Vinícius, Marcus
Janelas nocivas / Marcus Vinícius. -- Carapicuiba, SP :
Pandorga Editora e Produtora, 2014.
1. Ficção brasileira I. Título.
14-00298CDD-869.93
Nosso amor ainda vai perdurar por bastante tempo, pois você
ainda consegue me guardar num cantinho bom do lado esquerdo do
seu coração. Você consegue me guarnecer do meu próprio
nhenhenhém.
Esqueça tudo e, por favor, ainda me espere para o seu único amor
de verdade. Sei que você fica com vários homens durante uma noite,
mas eu não me importo, tenho certeza de que não a amo. Você é o
suficiente que tenho para estar contente, você é o bastante ainda
para fazer amor e você ainda é capaz de amaldiçoar meus sonhos
de família feliz. Você sabe que nunca planejei estar do seu lado, foi
tudo improvável, mas você consegue compartilhar o sentimento,
consegue, apesar de tudo, ser um rosto para se acariciar.
Brevemente, eu voltarei para o seu lado, aceitando as mágoas que
você teve com cada um de seus parceiros. Talvez a vida seja assim
mesmo, vai ganhando forma até nos sentirmos culpados de um estar
junto do outro. Assim não pode ficar eu sei, fico às vezes nervoso
com o seu comportamento de diva, é que eu penso em ser um pouco
cuidadoso com a nossa provável oração de mesa. O que direi às
futuras crianças? Dessa maneira, não seria muito limpo o que eu
diria. Nem sei se eles adivinhariam o pior. Tudo acontece de errado e
eu ainda gosto de você. Mas que fique claro! Gosto de você apenas
porque não tenho ninguém. Está certo? Ambos somos peças que a
vida esqueceu de presentear com a felicidade. O tempo passa
derramando dentro desse copo de cachaça, e eu ainda espero a
hora mais noturna para beijá-la, pois é apenas o beijo que consigo
roubar de você e talvez a única carícia que você guarda para mim.
Além de tudo, preciso adverti-la, preciso de outra mulher que seja
minha única amante, que seja o oposto, que seja a contradição do
meu querer, para sempre desejar tudo muito ansioso para mais uma
vez. Que não seja como você, amor que custa surgir, surge apenas
nos redemoinhos de saudade, nos medos dos sentimentos. Penso
que sim, você é como ficar sem cigarros na noite.
O que será que Felipe está suportando? Ele nunca foi assim,
sempre foi um homem dócil e atencioso comigo. Pode ter sido a
bebida mesmo. Mas ele mudou um pouco de uns tempos para cá.
Alguma coisa me diz que tudo não ocorrerá tão bem entre nós.
Talvez seja eu mesma, eu e meus problemas. Ele às vezes tem
razão. Sei que ele gostaria de ter ao seu lado uma mulher apenas
sua, mas o que eu faço com tanta despesa. E a minha faculdade!?
Mas sei que tudo o que estou passando vai acabar algum dia.
Seremos felizes, meu bem, eu e você, pois o amo tanto.
Você vale muito para mim, Lipe. Tenho certeza que nenhum
homem me ama mais do que você. Sei que você tem razão em tudo.
Ainda seremos bem mais felizes do que hoje, deixe apenas as coisas
se estabilizarem.
Agora estou indo para sempre, Lipe querido! Nunca mais quero ver
seu rosto novamente. Você às vezes parece um velho trapaceiro que
não consegue me ouvir nem por um momento. O que fazer? O que
fazer? Se eu o amo. Estava tudo tão lindo até ele fazer e acontecer
na bebida. Mas eu o amo, Deus. Às vezes penso que não é somente
a bebida que faz isso com ele, às vezes pode ser eu. Talvez eu não
saiba agradá-lo. Sempre, em todas as nossas brigas eu acabo
chorando tristemente. Penso que eu seja mais frágil do que ele.
Felipe, nessas horas, se mostra bastante forte contra tudo, ele não
deixa a infelicidade se mostrar em seu comportamento. E o que eu
vou fazer!? Se eu não consigo controlar minha saudade por ele. Mas
dessa vez, Lipe, você me procura, por que quando estou sozinha,
qualquer sentimento lacera meu coração. Em qualquer dia do mês
minha espera está cheia de saudade. Mas mesmo o amando tanto
assim, nunca mais faça isso comigo, nem por brincadeira.
Esqueça! Eu já sei o que vai acontecer. Você vai me ligar e pedir
desculpas com aquele seu jeito de cachorro sem dono e eu vou
acabar aceitando tudo para ficar novamente do seu lado.
Apesar de tudo, Grace era uma moça donairosa e por isso não
conseguia esconder sua paixão por Felipe. Ela sempre o amou
muito.
Muito triste e com a maquiagem borrando no rosto, Grace desceu
do ônibus, sempre com os saltos na mão, antes de caminhar lívida
até a entrada do condomínio onde morava:
– Senhorita Grace! O que aconteceu!? Está chorando – disse o
porteiro do prédio, preocupado.
– Nada, não foi nada – disfarçou ela.
Então ela subiu de elevador, entrou no seu apartamento e se atirou
na cama de casal que trazia lembranças de Felipe, todo aquele
quarto parecia ser uma certa divindade a favor dele. Isso a
perturbava mais ainda.
Enquanto isso, Felipe foi embora da cerimônia de carona com
Ivan.
– E agora o que vai fazer? – perguntou Ivan.
– Não sei. Talvez eu ligue para ela – considerou Felipe.
– Depois de tudo que fez! Você acha que ela ainda vai aceitá-lo?
– Não sei. Ela já aceitou outras vezes.
– Tome tento, meu caro amigo. Essa mulher ainda gosta de você.
Você vai acabar perdendo ela.
– E se isso acontecer não vou me importar muito.
– Ela gosta de você e não vou falar outra vez.
– Mas eu não gosto tanto assim.
– Você não vai encontrar tão fácil uma garota como aquela. Vá
devagar – advertiu Ivan.
Não demorou muito e Ivan estacionou o veículo em frente ao
condomínio onde Felipe morava.
– Vá com calma, amigo – continuou Ivan.
– Calma é o que tenho de sobra.
Felipe despediu-se de Ivan, depois entrou no condomínio, subiu as
escadas e entrou no apartamento.
Em seguida, veio uma vontade súbita de rever aquela moça da
janela ao lado. Felipe então recostou-se sobre a janela e esperou
alguns minutos até vê-la novamente.
