da Rua Visconde... E veio essa patrulha, foi uma correria. Correu tudo
no Club 8, para ver quem era. O que ia fazer? Prender quem? Aqui não tinha quem
prender... E alguns aqui de Serra Negra, os que eram mais ricos, fugiram para
Amparo e lá em Amparo é que teve, inclusive um vermelhinho, chamava aviãozinho
vermelhinho e jogaram uma bombinha, lá em Amparo. E foi uma gozação de todo
mundo. Os ricos foram lá para Amparo e pegaram a bomba lá! (Oswaldo
Saragiotto, 2014, Serra Negra/SP).

A depoente Tereza Marchi (2014) também narrou que as tropas chegaram até a
cidade vizinha de Lindóia, vindas de Itapira, porém não conseguiram seguir viagem até Serra
Negra pelo fato de os paulistas terem demolido a ponte que ligava as margens do Rio do
Peixe, que atravessava a cidade.

Foto nº 29. Voluntários da Revolução de 1932 que serviram na trincheira da cidade de


Itapira/SP. Identificado o soldado em pé, lado direito, Sr. José Ramos da Silva.
Acervo da Pesquisadora.

138
O corpo do Tenente Mario Hilário Dallari, que era filho do músico Alfredo Dallari e Maria de Lorenzi Dallari
foi trasladado de Serra Negra para o memorial da Revolução4 em São Paulo, na década de 1970.
149

Em novembro de 1932, com o término da Revolução Constitucionalista, persistiu


a questão sobre a cafeicultura, voltando-se tanto para a produção quanto a manutenção dos
cafezais. O Governo Federal adotou medidas visando diminuir os excedentes e aumentar as
exportações. Porém, encontrou-se outra saída: estimular a substituição da produção da
rubiácea pelo plantio do algodão, visto que a indústria têxtil estava em franco
desenvolvimento, inclusive suprindo o mercado externo, principalmente no período da
Segunda Grande Guerra (1939-1945).
Em Serra Negra, mesmo com a crise, a lavoura de café permaneceu como
principal fonte de renda, e no final da década de 1930 a produção atingiu 240.000 arrobas.
Considerou-se incipiente a produção de algodão, com 3.200 arrobas139. Ao longo dos anos a
produção cafeeira contribuiu para um aumento significativo das máquinas de beneficiar café,
conforme quadro:

Ano Nº de máquinas
1886 03
1912 08
1919 23
1924 41

Quadro nº 11. Máquinas de beneficiar café.


Fonte: Quadro elaborado pela pesquisadora.

O médico Firmino Cavenaghi, nomeado prefeito de Serra Negra pelo Decreto de


26 de setembro de 1933140, após sua posse, numa entrevista concedida ao Serra Negra Jornal,
expôs as dificuldades financeiras por que passava o Município. Discorreu sobre essa
precariedade e a impossibilidade de assumir, naquele momento, qualquer compromisso, visto
estar falida a Prefeitura e sem condições de investir em melhorias como a construção de rede
de esgoto, a captação de água e a construção de pontes urbanas. A exploração das águas

139
VALLIM, Pedro E. Álbum dos Municípios do Estado de São Paulo, 1940.
140
O médico havia sido eleito em pleito no mês de maio de 1933, sua posse foi adiada, pois o governo do Estado
de São Paulo estava se reestruturando. Com a nomeação do interventor federal Armando Salles de Oliveira
decidiu-se o destino de Serra Negra. O novo prefeito prestou compromisso do cargo, no Departamento de
Administração Municipal em São Paulo. Serra Negra Jornal, setembro de 1933.
150

radioativas seria considerada, indubitavelmente, uma opção para a retomada do crescimento


econômico da cidade.
O processo de transformar a pequena cidade em uma estância reconhecida
oficialmente ainda levaria alguns anos e esteve atrelada a um movimento político local.
Desde o início do século XX, acirravam-se demasiadamente as disputas políticas.
Já mencionamos a existência de dois grupos opostos: um liderado pelo Capitão Francisco
Pinto da Cunha, também conhecido como “Chico Ramos”; outro, pelo seu adversário Major
Camilo Pires Pimentel. Ambos pertenciam ao Partido Republicano Paulista - PRP e
disputavam a chefia do Diretório do Partido. Os “ramistas” eram apoiados pelo jornal O
Serrano e os “piristas” pelo jornal A Serra Negra. As contendas permaneceram por muitos
anos e, mais tarde, o Capitão José Antonio da Silveira, grande fazendeiro e abastado
capitalista, assumiu a liderança política da cidade e foi substituído pelo seu filho Jovino
Silveira. Nos anos de 1930 formaram-se outros dois grupos: um liderado por Jovino Silveira e
outro por Firmino Cavenaghi, ambos médicos e filiados ao Partido Constitucionalista.
Firmino Cavenaghi tomou posse do cargo em 1933 (pós-revolução), como já
mencionado, e, no pleito de 1937, seu grupo elegeu um número maior de vereadores,
colocando Jovino Silveira na condição de opositor. No entanto, ambos firmaram um acordo
pondo fim às contendas, restabelecendo a harmonia política serrana. Como parte do acordo
propuseram alguns itens de colaboração mútua, cujo objetivo principal era obter melhores
oportunidades para o município de Serra Negra e o Distrito de Lindóia. Dentre os itens
destaca-se o de nº 02, que versava sobre a elevação da cidade à condição de estância
hidromineral141.

0s dois grupos aceitam a creação de uma estância hydromineral e uma prefeitura


sanitária, sendo a primeira em Serra Negra e a segunda em Thermas de Lindóia, para
as quais indicarão ao Governo do Estado os respectivos titulares. (Felix, 2014, p.
199)

O empenho da classe política para que Serra Negra e o Distrito de Lindóia


obtivessem reconhecimento oficial como estâncias contava com inúmeros argumentos
favoráveis, pois as qualidades das águas já eram reconhecidas pelos seus usuários e
divulgadas publicamente, inclusive em congressos. Outro fator que promovia o benefício das

141
A reprodução na íntegra do documento está registrada na obra de Alcebíades Felix. O acordo foi lavrado pelo
Tabelião de Notas, Benjamim Nóbrega, em 17/08/1937.
151

águas foi a visita do então Governador Washington Luiz, em 1921. Após sua estada na cidade
de Itapira/SP, seguiu viagem até o Distrito de Lindóia, onde proferiu um discurso no qual
exaltou a importância das águas da região, qualificando Serra Negra como sendo a “cidade da
saúde”142 .

Foto nº 30. Visita do Governador Washington Luiz, Distrito de Lindóia, 1921. Foto
cedida por Alcebíades Felix. Acervo da Pesquisadora.

[...] tive ensejo de ouvir palavras tão repassadas de generosidade e encanto como
estas que acabam de vir de Serra Negra, que bem pode se chamar a Cidade da
Saúde, a cidade bendita onde as energias do corpo se retemperam e acrescentam [...]
[...] depois que se soube que no seio fecundo de suas terras brotam veios de águas
milagrosas, fonte divina onde os que sofrem deixam na linfa pura a memória dos
seus males, solvendo nela a cura, a alegria, a esperança, cresceram as
responsabilidades de Serra Negra para com São Paulo, mais ainda para com o
Brasil, pois fato é que todos volvem os seus olhos hoje para esse recanto abençoado
como para uma estância balsâmica de consolo e redenção[...] (Felix, 2012, p. 46) 143

A ação política para a instituição das estâncias surtiu efeito, pois, através do
Decreto nº 9731 de 16/11/1938, criou-se a Estância Hidromineral de Lindóia, constituída do
Distrito de Paz do mesmo nome, no Município de Serra Negra. E, em 27/10/1939, o decreto
nº 10.646 considerou estação de tratamento e repouso a zona compreendida nos limites do
perímetro urbano da cidade de Serra Negra144.

142
Designação utilizada a partir de então: Serra Negra, cidade da saúde.
143
Discurso reproduzido na Obra: A História de Serra Negra por Alcebíades Felix, 2012.
144
O Decreto 10.646, de 27/10/1939, fixa como zona para estância hidromineral o perímetro urbano do
município de Serra Negra, foi assinado pelo Interventor Federal do Estado de São Paulo, Adhemar de Barros. A
criação das estâncias de tratamento e repouso seguia o Decreto nº 6.501/34, em que se regulamentava sua
administração pela Divisão Administrativa do Estado, através do qual os prefeitos eram nomeados pelo Governo
152

A expectativa dos serranos era de que, elevado o município à condição de


estância, consequentemente viriam os incentivos financeiros do Governo Estadual, como
preconizava a lei, e que foram concedidos a outras estâncias como São José dos Campos e
Campos do Jordão; porém, os recursos não chegaram.
Os fatores econômicos e políticos afetaram sobremaneira a vida musical da
cidade. Das bandas que atuavam em Serra Negra, somente a Corporação Musical “Umberto I”
permaneceu ativa. Depois do afastamento do maestro Lívio de Benedictis, assumiu a regência
Astolpho Perondini, músico, produtor de café e membro da Società Italiana.

2.6 – MÚSICA, MÚSICOS E LAZER

MAESTRO ASTOLPHO PERONDINI

Astolpho Perondini nasceu em 1894. Era filho de imigrantes italianos e tornou-se


um importante comerciante de café na cidade de Serra Negra. Foi aluno de Vincenzo De
Benedictis, assim como seus irmãos e primos. Seus instrumentos foram o trombone e o
bombardino. Assumiu a regência do Corpo Musicale “Umberto I” em 1925, após de ter sido
musicista da mesma banda durante anos.
O primeiro registro encontrado dele como maestro refere-se ao concerto realizado
em 2 de agosto de 1925, e a sua passagem como dirigente musical da “Umberto I” não foi das
mais fáceis. Entre os anos de 1926 a 1929 encontram-se poucas notícias sobre a Banda
Italiana e seus músicos. Sabe-se que, além dos concertos realizados em Serra Negra, a Banda
foi convidada inúmeras vezes pelo médico Tozzi para apresentações nas Thermas de Lindóia.

Estadual e as estâncias poderiam receber subvenção para a manutenção administrativa, para os serviços públicos
e para a execução de melhoramentos no município.
As cidades que foram reconhecidas oficialmente como estâncias registravam em suas histórias os fatos que
contribuiriam posteriormente para a sua titulação, isso ocorreu com São José dos Campos e Campos do Jordão.
APÊNDICE Nº 03: A formação das estâncias de cura do Estado de São Paulo.
153

Foto nº 31. Corpo Musicale “Umberto”. Apresentação em Thermas de Lindoya, na propriedade do


Dr. Francisco Tozzi, 1926. Foto cedida pela família Dallari. Acervo da pesquisadora.

Em 1930, a “Umberto I” realizou dezessete concertos, além da participação em


solenidades religiosas, mas tudo indica que ela passava por reestruturação, pois, em maio de
1931, a “Umberto I” voltou a ser notícia, depois de seis meses sem apresentações públicas.

Corporação Musical “Umberto I”


Vem a ser reorganizada a Corporação Musical “Umberto I” desta cidade. Esse facto
veio, sem duvida ao encontro das mais justas aspirações do povo serrano, motivo
pelo qual causou contentamento. (O Serrano, 24/05/1931)

Retreta
Na retreta que se anuncia para amanhã a tarde, no jardim da praça Barão do Rio
Branco, a Corporação Musical “Umberto I” executara o seguinte programa:

1ª Parte
I – Ouro Fino – Dobrado
II – Tarde em Lindoya – Valsa
III- Cavatina Nel’Opera - Somnambula
IV – Molinello - PolKa
2ª Parte
V – Os granadeiros - Marcha
VI – O Guarany – Symphonia - Gomes
VII – O Choro é nosso – Maxixe (O Serrano, 06/09/1931)

As raras retretas ocorreram somente no segundo semestre, porém a “Umberto I”


esteve presente em dois eventos maiores: na comemoração de 04 de novembro, promovida
pela Società Fra Italiani e nas solenidades de 15 de novembro.
154

4 de Novembro
A data de 4 de Novembro que recorda o grande feito das armas italianas na batalha
de Vittorio Veneto, foi comemorada com grande brilhantismo pela laboriosa colônia
italiana desta cidade. A banda musical “Umberto I” tocando a alvorada percorreu as
ruas da cidade e à noite realisou um concerto no coreto do jardim publico, que teve
uma assistencia enthusiasta e numerosa.
A “Sociedade Italina de Soccorros Mutuos” realisou uma sessão cívica em que se
poz em destaque a gloriosa data onde refulge o patriotismo dos filhos da heroica
nação peninsular. (Serra Negra Jornal, 07/11/1931)

Mais uma vez a imprensa serrana contribuiu para sensibilizar os dirigentes


políticos e a população para a causa da musicalidade em Serra Negra. Houve uma
manifestação pública através do semanário O Serrano, para que os concertos da “Umberto I”
voltassem a ser patrocinados pela Prefeitura Municipal; os resultados do manifesto foram
positivos e assinou-se um contrato para as apresentações quinzenais.

A temporada de 1932 se iniciou com as comemorações da fundação de São


Vicente e a presença da “Umberto I” continuou marcante nas festividades religiosas, da
Società Italiana e datas cívicas, sempre anunciando os eventos com as famosas alvoradas.

4º centenário da fundação de São Vicente.


As commemorações nesta cidade.
Foi hontem commemorada festivamente, nesta cidade, a data do 4º centenário da
fundação da Capitania de São Vicente [....] Pela manhã, em alvorada, a corporação
musical “Umberto I”, percorreu as Ruas da cidade[...] A noite, no coreto do jardim
da Praça Barão do Rio Branco, realisou-se o concerto da corporação musical
“Umberto I”[...] (Serra Negra Jornal, 23/01/1932)

Foto nº 32. Corpo Musicale “Umberto I”, em uma apresentação, área rural,
na década de 1930. Foto cedida por Odilon Souza Lemos. Acervo da pesquisadora.
155

Ilustração nº 17. Serra Negra Jornal, edição de 07 de maio de 1932

Durante o ano de 1933 realizaram-se inúmeros concertos e participações em


festas, inclusive as religiosas.

Musica no jardim
Amanhã, á hora do costume, a Corporação Musical “Umberto I”, sob a regência do
sr. Astolpho Perondini, realisará, no Jardim da Praça Barão do Rio Branco, um
concerto, com excelente programma. (Serra Negra Jornal, 14/10/1933)

Festa de S. Felicio
Revestiu-se de invulgar animação e brilho, a festa realizada a 30 do corrente no
bairro das Posses, em louvor de S. Felicio.
Essa festa que constou de cerimonias religiosa e actos profanos, foi abrilhantada pela
corporação musical “Umberto I”.
A ella compareceram innumeras pessoas desta localidade.
As solennidades religiosas foram celebradas pelo exmo padre José Cobucci, vigário
de Monte Alegre, especialmente convidado para tal.
A noite, logo após a procissão e benção do S. S. Sacramento, foram queimados em
frente a Igreja vários fogos de artificio. (Serra Negra Jornal, 03/09/1933)

Mesmo com o empenho do maestro Astolpho Perondini e seus músicos, a Banda


não conseguiu a renovação do contrato com a Câmara Municipal para as apresentações
quinzenais em 1934. A situação financeira do Município estava comprometida, como já havia
156

exposto o Prefeito Cavenaghi. A fim de solucionar o impasse, Firmino Cavenaghi tomou uma
decisão inusitada e única na história das bandas serranas: ele subvencionou os concertos. A
Banda realizou cerca de 20 apresentações, graças ao auxílio financeiro pessoal do Prefeito
Municipal.

BANDA DE MUSICA
O sr. Dr. Firmino Cavenaghi, prefeito municipal, vem abrir mão de parte de seus
subsídios, para subvencionar a corporação musical “Umberto I”, que estava na
imminencia de ser dissolvida. A corporação “Umberto I”, que é uma das melhores
do interior do Estado e representa para Serra Negra uma verdadeira tradição
artística, bem merece o gesto do chefe do executivo municipal, que é, aliás, digno de
todo o nosso applauso. O sr. dr. Firmino Cavenaghi com essa attitude, firmou-se
ainda mais no alto conceito em que é tido pelos seus pares. (Serra Negra Jornal,
edição de 03/02/1934)

Os problemas da “Umberto I” continuaram e, no final de 1935, ocorreu um


desentendimento entre a Banda e um grupo de políticos, fato que se tornou matéria na
imprensa local. Não foi possível precisar quanto tempo durou o “impedimento”, mas a
“Umberto I” realizou concertos em espaços particulares.

Concerto Musical
Impedida de realisar, há dias, uma de suas costumeiras retretas no coreto do Jardim
Público, por communicação da Prefeitura Municipal desta cidade, feita por
intermédio do digno sr. dr. Delegado de Policia, a tradicional Corporação Musical
“Umberto I”, realisará, hoje, às 19 horas, no recinto da Fonte São João, gentilmente
cedido pelo seu proprietário sr. João Pires, mais um dos seus bellissímos concertos.
(Serra Negra Jornal, 29/12/1935)

Concerto
A corporação musical “Umberto I”, realisou domingo p.p., conforme notíciamos,
belíssimo concerto, na Fonte São João, desta cidade.
A tradicional corporação executou excelente programma, que foi vivamente
aplaudido pela enorme massa popular que correu aquelle pitoresco ponto da nossa
urb. (Serra Negra Jornal, 05/01/1936)

Em relação aos anos de 1936 a 1939 são raras as informações. Em 1938 a


Corporação Musical “Umberto I” realizou 10 apresentações, e no ano de 1939 realizaram-se
concertos quinzenalmente, segundo algumas notícias.
157

Concerto
A hora do costume, a corporação musical “Umberto I” realizará hoje, no coreto do
jardim da Praça Barão do Rio Branco, mais um dos seus excelentes concertos, que
obedecerá ao seguinte programa:
1º - Dobrado, Avenida;
2º - Valsa, Ercilia;
3º - Mazurca, Caracteristica;
4º - Fantasia, Lucia de Lamenuor;
5º - Marcha, Lembrança, dedicada ao Café do Barulho;
6º - Fox trot, Apache;
7º - Machibed;
8º - Tango, Esquecido (Serra Negra Jornal, 05/04/1938)

Foto nº 33. Corpo Musicale “Umberto I”, ano de 1938. Lado esquerdo, sem instrumento, o
Maestro Astolpho Perondini. Foto tirada na praça em frente ao Grupo Escolar. Foto cedida por
João Gallo Corato. Acervo da Pesquisadora.

O ano de 1940 foi excelente para a Banda de Música “Umberto I”: já nos
primeiros dias de janeiro ela participou das festividades ocorridas na Capela de São Sebastião,
localizada no Bairro Rural dos Francos, dividindo as atividades musicais com o Coro de
Vozes da Igreja Matriz. Também já estava programada a participação da Banda nas
solenidades da Semana Santa e na Festa de Santo Antonio.
158

Ilustração nº18. Jornal O Serrano, edição de 06/01/1940

A Corporação Musical “Umberto I” realizou onze concertos no ano de 1940,


todos eles no Coreto do Jardim central, e em 1941 não foi diferente: participou das
festividades religiosas e apresentou concertos quinzenais, indicando que houve renovação dos
contratos com o poder público.
A atuação dos conjuntos musicais independia de apoio ou patrocínio de dinheiro
público, apesar de serem formados por músicos que também integravam a Banda de Música,
pois cumpriam outro papel dentro da diversão da comunidade, não vinculados aos festejos
cívicos e/ou religiosos. As apresentações geralmente eram realizadas em ambientes fechados
e festas particulares, como os casamentos.
O primeiro grupo que se destacou no cenário musical serrano foi a Jazz Band
Melodia, fundada em 13 de junho de1929, e era composta em seus primórdios pelos irmãos
Benedito, Matheus e José Mattedi, Amadeu Evangelista Carletti, José Caetano dos Santos,
Donato e Affonso Albertini. A regência se dividiu entre os músicos Lívio de Benedictis e
Santini Mattedi.
159

Foto nº 34. Conjunto Jazz Band Melodia. Serra Negra/SP. Foto Fagundes de Serra
Negra, década de 1930, músicos identificados por Odilon Souza Lemos, colaborador
do Jornal Serra Negra. Ao alto, em pé, da esquerda para a direita: José Mattedi,
trombone, Matheus Mattedi, saxfone alto, Benedito Mattedi, clarinete, Joaquim do
Amaral Campos, trompete e Amadeu Evangelista Carletti, violino. Sentados, da
esquerda para a direita: Donato Albertini, banjo tenor, José Caetano dos Santos,
bateria, Afonso Bertini, cavaquinho. Foto cedida por Odilon Souza Lemos. Acervo da
Pesquisadora.

BAILE
Promovido pelos aquáticos, realisa-se hoje, no Club 1º de Janeiro, gentilmente
cedido pelos sócios, um chocolate dansante que será abrilhantado pelo apreciado
“Jazz Melodia”, sob a regência do hábil maestro Lívio de Benedictis. Agradecemos
o convite que recebemos. (O Serrano, 29/04/1933).

A Jazz Band Melodia era titular do Clube 1º de Janeiro, considerado na época o


clube da elite serrana. Localizava-se na esquina da Rua Sete de Setembro com a atual Praça
Barão do Rio Branco e o espaço já havia sido utilizado na década de 1910, com o Club
Democrata. Anteriormente à inauguração desse Clube, a sociedade serrana utilizava os salões
do Joli Cinema para promover bailes e recreações.

CLUB DEMOCRATA
Carnaval
...Já este anno, o carnaval entre nos, divertiu muito. O automóvel Garfagnina durante
os três dias, correu as Ruas, conduzindo rapazes e moças, phantasiados uns, em
trajes pittorescos outros. Um grupo de muzicos da "Humberto I”" phantasiados ou
caracterizados e vistidos de modos originaes e curiosos, alegrou as Ruas com tangos
e polkas festivos. Um barracão, coberto de palha, conduzia pela cidade muitos
160

mascaras interessantes. E outros grupos de rapazes, de meninas, de crianças, cada


um no seu typo, ajuntou a tudo mais uma nota de vida e palpitante alegria.
Serpentinas, confetti, lança-perfumes por toda a parte, onde havia um grupo
qualquer.
O salão do Joli, na ultima noite, esteve repleto, sendo ahi grande a animação,
passando, como é muito natural nesse dia despercebidas as fitas no meio dos
folguedos carnavalescos.
No salão do Club Democrata houve, nessa noite, um baile, que durou algumas
horas, no meio da maior e da mais franca alegria.
E tudo foi assim, no carnaval deste anno, sem uma nota dissonante, deixando no
espírito de todos uma agradável recordação. (O Serrano, 09/03/1916).

Nos anos de 1920 ainda encontraram-se referências sobre as atividades musicais e


sociais desenvolvidas no Club Democrata. Já nos anos de 1930 inaugurou-se o espaço físico
com outra designação, Club 1º de Janeiro.

Bailes
- Conforme notíciamos realisou-se sabbado ultimo, nos salões do Club 1º de
Janeiro, um pomposo sarau dansante, promovido por distinctas senhoritas desta
cidade.
As dansas, que se prolongaram até a madrugada do dia seguinte decorrerram num
ambiente de grande animação e foram abrilhantadas pelo magnífico “Jazz
Melodia”.
- Logrou invulgar brilhantismo a soirré dansante que promovida por diversos
rapazes de nossa sociedade e pela directoria do “Rio Branco E. C.”, foi levada a
effeito domingo ultimo. Nos salões do antigo Club Democrata Serrano (Serra
Negra Jornal, 14/10/1933) Grifo nosso.

O depoente Oswaldo Saragiotto foi um dos sócios do Club 1º de Janeiro e contou


que, na época do clube, eram promovidos muitos bailes temáticos, num dos quais ocorreu um
episódio que foi especialmente memorável, quando a filha de um rico fazendeiro de Serra
Negra entrou num baile sem estar devidamente trajada para o evento.

O baile que nós fazíamos antigamente, o baile da primavera. Eu tenho até uma
história desse baile. Uma ocasião nós fizemos um baile e era obrigatório as mulheres
tudo de roupa e os homens de terno escuro e gravata. E aconteceu que fizemos o
baile e veio a Anesia Silveira, filha do Juca Preto, ela veio com o noivo e não estava
vestida. Quem é que ia proibir ela? E ela entrou... aí nós fizemos outro baile e
justamente estava aqui um casal... o delegado era moço e fazia parte da nossa turma.
Aí falamos desse baile e comentamos com ele. – Não! Eu fico na porta! Se ela não
vier vestida (a caráter) eu barro. Ela era a mais rica da cidade, fazia o que queria.
Fizemos o baile, ela veio com o Dr. Mario, (que) era noivo dela. Não pôde entrar,
ele (o Delegado) não (a) deixou entrar. Para nós foi uma alegria... aí quando houve
outro baile ela pôs a roupa (adequada). Aprendeu... barrada no baile, no (Club) 1º de
Janeiro, ali. (Oswaldo Saragioto, 2014, Serra Negra/SP)
161

O Club 1º de Janeiro permaneceu em funcionamento provavelmente até início do


ano de 1940145, quando ocorreu o baile de carnaval com a presença da Jazz Band Melodia.
Não foram encontradas mais notícias de suas atividades posteriormente.

Ilustração nº 19. Jornal O Serrano, edição de 04/02/1940

Ainda nos anos de 1930, surgiram outros clubes, como o Clube 5 de Janeiro, que
constituía local destinado a eventos, como saraus, bailes, inclusive no período do carnaval,
com suas matinês.

Club 5 DE JANEIRO
Promovido por elementos da nossa melhor sociedade, realisou-se hontem no Club 5
de Janeiro, um interessantíssimo baile à caipira, que causou êxito estrondoso.
Os salões da novel sociedade apresentavam uma ornamentação bizarra, e o sarau foi
abrilhantado por um grupo musical de Itapira, genuinamente brasileiro. (O Serrano,
29/06/1930).

O Clube 5 de Janeiro também sediava eventos com a participação feminina,


tornando o espaço primordial para as mulheres serranas, pois podiam se apresentar

145
O Salão do Club 1º de Janeiro foi mais tarde ocupado como sede da Câmara Municipal de Serra Negra.
162

musicalmente, como fizeram as pianistas Emma Franco e Yolanda Bruschini Silveira,


dividindo o palco com músicos já renomados, como os irmãos Mattedi.

Constituiu um verdadeiro successo o festival litero musical levado a effeito por


iniciativa do Dr. João Lombardi no amplo salão do Club 5 de Janeiro.
Perante uma assistência selecta e numerosa fizeram-se ouvir as eximias pianistas
exmas. sras. Emma Franco, Yolanda Bruschini Silveira e senhorita Maria
Apparecida Nóbrega, allunna do conservatório musical de S. Paulo, que deleitaram a
assistência executando com inexcedível maestria producções de Carlos Gomes,
Verdi e outros grandes compositores. As senhoritas Maria Cândida Nóbrega, Lygia
Werneck e Elza Mendes, declamaram com muita naturalidade e dicção impeccavel,
lindas poesias dos nossos melhores escriptores, sendo, todas ellas, ao terminar
fartamente apllaudidas.
Por ultimo, o Dr. João Lombardi, que não poude se esquivar a insistentes pedidos
recitou com a graça e naturalidade que lhe são peculiares, uma poesia humorística,
inédita, de sua lavra, sendo muito applaudido.
As intelligentes meninas Renata Rossi, Mafalda Amabile e Inah Nóbrega, prestaram
o seu concurso ao festival incumbindo-se de interessantes números.
A orchesta Mattedi tomou parte no sarau executando bellos números de seu vasto
repertório.
Foi uma festa de arte e bom gosto que deixou indelével impressão ao espírito de
todos os que tiveram a ventura de assisti-la. (Serra Negra Jornal, 16/01/1932)

Outro clube, o Operário, também se formou, significativamente, nos anos de


1930; nitidamente em contrapartida ao Club 1º de Janeiro, que era destinado à elite, o
Operário já rotulava em seu nome a origem dos associados. Em sua diretoria passaram
músicos da “Umberto I”, como Angelo Lamari e Astolpho Perondini. O Club Operário
também tinha um conjunto musical da casa, cuja liderança era do músico Alfredo Dallari,
com sua Jazz Radio.

Clube Operario
Está sendo organisada, nesta cidade, uma sociedade com a denominação supra, cuja
séde será installada nos espaçosos saloes do predio nº 2, da Rua Tiradenes. Damos a
seguir a directoria provisoria dessa sociedade:
Presedinte – Angelo Antonio Lamari
Vice-presidente – João Alfredo Virgilio
1º Secretario - Romeu Antonio Ricci
2º Secretario – Narciso dei Santi
Thesoureiro – Armando Stenghel
Cobrador – José L Tomaleri (Serra Negra Jornal, 29/07/1935)

Club Operario
Realisou-se hontem, nos salões do Club Operario, belíssima e animada partida
dansante. Abrilhantada pelo magnifico Jazz Radio, dirigido pelo maestro Alfredo
Dallari, as dansas decorreram animadas, num ambiente de franca cordialidade.
Agradecemos o convite enviado a nossa redacação. (Serra Negra Jornal,
29/09/1935)
163

O espaço do Club Operário146 foi muito utilizado para os festejos da Societá


Italiana devido a sua excelente localização e acomodações. Um evento de grande notabilidade
foi a festa que se realizou em novembro de 1936, a qual contou com a presença do agente
consular italiano.

Societá di Mutua Assistenza fra Italiani


Constituiu, sem duvida a nota chic da semana, a festa realisada a 4 do corrente, em
commemoração do XVIII anniversario da confraternisação européia e do XIV
aniversario da marcha sobre Roma.
A’s 10 horas da manhã na igreja matriz que se encontrava repleta, realizou-se
solenne missa cantata, em suffragio das almas dos soldados mortos na grande guerra
ítalo-abyssinica.
A noite no coreto do jardim da Praça Barão do Rio Branco, a corporação musical
“Umberto I” realisou maravilhoso concerto. Em seguida, no Club Operário Serrano,
onde se encontrava o que Serra Negra possue de mais chic fizeram uso da palavra,
falando sobre os factos que se commemorava os srs: Benedito Freire Napoleão, dr.
Vicente Rizzo, Dyonisio David Teixeira, Monsenhor Humberto Manzini e Adone
Bonetti, agente consular italiano em Amparo, que foram bastante applaudidos.
Seguiu-se animado baile, cujas danças se prolongaram até alta madrugada. (“Serra
Negra Jornal”, 08/11/1936).

146
O imóvel foi destinado primeiramente à instalação do Cinema Central, que funcionou por alguns anos; como
a metragem era razoável, foi instalado o Club Operário. O músico Angelo Lamari, membro da diretoria do
Clube, conhecia bem espaço, pois ele fez parte do conjunto que acompanhava os filmes. Quando o Club
Operário encerrou suas atividades, o local novamente sediou um clube, o Clube XV de Novembro, que se
configurou em 1938 e tornou-se o Clube mais frequentado de Serra Negra durante sua existência.
164

Continuidades
Na realidade nada está perdido, nem pode ser perdido:
nenhuma forma, identidade, nascimento –
nenhum objeto do mundo.
Vida nem força nem coisa alguma visível,
as aparências não devem deter nem a esfera mudada
confundir teu cérebro.
Amplos são o espaço e o tempo, amplos os campos da Natureza.
O corpo lerdo, envelhecido, frio - brasas restantes
de antigos fogos,
luz esmaecida nos olhos - há de outra vez flamejar como deve;
o sol agora baixo no ocidente levanta-se em manhãs
e meios-dias contínuos;
aos canteiros gelados retoma sempre
o invisível código da primavera
com relva e flores, grãos e frutos de verão.

Walt Whitman
165

3 – A CIDADE E AS MUDANÇAS (Décadas 1940-1980)

3.1 - A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL e O INCREMENTO DO TURISMO

O final da década de 1930 e o início da seguinte foram marcados por


significativas transformações na pequena Serra Negra. O advento da Segunda Guerra Mundial
atingiu a cidade, especialmente a comunidade de imigrantes italianos e seus descendentes,
tanto que a Società di Mutua Assistenza Fra Italiani convocou seus associados para uma
Assembleia Extraordinária em 23 de outubro de 1938, a fim de regularizar sua documentação,
seguindo o Decreto do Governo Federal nº 383, de 18 de abril de 1938. A entidade viu-se
obrigada a mudar a denominação para Sociedade de Mútua Assistência de Serra Negra e
aprovar novos estatutos.
Dentro do novo tratamento dado aos imigrantes italianos, em agosto de 1942 a
sede da Sociedade Italiana foi lacrada e seus móveis foram confiscados. Com essa atitude,
fechou-se a sala em que o Corpo Musicale “Umberto I” promovia seus ensaios, pois a sede da
Banda ficava em uma das salas da Sociedade Italiana147.
Com o ocorrido, a Banda de Música “Umberto I” também passou por mudanças.
O maestro Astolpho Perondini era membro da diretoria da Societá Fra Italiani e,
consequentemente, estava diretamente envolvido com as duas entidades. Para não
comprometer a “Umberto I”, a partir de 1942 as apresentações dos concertos omitiram o
nome “Umberto I”, sendo substituído por Banda de Música ou Corporação Musical. Estas
notícias a princípio nos fazem deduzir que a Corpo Musicale “Umberto I” encerrou suas
atividades e outra banda estaria atuando, porém, segundo os depoimentos dos músicos, a
Banda continuou suas apresentações até 1944, com a mesma formação e o mesmo repertório,
deixando de utilizar a denominação italiana devido ao fato de o Brasil nesse período estar em
guerra com a Itália.
Na área econômica, os investimentos continuaram na cidade de Serra Negra:
edificaram-se novos hotéis, surgiram lojas e fábricas com produtos direcionados aos
visitantes, como lembrou o depoente José Franco, mencionando as instalações de fábricas de

147
O Delegado de Polícia, Antonio Loleto Salvia foi o encarregado de proceder ao confisco dos bens e lacração
da sede da Sociedade Italiana. Não foram encontrados documentos da entidade, pois, prevendo que algo poderia
ocorrer, a documentação da Sociedade foi retirada antes do fechamento e guardada por membros da família
Lamari. Meses depois o imóvel foi liberado. A Banda de Música voltou a fazer os ensaios rotineiros.
166

couro. O Álbum dos Municípios de São Paulo, publicado no ano de 1940, registrou que a
cidade possuía oito hotéis no final dos anos de 1930, sendo eles: Rádio Hotel, Hotel da
Empresa, Hotel do Comércio, Hotel Santo Antonio, Novo Hotel, Hotel Marchi, Hotel São
Paulo e Regina Hotel, além de inúmeras pensões. Os novos estabelecimentos não supriam a
demanda dos veranistas em contínuo crescimento.

3.1.1 – Cassino e Música

O processo dinamizador da economia de Serra Negra partiu de um grupo de


empreendedores liderados por Claudio Novaes, através de uma sociedade chamada
Companhia Melhoramentos de Serra Negra, que, em janeiro de 1940, iniciou as articulações
para a instalação de um cassino na cidade.
Para tanto, Claudio Novaes adquirira um imóvel de José Cintra de Almeida,
localizado a cerca de cinco quilômetros do centro da cidade, denominado Chácara São Pedro,
local esse que abrigava a Fonte dos Amores. A pretensão do novo proprietário era a de
realizar a “construção de hotéis – sanatórios, dotados de todos os requisitos da hygiene
moderna, e portanto, apresentando todo o conforto para seus futuros hospedes[...]”( O Serrano,
21/01/1940)
O Serrano de 21 de janeiro de 1940 noticiou, também, que a cidade contava com
oito hotéis e cinco pensões, perfazendo um total de 900 leitos e, com a construção do novo
empreendimento, as acomodações atingiriam 1800 leitos, atendendo a demanda dos visitantes
em busca de saúde e lazer, que aumentava gradativamente.
O pedido de concessão para a exploração dos jogos tramitou rapidamente. Em 14
de fevereiro de 1940, publicou-se no Diário Oficial a autorização para instalação do cassino
na cidade, porém a edificação não estava concluída. A opção foi abrigar de forma provisória a
sala de jogos em um espaço do Radio Hotel, tendo em vista a sua localização privilegiada no
centro da cidade e a qualidade dos serviços oferecidos.
A expedição de alvará de licença para a exploração de jogos era regulamentada
através de decretos que disciplinavam aspectos da atividade, como o horário de
funcionamento, tipos de jogos e idade dos frequentadores. Os jogos só eram permitidos em
casas “com instalações sumptuosas”, e também, é claro, mediante o pagamento de impostos.
167

Através do Decreto-Lei nº 3.987, de 2 de janeiro de 1920, assinado pelo


Presidente Epitácio Pessôa, oficializaram-se os jogos de azar e garantiu-se um numerário
adicional aos cofres públicos; tal decreto versava, outrossim, sobre a reorganização dos
Serviços da Saúde Pública, em seu artigo 14, que regularizava e concedia autorização para a
realização de jogos de azar, mediante condições e pagamento de uma taxa de 15% sobre o
produto líquido. Segundo Paixão (2003), criou-se tal tributo para atender as graves questões
da saúde pública do período.
Disciplinando também a questão sobre os impostos temos os decretos sob nºs
5.947/1933 e 10.462/1939, que regulamentavam “os impostos que recaiam sobre cassinos das
estâncias balneários e hidrominerais” e, entre seus dispositivos, está o direcionamento da
contribuição, especificado no artigo 8º:

Da renda líquida apurada com o imposto de licença especial, oitenta por cento são
destinados a Assistência Hospitalar do Estado, e os vinte por cento restantes à
Assistência Hospitalar do Município. Essa renda recolhida ao Tesouro Estadual e
Contadorias Municipais respectivas, na proporção indicada, devendo ser escriturado
como renda com aplicação especial nos referidos serviços.

Seguindo ainda as orientações do Decreto 10.642/1939, para a obtenção do


respectivo alvará, a petição deveria ser direcionada ao Chefe de Polícia, procedimento esse
realizado por Claudio Novaes, conforme publicação de 30/06/1940 em O Serrano.

Casino
O “Diário Official” de hontem publicou o seguinte despacho da Chefatura de Polícia
de São Paulo: - Da Empresa de Melhoramentos de Serra Negra, sobre a exploração
de casino: - Compareça à Tesouraria Geral desta Republica, afim de depositar a
importância de Rs. 30:000$000, da qual 15:000$000 correspondem ao depósito
adiantado da taxa fixa, relativa ao primeiro trimestre, a que se refere o § 2º do art. 4º
do decreto n. 10.462, conforme foi arbitrada pelo Sr. Chefe de Polícia, e os
15:000$000, restantes para o pagamento do pessoal necessário aos serviços de
fiscalização, nos termos do § 1º do art. 19 da portaria n. 66 de 11-1939. (O Serrano,
30/06/1940)

Vários outros cassinos localizados em estâncias hidrominerais e climáticas


encontravam-se em funcionamento, como o de São Lourenço e o de Poços de Caldas, ambos
localizados em Minas Gerais, além do de Campos do Jordão, em São Paulo, onde a atividade
do jogo era explorada pelo Governo do Estado. Independentemente de ser fruto da iniciativa
168

privada ou governamental, a edificação deveria ser suntuosa, com restaurante, bar, piscinas,
salões e salas para conferências.
No ano de 1941, a construção do Grande Hotel Serra Negra já estava adiantada e
absorveu mão de obra local constituída de pedreiros, de mestres de obras e de marceneiros. Os
Srs. Quirino Rossi e Bruno Caravatti arrendaram o hotel, iniciando os procedimentos para a
exploração do cassino e, para seu funcionamento, foi necessária a contratação de mão de obra
especializada. Além dos serranos, profissionais das áreas artística, de entretenimento e do
jogo migraram dos grandes centros, sendo que muitos deles acabaram se estabelecendo e
constituindo família em Serra Negra.

Foto nº 35. Construção do Grande Hotel, que abrigaria o Cassino. Início dos anos de
1940. Fonte: Foto Fagundes. Acervo da Pesquisadora.

No início do ano 1942, inaugurou-se o cassino do Grande Hotel, proporcionando


uma vasta programação de shows, com apresentações de artistas nacionais e internacionais,
possibilitando a Serra Negra um turismo mais elitizado. Entre os contratados estava a
Orquestra Orlando Trinca148.

...Casino do Grande Hotel Serra Negra um dos maiores e dos mais luxuosos do
nosso Estado. O sr. Lemos já deu inicio aos serviços das instalações do suntuoso
Casino, a ser inaugurado ainda este mez... (O Serrano, 01/02/1942)

148
ANEXO Nº 02
169

Com a presença de músicos profissionais na cidade em virtude das apresentações


no Cassino, alguns fatos chamaram a atenção, como o que ocorreu quando a direção do
Cassino, a fim de suprir a necessidade de moradia dos componentes da Orquestra Orlando
Trinca, impediu por dois anos a hospedagem no Hotel Brasil, para que nele ficassem alojados
os músicos e seus familiares. Outro fato diz respeito à contratação dos músicos que
integravam a orquestra do navio Conte Grande.
O Conte Grande foi apreendido no porto de Santos em 1943, e sua tripulação
permaneceu no Brasil até 1947. Alguns deles obtiveram permissão para trabalhar no país,
entre eles os músicos, que conseguiram autorização para se empregarem nos cassinos
brasileiros, como os das cidades de Santos e de Águas de São Pedro, além do Cassino da
Urca, no Rio de Janeiro; alguns vieram para Serra Negra.
Quanto à permanência dos músicos italianos em Serra Negra, a direção do
Cassino foi orientada a peticionar junto à Superintendência de Ordem Política e Social uma
solicitação para regularização da situação dos profissionais. Certamente atendeu-se o pedido,
pois em julho de 1943 a orquestra pôde estrear no Cassino.

A artística suarêe de ontem no CASINO SERRA NEGRA


A apresentação de ótimos artistas com a estréa da orquestra do navio “Conte
Grande”
Atingia excepcional brilho o “show”, realizado ontem, no Casino Serrano, onde
seleta assistência teve o agradável ensejo de admirar um conjunto de ótimos artistas,
ouvindo pela primeira vêz naqueles elegantes salões a excelente orquestra do navio
“Conte Grande”, que foi contratada para abrilhantar, permanentemente os festivais
daquele centro recreativo.
Januario de Oliveira, o festejado cantor e humorista da Rádio Nacional, muito
agradou o publico, com os seus belos números, recebendo os mais calorosos
aplausos...
O conjunto “Conte Grande” soube realçar com magnifica seleção musical o trabalho
dos artistas, revelando ser apurado na escolha dos números que apresentou, todos
executados magistralmente.
Com a aquisição dessa orquestra e com o desfile de grandes artistas, o “grill” do
Casino prosseguirá com as suas grandiosas soirées de arte, assim correspondendo a
distinção de sua culta platéa... (O Serrano, 11/07/1943).
170

Entre os músicos do Conte Grande estavam o contrabaixista Luigi Benedetto e o


pianista Vitorio Pezzete.

Foto nº 36. Luigi Benedetto Foto nº 37. Vitorio Pezzete. Década de


São Paulo, 23 de abril de 1947. 1940. Foto cedida por Zoraide Lamari.
Foto cedida por Zoraide Lamari. Foto da pesquisadora.
Acervo da pesquisadora.

Os dois músicos hospedaram-se no Hotel São Paulo e, através do proprietário


Sergio Beraldi, foram apresentados aos músicos da família Lamari e a Alfredo Dallari.
149
Coincidentemente o músico Luigi Benedetto era conterrâneo de Acquilina Cicilia Lamari ,
matriarca da família. Da relação nasceu uma sólida amizade, e os instrumentistas italianos
passaram a orientá-los musicalmente com aulas complementares de contrabaixo acústico e
piano. O vínculo se tornou tão sólido a ponto de Alfredo Dallari emprestar seu contrabaixo
para que Luigi estudasse diariamente no hotel, evitando com isso transportar seu instrumento
dos salões do Cassino até o hotel, e este, em troca, ministrava aulas a Alfredo.
O contato com músicos profissionais do Cassino que passaram a residir em Serra
Negra levou a uma apuração na interpretação das peças musicais por parte dos irmãos Lamari
e Alfredo Dallari, tanto que a experiência levou à criação de um conjunto de música de
câmara constituído por Luiz e Angelo Lamari ao violino, José Lamari à flauta, Romeu Lamari

149
Acquilina Cicilia Lamari, chegou em Serra Negra aos 12 anos de idade, no ano de 1892, vinda da Calabria.
Seu pai era mestre de obras e entre seus trabalhos está o término da Igreja Matriz Nossa Senhora do Rosário,
contratado por Monsenhor Manzini. Ela se casou aos 16 anos, em 1895, com Raphael Lamari, um rico
comerciante de 40 anos.
171

ao piano e Alfredo Dallari ao contrabaixo. Seus ensaios eram regulares, primando pela
qualidade da sonoridade e interpretação.
150
Luigi Benedetto se tornou professor de mais músicos serranos, como Silvio
Bertolini, que narrou em seu livro de memórias a importância das aulas ministradas pelo
referido mestre para a sua formação musical.

Ele propôs ser meu mestre enquanto visitava a família Lamari. Na época eu tinha
começado a tocar sax genis de harmonia, mas meu instrumento era muito velho e eu
precisava consertá-lo sempre soldando os buracos. Um dia de muita sorte, após
remendar o sax genis, com muita malícia empunhei o instrumento e toquei com
energia para que o maestro Luigi me ouvisse e, por incrível que pareça, ele no ato
quis me conhecer e pediu para que meu patrão me desse folga do trabalho para eu
receber aulas três vezes por semana. Essas aulas duraram 11 meses, que foram para
mim de grande valia. (BERTOLINI, 2009, p. 134).

Além do contato com os músicos profissionais que trabalhavam no Cassino, a


população serrana passou a ter o privilégio de assistir as apresentações que lá ocorriam.
O espaço térreo do Grande Hotel era dividido em duas partes: um salão destinado
aos jogos, que era controlado para que impedisse a entrada de menores de idade e também
para que as pessoas estivessem devidamente trajadas; em outro salão funcionava o chamado
“Grill Room”, local onde aconteciam os shows. Nesse último espaço a entrada era franca e
estendida a todas as idades, tornando-se um local frequentado por famílias inteiras. Como
estratégia, a direção do Cassino também emitia convites que eram entregues pessoalmente a
membros da comunidade, colocava anúncios nos jornais e disponibilizava transporte gratuito
do centro da cidade até o cassino151.
À população facilitava-se o ingresso para as apresentações de vários ídolos que
ouviam no rádio. Outra influência musical da época era a Rádio Nacional com seus programas
e uma minoria tinha acesso às gravações através dos discos. Esses contatos estimularam
alguns jovens serranos a formarem um grupo vocal.
Em 1943, jovens músicos influenciados pelos conjuntos Quatro Azes e Um
Coringa e Anjos do Inferno, assim como pelos shows que aconteciam continuamente no
espaço do Cassino, resolveram criar um conjunto musical, que batizaram com o nome de

150
Segundo o músico Silvio Bertolini, após o fechamento do Cassino, Luigi Benedetto, Vitorio Pezzete e outros
músicos profissionais foram para São Paulo a fim conseguirem trabalho. Luigi trabalhou em cabarés e casas
noturnas e faleceu em condições miseráveis.
151
ANEXO Nº 03
172

Conjunto Vocal Águias de Prata de Serra Negra. Os musicistas realizaram inúmeras


apresentações nos Cassinos de Serra Negra, Águas de Lindóia e Poços de Caldas e eram
anunciados, como “prata da casa”.

Águias de Prata – O Casino das Termas de Lindóia, sob a competente direção do


snr. Alberto Quatrini Bianchi, apresentou em seu “Grill Room”, a 25 do mês findo, o
“Conjunto Vocal “Águias de Prata” que se houve com grande destaque pelos seus
valores artísticos, alcançando brilhante sucesso no “Show” daquela noite. (O
Serrano, 18/03/1943)

Foto nº 38. Conjunto Águias de Prata, músicos em pé: Claudio Blotta, Antonio
Tomareli, Zezinho do Cavaco. Sentados: Gilberto Conz, Nery Della Guardia e Saul
Blotta. Ano de 1943. Foto cedida por Alcebíades Felix. Acervo da pesquisadora.

Os Águias de Prata dividiram o palco por inúmeras vezes com os profissionais do


Conte Grande e com outras atrações especialmente contratadas para os eventos diários152. A
fama do conjunto chegou às rádios, tanto que, em 1945, foram convidados para se
apresentarem na Rádio Educadora de Campinas e obtiveram grande sucesso, coroando ainda
mais a prata da casa. O grupo foi dissolvido e ressurgiu com uma nova designação, Os
Garotos do Ritmo.

152
ANEXO Nº 04.
173

Ilustração nº 20. O Serrano, edição de 22/04/1945

Também marcou época nos palcos do Cassino a Jazz Band Melodia, que fazia
parte da programação da casa. Esses músicos experientes aproveitaram essa oportunidade
para firmar seus nomes no cenário musical serrano. Além do Cassino, a Band Melodia passou
a fazer parte dos quadros do Clube XV, que foi inaugurado em 1938, com apresentações
contínuas.
Os músicos da Jazz Band também eram integrantes da Banda “Umberto I”.
Benedito Mattedi ficou conhecido como excelente músico, professor e compositor, sendo
inúmeras as histórias sobre ele. Entre elas a de que ele ouvia uma música no rádio e a
transcrevia com arranjos para Banda ou para o conjunto.
174

Santini Mattedi153, assim como seu irmão Benedito, foi instrumentista de banda,
de conjuntos musicais e professor de música e responsável pela formação de toda uma
geração de músicos serranos.

Casino Serra Negra


Realizou-se ontem, no “grill-room”, do Casino Serra Negra, uma bela e animada
suarê dansante, que foi abrilhantada pelo conjunto do “Jazz Melodia”, desta cidade.
Em ambiente de máxima distinção e cordialíssimo, as dansas decorreram animadas
até alta hora da noite.... (O Serrano, 17/01/1943)

Clube XV de Novembro
A diretoria desta simpatica sociedade recreativa prepara com entusiasmo o baile que
levará a efeito amanhã para festeja a passagem do ano, com o concurso do apreciado
“Jazz Melodia” desta cidade... (O Serrano, 29/12/1945)

Havia uma integração entre os cassinos; muitas vezes um único empresário


administrava vários empreendimentos, como é o caso de Alberto Quatrini Bianchi, que
assumiu o Cassino em Serra Negra em 1945, ano em que também arrendou em Poços de
Caldas o Palace Casino, o Casino Quissisama e o Casino Imperial Azul.

