Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
emanuellaleal@hotmail.com
Resumo: Este trabalho tem como objetivo abordar a trajetória da construção da “literatura negra” e
da enunciação do negro na literatura brasileira dos séculos XIX ao XXI através da análise
comparativa de poemas de Luís Gama e Conceição Evaristo. Temos por intuito refletir sobre a
construção da literatura negra no Brasil visando compreender as mudanças ocorridas nessa
construção de identidade e quais os fatores foram determinantes para essa mudança de
representação ao longo do tempo. Assim como, analisar como se deu essas representações na
literatura.
sociais, políticos e culturais podendo ter formação burguesa humanista, que sempre
gozou de status privilegiado ante as outras
(83) 3322.3222
contato@conedu.com.br
www.conedu.com.br
disciplinas, dada a tradição letrada de uma costumes e possui todo um histórico de
elite que comandava os destinos da nação. Era exploração, sofrimento e escravidão. A
tão valorizada que chegou mesmo a ser literatura através de suas expressões e de seu
tomada como sinal distintivo de cultura. poder de construir identidades e
Logo, os grandes escritores representantes da representações, mais que isso, por possuir
literatura nacional vinham das camadas altas todo um papel social de espaço de denuncia
da sociedade. Esse fato é de grande retrata toda essa trajetória do negro em
importância, pois ao ter indígenas, negros, diversas obras. Aqui o enfoque foi dado aos
mulheres entre outros grupos que não faziam poemas de Luís Gama e Conceição Evaristo
parte dessa elite a literatura estava muito que representarão a enunciação do negro do
distante de formar uma representação século XIX ao XXI.
autêntica, na verdade explicitava a cultura
RESULTADO E DISCUSSÃO:
dominante do europeu que ditava as regras e
referenciais de valores como se fossem A ENUNCIAÇÃO DO NEGRO NO
dos séculos XIX ao XXI através da análise e despertaram para o fato de que existiam
comparação de poemas de Luís Gama e muitos outros povos e culturas. O termo foi
Conceição Evaristo. Temos por intuito refletir então incorporado ao uso popular e às
quais os fatores foram determinantes para essa dos estudiosos sobre a existência ou não de
Assim como, analisar como se deu essas debate ficou centralizado na questão da
(83) 3322.3222
contato@conedu.com.br
www.conedu.com.br
Tendo em vista que a literatura reflete engajados nas causas negras eclodindo
a realidade da sociedade que a constitui, ou significantemente a partir dos anos 70 e 80.
seja, que sua expressão varia de acordo com a
Em meados do século XX – o conceito
época, o enunciador, a ideologia e política
de raça começou a ser desmistificado devido à
dominante a enunciação do negro no século
sua classificação arbitrária. A questão tornou-
XIX estava profundamente ligada a essas
se óbvia: a classificação em raças não se
ideologias racistas e sofria uma espécie de
sustentou, pois é baseada em estereótipos
“branqueamento”. Isto porque, embora o
racistas e racionalista e não possuem
surgimento do negro como tema em obras
fundamentos para existirem. Daí por diante as
significasse um avanço para a literatura negra,
obras que tinham o negro como “tema”
já que antes disso o negro não era expresso
adquiriram um caráter sócio-histórico da
nas obras, essa inserção como tema não era o
realidade do negro, um comprometimento
suficiente para constituir uma identidade para
com a dimensão da luta contra o racismo, um
esse grupo pois, o que se tinha era uma visão
papel social de conscientização e
distanciada em que o negro aparecia como
manifestação de denúncia e construção de
objeto e apresentava características que não
identidade.
eram próprias de sua cultura. Ou seja, havia
uma falsa representação de sua imagem, uma A análise que aqui se estabelece trata-se de
estereótipos com relação a condição negra. Na mensagem que, como sujeito apto a colocar-
uma estética branca dominante mas não havia transmite. Destaca-se, então, a voz do autor
propriamente uma literatura “negra” que fosse como própria e denunciante de uma condição,
classe dominante não é de se estranhar que as Gama, nascido em Salvador, 1830 – 1882,
obras trouxessem os negros expressos dessa traduz em si certo quê de intriga, entenda-se:
maneira. Somente depois dos anos 60 filho de escravos, Luiz Gama (como é
(83) 3322.3222
contato@conedu.com.br
www.conedu.com.br
propósito de pagar uma dívida de jogos em
1840. Comprado em leilão e alfabetizado por
Quanto à métrica, o poema é composto por
Antônio Rodrigues de Prado Junior, em 1847,
redondilhas maiores, ou seja, versos
aos 17 anos; fugiu para São Paulo onde
heptassílabos (sete sílabas):
casou-se por volta de 1850. Frequentou na
cidade de São Paulo o Curso de Direito, 1 2 3 4 5 6 7
“O/ que/ sou/ e/ co/mo/ pen/so
apenas como ouvinte, mas não chegou a
concluí-lo. Fundou os jornais Diabo Coxo 1 2 3 4 5 6 7
A/qui/ vai/ com/ to/do/ sen/so
(1864) e Radical Paulistano (1869), este em
parceria com Rui Barbosa. Participou em 1 2 3 4 5 6 7
Pos/to/ que/ já/ ve/jo/ ira/dos
outros jornais da época, como o “Ipiranga”,
“O Polichinelo” entre outros. 1 2 3 4 5 6 7
Mui/tos/ lor/pas/ en/fu/na/dos”
O objeto da presente análise trata-se do
Quanto à rima, resultado de sons iguais entre
poema “Quem sou eu”, popularmente
as palavras em diferentes versos, organizam-
conhecido por “Bodarrada”, publicado na
se em pares AA/BB:
principal obra de Luiz Gama: “Primeiras
Trovas Burlescas do Getulino”, de 1859. Pois se todos têm rabicho,
Convém destacar brevemente alguns aspectos
Para quê tanto capricho?