Capítulo 3
Ela estava ali, no mesmo lugar, do outro lado, na mesma janela
que avistava seu quarto, estava com jeito de quem estava
despreocupada da vida. Num determinado momento, Felipe tentava
fitar seus olhos que se anulavam de sua vista. Felipe sempre
procurava seus olhos, até que, repentinamente, ela deu uma olhada
para ele e permaneceu olhando sem dizer nada. Em outro instante,
ela continuou olhando para Felipe, só que dessa vez parecia se
apaixonar. Felipe sentiu isso como um sol nascente.
Pensamento de Felipe:
Você não podia ter feito isso comigo, Grace! Agora não vamos
voltar nunca. Está decidido assim na minha cabeça. Tenho certeza
que sou bem mais forte do que você quando o assunto é nossa
separação. Não quero mais nada de você. Aliás, não quero mais
guardá-la no cantinho bom do meu coração. Esqueça-me de uma
vez!
Nesse momento, Felipe, olhando para ninguém, bebeu mais um
pouco de cerveja.
Pensamento de Felipe:
Quero deixar meu coração voar mais alto, voar para bem longe
onde eu possa sonhar imaginações mais lascivas. O amor de Grace
é diferente do que eu quero para mim, é um amor que não vale mais
do que uma noite bem vivida. Pois eu quero sim é uma vida bem
vivida.
A vizinha parece gostar de mim. Apenas falta algum tempo para
nos conhecermos melhor. Quero que uma coisa fique clara, o que
me mantém degenerado por ela é a força viva da sua beleza.
Por que tudo tem que ser assim? Querido Lipe, eu não consigo
viver sem você. Seus olhos são faróis na minha chegada, seu peito é
meu porto de descanso, seu coração é minha joia incandescente de
imaginações, e eu, bem, eu, penso que não sou nada para você. Por
que você tem que ser assim, tão estúpido? Seu estúpido!
Eu não consigo viver assim, sem Lipe para mim. Eu não consigo
viver sem seus ombros largos, sem seus olhos em transe, sem o
peso do seu corpo sobre mim, sem seu apetite sexual. Eu não
consigo viver sem Lipe.
Eu sei o que ele deve estar pensando, deve estar rindo
ironicamente e pensando que qualquer dia eu volto para ele. Ledo
engano, querido Lipe! Dessa vez eu não volto. Agora eu vou pôr
você por baixo sem um pingo sequer de saudade. Eu sei, você se
esconde na bebida para não demonstrar lucidamente o que
realmente sente: nunca me amou! E mesmo assim eu faço todas as
carícias para verdadeiramente ganhar seu coração sombrio e sem
sangue o suficiente para se esquentar comigo.
Eu também sei que você espera uma grande paixão como todos
esses homens solteiros perdidos nos bares. Deve sonhar com uma
pequena garota que seja toda certinha com horários bem à moda, e
que ao mesmo tempo esquente seu coração glacial. Vou lhe dizer,
querido Lipe! Essa tal garota não existe! Está apenas dentro do seu
inconsciente.
Por que, Lipe, você é assim? Eu sei que não aceitará nunca que
eu encontre a minha felicidade. Vai dizer: procure seus sonhos com
outro homem. Mas eu não consigo sonhar uma felicidade sem você
para me guardar.
Afinal de contas, quem é a sua nina amada? Diga que sou eu. Eu
sei que quando estamos juntos eu sinto seu espírito pairar sobre
minha noese, minha imaginação, minha percepção de que ainda
existe algum resquício de sentimento seu sobre mim.
Eu procuro agora resfriar você no meu coração para que os meus
desejos mais íntimos possam acontecer. Sim, que possam
acontecer. Serei uma modelo bem paga e que viverá todo o glamour
da fama. Caro Lipe, você me verá em todas as revistas de banca nas
ruas, você sentirá, por um breve momento, que não pode viver sem a
linda Grace ao seu lado. Pedirá novamente qualquer tipo de amor,
seja o efêmero ou o constante matrimônio. Sentirá ciúmes, sentirá as
doenças de paixão que agora sinto por você. Você pensa que é fácil
me esquecer, mas o que eu sinto por você é uma tendência louca de
roubar seu coração para mim, e será nosso amor constante, porque
eu não falseio, não improviso e nem provoco os sentimentos de
minha alma.
Agora você quer fugir, desdenhar, desprezar nossos instantes
intensamente quentes de paixão, agora é tarde, querido Lipe, eu
estou lhe amando como nunca amei ninguém, agora é tarde.
Não adianta, Grace, eu não vou fazer qualquer esforço para reaver
nosso namoro. Se para você tudo acabou, para mim então acabou
antes do que você imaginava. Meu cansaço é ter você, mas ter você
é difícil, você nunca ouve o que eu digo, então que sejam as
palavras duras, para você colocar a mão na consciência e
reaprender a viver. A vida não é feita de sonhos, são os sonhos que
são feitos da vida, por isso não se esqueça que os homens que você
encontra são apenas vidas passageiras sem nenhuma importância.
Se sou aquilo que contorna os seus sonhos brilhantes, então
aprenda a encantar meu coração que voa distante até a janela ao
lado.
Essa moça da janela que sonho parece ser feita de imaginação,
seus contornos lívidos são feitos de encantamento, realmente estou
me apaixonando por outra pessoa, Grace. O amor parece vir das
janelas, das janelas nocivas ao nosso amor, Grace!
Mas eu tenho que trabalhar! Nisso você não pensa nunca, essa é
a real solução para qualquer relacionamento durável. E é isso que
vou fazer agora, é isso que tenho que fazer agora como qualquer
outra pessoa normal.
Mas antes, eu gostaria de ver novamente aqueles olhos
escondidos na janela.
Nina da janela, aparece mais uma vez para mim, para os meus
olhos brilharem, para meus desejos voarem. Se um dia perceber que
o seu vizinho de janela A ama, eu lhe digo: não se arrependerá
nunca! O amor não pode ser flagelo! Por que sonho tudo isso com
você? Mas você nem sente o meu perfume aproximando para lhe
vigiar, enamorar, guarnecer e decantar.
Felipe, eu sei que o que faço com você é ruim, mas o que vou
fazer se minha vida caiu nesse precipício que nunca chega ao
fundo... se eu ao menos tocasse o chão, saberia lhe dar seu
presente mais íntimo, a liberdade de amar, a única liberdade que
existe quando duas pessoas se gostam, nunca havendo nenhuma
espécie de segredos entre elas. Mas em mim eu sinto que ainda
existem enormes segredos, um deles, continuar com esses malditos
programas, deitando com velhos babões que enojam a gente
somente vendo seus olhos de interesse sexual, mas infelizmente a
vida me ensinou somente o errado. Não consigo manter uma vida
padrão, à moda dos seus segredos íntimos de sonhar junto a mim
uma família feliz.