“Casino Serra Negra


O Sr. Alberto Quatrini Bianchi é o novo empresário
daquela casa de diversões.
O Sr. Alberto Quatrini Bianchi, empresario de casinos em
Poços de Caldas, Guarujá, Santos e Termas de Lindoia,
acaba de adquirir da firma Capitanini & Galvão o Casino
Serra Negra, anexo ao Grande Hotel dessa cidade. A
notícia da nova direção do Casino foi divulgada com
simpatia em nosso meio, onde o sr. Bianchi é conhecido e
admirado através dos seus grandes empreendimentos ...”
(O Serrano, 03/06/1945)

153
O Professor Santini Mattedi fundou a Escola de Música “Nicolino Fatigati”, em 1953.
175

Foto nº 39. Vista do Cassino. O Grande Hotel que abrigava o Cassino era um ponto
turístico da cidade de Serra Negra. O trajeto era feito por charretes. Década de 1940.
Fonte: Foto Fagundes. Acervo da pesquisadora.

Muitos artistas que participaram das apresentações eram profissionais, contratados


pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Eles realizavam turnês em vários cassinos, como a
dupla Pitanga e Bentinho, que se apresentou em Serra Negra em fevereiro de 1944, e cujo
espetáculo foi assistido, anteriormente, no Cassino da Urca no Rio de Janeiro, em Poços de
Caldas e Belo Horizonte (O Serrano, 03/02/1944). O cantor Carlos Galhardo e a artista Lolita
Rodrigues154 também estavam entre as celebridades que passaram por Serra Negra. A
apresentação da cantora Gloria Warren, protagonista do filme “Sempre no Meu Coração” 155,
perdurou nas lembranças dos serranos. Os depoentes Demon Clayr e José Franco assistiram
ao espetáculo.

Isso é do tempo do cassino...eu ia toda a noite lá, eu era moço e não pagava nada...
assistia os shows que tinha, vinha show de todo o lugar, inclusive eu assisti o show
da Gloria Warren!!!. Ela era americana e veio dar um show aqui no cassino... veio
exclusivamente para dar o show aqui na cidade... tinha um amigo e falava: Vamos
lá? Chegava lá, tomava uma cerveja, assistia e vinha embora... o forte era a
jogatina... corria o dinheiro ali que dava gosto! Infelizmente tiraram o cassino,
aquele Dutra.... se tivesse até hoje, isso aqui tinha triplicado, porque todo mundo

154
O cantor Vicente Celestino esteve em Serra Negra em uma turnê pelo interior do País. A audição, em
09/02/1941, foi feita no palco do Cine Republica. O espaço do Cine Republica foi fundamental na década de
1950, pois ali era transmitido ao vivo o programa de auditório da Rádio Serra Negra e também para as
apresentações do grupo de teatro serrano.
155
Produção americana de 1942. O episódio trata-se da atriz Gloria Warren, do filme Sempre no Meu Coração.
Sua apresentação foi no ano de 1945 e a turnê incluiu outras cidades, com apresentações realizadas nos cassinos.
Em Poços de Caldas o show ocorreu em setembro de 1945. O conjunto serrano Garotos do Ritmo realizou uma
apresentação no mesmo dia que ocorreu o show da Gloria Warren.
176

ganhava, todo mundo construía. Os que trabalhavam lá um pouco de tempo pegava


um dinheirinho e dava para fazer muita coisa. (José Franco de Godoy, 2015, Serra
Negra/SP).

Demon Clayr assistiu ao show de Gloria Warren acompanhada de suas amigas.


Apesar de sua timidez, a música e o palco exerciam sobre ela um grande fascínio, tanto que
foi a primeira mulher de Serra Negra a se apresentar no Cassino.
Por volta dos anos de 1943, a depoente Demon Clayr e sua amiga Maria
Hortência, entre brincadeiras e tricô, cantavam as músicas que ouviam através da Rádio
Nacional, em especial o programa comandado por Francisco Alves que ia ao ar todo domingo,
às 12:00 horas. Além disso, Maria Hortência tinha uma vitrola e vários discos dos cantores da
época. Com isso, elas começaram a decorar as músicas e, por sugestão da amiga, Demon
Clayr ouviu as canções de Gregório Barrios iniciando, assim, o seu repertório de boleros.

A música, eu sempre gostei! Então a minha casa, lá na Duque de Caxias, até hoje
tem um terraço. A gente reunia as amigas, a gente fazia muito tricô, né? Para pode ir
ao cinema. Fazia o tricozinho da gente! A gente cantava, cantava na área. Às vezes
minha mãe com meu pai estavam brigando lá dentro do quarto e eu cantando que era
uma delícia, ali no terraço... Eu tinha uma amiga, que se chamava Maria Hortência e
ela falou :- Clayr canta. Eu cantava samba, cantava as músicas. – Ela falou: - Por
que você não canta os boleros do Gregório Barrios? Olha o Gregório Barrios está
cantando que é um espetáculo! Eu falei :- Ah!! Mas é... eu não sei cantar. Ela falou:
- Eu ensino. Ai ela pegou as letras das músicas do Gregório Barrios e eu cantava e
ela me ensinava a falar o castelhano, né?... E ali eu comecei a cantar o bolerão da
época, né? É que estava muito em moda. Aparecia mais, porque a moda era o bolero.
(Demon Clayr, 2014, Serra Negra/SP.)

Passou-se um tempo e veiculou-se pela cidade que a jovem Clayr tinha uma voz
muito bela e convidaram-na para cantar em um evento em 1944, realizado para angariar
fundos destinados à construção do Asilo São Francisco. Para poder se apresentar ela teve que
obter a permissão do pai e a supervisão dos cinco irmãos.
Através do músico Nico Mattedi156, surgiu a oportunidade de uma apresentação no
“Grill Room” do Cassino e a orquestra que estava em temporada em Serra Negra era a de
Xavier Cugat157. No ensaio, o Maestro Cugat perguntou a Clayr qual era a tonalidade em que

156
A família Mattedi formada pelos irmãos Matheus, Benedito, Santini e Nico eram excelentes músicos; foram
integrantes do Corpo Musical “Umberto I” e da Jazz Band Melodia, sendo uma das referências musicais de Serra
Negra.
157
Xavier Cugat (1900-1990), maestro, compositor e cantor; com sua orquestra participou de vários musicais
norte-americanos da MGM e realizou inúmeras apresentações em clubes e cassinos, inclusive no Brasil. Nos
anos de 1930 – 1940, conhecido como o Rei da Rumba.
177

ela estava acostumada a cantar. Ela, entretanto, não soube responder e ele, gentilmente, a
ouviu e orientou a orquestra para segui-la no tom em que ela cantava.

E um dia o Nico Mattedi, eu contei né. Aquele dia foi até gozado. Teve um show no
Grande Hotel... então falaram:- Clayr, você vai cantar no Grande Hotel. – Mas
escuta, eu tenho vergonha. Também de cantar num Grande Hotel! Tinha cassino
tudo. Então vai fazer o show no Grande Hotel e toda a sociedade aqui de Serra
Negra, juntaram também a turma lá para cantar e eu fui...Só que quem estava lá era
o Xavier Cugat... Orquestra de Xavier Cugat, que estava na... se apresentando aqui
no Grande Hotel. Quando chegou a hora de cantar, ele falou :- Eu acompanho! Nós
vamos acompanhar você... Aí eu comecei a cantar De corazón a corazón. Comecei a
cantar e ele foi mesmo atrás. Aí eu cantei, cantei e achei superbacana cantar com ele.
Nossa! Então, foi um sucesso. Quer dizer que eu cantei até com o Xavier Cugat!
(Demon Clayr, 2014, Serra Negra/SP.)

Demon Clayr apresentou-se muito bem, possibilitando com isso outros convites,
passando a ser acompanhada pela Orquestra do Cassino, assim como pelos músicos serranos
que se apresentavam no espaço, entre eles os irmãos Saul e Claudio Blotta158. Era grande a
preocupação com o figurino para as apresentações naquele espaço luxuoso e, como Demon
Clayr não possuía as vestimentas apropriadas, os vestidos e adereços eram arranjados e
adaptados para o seu corpo. Sua permanência no Cassino era exatamente o tempo que durava
a apresentação, pois não tinha autorização do pai para ficar além do período estabelecido.

Era assim, viu, Claudia. Eu cantava, eu tinha cinco irmãos. Cinco leões! Então o Sr.
Barbosa, o pessoal ia em casa, tinha que pedir para o meu pai. Meu pai fazia aquela
baita cena. Depois deixava, só que assim: - Ela vai cantar, mas os irmãos dela vão
junto. Então eu entrava pela porta dos fundos do Grande Hotel, não entrava pela
porta da frente, com meu irmão. Eu cantava, acabava de cantar, eu ia pelo fundo, ele
me pegava e vinha embora. (Demon Clayr, 2014, Serra Negra/SP.)

Tinha vergonha de me apresentar. Assim, né? Depois que eu começava, então eu ia


embora, gostava, saía... mas até a hora eu sofria muito. Não era uma coisa que eu
fazia assim... eu tinha muita vergonha... começa, ia embora...Eu cantava: Para que
recordar, Besame mucho, Corazón a corazón, Perfídia e assim por diante... Eu sei
dizer que quando eu chegava no Grande Hotel já estava a roupa lá. Eu nunca via a
roupa que ia cantar. Deixavam tudo arrumado, eu chegava, já punha a roupa. Eu
sempre tinha uma outra pessoa junto também, uma senhora, que eu nem sei quem
era, devia ser do próprio Grande Hotel e aí me ajudava, se tinha que apertar uma
coisinha, dava uma apertadinha ou punha uma fita, qualquer coisa e ali já fazia a
apresentação. (Demon Clayr, 2014, Serra Negra/SP.)

158
Saul e Claudio Blotta, irmãos músicos, que foram integrantes dos conjuntos: Águias de Prata, Garotos do
Ritmo e do regional que acompanhava o programa de auditório comandado por Alcebíades Felix nos anos de
1950.
178

Foto nº 40. Demon Clayr, com figurino apropriado para uma das suas apresentações,
década de 1940. Serra Negra/ SP. Foto cedida pela depoente Demon Clayr Del Nero.
Acervo da pesquisadora.

A presença de palco aliada à voz e à beleza da jovem cantora despertaram


interesse entre muitos profissionais da área, como Otávio Gabus Mendes159, que, quando
estava de passagem por Serra Negra, ao acompanhar os concertos musicais do Grande Hotel,
assistiu a uma apresentação da artista. Procurou saber sobre ela e entrou em contato com Nico
Mattedi, que se prontificou a levá-lo até a residência dos pais de Clayr. A reação do pai não
foi muito positiva e, assim, Clayr não se tornou uma cantora profissional.

...foi em casa pediu para o meu pai se deixava fazer uma apresentação na Rádio
Nacional do Rio de Janeiro...foi lá com o meu pai. Quase que saiu a pedrada da
minha casa.... meu pai falou : - Nem pensar... o senhor está pensando que minha
filha é o que? Cantar em rádio? Você está pensando o quê? O senhor suma daqui.
Ele o Nico Mattedi, estava junto com ele. (Demon Clayr, 2014, Serra Negra/SP.)

Através das lembranças de Demon Clayr soube-se que, em algumas


apresentações, ela teve a companhia de uma amiga e também cantora Lourdes Godoy160, em
cujo repertório estavam músicas italianas. Nas apresentações no “Grill Room”, Lourdes

159
Otávio Gabus Mendes, crítico, radialista, roteirista e diretor de cinema. Em 1936, organizou a discoteca da
Rádio Nacional, no Rio de Janeiro.
160
Lourdes Godoy Gentlini, nascida na cidade de Lindóia em 13/08/1930, casou-se em 1958, com o imigrante
italiano Aldo Gentilini, faleceu no ano de 2014.
179

também contava com a companhia de seu irmão José Godoy. Nos recitais ela era
acompanhada pela Orquestra J. França.

A Lourdinha Godoy, uma amiga maravilhosa. Uma voz muito bonita; por sinal, a
voz mais bonita de todas nós, porque ela cantava música italiana e era mais lírica, a
gente já era a voz do momento. Cantava aquilo do momento, ela já não!...Ela lia
muito, ela estudava, ela sabia discutir, ela sabia falar. A Lourdes foi uma pessoa
especial.
A Lourdes cantava em todo o lugar. Ela era assim formidável, porque se ela
estivesse aqui agora ela estaria cantando. Está entendendo? Coisa que eu não fazia.
Então eu achava o máximo. Porque não tinha aquele negócio de inveja. Uma
procurava ajudar a outra.
Então a Lourdes estava, por exemplo quando a gente ia cantar, uma estava pondo
uma roupa, a outra ajudava- Ah! Não está bom isso daqui. Deixa eu levantar. Era
gostoso porque não tinha... e cada uma cantava o seu ritmo, quer dizer que uma não
entrava no que a outra fazia. (Demon Clayr, 2014, Serra Negra/SP).

Foto nº 41. Lourdes Godoy, apresentação no “Grill Room” do Grande Hotel de


Serra Negra, sendo acompanhada pela Orquestra J. França. Entre os anos de 1944-
1946. Nessa ocasião ela cantou a música “Amapola’. Serra Negra/SP. Foto cedida
por Luciano Godoy Gentilini. Acervo da pesquisadora.
180

Os jovens músicos serranos decidiram, após brigas internas, desfazer o grupo


musical Águias de Prata, mas, depois de algum tempo, voltaram a se reunir com uma nova
denominação: Os Garotos do Ritmo, já com mais experiência, melhor estrutura e novos
integrantes, dentre os quais havia os depoentes Claudio Corsetti e Nelson de Barros. Segundo
eles, os irmãos Claudio e Saul Blotta foram os responsáveis pela reorganização. Ainda sob
influência dos grupos cariocas e músicos vinculados à Rádio Nacional, montaram um
repertório e voltaram ao cenário musical serrano.

A música. Acho que nasceu comigo. Porque eu sempre admirei... Por exemplo,
você, acho que nem ouviu falar de Orlando Silva. Eu morria de ouvir as músicas de
Orlando Silva... Nelson Gonçalves. Não tinha rádio. Até que uma época meu pai
comprou um rádio. Tinha os horários certos dos programas. Francisco Alves, por
exemplo, tinha aos domingos, só cantava no domingo, ao meio dia, na Rádio
Nacional. Depois eu tenho a coleção dos discos do Orlando Silva. Eu adorava ele.
Ele foi o maior que eu já ouvi cantar. Muitos deles também, grandes cantores...
Nelson Gonçalves.... eu não estudei nada, de tanto ouvir. Eu fazia no conjunto a
segunda voz, o dueto. Que tem pessoas que cantam no tom. Aí precisa quem canta
acima ou abaixo, para fazer o dueto e para ficar bonito. Não era o mesmo tom senão
não era um conjunto. Fazia o dueto com os demais companheiros. O repertório
nosso era do conjunto Anjos do Inferno. O maior sucesso deles nós fazíamos, nós
cantávamos. (Claudio Corsetti, 2013, Serra Negra/SP).

... o Claudio Blotta que teve essa ideia, porque o irmão dele (Saul) tocava violão e
ele gostava muito de música. O Saul tocava. E naquele tempo tinha os Anjos do
Inferno que foi o maior conjunto vocal que nós já ouvimos... Todos gostavam, acho
que era o único também... não... tinha diversos, mas o de maior expressão era o
Conjunto Anjos do Inferno. Então o Claudio Blotta fundou aqui em Serra Negra, os
Garotos, não... primeiro não foi os Garotos... Águias de Prata foi o primeiro...
depois tornou a fundar os Garotos do Ritmo. Nós por exemplo, fomos para Mogi
Mirim, Campinas, gravamos em São Paulo. (Claudio Corsetti, 2013, Serra
Negra/SP)
181

Foto nº 42. Foto promocional do Conjunto Vocal “Garotos do Ritmo”, idealizada pelo
fotógrafo serrano Leonel Antunes, funcionário da Foto Fagundes. Década de 1940.
Foto cedida pelo depoente Claudio Corsetti. Acervo da pesquisadora.

O músico Nelson de Barros descende de uma família de músicos, é neto de


Alfredo Dallari, que foi trompetista e integrante do Corpo Musicale “Umberto I”. Assim
sendo, cresceu acompanhando os ensaios e apresentações da Banda de Música; Nelson era o
percussionista do conjunto.

Claudio Blotta quem começou. Ele gostava e aliás, ele já tinha tido antes... o Águias
de Prata. Aí parou! Depois de um tempo começou os Garotos do Ritmo. Que com
oportunidade de fazer um show aqui no cassino, no cassino de Lindóia, fizemos
shows por ai. Eu me lembro de um show até que nós participamos com a Gloria
Warren. Gloria Warren, uma artista famosa americana. A artista que gravou o filme
Sempre no Meu Coração... o show que a gente fazia aí era com artista de renome.
Artistas brasileiros, cantores, cantoras...
(o repertório) Tinha os Anjos do Inferno, Quatro Ases e Um Coringa. Tinha algumas
dos Vocalistas Tropicais. Então, muito pouco dos Vocalistas Tropicais, mas em
inglês, tinha música brasileira no meio, mas era mais Anjos do Inferno e Quatro
Azes e Um Coringa. (Nelson de Barros, 2014, Serra Negra/SP)
182

Os Garotos do Ritmo ensaiavam em uma sala localizada nos fundos da Pensão


dos Canhassi, cuja parte térrea do imóvel abrigou a fábrica de chapéus Panamalinho161.
(Barros, 2014) “Nós utilizávamos aquela sala para ensaiar. Todo dia, 19:00, 19:30 estava lá,
todo mundo, ensaiando. Tempo bom!”. O grupo realizava seus ensaios no Clube XV, local
também destinado às apresentações.
A organização do grupo evoluiu e eles resolveram contrair um empréstimo com
João Felix, pai do depoente Alcebíades Felix, para encomendar alguns ternos confeccionados
pelos alfaiates serranos Galaor e Irineu Perondini, que seriam usados nos shows e dariam um
aspecto mais profissional ao conjunto musical. Alcebíades Felix era cunhado do vocalista
Saul Blotta e, com o passar do tempo, ele assumiu a função de contratante e apresentador dos
Garotos do Ritmo.

Tem uma história interessante. O meu pai emprestou (o equivalente a) 1.500 reais
para o conjunto, quer dizer fui eu que levei o conjunto, não tinha nem documento,
nem nada, comprar o uniforme. Então eles tinham três uniformes, um uniforme de
gala, um uniforme com vilejack branco, calça branca e vilejack branco e um outro
esportivo, todos iguais... Então eles foram, tinha apresentação, eles trocavam de
roupa no intervalo e se apresentavam assim. Nossa! Era um sucesso!
...conforme eles pegavam um intervalo, eles trocavam a roupa rapidamente, porque
o Vilejack por exemplo era só tirar o paletó, e por vilejack, porque a calça ficava a
mesma. (Alcebíades Felix, 2014, Serra Negra/SP).

O referido conjunto começou a se destacar pela qualidade dos espetáculos,


surgindo inclusive convites para apresentações na Argentina, motivando com isso o interesse
de Eduardo Patané162 em conhecer os seus integrantes. Segundo o músico Nelson, havia uma
grande possibilidade de contrato, pois os elementos dos grupos vocais cariocas haviam ido
para os Estados Unidos juntamente com Carmem Miranda.

O Show no palco. Eles apresentavam o show para todos os hóspedes do Cassino. É


porque vinha artista de fora. Vinha por exemplo de São Paulo, Orlando Silva, esses
sambistas. Vários artistas de São Paulo, eles eram contratados para fazer a
apresentação, entendeu? Vou dizer uma coisa para você. Eles faziam sucesso. E
outra coisa: tenho gravação aí do conjunto. Você não acredita, coisa fora de série o
que eles cantavam. Olha Anjos do Inferno, Quatro Azes e Um Coringa, Demônios
da Garoa, tudo naquele tempo era. Eles gravaram... fizeram uma gravação em São

161
O imóvel era localizado na esquina da Rua Sete de Setembro com a Rua José Bonifácio; em meados de 1960,
vários imóveis foram demolidos e foi construído o Edifício Cisne.
162
Eduardo Patané (1906-1969) maestro, compositor, violinista. A partir de 1939 foi contratado pela Rádio
Nacional do Rio de Janeiro. http://cifrantiga2.blogspot.com.br/2013/07/eduardo-patane.html. Acesso em
08/04/2014
183

Paulo e vou dizer uma coisa para você, Mogi Mirim, Itapira, Amparo, Serra Negra,
Águas de Lindóia, Socorro, todos esses lugares, o conjunto se apresentava com
sucesso.(Alcebíades Felix, 2014, Serra Negra/SP).

Foto nº 43. Integrante do Conjunto “Garotos do Ritmo”, na praça central na cidade de


Mogi Mirim, antes de uma apresentação em um clube local. Década de 1940. Foto
cedida pelo depoente Claudio Corsetti. Acevo da pesquisadora.

A gente participava desse show, dos artistas e beleza... aí surgiu a oportunidade do


conjunto, foi naquele dia do quebra-quebra do violão que ia fazer o show em
(Ribeirão Preto). E quem incluiu nós no show foi o Eduardo Patané...que era diretor
da Rádio Nacional.
... outro particular, a Carmem Miranda, quando foi para os Estados Unidos,
americano não toca samba. Então ela acabou levando os Anjos do Inferno, que era
um conjunto, e os Quatro Azes e Um Coringa. Ela levou os dois para lá. Aqui
ficou... então foi aonde nós aparecemos um pouquinho e tinha a chance de explodir,
se desse certo. (Nelson de Barros, 2014, Serra Negra/SP).

Para a audição na cidade de Ribeirão Preto, preparou-se antecipadamente o


repertório, as vestimentas e era grande a ansiedade de entrar em contato com um representante
da Rádio Nacional, porém ocorreram alguns imprevistos: o pai do músico Nelson não deu a
permissão para a viagem e o jeito foi sair escondido, jogando a mala com os uniformes pela
sacada da casa, com ajuda dos amigos.
184

Então meu pai falou: Você não vai, não! O senhor não quer que vá, não vou...Então
eu chamei o Nerinho, minha casa era sobrado. Fiz a mala minha ... joguei (rsrs) para
o Nerinho pela sacada e vamos embora, até.... deu o que deu. Imagine se eu iria
faltar. Podia levar uma surra depois... eu fiz a mala, o Nerão ficou lá embaixo e da
sacada eu joguei para ele, porque (tinha) o uniforme do conjunto. Dai foi embora.
Quando chega na sede, que era o lugar que a gente ensaiava. Deu .... quebrou o pau
lá. (Nelson de Barros, 2014, Serra Negra/SP).

Depois de todo o trabalho para empreender a fuga, foram todos para a sala onde
realizavam os ensaios e, infelizmente, houve uma grande discussão entre os membros, pois
um deles se recusou a viajar, tendo em vista os problemas conjugais motivados pelas
constantes apresentações. No desentendimento houve, inclusive, a quebra de um violão, o que
gerou a ruptura do conjunto e, nesse ínterim, decretou-se também o fechamento dos cassinos.

Foto nº 44. Foto promocional do Conjunto “Garotos do Ritmo”, década de 1940.


Foto cedida pelo depoente Alcebíades Felix. Acervo da pesquisadora

3.1.2 – A Segunda Guerra Mundial e os descedentes dos imigrantes

Com a deflagração da Segunda Guerra Mundial e a consequente política do


Governo Federal contra os estrangeiros, principalmente os italianos, alemães e japoneses,
surgiram sérios problemas: fecharam-se escolas; obrigou-se a mudança dos nomes das
entidades que congregavam descendentes de imigrantes, as Sociedades e Corporações
Musicais; o medo de ser acusado de “quinta coluna”; até o consequente confisco de bens.
Paralelamente a esta situação convocaram-se jovens serranos para ingressarem na Força
Expedicionária Brasileira – FEB, entre os quais muitos filhos e netos de imigrantes italianos.
185

As notícias sobre a guerra circulavam na cidade pelos jornais e, principalmente,


através dos programas de rádio, porém não se imaginava que os serranos, além de destacados
militarmente, seguiriam para a Europa. Os pracinhas serranos serviram também o Exército em
Caçapava/SP e eram todos reservistas. Ocorreu que vários jovens de Serra Negra haviam sido
convocados, e alguns reprovados nos exames preliminares acabaram sendo dispensados;
outros, porém, desertaram. Dezoito jovens embarcaram para Itália, rumo a Nápoles, sendo
eles: Alberto Marciano (2º Batalhão do 6º RI), Alberto Mainente (1º Batalhão do 6º RI),
Antonio Fuim, Antonio Silveira Patrício, Alcides Batista Bueno (2º Batalhão do 6º RI),
Antonio Poleto (2º Batalhão do 6º RI), Ari Vieira, Carlos Venturini (1º Batalhão do 6º RI),
Decio Fioranti, Giordano Marchi (1º Batalhão do 6º RI), Mauro da Cunha Canto (1º Batalhão
do 6º RI), Nadir Alves da Almeida, Oswaldo Saragiotto (1º Batalhão do 6º RI), Pedro Leme
de Assis (1º Batalhão do 6º RI), Roberto Gambeta (2º Batalhão do 6º RI), Rômulo Testa (1º
Batalhão do 6º RI), Sebastião Pinto e Valdemar Pinto de Azevedo (1º Batalhão do 6º RI).
Todos os pracinhas serranos pertenceram ao 6º Regimento de Infantaria
(Regimento Ipiranga) de Caçapava/SP, divididos entre os vários batalhões. Após a
convocação seguiram todos para Caçapava e, pouco tempo depois, foram para o Rio de
Janeiro, onde por quatro meses estiveram em treinamento, até o embarque em junho de 1944.
Dois deles se dispuseram a relatar suas significativas trajetórias da convocação até
o retorno. Roberto Gambeta, nascido em 1916, carpinteiro, filho de pai brasileiro e mãe
imigrante italiana, contou que,

a maior tristeza foi quando começou a convocação. A notícia já estava desde 1940.
Foi quando começou a convocação... aquele tempo era só rádio, quando chegou em
1944 começaram a convocar os reservistas. Eu servi de 1939 para 1940 em
Caçapava. Um belo dia estava trabalhando no Grande Hotel, até o seu avô era o
mestre de obras, o José da Silva. Eu recebi uma cartinha lá, para me apresenter onde
eu servi, lá em Caçapava. Aqui em Serra Negra eu fui o primeiro a ser convocado...
minha mãe ficou meio desesperada, ficou bastante chocada. Eu era o filho mais
velho, era o que mais ajudava. (Roberto Gambeta, 1991, Serra Negra/SP.)

E Oswaldo Saragiotto, nascido em 1920, também filho de imigrantes italianos,


soube de sua convocação através do Tabelião do Cartório do Registro Civil, que lhe deu a
notícia em uma matinê no Clube 1º de Janeiro.
Segundo os depoentes, a permanência no Rio de Janeiro não os preparou para o
combate e o Brasil não possuía armamento suficiente, pois não somente eles tinham cotas de
186

munição para gastar somente nos treinos, como também seus uniformes não eram apropriados
ao clima europeu. O Exército americano foi quem os supriu assim que chegaram ao
acampamento em Nápoles. Relataram, ainda, que o embarque ocorreu à noite sem que fossem
avisados e, mesmo após o embarque, não havia confirmação sobre o destino; somente após
três dias em alto mar é que se inteiraram da situação.
A permanência dos pracinhas na Itália intercalava-se entre as manobras no front e
os descansos fora da área de conflito. As notícias chegavam a Serra Negra através das cartas
enviadas aos familiares. Com a informação sobre o término da guerra, começaram a ser
veiculadas notícias do regresso dos brasileiros. O Serrano publicou um comunicado em 3 de
junho de 1945, noticiando que os pracinhas estariam de volta ao Brasil até o final do mês de
junho; no entanto o regresso ocorreu somente no final de julho daquele ano.
Serra Negra festejou calorosamente o retorno dos seus “pracinhas”. Foi grande a
solenidade para recepcionar os “herois serranos”. O evento envolveu muitas pessoas,
divididas em comissões como: a comissão de honra (sete integrantes), a comissão executiva
(cinco integrantes), a comissão de recepção (95 integrantes) e a comissão feminina, composta
de 27 mulheres incumbidas de formarem um batalhão trajando vestimentas iguais às das
enfermeiras que serviram na Cruz Vermelha. Elas seriam responsáveis pela recepção e
entrega de flores. Havia ainda a comissão do palanque e do enfeite, do baile e do churrasco,
composta por 80 integrantes.
Em 22 de julho publicou-se a programação; a solenidade ocorreu no dia 5 de
agosto de 1945.
“Os expedicionários entrariam na cidade, marchando em forma de V, dentro de
um quadrado formado por senhoritas. As ruas iluminadas e enfeitadas...” Os soldados seriam
recebidos pelas autoridades locais e pela população. Após a cerimônia o grupo iria até o
Radio Hotel para um jantar comemorativo e seguiriam para o baile no Clube XV, abrilhantado
pela Jazz Band Melodia e pela Corporação Musical “Lira de Serra Negra”. Na manhã
seguinte, seria celebrada uma missa em Ação de Graças e realizado um churrasco163.

163
Jornal O Serrano, edição de 22/07/1945.
187

Foto nº 45. Recepção dos Pracinhas serranos, em agosto de 1945. Jovens senhoritas vestidas de
branco, com bonés e uma faixa verde e amarela. Foto cedida por Oswaldo Saragiotto. Acervo da
pesquisadora.

Nem tudo ocorreu como se havia programado, pois os soldados Oswaldo


Saragiotto e Giordano Marchi desembarcaram no Rio de Janeiro e chegaram a Serra Negra no
dia 21 de julho, quando foram recepcionados e aclamados; depois tiveram que voltar a São
Paulo, a fim de regularizar o desligamento da FEB. Como vimos, nem todos os pracinhas
conseguiram chegar a tempo para a festa de recepção, entre eles Roberto Gambeta, teve que
permanecer em São Paulo para o desfile e, também, para regularizar seus documentos.

NO RADIO HOTEL
Pelas 18 horas, no Radio Hotel, foi servido um jantar aos expedicionários:
Oswaldo Saragiotto, Sebastião Pinto, Valdemar Pinto de Azevedo, Alcides
Batista Bueno, Giordano Marchi, Decio Fioranti, Antonio Silveira Patrício,
José Leme Assis e seus progenitores, ali comparecendo as nossas autoridades
e várias pessoas gradas da sociedade serrana. (O Serrano, edição de
12/08/1945)

É interessante ressaltar que as lembranças narradas pelos depoentes reforçam as


emoções vividas por eles quando aportaram no Rio de Janeiro naquele julho de 1945.
A coisa mais linda que pode existir no mundo! Não teve quem não encheu os olhos
de lágrimas. Porque conforme fomos chegando, aquelas marchas... a alegria da gente
de pisar na terra da gente. Uma recepção no Rio, foi uma coisa fora do comum! Nós
saímos do porto, quando nós atingimos a avenida Rio Branco, nós estávamos em
um... que fecharam. Foi fechado, mas não obedeceram o cordão de isolamento. E
não fomos para lugar nenhum, era mulher que pulava na gente, moças que pulavam,
beijavam e o resto aplaudindo, moças que a gente nunca viu na vida abraçavam e
então aplaudiram.... logo que chegamos, estava com dificuldade de dar baixa. Eu
convidei o Giordano Marchi e esse Borim de Socorro. Nós viemos embora pra cá, os
primeiros que pisaram em São Paulo... aí nós pegamos o trem ou o ônibus, não
lembro, só sei que pegamos para Campinas... eu encontrei com o Luis Passagnolo,
ele disse: - Espera ai, calma ai! Foi na agência e telefonou para cá. Telefonou para o
Barbosinha, na Prefeitura. Então conforme ele telefonou, já prepararam, quando nós
chegamos, o povo estava esperando em cima, na entrada da cidade. Foi uma
188

recepção. Fui eu com o Giordano que chegamos aqui, o outro foi direto para
Socorro. Aí fiquei aqui, mais ou menos, uns dois dias. Eu não podia ficar aqui, eu
não estava liberado ainda. (Oswaldo Saragiotto, 1992, Serra Negra/SP)

Foto nº 46. O palanque foi feito no formato de um navio, simbolizando o navio americano General
Meigh, que transportou os expedicionários para a Itália, em 1944. Foi construído pelo marceneiro
Abílio Marchi. Agosto de 1945. Foto cedida pela depoente Tereza Marchi. Acervo da pesquisadora.

Quando faltava mais ou menos 100 quilômetros para chegar no Brasil, para chegar
no Rio, então lá, os marinheiros falavam: mais ou menos daqui quatro ou cinco
horas nós vamos avistar o Rio de Janeiro, daqui umas seis horas... e de fato, quando
amanheceu o dia, saiu todo mundo em cima do convés para ver... começou avistar
terra... longe apareceu as montanhas... daí surgiu o Cristo Rendentor. De fato
naquela dia, nós chegamos de manhã no Rio, era umas 10:00, 11:00 horas. Nossa!
Até desembarcar tudo, não foi brincadeira, muita gente, tudo em ordem, o 1º
Batalhao, o 2º e depois o 3º. Tinha uns quatro mil homens, até descer tudo. Depois,
aquele povo não deixava a gente andar. Um convidava para tomar uma cerveja,
outro convidava para ir comer. Então, quando era noite, nós estávamos lá no Rio,
ainda. Aquela alegria do povo. Aquilo foi uma coisa! Muitos pais, muitas mães
foram esperar os filhos no Rio. Aqui de Serra Negra, quando eu desci do navio, a
primeira pessoa que eu encontrei foi o Ataliba de Lima, que alegria! Um
companheiro de Serra Negra!. Aí teve muitos que não suportou ir para São Paulo
para ser licenciado, vieram embora... Me convidaram para vir para Serra Negra. Eu
falei :- Não! Vou ficar mais dois, três dias para ser licenciado e volto de uma vez...
aí viemos para São Paulo, para o desfile em São Paulo. O Coronel escalou uma
turma para representar São Paulo, eu fui no desfile de São Paulo. (Roberto Gambeta,
1991, Serra Negra/SP.)
189

Após a chegada dos pracinhas, a cidade voltou à sua rotina com os veranistas
vindos para os tratamentos aquáticos, os shows e apresentações no cassino e, até o dia 30 de
abril de 1946, as pessoas ainda puderam se deleitar com a jogatina.

3.1.3 – O fim dos cassinos e a decadência da atividade turística

Através do Decreto nº 9.215/1946, assinado pelo Presidente Eurico Gaspar Dutra,


que aboliu os jogos no país, encerraram-se as atividades dos cassinos brasileiros. O impacto
dessa decisão afetou inúmeras cidades, proprietários e empregados, pois se fechou tudo de um
dia para outro. Segundo Paixão (1999), nesse ano existiam no Brasil 71 cassinos em pleno
funcionamento, empregando 60.000 trabalhadores direta ou indiretamente. Além dos jogos,
eram oferecidos serviços ligados à distração, alimentação e hospedagem. Alguns
estabelecimentos haviam sido inaugurados recentemente, como o Cassino de Lambari, em
Minas Gerais, que funcionou apenas um dia, além de outros empreendimentos onde se
investiram vultosos capitais. A referida lei não poupou sequer os cassinos localizados nas
estâncias e que estavam amparados pela Lei das Estâncias de Águas.
A partir da primeira metade da década de 1940, Serra Negra tomou um grande
impulso motivado pelo registro de “estância”, uma vez que, apesar de não receber incentivos
estaduais, aumentou sua popularidade devido a exploração das águas e dos empreendimentos
vinculados ao cassino. Estimulou-se a construção de novos hotéis164, com o consequente
aumento de turistas abastados, tanto para o tratamento de cura como para o lazer.
Com a promulgação do Decreto de 1946, findou o pequeno período de fartura;
assim Serra Negra obrigou-se a repensar os seus investimentos. Como seria a frequência de
veranistas, visto o jogo não era mais oferecido? Quais tipos de visitantes a cidade receberia?
Somente aqueles em busca da cura pelas águas? E os investimentos recentes, como a
construção de novos hotéis e pensões? As pequenas fábricas com produção voltada aos
turistas? Como tudo isso iria prosseguir?
Ainda, por alguns anos, o fechamento do cassino repercutiu em toda a economia
da cidade, fato esse registrado inclusive em documentos oficiais.

164
Decreto nº 15.534/1946 – Isenção de impostos por cinco anos para a edificação de novos hotéis.
190

Em novembro de 1949 publicou-se a Lei nº 69, que criava a taxa de turismo e


hospedagem em Serra Negra, determinando, entre outros, o pagamento da taxa de 3% sobre
todas as contas pagas pelos hóspedes que visitavam a cidade165. O novo imposto fez com que
os proprietários de hotéis e pensões serranos se organizassem e protocolassem um
requerimento junto à Câmara Municipal argumentando que a Lei era inoportuna e pedindo sua
revogação, pois segundo eles:

A delicada situação econômica e financeira por que passa nosso Estado, vindo esse
fato refletir consideravelmente no movimento dessa estância. É sabido que Serra
Negra, de uns anos para cá vem sofrendo visível declínio na freqüência de veranistas
e aquáticos. O fechamento do cassino foi sem duvida a causa predominante desse
estado de cousas. E tanto é verdade, que em outras estâncias, mais velhas e mais
conhecidas do que a nossa esse motivo também se fez sentir e com grande
intensidade. Assim, a taxa em apreço, embora criada com os melhores dos
propósitos, virá acarretar um esmorecimento ainda maior entre turistas, veranistas e
aquáticos166. (grifo nosso).

O pedido não foi atendido e a Lei vigorou até 1960, quando se alteraram alguns
itens, mas se manteve a cobrança das citadas taxas. Protocolaram-se requerimentos pedindo
isenção de taxas, inclusive três assinados pelos proprietários de charretes167, que nos
documentos expunham a impossibilidade de pagamento dos impostos para exercerem a
profissão e solicitavam também a redução dos valores das taxas, arguindo que:

Quando o movimento de hóspedes era volumoso, pagava-se sem sacrifício o


imposto cobrado.
Quando era permitido o jogo nas Estâncias de cura e saúde, como é a nossa Serra
Negra, havia concorrência compensadora e muitos passeios repetidos nos bairros e
todo o município e as charretes constantemente fretadas. Agora, porém, o serviço
que há para o aproveitamento desses veículos? É diminuto, ou quase nenhum, o que
vale dizer, rendendo o escasso para a manutenção própria, forragem para os animais
e pequenas despesas de conservação da charrete.
Quando, se Deus quiser, restabelecer-se o movimento de veranistas, os charreteiros
poderão pagar o que agora está determinado, por legislação dos Edis, mas
atualmente não há recursos pecuniários para estarem quites, o que, não pode

165
Através da Lei 310/1960, a taxa de turismo e hospedagem subiu para 5%.
166
Requerimento protocolado em janeiro de 1950, assinado por representantes de hotéis: Radio Hotel, Hotel
Vitória, Hotel do Comércio, Regina Hotel, Líder Hotel, Hotel Santos, Hotel Santo Antonio, Hotel Brasil, Hotel
São Paulo e Hotel Marchi. E das pensões: Pensão Serrana, Pensão Nova Era e Pensão Coração de Jesus. Acervo
da Câmara Municipal de Serra Negra/SP.
167
Requerimentos datados de: 09/03/1950, 03/07/1950 e 06/07/1950. Charreteiros: Antonio Pinto de Azevedo,
Antonio Ignácio de Barros, José Vicente Alves, Arlindo Franco Godoy, João Pedroso, Mauricio Celeghin, Irineu
Nadalini, José Ignácio de Barros, José Vaz de Lima, Fernando Duzzi, Antonio Souza Moraes, Clemente Pinto da
Fonseca, Caetano Tomaleri, Benedito de Souza e José Ramos de Souza. Arquivo da Câmara Municipal de Serra
Negra/SP.
191

acontecer, obrigará os charreteiros guardarem seus veículos, a espera de melhores


tempos. O que motivará a diminuição de diversões para os que procuram preferência
as águas de Serra, preferindo outras estações de saúde e cura.

O depoente José Franco de Godoy (2015), em suas narrativas, lembrou que “isso
era a atração da cidade, a charrete... diversas... tudo de aluguel. Os turistas iam para os
bairros, para a cidade toda...”.

Foto nº 47. O uso da charrete como meio de transporte, para


serranos e veranistas. Lado esquerdo: o músico João Galo Corato.
Década de 1950. Acervo da pesquisadora.

Não se encontraram registros sobre as respostas aos requerimentos, porém as


solicitações apresentadas corroboram a afirmação de que no início dos anos de 1950 ainda se
refletia nas estâncias a perda do poderio econômico em virtude da proibição dos jogos.

3.2 – A DÉCADA DE 1950 TROUXE GRANDES MUDANÇAS URBANAS.

Durante toda a década de 1950, os dirigentes serranos procuraram meios para


promover a cidade novamente e, assim, atrair mais visitantes na intenção de alavancar a
economia local, visto que a cafeicultura não representava mais a sua principal riqueza.
192

Dalmo de Abreu Dallari (1954)168 observou que Serra Negra aguardara


ansiosamente para ser elevada à condição de Estância, pois, sendo uma cidade privilegiada
pelo clima e águas, passara a ser procurada como estação de cura e veraneio e “nessa
condição mereceria especial proteção das esferas administrativas estaduais”. A despeito dos
benefícios elencados, quando da criação das estâncias o repasse de verbas para o município
estava aquém do necessário para implantação plena de melhorias.

3.2.1 – A construção do Balneário Municipal

Apesar de ter sido narrado sob um viés cheio de melancolia, O Serrano publicou
uma matéria em março de 1950 noticiando a destinação de verbas para a cidade,
especificamente para a construção do Balneário Municipal. Receberam-se os recursos de bom
grado, mas a construção demorou oito anos para ser concluída.

Publicou o “Diário Oficial” a vultosa verba de três milhões de cruzeiros para a


construção do balneário de Serra Negra.
Registramos esse acontecimento com grande prazer, pois justamente, uma obra de
vulto vem preencher uma das maiores lacunas existentes na nossa estância hidro-
mineral, que se ressente da falta de um balneário, a altura de sua freqüência e de sua
fama... Por isso recebemos com grande satisfação e desvanecimento, a notícia
alviçareira da verba vultuosa que se destina ao balneário, a ser construído na praça
onde existia o antigo mercado municipal... (O Serrano, 19/03/1950)

Através de um ato do governador Lucas Nogueira Garcez, em 11 de agosto de


1950, nomeou-se como Prefeito Sanitário o senhor Luiz Barra, em cuja gestão muitos avanços
marcaram a cidade169, como os pagamentos dos precatórios referentes às inúmeras áreas
desapropriadas, a pavimentação das ruas centrais, o término do monumento do Cristo
Redentor e os investimentos no Parque Caruso, um espaço de lazer e turismo. Porém, segundo
ele, seu maior empenho era o

... de dotar a nossa Estância de um Balneário à altura do seu progresso e da sua


importância, juntamente com a execução de um plano de urbanismo que tem por
moldura e por fundo, o próprio morro que fica atrás.
Já desapropriamos os terrenos necessários à construção das obras complementares
para a piscina, para o Hotel do Estado com 100 apartamentos e para a avenida de

168
Artigo: Problema Municipal. Dalmo de Abreu Dallari. Especial para O Serrano, edição de 13/06/1954.
169
As verbas para alguns procedimentos vinham através do DOP – Departamento de Obras Públicas do Estado
de São Paulo e da Secretaria de Viação.
193

contorno, além do jardim fronteiro com soberba fonte luminosa... (O Serrano,


02/08/1953).

A fim de se concretizar os planos e implantar um Balneário Municipal foi


necessário proceder à desapropriação do espaço que abrigava o antigo Mercado Municipal 170,
conforme publicou o jornal local, notícia essa acima citada.
Em 1875, criou-se em Serra Negra o primeiro Mercado Municipal e sua
regulamentação ocorreu através da Resolução nº 19, de 16/03/1876. A princípio, instalou-se
num espaço provisório.
Segundo Lapa (2008, p.
280), os códigos de posturas e
regulamentos definiam o uso do
Mercado Municipal como um espaço
comercial entre os vendedores, em
sua maioria produtores rurais, e os
compradores, mas o local
transcendia a finalidade primeira e
também era um espaço de convívio
social, pois algumas pessoas iam ao
mercado simplesmente para
conversar.
Foto nº 48. Parte detrás do Mercado Municipal. Década de 1940.
Fonte: Foto Fagundes. Acervo da pesquisadora.

O Mercado Municipal desapropriado localizava-se na Rua Cel. Pedro Penteado,


em frente ao Jardim Público171, e compunha-se de três pavilhões, sendo que nos fundos havia
um espaço livre que margeava o ribeirão. A depoente Tereza Marchi lembrou que o local, nas
décadas de 1930 e 1940, era uma espécie de parque infantil destinado ao entretenimento das
crianças da redondeza.
[...] ali era o “parque infantil”, porque era o único lugar em que a gente brincava
mesmo. Os meninos jogavam futebol, as meninas entravam no jogo de futebol

170
Não se encontraram registros sobre a data da construção; pressupõe-se que teria sido entre os primeiros anos
de 1900, pois existe a Lei nº 63 de 16/11/1909, que dispõe sobre os alugueres do espaço, bem como sobre a
cobrança de impostos. Acervo da Câmara Municipal de Serra Negra.
171
O Jardim Público foi inaugurado em 1905.
194

também, tinha uma amiga, a Zilda, ela jogava, mas ela fazia gols. Você precisava
ver, era uma coisa![...](Tereza Marchi, 2014, Serra Negra/SP)

O depoente Oswaldo Saragiotto rememorou a questão do Mercado Municipal com


muitos detalhes, já que na década de 1920 era criança e sua família possuía um
estabelecimento comercial e residência vizinhos ao local. Destacou a figura do fiscal que
acumulava o cargo de zelador e que se instalava num dos pavilhões do Mercado, como havia
um espaço também ocupado pelo açougueiro e outro pela barbearia.
[...] o açougue aqui e depois então, mas para cá, nessa parte aqui... era aqui, tinha um
portão grande e aqui tinha uma porta. Uma porta grande, tinha o Jaime Barbeiro,
tinha a barbearia ali, que o Jaques, aprendeu ali... no lado de cá tinha um armazém
também que um certo, o Zanolini, tinha aqui e depois ele passou na parte onde é
hoje o hotel do Perseu, ele tinha aqui, aí depois passou o Ramiro, ele também ficou
com o armazém aqui... no meio era justamente o seguinte: todo sábado e domingo
vinha o pessoal da roça e trazia um material. Que nem hoje vai na feira... , inclusive
tinha o moedor de cana, que fazia garapa. Era a pessoa do João Lindo, do Bueno.
Era ele que tinha, que era o dono disso... que fazia a garapa, ele tinha uma garapinha
fresca, na hora, moída na hora, tinha sempre no fundo. E por volta sempre umas
banquinhas, eles punham, o pessoal da roça trazia o material dele para vender, uma
feira, né?[...](Oswaldo Saragiotto, 2014, Serra Negra/SP)

Foto nº49. Mercado Municipal. Década de 1940. Fonte: Foto Fagundes.


Acervo da pesquisadora.

Na cidade comercializavam-se tanto produtos rurais serranos como os dos


mineiros de Borda da Mata, que traziam seus queijos para serem vendidos.
195

Aqui funcionou uma vez um açougue. Aqui atrás, que não aparece... tinham tropas
de burros que vinham vender queijos, vinham de Borda da Mata (MG). As
caravanas, na época eles vinham todos de burros e os queijos eram postos um em
cima dos outros e eles carregavam em cima dos burros. Eles ficavam aqui vendendo,
os queijos para os comerciantes e depois vendiam os burros também... ficavam
dormindo num, traziam suas camas de tropeiros mesmo, que falavam na época.
(Irineu Saragiotto, 2014, Serra Negra /SP).

Nesse aspecto, Oswaldo Saragiotto enfatiza ainda que em uma das vindas dos
mineiros experimentou uns queijos e gostou.

[...] eles traziam os queijos, como chamava a cangalha, né? Eles punham dois jacás,
um aqui... um aqui e do outro lado também, vinham quatro jacás de queijo. Vinha
amarrado e dependurado, porque aqui em cima tinha umas partes de madeira, que
era próprio para isso mesmo, para amarrar, então vinha.... eles vinham lá de Minas
carregado e vinham aqui no Mercadão. Que era o ponto deles aí... aí descarregava
todo o queijo deles aí. E sabe como é que vendia? Vendia por lote, pegava um canto,
fazia uma pilha de queijo. Aqueles queijão que não tirava a manteiga, aquele queijo
gordo. Uma beleza! E fácil de bichar, ai formava aqueles.... aí vinha os comerciantes
e negociavam.... eu quero tanto... tanto...Compravam, levavam para casa, pesavam,
lavavam porque ele vinha no jacá, apesar deles colocarem sempre algumas folhas de
bananeira.... alguma coisa. O pó, a terra, né? Os animais pisando o pó levantava.
Então ficava meio sujinho, precisava lavar o queijo, enxugar, depois por em cima,
sempre em cima de umas tábuas grandes, coisa grande, para ele enxugar um
pouquinho.... meu pai pesava e fazia o preço para poder vender. Aí pesava... tantos
quilos no valor de cem reais, custou x, acrescentava o lucro e vendia o queijo. E
tinha os queijos, conforme eles ficavam alguns dias, alguns começavam a amarelar,
sabe? Amarelava, ficava... não bem cura, mas era um queijo fresco e se ficasse mais
um pouquinho, na borda do queijo começava a bichar, mas só na borda assim.... e
tinha aqueles italianos que queriam aquele queijo.
Que era o queijo mais gordo que tinha. Eles queriam aquele. E eu por uma ocasião,
por curiosidade peguei um queijo daquele e cortei um pedaço, era só a beiradinha
assim, que formava. Dentro não tinha bicho nenhum. E se cortasse aquela
beiradinha era o melhor queijo que tinha. (Oswaldo Saragiotto, 1992 e 2014, Serra
Negra/SP).

