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A trajetória do negro na literatura brasileira

Domício Proença Filho

Domício Proença Filho, neste artigo traz reflexões profundas sobre a presença
do negro na literatura brasileira evidenciando que estes não esta a salvo do
olhar marginalizador, que desde dos primórdios fundantes, deixa marcas na
etnia no processo de construção da sociedade brasileira. Apresenta que se tem
“uma literatura sobre o negro, de um lado, e literatura do negro, de outro.
Didaticamente, apresenta instâncias para a compreensão de todo processo da
inserção do negro na literatura para escrever sua própria literatura, de si para
si. discutindo a representação do negro como objeto e o negro enquanto
sujeito, autônomo e compromissado.
Proença faz-se perceber, que a produção literária ao longo do processo literário
brasileiro, estereótipos reduplicadores da visão preconceituosa, explícita ou
velada, procurando quebrar a bolha dos do estereótipo e a elevação do negro
como sujeito do seu discurso e de sua ação em defesa da identidade cultural.
Precede uma discussão sobre a designação literatura negra, entendida como
aparentemente valorizadora, mas com uma vulnerabilidade, de converter-se
em risco de fazer o jogo do preconceito velado.
Perpassa estereótipos do negro infantilizado, lascível, erotizado, preguiçoso
escravo demônio, tornado fera per força da própria escravidão, perceptíveis em
O cortiço ( com Rita Baina e o mulato Firmino), nas peças de teatro O cego de
Joaquim Manuel de Macedo e O demônio familiar, de José de Alencar; no
poema Juca multato (1917),de Menoti del Picchia; O bom crioula(1885) de
Adolfo Caminha ou ainda do negro exilado na cultura brasileira, apontado nos
poemas de Raul Bopp, como em Urucungu de 1933.
Ultrapassando o estereótipo, surgem obras, que mesmo apresentando-se
timidamente, na década de 1980, obras que procuram restaurar a imagem do
negro. Os tambores de São Luís (1985) de Josué Montello e ainda Viva o povo
brasileiro (1984), de João Ubaldo Ribeiro. De acordo com Proença Filho, José
Lins do Rego, merece destaque, pois entre outras atitudes, “se trata do
percurso do negro em ambiente brasileiro contemporâneo e se contam
histórias de usinas onde o braço negro tem atuação relevante” ( PROENÇA
FILHO, 2004, p.169)
Gonçalves Dias, não assume declaradamente a condenação aberta à
escravidão, mas a denúncia-lamento da situação de opressão, com sutis
referências em O orto (1900).
Mário de Andrade (1893-1945), encontra-se passagens reveladoras de uma
posição dividida, entre o eu lírico e o poeta.
Machado de Assis, na visão de Domício Proença Filho, a escrita machadiana é
indiferente à problemática do negro, havendo um distanciamento do debate
desta realidade, não havendo centralidade na questão da etnia.
Cruz e Sousa, poeta simbolista brasileiro, negro, filho de escravizados
alforriados, trata com dificuldade em suas obras o conflito em que se
dilacerava. No jornal O moleque, deixa nove poemas e dois textos em provas
comprometidos coma causa abolicionista.
As produções literárias do século XIX e início do século XX apresentam um
personagem negro estereotipado, dando-lhe a presença ora como elemento
perturbador do equilíbrio familiar e social, ora como negro heróico, trabalhador,
vítima, negro humanizado, amante, elemento integrador da gente brasileira. A
saga quilombola e Zumbi, não ganham destaques nesse espaço de escrita.
“Os protagonistas de romances e de muitos poemas, quando escravos, são
originalmente, como destaca Antonio Candido, mulatos, a fim de que o autor
possa dar-lhes traços brancos, e, deste modo, encaixá-los nos padrões da
sensibilidade branca” (PROENÇA FILHO, 2004, p.175)
A busca pela afirmação cultural e pela legítima e devida intergação do negro à
sociedade brasileira, vem se diluindo desde as últimas décadas do século XIX,
para além dos estereótipos e das distorções.
Superando as distorções e estereótipos, a literatura do negro surge com Luís
Gama (1850-1922), filho de africana com fidalgo baiano e o primeiro a falar em
versos do amor por uma negra.
Lima Barreto (1881-1922), em sua obra Clara dos Anjos (1922), romance que
denuncia preconceito racial e da impotência da personagem que, que foi
iludida, traída e sofrida por causa de sua cor.
O engajamento começa a ganhar substancialidade e efetividade, a partir de
vozes precursoras de 1930 e 1940, aumentando sua força a partir de 1960 com
grupo de escritores negros, nos anos de 1970 e percurso de 1980, obras que
visam a afirmação cultural da condição negra na realidade brasileira,
continuando nos anos de 1990, a substancialidade do movimento de
conscientização dos negros do Brasil, pela tomada de posicionamento literário,
ganhando destaques ao longo desse período histórico, com maior evidência ou
menor evidência.
A literatura como espaço de afirmação consciente e de forma compromissada
de autoafirmação com sujeito do discurso literário, novos e sutis desafios são
lançados ao negro nesse contexto, como o jogo do preconceito velado.
Não se pode perder de vista que a arte literária compromissada é preciso,
antes disso, ser arte literária. Faz-se necessário a ocupação de espaços
literários pelos negros e outros espaços igualmente culturais. A busca por
representatividade precisa ganhar corpo, “até o momento que se torne
indispensável a presença como uma marca de diferença redutora. Afinal,
literatura não te cor” (PROENÇA FILHO, 2004, p.187)

PROENÇA FILHO, Domício. A trajetória do negro na literatura brasileira. In:


Estudos Avançados, São Paulo, v. 18, n. 50, jan./abr. 2004.

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