Lipe, a única coisa que peço é que você me perdoe sempre, nunca
diga não às minhas vontades, pois a maior delas é ter você como
meu homem para sempre. Eu sei que você sabe que eu, por motivos
diversos, sou ligada à concupiscência, às coisas, aos materiais, mas
nunca pense, e eu nunca lhe dei motivo para isso, que em algum
momento eu deixei de amá-lo. A vida pode ser simples para os
filhinhos de papai que flutuam no imaginário e nas paixões das
mulheres virtuosas, mas uma coisa eu posso lhe dizer que nenhuma
o amaria como eu amo... mas você consegue sempre me esquecer
facilmente.
Depois que discutimos, você em nenhum momento me procurou,
pois sabe que vou correr de volta aos seus braços sempre quando a
tristeza o encontrar, lógico, a boba aqui, apaixonada, nunca quer ver
seu homem triste por causa de mulheres que nunca deram o valor
que ele merece.
Eu confio em Paola. Tenho certeza que vai ser a última vez que
vou transar para ganhar algo em troca. E rapidamente eu estarei nas
capas de revista, mas não serei como qualquer uma dessas modelos
esnobes. Eu terei meu namorado, o mesmo namorado dos tempos
difíceis. Todos vão saber que eu sempre fui a mesma, desde os
tempos difíceis até o estrelato, e terei o carinho do público para todos
os dias.
Todos ainda vão conhecer a modelo mais badalada dos trópicos,
minha vida passada será desprezível perto do que conquistarei.
Todos os momentos serão elegantes, todas as vidas sentirão a
potência do meu corpo escultural. Vários homens comprarão tudo
sobre mim, querendo saber sobre meus amores, minhas vontades e
os meus desejos, para, sem delírios, quererem me ter como a mulher
de seus sonhos mais angelicais. Mas adivinhem quem vai tomar
conta da poderosa aqui? Somente você, meu querido Lipe. Somente
você. Mesmo com todos os ocorridos ainda serei sua, somente sua,
pois você é minha vida de sonhos, sem você os meus desejos não
existiriam, minhas vontades não teriam peso e meus sentimentos
estariam violentados.
Serei diferente de todas, pois terei um único amor para a vida
inteira.
Felipe, para Grace, era como ter devaneios de ser uma senhorita
sonhada por todos os solteiros, era como se verdadeiramente ela
vivesse num conto de fadas em que era uma princesa do seu tão
amado príncipe, era como se não existisse a prostituição em seus
pensamentos. Felipe a tornava uma espécie de mulher com um
único homem, e esse sempre foi o seu desejo mais íntimo, ter um
único homem para a vida inteira.
Mas enquanto fazia o trottoir, o desar, o revés e o desdém
pesavam sempre na consciência. Grace não gostava muito do estilo
das colegas, que absolutamente atacavam seus clientes sem fazer
muitos rodeios de mulher desejada, por isso ela preferia manter uma
certa pose altiva que instigasse ainda mais os homens. Ela sabia que
eles adoravam um certo desprezo, ainda mais homens que
procuravam mulheres na rua, pensava sempre consigo, que eles
procuravam um tipo de mulher que nunca lhes dariam atenção, era
nessa falta de atenção que Grace centrava seu estilo sensual, sabia
mais do que ninguém que os homens procuravam sempre as mais
desejadas.
Continuou com seu ar libidinoso de mulher silenciosa, vestida
sensualmente com vestido colante que privilegiava as vistas das
pernas, até que, repentinamente, próximo a ela estacionou uma
pickup luxuosa e preta que ficou parada por um tempo. Grace não se
incomodou e se aproximou do veículo procurando conversar com o
dono, mas com as janelas fechadas não se via nada.
Então, ela, precavida, bateu levemente na janela escura da
possante pickup:
– Tudo bem?
– Oi, moça! – disse um velho de chapéu aba larga, ao abrir a
janela automática.
Naquele instante, Grace não acreditava, pensou até em se afastar,
pois o velho parecia ter idade para ser seu avô. Era nesses
momentos que ela se enojava da vida que levava, não havia
condições para transar com um vovô, pensava. Nessas horas, a
vontade de chorar e correr de saudades para Felipe era maior, tanta
ilusão nas cores da cidade grande somente fazia maltratar o próprio
coração. Mas o presente estava sendo vivido e era aquilo mesmo
que a força da rotina ordenava ela fazer, aceitar o pedido do velho
caipira. Ela pensou sorrateiramente que ele devia ser um daqueles
velhos fazendeiros viúvos e abandonados, mas o encargo daquele
ofício era mesmo aquilo, levar um pouco de carinho e companhia
para os milhares de solitários da cidade.
Então ela rapidamente se refez da primeira impressão do velho e
abriu um contagiante sorriso.
– Pois não – disse Grace.
– Oi, moça. Eu tô rodando aqui faz muito tempo e até agora eu
não vi uma muié igual ocê. Ocê é a mais linda daqui com toda
certeza desse mundo – disse o velho.
– Muito obrigada – devolveu o sorriso Grace.
– Quanto que tá seu serviço?
– Duzentos.
– Minha Nossa Senhora! Mas esse trem tá caro de mais. Num dá
pra dá uma abaixadinha não?
– Meu senhor, esse é o preço – disse Grace, em tom peremptório.
O pior de tudo era sentir que o velho além de estar munido de um
veículo caríssimo, ainda assim tentava economizar numa noite de
prazer que certamente estava guardada em sua imaginação por um
bom tempo.
Para ela, aquele velho era todos os entraves da vida juntos. Por
um momento, ela chegou mais perto e conseguiu perceber a boca do
velho salivando. Era absolutamente nojento! Sentiu pavor de se
deitar com aquele velho babão. Ele era simplesmente o tipo mais
repugnante que a vida lhe mostrara até aquele momento. Queria
fugir, queria voar, queria desaparecer, queria os carinhos de Felipe
de qualquer maneira. Mas se lembrou da vida e dos seus
pormenores para garantir o necessário daquele mês para poder
continuar estudando, e assim almejar futuros distantes e desejados.
Alguém que estivesse na penumbra de seus pensamentos,
certamente a condenaria, mas por toda a vida Grace nunca sentiu
uma mínima experiência de ser protegida, todos passavam em sua
vida como tempestades avassaladoras, desejando sempre o seu
prazer de moça libertina. Aprendeu com namorados distantes que o
amor somente era necessário através do valor das coisas, porém
algo repentino e de ventos alísios lhe mostrava uma forma de viver
diferente, algo como viver para amar, algo como nunca conseguir
escapar da sorte vindoura. O único que lhe trazia essa novidade tão
bem aceita era o bruto namorado, que não a procurava há um bom
tempo. Depois da severa discussão cada um decidiu virar os rostos
para a lua, sempre condicionando a volta se o outro acaso
procurasse, o que não aconteceria assim facilmente por parte de
Felipe.