A estada dos comerciantes mineiros em Serra Negra também proporcionava


momentos de lazer para algumas crianças serranas, pois

[...].eles vinham com os animais e pedia para a molecada para ajudar a levar no
pasto os cavalos. Então você montava em pelo e ia... chamava “pasto do Turco”,
onde é lá em cima, agora. Antigamente era do Antonio Jorge, falava “pasto do
Turco”, ai perto do rio, ali. Atravessa a Rua ali no rio. Tinha uma passagem ali, dava
uma passagem de três metros mais ou menos, aí você ia, subia o morro e chegava lá
em cima e soltava os animais lá. Voltava e eles davam um queijo desse tamanho
para gente. E a gente divertia porque ia em cima dos burros e ainda ganhava. Era tão
barato para eles, que dava um queijo desse tamanho para gente. Ah! Meu Deus do
Céu!!!![...] (Oswaldo Saragiotto, 1992 e 2014, Serra Negra/SP).
196

Atrás do Mercado Municipal ocorriam as brincadeiras infantis e também era o


espaço que costumeiramente abrigava os circos em visita à cidade. Segundo Oswaldo
Saragiotto, “os circos antigamente eram grandes, tinham teatro e a banda, a bandinha daqui,
vinha e tocava sempre, antes de começar, às sete horas... vinha tocando até chegar aqui, era
uma atração”.
A banda referida era o Corpo Musical “Umberto I”, que também se apresentava
nos espetáculos circenses. Os depoentes Tereza Marchi e Nelson de Barros, netos do músico
Alfredo Dallari, relembraram o circo como lugar simbólico, onde as pessoas se identificavam
e eram reconhecidas, onde se construíam, pelas relações de amizade e de conhecimento,
hábitos e valores culturais. A colaboração da banda “Umberto I” foi de grande valia nas
apresentações circenses.
Quando vinha o circo, que era ali onde era o nosso parque infantil, ali que montava
o circo, então a banda ia. Eu contei para você já. O Tio Aymoré, ele dava então um
pouco de partituras para Nelson, um pouco para o Dalmo, um pouco para o Osvaldo,
para eles não pagarem para entrar no circo. Os músicos entravam marchando,
tocando a música e eles também, segurando assim as partituras, marchando que nem
os músicos. Era bem interessante! (Tereza Marchi, 2014, Serra Negra /SP)

Meu Nono (Alfredo Dallari) já levava eu lá na sala da banda, para eu ficar


carregando as cadernetas (partituras) e trazer as cadernetas para eles, que era para
distribuir lá, depois para os músicos ir tocando... quando vinha o circo, então a
banda ia tocar no circo também, porque não tinha esse serviço de som naquela
época, então a banda ia tocar toda noite no circo, toda noite de apresentação. Para
entrar de graça no circo... eu ia carregando as cadernetas. Agora só que tem que
carregar no domingo também, quando a banda vai para praça. – Não está bom!
(Nelson de Barros, 2014, Serra Negra/ SP).
197

Foto nº 50. Terreno após a demolição do Mercado Municipal. Década


de 1950. Fonte: Foto Fagundes. Acervo da pesquisadora

A demolição dos pavimentos do mercado municipal pode ser encarada como um


marco significativo, pois também foi destruído um espaço ao qual se relacionavam memórias
e vivências, como as do encontro dos produtores rurais por cerca de 50 anos, quando
comercializavam suas mercadorias, e do intercâmbio com comerciantes de outras cidades e
outros Estados.
O espaço ocupado pelo Mercado Municipal e o seu entorno, nas primeiras décadas
de 1900, eram considerados uma região desprivilegiada, um arrabalde sem infraestrutura, se
comparados à movimentada Rua do Comércio, atualmente Rua Sete de Setembro, a qual
abrigava, além das casas mais luxuosas da elite serrana, também as lojas, os armazéns, o Paço
Municipal, a Casa de Câmara e Cadeia, muito próximo ao Grupo Escolar e à Igreja Matriz.
Com a demolição, todo o seu entorno perdeu o sentido social, cultural e histórico,
pois não servia mais como o parque das crianças da circunvizinhança. O espaço para a
montagem do circo transferiu-se para os arredores da cidade e, assim, a banda de música e
todo o séquito já não marchavam até lá. Canalizou-se o ribeirão, acabaram-se as pescarias. A
fonte incrustada no morro passou a fazer parte de uma praça projetada; desapropriou-se
também o “pasto do Turco”, referido nas lembranças de Oswaldo Saragiotto.
198

Por outro lado, o empreendimento fez surgir um espaço público, o Balneário


Municipal, representando um novo marco para a cidade e respondendo às expectativas de
crescimento em relação ao termalismo. O oferecimento das águas curativas não era mais
privilégio de alguns empreendimentos particulares.

Foto nº 51. A construção do balneário, iniciada com as verbas estaduais recebidas em 1950, sofreu
paralisação por alguns anos. Década de 1950. Fonte: Foto Fagundes. Acervo da pesquisadora.

Dentre os planos do Prefeito Sanitário Luiz Barra, também estava a construção da


sede de um clube local, o Clube XV de Novembro, do edifício para os Correios e Telégrafos,
do edifício do Fórum e a reforma do Grupo Escolar; porém, ele não viu a concretização de
suas intenções, pois faleceu em 31 de maio de 1954. Os seus projetos, no entanto, foram
seguidos pelos sucessores, principalmente por Irineu Saragiotto.
Em agosto de 1957172, depois da paralisação, ocorreu a retomada das obras do
balneário após serem cumpridos os dispositivos requeridos pelo Governo do Estado.
Noticiou-se o fato como uma vitória da administração municipal173.
A conclusão das obras ocorreu “a toque de caixa”, pois o edifício era composto de
dois andares, com cerca de 900 metros quadrados de construção, equipado com 16 banheiros,
9 lavatórios, 4 manilúvios, 4 pedilúvios e 6 apartamentos para banho a vapor, duchas

172
Em 22 de setembro de 1954, o vereador Oscar Mangeon apresentou um projeto de Lei denominando o
balneário “Governador Lucas Nogueira Garcez”, que virou a Lei nº 160 de 22/09/1954. Acervo da Câmara
Municipal de Serra Negra.
173
Jornal O Serrano, edição de 18 de agosto de 1957.
199

intestinais e duchas escocesas, sendo duas para cada especialidade174. Segundo o depoente
Irineu Saragiotto, toda a obra esteve a cargo do construtor serrano Edno Moscão175.
Após a morte do Prefeito Sanitário Luiz Barras, incrementou-se o jardim frontal
do Balneário Municipal através de uma fonte luminosa com 15 movimentos diversos de jatos
d’água, sob variações nas luzes, cuja inauguração ocorreu em 23 de setembro de 1958, dia do
aniversário da cidade de Serra Negra. O evento contou com a presença do Brigadeiro Jose
Vicente de Faria Lima, conhecido como “Faria Lima”, que respondia no período pela
Secretaria Estadual de Viação e Obras Públicas, no governo de Jânio Quadros.

Ilustração nº 21. Jornal O Serrano, edição de 28/09/1958

Foto nº 52 . Festa comemorativa da inauguração do Balneário Municipal de Serra Negra,


em 23/09/1958. Fonte: Foto Fagundes. Acervo da pesquisadora.

174
Jornal O Serrano, edição de 21/09/1958.
175
Edno Moscão, profissional reconhecido na cidade de Serra Negra, proprietário de uma construtora, com
escritório também em São Paulo, foi responsável pela reforma da Igreja Matriz Nossa Senhora do Rosário e pela
construção do Fórum de Serra Negra.
200

As expectativas em relação ao término do balneário enquanto um investimento


para o turismo local que incrementaria a cidade com mais uma atração para os visitantes e
hóspedes esbarravam em uma questão operacional: por cerca de oito anos, tempo este relativo
à construção, não se discutiu como seria gerido esse novo empreendimento; portanto, não
foram feitos investimentos para a formação de mão-de-obra especializada. Iniciaram-se então
novos desafios, sobretudo na forma de gerenciamento do balneário. Para tal impasse havia
três opções: primeiramente, a própria Prefeitura poderia controlar o empreendimento, porém
ela não possuía em seus quadros profissionais pessoas habilitadas a oferecer os tratamentos
adequados e muito menos recursos que poderiam ser oferecidos para subsidiá-los; outra opção
seria o seu arrendamento a particulares; a terceira hipótese, pertinente à doação ao Governo
do Estado, sugeria que ele tomasse as devidas providências para abertura do balneário.
O vereador Jorge Antonio José apresentou um projeto de lei176 através do qual
aventava a possibilidade de se criar uma Comissão de Controle com representantes dos
poderes Executivo e Legislativo, assim como do comércio e da rede hoteleira de Serra Negra,
propondo que a Prefeitura seguisse os passos do Governo Estadual, o qual havia concedido a
terceiros a exploração dos seus balneários nas Estâncias de Águas de São Pedro, Águas de
Santa Bárbara e Ibirá.
Os pareceristas da Câmara Municipal foram contrários à proposta, alegando que a
exploração comercial desvirtuaria a finalidade para a qual construiu-se o balneário, que era a
busca da cura dos enfermos em Serra Negra. Sendo um estabelecimento público, o uso de
suas águas deveria ser gratuito, cobrando-se pequenas taxas apenas para os banhos e duchas.
Porém, eles então substituíram o projeto por outro, autorizando a doação ao Governo do
Estado do prédio do balneário e das áreas onde se situavam as fontes de águas minerais que o
abasteciam. A princípio, nenhuma das duas propostas vingou e o balneário permaneceu
fechado.
Em junho de 1959, o Prefeito Municipal, tentando sanar o problema, enviou um
novo projeto à Câmara, autorizando o Poder Executivo a arrendar o balneário mediante
concorrência pública, pois havia indignação por parte da população e de veranistas, em razão
de a cidade possuir “um estabelecimento tão suntuoso e confortável, dotado de todos os

176
Projeto de Lei nº 131 de 27/10/1958. Acervo da Câmara Municipal de Serra Negra.
201

requisitos higiênicos e técnicos (e que) permaneça trancado, sem que realizem as finalidades
sociais para que foi construído”177.
O argumento do Prefeito era que, se o balneário ficasse sob a responsabilidade do
Município ou do Estado, o seu funcionamento ainda demandaria tempo para começar: havia a
questão da falta de verba para compra dos instrumentos e aparelhos ainda necessários, além
da contratação de técnicos capacitados nas especialidades oferecidas por um balneário,
tornando o arrendamento, portanto, uma saída emergencial.
Aprovou-se o projeto, autorizando a concorrência pública mediante condições,
sendo que uma delas era
§ 1º - Fica o arrendatário obrigado a permitir o livre acesso no saguão e fonte do
Balneário e independentemente de qualquer cobrança de ingresso, de todos os
munícipes, visitantes e turistas, dentro do horário das 6 às 21,00horas, correndo por
sua conta as despesas de limpeza e conservação. (Lei nº 285 de 1º de julho de
1959)178

O Dr. Cesidio Sarra e o Prof. Eduardo Sarra, do Instituto de Fisioterapia Araxá, da


cidade de São Paulo, venceram a concorrência. Eram profissionais do ramo do termalismo e
tiveram um prazo de 10 anos para explorar o balneário. No início do funcionamento
ocorreram contratempos, algumas paredes apresentaram infiltrações, problemas na caldeira e
instalação da lavanderia179, situações essas que, ao serem sanadas, permitiram aos
arrendatários aí permanecer por vários anos, pois só mais tarde é que seriam substituídos pelo
Prof. José Lafranchi.
Em 1974 editou-se mais uma lei, a de nº 760/1974, a qual concedia o
arrendamento do balneário para particulares por mais dois anos, tendo permanecido o Prof.
José Lafranchi. No entanto, em 1975180, revogou-se a Lei e os serviços relacionados ao
funcionamento e manutenção do balneário passaram para a municipalidade181. Em novembro
de 1975, encerraram-se as atividades do balneário e a sede da Prefeitura Municipal transferiu-
177
Projeto de Lei nº 160 de 25/06/1959- Prefeito Jovino Silveira. Acervo da Câmara Municipal de Serra Negra.
Jovino Silveira foi por muitos anos proprietário e diretor clínico da Fonte Santo Antonio, localizada no Radio
Hotel, primeiro balneário particular de Serra Negra.
178
Lei nº 285 de 1º de julho de 1959. Lei nº 291 de 30 de novembro de 1959- Acervo da Câmara Municipal de
Serra Negra.
179
Itens apresentados no relatório enviado pela Comissão da Câmara Municipal especialmente criada para
visitação e inspeção sobre o funcionamento do balneário. Protocolo nº 63/60. Acervo da Câmara Municipal de
Serra Negra.
180
Lei nº 760 de 11/06/1974 e Lei nº 809 de 17/09/1975. Acervo da Câmara Municipal de Serra Negra.
181
Nesse mesmo ano o FUMEST encaminhou à Serra Negra o processo 207/75, um Projeto Arquitetônico,
memorial descritivo e especificações, para a construção do Centro de Convenções e Balneário, com a área total
de 29.680m2. O Serrano, edição de 23/02/1975.
202

se para o local. O argumento de Felix (2012, p.59) era de que a ocupação do espaço
pressionaria o Governo do Estado à construção de um centro de convenções que incluiria um
balneário moderno, no seu terceiro pavimento182.

Foto nº 53. Balneário Lucas Nogueira Garcez, década de 1960.


Fonte: Foto Fagundes. Acervo da pesquisadora.

Para abastecer o Balneário Lucas Nogueira Garcez utilizaram-se as águas da


Fonte São Carlos183, localizada no antigo “pasto do Turco”, que já vinha sendo utilizada pela
população serrana, como também outras nascentes. Para se chegar até a fonte era necessário
passar pelo Mercado e atravessar uma pequena ponte sobre o ribeirão. No processo de
construção do balneário cobriu-se o ribeirão e canalizou-se a água da nascente. Com o
término do balneário e a solução paisagística, tanto da praça como do seu entorno, a fonte
passou a integrar o jardim da parte detrás do balneário184.

182
De fato, a construção do centro de convenções ocorreu em parceria com o Fomento de Urbanização e
Melhoria das Estâncias - FUMEST e foi inaugurado por diversos gestores, ao longo dos anos. O balneário
funcionou no terceiro piso entre os anos de 1994 a 2003. Atualmente encontra-se fechado para reformas.
183
Propriedades das águas da Fonte São Carlos: Radioatividade: 16,00 unidades Maches por litro;
Torioatividade: 05,57 milimicrocurie por litro. Elimina o cloreto de sódio excessivo corrigindo a Hipertensão
Arterial Funcional, edemas e obesidade. Alivia o trabalho cardíaco, elimina o ácido úrico na gota, reumatismo
gotoso e hiperucemia.
184
Anos mais tarde, para solucionar o problema do trânsito na cidade, a parte detrás da praça do Balneário foi
reformada, e abriu-se uma rua entre a praça e a fonte São Carlos. A fonte deixou de integrar a obra do Balneário
Municipal.
203

Foto nº 54. Fonte São Carlos / Balneário Lucas Nogueira Garcez, década de 1950
Parte detrás. Fonte: Foto Fagundes. Acervo da pesquisadora

No intuito de proceder ao embelezamento da cidade e proporcionar mais atrativos


aos visitantes, iniciou-se a campanha para a desapropriação da área que englobava a Fonte
Santo Agostinho e seu manancial, permitindo assim à cidade oferecer à população e aos
veranistas mais uma fonte pública.
Em setembro de 1954, o vereador Januario Blotta185 enviou um projeto de lei
solicitando a desapropriação de 3.000 metros quadrados de um imóvel e sua nascente de água.
A justificativa era de que Serra Negra, conhecida por suas águas, possuía apenas uma fonte
pública, a Fonte São Carlos, cujas águas eram usadas para abastecimento do Balneário
Municipal em construção. As demais fontes (Santo Antonio, São João e Nossa Senhora do
Rosário) pertenciam a particulares, o que inviabilizava o seu uso por parte do povo e dos
visitantes. Portanto, com a desapropriação do imóvel, seria possível oferecer mais um espaço
de lazer à população em geral.
A Comissão de Finanças e Orçamentos da Câmara emitiu um parecer negativo,
argumentando o alto custo do bem a ser desapropriado e os gastos com investimentos para
tornar o local digno de receber visitação, já que se encontrava abandonado, além da
preocupação em proteger o manancial.

185
Projeto de Lei de autoria de Januario Blotta, apresentado em 20/09/2054. Acervo da Câmara Municipal de
Serra Negra.
204

Foto nº 55. Fonte Santo Agostinho sem seus primórdios, ainda com cobertura
de sapê. Década de 1940. Fonte: Foto Fagundes. Acervo da pesquisadora.

Em 1956, o assunto voltou à pauta e o Prefeito Sanitário Irineu Saragiotto


apresentou novo projeto de desapropriação186, usando os mesmos argumentos de que Serra
Negra deveria ter uma fonte municipal, portanto aberta ao público, complementando a
questão com o resultado de uma análise de ensaio de radioatividade realizada em 1951 pelo
biologista Orlando W. Longo, do Instituto Geográfico e Geológico 187, no qual ele descreveu
minuciosamente as propriedades das águas da Fonte Santo Agostinho. O novo projeto
também previa a desapropriação do entorno da mina d’água como zona de proteção da
nascente e, consequentemente, o município de Serra Negra teria uma verba complementar do
Estado de São Paulo.
O depoente Irineu Saragiotto acompanhou o referido biólogo em sua visita a Serra
Negra, quando este realizou as análises nas fontes serranas e, assim, pôde se inteirar de
procedimentos como o do contador Geiger-Müller, que é um aparelho que mede a ionização
do ar produzida pela radiação. Segundo ele, o Dr. Longo percorreu varias áreas, inclusive o
Bairro do Barrocão, no antigo sítio da família Tatarotti, justamente o local, já mencionado, em
que se construiu, de forma precária, o que considero o primeiro balneário serrano,

186
O projeto foi aprovado. Lei nº 213, de 22 de Junho de 1956. Acervo da Câmara Municipal de Serra Negra.
187
Resultado da Análise, ensaio de radioatividade, realizada em 1951. Projeto de Lei nº 28/56. Acervo da
Câmara Municipal de Serra Negra.
205

comprovando-se assim, quase 30 anos mais tarde, que as indicações feitas pelo médico
Firmino Cavenaghi faziam sentido, pois a região possuía alto grau de radioatividade.
Dentre as fontes visitadas, o interesse maior do Dr. Longo voltou-se justamente
pela Fonte Santo Agostinho, pois, segundo a narrativa de Irineu Saragiotto, no local havia
vestígios de lítio, porém seria necessário um estudo mais especifico com exames de espectro
para constatar a dosagem.
No mesmo período houve a especulação de que os proprietários do imóvel onde se
localizava a fonte tinham a intenção de instalar no local uma firma de engarrafamento de
água.
[...] aí imediatamente quando soube disso, desapropriei ... fiz uma captação mais
minuciosa... era um ranchinho muito pobre, que às vezes chovia... recebia água da
erosão da chuva. E eu contratei, indicado pelo Dr. Longo, lá no Instituto Biológico,
um engenheiro que na época, hoje seria o geólogo, na época se falava engenheiro de
minas, ele que orientou toda a escavação dali dando em volta, toda aquela captação
séria. (Irineu Saragiotto, 2014, Serra Negra/SP).

Foto nº 56. Fonte Santo Agostinho, inaugurada na gestão do Prefeito Enzo Perondini. Década
1960, após o início dos investimentos, para a instalação da fonte como ponto de turismo e lazer, e
abertura das ruas do loteamento Parque Fonte Santo Agostinho. Fonte: Foto Fagundes. Acervo da
pesquisadora.

O processo de modificação motivou uma transformação urbana e social que se


refletiu na constituição de uma verdadeira estação de águas, que oferecia um Balneário
Municipal e fontes públicas aos visitantes, aos veranistas e à população em geral.
Na década de 1940, a cafeicultura ainda liderava a produção agrícola serrana,
seguida da produção de milho, arroz, feijão e cereais. Porém, nos anos de 1950 os números da
206

produção agrícola caem drasticamente, pois a safra de 1956 atingiu o montante de apenas
76.000 arrobas, o menor resultado desde o primeiro registro encontrado, que data de 1886,
cuja produção anual foi de 3.000.000 quilogramas (equivalente a 260.000 arrobas). Na esteira
da queda na produção, também se extinguiram as fábricas de beneficiamento do produto. Em
1954, apresentou-se um Projeto de Lei com intuito de proibir novas licenças para o
funcionamento dessas fábricas no perímetro urbano da cidade. E, para que não houvesse
prejuízos, as existentes continuariam em atividade, pagando os respectivos impostos; porém,
se pedissem o seu cancelamento, não poderiam ser licenciadas novamente188.
Merece destaque outro fato envolvendo as águas serranas, que é o da constituição
de uma sociedade anônima idealizada pelo médico Jovino Silveira e por Claudio Novaes189,
os quais, em março de 1943190, lançaram uma proposta através da imprensa local. O artigo
oferecia à compra de ações do Instituto Radium-emanoterapico S/A e apresentava os estatutos
da sociedade. Segundo o comunicado, a finalidade era a de promover a criação do novo
instituto aproveitando as condições naturais de Serra Negra quanto ao clima e as propriedades
de suas águas, valendo-se também da visibilidade que a Estância vinha ganhando ao longo
dos anos. A proposta visava instalar um balneário no centro da cidade, com equipamentos
modernos nos quais as águas seriam enriquecidas pela radiação de radium metálico,
otimizando os banhos radioativos, equiparando a qualidade do tratamento serrano àquela do
oferecido pelo Balneário de Gastein, na Áustria. O aumento para 30.000 unidades mache era
perfeitamente indicado para a cura do reumatismo.
O local destinado ao novo empreendimento era justamente o das instalações do
balneário da Fonte São João, visto que este oferecia parte da infraestrutura necessária, sua
localização era privilegiada, como também era grande o interesse do proprietário na venda do
estabelecimento. O comunicado ainda alegava que os idealizadores já possuíam a quantia de
18 miligramas de radium, o que possibilitaria o início imediato do empreendimento.
Os interessados teriam o prazo de dez dias para efetivar a compra das ações e, em
seguida, marcar-se-ia uma assembleia para a constituição da sociedade seguindo as

188
Não foram encontrados dados sobre quantas máquinas ainda restavam na data da aprovação do Projeto de Lei
107/54. (Lei nº 152/1954).
189
Claudio Novaes foi um incentivador do progresso de Serra Negra, inclusive iniciou os trâmites para instalar o
cassino na cidade.
190
Publicado no Jornal O Serrano, na edição de 23/05/1943.
207

especificações do Decreto Lei nº 2627/1940, que versava sobre a regulamentação das


sociedades anônimas.
Na década de 1950 o Instituto teve seu período áureo e de grande importância
para cidade, tanto que suas instalações e áreas de tratamento registraram-se através de
fotos191.

Foto nºs 57 e 58. Instalações para tratamento no Instituto


Radium-emanoterapico S/A. Década de 1950. Fonte: Foto Fagundes. Acervo da pesquisadora.

3.2.2 – A administração pública e o empenho para a melhoria da cidade: o


Fórum de Serra Negra

Várias transformações urbanas em Serra Negra no decorrer de 1950 se


notabilizaram, pois os recursos obtidos do Governo do Estado graças a sua condição de
Estância Hidromineral contribuíram para melhorias, proporcionando ao Município um novo

191
Em 17/08/1945 foi realizada uma Assembleia do Instituto em que constava o nome de alguns associados:
Mario Pereira dos Santos, Odorico Nilo Menen, Francisco da Cunha Diniz Junqueira, George Porfírio Cox,
Jovino Silveira, Antonio Novaes Neto, Carolina Novaes, Claudio Novaes, Maria Aparecida Novaes, José
Antonio da Silveira, José Pedro Salomão, Garcindo Alves de Andrade, Nicolau da Rocha Vita, Antonio Jorge
José, João Zelante, Romualdo Cagnoni e Decio Marchi. Em agosto de 1952, através do decreto nº 31.724, o
Instituto obteve a permissão para lavrar minerais, termais e gasosas. Em 1958 passou a funcionar como empresa
de mineração. Não foram encontrados registros referentes ao seu fechamento; o que se sabe é que ele foi
adquirido pela família Gaiolli e desativado. O local do imóvel atualmente abriga a agência do Branco Bradesco
S/A.
208

impulso. Além da construção do Balneário Municipal, das reformas das praças e fontes, da
construção do monumento do Cristo Redentor, em 1959 houve a construção do prédio do
Fórum, de grande importância para a cidade.
Como já mencionado, criou-se a Comarca de Serra Negra em 1890 e, como a
cidade não possuía um prédio especifico para abrigar o Fórum local, este funcionou
provisoriamente em instalações improvisadas, sendo que os despachos e decisões eram
proferidos nas residências dos juízes. Existe a informação de que já na década de 1930
instalou-se o Fórum no piso superior da Casa de Câmara e Cadeia, localizada na Praça da
Independência192.

Ilustração nº 22. Casa de Câmara e Cadeia. A edificação data do início dos anos de 1900, localizada
na Praça da Independência. Posteriormente a Câmara foi deslocada para outro imóvel e no piso superior
foi instalado o Fórum, contendo o gabinete do Juiz e o Salão do Júri. O térreo abrigou a Delegacia e
Cadeia. Fonte: Almanach de Serra Negra, 1913. Década de 1910.

As instituições permaneceram funcionando no prédio até o final de 1959, mas a


falta de manutenção e melhoramentos deteriorou o edifício, tornando perigosa a permanência
das pessoas nesse local193.
A preocupação com um espaço específico para abrigar a justiça serrana já era
apontada em 1949, quando o Prefeito Sanitário, Sr. Firmino Cavenaghi, promulgou a Lei nº
192
Atual Praça Barão do Rio Branco.
193
O risco de permanência no edifício era tão grande que muitas vezes os Juízes despachavam em suas
residências e, para a realização do Tribunal do Júri, eram alugados imóveis que comportassem a sessão do júri.
209

46/1949, na qual constava a doação para o Estado de uma área de 907,07 m2, destinada à
construção do Fórum em um terreno em forma de polígono irregular. Porém, a referida
doação não se concretizou194.
Em 1952, a Comarca recebeu a visita de um engenheiro da Secretaria da Viação e
Obras Públicas do Estado de São Paulo, no intuito de proceder à avaliação do prédio onde
estava instalado o Fórum, a fim de elaborar o projeto de reforma do imóvel ou a construção de
um novo prédio. Segundo apurou o engenheiro, a reforma seria impossível, devido ao estado
avançado de degradação do imóvel. Houve, então, a sugestão da edificação de um novo
Fórum, em local próximo ao prédio antigo, ou seja, no plano mais elevado do jardim da Praça
Barão do Rio Branco, antiga Praça da Independência. O local sugerido era utilizado como
campo de futebol pelas crianças moradoras da cidade, e preencheria os requisitos, pois
confrontava com uma praça ou largo, como determinavam as exigências do Estado para
edificações de prédios públicos, além de não ser necessária a desapropriação de qualquer
imóvel, o que acarretaria ônus para os cofres municipais.
A doação ao Estado da referida área foi regularizada através das Leis nº 129/53 e
153/53195 e o imóvel a ser doado era justamente o terceiro piso da Praça acima mencionada.
No entanto, havia um problema de ordem jurídica para ser solucionado, como bem lembrou o
depoente Irineu Saragiotto, que ocupou o cargo de Prefeito Sanitário no período de 1955 a
1959. A área fazia parte de uma praça; portanto, era um bem de uso público e não um imóvel
pertencente ao Município.
Para solucionar o impasse Irineu Saragiotto iniciou uma série de estudos, e, em
suas pesquisas nos acervos de documentação antiga do Município, deparou-se com imóveis
que eram registrados através da Fábrica da Igreja e não pelos Cartórios. Nessa documentação
encontrou um pedido de desincorporação de uma área, solicitado pela Cúria Metropolitana de
Campinas. Ali estava um precedente. Depois de consultar o Juiz de Direito, Dr. Geraldo de
Faria Lemos Pinheiro, que exercia o cargo na Comarca de Serra Negra, sobre a validade do

194
Na Lei 46/1949 havia a cláusula provendo que, se o Estado não efetuasse o determinado na Lei, no prazo de
cinco anos o imóvel reverteria ao patrimônio municipal. Posteriormente o imóvel teve outra destinação: a
construção do correio, sendo doado através da Lei 64/1951 ao Departamento dos Correios e Telégrafos. O local
abriga atualmente o prédio do Correio.
195
Antes das aprovações das Leis houve um parecer datado de novembro de 1952, do Vereador Roberto
Brambilla de Maria, mais tarde eleito Deputado Estadual, sugerindo que, após a mudança do Fórum, o antigo
prédio deveria ser demolido, pois a Cadeia e Delegacia já estavam instaladas em uma nova edificação, também
localizadas na Praça Barão do Rio Branco. Atualmente o prédio abriga as seções de Distribuição Judicial e
Administração do Fórum Local.
210

procedimento, iniciaram-se os trâmites para a regularização da área em questão. Apresentou-


se na Câmara Municipal projeto de lei desincorporando um terreno da classe de bens de uso
comum do povo, transferindo-o para os bens patrimoniais do Município e, consequentemente,
doando-o para o Estado196.

Foto nº 59. Praça Barão do Rio Branco, ao fundo o Grupo Escolar e a visão do terceiro piso da praça,
no alto da escadaria, local escolhido para construção do prédio do Fórum. Década de 1940. Fonte: Foto
Fagundes. Acervo da pesquisadora.

Em 1956, após a aprovação da Lei, outros impasses surgiram. Qual seria o modelo
de construção a ser adotado pela Comarca de Serra Negra? Como seria disponibilizada a
verba para a edificação do prédio? O Município, no entanto, apesar de ter regularizado a área
doada ao Estado, não dispunha da quantia necessária à edificação na relação de verbas
aprovadas para o ano de 1958 para a construção de prédios públicos.
Naquele período a Diretoria de Obras Públicas (D.O.P.) da Secretaria de Viação
de Obras Públicas do Estado de São Paulo197 disponibilizava três modelos de plantas (A, B e

196
A Lei foi aprovada em 06/06/1956, sob nº 207/1956. A partir desse procedimento de desincorporação de bens
de uso comum do povo, outros terrenos passaram pelo mesmo processo e foram incorporados ao patrimônio
municipal.
197
O cargo de Secretario da Viação e Obras Públicas nessa época era ocupado pelo Brigadeiro Faria Lima,
futuro prefeito de São Paulo.
211

C). A construção devia observar alguns parâmetros, entre os quais a quantidade de processos
em andamento na Comarca, o número de varas em funcionamento e a metragem do terreno.
Serra Negra se enquadrava no perfil do modelo “A”. Segundo o depoente Irineu Saragiotto, o
modelo “A” era uma construção muito simples. Como ele teve acesso direto aos modelos das
plantas, escolheu na ocasião a planta de modelo “B”, em estilo neoclássico.
Como não havia destinação de verbas no orçamento de 1958 para a construção do
Fórum em Serra Negra, o Prefeito se comprometeu com o Governo do Estado a iniciar as
obras com recursos próprios do Município, aguardando a liberação da verba estadual para o
ano seguinte.

Quando eu peguei as plantas, peguei com a ordem do Governador. Eu construí com


recursos próprios, que na verdade eu não tinha. Falei:- Bom! Qual a minha saída
agora? Essa é a função do prefeito, vamos resolver este problema aqui! Ele me deu a
ordem para construir, mas eu não tenho dinheiro...tenho um pouco, mas não vai dar.
Eu assumi a responsabilidade de fazê-lo. Ai me deu um outro estalo, eu falei:- E se
eu passar para o particular em concorrência... autorização para construção nas
198
mesmas avenças que eu estou recebendo do Estado. (Irineu Saragiotto, 2014,
Serra Negra /SP).

A fim de decidir a questão enviou-se um projeto de lei à Câmara autorizando a


adjudicar a um empreiteiro habilitado a execução das obras. Após a licitação, o escritório do
empreiteiro Edno Moscão ganhou a concorrência pública e iniciou as obras. No acordo
constava uma cláusula pela qual o contratado arcaria nos primeiros meses com as despesas
oriundas da execução dos serviços, teria o prazo de oito meses para realizá-los e receberia o
pagamento de forma parcelada199.

198
Avenças: nos mesmos termos, nas mesmas condições.
199
Lei 261/1958. O parágrafo único da lei dizia: O contrato a ser celebrado com base na autorização concedida
por esta Lei estipulará as mesmas avenças e idêntico valor do ajuste mencionado neste artigo, lavrado entre a
Prefeitura e a Diretoria de Obras Públicas. Acervo Câmara Municipal
212

Foto nº 60. Fórum da Comarca de Serra Negra. Década de 1960. Fonte: Foto Fagundes.
Acervo da pesquisadora.

O padrão para a construção do Fórum que seguia o modelo “B” era definido em
oito itens, conforme pesquisa realizada por Cordido (2012)200:
1 Hierarquia espacial: De cunho racionalista, o elemento que articula de forma
simétrica o corpo do edifício é o Salão do Júri.
2 Hierarquia funcional: O edifício está distribuído em dois níveis sendo que no
térreo estão todos os serviços de maior acesso ao público tais como cartórios,
arquivos, registro civis, juizados de menores. No 1º andar localizam-se os serviços
estritos da justiça: salão do júri, gabinetes, sala secreta, promotoria, advogados,
testemunhas, sala de audiência e cela para o réu.
3 Organização espacial: A planta é concebida de forma simétrica a partir de um eixo
central.
4 Agenciamentos de espaços internos: os espaços internos são organizados por
princípios funcionalistas e priorizam sua organização em função das especificidades
da Justiça.
5 Elementos de Comunicação: O átrio articula a distribuição e acesso conduzindo a
uma ampla escadaria.
6 Composição da Fachada: A fachada, por vezes, utiliza elementos com referência
neoclássicos, porém estilizados, tais como o pórtico de entrada ladeado por

200
Ver mais: CORDIDO, Maria Tereza Regina Leme de Barros. Arquitetura Moderna: A rede de fóruns
modulares do Estado de São Paulo (1969-1975) Instituto de Arquitetura de São Carlos. Universidade de São
Paulo, São Carlos, 2012.
213

colunatas. As platibandas recobrem uma tradicional cobertura de telhas e cerâmicas,


geralmente de quatro águas.
7 Materiais: Os materiais de acabamento são distintos, o nível inferior é mais
despojado de ornamentos. Os pisos são frios (geralmente de ladrilhos, hidráulicos),
as janelas basculantes simples e as paredes acabadas só em pinturas, entre outros. No
andar superior são utilizados vitrais, mármores, pisos e revestimentos em madeira.
8 Elementos: Ornamentais versus Detalhes construtivos: A estrutura não é aparente.
E as fachadas possuem elementos ornamentais com referências neoclássicas, tais
como arremates com frisos, colunatas, etc. Remetendo ao simbolismo recorrente da
arquitetura judiciária do período. (CORDIDO, 2012, pp.141/142).

Após tudo acordado, iniciaram-se as obras. Passados dez anos da primeira


tentativa, inaugura-se o edifício do Fórum de Serra Negra201, em abril de 1959, com a
presença das autoridades serranas e dos senhores Brigadeiro Faria Lima, Secretário da
Viação; engenheiro Pietro Gherardi, Diretor do D.O.P.; Tersio de Barros Pimentel, Chefe de
Gabinete do Secretário de Viação e todos os engenheiros do Departamento de Obras
Públicas202.
Apesar das diretrizes traçadas conforme os modelos padronizados dos fóruns, em
Serra Negra houve alteração em alguns itens devido a escolha do empreiteiro Edno Moscão,
que pessoalmente doou alguns melhoramentos, atribuindo ao Fórum serrano um padrão
elevado em seu acabamento. O fato chamou a atenção da imprensa estadual, conforme a
publicação no jornal A Gazeta, datado de 23 de abril de 1959.

201
Através do Decreto nº 36.785 de 18/06/1960, o Fórum da Comarca de Serra Negra passou a chamar-se
“Fórum Clovis Belivaqua”. ...logo à entrada, vencida a escadaria externa em piso de mármore, o visitante tem
sua atenção voltada para dois vultos: Clovis Bevilaqua e Themis, a deusa da Justiça, de alva túnica e olhos
vendados, empunha a espada e a balança. Penas, para o vício; recompensa, para a virtude. À esquerda, a excelsa
figura do jurista, em tamanho natural, colocado em nicho e recebendo uma patina de luz... (Jornal A Gazeta,
edição de 23/04/1959).
202
Jornal O Serrano, edição de 25/04/1959.
214

Foto nº 61. Solenidade de Inauguração, Salão do Júri, Fórum da Comarca de Serra Negra
Abril de 1959. Foto cedida por Ari Fiorante. Acervo da pesquisadora.

O Salão do Júri, dependência principal do Fórum, foi executado com acabamento


esmeradíssimo. Lambris de imbuia emoldurados, forro de canela no sistema
“caixotão” desenhado, acabamento com verniz fosco a boneca, respaldo superior do
lambri com ornatos laterais em forma de volutas sob madeira entalhada e
revestimento a ouro folheado com patina de ouro velho. Piso na forma de “parquet”,
com aplicações de ipê e marfim revestido de “synteco”. No fundo do amplo salão
domina a figura soberana do Cristo cuja estatua fulgura sob jatos suaves da luz
irisante do gáz “nyl-neon”. Cristo surge, do seu nicho, na sua forma etérea e fluida,
lembrando aos julgadores da Justiça comum com sua presença divina o seu próprio
julgamento...
Escadas em mármore romano, amplos corredores, salas, salões, gabinetes –
numerosos e modernos – formam no imponente conjunto de alvenaria que é o novo
Fórum de Serra Negra. (A Gazeta, 23/04/1959)

O piso de mármore e o vitral em cristal, com a representação do julgamento do


Rei Salomão se destacaram sobremaneira:
Mais adiante no extremo posterior do “hall”, um maravilhoso painel decorativo,
executado em cristalite a baixo relevo, com quatro metros de altura, representando o
famoso quadro da Justiça salomônica. O artista reproduziu no cristal, numa
interpretação inspiradíssima a figura das duas mulheres que disputavam o filho pela
justiça de Salomão. O grande rei, percebendo a impossibilidade de um acordo,
determina que a criança seja cortada ao meio, tocando uma parte igual a cada uma
das mulheres. No momento terrível da decepagem, a verdadeira mãe, segurando o
braço do executor, exclama: “Senhor, peço-vos que dê a ela o menino vivo, e não o
mate!” Responde o justíssimo e sábio Rei: “Dai àquela o menino vivo, e não se
mate, porque ela é sua mãe!”. (A Gazeta, 23/04/1959).

A inauguração do prédio do Fórum, em abril de 1959, encerrou uma fase de


relações diferenciadas entra a Estância de Serra Negra e o Governo do Estado, pois desde a
215

sua titulação de Estância, em 1939, os prefeitos passaram a ser nomeados pelo Estado, o que
era uma das características administrativas das cidades consideradas Estâncias. Os cargos
eram de confiança e os prefeitos eram aqueles pertencentes aos partidos políticos dos grupos
que estavam no poder.
Apesar de pouco apoio recebido no período acima citado, a década de 1950 foi
muito benéfica para Serra Negra, principalmente nas gestões de Luiz Barra (1950-1954) e
Irineu Saragiotto (1955-1959). Este último, em seu depoimento, traçou a relação entre a
Estância de Serra Negra e o Estado no período em que ocupou o cargo de Prefeito Sanitário.
No período em questão, eram onze os prefeitos nomeados e o Governo do Estado fazia a
aplicação direta das verbas. O chefe de gabinete para assuntos do interior era o Sr. Corifeu de
Azevedo Marques e, dentre suas atribuições estava a de filtrar quais assuntos seriam tratados
diretamente com o Governador Jânio Quadros203, o qual adotou o expediente de receber
pessoalmente os Prefeitos das Estâncias para os respectivos despachos, dispensando a
intermediação dos deputados estaduais. Para tanto, seguia uma pauta pré-estabelecida; as
audiências eram mensais e os Prefeitos eram recebidos mediante agendamento prévio.

Você tinha um limite de despacho... eram três assuntos, não mais, só três assuntos...
Então quando era recebido por ele... os problemas mais sérios, mais graves,
despachava direto com o Governador, era uma coisa impressionante, você vê um
prefeitinho de 29, 30 anos, despachando com o Governador. (Irineu Saragiotto,
2014, Serra Negra /SP).

O depoente Irineu Saragiotto às vezes excedia sua cota e, com a concordância do


chefe de gabinete, participava das reuniões, mesmo sem agendamento prévio.

Mas, se eu tinha um assunto meio grave, eu chegava lá.


– Corifeu, eu tenho que falar com o Governador de qualquer jeito!
– Não está na relação, hoje são esses Prefeitos que vão ser recebidos. Você foi
recebido dia tal. Não pode ser, não está aqui!
– Eu vou entrar no gabinete, na hora que (ele) chamar todos. Eu vou entrar e vou
ver o que dá. Bom! O máximo que ele pode fazer é me por para fora do gabinete.
E entrava... e entrava...e às vezes o Jânio, tinha uma certa simpatia comigo.
– O senhor está aqui novamente, o senhor não está hoje.
– Mas Governador, me desculpe, mas é um assunto de grande interesse. No final ai,
o senhor dá uma olhadinha.
– Está Bom!.
Ele tratava meio áspero. . (Irineu Saragiotto, 2014, Serra Negra /SP)

203
Jânio Quadros foi governador do Estado de São Paulo entre os anos de 1955 – 1959.
216

Além das reuniões com o Governador, os Prefeitos participavam de encontros


com Faria Lima, que ocupava o cargo de Secretario da Viação e Obras Públicas. Ele
acompanhava de perto as obras que estavam sendo desenvolvidas nas Estâncias, cobrava
resultados e prestação de contas.

Ah! Acompanhava de perto. Então ele pegava o processo. Digamos aqui dois, três,
quatro processos de cada um daqueles que estavam aí, no máximo 10, 12, 15 e
perguntava ao Prefeito como estava o andamento de tal obra... E se você levantasse
alguma coisa que estava dependendo, que estava parada, ou lenta, ou na dependência
de repartições da própria secretaria da viação, da qual ele era titular... No momento
ele dava a palavra para o diretor daquela secretaria, daquele departamento que falava
a respeito... (Irineu Saragiotto, 2014, Serra Negra /SP).

Essa forma de relação direta entre o Governo e a Estância de Serra Negra


interrompeu-se a partir de 1959, pois os prefeitos deixaram de ser nomeados por um período
(1959-1971), voltando a ser eleitos pelo voto direto.
A partir da década de 1950, a cidade, acostumada com a fama de Estância,
experimentou outra forma de ganho econômico além da agricultura, principalmente do café,
que ainda era muito expressivo. Surgiram novos postos de trabalho direcionados ao turismo
como as pequenas fábricas de artigos em couro, madeira, palha, bambu, porcelana, feltro,
barro e a produção de artesanato, como lembrou o depoente Antonio Luigi Ítalo Franchi.

...na minha maneira de pensar. Eu acho que a água contribuiu, mas na realidade o
que fez que Serra Negra se desenvolvesse mais foi a mudança dessa característica
puramente rural que ela tinha, por uma característica um pouco industrial, de coisa
pequena... essa pequena indústria, vamos chamar assim, (ela) foi criando vulto e
realmente agradando aqueles que vinham para cá. Porque encontravam aquelas
coisas feitas de couro bordado. Muito bonito! Era muito bonito. Então desenvolveu
ai. (Antonio Luigi, 2015, Serra Negra/SP)

A produtividade dessas pequenas fábricas motivou o aumento dos pontos


comerciais que direcionavam seus produtos para os visitantes; inclusive algumas lojas
surgiram em virtude das fábricas que precisavam de um espaço para expor sua produção,
como as fábricas de bolsas e sandálias das famílias Spinhardi e Menegatti, as sapatarias das
famílias Dallari e Godoi, a venda de artesanato, como a loja da família Corsi, e a mudança na
produção das marcenarias, como lembrou o depoente Nelson de Barros:

Em 39, eu estava com oito anos de idade, (meu pai) comprou lá em 29 aquelas
casinhas velhas, ai botou a marcenaria dele. Porque ele trabalhou uns três anos junto
217

com o Tranquilo Perondini, que tinha marcenaria. O pai dele morava no sítio e ele
não quis saber: - Eu quero aprender uma profissão. Ele não gostava (de ser
lavrador/agricultor) e aprendeu a profissão, quando foi em 29 ele comprou aquela
casa lá na Rua Coronel e todos aquelas casinhas né, e lá ficamos, nasceu o Zé,
nasceu a Tereza, quando foi em 39 ele derrubou e fez o sobrado.
Eu comecei a vida trabalhando de marceneiro junto com meu pai, porque ele tinha
marcenaria. Ali eu fui até que eu me casei. Nesse período ele passou a loja para mim
e para o meu irmão. Nós passamos então, ao invés de móveis, a fabricar artesanato...
Era uma mercadoria bonita. Eu acabei ficando na loja durante... acho que uns oito
anos, depois eu me cansei e eu falei com meu irmão: - Fica com a loja. Ele está com
a loja até hoje. (Nelson de Barros, 2014, Serra Negra/SP).

A preocupação do direcionamento da produção e do comércio para os turistas fez


com que um grupo de proprietários de casas de couro e bazares (cujos estabelecimentos
localizavam-se nas principais ruas da cidade) formulassem um requerimento junto à Câmara
Municipal solicitando a ampliação do horário comercial, incluindo a abertura das lojas aos
domingos.

Os suplicantes desejam manter abertas suas casas comerciais, depois das 18 horas,
exclusivamente durante o período de afluência de turistas nesta cidade, ficando os
patrões com o encargo de servirem o balcão nessa emergência, inclusive aos
domingos. 204

Foto nº 62. Casa Bruno. Loja de Calçados de propriedade de Bruno Dalari, localizada na Rua Prudente
de Moraes. O jovem é Roberto Dalari, o proprietário Bruno Dalari e Alfredo Dalari. Década de 1940.
Foto cedida por Tereza Marchi. Acervo da pesquisadora.

204
O pedido contou com 31 assinaturas e foi indeferido, pois desrespeitava os horários fixados na Lei Orgânica
do Município, além de ir contra ao estabelecido na legislação trabalhista. Oficio nº 16/50. Acervo da Câmara
Municipal de Serra Negra.
218

As mudanças das décadas de 1940 e 1950 também influenciaram a área musical e


de entretenimento serranas. Se temos a cidade de Serra Negra preocupada em sair do
ostracismo pós-cassino, pós-guerra, com uma administração pública voltada para a melhoria
das condições estruturais do Município, com novos espaços públicos, buscando verbas
diretamente com o Governo Estadual e com a atenção voltada para o fluxo de novos
visitantes, temos, também, o ressurgimento da Banda de Música com nova designação, a
Corporação Musical “Lira de Serra Negra”, a origem da Corporação Musical “Renato
Perondini”, os conjuntos musicais com mais experiência atuando em eventos, em programas
de auditório e em clubes, e a importância do espaço da praça central voltado para as relações
sociais, com o auxílio do alto-falante e a prática do footing205.

3.3 – A MUSICALIDADE SERRANA PÓS-GUERRA

A CORPORAÇÃO MUSICAL “LIRA DE SERRA NEGRA”

Como já mencionado, o período da Segunda Grande


Guerra também influenciou a trajetória da Banda de Música
“Umberto I”. Ela se viu obrigada a não utilizar sua denominação
italiana, passando a ser apresentada como Banda de Música ou
Corporação Musical desta cidade.

Ilustração nº 23. Jornal O


Serrano, edição de 28/10/1942

Segundo os músicos mais antigos, com a saída de Astolpho Perondini206, os


irmãos Luiz e Ângelo Lamari se revezaram na regência, entre os anos de 1942 e 1944, época

205
O footing é explicado em uma crônica de Odilon Souza Lemos. ANEXO 05
206
Astolpho Perondini faleceu, aos 75 anos, na cidade de Londrina/PR, em 7 de junho de 1968.
219

em que houve desentendimentos entre os membros da sociedade musical, que chegou a


paralisar suas atividades em 1944. Registrou-se a última apresentação em setembro do mesmo
ano.
Somente a partir de abril de 1945 localizaram-se informações sobre a banda de
música, a qual inicia um processo de reestruturação que também registrou-se na imprensa
local. As informações do artigo permitem algumas observações, pois, ao relatar a
reorganização da Corporação, traçou a trajetória de uma banda de música que, mesmo
omitindo seu nome, trata-se do Corpo Musicale “Umberto I”. A banda, formada pelos
imigrantes e seus descendentes, ao longo de sua história passou a representar Serra Negra
como patrimônio cultural da cidade e, apesar dos fatos acontecidos advindos da Segunda
Guerra, era reconhecida e reverenciada pelos munícipes.

Corporação Musical
Vem sendo bem acolhida, graças os esforços e boa vontade encontrados por parte de
pessoas gradas do nosso meio, a iniciativa da reorganização da banda musical desta
cidade.
Tal empreendimento se faz merecedor de aplausos, pois a corporação musical
serrana foi, em outros tempos, uma das mais bem organizadas desta zona,
concorrendo a vários concursos e conquistando belas classificações. Harmonioso e
disciplinado, quantas vezes aquele tradicional conjunto de amadores da sublime arte
foi laureado nos vários certames, aos quais compartilharam outros de grande fama e
renome. Sob a batuta de bons maestros que aqui residiram, já atraídos pelos
elementos admiradores da boa música, Serra Negra teve a sua expressão de arte,
deixando algo de conceito em torno de seu nome.
Não poderia soçobrar a vitoriosa organização e, bem por isso, agora repontam novas
energias, que já se pronunciam plenamente, no reaparecimento da Banda de Música
desta cidade.
Com a compra de novo instrumental e do seu uniforme, a corporação vae receber
nova denominação, que ficou para ser deliberada, quando reunidos os seus
reorganizadores.
Merecem, pois os nossos aplausos os afeiçoados e aqueles que se dispuseram a dar
seus esforços a simpática iniciativa, já coroada de pleno êxito com o breve reencetar
dos concertos públicos naquela corporação musical dos logradores da cidade (O
Serrano, 17/04/1945).