relativos à forma do poema em análise. Seus
versos, compostos por sete sílabas formam o Haja paz, haja alegria
(83) 3322.3222
contato@conedu.com.br
www.conedu.com.br
graves, pois rimam palavras paroxítonas, se Considerando a crítica que Luiz Gama faz no
tem por exemplo: poema “Quem sou eu” e relacionando-a ao
contexto da época, podemos afirmar que a
“Eu bem sei que sou qual grilo
escrita/leitura do poema denuncia uma
De maçante e mal estilo; sociedade que, apesar de diversa, é construída
E que os homens poderosos sob base de preconceitos e posturas negativas
em relação ao outro que, enquanto negro, era
Hão de chamar-me tarelo
marginalizado. Base essa formada em um
Bode, negro, Mongibelo;” período que ainda ressoava a escravidão dos
negros no Brasil.
(83) 3322.3222
contato@conedu.com.br
www.conedu.com.br
Hão de chamar-me Tarelo Fica claro que o autor assume um
compromisso, na posição de defensor, com a
Bode, negro, Mongibelo;”
causa negra. Pois, destaca a figura do bode
Essa consciência de crítica (ou até mesmo como representativa de todo indivíduo, não
rechaçamento) que o autor supõe ser alvo apenas do negro, pondo todos em “pé de
antes mesmo de expor ao público sua obra igualdade”:
escrita é em virtude da singularidade com que
trata o assunto sobre o qual discorre. E ainda
que alvo de más críticas ou não aceitação de “Se negro sou, ou sou bode
seu ponto de vista, o autor revela não se
Pouco importa. O que isto pode?
importar com tal posicionamento alheio à sua
forma de colocar-se: Bodes há de toda casta
(83) 3322.3222
contato@conedu.com.br
www.conedu.com.br
função quando dirigido a autoridades e Capitães de mar-e-guerra
figuras notáveis para a sociedade (aristocracia
- Tudo marra, tudo berra –
e homens/mulheres de poder e
representatividade da época). O próprio autor
representa no poema algumas dessas figuras
sociais:
Enunciação do negro no século
Nobres, Condes e Duquesas,
XXI
Ricas Damas e Marquesas
Deputados, senadores,
Podemos dizer que a concretização da
Gentis-homens, vereadores; literatura negra se deu a partir do final do
(83) 3322.3222
contato@conedu.com.br
www.conedu.com.br
altura consciente da necessidade de entendemos como povo brasileiro; e por esse
preservação dos valores tradicionais motivo, é um grande equívoco a busca ou
africanos, iria propor uma inserção do negro valorização por uma “raça pura” ou
na corrente da nossa vida social e política.” privilegiada. O povo brasileiro é mistura de
(p. 52). Hoje, já podem ser consideradas culturas, ritmos e sabores e homogeneizá-lo é
conquistas concretas a criminalização do escravizá-lo a uma realidade que não o
racismo, a auto afirmação da negritude e das pertence. Por isso, sendo a literatura uma das
raízes culturais africanas, a simbologia das mais expressivas formas de retratar a
datas comemorativas que representam a luta sociedade, a política, o povo, os costumes, os
por igualdade racial e a criação de valores e crenças moldam-se a essa realidade
documentos oficiais direcionados a e o negro ganha a oportunidade de expor nas
pluralidade cultural para o direcionamento do mais diversas expressões artísticas e literárias
ensino. Além disso, embora haja pouca expondo suas causas e particularidades. É
expressividade o acesso dos negros às importante deixar claro que quando se fala em
universidades e a cargos de renome do literatura negra não somente é necessário que
cenário político e no mercado de trabalho. Ou o autor seja negro como princípio para
seja, apesar das inúmeras desigualdades que constituí-la, outras características precisam
ainda permeiam as questões raciais o que estar contidas nessas expressões. Segundo
parece é que caminhamos cada vez mais para LIEBIG, 2003, “[...] a literatura negra –
acabar com as injustiças e para alcançarmos a enquanto construção de uma subjetividade –
igualdade entre brancos e negros, mesmo que medeia o combate entre uma identidade que é
esta realidade esteja distante. Não é possível atribuída ao negro e que, usando uma
falar de Brasil sem falar em pluralidade expressão de Bernd, “se coagula em
cultural, miscigenação, diferenças, esteriótipo””(p. 58). Os textos são
multiculturalismo, isto porque, a formação do centralizados na realidade da situação sócio-
Brasil, como se sabe, desde a colonização foi histórica do negro e de seus descendentes e
pautada pela imigração de diversos povos e seus conteúdos trazem um caráter de
culturas constituindo assim um país manifesto. Além disso, as obras são
heterogêneo. Foi da junção de povos comprometidas com a dimensão da luta
africanos, europeus, índios, espanhóis, contra o racismo. O ponto de vista é do negro
alemães, entre outros, que se formaram as que emerge no texto como eu enunciador,
bases para a construção do que hoje assumindo os rumos de sua enunciação. A
(83) 3322.3222
contato@conedu.com.br
www.conedu.com.br
temática dominante é o negro na sociedade, o no fundo das cozinhas alheias
resgate de sua memória, tradições, religiões,
debaixo das trouxas
cultura e a denúncia contra o drama da
marginalidade do negro na sociedade roupagens sujas dos brancos
fome.
Vozes mulheres
(83) 3322.3222
contato@conedu.com.br
www.conedu.com.br
se fará ouvir a ressonância seu espaço e se destacar nos mais diversos
âmbitos sociais.
o eco da vida-liberdade.”
(83) 3322.3222
contato@conedu.com.br
www.conedu.com.br
(83) 3322.3222
contato@conedu.com.br
www.conedu.com.br