Grace continuou conversando com o velho até se decidirem pelo
preço do programa.
– Mas num dá pra fazer por cento e cinquenta? – perguntou o
velho.
– Não, somente por duzentos. É pegar ou largar! – disse Grace.
– Tudo bem. Sobe aí. Tomara que a senhorita seja fogosa o
bastante pra valer tudo isso.
– Espere somente um minutinho.
Grace foi ao encontro das colegas para avisar que encontrou um
cliente e que voltaria daqui a uma hora:
– Paola, encontrei um cliente – disse Grace.
– Minha nossa! Que máquina! – surpreendeu-se Paola. – Não vá
me dizer que é um daqueles gatinhos agroboys, filhinhos de
fazendeiro.
– Não. É o próprio fazendeiro.
– Que sorte!
– Sorte!? O velho tem idade para ser meu avô, e além disso saliva
sempre uma baba branca nojenta. Eu não sei se vou dar conta de
ver aquele velho em cima de mim.
– Ai! Será que ele é tão nojento assim? Tenta... faz uma forcinha.
– Vou tentar... Vou ver se dou conta dessa anomalia... Argh!
– Olha, se você voltar e eu não estiver aqui é porque eu consegui
cliente. Tudo bem?
– Tudo bem. Até logo – despediu-se Grace.
Não muito contente com o cliente que acabara de encontrar Grace
entrou na pickup do velho:
– Para onde nós vamos? – indagou ela.
– Eu tava pensando em ir pra minha fazenda. Lá é sossegado,
ninguém vai aborrecê nóis, tem um clima gostoso, uma casa enorme
e uma cama quentinha esperando a gente – disse o velho.
– Eu não posso, meu senhor! Meu programa é de uma hora.
– Então cumé qui faz?
– A gente pode ir em um desses motéis.
– A senhorita tá pensando que o meu dinheiro é capim?
– Não. Eu somente estava sugerindo.
– Tudo bem. Um mulherão como você num dá pra dispensar.
O velho fazendeiro então acelerou a pickup bruscamente como se
o acelerador fosse parte do seu coração cálido, sua sensação pelo
prazer daquela jovem o fazia delirar introspectivamente enquanto
descia o pé na máquina.
Enquanto a pickup transitava na cidade à procura de um motel, o
velho falava da sua vida e dos seus problemas, já Grace, sentada ao
lado dele, embrulhava o estômago só de olhar para aquela face
maltratada com vários sulcos marcados em seu rosto de pessoa
idosa.
Quanto mais o velho fazendeiro falava da vida mais ela se
enojava:
– Sabe? Eu sou um coroa muito sofrido. Minha muié me deixou
depois de quarenta anos de casamento, ela faleceu, depois eu me
casei com uma menina-moça que só queria o meu dinheiro. Também
me largou pra mó de viver as aventuras da vida. Mas ocê vai me
adorá, inté hoje eu pego fogo em cima da cama. Muié nenhuma
nunca reclamô.
Grace passou a viagem, silenciosa, calada, apenas sinalizando
com a cabeça de que estava prestando atenção, mas o coração
queria pular fora, voar para bem longe daquele senhor, encontrar
realmente quem importava, quem realmente era querido. Ela
pensava sempre enquanto o senhor falava do por quê que as
relações amorosas nunca eram finalizadas com as pessoas que a
gente realmente se importa. Por que as circunstâncias da vida
sempre trazem uma pessoa que é totalmente contrária daquela que
a gente ama do fundo do coração? Não havia nenhuma resposta na
cabeça, mas o coração estava cheio de certezas, e uma dessas
certezas era a repugnância daquele velho fazendeiro falastrão.
Pensamento de Grace:
Eu não acredito que vou fazer esse velho! É tudo que existe de
mais nojento na vida. Que vida mais odiosa! Não, eu não vou
encarar esse tipo de situação. Eu já passei por situações ruins antes,
mas isso é algo de mais repugnante que existe. Olha a minha idade
perto desse velho caduco! Não, eu não vou me deitar com esse
velho. Esses homens imundos que pensam que com o dinheiro
compram tudo, mas estão muito enganados, eu não vou me rebaixar
a esse ponto.
Lipe, por que você não volta para tentarmos novamente, esquecer
qualquer passado e, enfim, ser feliz? Mas você não esquece os
meus erros assim tão facilmente. Lipe, seu idiota, às vezes eu penso
em me deitar com esse velho somente para descontar as tolices que
você me disse.
Pudor, minha filha, pudor, foi a única coisa que eu tentei lhe
ensinar durante todos esses anos. Ainda não consigo acreditar nas
palavras daquele homem. Mas algo me diz que você é assim,
sempre buscando as coisas mundanas como a riqueza e o luxo.
Grace, a vida não pode ser sempre aquilo que a gente deseja. Se
prostituir não vai resolver em nada, não vai trazer a felicidade, o
respeito e muito menos o amor. Espero que aquele pequeno orgulho
feminino tenha deixado minha pequena.
Grace, uma mulher que vende o corpo vende a única coisa que
Deus lhe deu para viver em sonhos, a luz, sem a luz existem apenas
as trevas. Não quero morrer sabendo que não fiz nada para tirar
minha filha da escuridão. Uma mulher quando nasce, nasce para ser
respeitada eternamente, o respeito pode ser uma coisa vã quando os
homens que a cercam apenas lhe dão um preço estúpido do amor,
mas quando um homem a respeita você sente que o paraíso ainda é
possível nesses tempos encarnados de violência e ódio. Será que
você nunca sentiu, durante todos esses anos, o quanto eu busco
proteger sua mãe? É assim quando se ama, o sentimento vale mais
que quaisquer prazeres mundanos.
Não quero vê-la como uma mulher errante, se vendendo em todo
lugar que passa, vivendo ilusões com homens impudicos e
recebendo desilusões tristes, sem conhecer um único carinho que
um verdadeiro homem de caráter pode dar. Pois vários traduzem o
carinho como um afago, um querer bem ou um toque de beijo
açucarado, mas o carinho nada mais é do que viver sentindo uma
atenção esmerada de quem se ama.
O ônibus continuava rasgando aquela manhã ensolarada de
pensamentos indefiníveis, pois seu Virgílio certamente não conhecia
mais a filha, se tudo aquilo fosse verdade. Seu pensamento
cambaleava, ora o que tinha que ser certo ora o que era errado.