Após as primeiras tratativas e com o apoio da comunidade serrana, os músicos


realizaram uma reunião oficial em 5 de junho de 1945, ocasião em que se elegeu uma
diretoria provisória. A assembleia ocorreu na sede da Sociedade Italiana, justamente o local
onde eram realizados os ensaios do Corpo Musicale “Umberto I”. No dia seguinte houve nova
220

reunião, a diretoria foi empossada e votou-se a nova designação da banda, que passou a se
chamar Corporação Musical “Lira de Serra Negra”.

Ilustração nº 24. Assinatura dos músicos presentes na reunião que fundou a


Corporação Musical “Lira de Serra Negra”. Fonte: Ata da Corporação Musical “Lira
de Serra Negra” datada de 05/06/1945.

Corporação Musical “Lira Serra Negra”


Em reunião no dia 5 deste mês foi eleita a nova diretoria da Corporação Musical
“Lira Serra Negra”, que ficou constituída dos srs: presidente, Renato Perondini;
vice-presidente, Bruno Dalari; 1º secretario, Januario Blotta; 2º secretario, Antonio
Barbosa P. da Fonseca; tesoureiro, Ataliba Ferreira de Lima; diretor de contratos,
Cesar Perini, diretor regente, Luiz Guirelli; vice-diretor regente, Emilio Dela
Guardia; arquivista, Aimoré Dalari.
Em reunião no dia 6 deu-se a posse da diretoria eleita, sendo em seguida tratados de
vários assuntos de interesse daquela sociedade. Entre outras deliberações foi dada a
corporação musical a denominação de “Lira Serra Negra”, sendo também cogitados
os estatutos que se acham em organização.
No dia 16 de corrente a nova diretoria vae promover
Uma quermesse, cujo resultado será destinado á aquisição de instrumental e de
uniforme áquela corporação musical (O Serrano, 10/06/1945)

Após a eleição, houve uma grande movimentação a fim de angariar fundos para a
aquisição de instrumentos novos e a confecção do uniforme, através de quermesses e um baile
especialmente organizado nos salões do Clube XV, com renda revertida para a “Lira”. A
221

atitude do povo serrano demonstrou mais uma vez a importância que a comunidade local
atribuía às bandas de música. Na trajetória da banda italiana, como vimos, em inúmeras
ocasiões a população esteve sempre pronta a auxiliar, na compra de instrumentos e uniformes,
oferecendo partituras para ampliação do repertório, intervindo junto ao poder público para
renovação de contratos e até criticando alguns concertos.
A nova formação tinha um número reduzido de instrumentistas: muitos músicos
já haviam falecido e outros estavam idosos, porém todos os integrantes da nova banda
pertenceram à “Umberto I”.
Apesar de Luiz Guirelli ter sido eleito como maestro, não foram encontrados mais
dados sobre sua atuação e nem mesmo os músicos mais velhos lembravam da sua regência.
Após todos os preparativos, o primeiro concerto da “Lira” ocorreu em 17 de junho de 1945 e,
no mês de setembro, ela já estava participando dos eventos cívicos da cidade, iniciando com
as alvoradas e concertos.
Concerto
A corporação musical “Lyra de Serra Negra” executará hoje, às 20 horas, no coreto
do Jardim da Praça Barão do Rio Branco, o seguinte programa:
1 – Bororô na Ponta- Dobrado.
2 – Luas de Serra Negra – Valsa
3 - Sonho de um louco
4 – Dr. Firmino

2ª Parte
5 – Os Flagellados – Dobrado
6 - Lira Monte Sião – Valsa
7 – 24 de Outubro – Sinfonia
8 – Pintino no Terreiro – Maxixe
10 – Manoel B. dos Reis – Dobrado (O Serrano, 17/06/1945)

Algumas lembranças remetem ao engenheiro Rafael Pero, que, por uns anos,
trabalhou em Serra Negra e foi convidado a assumir a regência da “Lira”. Seu nome nunca
constou das atas registradas no período em que esteve na cidade, porém, nos programas
publicados sobre os concertos realizados, ele é nomeado como “maestro amador”. Isso talvez
tenha ocorrido por exigência do próprio músico. A primeira apresentação é datada de
dezembro de 1945.
Concerto
Sob a regência do maestro amador sr. Dr. Rafhael Pero, que se encontra nesta
cidade, a corporação "Lira Serra Negra", far-se-á ouvir hoje, no coreto do jardim da
Praça Barão do Rio Branco, executando o seguinte programa:
1ª Parte
1 – Ubaldo de Abreu- Maria Aparecida – Marcha
2 – XX – Porto – Grande Dobrado Sinfônico
3- Aricó Junior – Jacyra – Valsa
222

4 – Donizetti – Lucia di Lamemour – Final do 3º ato da Opera.


5 – Basileo – Estrela da Madrugada – Fantasia para clarineto Si b.

2ª Parte
6 – R. Pero – Batalhão Piracicabano – Marcha Militar.
7 – C. Gomes – Guarany – Fantasia sobre o motivo da Opera.
8 – Aricó Junior – Torturas da minha vida – Valsa.
9 – Callerno – Dolce Zeffiro – Masurka.
10 – Aricó Junior – Ao microfone – Samba final (O Serrano, 23/12/1945)

Em uma conversa com Antonio Briotto e João Corato nos idos de 1996, os dois
músicos lembraram de Rafael Pero. Afirmaram que, na ocasião da formação da banda “Lira”,
o músico Ângelo Lamari, que era o mais indicado para assumir a regência, adoeceu. Então
seu irmão Luiz Lamari, conhecido por “Gino”, passou a ser o maestro e, nesse meio-tempo,
foi-lhe apresentado o engenheiro Rafael Pero, que vinha da cidade de Piracicaba para
trabalhar em Serra Negra. Luiz, então, concedeu o lugar de maestro ao músico visitante, tendo
em vista que ele já havia tido experiência frente à banda de sua cidade. Como maestro, Rafael
Pero presenteou a “Lira” com várias partituras, cujas músicas passaram a fazer parte do
repertório da banda até sua atualidade, entre elas os dobrados Luzo-Itálico, Bororo,
Piracicabano e composições de Aricó Junior. Rafael Pero era muito estimado pelos músicos,
em especial por Emilio Della Guardia. Pero demonstrava um enorme respeito pelos
instrumentistas e, sempre que possível, escolhia um repertório em que pudesse valorizar seus
músicos, dando-lhes a oportunidade de solarem, como aconteceu em uma retreta em 1947.
Retreta
Hoje, ás 19 horas no Coreto do Jardim Público a Corporação Musical “Lira Serra
Negra”, executará, sob a regência do amador dr. Raphael Pero, o seguinte programa:
1 ª Parte
1 – O Paulista – Ouverture
2 – Bororó – Dobrado Sinfônico
3 – Giorgi – Dueto Original para Clarineta e Pistão, solistas: Coratto e Briotto
4 – Bovolenta – Sincera Amizade – Valsa
5 – Nascimento – Samba na Roça, solista: Felice Belino

2ª Parte
6 – J. R. P. – Geppe – Marcha, homenagem ao sr. José Luiz Tomaleri, pelo autor
7 – Verdi – Pont-porri nell’Opera – Traviatta, solista: Corato
8 – Donizetti – Ramanza nell’Opera Linda di Chamounix, solista: Aymoré Dallari.
9 – Bocchi – Margarida - Mazurka
10- Rodrigues – La Cumparsita – Tango Argentino. Compilado para Banda pelo
Professor Aricó Junior (O Serrano, 21/09/1947)
223

Nessa apresentação temos os solistas João Corato, no trompete; Antonio


207
Briotto , na Clarineta; Felice Belino208, no bombardino; e Aymoré Dallari209, no trombone.
Nessa ocasião os músicos puderam apresentar suas performances. Outro fato de interesse é
que nesse período alguns músicos experientes não estavam mais ativos, o que permitiu aos
membros da nova geração a chance de se destacarem como instrumentistas.
O maestro Rafael Pero também levou a recente Corporação a se apresentar em
outras cidades, como o concerto realizado na vizinha Amparo.

Concerto
A Corporação Musical “Lira Serra Negra”, realisará hoje, na visinha cidade de
Amparo, sob a regência do maestro Rafael Pero, um concerto no jardim público em
homenagem ao povo amparense, executando o seguinte programa:

1ª Parte
1 – R. P. Porto – Dobrado Sinfônico
2 – N.N. – Mignonette – Ouverture.
3- Fasilli – Piemonte – Marcha sinfônica
4 – Basileo – Estrela da Madrugada – Fantasia
5 – Aricó Junior – Torturas – Grande Valsa
6 – Bartolucci – Festa campestre - Sinfonia
2ª Parte
7 – R. P. – Luzo Itálico - Dobrado.
8 – C. Gomes – Guarany – Fantasia sobre o motivo da Opera.
9 – Donizetti – Lucia di Lamemour – Final do 3º ato da Opera

207
Antonio Briotto nasceu em 1915 em Serra Negra/SP. Ingressou no Corpo Musicale “Umberto I”, em 1930,
portanto com quinze anos, Seu instrumento inicial foi a clarineta (Sib), depois de cerca de dois anos, passou para
a clarineta (Mib - requinta), instrumento que tocou até sua morte aos 88 anos, substituindo o músico Umberto
Lugli, Foi aluno do músico Arceário Perondini Entre suas lembranças está o variado repertório tocado pela
“Umberto I”, incluindo os famosos trechos de óperas, como a abertura de “La Traviata” de G. Verdi, e “O
Guarani” de Carlos Gomes. Sempre narrava que os ensaios eram realizados duas vezes por semana, em uma sala
cedida pela Societá de Mutua Assistenza fra Italiana de Serra Negra. Os concertos no coreto do Jardim Público
ocorriam quinzenalmente. Porém outras apresentações eram realizadas, nas festas religiosas, cívicas, alvoradas e
enterros. Briotto lembrava de todos os componentes da “Umberto I” e seus respectivos instrumentos no período
em que participou da banda. Além das inúmeras histórias que ouviu dos músicos mais velhos, sempre destacou a
postura de alguns deles, como o trompetista Alfredo Dallari, o trombonista e arquivista Aymoré Dallari e os
irmãos Lamari. De forma mais comedida, comentava o vínculo entre a corporação e a sociedade italiana, bem
como o aspecto político dessa relação, que em várias situações prejudicou a atuação musical, pois o poder
político da época estava nas “mãos” dos “coronéis” brasileiros, que não viam com bons olhos a infiltração do
imigrante nesse espaço. Esse senhor vivenciou intensamente a musicalidade na cidade de Serra Negra, participou
ativamente das mudanças ocorridas ao longo dos anos, inclusive como membro da Diretoria da Banda Musical
“Lira de Serra Negra”, por várias gestões. Briotto foi referência para muitos músicos, aconselhando e
apaziguando conflitos musicais até sua morte em 2003.
208
Bellino Felice Catanezzi Baccin (1927-2012) tocava os instrumentos bombardo e bombardino; foi aluno de
Aymoré Dallari e Santini Mattedi, ingressou no Corpo Musicale “Umberto I” em 1934, juntamente com seu
amigo João Corato, foi músico da Corporação Musical “Lira de Serra Negra” e um orgulho entre os músicos
serranos, pois foi um dos poucos que seguiu carreira como músico profissional; ingressou na Força Pública
Brasileira, em Campinas, chegando ao cargo de maestro da Banda da Força Pública, era carinhosamente
chamado de “Xixo”.
209
Aymoré Dallari, filho do músico Alfredo Dallari, foi membro das bandas “Umberto I” e “Lira”. Também foi
professor de musíca.
224

10 – Verdi – Luiza Miller – Concerto para clarineta Si b


11 – R.P. – Recuerdo – Ranchera
12 – Zequinha de Abreu – Pintinhos no terreiro - Samba (O Serrano, 23/12/1946)

Nesse concerto, o músico João Corato afirmou que a décima peça apresentada, a
composição de Verdi, teve como solista o clarinetista Irineu Schiavo210. O maestro Rafael
Pero tinha por ele profundos respeito e admiração, considerava-o o melhor clarinetista que já
conhecera. No período da estada do maestro em Serra Negra, a Banda “Lira” foi convidada a
participar de uma festa na cidade de Socorro/SP. O festeiro foi receber a Corporação e
comunicou que o maestro ficaria hospedado em um hotel da cidade, já que o contrato era para
se apresentar durante três dias, realizando alvoradas, procissões e retretas. Os músicos seriam
alojados em um depósito de fumo. O maestro, ao saber das acomodações de seus músicos,
decidiu cancelar as apresentações e retornar imediatamente a Serra Negra. Para solucionar o
impasse, os organizadores da festa, de improviso, arrumaram a hospedagem em uma pequena
pensão para os integrantes da Banda, e assim a festa prosseguiu conforme o tratado.
O Maestro amador Rafael Pero permaneceu até o ano de 1947. As histórias
relatam que não houve mais nenhum contato dele com a Corporação, apesar do enorme
carinho e respeito pelos músicos serranos. O último concerto encontrado no qual é citado o
seu nome ocorreu em outubro de 1947.
Retreta
Hoje, ás 19 horas no Coreto do Jardim da Praça Barão do Rio Branco a Corporação
Musical “Lira Serra Negra”, sob a direção do amador dr. Raphael Pero, executará
seguinte programa, dedicado ao distinto musicista, senhor Domingos Martori, cultor
da Bela Arte:

1ª Parte
1 – Prof. Aricó Junior – Capitão Cruz – Ouverture
2 – Cav. Bartolucci – Festa Campestre – Sinfonia
3 – Aricó Junior – Gracy – Valsa sentimental
4 – Verdi – Traviata – Pout-pourri da Opera
2ª Parte
5 – R. P. Domingos Martori – Marcha, homenagem do autor
6 – Franz Lehar – Viúva Alegre – pont-pourii da Opereta
7 – Bizet – Carmem – Fantasia da Opera
8 – Nascimento – Festa na Roça – Samba final. (O Serrano, 10/10/1947)

210
Irineu Schiavo (1913-1992) era serrano, aluno de Ângelo Lamari. Foi clarinetista do Corpo Musicale
“Umberto I”, Corporação Musical “Lira de Serra Negra”, Corporação Musical “Renato Perondini”, integrante de
várias orquestras de baile como a “Blue Star”, “Yara”, “Zequinha e sua orquestra”, “Jazz Band Corato”, “André
e Orquestra” e outros grupos musicais.
225

As apresentações da “Lira” foram regulares, com concertos quinzenais realizados


no Jardim Central, além da presença nas festas cívicas e religiosas. Com a saída do Maestro
Rafael Pero, voltou à regência o músico Luiz Lamari, eleito maestro nas assembleias da
entidade entre os anos de 1948 a 1950. Infelizmente, não se encontraram exemplares d’O
Serrano dos anos de 1948 e 1949. Mesmo assim, é possível afirmar que a Banda “Lira”
realizou seus concertos corriqueiros, pois recebeu durante esses dois anos a subvenção vinda
da Prefeitura Municipal.
211
Segundo o depoente Armando Menegatti, Luiz Lamari (Gino) foi o grande
responsável pela continuidade da “Lira” nos seus primórdios, pois nos entreveros ocorridos
ele sempre buscou solução e a Banda pôde cumprir seus compromissos.

Aí o Gino Lamari (falou): - A banda não pode quebrar. Tinha que fazer uma
procissão, uma alvorada. Catou cinco ou seis amigos lá, Nelson Buzzo, Geraldo
Lugli ensinaram eles a tocar. Em cinco meses eles aprenderam a tocar clarineta e
saíram na banda. Foi assim... ai começou a crescer a banda, ninguém queria mais, se
a banda (tivesse) quebrado. E o Gino fez força e deu sorte eu ele pegou os caras. Os
caras tinham tendência para música. O Geraldo Lugli, o Nelson Buzzo também
gostavam, o Nico Fossato, então ele pegou essa turma e deu certo, sabe. (Armando
Menegatti, 2014, Serra Negra/SP).

No repertório do concerto de 17 de março de 1950, duas músicas chamam a


atenção: a valsa Caminhos Ocultos e o dobrado Santini, cujas composições pertencem a
Nicolino Fatigatti. Havia muito tempo que suas obras musicais não integravam o repertório
dos concertos domingueiros, todavia voltaram a fazê-lo depois das regências dos irmãos
Lamari.

CONCERTO
A Corporação Musical “Lira Serra Negra” executará hoje no jardim da Praça João
Zelante, um concerto que obedecerá o seguinte programa:
1ª PARTE
1º - Batista de Melo – Dobrado
2º - Cisne Branco – Marcha
3º - Caminhos Ocultos – Valsa
4º - I due Gemelli – Pout Porri

2ª PARTE
5º - Santini – Dobrado
6º - Coração que chora – Marcha
7º - Ao microfone – Maxixe (O Serrano, 17/03/1950)

211
Luiz Lamari foi professor dos músicos: Alberto Benedicto Fioriti Corbo, Armando Menegatti, Attilio Fioritti
Corbo, Fernando Fioriti Corbo, Helio Fão, Irineu Chiessi, Lauro Saragiotto, Romeu Lamari, Romeu Fioritti
Corbo, entre outros.
226

O jovem compositor Nicolino Fatigatti, filho de Julieta Fatigatti e, provavelmente,


do músico Alessandre Fatigatti, flautista da “Umberto I”, nascido em 1898 e com 24 anos foi
vítima de tuberculose, vindo a falecer. Tocava clarineta e baixo-tuba e pertenceu ao Corpo
Musicale “Umberto I”. Não existe um levantamento completo de suas obras, mas sabe-se que
a maioria das composições eram valsas; entre os dobrados temos o Panamá-linho212,
composto em 1919, dedicado à Fábrica de Chapéu Panamá-linho, fundada em 1911 por
imigrantes italianos. Também é de sua autoria o Hino do Liceu de Artes e Ofício de São
Paulo, composto em 1921; compôs ainda o dobrado Santini Mattedi213 em homenagem ao
amigo e músico serrano.
Apesar de ter falecido muito jovem, ele deixou uma razoável produção musical214
e sua trajetória contribuiu para fomentar inúmeras histórias a seu respeito, misturando
admiração e saudade, transformando-o em um mito. Dentre suas façanhas, uma era sempre
recordada pelos músicos serranos: certa feita, a Corporação Musical “Carlos Gomes” estava
ensaiando uma música inédita para ser apresentada em um evento na cidade, festividade que
também teria a participação do Corpo Musicale “Umberto I”. É importante frisar que nesse
tempo havia certa rivalidade entres as bandas de música. Nicolino possuía grande facilidade
para a escrita musical, além de ter ouvido absoluto; então, ele se escondeu do lado de fora da
sala onde a Carlos Gomes ensaiava, ouviu a peça, voltou para casa e fez o respectivo arranjo.
Como a “Umberto I” seria a primeira banda a se apresentar, ela executou primeiro a
composição preparada pela “Carlos Gomes”.
A valsa Caminhos Ocultos é considerada sua última obra e foi composta pouco
tempo antes de sua morte, que ocorreu na cidade de Campos do Jordão, onde estava internado
para tratamento de saúde.

212
A partitura do Dobrado Panamá-linho foi impressa por A Melodia Edições Musicais, de E.S. Mangioni em
São Paulo (Rocha, 2007, p.73).
213
O músico Santini Mattedi faleceu em 1956, foi integrante da "Umberto I" e fundador em 1929, juntamente
com seus irmãos Benedito e Matheus, da “Jazz Band Melodia”, que, por inúmeras vezes, se apresentou no
Cassino de Serra Negra, na década de 1940. Em 1953, Santini abriu uma escola de música, cuja finalidade era
preparar músicos para Corporação Musical "Lira Serra Negra", para orquestras e Jazz Bands. O nome da
instituição era Escola de Música “Nicolino Fatigatti”.
214
Foram levantadas 25 composições, entre valsas, dobrados, xote, etc., de autoria do músico Nicolino Fatigatti,
ANEXO Nº 06.
227

NECROLOGIA

NICOLINO FATIGATI
Por notícias aqui recebidas de Campos de Jordão, sabe-se ter fallecido ahi, na
semana passada nosso conterrâneo sr. Nicolino Fatigati, filho da viúva sra. Julieta
Fatigati.
O inditoso moço, que contava com 24 annos de idade, desde criança se dedicara a
musica. Innumeras são as suas produções musicais, todas ellas relevando o seu
apurado sentimento artístico e a sua inegável competência. A família enlutada os
nossos pezames. (O Serrano, 07/11/1922)

Com a análise das publicações das retretas, é possível inferir que ocorreu uma
redescoberta das peças, justificada pela atuação do novo maestro da “Lira”, Ângelo Lamari,
que fora amigo de Nicolino Fatigatti215. Essa revalorização das obras de Fatigatti foi
acontecendo ao longo dos anos, com vários concertos dedicados ao compositor.

CONCERTO
A Corporação Musical “Lira Serra Negra” executará no coreto do jardim da Praça
João Zelante, um concerto em memória do saudoso Nicolino Fatigati, obedecendo o
seguinte programa:
PRIMERIA PARTE
1 – Panamá-linho – Dobrado – N. Fatigati
2 – Uma tarde de Outubro – Mazurka – N. Fatigati
3 – Saudades de Nicolino – Valsa – N. Fatigati
4- Sinfonia da opera Norma – Beline
SEGUNDA PARTE
5 – Capacete de aço – Dobrado – Orlando Puzone
6 – Murmúrio da Cascata – N.N
7 – Eu e ela – Schotisch – N. Fatigati
8 – Falchi – Tango – N. Fatigati (O Serrano, 14/05/1950 – grifo nosso)

No ano de 1950 a regência já estava a cargo de Ângelo Lamari216, nascido em


1898, em Serra Negra, filho dos imigrantes italianos Raphael Lamari e Acquelina Cecilia
Lamari. Iniciou seus estudos aos 15 anos e foi aluno de Alberto De Benedictis e Alfredo
Dallari. Como dominava vários instrumentos de sopro, além do violino, era sempre designado
para substituir os músicos que faltavam nas apresentações da “Umberto I”.
A primeira notícia que se publicou sobre Ângelo foi a sua participação em um
sarau artístico em 25 de março de 1920, realizado no salão do Cine Joli, juntamente com

215
As composições de Nicolino Fatigatti são executadas com frequência atualmente pela Corporação Musical
“Lira de Serra Negra”, que tem o cuidado de manter em seu repertório obras de compositores serranos.
216
Os músicos Fioravante Lugli, Attilio Fioritti Corbo, Luiz Lamari, Romeu Lamari, Ettore Saragiotto e Olger
Invernizzi foram alunos de Ângelo Lamari.
228

Lívio de Benedictis, Zacharias Quaglio, Alfredo Dallari e Artemisa Rielli Lombardi 217. Como
maestro, seu nome apareceu em 1937, substituindo Astolpho Perondini.

Concerto
A tardinha, no coreto do jardim da Praça Barão do Rio Branco, a corporação musical
“Umberto I”, sob a regência do maestro sr. Ângelo Lamari, levará a effeito mais um
de seus apreciados concertos. (Serra Negra Jornal, 22/08/1937)

Antes de assumir definitivamente a condução da Banda, Ângelo contribuiu em


várias ocasiões atuando como maestro. Oficialmente, em 1951 elegeu-se diretor regente,
permanecendo no cargo até 1975. Dos músicos que atuaram como maestros, Ângelo foi o que
mais tempo conduziu de forma ininterrupta a Banda de Música; portanto, foi também o que
mais superou as crises pelas quais a entidade passou. Uma de suas características foi a de
manter no repertório da “Lira” as composições do músico serrano Nicolino Fatigatti, inclusive
fomentando as histórias que envolviam a trajetória do músico218.

CONCERTO
Sob a regência do sr. Ângelo Lamari, a corporação Musical “Lira Serra Negra”
executará hoje no coreto do jardim publico, o seguinte programa:
1ª PARTE
1 – Marechal Foch - Marca
2 – Valsa – De Beneditis
3 – Inglezinha – Scherzo Marciale
4 – Conte São Bonifacio – Sinfonia

2ª PARTE
5 - Dois amigos – Dobrado
6 – Bororó da ponta – Marcha sinfônica
7 – Soto la gloriosa bandeira
8 – Felipe – Tango (O Serrano, 25/06/1950)

217
Jornal O Serrano, edição de 25 de março de 1920.
218
Outro momento em que Nicolino foi exaltado pelo Maestro Ângelo ocorreu no programa “Super Show”,
realizado pela Rádio Serra Negra em julho de 1966, oportunidade em que foram narradas histórias sobre a vida e
obra do compositor, com destaque para a valsa Caminhos Ocultos, que é considerada sua última obra, composta
no leito de morte. No programa a “Lira” esteve presente, interpretando as peças do homenageado, “sob a batuta
de Ângelo Lamari”.
229

Foto nº 63. Corporação Musical “Lira de Serra Negra” década de 1960. Músicos marchando em via
pública em Serra Negra. Lado esquerdo, junto ao meio fio, sem instrumento o maestro Ângelo Lamari.
Foto cedida por Odilon Souza Lemos. Acervo da pesquisadora.

Dentre os problemas enfrentados pelo Maestro Ângelo estava o número de


componentes da Banda, pois havia um consenso de que quanto mais músicos, menor seria o
pagamento de cada um. Isto posto, muitos integrantes não queriam a entrada de novos
instrumentistas, o que gerou o descontentamento de músicos que tinham o interesse de
voltarem para Banda. Como passou a ser cogitada a organização de uma nova banda na
cidade, o maestro Ângelo se empenhou em arregimentar esses músicos para fazerem parte da
“Lira de Serra Negra”.

Corporação “Lira Serra Negra”


Domingo passado a nossa população teve uma agradável surpreza. A corporação
“Lira Serra Negra”, para abrilhantar os festejos de São Benedito, compareceu com
um conjunto de 25 figuras, dando assim um aspecto mais imponente a essa data
festivamente popular.
Notava-se no numeroso público que assistiam as solenidades, uma grande satisfação
por essa inesperada ocorrência, compreendia-se que através de conversações numa
harmonia de sentimentos, certo número de elementos que estavam em vias de
230

organização de uma nova banda de música, voltavam às fileiras da “Lira Serra


Negra”, provocando esse belíssimo ato de compreensão social, contentamento geral.
A atitude, de todos os componentes da “Lira”, e de todos os elementos que hoje se
fundem numa excepcional cordialidade, foi acatada com grande entusiasmo, porque
revela a firme disposição de engrandecer essa agremiação, já conhecida em todos os
círculos de associações musicais, como uma das mais afamadas organizações do
interior.
Torna-se necessário salientar que a nossa corporação integrada novamente de figuras
de expressivo valor na musica, tem também a sua regência confiada ao sr. Angelin
Lamari, o maestro que sempre deu a sua destacada colaboração para engrandece-la.
Elogiamos o elevado espirito de compreensão de todos quantos, exemplarmente,
souberam honrar e dignificar a sua tradição. (O Serrano, 14/01/1951).

Mesmo passados quase seis anos da reorganização da Banda de Música ainda


prevaleciam iniciativas para angariar fundos a fim de beneficiar a entidade musical, como
ocorreu em 1951, referente a aquisição de instrumentos.
A Banda “Lira” contava, também, com o apoio do Prefeito Luiz Barra que sempre
intercedeu a favor da entidade. Em fevereiro de 1952, ele encaminhou um projeto para a
Câmara Municipal solicitando que se dobrasse a verba anual. Entre seus argumentos constava
que a “Lira” incialmente era composta por 15 integrantes e passou a contar com 25
instrumentistas; entretanto, devido à dedicação dos músicos, era razoável que se elevasse a
subvenção. De fato, aprovou-se o projeto e houve um auxilio significativo para a Banda.

Ilustração nº25. Jornal O Serrano, edição de


15/07/1951 Ilustração nº 26. Jornal O Serrano, edição de
22/07/1951
231

Ainda em 1952, um projeto de lei do vereador Hugo Stachetti219 propunha a


criação de um Curso de Música municipal para atender “os inúmeros serranos desejosos de
aprender a música, assim como favorecer o desenvolvimento artístico”. Dentro da proposta
estava a duração do curso de um ano, em que seriam estudados a artinha, a rítmica e o P.
Bona, somente para solfejos. O professor seria nomeado e as aulas seriam ministradas três
vezes por semana, no período noturno. O projeto tramitou de outubro de 1952 a maio de 1953.
Infelizmente, o parecer da Comissão de Finanças e Orçamento da Câmara Municipal não foi
favorável, arguindo que necessitaria de gastos adicionais com infraestrutura, além do salário
do professor.
Nesse mesmo período, o músico Santini Mattedi anunciou a criação de sua Escola
de Música, nomeada em homenagem a Nicolino Fatigatti, que havia sido seu mestre. Como
Santini já era reconhecido como excelente professor, a sua iniciativa teve o aval da população
e dos órgãos públicos, pois ele conseguiu uma subvenção municipal para auxiliar a sua
escola220.
O depoente Armando Menegatti se interessou por aprender um instrumento
ao ver seu cunhado e também músico Nelson Buzzo tocar em conjuntos e na Banda “Lira”.
Ele teve aula com Luiz Lamari e depois passou a ser aluno de Santini Mattedi221.

Eu gostava muito do meu cunhado Buzzo, sabe, ele tocava clarineta e saxofone. Aí
começou uma... uma boatinha aqui... perto da casa do Nelson Macarroneiro. Acho
que em 1950, por ai 51. Eu achava bonito, costumava trazer músico de fora para
fazer show, aquela coisa, e eu ia assistir e ia tocar e eu comecei a namorar a irmã
dele e ele ia tocar. Ai eu comecei a pegar gosto, assim... também conhecia o
Angelim Lamari, passei para o Santini (Mattedi). O Santini era melhor para ensinar.
O Gino era muito bom e muito educado e tinha dó de fazer repetir a lição, passou a
lição sem saber se você ficava enroscado.
Então! O Santini era mais rígido, fazia dividir, conhecia subdivisão. O Geraldo
Lugli, Nelson Buzzo, o Fossato, tudo passou pelo Santini, todos eles ficaram bons.
Dividiam que era uma beleza. (Armando Menegatti, 2014, Serra Negra/SP)

219
Projeto de Lei nº 49/52 de 20 de outubro de 1952. Acervo da Câmara Municipal de Serra Negra.
220
Lei nº 146 de 03 de setembro de 1953
221
Entre os alunos de Santini Mattedi estão os músicos Antonio Guilherme Catanezzi Baccin, Armando
Menegatti, Bellino Felice Catanezzi Baccin, Hermaguras Pereira de Lima, Marco Aurelio Vicalvi, Nelson
Antonio Buzzo, Nelson Antonio de Barros, Renato Aldo Catanezzi Baccin e Afonso Bertini.
232

Ilustração nº 28. Jornal O Serrano, edição


Ilustração nº 27. Jornal O Serrano, edição 15/02/1953
01/03/1953

O músico Geraldo Vicentini, apesar de não ter sido aluno de Santini, conheceu
alguns músicos que o foram e lembrou que:
Quando eu fui aprender acordeom, a música eu tinha passado o Bona inteirinho
(Bona – Método de leitura musical). Tinha passado inteiro. E continuei. Só que era
diferente, porque os meus primos, pegou a escola do Santini Mattedi. O Santini
Mattedi ensinava a subdivisão na música. Então, por exemplo, o dó, nota de um
tempo, ele dividia em dois, do - o. Era subdividido.
Se não me engano o Claudio Lugli aprendeu com ele. O Santini tinha um método
bom para ensinar. Tinha uma pessoa que queria aprender música, ele fazia um teste
antes. A pessoa ia lá :- Você quer aprender música? – Quero! – Então assobia um
trechinho de uma música. Ele saía ia lá. Ah! Então ele percebia na pessoa que
assobiava ou cantava se a pessoa tinha...ouvido, ritmo, então era assim! (Geraldo
Vicentini, 2014, Serra Negra/SP)

A Corporação Musical “Lira de Serra Negra” continuou com seus concertos


quinzenais sem interrupções e as apresentações despertavam interesse entre os jovens serranos
que mais tarde vieram a integrar seus quadros, como Geraldo Vicentini e Armando Menegatti.

Geraldo : Eu... a minha família já tem... já vem de músicos. Tenho dois tios que
tocavam acordeom, na época, mas o que me incentivou mais foi os dois primos
meus que tocavam na Banda e o Brioto.
Claudia : Como assim? Qual primo seu que tocava na banda?
Geraldo: O Geraldo Lugli e o Renato Lugli.
Claudia : Ah! Tá. E por que o Brioto te incentivou?
Geraldo: Porque o Brioto também tocava e as vezes nas festas, de noite, ele vinha
com meu pai, na Santo Antonio, naquela época ... São Benedito, as festas eram bem
animadas, né! até os coretos! Embaixo realizava o leilão e em cima a banda tocava,
na época. Eu via o Brioto, meus primos tocar e eu me interessei em aprender música.
(Geraldo Vicentini, 2014, Serra Negra/SP).

As festas religiosas promovidas na cidade e nos bairros rurais continuaram tendo a


presença da “Lira de Serra Negra”, que representava o ponto alto dessas manifestações, pois
os moradores pouquíssimas vezes ao ano vinham à cidade, e o contato com os músicos
ocorria nessas ocasiões e nos bailes realizados nos casamentos.
233

FESTA DE SÃO SEBASTIÃO


Amanhã terá início na capela do bairro dos Francos, o tríduo de rezas para
preparação da festa em homenagem a São Sebastião.
Do programa das solenidades a realizar-se no dia 20 de janeiro, quinta feira, estão
relacionados os seguintes atos: às 10 horas missa solene, às 17 horas procissão do
glorioso Martyr, seguindo-se o sermão, ladainhas e benção do SS. Sacramento.
Não faltará o leilão de prendas com o brilhantismo da “Lira Serra Negra” (O
Serrano, 16/01/1955)

FESTA DE SÃO ROQUE


Estão programadas pela comissão de festeiros, as solenidades em homenagem a São
Roque, a serem realizadas no sai 16 do corrente na capela das Três Barras, deste
município.
Às 5 horas, alvorada; às 10 horas, missa solene e sermão, às 16 horas, procissão.
Todos os atos serão abrilhantados pela banda musical desta cidade (O Serrano,
12/08/1956)

Após a reconstituição da banda em 1945 e até o ano de 1956, a “Lira de Serra


Negra” foi a única corporação musical atuando soberana na cidade. Porém, havia muitos
músicos que estavam inativos e também jovens aprendizes que esperavam apenas serem
convidados. Aproveitando essa demanda, outra banda se configurou na cidade: a Corporação
Musical “Renato Perondini”.

“Lira Serra Negra”

Dará hoje seu concerto quinzenal no coreto da praça João Zelante, executando o
programa que abaixo publicamos, sob a regência do maestro Ângelo Lamari.
1ª Parte
1 - Flagelados – Dobrado; 2 – Ventalio dela Regina - Valsa; 3 – Genova – Mazurk;
4 - Fausto – Fantazia.

2ª Parte
5 – Romualdo Coli – Dobrado; 6 - Bambo do Noroeste - Catêrete; 7 – Libero –
Dobrado; 8 – Filippi – Tango. (O Serrano, 21/10/1956)

CORPORAÇÃO MUSICAL “RENATO PERONDINI”

A formação da Corporação Musical “Renato Perondini” possui uma história muito


interessante, relembrada pelos músicos com perspectivas diferentes, de acordo com suas
lembranças e experiências. Alguns pontos são comuns, outros foram “esquecidos”, e outros,
ainda, provavelmente não foram compartilhados ou se perderam após o falecimento dos
músicos que participaram da trajetória dessa banda de música.
234

Geraldo de Macedo Bulk (1925-2008) destacou-se como grande empreendedor


em Serra Negra, juntamente com seu irmão Luiz de Macedo Bulk 222. Ele trabalhou parte de
sua juventude e idade adulta como pedreiro, empreiteiro e comerciante, mas encontrou tempo
para o aprendizado da música. Foi aluno de teoria musical e sax de harmonia de Aymoré
Dallari e, em 1941, iniciou suas apresentações no Corpo Musicale “Umberto I”, num
momento em que a banda já estava em processo de transição devido à Segunda Grande
Guerra. Ele morou e trabalhou em Águas de Lindóia, ocasião em foi aluno do maestro
Américo Pastori. Nesse período adquiriu um trombone do antigo professor Aymoré;
coincidentemente era o instrumento que o Maestro Pastori, seu professor em Águas de
Lindóia, mais dominava e, com ele aprendeu a clave de fá, o que facilitou suas leituras
musicais para os instrumentos: bombardino e o trombone.
Geraldo permaneceu em Águas de Lindóia de 1942 a 1946. Ao retornar para Serra
Negra foi convidado a integrar os quadros da Corporação Musical “Lira de Serra Negra”
recém organizada, justamente o período em que o maestro era o engenheiro Rafael Pero. Ele
ficou por uns anos nessa banda e acabou saindo devido aos compromissos profissionais.
Geraldo Bulk se autointitulava um dos “culpados” pela formação da Banda
“Renato Perondini”. Segundo ele, tudo começou na alfaiataria da família Perondini. Certo dia,
ele passava por ali e nela havia alguns músicos tocando: André Perondini, no trompete;
Rosalba Perondini, na sanfona; Athos Perondini, no trombone; Dinga e Enzo Perondini,
ambos na clarineta. Geraldo parou para conversar com Cesarino Perondini, o qual estava
entusiasmado como o grupeto. Geraldo, então, sugeriu que, se tivesse um baixo-tuba, o
grupeto estava completo. Então, gerou-se ali a célula que mais tarde se transformaria em uma
nova banda da cidade.
Desse grupeto surgiu a ideia de se criar um conjunto para sair no carnaval de
1957. Para reforçar os naipes, o músico Enzo Perondini se prontificou a convidar os jovens
alunos de Cesarino Perondini, que aceitaram. E foi assim que se criou o bloco de carnaval

222
Durante os anos de 2000 a 2007 tive o prazer de ter longas conversas informais com o músico Geraldo Bulk,
falávamos das bandas e ele narrava muitas das suas lembranças, a maioria delas casos cômicos. Durante um
tempo nos reunimos: eu, Geraldo e o músico Antonio Briotto e passamos a fazer visitas aos músicos idosos e que
já se encontravam adoentados. Depois de três visitas, Geraldo me ligou dizendo que seria melhor desistirmos das
nossas visitas, pois temia que ficássemos conhecidos como a “turma da extrema-unção”, pois nós realizávamos a
visita e logo o músico falecia. Os irmãos Bulk foram os construtores do primeiro edifício de apartamentos, com
nove andares, além da construção do Hotel Fazenda Vale do Sol e outros empreendimentos hoteleiros em Serra
Negra e Águas de Lindóia.
235

“Vai com Jeito”. Entre os jovens convidados estavam o depoente Renor Perondini e seu irmão
Edino.

Foto nº 64. Grupo de Carnaval “Vai com Jeito”, Carnaval de 1957.


Foto cedida pela família Perondini. Acervo da pesquisadora.

Renor Perondini e seu irmão mais velho, Edino, iniciaram seus estudos musicais
com o pai, o também músico Arcenio Romeu Perondini, trombonista do Corpo Musicale
“Umberto I”. Depois de algum tempo, passaram a ter aulas com o Maestro Cesarino
Perondini223, primo de seu pai. A primeira aula com Cesarino foi em um domingo, pela
manhã. Em suas lembranças, Renor narrou o início de seu interesse pela música e sua
trajetória como instrumentista.

E a música foi porque comecei, eu vi nas coisas do meu pai, do meu tio, eu vi um
caderno de música. Então aí eu com meu irmão mais velho (Edino), saimos falando
para o meu pai:- a gente sabe ler tudo essas coisas, mas isso daqui, como é que lê
música?
Como que faz para ler a música? Aí meu pai falou: tem que estudar, a música, você
começa solfejando, tem que arranjar um maestro que ensine a tocar. A gente achava
uma coisa muita estranha aquela... não entendia nada... aí que começou, ele
incentivou, minha tia também, aí começamos com o Cesarino. (Renor Perondini,
2011, Serra Negra/SP)

223
O Maestro Cesarino Perondini também foi professor de André Luiz Paranhos Perondini e Athos Perondini
Dini.
236

Alceario Perondini (1906-1954), tio do depoente Renor, era clarinetista da


“Umberto I” e fez parte de vários conjuntos de baile que animavam casamentos e festas
religiosas, principalmente nos bairros rurais. Alceario foi aluno do Maestro Vincenzo De
Benedictis e de seus filhos Alberto e Lívio, e foi professor do músico Antonio Briotto. Dentre
as histórias sobre a banda italiana, algumas são dedicadas ao clarinetista. Como ele era
agricultor, trabalhava durante o dia nos cafezais no sítio de sua família; porém, à noite,
dedicava-se à música. Muito empenhado na musicalidade, adentrava as madrugadas
estudando as peças do repertório da “Umberto I”. O seu maior desafio eram os trechos de
ópera e, para não incomodar os familiares, ele realizava os estudos noturnos na tulha de café.

Meu tio era o Alceario. Eu comecei tocando, estudando no clarinete do Alceario, do


meu tio, (pois) ele já tinha falecido... esse clarinete está guardado e eu tenho ele até
hoje... então aí.... aí a gente começou a tocar, tocar... mas o Cesarino, quando ele
achou que a gente poderia entrar na banda. O Cesarino foi na sala (da Banda)
perguntar para os outros músicos... naquele tempo eles tinham uma banda... uma
banda... mais do que aquela quantia eles achavam que não precisava. O que eles
estavam precisando era o sax de harmonia, se eu com o meu irmão quisesse tocar
sax de harmonia na banda. Mas a gente já tocava instrumento de canto, agora vamos
passar no sax de harmonia. Eu achava que era como se nós fossemos voltar para
traz. E não é, porque harmonia também é uma coisa interessante e mais difícil. Ai
nós resolvemos não ir, de não entrar na banda. Começamos a tocar assim, a tocar
com acordeom em bailinho assim. Brincadeira. Aí o Enzo... o Enzo não tocava na
banda, não tinha nada. O Enzo foi lá em casa convidar para fazer um bloco de
carnaval.
Eu tinha uns 18 anos. Aí ele falou:- Vamos formar uma banda para tocar em um
bloco de carnaval. Tinha saído uma música chama... uma música de carnaval “Vai
com jeito”. Então ele pôs o nome na bandinha. A Bandinha “Vai com Jeito”. Aí
terminou o carnaval, nós continuamos com essa bandinha, aí ele falou vamos mudar
o nome da banda. A banda vai ser Banda da “Boa Vontade”. Tocava de graça em
tudo quanto era festa. Quantas festinhas de aniversário. Quanta coisa que aparecia, a
banda da “Boa Vontade” ia, ia sem ganhar nada. (Renor Perondini, 2011, Serra
Negra/SP).

Passados os festejos do carnaval, o grupeto continuou seus ensaios e decidiu


convidar os músicos que estavam inativos. Geraldo Bulk ficou encarregado de conversar com
os músicos mais velhos e entrou em contado com Antonio Briotto, Irineu Schiavo, Benedito
Mattedi, Nardo Albertini e José Caetano dos Santos (Zé Caixinha). Enzo Perondini
arregimentou outros músicos, como o depoente Geraldo Vicentini.

O Geraldo Bulk começou a tocar, um baixo... um baixo velho, acho que ele achou na
sala da banda. Aí... ensaiava lá embaixo na alfaiataria do Enzo. Foi indo esta banda
crescendo. Entrando gente, convidando músicos que já tinham parado. O Brioto,
Orlando Lugli, tinham parado. Ele foi pegando todos esses músicos.
237

O Enzo, aí que resolvemos. Como ele era esforçado daquele jeito, resolvemos por
Banda Renato Perondini, tinha bastante Perondini na Banda. Então tudo concordou,
então nessa época, ensaiava no Panamá Linho, no Panamá Linho e foi crescendo.
(Renor Perondini, 2011, Serra Negra/SP).

Mais músicos foram chegando e surgindo os problemas de infraestrutura e,


segundo Geraldo Bulk, o local para os ensaios foi sendo improvisado ao longo dos anos em
espaços cedidos. O primeiro foi a alfaiataria da família Perondini, depois conseguiram ensaiar
em uma oficina mecânica de propriedade de Jorge Bueno; e era muito trabalhoso, pois os
músicos tinham que encostar todas as coisas e, após o ensaio, retornar com elas aos seus
lugares. O Sr. Artur Zuanazzi também cedeu um espaço por algum tempo, além do músico
Nardo Albertini, que liberou um salão em sua residência. E, finalmente, permaneceram por
alguns anos ensaiando em um salão disponibilizado pela revendedora de veículos Sonave,
localizado na Praça João Pessoa. O imóvel havia abrigado a Fábrica de Chapéu Panamá-linho,
antes de sua falência.
O grupeto virou uma banda que ficou designada, como já mencionado pelo
depoente Renor, como a Banda da “Boa Vontade”, pois realizava suas apresentações
gratuitamente. A regência ficou a cargo de Cesarino Perondini, que, além de professor, foi
copista e arranjador do repertório executado pelas bandas e conjuntos musicais. Descrito
como uma pessoa extremamente acanhada, possuía a mesma facilidade de escrita musical que
o músico Benedito Mattedi. Ele ouvia as óperas italianas e fazia os arranjos reduzidos para a
formação das bandas. Dentre seus trabalhos de arranjador estão: da ópera Nabuco, de G.
Verdi, o Ato III – Coro di Schiavi ebrei Va Pensiero Sull’ali dorati; Romance, de R.
Schumann; Contos dos Bosques de Viena, de J. Strauss; Sonho de Amor, de F. Liszt; Für
Elise, de L. van Beethoven; e Tristeza, de F. Chopin.

Quem regia era o Cesarino Perondini no começo, até a primeira apresentação foi em
57 com o Cesarino, depois o Fioravante aposentou e veio para Serra Negra, ai o
Cesarino pediu para o Fioravante. O Cesarino já estava com idade tudo aí o
Fioravante começou e começou animado, ensaiava, começamos a ensaiar aqui no
Panamá Linho. O Fioravante, o Enzo, tudo animado. A gente também achou que
era... aí a Banda Perondini foi crescendo. (Renor Perondini, 2011, Serra Negra/SP).
238

Ilustração nº 29. Grade de regência da ópera Nabuco de Verdi, ato III. Letra de Cesarino
Perondini. Acervo Corporação Musical “Lira de Serra Negra”.

Com as novas apresentações os músicos se reuniram e resolveram regularizar a


nova entidade com estatutos e documentação, e decidiram que a banda passasse a ser
Corporação Musical “Renato Perondini”, em homenagem ao músico homônimo e à família
Perondini, pelo fato de possuir muitos músicos. O primeiro concerto oficial ocorreu em 23 de
setembro de 1957, nas comemorações do aniversário da cidade de Serra Negra. A primeira
nota encontrada na imprensa local sobre a nova banda foi uma semana após a sua
apresentação.

...Serra Negra tem a sua velha história nos domínios da música. Foi ao apagar das
luzes do século passado que a banda “Lira de Serra Negra”, primitivamente
“Humberto Primo”, surgiu. Acompanhou a evolução da cidade, e a sua presença
sempre se fez sentir, nos momentos de alegria ou de tristeza, de prazer ou de dor.
Num concurso realizado em São Paulo, há muitos anos, ganhou o 1º Diploma de
Honra, conquistando aplausos da exigente plateia paulistana.
Agora, outra banda aparece – a Corporação Musical “Renato Perondini”. Domingo
passado, felicitando a cidade pelo seu aniversário, realizou a sua primeira retreta no
coreto da Praça João Zelante. Nesta crônica presto uma homenagem a esse conjunto
de boa vontade, que não tem fito de lucro. O seu objetivo é servir a comunidade
serrana. (O Serrano, 29/09/1957)
239

Rapidamente a nova agremiação musical iniciou um processo de dividir


apresentações, anteriormente somente realizadas pela “Lira de Serra Negra”, como a Festa de
São Francisco na Igreja de São Francisco.
FESTA DE SÃO FRANCISCO
Realiza-se hoje, no bairro da Palmeiras, ao lado do Asilo dos Velhinhos, a festa
organizada pela comissão da construção da nova igreja, em homenagem ao santo
milagroso São Francisco de Assis...
Acompanhado da corporação Musical “Renato Perondini”, sairá pelas Ruas da
cidade, hoje às 8.30 horas, o conjunto precatórios, a fim de angariar prendas para o
grande leilão em benefício das obras da igreja, contando a comissão com a
generosidade do povo serrano. (O Serrano, 06/10/1957)

Não foi possível apurar mais informações sobre o papel de cada uma das bandas
nessa solenidade religiosa, mas os dados levantados permitem pensar que elas repartiram os
afazeres musicais, tendo em vista os agradecimentos públicos às duas bandas, publicados no
jornal local. Fatos semelhantes ocorreram nas três primeiras décadas do século XX, quando a
Corpo Musicale “Umberto I” dividiu espaço esporadicamente com a Banda de Música “Santa
Cecilia”, com a Corporação Musical “União Operária” e a Corporação Musical “Carlos
Gomes”.

Ilustração nº 30. Jornal O Serrano, edição de 27/10/1957

A nova banda se organizou de maneira rápida, inclusive buscando subsídio junto


ao poder público. Em setembro de 1957 a “Lira de Serra Negra” requereu um aumento
referente a sua subvenção de Cr$ 24.000,00 para Cr$ 50.000,00, mas o pedido não vingou.
Deferiu-se, então, um acréscimo de Cr$ 12.000,00 como auxílio extraordinário. No mesmo
parecer da Comissão de Finanças, votou-se um auxilio para a nova banda, para a aquisição de
uniformes.
240

No artigo 2º autoriza o projeto de lei a conceder um auxilio extraordinário de Cr$


12.000,00 a nova Corporação Musical “Renato Perondini”, para compra de
uniformes.
Não resta dúvidas que esse auxilio tambem é bem empregado, incentivando assim a
formatura de mais uma corporação que mais tarde irá abrilhantar as festas cívicas e
religiosas locais. (Processo 93/1947 – Câmara Municipal de Serra Negra).