Vagar sem conhecer realmente a filha que criou depois de pôr no
mundo não trazia nenhum afago contente no coração, pelo contrário,
às vezes aquela dúvida era agressiva, portadora de raiva, de
impotência, por não saber o que fazer no futuro para as coisas
mudarem. Sua paz de espírito estava em desordem. O que imaginar
então se aqueles possíveis erros de Grace fossem parar na pequena
cidade de onde ele vinha? Ele que sempre primava pela decência e
pelos bons costumes das mulheres da cidade. Às vezes pensava
que fosse algum castigo de Deus, mas não podia ser, de forma
alguma, pois sempre respeitava os outros como um bom católico
fervoroso. Realmente, somente poderia ser um espírito maligno que
se apoderou da filha, essa era a conclusão final de tudo, nem as
constantes repreensões que impunha sobre a filha na adolescência
pesava em sua consciência, enfim, somente poderia ser um espírito
maligno e mais nada.
Num determinado instante da viagem, o ônibus entrou num desvio
para chegar a um pequeno restaurante de beira de estrada. Quando
o motorista parou o veículo, alguns se levantaram, mas seu Virgílio
continuou sentado, em seu íntimo apenas havia uma ansiedade
soberba, o desejo de chegar logo na cidade grande.
O motorista abriu a porta da cabine e avisou aos passageiros
sobre a pausa de quinze minutos para um rápido lanche. Muitos, no
corredor, já caminhavam para sair, alguns saíam para o banheiro,
outros para lanchar, e uma mulher com o filho no colo para ninar a
criança. Somente seu Virgílio continuava em transe, como se
estivesse traumatizado, emburrado, não sairia dali por força contrária
nenhuma, já ensaiava na cabeça o que faria com a filha.
Depois de cinco minutos passados, quando notou que era uma
das poucas pessoas presentes no veículo, seu Virgílio sentiu uma
vontade louca de urinar.
De caminhar trôpego, ele foi se arrastando pelo corredor do
veículo até sair, quando presenciou os ares do pequeno local se
lembrou do tempo em que era caminhoneiro e vivia a vida nas
estradas, aqueles eram ares de nostalgia que traziam várias
lembranças, até o tempo em que Grace era uma menininha. Se ele
tinha errado na educação da filha, não sabia, o autoritarismo pareceu
não dar certo, então somente anulando as vontades de Grace
resultaria no fim daquela vergonha paternal.
Demoradamente ele procurava o banheiro do restaurante.
– Por favor, moço, onde fica o banheiro?
– Você segue reto até a primeira porta à direita.
E seu Virgílio obedeceu direitinho, andava novamente respirando
aqueles álgidos ares de estrada, onde qualquer um que desse
informação era mais um amigo, os tempos de nostalgia não
envelheciam nunca em sua cabeça. Quando entrou no banheiro,
deparou-se com sua imagem no espelho de velho pesado e
cansado. Não gostou muito do que viu, saber que já tinha
ultrapassado a meia-idade com poucos fios de cabelo ralo na cabeça
e as vistas de músculos flácidos apenas lacerava os sentimentos no
desespero, mais pelo fato de saber que tudo foi em vão, se
realmente a filha guardava dores escondidas. Nunca foi fácil chegar
naquela idade, pensando que a única filha já estava encaminhada na
vida, na verdade estava se tornando a sua maior vergonha, seu
maior desapego, sua tristeza para desejar o fim.
Deixando com que os pensamentos voassem para longe, seu
Virgílio entrou no cômodo do vaso sanitário, abriu a tampa e deixou
as calças escorregarem. Quando começou a urinar, distraidamente
ele leu uma frase escrita à sua frente que o atormentou no momento:
Querida filha, se tudo realmente for verdade, não sei o que vou
fazer, mas certamente ao menos pensarei em levá-la para a nossa
casa, para voltar a reaprender como se vive em família para um dia
descobrir como seus olhos devem enxergar uma luz que acende o
desejo de toda mulher, primar pelo decoro por saber que um dia será
esposa e mãe.
Grace, tenha a certeza de uma coisa, você está assistindo uma
vida irreal, uma vida que nunca pode ser vivida por uma mulher
direita, pois você foi o sonho mais aguardado de sua mãe e meu. Por
que não nota qualidades autênticas em sua mãe? Seria bem melhor
do que conhecer as falsas qualidades dessas pessoas arrogantes
das revistas de espetáculo. Sim, foi isso que estragou sua verdadeira
personalidade. Grace, essas pessoas não prestam, apenas induzem
ilusões em nossas cabeças. Será que até hoje você não sabe que o
sexo não foi feito por Deus para ser idolatrado? O sexo foi feito para
empatar o homem e a mulher na busca da felicidade. Deus! O que
eu fiz para não dizer isso a ela antes? Quantas semanas se
passaram entre eu e Grace? Mas nunca tive coragem de conversar
sobre o que é ser uma mulher de verdade. Talvez assim ela
descobriria o que realmente um homem deseja de uma mulher. Oh,
Deus! Mas o tempo não pode voltar, porém eu ainda sou seu pai, e
tenho como dever iluminar seus caminhos.
Felipe, estou pronta para você, somente você. Dessa vez tenho
certeza que cresci, ver o meu pai me fez renovar os pensamentos,
as vontades outrora esquecidas e meus reais e verdadeiros sonhos.
Meus sonhos são você, meu amante; são você, minha eternidade;
são você, minha única felicidade; enfim, meus sonhos são você.
Eu mudei, sim, acho que mudei, as causas existem sim, o princípio
foi o meu pai, mas o fim foi você, grande amor da minha vida, sim, foi
você, por você sou capaz de tudo, até de vencer minhas convicções,
as minhas regras e as minhas atitudes. Sim, não vou perder meu
homem ordinário e carinhoso, quase o sabor de uma vida inteira por
causa de um iludido status de acompanhante de empresários.
Eu tenho mesmo que tomar vergonha na cara, meu pai tem
realmente razão. Coitado do meu pai, tão velho e ainda tendo que
suportar a tristeza de ver a filha transando o corpo na avenida mais
suja da cidade. Ele está certo, tenho certeza de que quando ele
viajava nas estradas do país, tinha em seu íntimo desejo uma única
vontade, a vontade de ver a filha nos caminhos mais felizes de uma
mulher delicada.
Meu presente, eu mudo por você, pai, porque sua filha vai ser
aquilo que você construiu ao longo desses anos, mas meu futuro eu
dedico ao meu namorado amante, porque o amo além do impossível.
Você vai voltar para mim, eu vi isso quando meu pai desenhou
nossos caminhos perdidos se cruzando no céu onde os anjos fazem
músicas emanadas de nossos sentimentos retos. Nós temos que ser
felizes juntos, minha alma pede isso, a sua também, e quando duas
pessoas desejam a mesma coisa não há tempestade no mundo que
as afaste desse sonho.
Uma árvore está crescendo a partir de agora, está crescendo forte,
nosso amor é que a mantém rígida. Que tal, Lipe, se eu sussurrasse
em seu ouvido que comigo você pode ter sua família tão esperada
por tanta esperança. Poderemos ter dois ou mais barrigudinhos. Não
seria ótimo?
A aurora vai nascer novamente, e com ela uma nova mulher
chamada Grace, a Grace dos sonhos de Felipe. Tenho certeza de
que você vai gostar da grata surpresa, meu querido.
Sim, ela me ama... não vou precisar dos pés de Grace, nunca
mais! Sim, ela me ama.
Mas eu sei, infeliz seria meu coração se minha alma não saltasse
daqui até a janela dela. Sim, eu sei, eu quero pular, mas toda mulher
tem sua segunda opção de pensamento. Eu não estou preparado
para ouvir um não dessa menina, de todas, até de Grace eu consigo
ouvir um não, mas quando meu coração sente a pulsação
verdadeira, eu somente aceito um verdadeiro sim.
Enquanto Felipe perdia mais uma noite para fazer tudo em nome
da paixão, no dia seguinte, a única mulher com quem ele trocava
amores verdadeiros, Grace, estava apavorada, chegando no pátio de
sua faculdade, temia que seus colegas espalhassem entre os outros
a sua verdadeira condição, era normal ela ter aquele medo presente,
pois, apesar de viver às escondidas como uma garota de programa,
ela tinha medo de que as pessoas que formavam sua vida social
soubessem que ela era prostituta. Era inevitável que numa
universidade particular renomada, onde as vaidades se
confrontavam, facilmente os comentários se alastrariam. Mesmo
assim, Grace tinha uma esperança renovada, pois, depois do flagra
que seu pai deu em sua vida, ela decididamente estava pronta a
deixar a vida das ruas, então indo para a faculdade tentou esperar
quais seriam as reações dos colegas.
Caminhando rumo ao pátio, Grace estava introspectiva, pensando
em mudar toda sua vida, rever seus conceitos, aliás, era o mínimo
que ela poderia fazer, pois seu pai conscientemente estava com toda
razão. Mudar tudo de uma vez seria difícil, mas o pior de tudo seria
se as colegas soubessem dos seus segredos profundos, a única
vergonha na vida era ter que se passar como uma prostituta entre
colegas e professores.
Quando ela chegou no pátio avistou de longe uma roda de todas
as suas colegas mais ricas, ela acenou tentando cumprimentar, por
mais que acenasse, mesmo de longe, suas colegas nem se davam
conta de sua presença. Foi então encontrá-las de perto se afastando
das pessoas com uma dificuldade de segurar apostilas, livros e
cadernos entre uma multidão de alunos.
Até que num dado momento ela chegou perto das colegas
patricinhas.
– Gente! Vocês não me viram acenando para vocês? – perguntou
Grace, ainda ingênua sobre o assunto comentado entre todos de sua
turma – Vocês sabem se hoje haverá prova?
Todas as colegas, sem dizer nada, se afastaram da presença de
Grace, todas frias, como quem tem autoridade para reprovar
qualquer atitude, caminhando como se Grace nem existisse, talvez
houvesse pudores em suas consciências.
Grace continuou tentando esboçar uma conversa.
– Amigas, o que houve? – continuava Grace. – Por que vocês não
olham para mim? Vanessa! Raquel! Vocês podem me dizer, por
favor, o que está acontecendo aqui?
– Eu sempre achei que não passava mesmo de uma rampeira –
disse a última que se afastava.
Todas se afastaram de Grace no mesmo instante em que a maioria
dos alunos caminhava para as suas salas.
Grace sentiu naquele momento a força da verdade carimbar sua
vergonha falseada com um sorriso meigo de pequena ignorância.
Sim, não parecia real, mas a verdade veio à tona dentro do pequeno
meio social. O que fazer naquela hora? Grace não sabia, mas queria
muito se esconder para talvez tentar encontrar confiança em suas
virtudes. Realmente seus colegas-monstros deram com a língua nos
dentes, por mais que Grace tentasse amenizar a dor, a vergonha
vinha e se sobrepunha sobre seu encantador sorriso. Ela ainda ficou
olhando para todos com uma desconfiança: será que estão
sabendo? Era vergonhoso, porque muitos que passavam por ela
soltavam um semblante reprovador. Era realmente o revés de toda
uma vida sonhada. Tudo parecia cair por terra.
Grace buscava esperanças, melhores destinos e um lugar para se
esconder. O choro novamente voltava contido olhando as suas
amigas reprovarem sua vida secreta, não havia nada o que fazer, era
apenas esperar as coisas se assentarem. Grace, quase sozinha,
iluminada no pátio, correu para o banheiro onde queria deixar os
contornos da vida desaguar em tristezas.
Ao entrar no banheiro ela avistou uma moça vestida de preto que
sempre tinha alguma rixa com as patricinhas da faculdade.
– Quem diria! De manhã uma menininha bem-vestida e
comportada, de noite uma puta vendendo desejos aos famigerados.
Que nojo! – disse a moça.
– É mentira! – devolveu Grace. – E além do mais, não tenho que
dar satisfação para ninguém sobre a minha vida.
A moça saiu do banheiro rindo dos gritos histéricos de Grace que
não tinha mais como segurar, então deixou o pranto rolar. Ficou
sentada numa privada com as lágrimas escorrendo pelo rosto, a
vergonha estava solta rodopiando nas línguas maldizentes dos
colegas.
Pensamento de Grace:
Felipe, você sabia que somente você me faz feliz? Minha dúvida
está morrendo. Se você me ama como eu o amo então me conserve
como uma flor que brota no seu jardim paradisíaco. Mostre-me que
seu beijo é verdadeiro como o beijo de Rodin, cultive todas as
minhas virtudes como se fossem seu tesouro familiar, me suspenda
no ar livre como um troféu de campeão entre os campeões. Ainda
tenho dúvida! Você não sentirá nunca o que eu sinto, pois eu sei,
você deve esconder suas verdades no meu coito. Por que, Felipe,
quando eu olho para você não consigo descobrir os caminhos do seu
coração? Seus olhos parecem vagar distantes, procurando algo além
do que o meu amor pode dar.
Eu tinha uma certeza de que se eu deixasse a vida você me
receberia com um sentimento puro de felicidade, mas não, você me
recebeu com seus velhos olhos flamejantes de prazer.