O projeto virou a Lei nº 247/57; as duas bandas dividiam os espaços de


apresentação e as verbas, o que gerou descontentamento velado entre os componentes da
“Lira”. No ano de 1958 as apresentações seguiram intercalando as duas bandas; no concerto
do mês de fevereiro programou-se a execução de músicas de compositores serranos, dentre
elas as obras de João Galo Coratto.
Corporação “Renato Perondini”
No coreto da Praça João Zelante, sob a regência do maestro Cesarino Perondini, a
corporação musical “Renato Perondini”, realizará hoje, às 19 horas, uma retreta em
homenagem aos compositores serranos e a todos que colaboraram para a sua
formação.
Do programa a ser executado e que consta de duas partes com 15 números, figuram
várias composições dos srs. Benedito Mattedi, João Coratto, Benedito Pedroso e
Antonio Vicalvi (O Serrano, 09/02/1958)

Ilustração nº 31. Jornal O Serrano, edição de 27/07/1958

O músico Geraldo Vicentini teve o privilégio de tocar vários instrumentos nas


duas bandas no mesmo período. O seu instrumento inicial foi o acordeom, mas os maestros
tiveram a sensibilidade de perceber sua capacidade musical, proporcionando-lhe
oportunidades para o desenvolvimento.
241

Aí o Enzo viu que eu sabia, que tocava um pouco de acordeom, me convidou. Como
saiu... surgiu a “Renato Perondini”, você... acho que já tem a história .... de um bloco
de carnaval, porém resolveram catar os músicos que estavam meio afastado e
formaram uma banda.
E aí convidaram e eu entrei fazendo sax de harmonia. Do sax de harmonia eu já
queria partir para um trombone, comprei um trombone. Apareci na Banda com um
trombone, puseram no trombone e deram uma harmonia. Eu fazia bem harmonia.
Entrei, não tinha quase... tinha o Nilo e Manfredo (ambos da família Lugli), mas o
Manfredo nunca foi muito firme, o Nilo sim, era firme. Aí entrei fazendo harmonia
com o Nilo, trombone de harmonia, depois faleceu o Aymoré Dallari da Banda
“Lira”. Aí eu estava no trombone já, aí eu tinha muito amizade com o Dedão
(Baccin), por exemplo, era muito amigo meu. O Romeu, o Titão (ambos da família
Fioritti). Aí eu entrei na “Lira”, aí eu tocava nas duas, fazia trombone lá e na
“Renato”.
Aí eu fazia parte das duas. Tocava na “Renato” e na “Lira”, fui indo... com
trombone, depois... chegou a época que faltou bombardino... fiz bombardino, depois
faltou, precisou de bombardino, fiz bombardino na “Lira”. (Geraldo Vicentini, 2014,
Serra Negra/SP).

Depois de alguns anos na regência da Banda “Renato”, o maestro Cesarino


decidiu deixar o comando. Nesse ínterim, o músico Fioravante Lugli estava voltando para
Serra Negra depois de 26 anos, e Cesarino preferiu entregar-lhe o cargo. Em novembro de
1959 a “Renato Perondini” publicou sua nova diretoria. Vale ressaltar que a diretoria da
Corporação Musical “Lira de Serra Negra” sempre se constituiu por músicos; já a “Renato
Perondini” apresentou entre os seus membros músicos, comerciantes e um cartorário.

CORPORAÇÃO MUSICAL “RENATO PERONDINI”


No dia 27 do corrente, em sua sede provisória à Rua José Bonifácio, 166, às 19:30,
reuniram-se os membros componentes da Corporação Musical “Renato Perondini”
com o fim especial de se eleger a nova Diretoria que dirigirá os destinos da
corporação no biênio de 1959-1961.
Procedida a votação, ficou assim constituída a nova diretoria: Presidente de Honra,
Herculano Augusto de Assumpção; Presidente, Joaquim dos Santos; Vice-
Presidente, Manoel Leopoldo Fernandes Claro; 1º Secretário, Carlos Filippi; 2º
Secretario, Renato Saragiotto, 1º Tesoureiro, Horacio Dini; 2º Tesoureiro, Athos
Perondini Dini e Procurador, Lupercio dos Santos.
Conselheiros: Italo Boccatto, Irineu Boccatto, Herminio Demattê, Irineu Perondini e
Pedro Vieira e Silva.
Maestro : Fioravante Lugli.
Após a posse da nova Diretoria, o presidente eleito sr. Joaquim dos Santos, convidou
os presentes para acompanharem até o Bar e Restaurante “Itália”, onde ofereceu uma
cervejada em regozijo a sua eleição para presidente da corporação. (O Serrano,
29/11/1959).

Fioravante Lugli (1914-2000) era filho de Umberto Lugli, clarinestista (Mib) da


“Umberto I”. Inciou seus estudos com Angelo Lamari, entrou na banda italiana com 11 anos
de idade; seus irmãos Romeu, Manfredo, Orlando e Nilo também foram músicos de banda.
242

Em 1933, Fioravante Lugli fugiu de Serra Negra para se alistar no Exército, pois queria seguir
a carreira de músico e o Exército parecia ser sua única opção. Ele contou que estudava
embaixo dos pés de café, no intervalo do trabalho de colheita, e que suas aulas eram pagas
com litros de leite. Seu primeiro instrumento foi sax de
harmonia, como todos os jovens músicos que entravam na
banda. Era uma maneira de preparar o músico
harmonicamente para quando fosse tocar um instrumento de
canto. Enquanto servia o Exército na cidade de São Paulo,
foi aluno do Conservatório Dramático e Musical de São
Paulo. Aos 27 anos prestou um concurso interno e
apresentou uma peça para clarinete, um trecho da ópera
Mefistofeles, de Arrigo Boito. Também tocava saxofone,
tinha noções de todos os instumentos de banda e foi
compositor, professor e maestro. Voltou para Serra Negra
após chegar ao posto de 1º Tenente Mestre de Banda.
Ainda em fevereiro de 1959, a “Renato
Perondini” apresentou em sua retreta costumeira peças dos
compositores serranos João Corato, Benedito Mattedi e o
dobrado do amparense Felizardo Pompeu, um compositor
negro, fato incomum no período focalizado.
Ilustração nº 32. Jornal O Serrano,
edição de 01/02/1959

Em abril de 1960 a “Renato Perondini” recebeu uma correspondência


confirmando sua participação no programa denominado Lira do Chopotó, da Rádio Nacional
do Rio de Janeiro, idealizado pelo radialista e apresentador Paulo Roberto (José Marcos
Gomes), que passou a ser veiculado a partir de 1954 e cuja finalidade era incentivar as bandas
do interior do país. O programa era levado ao ar ao vivo, aos sábados, com arranjos do
Maestro Lírio Panicalli. O programa era um diálogo, entremeado de música, entre o
apresentador e o Mestre Filó, personagem representado pelo músico Jararaca, da dupla
243

Jararaca e Ratinho224. A notícia movimentou a pequena Serra Negra e, mais uma vez, a
população foi convidada a participar auxiliando financeiramente a banda, com a confecção do
uniforme e a compra de instrumentos. O deputado Roberto Brambilla doou o transporte.

CORPORAÇÃO MUSICAL “RENATO PERONDINI”.

A Corporação Musical “Renato Perondini”, sente-se orgulhosa em levar ao


conhecimento dos serranos, que de conformidade com a carta datada de 23 de Abril
pp., recebida do Dr. Paulo Roberto, DD. Diretor do tradicional programa “Lira
Chopotó” que é irradiado todos os sábados, às 20,30 pela Rádio Nacional do Rio de
Janeiro, nos comunica que está marcado o dia 24 de Setembro p.f. para que esta
Corporação se apresente naquele tradicional programa.
Dá conformidade com a referida carta, a condução será por conta da corporação,
sendo a estada no Rio por conta do programa, em colaboração com o Ministério da
Educação[...].(O Serrano, 15/05/1960).

A “Renato Perondini” teria cinco meses a fim de tomar todas as providências para
a viagem e escolher um repertório a altura do famoso programa.

A “Renato”... aí quando apareceu aquela notícia da gente ir para o Rio de Janeiro,


aquilo era... acontecimento. Foi o Brambilla quem deu o ônibus, ele era dono da
companhia de ônibus. Foi junto o genro do Brambilla que era irmão do Dr. Carlos,
Dr. Fernando, o Guilherme, era dentista. Dr. Guilherme, aí foi crescendo a banda,
foi indo. Muitas apresentações, em Santos fomos duas vezes, Atibaia, aqui em
Araras. Não ganhava nada. Ganhava alegria de estar sempre... apresentando. Tudo
de uniforme branco, tudo... até a meia era tudo igual. E foi crescendo a banda e a
gente sempre foi fazendo esforço de levar a banda. (Renor Perondini, 2011, Serra
Negra/SP).

Toda a movimentação serrana e o empenho dos membros da diretoria da “Renato”


e de seus músicos dominavam os noticiários do jornal local. Porém, um artigo publicado em
junho de 1960 chamou a atenção: referia-se à comemoração do 15º aniversário da “Lira de
Serra Negra”. No texto retomou-se toda a trajetória do Corpo Musicale “Umberto I”, citando
inclusive seus maestros, como se estivesse a lembrar à população serrana o que ela significava
historicamente para a cultura musical da cidade, como se sentisse ameaçada pela “nova”
banda. Para esse concerto escolheram especialmente as peças que lembravam as retretas da

224
Ver mais: SAROLDI, Luiz Carlos. MOREIRA, Sonia Virginia. Rádio Nacional, o Brasil em sintonia.
Instituto Nacional de Música. Rio de Janeiro: Zahar Editor Ltda, 2005. p.136-137
244

“Umberto I”, com trechos de óperas e uma composição do Maestro Vincenzo De


Benedicits225.

Corporação Musical “Lira de Serra Negra”


Esta veterana corporação completa hoje o seu 15º ano de existência, com a
denominação acima. Pois até princípios de junho de 1945, conhecia-se por
Corporação Musical “Humberto I”, que foi fundada no ano de 1898, sendo seu
primeiro regente Silvio Bianchi.
A “Humberto I” teve como regente os maestros José de Beneditis e Vicente de
Beneditis, estes formados pelo Conservatório de Milão. Passaram pela regência
dessa corporação os senhores: Zacarias Quaglio, Alberto de Beneditis, Olívio De
Beneditis, Astolfo Perondini e Angelo Lamari.
Com a entrada do Brasil na guerra contra os países do Eixo, em 1945 e por
disposições constitucionais, a antiga corporação “Humberto I”, em obediência as leis
do pais, resolveu por unanimidade de seus elementos, mudar a denominação antiga e
para isso em assembleia geral, elegeram a Diretoria da nova corporação, que passou
a denominar-se “Lira de Serra Negra”.
Assumiu a regência da nova corporação o sr. Luiz Guirelli e posteriormente o sr.
Luiz Lamari. O atual regente é o sr. Angelo Lamari, que com grande dedicação e
competência vem conduzindo essa corporação, que muitos anos vem deliciando a
população serrana com belos programas executados no jardim da praça João
Zelante.
Comemorando hoje, o 15º aniversário de sua fundação, a “Lira de Serra Negra”,
com um programa especial, levará a efeito uma retreta em homenagem às
autoridades e a população em geral dessa estância.
PROGRAMA
1ª PARTE
1- Marcha Militar – Trieste – NN
2- Nell’ora dei Crepusculo – Valsa, Opera Fausto
3- Pout Pourri da Opera O Guarani – Carlos Gomes
4- Afonso Pena – Passo Double – NN
2ª PARTE
5- Marcha 14 de Dezembro – de Vicente De Beneditis
6- Frá Diavolo – do Maestro Auber
7- Lucrecia Borgia – de Donizetti
8- Pintinho Pelado Maxixe – NN. (O Serrano, 05/06/1960)

Alguns comentários sobre as informações do artigo acima são necessários. Apesar


de constar como o primeiro maestro da “Umberto I” o músico Silvio Bianchi, não foram
encontradas mais referências que comprovem o noticiado. Vincenzo de Benedictis era
diplomado pela Real Academia de Santa Cecilia em Roma e a banda nunca foi regida por
Giuseppe De Benedictis; de fato, ele foi convidado para assumir a regência em 1909 pelo
presidente na época, Dr. Francisco Tozzi, mas não há notícias de que tenha aceitado. Quem
assumiu nesse período foi o músico Zacharias Quaglio.

225
Um artigo de 19/07/1959 publicado pela “Lira” no Jornal “O Serrano”, traz de forma mais sucinta a
importância dessa banda e o seu vínculo com a tradição da musical serrana. ANEXO Nº 07
245

A ida para o Rio de Janeiro foi um fato marcante para muitos músicos; primeiro,
porque boa parte deles nunca havia feito uma viagem tão longa e para uma cidade grande.
Além disso, havia toda uma “aura” que envolvia a Rádio Nacional, ouvida por grande público
do interior do Estado de São Paulo.

Ah! A Banda “Renato Perondini”, apresentava em bastante lugares, nós fomos para
o Rio de Janeiro, na Rádio Nacional, em Santos e bastante cidade aqui pelo interior.
A Rádio Nacional, tinha um programa lá Lira do Xopotó! Que apresentava, parece
que em sexta feira à noite, não me lembro a hora, se era 20:00 horas mais ou menos.
Surgiu esse programa, você fazia uma inscrição para lá e depois ele ia sorteando e
chamando e a Banda fez a inscrição e foi sorteado, na época. E fomos para lá, só que
reforçou como o Titão Fioritti, foi o Romeu Fioritti, o Dedão foi conosco. Pegou o
sr. Zé de Monte Alegre, se não me engano. E reforçou um pouquinho e fomos fazer
a apresentação.
Eu nem me lembro muito bem o repertório. Que naquela época eu já estava no
trombone, mas precisei voltar para a harmonia, porque o Nilo ficou doente e não
pode ir, precisei voltar e fiz harmonia na Rádio Nacional.
Ah! Todos (ficaram) nervosos! Porque a gente nunca tinha enfrentado um negócio
daquele, mas foi tudo bem!
Foi bacana! A viagem para o Rio foi muito bonito! Para mim foi bom, porque eu na
época, eu nunca saía quase, eu tinha 17, quase 18 anos... fo i tudo novidade, fomos
conhecer o Maracanã, fomos conhecer o Cristo, o Corcovado e foi muito bacana.
(Geraldo Vicentini, 2014, Serra Negra/SP).

O mês de setembro de 1960 foi de intensos preparativos visando a viagem para


o Rio de Janeiro. O embarque ocorreu no dia 23, com saída às 4:00, e o regresso estava
previsto para o dia 26 do mesmo mês. As despesas com a locomoção foram custeadas pelo
Deputado Brambilla, como já mencionado, e a diretoria da “Renato Perondini” decidiu vender
os assentos do ônibus que não foram ocupados pelos músicos, como uma forma de arrecadar
mais verbas para a viagem. Em consideração à população que contribuiu para a confecção do
uniforme, a Renato realizou um concerto em frente ao Balneário Municipal no dia 11 de
setembro, ocasião em que estreou o novo fardamento. Antes do concerto ocorreu uma sessão
solene na qual se inauguraram os retratos do sr. Renato Perondini, patrono da Banda e do sr.
Luiz Possagnolo, 1º Presidente.
246

Foto nº 65. Foto tirada no interior da Concessionária Sonave, local em que a Renato Perondini
realizava seus ensaios. Ocorreu minutos antes da apresentação defronte ao Balneário Municipal. Serra
Negra 11/09/1960. Foto cedida pelo músico Geraldo Bulk. Acervo da pesquisadora.

Conforme o combinado, a comitiva saiu à hora marcada. Além dos passageiros do


ônibus, algumas pessoas se aventuraram e seguiram viagem de carro e foram ao encontro dos
músicos. A comitiva parou para almoçar na cidade de Aparecida e resolveu fazer uma
apresentação nas ruas da cidade, ato registrado em fotos. Segundo a lembrança do depoente
Geraldo Vicentini.

Nós paramos em Aparecida para Almoçar. Fomos almoçar, já estava quase na hora
do almoço e o pessoal resolveu: - Vamos tocar uma música aqui e paramos, reuniu a
banda ali na rua, tocamos umas duas ou três músicas. Ali os fotógrafos ali, na hora
ali para ganhar dinheiro, já tirava a foto, quando terminamos de tocar duas, três
226
músicas, já tinha a foto revelada da gente lá.

226
Fotógrafos que ganhavam a vida registrando a visita dos romeiros à Basílica na cidade de Aparecida/SP.
247

Foto nº 66. Corporação Musical “Renato Perondini”, apresentado na cidade de


Aparecida/SP., em 1960. Foto cedida pelo músico Geraldo Vicentini. Acervo da
pesquisadora.

A Banda chegou ao Rio de Janeiro ao anoitecer, em razão de atraso ocasionado


por uma avaria no ônibus. Os músicos ficaram hospedados em um Instituto para Surdos e
Mudos, patrocinado pelo Ministério da Cultura. No dia seguinte, aproveitaram para conhecer
as praias e os pontos turísticos. Antes do horário do programa, chegaram ao auditório da
Rádio Nacional para gravação e foram recebidos pelos dois apresentadores, Paulo Renato e
Jararaca.

Foto nº 67. Corporação Musical “Renato Perondini”, na Rádio Nacional, Rio de Janeiro,
em 1960. Foto cedida pelo músico Geraldo Bulk. Acervo da pesquisadora.
248

A Banda de Música acomodou-se no palco do auditório diante de uma enorme


plateia. Sabiamente, o maestro Fioravante Lugli soube preparar o repertório. Ele intercalou
na programação peças de compositores serranos, sendo um dobrado de autoria de João G.
Corato, em homenagem ao músico “Zé Caixinha” (importante
frisar que ambos os músicos estavam presentes) e três peças de
Nicolino Fatigatti, compositor tão caro ao Maestro Ângelo
Lamari.

Foto nº 68. Corporação Musical “Renato Perondini”, apresentação no


auditório da Rádio Naciona do Rio de Janeiro, em 1960. Foto cedida pelo
músico Geraldo Bulk. Acervo da pesquisadora.

Ilustração nº 33. Repertório apresentado na Rádio


Nacional do Rio de Janeiro

O Maestro Fioravante aproveitou o momento e enalteceu os músicos serranos e a


Corporação Musical “Lira de Serra Negra” narrando sua importância para a vida musical da
cidade. A cidade parou para ouvir o programa e o depoente Roberto Perondini lembrou que
sua família, não tendo o aparelho de rádio, saiu do sítio em que morava e foi para a casa de
um cunhado na cidade a fim de poder ouvi-lo. O Deputado Federal Romeu de Campos Vergal
e sua família estiveram presentes e acompanharam a audição no auditório da Rádio Nacional.
249

Foto nº 69. Corporação Musical “Renato Perondini”, apresentação no auditório da Rádio


Nacional do Rio de Janeiro, em 1960. Foto cedida pelo músico Geraldo Bulk. Acervo da
pesquisadora.

A imprensa local já estava dando cobertura ao acontecimento desde o recebimento


da carta convite, e após a apresentação dedicou inúmeras matérias ao fato. Vale ressaltar o
grande acolhimento que a entidade musical teve ao desembarcar em Serra Negra: sua chegada
foi anunciada pelo alto-falante localizado na praça central da cidade. Além da população local
que lhes aguardava, a “Lira de Serra Negra” marcou presença, recepcionando os músicos com
uma pequena apresentação, demonstrando, com isso, gratidão e consideração aos músicos da
“Renato Perondini”. A partir desse episódio as duas bandas passaram a ser descritas como
coirmãs. Foi uma atitude louvável do maestro Lugli, tanto na escolha do repertório como nos
comentários sobre os músicos serranos, evidenciando respeito ao Maestro Ângelo Lamari e
reforçando a importância da tradição musical serrana iniciada com os imigrantes italianos.
....na locução de Paulo Roberto foram destacados os nomes de Enzo (Perondini)
como fundador da Banda e elemento conhecido nos meios futebolisticos cariocas
em virtude de sua atuação em quadros profissionais, bem assim, do Tenente
Fioravante Lugli, pela sua capacidade de regencia e autoridade sobre seus dirigidos,
cuja disciplina demonstrada, foi fator preponderante do sucesso alcaçado pelos
musicos da “cidade da saúde”... (O Serrano, 16/10/1960)
250

Foto nº 70. Corporação Musical “Renato Perondini”. Desfile Civico em Serra Negra, década de
1960. Foto cedida pelo músico Geraldo Bulk. Acervo da pesquisadora.

Ainda em clima de comemoração pela apresentação na Rádio Nacional, o sr.


Plácido Ribeiro Ferreira, que era proprietário do Hotel Moulin Rouge, ofereceu um almoço
especial aos integrantes da Corporação Musical “Renato Perondini”.
Muitos dos músicos integrantes das duas bandas também estiveram envolvidos na
formação dos conjuntos musicais do período e nas apresentações que ocorriam no Clube XV
de Novembro.

3.3.1 - O Clube XV de Novembro e as performances dos conjuntos musicais.

Inaugurou-se o Clube XV227 por volta de 1938, em imóvel onde outrora


funcionaram o Cinema Central e o Club Operário. O referido clube surgiu em decorrência do
um time de futebol, o XV de Novembro Esporte Clube, assim como ocorrera com o Clube
Sete de Setembro. E eram constantes os eventos programados pelo XV, como os famosos
bailes temáticos: Baile do Café, Noite de São João, Baile de Aleluia, Baile da Primavera,
Baile Branco, sempre com presença musical da Jazz Band Melodia.

227
A partir do ano de 1946 o Clube passou a ser designado Clube Recreativo e Cultural XV de Novembro.
251

Ilustração nº 34. Jornal O Serrano, edição de, 26/11/1944

Assim como aconteceu com outros clubes recreativos serranos, alguns músicos
participavam das diretorias. Na eleição de 1946, os músicos Januário Blotta, Ataliba Ferreira
de Lima e Benedito Mattedi compuseram o quadro de diretores do Clube XV.
Clube XV de Novembro
Na assemblea do dia 30 do mez ultimo, foi eleita a nova diretoria do Clube XV de
Novembro, para o corrente ano, que ficou assim constituída: Presidente, Januario
Blotta; Vice-Presidente, Roberto Brambilla; Secretario Geral, José Ferreira Campos;
1º Secretario, Roberto Saragiotto; 2º Secretario, Italo Boccato; Tezoureiro, Armando
Stenghel; Procuração, Alvaro Assis.
Comissão de sindicância, Ataliba Ferreira de Lima, Geraldo Lopes e Ernesto
Amadeu. Conselho Fiscal, Benedito Mattedi, Mario Baldassini e Felix
Stenghel[...].(O Serrano, 13/01/1946).

A administração do Clube contava com as mensalidades dos associados e a


arrecadação realizada pelas festas bailes, em virtude da frequência dos visitantes e, nessas
ocasiões, as atrações musicais eram sempre muito aguardadas. Os depoentes Claudio Corsetti
e Nelson de Barros lembraram que os Garotos do Ritmo se apresentaram no Clube, inclusive
na festa de aniversário do Dr. Jovino Silveira. O conjunto também promovia seus ensaios no
local, diante da cessão do espaço pela Diretoria da Sociedade Recreativa.

No Clube XV tinha um salão... salão de dança e no fundo tinha um bar, que era do
Donato Albertini, sogro do Alcebíades. Lá que ele conheceu a Lourdinha e depois
casou-se com ela. Embaixo tinha pista de jogos de bocha, mas ao lado era onde nós
ensaiávamos a noite. Debaixo... no subsolo. (Claudio Corsetti, 2013, Serra
Negra/SP).
252

Depois que a Jazz Band Melodia foi desfeita outros grupos passaram a se
responsabilizar pelas atrações musicais do “XV’, tanto que, no carnaval de 1951, o músico
João Galo Corato reuniu um grupeto para os festejos ao Rei Momo.

Ilustração nº 35. Jornal O Serrano, edição de 21/01/1951

No ano de 1954 foi a vez do músico José Caetano dos Santos, o Zé Caixinha, que
havia sido componente da Jazz Band Melodia, como percussionista, desde a sua fundação em
1929, reunir os músicos para o carnaval. Para seu conjunto ele convidou o trompetista João
Corato, com a responsabilidade de ser o “puxa fieira” 228 do conjunto.
Segundo as lembranças do depoente Alcebíades Felix, ainda na década de 1950 o
clube mantinha o Grupo Dramático XV de Novembro com peças teatrais entre dramas e
comédias. Como o palco do “XV” era pequeno, as encenações ocorriam no palco do Cine
República e no palco do Educandário Nossa Senhora Aparecida229.
Aí nós começamos a formar o teatro no Clube XV e começamos levar as peças no
Cine Republica. Só que depois o Cine Republica botou a tela panorâmica. Acabou
com o nosso palco, ai nós passamos para o Educandário. Aí foi reformar a Igreja, o
Padre Lavelo passou (as atividades litúrgicas da Igreja) para o Educandário. Aí
acabou o teatro nosso! Entendeu? Mas, nós chegamos a apresentar peças muitos
boas. Muito boas! (Alcebíades Felix, 2014, Serra Negra/SP.)

O Clube XV também foi local dos programas de auditório da Rádio Serra


Negra, cujo proprietário, o depoente Felix, iniciou o programa que era levado ao ar todo
domingo. Para as atrações musicais convidavam as já conhecidas Demon Clayr Batista,
Lourdes Godoi e, entre os cantores, Antonio Vicalvi.

228
Músico responsável pela mudança da peça a ser tocada dentro do repertório escolhido. Comum nos bailes de
carnaval.
229
O termo “puxa fieira” era atribuído ao músico que durante as apresentações iniciava uma nova música,
constante do repertório e o restante do conjunto o seguia.
253

Daí eu dei baixa no alto-falante e passei para Rádio e a Rádio fazia programa de
auditório no Clube XV...eu copiava de São Paulo, (da) Difusora Tupi de São Paulo,
a Rádio Piratininga. Eu ia assistir os programas de auditório e fazia aqui. Agora eu
fazia aqui, com Clayr Batista, com aquela outra moça, esqueci o nome dela, com a
outra cantora... a Lurdinha Godoi e toda... tinha quatro cantoras, quatro, cinco
cantores. Adaude de Almeida, Antonio Vicalvi. - Quer ver quem mais cantava? Um
rapaz que chamava Luiz Barbosa, mas não o filho do Barbosa. Fazia o programa de
auditório no Clube XV, mas a frequência era tão grande, que eu tive que mudar para
o cinema.
Então o que acontecia, a gente fazia o programa de auditório. Do Clube XV
transferiu para o cinema. Sabe quantas pessoas eu cheguei a levar lá no cinema?
Mais de mil, num programa de auditório. É, porque o cinema tinha mil lugares de
baixo em cima, eles sentavam tudo no corredor, então era mais de mil.
(Repertório) Aqueles sucessos daquele tempo... “quando o porteiro chegou e meu
nome gritou com uma carta na mão...” O Vicalve cantava umas músicas de serestas.
O Adaude cantava bolero, esses boleros mexicanos e o Corisco. O Corisco se vestia
de “Mister Robson”, ele chamava, o nome dele, tinha o nome em inglês, brasileiro,
nome inglês e cantava, cantava em caipira, Ah! Você morria de dar risada.
(Alcebíades Felix, 2014, Serra Negra/SP.)

Foto nº 71. Progama de Auditorio, comandado pelo radialista serrano Alcebíades


Felix, década de 1950. Foto cedida pelo depoente Alcebíades Felix. Acerdo da
pesquisadora

O aumento da frequência aos programas de auditório obrigou o responsável a


arrumar outro local para as gravações. A opção foi utilizar o palco e o auditório do Cine
República, como ocorria com a apresentação do Grupo de Teatro. Segundo Felix, cobrava-se
uma entrada no valor da matinê dominical. O programa se iniciava às 13 horas. Até às 14
horas direcionava-se às crianças e, em seguida, por volta das 17 horas, aconteciam os shows
de variedades.
254

Tinha um regional. O regional: o Baratinha (Mattedi) no trambone, o Saul e o


Gilberto, violões comum. Toninho Tomareli no tenor, Nelson de Barros, no
pandeiro, o Nerinho no ritmo, era um regional. Então ensaiava durante a semana
para apresentar no domingo.
Eles iam. Ensaiavam tudo e eles faziam os ensaios juntos com as meninas e com os
rapazes, tudo para eles, quando chegavam na hora de apresentarem. Agora com
vocês o cantor Adaude de Almeida, a voz não sei o que... aquelas coisas. O Regional
já entrava cantando. Como você vê na televisão, a mesma coisa, por isso que ia mais
de mil pessoas no cinema. Ah! E tinha um detalhe, pagava ingresso. Porque aquele
tempo tinha seriado nos cinemas. O sujeito pagava o ingresso R$ 2,00, para entrar,
porque às 17 horas terminava o programa e eles assistiam o cinema. O ingresso era
para o cinema. Eu não ganhava nada, o cinema quem recebia. (Alcebíades Felix,
2014, Serra Negra/SP.)

Foto nº 72. Regional do Progama de Auditorio, comandado pelo radialista serrano


Alcebíades Felix, década de 1950. Foto cedida pelo depoente Alcebíades Felix. Acerdo da
pesquisadora

A depoente Demon Clayr também lembrou os bailes do Clube XV e do programa


de auditório, quando ela e suas amigas se apresentavam como calouras. Em suas recordações
afirmou que as produções eram mais simples que aquelas que ocorriam no Cassino, mas havia
sempre expectativa da vencedora, pois era o público quem escolhia a melhor performance e os
cantores eram acompanhados pelo Regional do Programa.

E tinha também o programa de Calouro. Aqui no Clube XV, em frente ao


mercado...Ali era o Clube XV, eram os bailes que tinham ali, tinha o baile branco, o
baile azul. Sabe? Uma beleza! Era muito organizado. Sempre quem organizava essas
coisas aqui era o Alcebíades Felix. Ele gostava de fazer essas coisas, muito bem
feitas, por sinal! E então ali, tinha a Leblon, (a) Perfumaria Leblon. Então começou
a fazer programa de calouros. E quem ganhasse... quem cantava melhor, ganhava um
255

sabonete Leblon, uma loção, perfume, tudo da Leblon. E ali eu ia cantar. Eu, a
Odete Turaza, a Lourdes...
E uma época até tinha um rapaz aqui, que em todo o lugar que a gente ia ele estava
junto para ouvir cantar... gostava de ouvir a meninada cantar no cine, onde é o
Bradesco hoje. Era o Cine Republica ali. Então o show era feito lá também! Nós
cantávamos lá, era como um teatro mesmo. Ali ficavam as nossas fotos grande nos
cartazes, anunciando o show que ia ter dia tal. Então tinha as fotos: da Lourdes,
tinha a minha, da Odete, de todos. (Demon Clayr, 2014, Serra Negra/SP.)

O Programa de Auditório encerrou-se em 1955. Os proprietários do Cine


República reformaram o local e instalaram uma tela panorâmica, comprometendo, com isso, o
espaço destinado ao palco. Não havia mais local adequado para a realização do Programa,
iniciado em 1952.
Em 1956 anunciou-se a organização de uma nova “Jazz Band”, que contava, entre
seus integrantes, com músicos que participavam também da Corporação Musical “Lira de
Serra Negra”.

Em organização o novo Jazz “Blue Star”


Está sendo organizado nesta cidade, com a denominação de “Blue Star”, um novo
conjunto orquestral, sob a direção do sr. Ataliba Ferreira de Lima, e que muito em
breve se fará conhecido através de apresentações em público.
Tal iniciativa, que já encontrou grande número de simpatizantes, muito vai concorrer
para o pleno êxito das elegantes festas dançantes que aqui continuadamente são
promovidas.
Constituído só de elementos amadoristas desta cidade, dele fazem parte 16 músicos
e 1 cantor, sendo 4 saxs, 3 trombones, 3 pistões, 4 ritmos, 1 harmonica e 1 violão
elétrico. Grande é a expectativa, não só entre os nossos meios artísticos, como entre
os apreciadores da boa música. (O Serrano, 16/09/1956)

Foto nº 73. Conjunto Jazz “Blue Star”, década de 1950, Foto cedida por Odilon
Souca Lemos. Acervo da pesquisadora
256

Em outubro de 1956, a “Blue Star” se apresentou pela primeira vez em um evento


filantrópico organizado pelo Rotary Clube de Serra Negra, em benefício da construção do
Parque Infantil. Ela iniciou suas apresentações também no Clube XV de Novembro e realizou
shows nas cidades vizinhas, como Amparo. Entre seus componentes estava o depoente
Armando Menegatti.

Fizemos o baile ali no Clube XV... fazia aqueles bolerinhos, aquelas musiquinhas.
Era o Romeu Fiorotti, o Titão, eu, tinha o que ficava mais a frente, o Buzzo, depois
os caras ai, o Valdemar era cantor. Você não chegou a conhecer, esse mocinho aqui
morreu. Ele estava junto com o Caçulinha em São Paulo. O pai dele levou ele lá para
aprender, bom sanfoneiro. (Armando Menegatti, 2014, Serra Negra/SP)

Ilustração nº 36. Jornal O Serrano, edição de 23/12/1956

O músico Armando Menegatti também lembrou dos bailes que eram realizados na
área rural. Na maioria das vezes, o grupeto era formado por três instrumentistas230. O
repertório era composto por valsas, polcas, maxixes, mazurcas, tangos, rancheiras, sambas,
rag time, choro e até dobrados.

230
Outros músicos também se reuniam para as apresentações nas festas realizadas na zona rural, como o
comandado pelo músico Oger Invernizzi. O repertório era selecionado compondo-se de valsas, maxixes, polcas e
sambas, incluindo peças de autoria de serranos. As transcrições das músicas eram feitas em pequenos cadernos
pautados destinados a cada um dos instrumentos. Os irmãos Alceario e Arcenio Perondini foram integrantes
desses grupetos e mantiveram uma dessas cadernetas que foi herdada pelo depoente Renor Perondini.
257

Ilustração nº 37. Caderno de repertório pertencente a Alceário Perondini. Fonte:


Acervo de Renor Perondini

Depois de selecionar o repertório e realizar os respectivos arranjos musicais, o


músico transcrevia as peças em pequenos cadernos pautados, com índice da sequência das
músicas. Cada instrumento tinha a sua respectiva caderneta. Foi possível encontrar duas
cadernetas, uma pertencente ao sr. Alceário Perondini e outra do sr. Olger Invernizzi, todas
elaboradas para o instrumento clarinete. As bandas de música, também utilizavam esse
sistema de transcrição em cadernetas.

Ilustrações nºs 38 e 39. Caderno de repertório pertencente a Olger Invenizai.


Cedido pelo depoente Vandair Muniz. Acervo da pesquisadora.
258

Foto nº 74. Baile realizado na zona rural, foto cedida pelo músico Armando
Menegatti. Década de 1950. Serra Negra/SP. Acervo da pesquisadora.

Um conjunto... a gente cantava assim, para fazer esse serviço, fazer esses bailinhos,
o forte mesmo que eu toquei bastante, com sanfona, clarinete e pandeiro, assim...
saía fazer baile de casamento, fazia eu, o (Nelson) Buzzo, o Irineu Schiavo. O
Schiavo, ele tinha um som bonito, mas ele como pessoa ele falhava, ele bebia muito,
então ele ia num baile de casamento e bebia, começava, parava, tirava a boquilha do
clarinete, do saxofone, soprava, só por brincadeira. (Armando Menegatti, 2014,
Serra Negra/SP).

Os preparativos para os festejos do carnaval de 1958 se iniciaram com meses de


antecedência. Os dirigentes do Clube XV resolveram alugar um salão maior, com o intuito de
transferir para o local o tradicional baile. Os hotéis conseguiram esgotar suas reservas e, como
forma de contribuir, financiaram a decoração da cidade, visando agradar os visitantes. A Blue
Star se encarregou dos quatro bailes e das matinês.
259

Ilustração nº 40. Jornal O Serrano, edição de 09/02/1958

Foto nº 75. Jazz Blue Star, carnaval em Serra Negra, 1958. Foto cedida por Odilon Souza
Lemos. Acervo da pesquisadora.

Meses após o carnaval outra orquestra de baile começou a se configurar, mas não
se encontraram elementos que permitissem afirmar que a Blue Star estivesse encerrando suas
atividades ou que as duas fossem contemporâneas. Fato é que em maio de 1958 veicularam-se
notícias na imprensa local sobre a orquestra que se iniciava na cidade.
260

SERRA NEGRA TERÁ UMA NOVA ORQUESTRA


Dentro em breve, será apresentado ao público serrano, uma nova orquestra de
danças, formada de músicos locais, que estão ensaiando ativamente para a primeira
apresentação em data a ser oportunamente anunciada.
O nome da orquestra ainda não foi escolhido, aguardando os diretores, naturalmente,
a melhor sugestão.
O conjunto musical serrano, surge de uma união indistinta dos valores locais, que
agora parecem dispostos a mostrar que Serra Negra poderá, também, figurar entre as
cidades do interior que possuem sua própria Orquestra, apta a oferecer as melhores
reuniões dançantes.
O maestro do promissor conjunto, é o competente João Corato, cujas qualidades
todos conhecemos, e ainda lembramos da vitoriosa apresentação nessa cidade da
Orquestra Sinfônica de Amparo, sob sua direção, na festa do Rotary, realizada no
Grande Hotel Pavani.
A todos os componentes da nova orquestra de Serra Negra, nossos votos de
felicidades e de grande sucesso na sua primeira apresentação. (O Serrano,
25/05/1958)

Segundo Felix (2012) a nova orquestra foi criada para suprir a necessidade do
Clube XV, pois seus associados queriam novidades.
O músico Corato reuniu instrumentistas de outros conjuntos, inclusive da Blue
231
Star, e lançou a Orquestra de Dança Yara de Serra Negra , cuja primeira apresentação
ocorreu em 26 de junho de 1958, no salão do XV, e o seu sucesso foi imediato. A Yara foi
convidada para um show, juntamente com outras atrações, no evento de inauguração do
Balneário Municipal, ocorrido em setembro daquele ano. Encontrou-se a última notícia sobre
a “Yara” em dezembro de 1958, em sua apresentação no Réveillon do Clube XV de
Novembro. E, no dizer do músico João Corato, o conjunto se desfez por desavenças
internas232.

231
Orquestra Yara 1958. ANEXO Nº 08
232
Na edição do Jornal “O Serrano”, datada de 12/09/1965, trouxe a notícia de que a Orquestra de Danças
“Yara” estava se reorganizando, com a finalidade de se preparar para o carnaval de 1966. Dizia o anúncio que a
direção estava a cargo dos músicos José Caetano dos Santos, Ataliba Ferreira de Lima, João Corato e Nelson
Buzzo.
261

Ilustração nº 41. Jornal O Serrano, edição de 28/09/1958

Foto nº 76. Orquestra Yara. Apresentação no Clube XV de novembro, década de 1950. Foto
cedida por Odilon Souza Lemos. Acervo da pesquisadora.

O carnaval era o maior evento entre os atrativos do Clube XV de Novembro para


os visitantes da cidade de Serra Negra, tanto que, em 1951, a Diretoria do Clube solicitou
auxílio financeiro junto ao Poder Público para realizar os festejos do carnaval; argumentou-se
que, quanto mais visitantes, maior seria o benefício para a economia local.

Considerando que o já famoso carnaval de Serra Negra contribui sobremaneira como


atrativo a veranistas, e que o Clube XV vem de anos patrocinando em todos os
setores esses populares festejos em nossa Estância, auxiliando na medida do possível
262

todo e qualquer movimento em prol de seu brilhantismo, como seja a assistência aos
“ranchos” carnavalescos, aos “blocos”, ao carnaval de rua e seu pomposo corso com
músicos por nós contratados para esse fim... isso tudo, em grandes e reais benefícios
à economia de nosso povo pelo grande movimento que advém às nossas casas
233
comerciais e industriais. (Processo 57/51. Câmara Municipal de Serra Negra) .

A relação do Clube XV com o Poder Público contribuiu para a solicitação da


doação de um local para sediar a associação, visto ser o único clube legalizado em Serra
Negra. Para tanto, apresentou-se um Projeto de Lei, em 7 de agosto de 1954, sendo aprovado
em setembro do mesmo ano, que autorizava o Poder Executivo a doar ao Clube Recreativo e
Cultural XV de Novembro um terreno situado na avenida Deputado Romeu de Campos
Vergal, local próximo ao Balneário Municipal. Em contrapartida, a Diretoria do Clube teria
dois anos para construir a sua sede, sob pena de tornar sem efeito a referida doação. O prazo
não foi cumprido e, em 1956, prorrogou-se por mais dois anos. Mesmo com prazo estendido,
a construção não se efetivou, a doação se tornou inválida e o imóvel voltou a fazer parte do
patrimônio público.
Nesse ínterim, a Diretoria do Clube XV entrou em contato com os membros da
antiga Sociedade de Mútua Assistência entre os Italianos de Serra Negra e propuseram que as
duas entidades se reunissem formando um único clube, o que foi aceito. Assim, na
Assembleia Geral Extraordinária, de 14 de maio de 1958, alteraram-se os estatutos da
Sociedade Italiana, que passou a denominar-se Serra Negra Estância Clube.
Com a fusão, o antigo Clube XV tornou-se também proprietário do imóvel234 que
pertencia exclusivamente à antiga Sociedade Italiana. A referida propriedade fora adquirida
em 1909 por membros da colônia italiana, servindo como sede de sua Sociedade; uma de suas
salas foi sede do Corpo Musicale “Umberto I” e, a partir de 1945, abrigou a Corporação
Musical “Lira de Serra Negra”.

233
A solicitação foi atendida e houve a liberação de verba do erário público.
234
O imóvel localizava-se na Praça Barão do Rio Branco, 53, próximo ao Fórum de Serra Negra. Em 1961 foi
vendido para a Ordem das Irmãs Franciscanas Missionárias do Coração Imaculado de Maria, conforme Livro de
Transcrição das Transmissões nº 3-V, nº 10.648 do Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Serra
Negra/SP.
263

Ilustração nº 42. Jornal O Serrano, edição de 09/08/1958

Mesmo com uma sede, a Diretoria do “novo” Estância Clube solicitou outro
imóvel ao Poder Público e a doação ocorreu em 1959. O espaço localizava-se na Praça João
Pessoa, pátio da antiga Estação da Mogiana. Os termos desta doação seguiram os mesmos
critérios da primeira ao Clube XV, tendo o clube o prazo de dois anos para concretizar a obra.
Em 1961, a fim de angariar fundos para a construção da nova sede do Estância
Clube, a Diretoria decidiu vender o imóvel que abrigou a Sociedade Italiana, com a promessa
de que, no novo edifício, haveria um salão destinado exclusivamente a Corporação Musical
“Lira de Serra Negra”.
264

Infelizmente, o Estância Clube não cumpriu o prometido: o Clube ficou sem sua
sede própria e a “Lira de Serra Negra” sem espaço para promover seus ensaios e guardar seus
instrumentos e partituras 235.

3.4 - DÉCADAS DE 1960 E 1970

Nos anos de 1960 e até 1971 a cidade de Serra Negra foi administrada por
dirigentes eleitos pelo voto direto. Posteriormente, prefeitos nomeados pelo Governo do
Estado estiveram à frente do Poder Executivo local, até 1979. Os dados levantados desse
período permitem afirmar que novamente a preocupação estava voltada para o
desenvolvimento econômico da Estância através da exploração do turismo. Muitos serranos
consideraram a década de 1970 como de grande pujança, tendo em vista as verbas recebidas
dos órgãos estaduais, sobretudo as provenientes do Fundo de Melhoria das Estâncias –
FUMEST.

3.4.1 – A cidade evolui através de investimentos civis e do FUMEST

No início da década de 1960, lançou-se um empreendimento significativo para a


cidade de Serra Negra: a construção do primeiro prédio de apartamentos com nove andares, a
princípio denominado Edifício Serra Negra. Prevaleceu, porém, o nome de Edifício Cisne, o
mesmo da incorporadora. A construção foi um marco, pois passou a representar um sinal de
progresso para Serra Negra236. O local escolhido foi a área central da cidade, a esquina da Rua
José Bonifácio com a Rua Sete de Setembro. Para tanto, fez-se necessária a demolição de
alguns imóveis, dentre eles a pensão da família Canhassi, a Confeitaria Danúbio e o local que
abrigou a primeira sede da Fábrica de Chapéus Panamá Linho.

235
O local para sediar a Banda “Lira de Serra Negra” foi definido somente em 1964. Como até o ano de 1970 o
Estância Clube somente havia realizado o estaqueamento do terreno, a Prefeitura Municipal foi obrigada a
requerer a anulação da doação e o imóvel situado na Praça João Pessoa voltou a ser patrimônio público.
236
O empreendimento tinha como um dos sócios o Sr. Luiz Macedo Bulk, também proprietário do Hotel Vale do
Sol. Juntamente com seu irmão Geraldo Macedo Bulk, investiu durante anos no ramo de hotelaria, tanto em
Serra Negra como em Águas de Lindóia. Luiz Bulk foi prefeito de Serra Negra no período de 1963 a 1967.
265

Foto nº 77. Foto aérea de Serra |Negra, década de 1960. Construção do edifíco Cisne, ao centro.
Foto cedida por Nestor Leme. Acervo da pesquisadora.

O Parque das Palmeiras foi, também, um dos tantos empreendimentos que


surgiram. Inicialmente a intenção era criar um “Country Club” e a Empresa Serra Negra
Melhoramentos, formada pelos sócios Antonio Roberto Siqueira, Jorge Sidney Coli e José
Salvador Padula, contratou o escritório de planejamento de arquitetura do Dr. Zenon Lotufo e
de Ubirajara Ribeiro237 para elaborar do projeto. A área escolhida era uma antiga fazenda de
propriedade do depoente Antonio Roberto Siqueira, que detalhou a motivação para essa
empreitada. Em uma das visitas de um de seus primos, que era redator do jornal O Estado de
São Paulo, discutiram sobre o fluxo de turistas para Serra Negra e seu primo, que realizava
inúmeras viagens internacionais, comparou Serra Negra a uma estância chinesa que se
localizava próxima a grandes centros e se tornara um local para o lazer em família. Como
eram semelhantes as características de ambas, havia a possibilidade de transformar Serra
Negra em polo turístico para viagens curtas, especialmente em razão da proximidade de São
Paulo e Campinas; provavelmente integrantes da classe média viriam a frequentá-la.

237
Este Escritório foi responsável também pela elaboração do plano diretor da cidade de Campos do Jordão.
Jornal “O Serrano”, edição de 11 de dezembro de 1960.
266

Após comprar a Fazenda Santa Maria das Palmeiras (antiga Fazenda Marson), que
contava com 70 mil pés de café, o Sr. Siqueira decidiu erradicar a plantação e lançou o
empreendimento Parque das Palmeiras. O projeto do “Country Club” não foi efetivado, mas o
proprietário, dando materialidade às discussões sobre o potencial turístico de Serra Negra,
decidiu transformar a fazenda em um loteamento, dividindo-a em 400 lotes que contavam
com toda a infraestrutura. Venderam-se os imóveis às famílias que frequentavam a estância e
também a alguns serranos. Esse investimento, em seu início, segundo o depoente Siqueira,
teve como sócio Jânio Quadros, que se obrigou a se retirar da sociedade após o golpe militar
de 1964, pois ignorava o rumo que o país tomaria, tanto quanto a sua situação política.
A administração da cidade na década de 1960 foi considerada pelos depoentes
Antonio Roberto Siqueira e Antonio Luigi Ítalo Franchi como inexpressiva em vários
aspectos. Todavia, a partir de 1963, as eleições tornaram-se diretas e o povo pôde eleger o seu
prefeito.
Sempre na perspectiva de alavancar o turismo, os dirigentes políticos
direcionavam a administração através de projetos que proporcionassem a vinda de mais
visitantes à Cidade da Saúde.
Em 1964, desapropriou-se um terreno no entorno da cidade onde se construiu o
Parque Zoológico e a iniciativa da administração pública contou com o apoio de dirigentes
políticos como Jovino Silveira e da população serrana238.

238
O Parque Zoológico funcionou por poucos anos, pois a sua manutenção tornou-se inviável para o Município
devido ao alto custo de alimentação dos animais, tendo outro agravante: o espaço era próximo a algumas
nascentes e havia o risco de contaminação das minas d’água. Em 1973 o Parque foi desativado. O imóvel foi
incorporado ao projeto que deu origem à construção do Centro de Convenções “Circuito das Águas”, financiado
pelo Governo Estadual, através do FUMEST.
267

Ilustração nº 43. Jornal O Serrano, edição de 5 de janeiro de 1964 .

No mesmo período, editaram-se leis com incentivos fiscais, contendo isenção de


impostos por cinco anos, para a construção de novos hotéis, tanto na zona urbana como na
zona rural.
Na esteira da nova fase de investimentos, realizaram-se algumas melhorias, com
parcerias entre o poder público e o setor privado, destacando-se a cobertura de um trecho do
Ribeirão de Serra Negra. Após a família Gaioli adquirir o Radio Hotel, ampliou-se a área do
estabelecimento, com a aquisição, inclusive, de parte do imóvel em que se localizava a Fonte
São João239. Como parte do Ribeirão tinha seu trajeto nos fundos do hotel, acertou-se que os

239
A nova administração do Rádio Hotel canalizou as águas da Fonte São João e Santo Antonio, tendo
exclusividade em sua exploração, não permitindo a frequência da população local.
268

proprietários canalizariam o rio e utilizariam-no privativamente, expandido assim o espaço do


hotel240.
Também em 1964, criou-se o Parque Turístico da Estância de Serra Negra e, para
tanto, o Município voltou a receber verbas específicas da Secretaria de Viação e Obras
Públicas do Estado de São Paulo. O projeto consistia na construção de um local de recreação
esportiva e social para os munícipes e a possibilidade de ter uma piscina pública agradou os
serranos.
A área escolhida foi justamente o espaço do antigo pátio da Companhia Mogiana
de Estrada de Ferro, imóvel adquirido pelo Município em 1957, pela iniciativa de Irineu
Saragiotto. O terreno localizava-se em uma área central e era motivo de disputa entre
particulares que viam no local oportunidade de investimento. Segundo o depoente Siqueira, a
movimentação de Irineu Saragiotto foi providencial para a aquisição da área pelo Município.
...essa praça aqui, a praça grande Sesquicentenário, o velho Gaioli, Amâncio Gaioli
estava comprando, isso se deve ao Irineu Saragiotto... era da Mogiana e o Amâncio
Gaioli, pai do Ariel, estava negociando aí o Irineu correu... (Siqueira, 2015, Serra
Negra/SP).

Em 1967 concluiu-se a piscina pública, inaugurada com a presença do público241.

Foto nº 78. Parque Turístico da Estância de Serra Negra. Piscina pública. Década de 1960. Foto
cedida por Nestor Leme. Acervo da pesquisadora.

240
Lei nº 473 de 15 de dezembro de 1964.
241
No entanto, a utilização do logradouro durou somente alguns anos, pois o espaço foi reavaliado e, através de
investimentos do Fundo de Melhorias das Estâncias do Estado – FUMEST, passou a fazer parte de outro projeto
que incluía a feitura de uma grande praça e a canalização do Ribeirão. Para tanto, muitos imóveis foram
desapropriados e doados para o Estado. Depois a propriedade retornou para o Município. Este arcou com as
indenizações das referidas desapropriações; a construção ficou por conta do FUMEST.
269

A Seleção Brasileira de Futebol esteve por duas vezes em Serra Negra. A primeira
concentração da Seleção ocorreu em 1962, entre os meses de abril e maio. Os atletas se
hospedaram no Grande Hotel Pavani242 e, para os treinos, utilizaram o recém inaugurado
Estádio Municipal. A comitiva de imprensa de rádio e televisão especializada em esportes,
que contava com mais de 50 profissionais da área, se hospedou no Radio Hotel.

Ilustração nº 45. Jornal O Serrano, 22 de maio


de 1966
Ilustração nº 44. Jornal O Serrano, 29 de
abril de 1962

Os jogadores e a comissão técnica receberam inúmeras homenagens dos serranos,


entre elas muitas lembranças oferecidas pelos comerciantes locais 243. As Bandas de Música
serranas também estiveram presentes nos eventos envolvendo a Seleção Brasileira.
Em maio de 1966, a Seleção bicampeã retornou a Serra Negra, hospedando-se
novamente no Grande Hotel Pavani, tendo como destaque a presença dos jogadores Pelé e
Garrincha. O depoente Antonio Siqueira fez parte da comitiva municipal que ciceroneou a
seleção durante a estada na cidade. Mais tarde, convidaram-no para integrar a Confederação
Brasileira de Esportes.
A seleção ia para São Paulo de ônibus e eu ia junto com os jogadores. Todo mundo
de ônibus para o Pacaembu, Morumbi, porque fiquei à disposição deles. E aí eu fui
convidado para ser delegado da Confederação Brasileira de Esporte, eu tinha o meu

242
Antigo Grande Hotel do Cassino.
243
A Loja São Benedito, propriedade do depoente Nelson de Barros e seu irmão, ofereceu álbuns de fabricação
serrana, contendo fotos dos pontos turísticos de Serra Negra. Jornal “O Serrano”, edição de 13/05/1962.
270

documento tudo. Fiquei 20 anos. É! Delegado da Confederação de Esporte... mas


não ganhava nada! (Siqueira, 2015, Serra Negra)

Foto nº 79. Seleção Brasileira em Serra Negra, 1966. Fonte: Foto Fagundes. Acervo da
pesquisadora.

Em 1967, após as eleições municipais, ocupou o cargo de prefeito Enzo Perondini.


Proveniente de uma família de imigrantes italianos numerosa, teve como primeiro ofício o de
alfaiate, seguindo a tradição familiar. Mais tarde, tornou-se jogador profissional pelo time
Portuguesa Santista, nos anos de 1949 e 1950, e, pelo XV de Jaú, de 1951 a 1954. Também
excursionou como jogador de futebol por Portugal e Espanha em 1950. Além de jogador,
Enzo foi musicista e, como já mencionado, um dos fundadores da Corporação Musical
“Renato Perondini”, sendo um excelente saxofonista. Nas festas de amigos e familiares se
apresentava com o seu conjunto The Guys, tocando trompete e clarinete. Foi responsável
pelas apresentações da Corporação Musical “Renato Perondini” na Rádio Nacional do Rio de
Janeiro e na cidade de Santos. A sua atuação esportiva e musical colaboraram muito para a
sua vitória nas urnas.
271

Ilustração nº 46. Jornal O Serrano, edição de 22/05/1966

Infelizmente, Enzo Perondini ficou pouquíssimo tempo no cargo, pois cometeu


suicídio em janeiro de 1968. Sua morte teve grande repercussão na cidade, porém,
estranhamente, não existem registros na imprensa local, nem há menção do fato nos arquivos
do Poder Legislativo serrano. Os depoimentos colhidos tratam o assunto de maneira vaga.
Ninguém ousou falar abertamente sobre a morte trágica, como se a marca negativa na
trajetória pública desse prefeito serrano tivesse que ser esquecida.
Embora com uma curta permanência de 11 meses na Prefeitura Municipal, Enzo
Perondini promoveu vários melhoramentos na cidade, como a remodelagem da Fonte Santo
Agostinho, da Fonte Santa Luzia e dos Amores, a reforma do Mercado Municipal, a
conclusão e inauguração da estrada ligando Serra Negra a Monte Alegre, a criação do Museu
Municipal, a troca de toda a rede elétrica e a iluminação das principais ruas da cidade, o
alargamento da Avenida 23 de Setembro, que mais tarde seria a localização da maior praça
serrana. Na área da educação, doou ao Governo do Estado uma área de 10 mil m2 para a
construção de um Instituto de Educação244.

244
A repercussão de sua morte foi noticiada pelo Jornal Folha de São Paulo, edição de 11/01/1968. Os
argumentos do artigo exploraram que o motivo do suicídio foi de ordem política envolvendo nomes
representativos do cenário político local. Talvez isso justifique a necessidade do esquecimento. Em agosto de
1968 foi prestada uma homenagem ao Prefeito Enzo Perondini no Encontro dos Prefeitos das Estâncias
272

Ilustração nº 47. Jornal O Serrano edição 1967

A única referência encontrada na imprensa serrana foi a homenagem prestada pela


Corporação Musical “Lira de Serra Negra” em 1970, pois, como já citado, Enzo Perondini
vinha de uma família de músicos serranos e também era instrumentista.

LIRA PRESTA HOMENAGEM PÓSTUMA A ENZO


A briosa Corporação Musical “Lira de Serra Negra” visando a prestação de singela
homenagem póstuma a memória do saudoso Prefeito Enzo Perondini, realizará hoje,
a partir das 14.30 horas, uma retreta especial na Fonte Santo Agostinho, lugar que
lembra o inesquecível Enzo Perondini e a primeira importante obra do seu governo
municipal, bruscamente trucado a 6 de janeiro de 1968, em razão de sua morte.
Visa também a tradicional Corporação, com o oferecimento dessa retreta,
homenagear o valoroso companheiro Enzo, que por muitas vezes participou das
Bandas de Música desta cidade.
Homenagem das mais justas. (O Serrano, 02/08/1970)

Paulistas, evento esse realizado em Águas da Prata/SP, pois o mesmo havia fundado o Conselho Permanente dos
Prefeitos das Estâncias. Jornal “O Serrano”, edição de 15/09/1968.
273

Na vacância do representante do Poder Executivo, assumiu o vice-prefeito Braz


Eduardo de Castro Blotta, cuja missão era dar a continuidade às promessas feitas em
campanha. O Município voltou a passar por sérios problemas financeiros, tanto que as obras
básicas como a manutenção das estradas vicinais não se realizaram. O salário dos
funcionários também ficou atrasado por seis meses. Houve, então, a movimentação de um
grupo de pessoas que iniciaram o mapeamento dos problemas da cidade, os quais só
começaram a ser solucionados na gestão do novo prefeito Ângelo Zanini (1971-1973),
nomeado pelo Governo do Estado. Ângelo Zanini era serrano e havia sido vereador e
deputado estadual, além de trabalhar em várias secretarias estaduais; portanto, conhecia os
trâmites da administração pública. A partir de sua nomeação, novos investimentos chegaram a
Serra Negra, principalmente vindos do Fundo de Melhoria das Estâncias.
Criou-se o Fundo de Melhoria das Estâncias – FUMEST, através da Lei nº 10.167
de 14 de julho de 1968245. Era um órgão autônomo com administração própria, vinculado à
Secretaria de Cultura, Esporte e Turismo. Mais tarde, alterou-se a designação para Fomento
de Urbanização e Melhoria das Estâncias. Sua estrutura administrativa era composta por um
conselho administrativo, com cinco membros e um superintendente, com mandatos de dois
anos, prorrogáveis por mais dois. Contava, ainda, com um conselho técnico composto de nove
membros, incumbidos de opinar sobre a criação das Estâncias, propostas de orçamento, entre
outros assuntos246. Todos os ocupantes dos cargos eram nomeados pelo Governador do
Estado. A finalidade primordial do FUMEST era a de desenvolver programas de melhorias
das Estâncias do Estado de São Paulo. Para tanto, contou com a integração em sua
administração da Comissão Estadual de Crenologia247, visto que várias cidades foram
elevadas à condição de Estâncias devido às propriedades terapêuticas das águas radioativas
encontradas em seus solos. A autarquia Fomento de Urbanização e Melhoria das Estâncias –
FUMEST perdurou até 15 de junho de 1989, extinguindo-se através da Lei nº 6.470/89248.

245
O Regulamento do FUMEST foi aprovado através do Decreto nº 50.914 de 25/11/1968. www.al.sp.gov.br.
Acesso em 13/06/2015.
246
Ver mais Lei 10.167 de 04/07/1968, www.al.sp.gov.br. Acesso em 13/06/2015.
247
A Comissão Estadual de Crenologia tinha como finalidade colaborar no fiel cumprimento do Código de
Águas Minerais. Decreto Lei nº 7.841 de 08/08/1945. www.al.sp.gov.br. Acesso 04/06/2015.
248
Após a extinção da autarquia foi reativado o Fundo de Melhoria das Estâncias de acordo com a nova
Constituição do Estado de São Paulo de 05/10/1989 em seu artigo 46. Com a Lei nº 7862/92 foi instituído novo
regulamento. Recentemente ocorreu nova alteração através da Lei 16.283 de 15/07/2016, passando a ser
designado como Fundo de Melhoria dos Municípios Turísticos - FUMTUR, vinculado ao Departamento de
Apoio ao Desenvolvimento dos Municípios Turísticos – DADETUR, subordinado à Secretaria de Turismo.
www.al.sp.gov.br. Acesso 25/09/2016.
274

Após a criação do FUMEST, Serra Negra iniciou as tratativas para celebração de


convênios para o desenvolvimento de projetos, visando receber apoio financeiro desse órgão
estatal. De certa forma, substituiu a relação existente com a Secretaria de Viação e Obras
Públicas, frisando que as Estâncias sempre tiveram tratamento diferenciado daquele recebido
pelos outros municípios. Esse tratamento não representava necessariamente mais recursos
financeiros.
A administração de Angelo Zanini pautou-se pela eficiência. A partir de sua
nomeação passou a reorganizar vários setores do município, alterou o perímetro urbano,
ampliou sua área, regularizou loteamentos e propriedades e, consequentemente, permitiu-se a
cobrança de impostos. Firmou convênios com o FUMEST tratando diretamente com o
superintendente249. Dentre os celebrados, alguns se direcionaram à pavimentação de avenidas,
iluminação pública, auxílio para reforma de logradouros, como a praça central, drenagem e
canalização de rios e término de obras iniciadas ainda nos anos de 1960.
O apoio do FUMEST foi de grande valia, principalmente na execução de obras
vultosas, três dentre as quais modificaram a paisagem urbana de Serra Negra. A primeira se
deu em 1971, quando iniciaram as tratativas para o prosseguimento das obras do Parque
Turístico da Estância, que passou a ser designado Centro Recreativo da Estância de Serra
Negra, pois até aquele momento só a piscina havia sido construída. A ampliação do projeto
consistia na cobertura do Ribeirão de Serra Negra250 e a construção de uma praça com área de
65.000m2.
Destarte, o Prefeito Zanini contatou pessoalmente a superintendência do
FUMEST e, dentro das negociações, acordou-se que a área a ser trabalhada teria que ser
doada ao FUMEST a fim de se iniciar a execução do projeto, podendo, com isso, entrar na
programação de prioridades da autarquia251. Além das áreas pertencentes ao Município, houve
necessidade de desapropriação de 27 lotes, que passaram à utilidade pública; os imóveis
faziam divisa com o Ribeirão e localizavam-se nas Avenidas Juca Preto e 23 de Setembro252.

249
No período o Superintende nomeado era o economista Fabio Gamba e o Secretario do Turismo, Pedro de
Magalhães Padilha.
250
Para a dragagem e canalização do Ribeirão de Serra Negra, o Prefeito Angelo Zanini, através da Lei 694 de
14/06/1972, dividiu as despesas entre a Prefeitura Municipal e o FUMEST.
251
A doação foi regularizada através do Projeto de Lei 117/71 gerando a Lei 651 de 26/08/1971. Acervo da
Câmara Municipal de Serra Negra.
252
A Lei 951 de 15/09/1979 autorizou a doação desses imóveis ao FUMEST, com a finalidade de implantação e
ampliação do Centro Recreativo da Estância de Serra Negra, complementando as áreas já doadas.
275

Nesse mesmo período, um grupo criou a empresa Serra Negra Empreendimentos


Turísticos S/A. A sociedade encarregou-se da construção do que se considerou na época o
maior miniférico do País. O espaço de 1.000m2 para o empreendimento era reservado para a
construção de embarque e desembarque de usuários e a instalação dos maquinários. O local
avizinhava-se à piscina pública253. O passeio partia da Praça João Pessoa e atingia o
monumento do Cristo Redentor, localizado no pico do Fonseca. A inauguração ocorreu em
fevereiro de 1973 e contou com uma reportagem especial no caderno de turismo da Folha de
São Paulo, edição de 16 de março de 1973. Além de noticiar a inauguração do miniférico, o
artigo mencionava que Serra Negra era a Estância do Circuito das Águas que contava com o
maior número de pontos turísticos interessantes, anunciava os novos projetos do FUMEST
para logradouros turísticos e elencava locais para hospedagem dos visitantes.

Partindo do Parque Recreativo de Serra Negra, numa extensão de 700 metros, o


miniferico vai até a imagem do Cristo Redentor, no alto do Morro do Fonseca. São
100 cadeirinhas que deslizam suavemente em potentes cabos de aço, cuja
sustentação ou retenção é mantida por meio de baterias de rolo balanceados sobre
torres metálicas. Com um desnível de 200 metros e velocidade de 2 metros por
segundo, o miniferico transporta em média 600 pessoas por hora. Possui alto-falante
na linha transmissora, microfone para comunicações, transmissão de música e,
ainda, telefone interligado as estações de saída e retorno. Na área da estação de saída
funciona um bar e uma loja de artesanato, estando prevista a construção de um
restaurante no alto do Morro do Fonseca... Parque Recreativo Municipal, construído
pelo Governo do Estado, na praça João Pessoa. O Parque conta com duas piscinas,
uma para adultos e outra para crianças, funcionando diariamente. (Folha de São
Paulo, 16/03/1973).

253
No período o Superintende nomeado era o economista Fabio Gamba e o Secretario do Turismo, Pedro de
Magalhães Padilha.
276

Foto nº 80. Miniferico Serrano, década de 1970. Fonte: Foto Fagundes.


Acervo da pesquisadora.

Em outubro de 1973, nomeou-se para o cargo de Prefeito de Serra Negra Jesus


Adib Abi Chedid. Ao assumi-lo, o novo prefeito deu prosseguimento às obras que estavam
sendo desenvolvidas desde as gestões anteriores e iniciou novas obras, sempre com as verbas
remetidas pelo FUMEST254.
O arquiteto João Walter Toscano foi o autor do projeto original para o Centro
Recreativo, com a extensão de 65.000m2. A área designada para o desenvolvimento do
projeto foi justamente aquela estabelecida nas doações ao FUMEST. O projeto continha
passeios, bosques, dois espelhos d’água, um teatro de arena, sanitários, centro de informações
turísticas composto de dois pavimentos, sendo um deles destinado a um salão de conferências
com 200 lugares. Havia também, na proposta inicial, a construção de um centro de artesanato,
com área total de 1.500 m2 de construção, em estilo romano, todo em arcos, rodeados por
passeios públicos e espelhos d’água; o espaço destinava-se à produção dos artesões locais, dos
pintores e dos artistas plásticos. Em 1978 inaugurou-se parte do projeto dentro das
comemorações do Sesquicentenário de Serra Negra e as festividades contaram com a presença
do Governador do Estado, Paulo Egydio Martins255.

254
A gestão de Jesus Adib Abi Chedid terminou em abril de 1979, quando os Prefeitos das Estâncias voltaram a
serem eleitos por voto direto, tendo em vista a Lei 1.844/1978, em que as treze Estâncias hidrominerais foram
transformadas em turísticas.
255
Após a inauguração o Centro Recreativo passou a chamar-se Praça Sesquicentenário e não houve o
cumprimento integral do projeto do arquiteto João Walter Toscano. O espaço destinado ao Centro de Artesanato
abriga atualmente a Rodoviária da cidade, o Centro de Informações foi construído muitos anos depois e, com
novo projeto do arquiteto serrano Paulo Biller, há na praça somente um espelho d’água que passou a funcionar
somente a partir do ano de 2008, já que teve que passar por reformas.
277

Ilustração nº 48. Maquete do Centro Recreativo da Estância de Serra Negra, arquiteto João Walter Toscano.
Iniciando a partir do lado esquerdo, construção em estilo romano, o Centro de Artesanato envolto de passeios e
espelhos d’água, próximo ao Centro de Informações com dois pavimentos, seguindo para os próximos espelhos
256
d’água, finalizando do lado direito com o Teatro de Arena .

Considerou-se um grande avanço para o Município a continuidade das obras da


Praça Sesquicentenário, mesmo não seguindo o projeto original, como já mencionado, pois a
cobertura de parte do Ribeirão de Serra Negra mudou a impressão de abandono que se tinha
ao chegar na cidade.

Fotos nºs 81 e 82. Cobertura do Ribeirão Serrano, Atual Praça Sesquicentenário. Década de 1970. Fonte: Foto
Fagundes. Acervo da pesquisadora.

A segunda obra considerada de grande vulto, foi a canalização de parte do


ribeirão, juntamente com a abertura da Avenida Laudo Natel, as obras alteraram a paisagem
urbana, além da mudação do curso do rio. O processo de mudança ocorreu em duas etapas, a
primeira entre as décadas de 1940 e 1950, quando houve prolongamento das Ruas dos

256
Acervo João Walter e Odiléa Setti Toscano. Arquigafia – seu universo de imagens de arquitetura.
www.arquigrafia.org.br/photos/9212, data da imagem 1981-1988. Acervo da Biblioteca da FAU/USP. Acesso
13/10/2016.
278

Expedicionários e Prudente de Moraes. Para o término das obras, os proprietários doaram ao


Municipio uma faixa de terra, que fazia divisa com o referido ribeirão. Em 1974, iniciou-se a
abertura da atual Avenida Laudo Natel e, novamente, alterou-se o curso do ribeirão. Mais uma
vez, houve necessidade de ocupação de faixas de terra, a fim viabilizar a canalização do rio e
a abertura da avenida. Esta, porém, gerou ação de indenização257.
O apoio recebido do FUMEST258 era direcionado a inúmeras obras, como
pavimentação e iluminação pública, incluindo verbas específicas para o festejo de Carnaval.
Entretanto, a construção de Centro de Convenções Circuito das Águas foi o empreendimento
mais oneroso e que causou sérios questionamentos por parte dos dirigentes das outras
Estâncias do Circuito das Águas.
Publicou-se em 1978 o edital de concorrência para as obras do Centro de
Convenções e Anexos do Circuito das Águas; a empreiteira Construtora Guarantã S/A ganhou
a licitação, como lembrou o depoente Antonio Roberto Siqueira, que também foi
superintendente do FUMEST (1979-1982).
Iniciaram-se a implantação do canteiro, a demarcação e a terraplenagem no
segundo semestre de 1978. O Centro de Convenções se localiza justamente no local onde se
instalou o Parque Zoológico, construído na gestão do Prefeito Luiz Bulk, como já
mencionado. Para a consecução do projeto, tornou-se necessária a ampliação da área,
ocorrendo a ocupação de áreas circunvizinhas, o que, consequentemente, gerou mais ações
indenizatórias. Em setembro de 1978, o Governador Paulo Egídio Martins, quando de sua
vinda a Serra Negra nos festejos do sesquicentenário, visitou o canteiro de obras.
O demasiado atraso da obra contribuiu para as mais variadas críticas: muitos
achavam que era um empreendimento muito caro. Outros, entretanto, defendiam a iniciativa,
por ser mais uma forma de movimentar turisticamente o Circuito das Águas Paulista.
Houve alguma desapropriação, mas eu não sei a área, eu não sei, mas deve ter feito
alguma desapropriação. E foi. Foi uma iniciativa do Jesus acertada. O Jesus estava
certíssimo de construir esse Centro de Convenções. Agora, muita gente era contra, o
Furlan que era Senador da Republica, o Furlan que era Deputado Estadual, era
contra. O Calem Eid que era chefe da casa civil era contra...porque veio muito
dinheiro, ficou... tem quase 13 mil metros de construção, muito dinheiro. Se investiu
muito dinheiro naquilo lá. Muito dinheiro. É a estância que mais recebeu dinheiro
foi Serra Negra, naquela (época). (Antonio Siqueira, 2015, Serra Negra/SP).

257
A ocupação de forma ilegítima gerou uma ação de indenização por parte dos proprietários da área invadida
contra a Prefeitura Municipal, ação essa que ainda se encontra em andamento, tornando o erário público
responsável pelo pagamento do valor da indenização.
258
O FUMEST publicava regularmente no Jornal Folha de São Paulo os projetos que estavam sendo
desenvolvidos nas Estâncias, incluindo os montantes das verbas disponibilizadas, dando uma aparente
visibilidade dos gastos e tornando possível acompanhar o andamento das obras.
279

Foto nº 83. Construção do Centro de Convenções Circuito das Águas, décadas de 1970-1980.
Acerrvo da pesquisadora.

Todo o complexo constituiu-se por dois blocos totalizando 15.000 m2 de área


coberta: o primeiro e curvo, tem 150 metros de extensão; o outro, tem forma circular, com
grande cúpula na cobertura e apresenta 70 metros de vão livre, abriga atualmente um auditório
de mil lugares.
Como ocorreu com outros empreendimentos financiados pelo FUMEST, coube ao
Município doar o imóvel para a construção, porém o ato só se regularizou em 1981, na gestão
do Prefeito Antonio Luigi, que sabiamente condicionou a doação à uma clausula de
retrocessão, caso o término não ocorresse na data prevista.

O Centro de Convenções funcionou da seguinte maneira. Eu quando fui prefeito em


79/83. Eu me deparei com um terreno que o Irineu Saragiotto tinha doado para
construir os correios. Só que como o correio não construiu nada, eu tentei reaver
esse terreno para a Prefeitura... Mas, só que aconteceu o seguinte: O Irineu
simplesmente doou para o correio, não pôs clausula nenhuma. Ai eu pensei comigo,
já na hora: - O dia que eu doar um terreno para o Estado fazer alguma coisa, vou por
uma clausula de retrocessão. Se não cumprir volta para Prefeitura. E fiz isso com o
Balneário. Pus uma clausula de retrocessão dizendo que se o Estado não cumprisse,
não terminasse dentro do prazo de 4 anos, devolveria para Prefeitura. Ai veio o
Sinésio e deu mais 04 (anos). E não cumpriu, entrando com a ação voltou para a
Prefeitura. (Antonio Luigi, 2015, Serra Negra/SP)
280

De fato, mesmo com aumento de prazo para o término da obra 259, a conclusão não
ocorreu e a imprensa começou a divulgar notas que questionavam os investimentos do
FUMEST.
Foi dentro dessa filosofia que o FUMEST iniciou várias obras importantes em Serra
Negra, como a construção da Praça Sesquicentenário (transcorrido em 1978), e do
conjunto formado pelo balneário e centro de convenções, mas não as terminou. O
centro de convenções tinha como objetivo o atendimento de todas as cidades
integradas ao Circuito das Águas de São Paulo, dadas as suas características e em
razão da proximidade das cidades. Vários milhões de cruzeiros foram gastos nessas
obras que hoje estão paradas sem que se tenha informação de quando serão
concluídas e sem que a comunidade serrana nelas encontre motivo de satisfação e
progresso. O centro de convenções e balneário estão com as obras paradas, a Praça
Sesquicentenário ficou sem um terço de sua área, sem o posto de informação
turísticas e sem o espelho d’água que sofreu rebaixamento ao ser enchido. Há, ainda,
um Ginásio de Esportes, da Secretaria de Esportes e Turismo, igualmente com obras
suspensas e sofrendo a ação de depredadores. (Folha de São Paulo, Caderno de
Turismo, pag. 22. Edição de 19/12/1980).

A paralização das obras do Centro de Convenções causou indignação pelo fato de


ter sido dispensado nelas grande investimento. Em 1981, o Governador Paulo Maluf, após
uma reunião com o Superintendente do FUMEST, autorizou verba suplementar para o
término do balneário, do salão de exposição e, conforme lembrou Antônio Siqueira, foram
necessárias outras intervenções, como o cimbramento do auditório, sendo que o material
utilizado para a instalação do balneário no 3º pavilhão da edificação foi de altíssima
qualidade; considerou-se a melhor obra do Estado de São Paulo, possuindo a capacidade para
atender 100 pessoas por dia260.
Em 12 de março de 1983, inaugurou-se oficialmente o Centro de Convenções do
Circuito das Águas, sendo atualmente utilizado para festas de formatura e congressos, como a
VI Conferência Estadual de Educação e o XXV Congresso Estadual da APEOESP, ocorridos
em novembro de 2016.
Nesse ínterim, aprovou-se a Lei 1844, de 17 de novembro de 1978, em que 13
estâncias hidrominerais transformaram-se em turísticas e, consequentemente, seus prefeitos
deixaram de ser nomeados, tornando possível à população eleger seus representantes. A

259
A Lei Municipal sob nº 1024/1981 dispôs sobre a doação do imóvel, o prazo de dois anos para a conclusão da
obra e a cláusula de retrocessão. Como não foi concluída foi editada nova Lei sob nº 1087/1982, estipulando o
término das obras para o ano de 1984, o que não ocorreu. Outra Lei foi criada estendendo o prazo para ano de
1986 (Lei 1136/1984), o que também não ocorreu.
260
O Balneário Municipal foi desativado em 2000 e está em reforma desde então.
281

notícia da referida Lei causou alvoroço, pois a maioria dos municípios não estava preparada
para lançar seus candidatos, e a data do pleito havia sido marcada para 29 de abril de 1979.
O assunto mereceu destaque no jornal Folha de São Paulo, edição de 09 de
dezembro de 1978; na ocasião foram ouvidas as 13 estâncias elencadas na decisão e, segundo
a reportagem, havia um descontentamento entre os prefeitos entrevistados, pois
argumentavam que, durante o Governo de Paulo Egídio Martins, Serra Negra foi a mais
beneficiada na disponibilização das verbas estaduais, tendo em vista que o Deputado Nabi
Abi Chedid, líder do Governo na Assembleia, era irmão do Prefeito nomeado de Serra Negra.
Por outro lado, o prefeito serrano contra-argumentava dizendo que só havia recebido tal
numerário devido à falta de infraestrutura da cidade.

O prefeito Jesus Chedid acha que sua cidade realmente tem recebido mais recursos
do que as suas vizinhas, mas na sua opinião, “isso acontece porque Serra Negra não
tinha infraestrutura e só passou a recebê-la durante o governo de Paulo Egidio”.
(Folha de São Paulo, caderno nacional pag. 04. Edição de 09/12/1978).

Nessa nova fase político-eleitoral, Antonio Luigi Ítalo Franchi foi eleito o
primeiro prefeito, e permaneceu no cargo de 1979 a 1983261.
Os anos seguiram, e Serra Negra mantém-se através de sua atividade econômica
direcionada ao turismo; o café permanece como a mais expressiva produção agrícola. A
qualidade da rubiácea serrana qualificou-se, em 2015, em 1º lugar, no 14º Concurso Estadual
de Qualidade de Café de São Paulo. A produção do café (em grão) arábica, em 2014, foi de
4.133 toneladas, abrangendo a área de 2.870 hectares262.

261
Prefeitos eleitos: Sinésio Aparecido Beghini (1983-1988), Elias Antonio Jorge Nunes (1989/1993), Sinésio
Aparecido Beghini (1994/1996), Elmir Kalil Abi Chedid (1997/2000), Paulo Roberto Della Guardia Scachetti
(2001/2004), Sinésio Aparecido Beghini (2005), Paulo Roberto Della Guardia Scachetti (2005/2008) e Antonio
Luigi Ítalo Franchi (2009/2016).
262
Dados do IBGE. http://www.cidades.ibge.gov.br/. Acesso em 07/01/2017.
282

Foto nº 84. Propriedade rural, localizada no Bairro da Serra, tomada pelo plantio de café.
Serra Negra, 2004. Acervo da Pesquisadora.

3.4.2 – A música com a nova fase da Banda “Lira”, os conjuntos de baile e seu repertório
diferenciado.

Nos anos de 1960, as duas bandas da cidade se mantiveram em plena atividade,


cumprindo os contratos junto ao Poder Público, sendo que a “Renato Perondini” reiniciou
suas apresentações em outras cidades, graças ao empenho de Enzo Perondini em promover a
Banda. Os concertos aconteceram em Monte Alegre do Sul e Atibaia, e houve um convite
especial para apresentação na cidade de Santos em 22 de outubro de 1961, evento que reuniu
várias bandas. E a Corporação Musical de Serra Negra, juntamente com a Banda de Música
dos Fuzileiros Navais, a Corporação dos Dragões da Independência e a Banda da Força
Pública de São Paulo encerraram o “Simpósio do Menor”, a convite do Conselho Municipal
de Turismo da Prefeitura de Santos.
283

Foto nº 85. Foto da Corporação Musical “Renato Perondini”, Santos 1961. Foto cedida pelo
músico Geraldo Bulk. Acervo da pesquisadora.

A cordialidade entre as duas Bandas serranas permaneceu


inalterada. A “Lira” manteve seus concertos habituais, como o
executado em homenagem à Revolução Constitucionalista, com um
repertório especialmente programado para o evento, com hinos,
marchas e dobrados; nesse período, ela estava em plena campanha
para confecção do seu novo fardamento, que contou com o empenho
do seu presidente, o músico Januário Blotta, com a contribuição dos
serranos, com a doação do Deputado Roberto Brambilla e com o
apoio dos Poderes Legislativo e Executivo.

Ilustração nº 49. Jornal O


Serrano,edição de 06/07/1961
284

Foto nº 86. Inauguração do novo fardamento da Corporação Musical “Lira de Serra Negra”, em 02 de
novembro de 1961, foto tirada nas escadarias do Forum de Serra Negra. Foto cedida pelo músico Geraldo
Vicentini. Acervo da pesquisadora.

De acordo com a Ata da Diretoria, lavrada em 12 de maio de 1961263, os


preparativos para a confecção do fardamento já estavam sendo tomados, e a intenção era
confeccionar 20 fardas na Alfaiataria “Irmãos Perondini”. Para a estreia do novo uniforme
escolheu-se 1º de novembro, dia em que se comemoraram, também, as festividades em louvor
a Nossa Senhora do Rosário, padroeira da cidade. Na mesma reunião da diretoria lançou-se
uma proposta pelo Maestro Lamari.

Pelo sr. Ângelo Antonio Lamari, Diretor Regente, foi dito que atendendo a diversos
pedidos, pretendia por em ensaio a peça musical Fantasia Caracteristica e para isso
se fazia necessario solicitar da Corporação Musical Renato Perondini desta cidade,
alguns elementos para auxiliarem na execução da referida peça. (Ata da Diretoria da
Corp.Mus. “Lira de Serra Negra”, 12/05/1961)

O convite do Maestro Ângelo se estendeu além da cessão de alguns músicos, pois


contou com a cooperação do Maestro Fioravante para a reunião das duas bandas. Apresentou-
se a peça musical denominada “Una Gìta Alla Festa” do compositor G. Bredice, que se
inspirou em uma festa religiosa de um pequeno povoado. Também estiveram presentes o
tenor José Rielli e o Maestro Astolpho Perondini, especialmente convidados para o evento.

263
ANEXO Nº 09
285

Para narrar a história, os músicos se posicionaram em pontos estratégicos do Jardim Público,


sendo que a percussão ficou em um lugar mais distante. O enredo ia se desenrolando através
da música em seus vários movimentos, iniciando-se com um allegro grandioso, passando por
um largo no momento da música prece, caminhando para um allegro e, finalmente, quando
todos os componentes se encontraram no centro da praça, a apresentação finalizou-se com
uma tarantela. Houve efeitos sonoros especiais como sons de trem e badaladas de relógio,
tornando o concerto muito apreciado pelos serranos.
Em setembro de 1961 organizou-se em Serra Negra o Coro Masculino “São Luiz
Gonzaga”, composto por 19 integrantes, sob a regência do sr. Antonine Broutos Darhouni,
tendo como violista o médico Mario Pereira dos Santos264. A princípio, criou-se o referido
coro para as solenidades promovidas pela Igreja Matriz Nossa
Senhora do Rosário, mas logo o grupo musical começou a
participar de outros eventos, como os jogos amistosos
realizados em 1966 pela Seleção Brasileira em Serra Negra.

Em dezembro de 1962, o colunista do jornal O


Serrano Nelo Dallari publicou uma matéria sobre a trajetória
do maestro Ângelo Lamari, que narrava o início do seu
aprendizado musical, seus professores e suas qualidades
musicais. O referido fato motivou o vereador Antonio
Barbosa Pinto da Fonseca a apresentar um Projeto de Lei,
propondo agraciar o músico com o título de “Maestro Serrano
Emérito”; a proposta agradou a todos os edis e, em agosto de
1963, Ângelo foi congratulado com o título.
Foto nº 87. Maestro Ângelo Lamari,
década de 1970. Fonte: Galeria de
Retratos da Corporação Musical “Lira de
Serra Negra”. Acervo da pesquisadora

Na comemoração do Dias das Mães, a “Renato Perondini” apresentou


um concerto especialmente programado para a data festiva.

264
O violista Mario Pereira dos Santos foi também uns dos fundadores do Conjunto da Saudade, criado em
1964.
286

A CORPORAÇÃO MUSICAL “RENATO PERONDINI” COMEMORA O “DIA


DAS MÃES”
... às 19.30 horas, sob a regência do competente maestro Tenente Fioravante Lugli,
terá inicio a retreta programada, com a apresentação de números especialmente
selecionados...
1ª Parte
1) Prefeito Marcos Vinicios – Dobrado (Pedro Salgado);
2) Ave Maria (Gount);
3) Pastorinhas – Marcha Rancho (Noel Rosa);
4) Mari Viene Su el Mare – Marcha ( Arranjo C. Perondini)
2ª Parte
1) Colegas da Arte – Dobrado (A.B.);
2) Granada – Fantasia (Agustin Lara);
3) La Golondrina – Valsa ( N. Sarradeio);
4) Novilheiro – Passo Doble (P.M.) (O Serrano, 12/05/1963)

Em julho de 1963, as duas bandas comemoraram o Dia do Maestro, e Fioravante


Lugli fez questão de presentear seu professor Ângelo Lamari. Também em setembro do
mesmo ano, o maestro Ângelo recebeu outra homenagem quando se acidentou e ficou
acamado; consequentemente os concertos da “Lira” foram paralisados temporariamente. Após
o desfile cívico de 23 de setembro, a “Renato Perondini” seguiu marchando até a residência
do Maestro, onde executou uma peça musical, desejando o pronto restabelecimento do
estimado músico.

Visivelmente comovido o maestro Ângelo Lamari agradeceu a homenagem com


palavras de gratidão, dizendo-se feliz e orgulhoso em receber aquelas provas de
carinho e amizade e mostrando-se disposto a continuar servindo Serra Negra, através
da sublime arte, como o vem fazendo há mais de 50 anos. Gesto bonito e digno de
registro teve o maestro Fioravante Lugli, que ofereceu ao seu colega e ex-professor
um valioso mimo, com a seguinte dedicatória: “Ao amigo e mestre Ângelo Lamari,
uma lembrança de seu aluno Fioravante Lugli”. (O Serrano, 14/07/1963)

O Conjunto da Saudade

No ano de 1963, surgiu em Serra Negra o Conjunto da Saudade. Vários


instrumentistas o compuseram e mantiveram-no ativo até a década de 1980. Em 1968,
compunha-se dos músicos Mario Pereira dos Santos e Luiz Lamari (violinos), Osvaldo
Canhassi (acordeon), José Lamari (flauta), José Caruso (banjo), Artur Neves Junior, Benedito
Leme Pedroso e Antonio Citrângulo (violão), Joaquim Soriano e José M. Oliveira.
287

Foto nº 88. Uma das formações do Conjunto da Saudade, temos o músico José Lamari (flauta) e seu
irmão Luiz Lamari (violino), em uma apresentação na década de 1960. Foto cedida por Odilon Souza
Lemos. Acervo da pesquisadora.

O Conjunto da Saudade se apresentava em festas particulares, dentre elas as


promovidas pelo Clube do Papai265. Os eventos realizavam-se ao ar livre e seu repertório era
composto por valsa, polca, choro, samba, rancheira, baião, maxixe e bolero.

O Clube do Papai, entidade recentemente fundada nesta cidade, que tem por
finalidade reunir os amigos de infância de ontem e papais de hoje em festivos
piqueniques que se realizam nas fazendas, sítios e chácaras deste município,
procurando aliar o espirito associativo às velhas e solidas amizades cultivada entre
famílias tradicionais, este Clube teve como uma das primeiras preocupações, atrair
nosso Conjunto da Saudade para as suas reuniões-piqueniques. E grande parte do
êxito alcançado pelas primeiras reuniões do clube, deve-se à presença e à
participação do conjunto musical, que a todos encanta e inebria. Conjunto da
Saudade – refrigério do espirito, balsamo do coração, relicário de recordações, cofre
da saudade que se abre, notas musicais que nos transportam na melodia de suas asas
ao passado distante (O Serrano, 12/05/1968).

265
Em 26/05/1968, O Conjunto da Saudade participou de um baile promovido pelo Clube do Papai; na ocasião o
músico Alfredo Dallari foi homenageado.
288

De forma idêntica a outros conjuntos musicais, também o repertório era transcrito


em cadernetas de acordo com os instrumentos que compunham o grupo, e entre as músicas
escolhidas havia obras de compositores serranos, como as de Nicolino Fatigati e de Cesarino
Perondini.

Ilustração nº 50. Caderno de repertório pertencente ao Conjunto da Saudade,


composição de Nicolino Fatigati, s/d. Acervo da pesquisadora.

Ilustração nº 51. Caderno de repertório pertencente ao Conjunto da Saudade,


composição de Cesarino Perondini, s/d. Acervo da pesquisadora.
289

A SALA DA BANDA

Em 1961, após a venda do imóvel pertencente à Sociedade Italiana, a “Lira Serra


Negra” ficou desprovida de um local para promover seus ensaios; também a “Renato
Perondini” ensaiava em espaços cedidos. Diante de tais ocorrências, em abril de 1962 o
vereador Hugo Scachetti apresentou um projeto com a finalidade de construir a Casa do
Músico, que abrigaria as duas associações musicais. Aceitou-se a proposta e, após os trâmites
necessários, que duraram dois anos, construiu-se o prédio. Na gestão do Prefeito Luiz de
Macedo Bulk, em abril de 1964, inaugurou-se a Casa do Músico. Alfredo Dallari iniciou a
solenidade cortando a fita de inauguração, ambas as Bandas executaram o Hino Nacional, o
revmo. Padre João Batista Lavello ministrou sua benção e os músicos executaram inúmeras
peças, entre elas a marcha “Daqui não saio, daqui ninguém me tira”. O imóvel foi cedido em
comodato e mantém sua finalidade até os dias atuais, tornando o espaço conhecido como a
“sala da banda” 266.

Foi na época que a Banda “Lira”, não sei o que aconteceu. Até hoje eu não sei
certinho o que aconteceu... que era para fazer um clube aqui, onde era a guarda
mirim, aqui. Até tocamos na pedra fundamental, juntaram a Banda com o pessoal
aqui para fazer o Clube. E o Clube ia ter um salão. Aí eles acabaram perdendo a
sede, não sei como. E ficou na rua a Banda, ficou sem sede. Aí o Geraldo Bulk,
irmão do Luiz, né, o Luiz Bulk era o Prefeito e fez a sala para acomodar...não dava
para ser a sala da banda ou para Banda “Lira” ou Banda “Renato”, pois lá ficou a
Casa do Músico. Para acomodar as duas Bandas. Então não tinha nem nome da
Banda “Lira”, nem nome da Banda “Renato”, mas a ideia era acomodar as duas
bandas, na época. Isso tudo que eu sei, como é que foi certinho, lá para atrás dos
coisas, eu não sei. E depois a gente foi, depois foi parando. Parou a Banda
“Perondini” e continuamos com a “Lira”. (Geraldo Vicentini, 14/08/2014).

266
O imóvel localiza-se na Rua Dr. Firmino Cavenaghi, 83. O espaço também é designado como “Casa da
Música”.
290

Foto nº 89. O Prefeito Luiz Bulk e sua esposa, em seguida o Padre João Batista Lavello, entrando na Casa da
Música, no dia de sua inauguração. Foto cedida pela família Bulk. Acervo da pesquisadora.

Em fevereiro de 1965, a “Renato Perondini” executou o grito do Carnaval


Serrano, mantendo a sua tradição que remontava aos primórdios da sua formação. Como não
foi possível contar somente com o incentivo financeiro do Município, os comerciantes,
hoteleiros e cidadãos comuns se cotizaram para patrocinarem os festejos. Na comemoração do
aniversário da cidade as duas bandas estiveram presentes.

Ilustração nº 52. Jornal O Serrano, edição de 26/09/1965


291

No final do ano de 1965, Norberto Quaglio, filho do músico Zacharias Quaglio,


iniciou uma campanha para restaurar o túmulo do Maestro Vincenzo de Benedictis. A ideia
dessa homenagem póstuma ganhou vulto, e durante o ano de 1966 realizaram-se as obras de
um novo jazigo. A iniciativa de Quaglio contou com o empenho dos músicos Fioravante
Lugli, Domingos Martori, João Corato, Orlando Lugli e Enzo Perondini. A cerimônia de
inauguração do jazigo ocorreu em 02 de novembro de 1966, com a presença dos músicos
serranos.
Como já mencionado, o músico Enzo Perondini foi eleito Prefeito Municipal,
assumindo o cargo em 1967. Nesse ínterim, a Corporação Musical “Renato Perondini” vinha
dando sinais de desgaste; por outro lado, o Maestro Ângelo Lamari enfrentava problemas de
saúde. O Prefeito Enzo, sensibilizado com a situação das duas Bandas, decidiu criar uma
comissão para tratar das dificuldades enfrentadas pelas respectivas entidades musicais.

Situação das Bandas de Música


Reuniu-se a Comissão
A comissão encarregada de estudar e dar parecer sobre a atual situação das Bandas
de Música desta estância, designada pelo Prefeito Enzo Perondini, reuniu-se quarta-
feira p. passada na Prefeitura Municipal, iniciando os seus trabalhos.
Compareceram à reunião os membros Ângelo Lamari, Fiorvante Lugli, Cesarino
Perondini, Donato Albertini, Emilio Della Guardia, Ataliba Ferreira de Lima,
Sebastião de Toledo, Armando Fachini, Horácio Dini, Januário Blotta e Nello
Dallari.
Foram eleitos presidente do órgão, os srs. Nello Dallari e Januário Blotta,
respectivamente.
Após os debates previstos na pauta dos trabalhos, a Comissão resolveu convocar
todos os músicos de Serra Negra, interessados em participar da nova Corporação
Musical que possivelmente será fundada, agrupando as Corporações “Renato
Perondini” e “Lira Serra Negra”.
Essa reunião de todos os músicos ficou marcada para o próximo dia 6 do corrente,
quinta-feira, na Casa da Música, às 20 horas. (O Serrano, 07/07/1967)

O desafio da comissão para formar uma nova banda a partir da junção das duas
antigas não obteve êxito, tanto que em 14 de julho de 1967 a Diretoria da “Lira” convocou
uma assembleia geral a fim de discutir um novo estatuto, adaptando os artigos às novas
orientações para o recebimento de subvenção federal. Nessa assembleia estiveram presentes
músicos oriundos da “Renato Perondini”, como o instrumentista Roberto Siloto Perondini.
292

A partir de 1968, não mais se noticiou sobre a atuação da Banda “Renato” e,


segundo o depoente Renor Perondini, o falecimento do Enzo Perondini contribuiu para o
encerramento das atividades da Corporação Musical267.

Foto nº 90. Corporação Musical “Renato Perondini”, Serra Negra, 07 de julho de 1963, abertura do Jogo
Palmeiras x Portuguesa, Foto cedida pelo músico Geraldo Bulk. Acervo da pesquisadora.

Porque quanto nós voltamos com Banda “Renato” do Rio de Janeiro, a Banda “Lira’
estava esperando nós na Rodoviária. Nós entramos marchando, aquele tempo a
banda marchava. Entramos marchando na cidade. Tocando e quanto foi aquela
surpresa, a Banda “Lira” estava nos esperando na Rodoviária. Aí, tocamos juntos,
tudo no coreto. Depois de um certo tempo que ela... não sei se foi porque o Enzo
também entrou de Prefeito, aquela coisa... foi decaindo e acabou... acabou em nada.
Aí quando terminou a Banda “Renato”, passamos tudo para a Banda “Lira”, também
foi uma maravilha, porque sempre fomos fazendo apresentações. Depois da
“Renato”? Não! Não deixei... entrei na Banda “Lira”, só parei um pouco, porque eu
trabalhava no Vale do Sol, um tempo eu trabalhei lá, e não tinha jeito de frequentar a
Banda, mas não foi muito tempo que eu parei com a música. Mas depois de um
tempo eu saí de lá e continuei na Banda “Lira”. (Renor Perondini, 09/04/2011).

O ano de 1969, desde seu início, já prenunciava condições alvissareiras para a


área musical, pois a Prefeitura anunciou a abertura de uma escola de música voltada à
formação de instrumentistas, sob a égide do professor Ângelo Lamari. Desde 1953, com a
criação da Escola de Música “Nicolino Fatigatti”, não havia uma iniciativa nesse sentido.

267
Em 28 de novembro de 1971 a Diretoria da Corporação Musical “Renato Perondini” publicou um edital de
convocação para a realização de uma assembleia geral, tendo como ordem do dia o destino a ser tomado pela
Corporação Musical e seus pertences. Após ser desativada, o acervo de partituras foi doado para a “Lira Serra
Negra”
293

Início do Curso de Música gratuito


Será realizada no próximo dia 8 do corrente, na Casa do Músico, à Rua Dr. Firmino
Cavenaghi, a primeira aula do Curso Gratuito de Música de Banda, criado pela
Prefeitura Municipal e ministrada pelo Maestro Ângelo Lamari.
A criação do curso visa incentivar o aprendizado da música aos interessados e os
fortalecimentos das Corporações Musicais desta cidade, que estão necessitando de
novos músicos para suas fileiras. Sem essa providência, agora tomada pelo Prefeito
Braz Blotta, a sobrevivência das nossas Bandas de Música estava seriamente
ameaçada, por falta de novos elementos para integrá-las. (O Serrano, 05/01/1969).

Em agosto de 1969, ocorreu o falecimento de Alfredo Dallari, aos 86 anos, e já se


constatava, sutilmente, o reconhecimento pela sua trajetória musical, através de alguns
eventos, como a homenagem recebida por ocasião da inauguração da Casa do Músico (1964)
e o evento realizado pelo Clube do Papai (1968), no qual o Conjunto da Saudade, composto
por antigos companheiros, como os irmãos Angelo e Luiz Lamari, executaram peças musicais
que o levaram a bailar. Entretanto, a liderança musical exercida pelo trompetista sempre foi
lembrada pelos antigos músicos serranos.

[...] Mas, Alfredo Dallari não era apenas um excelente pistonista de banda, era
também um exímio violoncelista e integrou as
antigas orquestras de Serra Negra, inclusive no
tempo do cinema mudo, quando a gente ia ao
cinema muito mais para ouvir e deliciar-se com as
lindas páginas musicais, executadas pela orquestra,
do que propriamente com o filme.
Um músico como Alfredo Dallari só podia ser
sepultado ao som da música e, especialmente, do
instrumento que executou tão bem e tanto amou na
sua vida de musicista: o pistão. E foi o que
aconteceu sábado, dia 23 do corrente, no cemitério
municipal. Ao baixar o corpo do velho músico e
companheiro a sepultura, as notas de um pistão
ecoaram no silêncio do Campo Santo, executando o
Toque de Silêncio...Aquêle toque de adeus
executado pelo companheiro Silvio Bertolini, trazia nas suas notas o espírito do
próprio Alfredo Dallari... antes do adeus musical, o companheiro João Corato
pronunciou visivelmente emocionado, algumas bonitas e comoventes palavras de
despedida dos músicos de Serra Negra[...] (O Serrano, 27/08/1969)

Foto nº 91. Alfredo Dallari. Fonte: Galeria de


Retratos da Corporação Musical “Lira de Serra
Negra”. Acervo da pesquisadora
294

O Prefeito Braz Blotta, iniciando o ano de 1970, se empenhou para criar uma
fanfarra municipal e, em tratativas com a Secretaria de Cultura, Esporte e Turismo do Estado,
conseguiu a doação de 41 instrumentos, os quais foram destinados aos integrantes da Guarda
Mirim, que tinha como Presidente Fioravante Lugli. Este músico estava comprometido no
ensino das noções musicais para os jovens serranos. O Prefeito Blotta empreendeu também a
reforma da Praça João Zelante e a instalação de um novo coreto “cercado com lampiões ‘São
Paulo Antigo’”.

Foto nº 92. Coreto da Praça João Zelante, década de 1970. Fonte: Foto Fagundes.
Acervo da pesquisadora.