Felipe, será que nada o faz me amar como eu quero! Mas eu o
amo, e como amo, mesmo assim continuarei a procurar seu amor, de
procurar a dose certa para que me sinta de verdade. Você ainda será
meu como eu sempre esperei de um homem.
A manhã ganhava espaços quando o rádio-relógio de Felipe tocou,
ele acordou como quem não gostaria de acordar, esticou o braço e
desligou o aparelho, espreguiçou-se com o peito tangido de uma
felicidade breve, fizera um amor emanado da sedução de Grace,
coisa que ele já não esperava mais. Olhou para o lado e sentiu que
Grace ainda dormia, mas ela estava acordada, fingia-se dormir por
motivos efêmeros de mulher.
Felipe levantou rapidamente, não podia chegar atrasado ao
serviço, pois já estava com a corda no pescoço, a empresa estava
prometendo demitir alguns funcionários. Como sentiu que Grace
estava dormindo, aproveitou para espiar através da janela do quarto
o apartamento da vizinha, aquilo já se tornara um vício lascivo em
seu coração. Ele abriu a cortina levemente e demoradamente ficou
de olhos sobre o apartamento da vizinha, Grace, que fingia dormir,
abriu os olhos e percebeu Felipe olhando pela janela. Ao primeiro
instante ela não se incomodou. O que poderia ser? Poderia ser
qualquer coisa, menos uma paquera viciada do namorado. Ela não
tinha como perceber que Felipe estava de paixão violenta pela
moradora do prédio vizinho.
O dever estava chamando e Felipe não podia ficar muito tempo
esperando os olhos lívidos de quem ele realmente amava, então foi
tomar seu banho matinal.
Grace ficou no quarto, tentando entender por que o namorado não
se entregou como ela realmente desejava. Vários pensamentos
vieram em sua cabeça como talvez ele tenha outra, talvez não me
ame ou talvez ele faça amor somente por fazer. Várias razões
surgiram em Grace, mas o que o coração não sabia era que Felipe
era um tipo de homem que somente acompanhava a namorada para
enfim esperar um sentimento mais tórrido por outra mulher, assim
que essa mulher surgisse ele pularia fora, era assim com Felipe e
com tantos outros homens.
Ele voltou do banho se enxugando, por outro determinado
momento ele espiou novamente através da cortina sem perceber que
Grace fingia dormir. Ela, muito esperta, o avistou novamente de
olhos presos ao prédio vizinho.
Grace somente procurava explicações:
“Que raio é esse?”, pensou ela. “Por que ele tanto olha pela janela.
Não há vista nenhuma aí. Somente um prédio cinzento e antigo.”
Felipe continuou olhando enquanto se enxugava, procurando
avistar a vizinha como sempre esperava. Grace, sorrateira, percebia
aquela fixação dele pelo prédio ao lado. Ele se vestiu, calçou as
botas e sempre no tempo de uma coisa e outra dava sua espiadinha
oportunista. Aquilo começou a desafiar a inteligência de Grace, que
sempre apaixonada não podia nunca acreditar em outra mulher na
cabeça de Felipe, somente ela poderia existir nos pensamentos dele,
eram ciúmes normais de quando se ama uma pessoa
verdadeiramente.
Quando ele finalmente ficou pronto para partir, tentou acordar
Grace.
– Grace, acorda... acorda... acorda! – disse ele.
– O quê... hã... bom dia, amor! – declarou ela, fingindo sonolência.
– Você já vai para o trabalho?
– Eu tenho que ir senão eu ficava o tempo que você quisesse...
Estou indo, vou deixar a porta encostada, quando você sair, faça o
mesmo. Não tem problema algum. O que roubariam aqui?
– Nossa, amor, é muito perigoso!
– Mas não tem outro jeito.
– Tudo bem. Tenha um bom trabalho.
Felipe contentou-se e partiu para o trabalho diário, fechando a
porta do apartamento com seu acostumado estilo grosseiro, Grace
quando ouviu o estrondo da porta até pensou que ele estava com
raiva de alguém, possivelmente dela, mas ele sempre fazia assim,
não seria a presença dela que mudaria o comportamento ignorante
de Felipe.
Sozinha no apartamento, Grace ficou receosa com aquelas
espiadas que Felipe dera na janela, então levantou da cama
rapidamente e foi espiar também, para conferir qualquer coisa que
demonstrasse a reação sem vontade de Felipe, pois quando os dois
voltavam de qualquer briga ele sempre se mostrava atencioso e
carinhoso, mas dessa vez não era o mesmo de antes.
Grace perdurou por muito tempo avistando o prédio ao lado. Não
havia nada de anormal.
“O que será que ele estava procurando aqui?”, pensou ela. “Só
pode ser mulher! Qual a única coisa que um homem procura o tempo
todo? Mulher! Só pode ser mulher...”
Ela ficou procurando, procurando e procurando, até sentir que era
ciúmes da sua cabeça. Parou e pensou que Felipe embrutecia seus
sentidos demais. Amar assim era como visitar a história de loucuras
do coração, ela tinha que aprender a amá-lo para nunca mais perdê-
lo como antes, estava certa disso.
Resolveu se vestir para voltar a procurar um emprego, não podia
perder tempo, ela tinha que responder aos pais à altura, estava
convicta de que quando voltasse à casa deles daria a boa notícia.
Mas um pensamento carregado de fraqueza vagava em suas ideias,
pois tudo estava difícil, ela estava ciente que uma moça sem preparo
nenhum não teria condições de trabalhar. Às vezes, as lembranças
das compras de grife no final de semana voltavam, mas fortemente
ela não deixava aquela banalidade ser novamente a prioridade da
vida. Era difícil crer, mas ela não temia mais a vida real, nunca mais
deitaria com homem por dinheiro algum. Pois seus sonhos já
estavam resumidos em viver somente para agradar seu querido Lipe,
amor de verdade ela já sentia, mas compaixão era o que ela não
queria receber em troca, ela firmava que conseguiria de uma forma
ou de outra conquistar os desejos verdadeiros de Felipe.
Estava se vestindo e preparando para sair quando, por
curiosidade, foi dar outra olhada na janela. Afinal de contas ela sabia
que qualquer felicidade com Felipe era breve, sempre havia um
pormenor que estragava tudo. E não deu outra, de tanto procurar
chifre na cabeça de cavalo ela achou, repentinamente, no
apartamento da frente, ela viu esboçar um longo cabelo loiro e
feminino. Sua primeira reação foi se irritar e desejar o pescoço de
Felipe para apertar. Não podia ser! Tudo estava muito maravilhoso
para ser verdade, ela não sabia se escondia ou se pulava no
apartamento para rodar a baiana em cima daquela ordinária.