A ida dos músicos da “Renato” para a “Lira” proporcionou um novo ânimo para a
Banda, tanto que eles iniciaram uma campanha para que Fioravante Lugli assumisse a
regência; apesar de não ter aceitado o convite, integrou-se na Banda como seu vice-presidente
(1971). Em 1972, elegeu-se sub-regente e, a partir desta data, passou a realizar os ensaios,
enquanto as apresentações ficavam a cargo do Maestro Lamari; somente quando necessário
Fioravante o substituía no comando dos concertos. Tal posição como assistente permaneceu
até 1976, quando assumiu definitivamente como Maestro. Segundo os depoentes músicos,
Ângelo Lamari relutou em entregar o cargo, pois era-lhe muito difícil deixar de conduzir a
banda que ele próprio ajudara a criar.
A partir de 1971, o músico Januário Blotta deixou a presidência da “Lira” que foi
assumida por Ângelo Ricco, conhecido como Bi, que não era instrumentista da banda, mas
um “apaixonado” por ela. Foi uma gestão inovadora e festiva; sua primeira iniciativa foi a de
295

providenciar a abertura de um “Livro de Ouro”, a fim de recolher contribuições em favor da


Banda; ele promoveu campanhas para novos fardamentos e novo mobiliário para a Sala da
Banda.
A “Lira”, no ano de 1971, manteve as apresentações regulares, os concertos foram
quinzenais e ela foi convidada a participar de inúmeras festas religiosas, retomando a tradição
de se apresentar nos bairros rurais. Nesse ano, destacou a apresentação ocorrida no mês de
setembro, em que a regência da Banda dividiu-se entre três maestros, o titular Ângelo Lamari,
o assistente Fioravante Lugli e o convidado João Corato. O concerto teve a participação
especial do Coral “São Luiz Gonzaga”.

RETRETA A 3 MAESTROS
A nossa tradicional Corporação Musical “Lira de Serra Negra”, agora sob a
dinâmica presidência desse incansável e abnegado sr. Angelo Ricco, vai realizar no
próximo domingo, dia 14, no coreto do Jardim Público, mais um interessante retreta,
desta feita regida por 3 maestros: Ângelo Lamari, João Corato e Fioravante Lugli.
A Diretoria da veterana Corporação resolveu dedicar e oferecer essa retreta ao povo
serrano em geral, aos ilustres turistas e veranistas de Serra Negra e, especialmente, a
todos os amigos e admiradores da nossa briosa Banda de Música[...] (O Serrano,
07/09/1971).

Nos anos de 1970, o produtor de televisão do Canal 7 de São Paulo, Saulo Gomes,
apresentava um programa chamado Minha Cidade é Um Show. Serra Negra foi convidada
para ser o tema do segundo programa, que foi ao ar, ao vivo, no dia 08 de março de 1972.
Dentre as atrações musicais designadas para representar a cidade estavam o Coral “São Luiz
Gonzaga” e a Banda “Lira”. Na abertura do programa o maestro Ângelo Lamari concedeu
uma entrevista, destacando a Banda de Música como de grande importância para a
comunidade serrana. O maestro Fioravante Lugli esteve o tempo todo ao seu lado, juntamente
com Ângelo Ricco, o Presidente da “Lira”. Os instrumentistas que integravam a banda na
época eram: João Gloria, Irineu Schiavo, Edno Perondini, Renor Perondini, Nelson Felix,
Décio Citrângulo, Valdir Marchiori, Silvio Bertolini, Orlando Pagan (músico convidado da
cidade de Amparo), José Geraldo Vicentini, João dos Santos Morais, Luiz Antonio Lugli,
Nilo Lugli, Luiz Franco de Oliveira, José Soares (músico convidado da cidade de Monte
Alegre do Sul), Claudio Marques, Armando Menegatti, Nelson Buzzo, Roberto Perondini,
Orlando Lugli, Luiz Lamari, Ernesto Amadeu, José Caetano dos Santos e Antonio Brandini.
296

Para a Estância de Serra Negra, o programa ofereceu a oportunidade de mostrar as


características relevantes da cidade, como o café e as águas minerais, e apresentar seus pontos
turísticos.
Seguindo os passos traçados pela “Renato Perondini”, a “Lira” iniciou desde
então apresentações fora de Serra Negra, como no citado programa de TV. Ainda em 1972,
participou de um Concurso de Bandas realizado em 13 de agosto, na cidade de Socorro. O
evento contou com 40 bandas, com a média de 40 instrumentistas cada uma. A “Lira”,
composta de 25 musicistas, obteve o segundo lugar na premiação. Devido a sua performance,
ela foi convidada para participar do Festival de Bandas de Música, na cidade de Americana268.

Justifica-se, portanto, e plenamente, a alegria do dedicado e incansável presidente da


Corporação serrana, sr. Angelo Ricco, que acompanhou a Banda e voltou radiante,
ostentando e exibindo a todos, com um enorme sorriso rasgando-lhe a boca, o rico e
artístico troféu que os seus músicos conquistaram galhardamente lá na acolhedora
Socorro, esbanjando classe e categoria, já tradicionais dos músicos de Serra Negra.
Nossas calorosas felicitações à “Lira de Serra Negra”, aos maestros Ângelo Lamari e
Fioravante Lugli, ao esforçado presidente Angelo Ricco, demais diretores e seus
valorosos músicos. (O Serrano, 20/08/1972).

No concerto que se realizou em comemoração ao aniversário de Serra Negra,


houve a apresentação de um dobrado composto por João Corato, em homenagem ao músico
Enzo Perondini.

Ilustração nº 53. Jornal O Serrano, edição de 23/09/1972

268
Apresentação da “Lira Serra Negra” na cidade de Americana ocorreu em 27 de agosto de 1972.
297

Em 22 de abril de 1973, a diretoria da “Lira” organizou uma festa para comemorar


o aniversário do Maestro Ângelo Lamari. No mês de julho, o Presidente Ângelo Ricco criou
uma premiação para estimular os músicos da Banda: era o Diploma de Músico do Ano,
conferido ao músico de maior destaque. Foi eleito o depoente Geraldo Vicentini, o qual
recebeu uma placa de prata e um diploma com os dizeres: “A Corporação Musical ‘Lira de
Serra Negra’ confere este Diploma de Músico do Ano ao seu músico José Geraldo D.
Vicentini, escolhido unanimemente pelos seus colegas e diretores da Corporação”.

Na época o Bi era presidente, então ele... não era assim como músico, como se diz,
destaque como músico, era mais uma pessoa, um comportamento, uma dedicação;
então ele fez a homenagem para mim naquela época lá.
Porque eu não faltava, eu nunca fui muito de faltar ensaio. Eu cuidava dos meus
instrumentos, mesmo quando não era meu, era da banda, eu sempre mantinha
limpinho, sempre em ordem. Disciplina, então eles julgavam essa parte. Não é que
eu era super músico, foi mais pela disciplina e dedicação. É! Ali o Bi ia fazer todos
os anos, iam homenagear um, mas depois ele saiu ficou nisso. (Geraldo Vicentini,
14/08/2014)

Foto nº 93. Reunião Festiva ocorrida em 22/04/1973, na Casa do Músico, em comemoração ao


aniversário do Maestro Ângelo Lamari. A imagem retrata o encontro dos dois Maestros: Fioravante
Lugli e seu mestre Lamari. Serra Negra. Foto cedida pelo músico Armando Menegatti. Acervo da
pesquisadora
298

A Banda Vem Aí!!!


RETRETA
A Corporação Musical “Lira de Serra Negra”, estará hoje, às 19.30 horas, no Coreto
da Praça João Zelante, onde executará mais uma das suas costumeiras retretas,
cumprindo o seguinte programa:
1ª Parte
1- General Portyguar – Dobrado – J./a. Naegeli
2- Valsa da Meia Noite – Valsa – N.N.
3- Sururu na Cidade – Choro – Z. de Abreu
4- E a Orquestra tocou uma canção – Bolero – Ugo Jurgen.
5- Ta-hi – Marcha – J. de Carvalho

2ª Parte
1- Flagelados – Dobrado – J.A. Naegeli
2- Bat-Masterson – Fox – H.Wray
3- La Campana de San Giusto – C. Aroma
4- Piraporinha – Choro – N.N.
5- Lira de Apolo –Marcha Sinfônica – O. Puzoni.
Serra Negra, 08 de Julho de 1973
Tem. Fioravante Lugli (O Serrano, 08/07/1973)

Inúmeras apresentações da “Lira” ocorreram no ano de 1973, através de concertos


quinzenais, assim como das apresentações em outras cidades: exibiu-se na cidade de
Socorro/SP para outra edição do Festival de Bandas, como em Itapira/SP em outubro, e, no
mês de novembro, recebeu o convite para retornar aos festejos em Americana/SP. No final do
ano, a “Lira” exibiu seu novo fardamento. Encerrou seus concertos apresentando uma
composição de Cesarino Perondini que homenageou Ângelo Ricco.
Em 1974, a Escola de Música iniciada em 1969 ganhou novo estímulo, pois
Fioravante Lugli apresentou um projeto para a criação de uma Banda de Música Mirim, na
qual ele ministraria as aulas aos aprendizes. O projeto visava atingir jovens entre 10 e 15 anos
e, segundo o Maestro, não era pré-requisito ter prévio conhecimento musical269. Lugli já vinha
atuando como professor de música e, através da Banda, o número de alunos aumentou
significativamente.
No mês de julho, o vereador Braz Eduardo de Castro Blotta apresentou um
Projeto de Lei para conceder o Título de Cidadão Serrano a Ângelo Ricco, o qual o recebeu
em setembro de 1975. Antes de assumir a diretoria da “Lira”, ele já se destacava na
organização dos carnavais serranos e nos festejos da Semana Santa, mas através da sua
atuação na Banda ganhou prestígio tanto em Serra Negra quanto em toda região.

269
Não foram encontradas notícias sobre a atuação da Banda Mirim.
299

Foto nº 94. Corporação Musical “Lira de Serra Negra”, estreia da nova farda, em 01 de
novembro de 1973, ao lado esquerdo: os Maestros Ângelo Lamari com uniforme e Maestro
Fioravante Lugli trajando terno. Em frente ao edifício do Fórum de Serra Negra/SP. Foto
cedida por Odilon Souza Lemos. Acervo da pesquisadora.

A BANDA VEM AÍ!


RETRETA
A Corporação Musical Lira de Serra Negra, apresentar-se-á, hoje às 19:30 horas, no
Coreto da Praça João Zelante pra mais uma retreta. No programa constam os
seguintes números:
1ª Parte
1º) Donato Albertini – Dobrado – J. Corato
2º) A valsa que eu fiz para você - Valsa – F. Mazzini
3º) Esqueci o nome dele – Samba
4º) Eloiza – Marcha – Tinhão Perondini
5º) Vieni Sul Mar – Canção Napolitana

2ª Parte
1º) Mal me Quer – Marcha Rancho – C. de Alencar
2º) Pout-Poury do Guarany – C.Gomes
3º) Al-Di-Lá – Fox Show – C. Domida
4º) Barracão – Samba
5º) Padre Lavello – Dobrado – J. Corato
Tem. Fioravante Lugli – Regente. (O Serrano, 09/07/1974)
300

Foto nº 95. Participação da Corporação Musical “Lira de Serra Negra” em solenidade cívica,
Serra Negra, década de 1970. Fonte: Foto Fagundes. Acervo de pesquisadora.

O Grito de Carnaval de 1975 realizou-se tradicionalmente pela “Lira de Serra


Negra”. Noticiava-se que tanto a situação financeira da Banda estava deteriorada, como que
ela passava por dificuldades estruturais, admitindo-se que a “Lira” encerraria também seus
concertos. Entretanto, uma ajuda financeira chegou no mês de agosto, através da orientação e
intercessão do serrano Guilherme Della Guardia, oriundo de uma família de músicos serranos,
como Ermínio Della Guardia270. Guilherme, que trabalhava nesse período em Brasília como
chefe de gabinete da vice-liderança do Governo (ARENA), tendo acesso às Leis, orientou a
Diretoria a registrar a “Lira” junto ao Ministério da Educação para, dessa forma, habilitar-se a
solicitar subvenções anuais. O mesmo procedimento serviu para que outras entidades serranas
pleiteassem essas subvenções federais, como o Asilo São Francisco de Assis.

270
Ermínio Della Guardia foi secretário do Corpo Musicale “Umberto I”, na década de 1910. Ele se empenhou
no período para a feitura do primeiro fardamento da Banda Italiana, sendo membro da comissão juntamente com
Frederico Domingues e Alfredo Marques da Fonseca. A profissão de Ermínio era de alfaiate e a confecção dos
uniformes foi realizada em sua alfaiataria, estreando o fardamento em setembro de 1923; seu filho Emilio Della
Guardia foi músico da “Umberto I” e um dos fundadores da “Lira de Serra Negra”, em 1945. Os irmãos de
Guilherme Della Guardia também foram músicos: Luiz Carlos foi integrante da “Blue Star” e Nery, vocalista do
“Garotos do Ritmo”
301

Ilustração nº 54. Jornal O Serrano, edição de 02/02/1975

A forma como a Banda estava se direcionando fez com que a Diretoria


convocasse uma assembleia extraordinária em 04 de abril de 1975, em cuja pauta constava o
afastamento voluntário de alguns músicos e a possibilidade dos novos pedirem o
desligamento da Banda, a falta dos músicos aos ensaios - comprometendo o preparo do
repertório - e sua ausência aos compromissos agendados em dias úteis, impedindo a
realização da apresentação. A justificativa dos músicos para as faltas consistia na
inviabilidade de deixarem suas obrigações profissionais, já que a maioria não se dedicava
exclusivamente à música. Depois de muitas manifestações e discussões, os problemas foram
solucionados e registraram-se em ata as conclusões.

[...] em cumprimento do que ficou resolvido na reunião do dia 4 do corrente,


resolvem: 1º - As retretas contratadas pela Prefeitura passam a ser realizadas
quinzenalmente, durante os doze meses do ano. 2º - A Banda não aceitará serviços
para serem executados em dias úteis, salvo se forem a noite e solicitado com
antecedência de quarenta e oito horas, para que haja tempo de consultar todos os
músicos[...] (Ata da Diretoria da Corporação Musical “Lira de Serra Negra,
04/04/1975).

Após a superação dos problemas internos, a “Lira” retomou seus concertos e


encerrou o ano de 1975, com uma apresentação extraordinária, solenidade em que o
compositor João Gallo Corato dedicou um dobrado ao Sr. Helio Conti. Segundo as narrativas
do músico Corato, foi a homenagem mais gratificante que ele fez em sua vida.
Dois acontecimentos em 1976 movimentaram a rotina de Serra Negra e contaram
com a presença da Banda “Lira”; o primeiro foi relacionado ao Projeto de Lei nº 206/75, de
autoria do Deputado Estadual Manteli Neto271, que propunha a revogação dos dispositivos
legais que transformaram alguns Municípios em Estâncias. O argumento do referido Projeto
era de que várias Estâncias não possuíam mais as características de quando haviam sido
criadas, e que, portanto, não atendiam as exigências da legislação especifica; os seus prefeitos

271
O Deputado Manteli Neto foi membro da banca que arguiu o depoente Antonio Siqueira quando ele foi tomar
posse para o cargo de superintende do FUMEST.
302

eram nomeados de acordo com conveniências políticas, não eleitos pelo voto direto, e havia a
questão das verbas estaduais destinadas especificamente às Estâncias.

[...[Revoga, o referido projeto, em seu artigo 1º, as disposições legais que


transformaram em estâncias hidrominerais os Municípios de Águas de Lindóia,
Águas de São Pedro, Amparo, Atibaia, Campos do Jordão, Ibirá, Lindóia, Monte
Alegre do Sul, Poá, Santa Barbara do Rio Pardo, São Jose dos Campos, Serra Negra
e Socorro, enquanto no artigo 2º, determina que os cargos de Prefeitos, desses
Municípios, serão exercidos pelos Presidentes das Câmaras Municipais locais, até a
posse dos respectivos sucessores, na forma da lei[...] (O Serrano, 11/07/1976).

A notícia do Projeto de Lei nº 206/75 causou grande apreensão nas Estâncias que
seriam atingidas e o Deputado Estadual Nabi Abi Chedid, quando tomou conhecimento do
Projeto, se opôs a sua aprovação. Destarte, o Deputado contou com o apoio de todos os
prefeitos das Estâncias.
A população serrana também se mobilizou, angariando assinaturas em abaixo-
assinados deixados em pontos estratégicos da cidade e, no mês de agosto, uma comitiva
compostas pelos Prefeitos, Vereadores e populares dirigiu-se a São Paulo, na tentativa de
convencer o Governador Paulo Egídio Martins a vetar o Projeto. O depoente Irineu
Saragiotto, que ocupava o cargo de Presidente da Câmara no período, lembrou o episódio:

Tem uma passagem interessante que foi no Governo do Paulo Egídio. O Deputado
Manteli Neto apresentou um Projeto de Lei extinguindo pura e simplesmente as
Estâncias. [..] E estava na iminência de ser promulgado pelo Governador, que era o
Paulo Egidio Martins. A Assembleia aprovou o projeto, chegou às mãos do
Governador para promulgação. Aí houve um movimento, isso também eu cito muito
o Nabi Chedid. [...] mas então o próprio Nabi se encarregou de articular todas as
Estâncias para apelar ao Governador para o veto desse projeto.
Quando no Salão Nobre, fomos recebidos pelo Paulo Egídio Martins. E coube a
mim a honra de falar em nome de todos o motivo de estarmos ali. E na época e fui
pego de surpresa. E confesso a você, eu cheguei, o Nabi veio direto: -Você vai falar
hoje. –Eu não estou preparado. –Você tem capacidade, se vire! (risos). – Então
vamos ver o que dá! (Irineu Saragiotto, Serra Negra, 06/01/2014)

Mesmo sendo pego de surpresa para defender os interesses das Estâncias, o


depoente Irineu Saragiotto cumpriu o designado e representou os Prefeitos ali presentes.

O Salão Nobre estava lotado... – Nabi, eu não estou preparado, não vim aqui para
isso... – Você vai falar em nome dos Prefeitos, já está tudo acertado que é você
quem vai falar. – Está bem! Posso falar. Me recolhi no cantinho lá e fiquei
pensando. Eu nunca fui de escrever discursos, sempre foram de improviso.
Olha, deixa ver... para falar de improviso tem que memorizar alguma coisa.... aquilo
que a gente aprende na oratória. – Puxa vida... mas ai aconteceu que tinha corrido na
cidade um abaixo assinado, apelando ao Governador que vetasse esse projeto... e ...
não posso me esquecer do José Spignardi, que ficou com abaixo assinado... além de
303

ter ficado com outros lojistas. Ficou com ele e ele manteve em mãos e levou nessa
audiência. E chegou a minha mão lá... quando eu entrei me deram aquilo... deixa eu
ver...e folheando eu vi assinaturas ali, de norte americanos e residentes do Brasil
todo, com suas opiniões sobre Serra Negra, dizendo porque deveria ser mantida
como Estância. Tal... tal... isso aqui é meu ponto de partida. E de fato, penso que me
sai bem. Porque todos vieram me cumprimentar, penso que me saí bem! E levei até
um susto, porque a hora que foi me dado a palavras, os holofotes de televisão.
Nossa! (Irineu Saragiotto, Serra Negra, 06/01/2014)

A Corporação Musical “Lira de Serra Negra” acompanhou a comitiva que foi a


São Paulo. Informados de que o Governador havia vetado o Projeto, houve comemorações e a
Banda executou algumas peças musicais. O episódio foi alvo de duras críticas por parte de
alguns Deputados e a questão sobre o veto permaneceu em pauta por várias sessões da
Assembleia Legislativa.
A Folha de São Paulo noticiou a presença da “Lira” no evento na edição de 05 de
agosto de 1976.

Egídio veta o projeto: o MDB fecha questão.


“Acima das paixões políticas, acima das divergências pessoais, eu faço este bem
comum ciente de estar cumprindo o meu dever. Se amanhã a Assembleia Legislativa
reprovar meu veto, estou tranquilo com minha consciência”
Com esta declaração, o governador Paulo Egídio, assinou ontem o veto do projeto de
lei que restabelece a autonomia das estâncias hidrominerais, em solenidade realizada
no saguão do Palácio Bandeirantes e abrilhantada pela Corporação Musical Lira, de
Serra Negra, especialmente convidada para o ato. (Folha de São Paulo, 05/08/1976).

Diferentemente do registrado no jornal, o Deputado Del Bosco Amaral se


manifestou de forma deselegante, pois se incomodou com a presença dos representantes das
Estâncias e de uma Banda de Música.

[...] Quando os assistentes se manifestam ruidosamente, o sr. Presidente toca a


campainha de advertência e chega a pedir que os guardas do policiamento da
Assembleia Legislativa retirem aqueles que insistam na prática de aplaudir ou apoiar
qualquer decisão legislativa. Pois bem. O sr. Governador permite que, nas
dependências do Palácio dos Bandeirantes, num exemplo de charanga e sabujice,
num verdadeiro festival de ignorância – esse é o termos exato – um veto, que é a
rejeição da aprovação de um projeto por esta Casa, seja comemorado por um bando
de sabujos, com uma banda de música, dentro de um “próprio” que é nosso também,
ou seja o Palácio dos Bandeirantes[...] Esta Casa é politizada e educada. Esse
serviçais do sr. Governador devem compreender que charanga e sabujice podem
ficar muito bem na praça ou coreto. Mas nunca no Palácio dos Bandeirantes
[...](Alesp. Ementa de Discurso. Críticas ao Governador por fazer comemorar
através de Banda de Música a assinatura do veto ao projeto das estâncias)

Os investimentos nas Estâncias eram citados como privilégios e já haviam sidos


apontados de forma negativa em outras ocasiões, mas, de acordo com os esclarecimentos do
304

Governador no texto em que vetou o Projeto de Lei nº 206/75, seria muito prejudicial a
extinção das Estâncias, pois ocorreram muitos investimentos, com a liberação de verbas pelo
FUMEST para urbanização, estímulo ao comércio, à hotelaria, ao artesanato, ao turismo
interno e, consequentemente, à criação de empregos. O FUMEST investiu entre 1971 e maio
de 1976 a quantia de Cr$ 91.350.000,00, havendo obras em andamento no período que
estavam orçadas em Cr$ 10.850.000,00, sendo que as arrecadações municipais do mesmo
período somavam Cr$ 69.700.000,00. Esses dados foram apresentados pelo FUMEST para
que houvesse o devido conhecimento dos membros da Assembleia Legislativa na ocasião da
apresentação do referido projeto.
O Governo do Estado tinha pleno conhecimento da forma como as estâncias
estavam sendo administradas, pois encomendou-se um relatório que foi apresentado em 1971
pelo Plano Regional de Desenvolvimento Turístico do Circuito das Águas de São Paulo –
PLADETUR. O relatório visava um estudo dos aspectos econômicos e turísticos dos
municípios que integravam o Circuito das Águas Paulista, quais sejam Águas de Lindóia,
Amparo, Bragança Paulista, Lindóia, Monte Alegre do Sul, Serra Negra e Socorro. Para tanto,
realizou-se um amplo levantamento do perfil da região, incluindo evolução histórica,
morfologia, clima, população e infraestrutura.
Entre os pontos abordados no relatório, criticou-se o alto número de incentivos
fiscais que as estâncias concediam aos novos empreendimentos, comprometendo assim as
receitas, já consideradas insuficientes. Apontou-se que Serra Negra e Águas de Lindóia eram
as duas únicas estâncias que aproveitavam mais eficazmente o potencial turístico, e
sinalizava-se que a atração exercida pelas fontes e balneários de águas minerais ainda
constituía um fator importante, mas o termalismo em si havia deixado de ser a motivação
básica para as visitações. Assinalou-se que seria necessário um turismo de organizações para
que o movimento de visitantes ocorresse durante todo o ano, e não somente no período de
férias escolares. Segundo o relatório, as lacunas mais graves ocorriam no setor de recreação e
promoções culturais, sendo Serra Negra a única estância do circuito que mantinha hotéis de
bom nível, casas de campo e apartamentos pertencentes ou alugados para visitantes, além de
receber turistas nas temporadas. A cidade iniciou o chamado “turismo em trânsito”, onde os
visitantes provenientes de cidades vizinhas realizavam seus passeios em um único dia, tendo
como atrativo o comércio e os pontos turísticos voltados para eles.
305

Mesmo constrangida com a postura de alguns Deputados e a repercussão negativa


que causou o episódio do veto governamental, a “Lira” seguiu o restante do ano de 1976
cumprindo seus compromissos; em 18 de dezembro, porém, chegou à cidade a notícia do
falecimento do Maestro Ângelo Lamari. Ele estava em tratamento de saúde na cidade de São
Paulo. O Maestro Lamari se tornou referência musical da cidade e seu trabalho ainda é
reconhecido pelos músicos serranos.
A primeira notícia da “Lira” em 1977 não foi muito animadora: mais uma vez a
Corporação passava por dificuldades internas. Segundo a ata da diretoria da Banda registrada
em 20 de janeiro, tratou-se abertamente o problema. Especificamente, referiu-se à falta de
alguns músicos aos ensaios e aos concertos, fato este já registrado em 1975, quando a
discussão girava em torno das apresentações que ocorriam em dias úteis. Desta vez, a solução
para o impasse era mais delicada, pois os músicos faltosos eram integrantes de uma orquestra
de baile.

[...] passou a palavra ao regente, maestro Fioravante Lugli, que confirmou as


palavras do Presidente dizendo da impossibilidade da Banda prestar serviços
desfalcada de quatro ou mais músicos, como vem acontecendo. Disse da sua
responsabilidade como regente e da obrigação de todos zelar pelas tradições da
Corporação, evitando expô-la ao ridículo com a presença de um número reduzido de
músicos [...] (Ata da Assembleia Geral da Corporação Musical “Lira de Serra
Negra”, 20/01/1977).

Ouviram-se os músicos implicados, mas o problema maior era a questão


financeira, pois os vencimentos dos serviços prestados na “Lira” eram muito inferiores aos
oferecidos pelo dirigente da orquestra de baile.

[...] os músicos da Banda, que participando de uma orquestra desta cidade, não
conseguem comparecer a todos os serviços da Corporação, embora tenham
demonstrado a maior boa vontade para servir a Banda, onde ganham mísera
gratificação em relação aos seus ganhos na orquestra [...] (Ata da Assembleia Geral
da Corporação Musical “Lira de Serra Negra”, 20/01/1977)

Registraram-se algumas propostas, dentre elas a paralização das atividades da


Banda por alguns meses e a possibilidade de se aumentar o valor da subvenção que era
destinada à “Lira” oriunda dos cofres públicos; neste caso, seria necessário encaminhar um
pedido à Prefeitura Municipal. Outra proposta, a contratação de músicos das cidades vizinhas,
também esbarraria na questão orçamentária. Até o mês de maio não se encontrou qualquer
solução e a Banda permanecia paralisada.
306

Somente em novembro a “Lira” se reestruturou e promoveu uma festa em louvor a


Santa Cecilia, padroeira da música, comemorada no dia 22 de novembro. Como parte da
solenidade celebrou-se uma missa na Matriz Nossa Senhora do Rosário, que contou com a
participação da Banda de Música, do Conjunto da Saudade e do Coro Santa Cecilia. Após a
celebração, os convidados dirigiram-se à Sala da Banda para dar continuidade aos festejos,
ocasião essa em que se comemorou o retorno dos concertos da “Lira”, agendados para o
próximo ano.
Ainda em 1977, o maestro Fioravante Lugli manteve sua atividade como
professor de música, e as aulas ministradas mudaram de endereço.

Ilustração nº 55. Jornal O Serrano, edição de 07/08/1977

O ano de 1978 foi muito significativo para Serra Negra em razão da comemoração
do seu sesquicentenário, com uma avantajada programação. Iniciou-se com as festas
religiosas em louvor a São Benedito e a Santa Efigênia no mês de janeiro; no mês de fevereiro
ocorreram os festejos do carnaval.
As festividades perduraram no decorrer do ano; houve vários eventos, entre
congratulações e manifestações de carinho à cidade; o Jurista Dalmo de Abreu Dallari
também registrou sua afeição à terra natal através de um artigo publicado na imprensa local.
307

A COMUNIDADE SERRANA
Dalmo de Abreu Dallari
[...] A comunidade serrana existe, foi consolidada durante um século e meio de vida,
de trabalho, de sonhos, de lutas e de realizações, e nela se incluem serranos de
nascimento e serranos adotivos. Estes vieram de outras partes do Brasil ou muitas
vezes, de terras longínquas, fazendo de Serra Negra a base de sua afetuosa dedicação
a seu povo e a um lugar. Outros nascidos na comunidade serrana, foram levados a
percorrer os caminhos do mundo, mas quase sem exceção, mantiveram-se
afetuosamente ligados a Serra Negra, que continua sendo sua comunidade.
Assim sendo, a comunidade serrana é, na realidade, uma grande família, cujos
membros podem estar fisicamente distantes, mas estão sempre muitos próximos
afetivamente, alegrando-se com as alegrias de todos os serranos e entristecendo-se
com suas tristezas.
E nesta hora em que, ao completar cento e cinquenta anos de existência, Serra Negra
fica toda engalanada, saudosa do seu passado, orgulhosa de seu presente e confiante
em seu futuro[...] E mais do nunca tomam consciência de que Serra Negra tem um
rico patrimônio histórico e cívico, que é preciso preservar e enriquecer, o que exige
a participação efetiva de todos, em tudo que seja de interesse da comunidade[...] (O
Serrano, 01/10/1978)

No mês de julho, no dia 23, a comunidade musical serrana perdeu outra figura
importante para a sua história: Luiz Lamari, falecido poucos anos após a morte de seu irmão,
Ângelo Lamari.

Foto nº 96. Maestro Luiz Lamari. Fonte: Galeria de Retratos da Corporação Musical
“Lira de Serra Negra”. Acervo da pesquisadora
308

No final do ano de 1978, os músicos, entre outras reivindicações, encaminharam


proposta ao chefe do executivo, solicitando aumento e regularidade nos pagamento das
apresentações, e intervalos entre as datas dos concertos. A proposta foi apreciada e aceita no
início de 1979, e as apresentações passaram a ser quinzenais, com o devido aumento nos
pagamentos.
Em março de 1979, ocorreu o falecimento de mais um músico serrano: Donato
Albertini, um dos fundadores da Jazz Band Melodia, que também integrou a Banda “Renato
Perondini” e a “Lira de Serra Negra”. Albertini, além de músico, exerceu as profissões de
serralheiro e de carpinteiro.

Foto nº 97. Apresentação da Corporação Musical “Lira de Serra Negra”, na cidade de


Socorro/SP. À frente da Banda, o Maestro Fioravante Lugli, década de 1970.
Foto cedida por Fioranvante Lugli. Acervo da pesquisadora.
309

O Conjunto de Baile “André & Orchestra” e sua trajetória

Uma orquestra de baile começou a se configurar em 1973, com a designação de


“The Gold Fingers”. O músico André Afonso Bertini, conhecido como Afonsinho, era o seu
regente, diplomado em 1974 em licenciatura plena em Música pela Pontifícia Universidade de
Católica de Campinas. Seu primeiro instrumento foi o cavaquinho e, mais tarde, órgão e
teclado. Ele era filho do músico Afonso Bertini.

Foto nº 98. Conjunto The Gold Fingers, década de 1970. Foto cedida por Geraldo Vicentini.
Acervo da pesquisadora.

Ah! Quando começou, era eu, o Irineu e o Schiavo, só. Depois o Schiavo logo
parou. Aí que foi arrumando mais músicos, era eu no trompete e o Schiavo no sax.
Aí foi indo. Aí o André resolveu, já eu no trompete. Arrumou mais um no trompete,
no trombone, vinha um de Amparo, que até já faleceu, é falecido[...] O Luiz que toca
conosco aí, também fez trombone uma época. E aí foi, mas a maioria foi com
músico daqui, tinha de Águas de Lindóia, trompetista, o Vadinho, falecido também.
(Geraldo Vicentini, 2014, Serra Negra/SP).

Em 1974, o conjunto de baile de Afonsinho surgiu com outra designação,


“Bemerson”, já conquistando espaço nos eventos realizados no clube de Serra Negra, como
também se apresentando em outras cidades.
310

“BEMERSON” NO CLUBE HOMS


Ontem, sábado, o Conjunto “BEMERSON”, dirigido pelo Afonsinho, esteve
atuando na capital paulista, num dos clubes mais famosos e tradicionais, Clube
Homs. Contratado para a realização de um baile de formatura, por estudantes de
importante colégio paulistano, o Afonsinho foi escolhido por elementos da comissão
que tiveram a oportunidade de ouvi-lo, numa das apresentações no Serra Negra E.C.
[...] (O Serrano, 03/03/1974)

A partir de 1975, o conjunto passou a ser chamado “André & Orchestra”. O


depoente Armando Menegatti foi convidado por André para ser seu sócio e lembrou das
condições precárias vividas pelo conjunto musical no início de sua formação.

Com André? Ele ia formar uma orquestra, sabe? Aí ficamos sócios, eu não queria,
ele falou: vamos! Vamos tocar fora! Fazer isso, fazer aquilo, porque ele já tinha um
conjuntinho de músicos, mas ele ia tocar, queimava o aparelho, tinha um
aparelhinho fraco, tinha um Volks, não dava para carregar a turma. Naquele tempo
eu tinha uma (caminhonete), vai com seu carro, tem mais condições. Compramos os
aparelhos que precisava, umas caixas de som. Mas que loucura, tinha um empresário
que trabalhava com Altemar Dutra e pegava baile para nós. Começou a pegar baile,
baile em Uberaba, baile em Santos, São Paulo, sofri para acompanhar isso
aí[...](Armando Menegatti, 2014, Serra Negra/SP).

Foto nº 99. “André & Orchestra”, década de 1970. Foto cedida por Geraldo Vicentini. Acervo
da pesquisadora.

Armando rememorou também que, além de solucionar os problemas relativos aos


equipamentos, o Conjunto necessitava de uma postura profissional. Para tanto, passou a se
apresentar uniformizado; as vestimentas eram de alto custo, e inúmeros modelos foram
311

confeccionados ao longo dos anos. O repertório era bem variado e os arranjos eram
encomendados a um músico profissional chamado Diógenes, que integrava o naipe de metais
da Orquestra Sinfônica de Campinas, sendo o 1º trombonista. Dentre as músicas
selecionadas, estavam as executadas por Glenn Miller, Ray Coniff e Pérez Prado.
O depoente Vandair Muniz afirmou que a lista das peças era imensa, e incluía
também samba, bossa nova, bolero, valsa e MPB, justificando a extensão do repertório por
irem os bailes das 23 horas até às 4 horas.

Ensaiava às quarta-feira. Mas, sempre quando não tinha baile, o ensaio era forçado
de tudo jeito, no sábado e domingo tocava no Vale do Sol. Eram cinco pessoas com
dois cantores, precisava ter bastante música em cada pasta. (Renor Perondini, 2011,
Serra Negra/SP)

O apelido era Tuim. O nome dele era Diógenes, e ele quem fazia todos os arranjos.
Então o Afonso... surgiu uma música nova. O Afonso gravava no gravador, levava lá
na casa dele e o Tuim tinha uma competência que nunca vi. Ele fazia do jeito que
você queria, mas, na maioria, ele pegava, estava gravado daquele jeito, ele ia lá... só
que o Tuim, tinha uma facilidade que eu nunca vi. Ele pegava esses gravadorzinhos
de fita, daquela época, e rodava dois, três compassos, ele mesmo fazia as linhas em
um papel lá, rodava dois compassos, ele já punha lá, o trompete, punha o sax, o sax
tenor, punha o barítono, punha o baixo, punha a guitarra. Apertava, rodava mais
dois, três compassos, punha lá...Sai prontinho! Ele conhecia muito o braço do
violão. Ele tinha todos os sons dos acordes na cabeça, então ele tinha facilidade.
(Geraldo Vicentini, 2014, Serra Negra/SP).

Foto nº 100. André & Orchestra. Foto promocional tirada nas dependências do Vale do Sol, em
1975, Serra Negra/ SP. Foto cedida pelo depoente Armando Menegatti. Acervo da pesquisadora
312

O depoente Armando Menegatti lembrou que alguns arranjos não soavam muito
bem, provocando irritação no Maestro André, e eles eram logo descartados do repertório, o
que causava prejuízo para o conjunto, pois já haviam sido pagos. Os ensaios aconteciam na
Sala da Banda uma vez por semana, e, em cômodo anexo, guardavam-se os equipamentos do
conjunto.
A atuação da Orquestra causou muitas polêmicas e descontentamentos, pois
André convidou os músicos integrantes da Banda “Lira” para fazer parte do conjunto,
oferecendo melhores honorários e, em algumas ocasiões, as apresentações coincidiam,
causando os entraves já mencionados, como os ocorridos em 1975 e 1979, quando a “Lira” foi
obrigada a cancelar seus ensaios e a recusar alguns concertos por falta de músicos.

Foto nº 101. André & Orchestra. Foto promocional, década de 1970. Foto cedida
pelo depoente Armando Menegatti. Acervo da pesquisadora.

A situação ficou ainda mais tensa quando comunicou-se ao conjunto que o grupo
teria o prazo de 60 dias para desocupar a Casa do Músico. Em março de 1978, a Prefeitura
Municipal de Serra Negra emitiu o documento, causando explosiva indignação ao Maestro
André, o qual publicou uma carta aberta à população serrana272 narrando o ocorrido e
responsabilizando a Diretoria da Banda “Lira”.

272
ANEXO Nº 10
313

[...]Causou estranheza mesmo, para todos os componentes da orquestra, essa grande


injustiça que pretendem nos fazer, porém sabemos que os mentores disso tudo, são
os dirigentes da Banda. Até parece que nós é que somos os culpados pela má
situação que ela se encontra[...] E, diga-se de passagem, sem auxilio nem subvenção
de ninguém. A não ser a Casa do Músico, que nós ocupamos para os ensaios [...] (O
Serrano, 12/03/1978).

Após a publicação na imprensa local e a grande repercussão do acontecimento, os


ânimos se acalmaram e a Orquestra continuou a utilizar a Sala da Banda; porém, a discórdia
persistiu por muitos anos.
Independentemente das rusgas, a Orquestra conseguiu manter-se no mercado de
bailes, sendo, consequentemente, muito respeitada. Os músicos depoentes lembraram que a
grande preocupação do Maestro André era com relação à performance da Orquestra,

Ah! O André era meio caprichoso nos ensaios. O André sempre teve cantor e
cantora bons, sempre teve. Ele dava a fita para os cantores e cantoras e aí ia para
orquestra. A orquestra ele pegava mesmo, compasso por compasso, naipe por naipe,
compasso que estava... ele pegava, tirava até limpar, até sair, depois que a orquestra
estava pronta era só juntar. O cantor já estava de cor. O André era muito caprichoso
e entendia muito de orquestra. (Geraldo Vicentini, 2014, Serra Negra/SP).

Lá você não tinha como não tocar, você tinha que tocar, você sozinho tinha que
fazer a sua parte. A formação era: 1 sax alto, 1 sax tenor, 1 sax barítono, 1º, 2º e 3º
trompete, 1º e 2º trombone, não tinha como se esconder. (Vandair Muniz, 2016,
Serra Negra/SP).

Como lembrou o músico Menegatti, depois de um tempo o Conjunto “André &


Orchestra” passou a ser assessorado pelo mesmo empresário contratado pelo cantor Altemar
Dutra, possibilitando por inúmeras vezes assinar contratos para acompanhar alguns artistas,
entre eles: Francisco Egydio, Jamelão, Martinha, Nelson Gonçalves, Wilson Simonal, Toni
Angeli, Benito de Paula, Jorge Bem, Luiz Ayrão, Jair Rodrigues e o próprio Altemar Dutra.

Comecei tocando sax alto e depois toquei barítono. E quanto a gente fazia baile
assim, na metade do baile, por exemplo, aparecia ... tinha sempre show de artista. Eu
toquei junto com Altemar Dutra, aqui no Vale do Sol, depois uns bailes assim que a
gente tocava, eles faziam o show deles, e tinham (todas) as partes dos músicos para
acompanhar eles, o Francisco Egydio, Jamelão (Renor Perondini, 2011, Serra
Negra/SP).

Mas quem tocava junto mesmo foi com o Altemar Dutra. (Ele) vinha ensaiar, vinha
ensaiar em Serra Negra. Ele tinha uma casa em Conchal, então ele vinha e às vezes
ficava aqui mesmo. Ah! Mas, era bacana. Um dos artistas mais bacanas que eu
conheci foi o Altemar Dutra, Nossa Senhora! Esse era amigo da gente mesmo.
Nossa! Era bacana! Ele exigia nos ensaios, as coisas certinhas, mas fora disso, Nossa
Senhora! Era amigo da gente. (Geraldo Vicentini, 2014, Serra Negra/SP).
314

Foto nº 102. “André & Orchestra” juntamente com Wilson Simonal, em uma apresentação
realizada no Serra Negra Esporte Clube, década de 1970. Serra Negra/SP. Foto cedida pelo
depoente Geraldo Vicentini. Acervo da pesquisadora.

Através das apresentações com Altemar Dutra é que nasceu uma sólida amizade
entre o músico e o Maestro André, permitindo a presença do conjunto nas apresentações,
inclusive nos programas Clube dos Artistas e Raul Gil. Os ensaios eram realizados em Serra
Negra e Altemar273 se apresentou vários anos na cidade em um tradicional evento realizado
todo mês de dezembro.

Foto nº 103. Altemar Dutra e “Andre & Orchetra” em uma participação do Programa Raul
Gil na emissora Record. Foto cedida por Geraldo Vicentini. Acervo da pesquisadora

273
Altemar Dutra faleceu em novembro de 1983 e foi homenageado na apresentação da “André & Orchestra”, no
show realizado em 30 de dezembro de 1983, em Serra Negra/SP.
315

[...] Altemar Dutra aqui esteve, por várias vezes, pelas mãos de André Afonso
Bertini, para participar das missas celebradas tradicionalmente no dia 30 de
dezembro, por iniciativa daquele maestro, seu particular amigo e compadre[...] (O
Serrano, 13/11/1983).

As constantes apresentações nas mais variadas cidades, em grandes clubes da


cidade de São Paulo, e consecutivos bailes no Ilha Porchat Clube contribuíram para o
reconhecimento do trabalho desenvolvido pela Orquestra, que, em 1979, foi contemplada com
um troféu numa premiação promovida pelo jornal O Gladiador de São Paulo.

Ilustração nº 56. Jornal O Serrano, edição de 23/03/1980

Em Serra Negra, “André & Orchestra” se apresentava no Hotel Vale do Sol, e


durante anos foi responsável pelos bailes de carnaval realizados no Serra Negra Esporte
Clube, período em que eram contratados instrumentistas serranos avulsos, proporcionando aos
músicos um complemento às suas rendas.
316

Foto nº 104. Carnaval no Serra Negra Esporte Clube em Serra Negra, década de 1980. Foto
cedida pelo músico Armando Menegatti. Acervo da pesquisadora.

Apesar do reconhecimento ao trabalho do Maestro André, a Prefeitura Municipal


não contratou a Orquestra durante um longo período, fato que não privou os serranos de seus
shows, pois o conjunto promovia anualmente sua retrospectiva.
A Associação Imprensa de Serra Negra promovia anualmente uma premiação para
os serranos que se destacavam em suas respectivas áreas. André Bertini foi vencedor do
prêmio do ano de 1984 no quesito “músico”.
Nas décadas de 1980 e 1990, os integrantes da “Lira de Serra Negra” Renor
Perondini, Irineu Cazotti, Geraldo Vicentini, Vandair Muniz, Mauricio Avona, Mario
Donizete Vasconcelos e Gerson Rodrigues da Fonseca também prestaram serviços para
“André & Orchestra”.
Para o conjunto esses anos foram muito profícuos, tanto que Renor Perondini,
Irineu Cazotti e Vandair Muniz caprichosamente anotaram todos os bailes realizados e os
respectivos locais, o que possibilitou apurar que no período compreendido entre 1984 a 1998
foram realizadas 972 apresentações, uma média de 69 bailes por ano, quase seis por mês.
Levando-se em conta que somente André Bertini era músico profissional, os demais
integrantes, que tinham outros afazeres, depois de alguns anos, gradativamente, abandonaram
o conjunto.
317

Seu eu contar para você todas as cidades, poderia ter trazido a lista, naquele tempo
tinha baile por tudo lugar, hoje parou um pouco. Aqui para o sul de Minas, tudo.
Cambuquira, Lambari, Machado, quantas cidades. Boa Esperança, São Sebastiao da
União, é longe! Altinópolis, Lenções Paulista, São Pedro da União, isso tudo aqui.
Aqui para o lado de Registro... Itapetininga, para aqueles lados a gente ia tocar
sempre. Toquei num jantar dançante nos Palmeiras, num domingo à noite. Chegava
segunda feira cedo, ia trabalhar. (Renor Perondini, 2011, Serra Negra/SP).

Eu trabalhei no sítio, depois vim trabalhar na serralheria, depois eu parei de


serralheiro voltei a trabalhar no sitio, depois voltei de serralheiro outra vez, porque
faltou grana depois eu fazia o sítio e serralheiro... tinha vez que eu chegava às 5:00
hs. da manhã em casa, 7:00 hs., eu estava na oficina. E quantos e quantos dias
aconteceu isso! E aí, que corpo que aguenta isso? Ainda mais serralheiro, serralheiro
é um serviço de arrebentar com a gente, prejudicar a saúde, tocando a noite inteira.
(Roberto Perondini, 2011, Serra Negra/SP)

Eu parei, será que foi em 88, que eu parei da Orquestra do André? Eu tenho uma
hérnia e aí... já não estava podendo viajar mais.... tinha a minha quitanda. Eu tinha
que viajar, em bailes às vezes ficava até dois (dias realizando os) bailes. A Edna
ficava sozinha na quitanda. Era muito sacrificado para ela. Aí tive uma hérnia, falei:
passou o carnaval. Fiz o carnaval, na semana seguinte, já fiz a cirurgia, ai tinha que
ficar mais de um mês parado. Sem soprar, fazer força, ai eu aproveitei e parei.
(Geraldo Vicentini, 2014, Serra Negra/SP).

Os contratos assinados pela “André & Orchestra” foram diminuindo ao longo dos
anos; as apresentações mais frequentes eram as realizadas em Serra Negra, no Hotel Vale do
Sol. Os músicos que acompanharam o conjunto desde seus primeiros anos desligaram-se e,
com o falecimento de André Afonso Bertini em fevereiro de 1999, as atividades da Orquestra
encerraram-se definitivamente.

Foto nº 105. Ápresentação do conjunto “André & Orchestra”, década de 1990. Foto cedida por
Vandair Muniz. Acervo da pesquisadora.
318

Foto nº 106. Orgão pertencente ao Maestro André Afonso Bertini.


Fonte: Foto Fagundes. Acervo da pesquisadora.
319

3.5 – OS ANOS DE 1980


A Corporação Musical “Lira de Serra Negra” e o novo cenário musical serrano

Devido a desentendimentos com o Poder Público, a “Lira” não renovou o contrato


para a realização de retretas no início do ano de 1980, e suas apresentações ocorreram nas
festas religiosas organizadas nos bairros rurais. Somente a partir do mês de setembro é que ela
voltou a realizar as costumeiras retretas. Para que se chegasse a essa solução, houve a
manifestação da população e o apoio da imprensa.

Ilustração nº 57. Jornal O Serrano, edição de 05/10/1980

O ano de 1981 também não foi muito proveitoso para a Banda de Música, razão
pela qual foram pouquíssimos os concertos agendados. O Maestro Fioravante Lugli se afastou
por um período e o músico João Corato o substituiu; mas Lugli continuou atuando como
professor da Escola de Música e retomou a regência no mês de abril.
320

Ilustração nº 58. Jornal O Serrano, edição de 05/04/1981

A partir de 1982, a “Lira” mudou os integrantes da diretoria, constituída, em sua


maioria, por não-músicos. Na eleição realizada em 08 de julho de 1982, foi eleito como
Maestro o músico João Gallo Corato274 e, na cerimônia de posse da nova diretoria, o Maestro
Fiorvante Lugli agradeceu a colaboração dos músicos durante seu período como regente.
Mesmo após seu desligamento da “Lira”, Fioravante continuou como professor da Escola de
Música.

[...]Com a palavra o ex regente Fioravante Lugli, muito emocionado iniciou sua


mensagem lembrando-se de que ainda muito jovem saiu de Serra Negra ingressando
na vida militar e, que só voltou a esta terra 30 anos depois e que já não tinha muitas
amizades sentindo-se muito só, durante estes últimos anos passou momentos de
muitas alegrias e felicidade ganhando muitos amigos e que tudo isso deve a todos os
músicos e diretores da “Lira”. Que sendo ele um músico profissional estará por toda
a sua vida disposto a dedicar-se pelos músicos em tudo o que for preciso a qualquer
hora do dia ou da noite lutando pelo interesse do músico. Desculpando-se de suas
possíveis falhas, de ofensas ou diferença de opiniões havida durante a sua
permanência na “Lira” como regente ou como músico, disse adorar a todos[...] (Ata
da Assembleia Geral da Corporação Musical “Lira de Serra Negra, 08/07/1982)

O afastamento do Maestro Fioravante causou certa perplexidade; a princípio não


se entendeu o motivo de sua saída, contribuindo isso para inúmeras suposições. No mês de
junho de 1982, anunciou-se que a “Lira” estava prestes a parar novamente, pois a Prefeitura
retirou-lhe a subvenção que já estava acordada para aquele ano. Em julho revelou-se a
composição da nova diretoria e a chegada do novo maestro, além da notícia de que a
subvenção voltou a ser direcionada para a Banda. Esses fatos deixaram dúvidas quanto à
existência de um componente político. Em uma coluna escrita por Lauro Correia e publicada
274
Membros da Diretoria eleita: Presidente – Sebastião Pinto da Cunha, Vice Presidente – Alvaro Ducceschi, 1º
Secretário – Sidney Antonio Ferraresso, 2º Secretário – Marcilio Tomaseli Guideti, Tesoureiro – Donato Andre
P. Albertini, Contrante – José Caetano dos Santos, Regente – João Corato e Sub regente – José Geraldo Dechetti
Vicentini.
321

no jornal O Serrano em 01 de agosto de 1982, alguns esclarecimentos foram feitos. Desse


contexto, o que chamou a atenção foi a postura de Fioravante Lugli de vir a público,
remetendo uma carta para o colunista Lauro, na qual esclarecia que ele indicou o nome do
músico João Corato para assumir a regência da Banda e não o fez sobre pressão alguma, mas
por acreditar no talento de Corato, pois já fora seu sub-regente e substituíra-o ocasionalmente,
demonstrando, outrossim, capacidade para ocupar o cargo.

Tomando conhecimento através da coluna Comentando, na qual o irrequieto e


destemido comentarista disse não entender duas coisinhas ocorridas nos últimos
lances da Corporação Musical, cabe-me, por obrigação, pelo menos no que me diz
respeito, tentar esclarecê-las. Creia-me que se a minha saída tivesse sido forçada por
qualquer tipo de pressão, jamais isso teria acontecido. Quando a minha formação
moral ou meus direitos são atingidos, luto até o fim. Não me curvo a nenhum
condicionamento. (Jornal O Serrano, 01/08/1982)

Após esclarecer a mudança na condução da “Lira”, o Maestro Fioravante dedicou-


se exclusivamente ao ensino musical – o número de músicos aptos para integrarem a Banda
era escasso. A preocupação na formação dos jovens motivou Fioravante a buscar ajuda do
Poder Público275. A Escola de Música, apesar de um número razoável de alunos, não
despertava o interesse para a atuação na Corporação Musical. Pensou-se, então, em levar o
ensino especializado para um bairro rural, sendo escolhido o Bairro da Serra, no qual o
projeto foi bem acolhido. Ministravam-se aulas semanalmente, no período noturno. Iniciaram-
se com cerca de 60 alunos inscritos, de ambos os sexos. Os instrumentos e material didático
foram fornecidos pela Prefeitura. Para facilitar o deslocamento dos aprendizes, também
disponibilizou-se um veículo. O depoente Vandair Muniz era um dos alunos e lembrou o
início de seu aprendizado.

Comecei a aprender música com 13 anos de idade. Com a escolinha que o Professor
Fioravante Lugli começou a dar aula lá no Bairro da Serra... quem comentou que ia
ter escolinha foi até o Irineu Cazotti, ele comentou que ia abrir escola lá no Bairro da
Serra. Ele falou: Por que você não entra? E acabei entrando.
Aí fomos no dia da inauguração da escola, fiz a inscrição e comecei a aprender
música. Começamos assim, um monte de gente fez. Aprendi, acabei gostando e
estou até hoje.
Quando começou a escolinha de música, no Bairro da Serra, eu não morava lá, eu
morava aqui no Bairro dos Cunhas e, como o Fioravante... a Prefeitura era quem
dava a condução para levar ele. Ele ganhava da Prefeitura para dar aula, ai pegava na
estrada e nós íamos até lá para aprender música. Uma vez por semana. Isso uma vez
por semana, quinta feira.

275
ANEXO Nº 11
322

Na época que nós começamos a aprender música, inscrito tinha 63 ou 64 alunos.


Tinha 10 mulheres. Tudo mais ou menos na faixa etária minha, tudo criançada!
(Vandair Muniz, 2016, Serra Negra/SP).

Para estimular os aprendizes, Fioravante convidou os músicos para que,


individualmente, através de uma demonstração, propagassem os seus respectivos
instrumentos. O depoente Roberto Perondini, mesmo afastado da Banda, compareceu para
explicar as possibilidades sonoras do bombardino; na ocasião a Banda executou peças do seu
repertório.
Vandair permaneceu na Escola de Música por três anos e, em 1985, através do
encaminhamento do Professor, ingressou na “Lira”, assim como outros alunos, tanto da
cidade como do núcleo do Bairro da Serra. Os alunos passaram à prática com a oportunidade
de tocar em conjunto e sob a regência de um músico experiente, como João Corato.

A Escola de Música da Prefeitura Municipal local inaugarada em 1974, com a


principal finalidade de formar novos músicos, especialmente para nossa Corporação
Musical “Lira Serra Negra”, que enfrentou graves problemas com a falta de
músicos. O primeiro diretor da escola foi o saudoso maestro emérito Ângelo Lamari.
Atualmente a escola é dirigida pelo maestro emérito tenente Fiorvante Lugli que, a
exemplo do maestro Angelo Lamari, também durante muitos anos prestou os mais
relevantes serviços à Corporação Musical “Lira Serra Negra”, como regente dos
mais capacitados e dedicados.
A Escola de Música, funcionando em prédio no Bairro da Serra, está cumprindo à
risca e com muita eficiência a suas finalidades. Formou mais de uma dezena de
músicos que já integrados e prestando serviços à nossa querida Banda de Música,
contentemente regida pelo maestro João Corato, que se esforça no aperfeiçoamento
dos novos músicos.
A nosso pedido, o maestro Fioravante Lugli, por intermédio do diretor da
Corporação Musical “Lira Serra Negra”, Álvaro Ducceschi gentilmente nos
forneceu a relação dos 14 novos músicos formados pela Escola de Música da
Prefeitura, com os respectivos instrumentos. São os seguintes:
Walentim Bueno de Souza, Clarinete; José Passadori Muniz, sax alto; Atilio Fioritti,
sax ternor; Gustavo Baccin, piston; Mario Donizete Vasconcelos, piston; Mauricio
Humberto Avona, trombone; Benedito Aparecido Lucio de Vasconcelos, trombone;
Alexandre Argentini Bussoleto, bombardino; Gilberto Ross, surdo; Adilson
Aparecido de Oliveira, repique; Etore Baldini Neto, piston e Marcos Estevam
Albertini, repique[...](O Serrano,12/05/1985).
323

Fioravante Lugli realizou um profícuo trabalho, o


qual surtiu bons resultados, pois dentre os alunos da Escola
Rural, quatro ainda integram os quadros da “Lira”; são eles:
Benedito Vasconcelos, Mauricio Avona, Mario Vasconcelos e
Vandair Muniz276. O Maestro atuou até o final da década de
1980 e inúmeros jovens e adultos não somente receberam seus
ensinamentos277, como, também, participaram da “Lira”.
Faleceu em dezembro de 2000, aos 86 anos.

Foto nº 107 – Maestro Fioravante Lugli,


década de 1980. Fonte: Galeria de
Retratos da Corporação Musical “Lira de
Serra Negra”. Acervo da pesquisadora

Após, João Corato assumir a regência da “Lira” em 1982, deparou com os


mesmos problemas enfrentados nos anos anteriores, como a falta de músicos; porém, havia
um agravante: as dificuldades eram acompanhadas pela população através da imprensa local
e, algumas vezes, o que se noticiava não correspondia à realidade, causando situações
embaraçosas, pois eram envolvidos os membros da diretoria e o Poder Legislativo.
A vinda dos jovens instrumentistas para a Banda amenizou o problema da falta de
músicos. O assunto constou da pauta na ata da Reunião da Diretoria de 15 de maio de 1985.

Presentes os diretores Sidney Antonio Ferraresso, Donato André Peruffo Albertini,


João Corato, José Caetano dos Santos e o músico Nelson Nunes Felix. Ficou
deliberado na reunião que seriam confeccionadas partituras e cadernos de música
reduzidos para anexação aos instrumentos para maior facilidade dos músicos. Ficou
também acertado o aproveitamento dos novos músicos da escola de música do
Bairro da Serra mantida pela Prefeitura, pois mais uma vez constata-se a dificuldade
com a falta de músicos. (Ata da Diretoria da Corporação Musical “Lira de Serra
Negra”, 15/05/1985).

276
ANEXO Nº 12. Foto músicos
277
Alguns alunos do Maestro Fioravante Lugli: Adriana Marchi de Menezes, Claudio Bernardino Marques,
Claudia Felipe da Silva, Claudio Lugli, Décio Berlofa Citrângulo, Edivaldo Benedito Delangélica, Gustavo
Catanezzi Baccin, Irineu Evangelista Cazotti, José Carlos Botelho Bragatto, José Guilherme Lopes de Menezes,
Laercio Pedroso de Carvalho, Luiz Antonio Benedito Lugli, Luiz Renato Perondini Fachini, Patricia Marchi de
Menezes, Ettore Baldini Neto e Renato de Toledo Perondini.
324

Em meio aos problemas musicais enfrentados pela Banda, uma notícia foi positiva
o concerto realizado em julho de 1985, pela Orquestra Sinfônica de Campinas, evento
comemorado significativamente na cidade, já que o músico Claudio Bernardino Marques,
trombonista, era um dos seus integrantes. Claudio iniciou seus estudos com Fioravante Lugli,
foi membro da Banda “Lira” e da “André & Orchestra”, até que, em junho de 1982, foi
admitido através de concurso público para ocupar o posto de primeiro trombone da referida
orquestra, tornando-se uma referência para os músicos serranos.
A última diretoria da “Lira” havia sido eleita para assumir um período
compreendido entre os anos de 1982 a 1983. Não se convocou uma nova eleição nos anos
posteriores como previa o estatuto. O imbróglio veiculou-se na imprensa e causou sérios
constrangimentos; com isso marcou-se uma Assembleia Geral para eleger a nova diretoria em
setembro de 1985.
Há muitos anos que os cargos da associação musical não eram tão concorridos.
Apresentaram-se duas chapas concorrentes: a primeira possuía em sua composição não-
músicos; a segunda, era composta somente por músicos serranos, com exceção do cargo de
presidente; todos eram componentes da “Lira”. Venceu a segunda chapa278, e elegeu-se o
Maestro André Afonso Bertini seu novo presidente, tendo como regente João Corato.
Apesar das desavenças ocorridas durante anos, André Bertini iniciou o trabalho
para melhorar as condições da “Lira”, sendo que o primeiro item foi regularizar o
agendamento dos concertos.

E a nova diretoria seguiu angariando fundos para o novo fardamento. Para tanto,
André Bertini entrou em contato com os diretores do Clube local e, através do apoio recebido,
promoveu um baile com a “André & Orchestra”, cuja renda reverteu-se para a confecção do
uniforme.

278
Membros eleitos: André Afonso Bertini, Presidente; Geraldo Vicentini, Vice Presidente; José Carlos Botelho
Bragatto, 1º Secretário; Roberto Silotto, 2º Secretário, Renor Silotto, Tesoureiro; João Corato, Regente; Antonio
Briotto, Sub Regente; Décio Citrângulo, Contratante e Gerson Rodrigues, Arquivista.
325

Foto nº 108. Corporação Musical “Lira de Serra Negra”, em frente a Igreja Matriz Nossa Senhora
do Rosário, Foto tirada para estreia do novo uniforme. Percebe-se a presença dos jovens
instrumentista, alunos de Fioravante Lugli. Maestro João Corato. Serra Negra, 20/07/1986.
Acervo da pesquisadora.

O Maestro João Corato regendo a “Lira Serra Negra” por ocasião da apresentação
do seu novo uniforme.
A grande preocupação dos serranos, de que a sua corporação musical “Lira Serra
Negra” encerasse suas atividades, felizmente aos poucos vai se desvanecendo, diante
da firme atuação e vontade do seu atual presidente, Prof. André Afonso Berini, que
tudo tem feito para preservar uma das nossas mais caras tradições.
Neste domingo que passou, Serra Negra viu e ouviu, entre emocionada e comovida,
a sua garbosa “Lira” desfilar pelas ruas centrais sons marciais ecoaram pelas ruas e
praças, enchendo de alegria os serranos e turistas, satisfeitos com o revigoramento
de sua banda e pelo natural encanto que ela traz.
O Jornal “O Serrano” que sempre batalhou pela preservação desse nosso patrimônio
musical-cultural, prazerosamente se associa ao júbilo da população, pela nova e
promissora fase de sua querida “Lira Serra Negra”. (O Serrano, 20/07/1986)

Apesar de algumas jovens frequentarem a Escola de Música, inclusive a do bairro


rural, nenhuma mulher serrana tinha se habilitado a ingressar como instrumentista na Banda
de Música. Isso somente ocorreu, em 1986, devido ao estímulo de Fioravante Lugli e João
Corato.
326

Foto nº 109. Participação da Banda “Lira” na missa em louvor a Santa Cecilia,


padroeira dos músicos, realizada em 22 de novembro de 1986. Acervo da
pesquisadora.

Um furo do Maestro João Corato, para a nossa coluna: neste domingo, durante a
retreta que a Lira de Serra Negra fará na Praça João Zelante, uma mulher estará
presente fazendo parte da banda, pela primeira vez e quebrando um velho
preconceito. Seu nome é Claudia (sic) e o instrumento que vai tocar é a clarineta. O
caminho está aberto e esperamos que o exemplo seja seguido por outras jovens
interessadas na música. (O Serrano, 12/10/1986 – Coluna Comentando)

De fato, jovens meninas ingressaram na Banda a partir de 1989, como a


saxofonista Adriana e sua irmã, a clarinetista Patrícia Marchi de Menezes.

Foto nº 110. Corporação Musical “Lira de Serra Negra”, em frente ao Fórum de Serra Negra, em
novembro de 1992. Acervo da pesquisadora.
327

Nos anos de 1990, ocorreram mudanças novamente na “Lira”, e André Afonso


Bertini a regeu por um período, pois João Corato decidiu voltar a ser instrumentista. Na
sequência, assumiu como maestro Claudio Bernardino Marques, permanecendo de 1990 a
1997, e a presidência ficou a cargo do percussionista José Luis Siloto Giorio.
Em um trabalho conjunto entre a diretoria da Banda “Lira” e a Prefeitura
Municipal, reativou-se a escola de música; a parceria surgiu com o intuito de formar novos
instrumentistas para integrar os naipes da banda. Concretizando o projeto, ministraram-se as
aulas na Sala da Banda, e o Poder Público contratou Claudio Marques como professor, o qual
se comprometeu a dar continuidade ao trabalho que foi desenvolvido por seu professor
Fioravante Lugli.

Escola de Música
Foi muito bom o concerto da Escola de Música, mantida pela Prefeitura Municipal,
na última quinta-feira, no Parque Infantil. Esta apresentação vem coroar o trabalho
de 6 meses dos alunos e a dedicação do maestro Claudio Marques. Atualmente a
Escola conta com 65 alunos matriculados. Os alunos mais dedicados também já
estão mostrando seus talentos. Foi o que ocorreu durante a apresentação da
Corporação Musical Lira de Serra Negra, que tocou na praça domingo passado,
recebendo muitos aplausos do público presente. (Jornal O Circuito, 04/12/1993)

Foto nº 111. Corporação Musical “Lira de Serra Negra”, apresentação na Praça Barão do Rio Branco,
década de 1990, com a presença dos alunos da Escola de Música. Serra Negra/SP. Acervo da
pesquisadora.
328

Roberto Siloto Perondini assumiu a regência em 1998, depois do afastamento de


Claudio Marques. Ainda por alguns anos a Escola de Música formou instrumentistas que
foram encaminhados para “Lira”. Atualmente, a Escola passa por uma reestruturação.

Foto nº112. Corporação Musical “Lira de Serra Negra”, apresentação no Centro de


Convenções Circuito das Águas, década de 2000. Com a presença dos alunos da Escola de
Música. Serra Negra/ SP. Acervo da pesquisadora.

A Corporação Musical “Lira de Serra Negra” segue realizando seus concertos


costumeiros, com um repertório variado e executando em suas retretas peças de compositores
serranos.

Foto nº 113. Corporação Musical “Lira de Serra Negra”, apresentação na cidade de Águas de
Lindóia, em novembro de 2016. Foto cedida por Marco A. Vicalvi. Acervo da pesquisadora.
329

4 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

Iniciou-se o estudo partindo da suposição de que na cidade de Serra Negra a


movimentação musical seria intensa. Tal conjetura se baseou principalmente nos relatos dos
antigos músicos serranos que aproveitavam os intervalos dos ensaios da Corporação Musical
“Lira de Serra Negra” para rememorar as histórias vividas por eles ou narradas por seus
antecessores. A sede da “Lira”, também conhecida como Sala da Banda, continha uma galeria
de quadros composta por fotos dos antigos maestros, membros de diretoria e músicos, além
dos troféus ganhos nos concursos de bandas e certificados em reconhecimento pelas
atividades musicais desenvolvidas ao longo dos anos pelas Bandas de Música de Serra Negra.
O ambiente era propício para as lembranças. Outro detonador das velhas histórias eram as
partituras e, ao vê-las na estante, emergiam as trajetórias dos compositores, como a de
Nicolino Fatigatti, ou episódios vivenciados ao tocarem determinada peça musical, como o
dobrado “Lira Guarani” (NN), que era executado de cor pela banda, quando marchava pelas
ruas da cidade. Repertórios específicos escolhidos para as solenidades religiosas remontavam
às festas nos bairros rurais, às procissões em noites enluaradas ou chuvosas.
Tantas narrativas, envolvendo diversos músicos em diferentes períodos,
suscitaram o início da pesquisa.
Através da análise das fontes escritas (jornais, almanaques, textos
memorialísticos), orais (depoimentos orais) e imagéticos (fotografias e postais), evidenciou-se
que para acompanhar o movimento musical de Serra Negra seria necessário entender as
diferentes fases do desenvolvimento da cidade.
Encontraram-se pouquíssimos dados musicais referentes à fase anterior à
imigração italiana, apesar de indícios da atuação de uma banda de música e a presença de
compositores e músicos serranos, muitos de origem mineira remota.
A pesquisa permite afirmar que a imigração italiana contribuiu sobremaneira para
o incremento da economia, pois os imigrantes que se fixaram na área rural, adaptaram-se às
condições encontradas, expandiram a produção do café, diversificaram as pequenas culturas,
implantaram formas de ganho como a venda dos excedentes produzidos, tanto para seus pares
agricultores, como na área urbana. Alguns migraram da zona rural para a cidade,
estabelecendo-se como comerciantes; outros, ao chegarem à cidade, permaneceram com suas
sapatarias, marcenarias, alfaiatarias ou como professores de música. O aumento da
330

produtividade do café estimulou a instalação de um ramal ferroviário em Serra Negra e de um


crescente número de fábricas de beneficiamento do grão, além do aumento significativo da
população, que levou à diversidade dos postos de trabalho, haja vista, também, as
experiências profissionais trazidas do velho continente.
A organização das sociedades de mútua assistência direcionadas ao bem estar dos
integrantes da colônia italiana, a preocupação com a educação e, principalmente, com a
cultura musical através da atuação das bandas de música, dos professores e dos músicos
imigrantes e seus descendentes, puderam ser demonstradas através do levantamento realizado
na imprensa local e pelo legado deixado para as novas gerações.
Também possibilitou-se constatar a integração entre os músicos imigrantes e os
serranos, como Alfredo Dallari, que foi aluno de José Rodrigues da Silva Munhoz, e Zacarias
Quaglio, que regeu a Corporação Musical “Carlos Gomes”, conhecida como Banda Brasileira.
O Corpo Musicale “Umberto I” dividiu espaço com as bandas que se organizaram num
mesmo período. No entanto, é notória a soberania da Banda Italiana, tanto na sua duração,
como na frequência de seus concertos, com um repertório diferenciado, num primeiro
momento, com os tradicionais trechos de óperas e com as composições dos seus músicos,
sobretudo do Maestro Vincenzo De Benedictis, de seus filhos Alberto e Lívio, e do “lendário”
músico Nicolino Fatigatti.
Os dados também permitem constatar que esses músicos se utilizaram da
competência musical para se estabelecerem na cidade, oferecendo peças em homenagem às
autoridades locais e a seus familiares ou a eventos significativos. Como exemplo, lembramos
fatos já mencionados no corpo da tese, como no pleito de 1907, quando Francisco Pinto da
Cunha ganhou as eleições e o Maestro Vincenzo dedicou-lhe a marcha “14 de Dezembro”, ou
também quando da descoberta das águas radioativas de Lindóia, ocasião em que o compositor
Lívio de Benedictis dedicou a Mazurka “Águas Poderosas” ao Dr. Francisco Tozzi.
A crise do café tornou-se fator preponderante para que a cidade fosse reconhecida
como “estância de cura”. Nesse processo de transição, o imigrante e religioso Humberto
Manzini atuou conjuntamente com as lideranças locais para que a cidade fosse reconhecida
regionalmente através de benfeitorias, como o término da edificação religiosa da Igreja
Matriz, das construções da Santa Casa de Misericórdia e do Externato. Ele procurou mobilizar
a comunidade local para participar desses feitos e manteve nos serviços religiosos a presença
331

das Bandas de Música, tanto nas procissões como nas festividades realizadas nos bairros
rurais.
A descoberta das águas radioativas em Serra Negra deu um novo ânimo para a
cidade, direcionando o pequeno comércio para o atendimento aos veranistas e estimulando a
construção de novos hotéis. As mudanças foram lembradas de forma positiva por vários
depoentes, como Tereza Marchi, Oswaldo Saragiotto, José Franco de Godoy e Nelson de
Barros. A atividade musical também se diversificou, pois a inauguração de clubes sociais
permitiu aos músicos serranos a formação de pequenos conjuntos que se apresentavam nesses
espaços de recreação, possibilitando execução de um repertório diferenciado daquele
anunciado nos concertos das bandas, sendo que isso já acontecia com os grupetos que se
formavam para tocar nos bailes realizados na zona rural. Esse conjunto de composições
musicais, como vimos, era formado por valsas, polcas, maxixes, mazurcas, tangos, rancheiras,
sambas, rag time, choro e até dobrados.
Mesmo com a possibilidade da exploração das águas radioativas, o café ainda era
a principal fonte de riqueza da economia do Município, e a cidade ainda demorou a ganhar
impulso. A grande mudança só ocorreu no início da década de 1940, proporcionada por um
grupo de empreendedores que viram na instalação de um cassino a possibilidade de
desenvolvimento urbano e ganho financeiro, unindo a terapia aquática aos jogos de azar,
tendo como o modelo outras estâncias, como Poços de Caldas/MG.
A presença de um turismo diferenciado e elitizado, bem como a facilidade de
acesso aos shows que aconteciam no “Grill Room” do Cassino, permitiram à população e aos
músicos serranos obterem experiências diferenciadas daquelas às quais estavam acostumados.
Isso fica claro por terem os integrantes do conjunto “Garotos do Ritmo” uma postura similar,
tanto quanto à vestimenta como ao repertório, aos famosos grupos musicais contratados pela
Rádio Nacional e que participavam dos filmes brasileiros. Também as vozes femininas eram
cognominadas como as famosas cantoras do rádio: Demon Clayr era a “rainha do bolero”.
A Segunda Guerra Mundial rompeu com algumas tradições na cidade. A colônia
italiana não podia mais se expressar livremente, escondendo o apoio a Mussolini, sendo que a
Banda “Umberto I” perdeu seu posto de Banda Italiana. Por outro lado, como vimos, os filhos
e netos dos imigrantes foram convocados para servirem na Força Expedicionária Brasileira-
FEB.
332

Destarte, foi no pós-guerra que a economia serrana declinou, sobretudo com o


encerramento das atividades do Cassino (1946), fato que atingiu a todos, especialmente
aqueles que faziam os serviços que eram direcionados diretamente aos turistas, como os
prestados pelos charreteiros.
Mais uma vez Serra Negra se viu em busca de novas alternativas econômicas e
voltou o olhar à sua condição de estância, buscando verbas estaduais para a construção do
Balneário Municipal, intermediadas pelos Prefeitos nomeados, e investindo nas fontes de
águas radioativas como lugares de atração turística. Porém, a cidade já não era mais a mesma:
antigos prédios foram demolidos, como os pavilhões que abrigaram o Mercado Municipal e a
Casa de Câmara e Cadeia, que sediava o Fórum local. Nos anos de 1950 os jovens utilizavam
a praça central para a convivência social e os clubes ganharam outra dinâmica, apresentando
conjuntos musicais formados especialmente para aqueles espaços.
As iniciativas administrativas do Poder Público na década de 1950 permitiram o
avanço nos anos de 1960, embora de forma tímida, mas contribuíram sobremaneira para o
progresso que ocorreu na década seguinte, pois vários empreendimentos se iniciaram
anteriormente e, com a ajuda financeira do FUMEST, foi possível implementar obras públicas
de grande vulto.
A Banda “Lira de Serra Negra”, originada no pós-guerra, permaneceu inalterada e
fechada em si mesma por muitos anos. No decorrer das décadas de 1950 e 1960, a Corporação
“Renato Perondini”, composta tanto por músicos experientes como por jovens
instrumentistas, demonstrou energia e performance diferenciadas e representou Serra Negra
em inúmeras cidades, tornando-se razão do orgulho serrano após sua apresentação na Rádio
Nacional do Rio de Janeiro. Tal fato fez com que a “Lira” reagisse e se voltasse para a
trajetória dos músicos imigrantes, reivindicando o lugar de sucessora das tradições musicais
da “Umberto I”.
O respeito do maestro da Banda “Renato Perondini”, Fioravante Lugli, por seu
professor Ângelo Lamari, que era o Maestro da “Lira”, contribuiu para que as arestas fossem
aparadas e a convivência entre essas duas sociedades musicais melhorasse, a ponto de a
“Lira” acolher os músicos da “Renato” após o encerramento de suas atividades musicais.
Numa análise mais ampla do processo musical serrano, percebe-se que os músicos
tiveram o mesmo “berço”. O ensino musical iniciado por Ariovaldo de Campos, por Munhoz
e De Benedictis, foi transmitido para os Dallari, Lamari, Perondini, Morganti, Mattedi e
333

Lugli. Estes, por sua vez, repassaram para as novas gerações, sempre preocupados com a
formação dos músicos locais, muitos deles lecionando em suas próprias casas ou na Sala da
Banda, buscando regularizar essas escolas de música e, para tanto, fazendo parcerias com o
Poder Público. A passagem dos hábitos e conhecimentos musicais de geração a geração, como
vimos, fez com que as bandas e os conjuntos musicais serranos se tornassem exemplos de
qualidade e longevidade.
A grande maioria dos músicos descende dos imigrantes, tanto daqueles que
viviam na zona rural como dos que exerciam ofícios artesanais no centro urbano. A música
não constituía uma forma de manutenção econômica, mas podia complementar o orçamento
familiar. Sua principal função, entretanto, era permitir um reconhecimento social, muitas
vezes ausente, na época, para os descendentes de imigrantes desprivilegiados.
Assim, o exercício musical, além de constituir uma maneira prazerosa de ocupar o
tempo livre, era fonte de relacionamentos mais amplos, de reconhecimento social, gerando
até, principalmente no caso dos dirigentes, certa ascensão social.
Com a criação dos conjuntos musicais, esse movimento se ampliou para a região,
pois as apresentações realizaram-se também em outras cidades. A apresentação na Rádio
Nacional do Rio de Janeiro propiciou a reafirmação do prestígio da banda localmente,
contribuindo para que um musicista fundador da banda se tornasse Prefeito da cidade.
A Escola de Música, que existe há bastante tempo, fez com que a Banda, em
parceria com o Poder Público, formasse muitas gerações de músicos. Hoje encontra-se menos
atuante, mas há projetos de retomada das atividades de ensino. A educação não-formal no
interior da banda, entretanto, persiste, garantindo um mínimo de formação para os integrantes
mais jovens. Tocar na banda sempre foi atividade eminentemente masculina, iniciando-se a
introdução do elemento feminino em 1986, com a entrada da autora deste texto na corporação.
Nas décadas de 1990 e 2000, o número de musicistas femininas teve um aumento
considerável; atualmente três mulheres participam das atividades desse conjunto musical.
A importância das Bandas de Música na comunidade serrana pôde ser avaliada
através das fontes pesquisadas. A imprensa, desde 1905, vem publicando notícias sobre as
atividades musicais, especialmente das Bandas. Os Maestros possuem um espaço especial nas
matérias. Os munícipes acompanharam a trajetória dos seus músicos através dos concertos
regulares e das notícias veiculadas na imprensa local. O acervo do Legislativo está repleto de
informações do movimento musical serrano que, porventura, não se tornaram públicas, como
334

os Projetos de Lei para a criação de uma escola municipal de música, para compra de
instrumentos e aumentos de subvenções para as apresentações. Há ainda a riqueza dos
registros imagéticos guardados pelos músicos e seus familiares. Associado a tudo isso, estão
as informações contidas nos depoimentos orais colhidos. O intercâmbio entre os dados vindos
do textual, aliados aos dados imagéticos e complementados pela oralidade, permitiu perceber
as nuances do período pesquisado num movimento analítico de ida e vinda entre os diferentes
suportes.
No entanto, salienta-se que a oralidade foi fundamental para o entendimento de
determinados pontos levantados pelos outros suportes. Seria difícil entender a governança na
década de 1950, sem as explicações do depoente Irineu Saragiotto. Os anos de 1960, 1970 e
1980 ficariam incompletos sem os fatos narrados por Antonio Luigi Italo Franchi e Antonio
Siqueira, assim como seria difícil perceber as mudanças ocorridas em Serra Negra, sem o
olhar atento e as lembranças vivas de Oswaldo Saragiotto, Arminio Silotto, Tereza Marchi,
José Franco, Alcebíades Felix e Nelson de Barros. Os poucos registros sobre o impacto da
Segunda Guerra Mundial só ganharam relevância com as narrativas dos expedicionários
Oswaldo Saragiotto e Roberto Gambeta.
Se não fosse o depoimento do músico Claudio Corsetti falando dos “Garotos do
Ritmo”, não se saberia da existência de Demon Clayr e sua experiência no Cassino Serrano, o
que permitiu, através da busca da narrativa dessa cantora, ter conhecimento da atuação de sua
amiga, a também cantora Lourdes Godoy.
As vivências narradas pelos depoentes músicos, com detalhes do surgimento dos
agrupamentos musicais, das apresentações, dos embates entre eles, da relação com os
diferentes maestros e do convívio de alguns deles no meio musical serrano por cerca de
sessenta anos permitiram acompanhar o caminho musical da cidade, as mudanças de
repertório, o apoio da população local e, às vezes, o desprezo do Poder Público, fatos esses
que não haviam sido descritos em detalhe, e que, certamente, tornaram Serra Negra uma
cidade privilegiada musicalmente.
A ausência de um movimento musical semelhante nas outras estâncias do Circuito
das Águas Paulistas talvez contribua para que os turistas encontrem em Serra Negra, nas suas
visitas dia, um clima mais acolhedor e sedutor, o que os faz, muitas vezes, permanecer por
mais tempo nessa cidade e assim, intensificar seu consumo no comércio e restaurantes locais.
335

Percebe-se, outrossim, que as histórias das bandas e de seus músicos, apesar de


não sistematizadas, foram guardadas carinhosamente por aqueles que as vivenciaram e são
narradas com intensidade e entusiasmo aos pesquisadores interessados.
Finalmente, espera-se que o presente estudo estimule novas pesquisas e venha a
enriquecer a História Musical Serrana.
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350

APÊNDICE Nº 01

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE)

DOUTORADO DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO DA FACULDADE DE


EDUCAÇÃO DA UNICAMP.

Título: VIDA MUSICAL, IMIGRAÇÃO ITALIANA E DESENVOLVIMENTO


URBANO: A trajetória sócio-histórico-cultural de Serra Negra, ao longo do
século XX.

Pesquisadora Responsável : Claudia Felipe da Silva (Doutoranda do Programa de Pós-


Graduação da Faculdade de Educação da Unicamp)
Orientador : Profa. Dra. Olga Rodrigues de Moraes von Simson

Você está sendo convidado a participar como voluntário da pesquisa de doutorado sobre a vida
musical desenvolvida em Serra Negra/SP, bem como a transformação da cidade. O objetivo desta
pesquisa é compreender o desenvolvimento das atividades musicais na cidade de Serra Negra a partir
da atuação do Corpo Musicale "Umberto I" de Serra Negra (1898-1942), com a criação de novas
bandas de música, conjuntos musicais, orquestra para baile, orquestra experimental de repertório,
banda de pop rock e escola de música. O trabalho também visa entender o papel das instituições
musicais e a atuação de seus membros para a continuidade do ensino musical na comunidade, como
também estudar esse universo musical na relação de trabalho, de poder e na relação social tanto no seu
interior, na comunidade local e na sociedade como um todo. Apesar do estudo contemplar o aspecto
musical de Serra Negra outros temas serão abordados com a finalidade de entendimento da
transformação da cidade ao longo dos anos.
Solicitamos sua colaboração para a coleta de depoimentos, com perguntas sobre a sua
trajetória pessoal e musical, de membros de sua família e amigos. Sobre seu aprendizado musical e
atuação nos grupos existentes na cidade e as lembranças pessoais sobre a cidade. Os depoimentos
serão agendados de acordo com a conveniência dos depoentes.
É garantido a todos os voluntários o fornecimento de quaisquer informações sobre a pesquisa
antes, durante e depois da realização da mesma. Igualmente, é altamente garantido que os sujeitos da
pesquisa possam recursar-se a participar em qualquer momento, sem que isso lhes cause qualquer
penalidade ou represálias de qualquer natureza.
O sigilo dos dados confidenciais é garantido aos voluntários, bem como o sigilo de
informações que, de algum modo, possam lhes causar constrangimentos ou prejuízos.
Como trata-se de uma pesquisa qualitativa, os possíveis desconfortos e riscos dos sujeitos são
aqueles inerentes à subjetividade dos depoentes, como o receio de narrar algum fato, o receio de expor
suas ideias e sobre a repercussão do depoimento. Entre os benefícios estão à oportunidade de narrarem
suas vivências pessoais e musicais e como vivenciaram e participaram do desenvolvimento da cidade
de Serra Negra, contribuindo ainda, para discussões sobre a temática “transformação da cidade”,
“banda de música” e “ensino de música” nas pequenas cidades interioranas.
Não haverá nenhuma forma de reembolso de dinheiro, uma vez que os voluntários não terão
nenhum gasto com a participação na pesquisa.
Com a devida autorização, a entrevista será gravada em aparelho digital e depois transcrita. Os
dados serão usados para fins acadêmicos. Você receberá uma devolutiva de seus depoimentos
devidamente transcritos ao término da pesquisa. Após a conclusão da pesquisa as gravações poderão
fazer parte do acervo do Laboratório de História Oral do Centro de Memória da UNICAMP., podendo
ser objeto de pesquisa de futuros estudiosos. Em publicação futura os entrevistados poderão ser
nominalmente mencionados desde que estejam concordes com o conteúdo da tese de doutorado.
351

Você receberá uma via deste Termo, devidamente assinada por ambas às partes
(pesquisador e pesquisado), onde constam também os telefones do pesquisador com quem você poderá
esclarecer ou tirar suas duvidas sobre o projeto e sua participação a qualquer momento; e também da
Secretaria do Comitê de Ética em Pesquisa para denuncias e questões éticas.

Ante as informações constantes no presente Termo de Consentimento Livre e Esclarecido


(TCLE) :

Li e entendi o documento de consentimento e o objetivo do estudo, bem como


seus possíveis benefícios e riscos. Tive oportunidade de perguntar sobre o
estudo e todas as minhas dúvidas foram esclarecidas. Entendo que estou
livre para decidir não participar desta pesquisa e que também poderei
retirar meu consentimento a qualquer momento. Assim sendo:

( ) ACEITO que minha entrevista seja gravada e transcrita


( ) NÃO ACEITO que minha entrevista seja gravada e transcrita

( ) CONCORDO com o armazenamento das gravações.


( ) NÃO CONCORDO com o armazenamento das gravações

( ) CONCORDO com a revelação de meu nome quando a tese ou artigos forem


divulgados
( ) NÃO CONCORDO com a revelação de meu nome quando a tese ou artigos forem
divulgados

Serra Negra, ______de_______________20_____

___________________________________________________
Nome e assinatura do participante

___________________________________________________
Nome e assinatura do pesquisador

Contato com a pesquisadora:


Claudia Felipe da Silva
Faculdade de Educação
Av. Bertrand Russel, 801. Cidade Univerditária “Zeferino Vaz”
CEP 13083-865 - Campinas
Telefone da Pesquisadora: (19) 9775 5376
Email : calfelipe@uol.com.br

Denúncias e/ou reclamações referentes aos aspectos éticos da pesquisa devem ser dirigidas para:
Comitê de Ética em Pesquisa: (19) 3521 8936
Rua Tessália Vieira de Camargo, 126
Cep : 13083-887 Campinas / SP
Email : cep@fcm.unicamp.br
352

APÊNDICE Nº 02
FAZENDEIROS DE CAFÉ / FAZENDEIROS DE CANA DE AÇÚCAR

CAFÉ
Affonso Carlos da Silva Telles Joaquim Franco de Moraes Pedroso
Antonio B. de Vasconcellos e Silva Joaquim Franco de Oliveira Ramalho279
Padre Antonio C. Leme Joaquim de Godoy Bueno
Antonio Domingues Gonçalves Joaquim José Fróes
Antonio Gomes Moreira Joaquim de Oliveira Preto
Antonio Joaquim Leme Pedroso Joaquim Rodrigues Preto
Antonio Machado de Campos Joaquim de Souza de Godoy
Antonio Pinto Nunes Ten. José de Araujo Ferraz
Antonio Pires de Ávila José Caetano de Souza
Antonio Pires R. Pimentel José Camilo de Godoy
Bento da Costa Figueiredo José Correa de Souza
Bento José Cardoso José D. de Souza Leitão
Alferes Cândido José de Abreu José Francisco Maciel
Cesário José Rodrigues José Franco da Cunha
Custodio José de Ávila José Gabriel do Nascimento
Cypriano de Souza Moraes José Leme da Silva
Demetrio H. de Moraes José Maria de Oliveira Leme
Elias Ayres de Oliveira Franco José Machado de Barros
Elias José Alves Fróes José Machado de Barros Junior
Estevão Franco de Godoy José de Souza Godoy
Fabiano Franco de Godoy José de Souza Moraes
Fortunato José de Moraes José Vaz de Lima Sobrinho
Cap. Francisco de Assis F. Sampaio Lucas da Silveira Franco
Francisco José Fróes Luiz Antonio Leme
Francisco Marcelino Fróes Manoel Antonio de Oliveira Leme
Francisco Pires da Silva Manoel Bueno da Silva
D. Gertrudes de Oliveira de Pádua Manoel Joaquim de Oliveira Leme
Ignácio Cardoso dos Santos Alf. Manoel Mariano P. de Oliveira
Januario Machado de Campos Manoel de Souza de Moraes
João Antonio Machado Junior D. Manoella Pires de Oliveira
João Antonio Peruche D. Manoella Rodrigues Cesar
João B. de Vasconcellos Maximiano José Correa
João Chrysostomo Pupo Modesto Baptista da Silva
João Correia Pedro Rodrigues Fróes
João Franco de Godoy Alf. Pedro Rodrigues de Oliveira Franco
Cap. João M. da Cunha Franco D. Rita de Souza
João Machado de Souza Campos Raymundo de Souza de Moraes
João Octavio de Oliveira Roberto José de Abreu
João Pires Baptista Salvador D. de Souza Leitão
Joaquim Baptista de Vasconcellos Salvador M. Pinto de Oliveira
Joaquim Cardoso de Godoy Alf. Salvador Pires da Fonseca
Joaquim da Costa Figueiredo Veríssimo José de Almeida
Joaquim Domingues Paes Major Vicente Ferreira Alves Nogueira

AÇÚCAR
Antonio de Moraes Cardoso José de Moraes Cardoso
Felippe Antonio Pereira José Rodrigues Cardoso
Galdino Antonio Damasceno Luiz Rodrigues Barbosa
Jacintho de Moraes Cardoso Mariano Leme
João Rodrigues Cardoso de Moraes Vicente Ferreira Gonçalves
José Caetano de Oliveira

Fazendeiros de café e açúcar em Serra Negra, período de 1873, Fonte: Dados do Almanak da Província de São Paulo.
Quadro elaborado pela pesquisadora.

279
Mais detalhes sobre a família “Ramalho” e a origem do Bairro Rural da Ramalhada em Serra Negra ver livro
de: ALVES, Maira Inês Masaro. Raízes da Ramalhada. Histórias da Serra Negra Rural. Amparo: Gráfica Foca,
2012.
353

APÊNDICE Nº 03
A formação das estâncias de cura do Estado de São Paulo.
Segundo Lessa (2001)280, São José dos Campos no final do século XIX, tendo em
vista o clima e a topografia recebia um grande número de doentes em busca de tratamento
para a tuberculose. Os pacientes eram recebidos pela população local como mais uma
possibilidade de ganho, contribuindo para superar as perdas ocorridas com a crise do café.
Ainda de acordo com a autora a cidade permaneceu na chamada “Fase Sanatorial” entre os
anos de 1900 a1950.
A “Peste Branca”, como era conhecida a tuberculose, avançava assustadoramente,
sobretudo nos grandes centros, atingindo as diferentes classes sociais. Na tentativa de
diminuir a mortalidade, como também diante da necessidade de se implantar um sistema de
tratamento à doença, o Governo do Estado de São Paulo buscou a solução se espelhando nos
sanatórios europeus, apesar da Europa contar com os incentivos da iniciativa privada. Como
não houve interesse privado para solucionar o problema, o Governo se responsabilizou pela
tarefa, utilizando os recursos públicos. Iniciou–se os projetos para as construções de
sanatórios que a princípio seriam próximos da cidade de São Paulo, facilitando o controle e
manutenção dos mesmos, bem como o deslocamentos dos pacientes para esses centros de
recuperação e cura. Dentre as opções estavam as cidades de Campos de Jordão e São José dos
Campos.
Ambas já eram reconhecidas como espaços de tratamento e cura, tanto que
Campos do Jordão que havia sido transformada em Estância Climatérica em 1926, mesmo
sendo uma cidade sanatorial, parte de suas atividades já estavam sendo direcionadas para o
lazer e o turismo da elite paulista. Segundo Lessa (2001), com o passar do tempo Campos do
Jordão se especializou no tratamento para classe mais abastada, possuindo, entretanto alguns
sanatórios filantrópicos.
São José dos Campos tornou-se a opção para abrigar os doentes de baixa renda
que ocupavam os sanatórios públicos e, somente em 1935 foi elevada à condição de Estância
Climatérica281.
Com o reconhecimento dos benefícios climáticos apropriados para o tratamento
da tuberculose em ambas as cidades aumentaram-se consideravelmente o número de doentes à
procura de tratamento. A fim de suprir a demanda surgiram novos hotéis, pensões, interesses
por profissionais da área médica e, consequentemente, a construção de novos sanatórios.
De acordo com os levantamentos realizados pela autora, em 1938, Campos do
Jordão apresentou uma renda total do município na quantia de 540:000$000, sendo que
300:000$000 era proveniente do Estado e, São José dos Campos teve uma receita de
1.459:410$000, sendo 709:000$000 advindos do município e 450:000$000 do Estado,
demonstrando os dados que o repasse estadual para as duas estâncias foi superior a

280
Lessa (2001) em sua pesquisa buscou demonstrar a transformação urbana da cidade de São José dos Campos,
delimitando o período entre as décadas de 1930 e 1970 do século XX e, para tanto realizou um levantamento que
engloba o início econômico vinculado a produção do café, a chegada da ferrovia e as mudanças causadas com a
crise cafeeira. Outro ponto abordado foi como a cidade passa a ser reconhecida como um espaço para o
tratamento da tuberculose, sendo decretada como Estância Climatérica e demonstrando, finalmente, o
desenvolvimento de São José dos Campos na área industrial e tecnológica, constituindo-se num dos mais
importantes pólo industrial do Estado de São Paulo da atualidade.
281
Através do Decreto 7.007, de 13 de março de 1935.
354

arrecadação municipal, proporcionando um investimento diferenciado nos municípios


designados como estâncias282.
Com as mudanças econômicas ocorridas a partir da Segunda Guerra Mundial e a
localização privilegiada de São José dos Campos, no eixo Rio-São Paulo, cortada pela via
Dutra, incluíram a cidade novos planos governamentais para o Vale do Paraíba. A via Dutra
se transformou no principal corredor industrial do país e São José dos Campos passou a
direcionar suas atividades econômicas o setor industrial e tecnológico.
Campos do Jordão, de estância de saúde constituiu-se como estância turística, o
que apontou a pesquisa realizada por Hammerl (2011)283.
Decretou-se esta cidade como Estância Climatérica em 1926284, sendo que até
1934, era a única Prefeitura Sanitária existente no Estado, as demais estâncias só foram
contempladas através do Decreto nº 6.501 de 19 de junho de 1934, que regulamentou a
criação das estâncias de tratamento ou de repouso. Entre seus artigos está o de nº 08, que
dispõe que as estâncias seriam administradas por um prefeito nomeado pelo Governo
Estadual.
Além do clima Campos do Jordão também era conhecida pelas propriedades de
suas águas radioativas e nos anos de 1940 foram realizadas várias obras para o melhoramento
e embelezamento da cidade, contando com o interesse particular do Sr. Adhemar de Barros
que possuía propriedades no município.
Com o aumento do número de doentes que para lá se dirigiam a fim de obterem o
tratamento da tuberculose, foi necessário delimitar a construção de novos sanatórios, bem
como proceder a fiscalização dos hospedes nas pensões e hotéis para o encaminhamento dos
doentes aos sanatórios para receberem o tratamento adequado, não comprometendo a saúde
dos turistas.
Outro fator que contribuiu para que Campos do Jordão permanecesse com as
características de estância foi a instalação e exploração dos cassinos na cidade, inclusive com
incentivo governamental285.

282
O depoente Irineu Saragiotto em sua fala, narrou que na década 1970, São José dos Campos já contavam com
um grande pólo industrial e continuava a receber verbas estaduais pelo fato de ser estância.
283
HAMMERL, Priscyla Christine. Campos do Jordão (SP): de estância de saúde à estância turística. Anais do
XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH. São Paulo, julho 2011.
284
Decreto nº 2140 de 01 de outubro de 1926.
285
Com o fechamento dos cassinos em 1946 e a diminuição da procura da estância para cura da tuberculose,
motivou a rede hoteleira iniciar um planejamento para as atividades turísticas de Campos do Jordão, encerrando
assim, a fase sanatorial.
355

ANEXO Nº 01
356

ANEXO Nº 02
357

ANEXO Nº 03
358

ANEXO Nº 04 – JORNAL O SERRANO, edição de 15/08/1943


359

ANEXO Nº 05
“Footing” no jardim da praça
Odilon Souza Lemos (membro da Assim)
– Edição do Jornal O Serrano, edição de
27/03/1983.
Retrocedendo, ali por 1953, portanto há trinta anos, vamos
reviver uma noitada de domingo, no jardim da praça “João
Zelante”, no coração de Serra Negra.
Numa noite de primavera, quando as flores exalavam suave
perfume, começava, logo às 19 horas, o “footing”. A maior
parte dos rapazes, vestindo termos de casimira “Aurora” ou de
linho branco, complementados com vistosas gravatas e os cabelos oleosos, estavam elegantes,
contornando o jardim com duplas ou trios. As garotas, trajando belos vestidos multicores,
ostentando modernos penteados, e, com os lábios pintados de carmim, se apresentavam lindas
e graciosas, passeando, em sentido contrário, de braços dados com suas companheiras.
No centro da praça, no coreto descoberto, a Banda “Lira Serra Negra” tocava músicas
romântica que enlevavam os mais velhos, sentados nos bancos de madeira, enquanto que, as
crianças, divertiam-se brincando nas imediações.
Quando não havia retreta, ouvia-se o som do Serviço de Alto-Falantes “Cidade da Saúde”,
cujo estúdio era localizado ao lado da residência do sr. Antonio Jorge José. O sonoplasta Irio
Vieira de Godoy tinha muito trabalho em atender os inúmeros pedidos musicais, quase todos
eram de jovens apaixonados. O locutor anunciava, pausadamente:
- Vamos ouvir, na voz de Orlando Silva, “Lábios que Beijei”, que alguém oferece à Laura
como prova de amor.
Começava, então, um importante momento na vida dos jovens: as “paqueras”, (naquele
tempo usavam-se outras expressões: flertar, “tirar linha”, etc.). O rapaz fazia um sinal
característico, piscava para a garota na qual estava interessado e ficava aguardando o
reencontro. Ao se cruzarem novamente pela expressão da moça ele já sabia se tivera êxito.
Muitos romances iniciaram-se desta maneira na praça, outrora repleta de gente. Quantos se
transforaram em felizes casamentos e resultaram em numerosas famílias; mas, também,
quantos jovens tiveram, naquele mesmo lugar, suas desilusões e sonhos de amor desfeitos.
Divagando, despreocupadamente algumas horas no jardim da praça “João Zelante”, a
mocidade de entretia nas alegres noites domingueiras.
360

ANEXO Nº 06
COMPOSIÇÕES DE NICOLINO FATIGATTI (1898 – 1922)

NOME DA COMPOSIÇÃO GENERO


Amadeu Lombardi Marcha
Panamá-Linho Dobrado
Santini Mattedi Dobrado
Saudade dos Serranos Dobrado
Adeus Dobrado
Dobrado em Cm Dobrado
Jacomino Tango
Novo Amor Xote
Eu e Ela Xote
Uma Tarde de Outubro Mazurca
Polca in Eb Polca
Que Folia é Essa? Polca
Perfil de Loira Valsa
Valsa in Dm nº 1 Valsa
Valsa in Fm Valsa
Valsa in Dm nº 2 Valsa
Sonhar Eterno Valsa
Sofrimento Inspirador Valsa
Valsa in Cm Valsa
Sineta de um Coração Valsa
Quanto Dói uma Saudade Valsa
Recordação Valsa
Sonhando Valsa
Caminhos Ocultos286 Valsa
Saudades do Nicolino287 Valsa

Fonte: Os dados foram coletados no acervo de partituras da Corporação


Musical “Lira de Serra Negra”. Quadro elaborada pela pesquisadora.

286
É a valsa mais conhecida do compositor
287
A valsa “Saudade do Nicolino” foi composta por Nicolino Fatigatti, porém ele não havia dado um nome.
Após a morte de Nicolino, o músico Cesarino Perondini fez o arranjo para banda e deu esse título em
homenagem ao compositor.
361

ANEXO 07. Jornal O Serrano, edição de 19/07/1959 –


362

ANEXO Nº 08. JORNAL O SERRANO, edição de 03/07/1958


363

ANEXO Nº 09 . ATA DA CORPORAÇÃO MUSICAL “LIRA DE SERRA NEGRA”


12/05/1960 –
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ANEXO Nº 10
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ANEXO Nº 11
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ANEXO Nº 12
Musícos: Mauricio Avona, Benedito Vasconcelos e Mario Vasconcelos

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