Grace, por ciúmes, tirava todas as conclusões possíveis:
“Essa oxigenada provavelmente deve ficar se exibindo de calcinha
para aquele idiota ficar olhando daqui”, pensou ela. “Por que eu não
pensei nisso antes? Por que todos eles são iguais? A gente se
esforça tanto para ganhar o coração deles, eu até larguei minha vida
de prazeres materiais para conquistar esse idiota de vez... e ele? Por
isso ele não me procura, deve ficar paquerando essa oxigenada todo
dia.”
Por mais que se enfurecesse Grace não deixaria por nada nesse
mundo a companhia do seu verdadeiro amor. Podia parecer, por ela
ter sido garota de programa, mas Grace era donairosa tanto quanto
sua submissa mãe. Ela primava por uma única coisa nessa mudança
de vida, o amor de Felipe, e não seria qualquer uma, muito menos
uma oxigenada que roubaria o homem da sua vida.
O instinto feminino lhe dizia que ainda era muito cedo para se
enganar.
A melhor coisa a fazer era ir para casa esfriar a cabeça, tentando
esquecer o fato se ainda quisesse preservar o namoro. Foi o que ela
fez, às vezes pensava que seria apenas uma paquerinha sem muita
chance de vingar, então procurou esquecer, nenhuma mulher tiraria
sua felicidade de voltar com Felipe assim facilmente.
A semana passou muito rapidamente com Grace levando currículo
a várias empresas, fazendo fichas em agências e procurando
emprego nos classificados. Nada adiantou! Mas ela continuava firme
em sua decisão, que não perderia a luta simplesmente sem lutar.
Desde o começo ela já suspeitava dessa constante em não se
alegrar profissionalmente. As amigas, como Paola, sem levar muita
fé em sua mudança, somente diziam o que Grace não queria
escutar, que o melhor era continuar na vida de programas, pelo
menos assim tinha dinheiro para gastar. Grace encarava tão
somente como saudade de colega, talvez Paola estivesse sentindo a
falta da companheira nos seus programas marcados. A decisão era
terminante.
Enquanto ela visitava todos esses lugares, recebia o apoio do
namorado Felipe, que a incentivava tanto moral como
financeiramente, e era no financeiramente que Grace não conseguia
suportar aquela dependência, pois nunca vivera com homem
nenhum dependendo de ajuda. Felipe sutilmente sempre
demonstrava suas características machistas, impondo suas
vontades, algo do tipo como indicar a ela o que ele esperava de uma
mulher trabalhando, era a única coisa que fazia de Felipe o mais
imperfeito dos namorados. Mas ela, bem lúcida, apenas dizia que
sim quando na verdade estava dizendo não. Grace estava de vida
renovada, dessa vez ela se preservou perante Felipe evitando
qualquer briguinha à toa que levasse a um rompimento. Para ela, a
felicidade era singular, a felicidade estava em encontrá-lo todos os
finais de noite para amá-lo como se estivesse encontrando as
virtudes do amor no final da linha do infinito.
Quando chegou o final de semana, Grace se despediu
amorosamente de Felipe, estava decidida a rever os pais, pois já
fazia muito tempo desde que seu pai a pegou em flagrante fazendo
trottoir nas ruas da cidade grande, e ela ainda ficou sabendo, através
da mãe, que seu pai, seu Virgílio, não queria saber de mais conversa
com ela. Magoada, Grace decidiu visitá-lo para reaver o carinho do
pai, a coisa mais importante naquele momento.
Chegando à cidade, Grace não sentiu nada de diferente no
tratamento das pessoas conhecidas, a pacata cidadezinha do interior
continuava tratando Grace como a mesma menininha de sempre. De
uma coisa ela estava certa, seu pai não comentou nada sobre sua
vida na cidade grande. Menos mal!
Sorridente, Grace chegou na porta da pequena casa de seus pais
com uma pequena mala, na certa não ficaria por muito tempo,
apenas estava decidida em fazer as pazes com o velho Virgílio. Um
pequeno cachorrinho vira-lata, bastante alegre, apareceu na porta
para receber Grace. Ela devolveu a mesma alegria para o
cachorrinho que abanava o rabo de emoção:
– Você está aí, meu gostosinho! – disse Grace para o cãozinho,
em tom de voz de criança. – Que saudade do meu cachorrinho
querido!
Enquanto Grace brincava com o cachorro a única pessoa que
percebeu a presença na porta da frente foi dona Regina que logo
apareceu para ver quem era.
– Quem está aí? – perguntou dona Regina.
– Mãe, sou eu, sua filha! – declarou Grace, entusiasmada.
– É você, minha filha?
– Mãe, quanta saudade!
Dona Regina foi correndo ao encontro da filha, esperava por
aquele momento por vários meses. Apesar dos ossos cansados
dona Regina apertou os passos para abrir o portão para a filha.
– Minha filha, por que não mandou mais notícias? Estive com
medo, pensei que nunca mais a veria. Eu fiquei sabendo através de
seu pai dos seus problemas. Apesar disso, filha, tenha a absoluta
certeza que nós sempre a amaremos. Nunca se esqueça de nós! –
disse dona Regina, abraçando a filha fortemente, quase chorando.
– Ah, mãe! Não fique assim! Eu sei disso... mas esqueça tudo.
Tudo que o pai disse virou passado. Eu deixei aquela vida de vez.
Não há nada que me faça voltar.
– Graças a Deus! Eu sabia que ele ouviria as minhas preces.
Grace, minha filha, eu orei tanto por você, pedindo a Deus que
iluminasse seu caminho e clareasse as suas ideias.
– Fique mais calma, mãe. Tudo passou – anunciou Grace,
abraçando a mãe fortemente. – Tenho certeza que dessa vez eu
amadureci. Fique mais calma, tudo é passado agora.
Enquanto as duas choravam, seu Virgílio, sem saber de nada,
estava na sala se distraindo com a televisão.
– Mulher, quem está aí com você? – perguntou ele, com uma voz
rouca e alta.
– Adivinhe! Nossa filha! – respondeu dona Regina, alegre e
sorridente.
– Eu não tenho mais filha – reagiu seu Virgílio, em tom de voz
peremptório.
Naquele instante, dona Regina irritou-se e foi encontrá-lo na sala.
– Larga de ser besta, homem! Ande, vá receber sua filha.
– Eu já disse que não tenho mais filha.
– Por favor, Virgílio, não me contrarie dessa vez, ande, vá, ela está
aqui para pedir desculpas, já se arrependeu do que fez. Por favor, é
a nossa filha e ela está precisando da gente como nunca – irritou-se
dona Regina.
Seu Virgílio respirou bem fundo e devolveu.
– Ela devia ter pensado nisso antes de ficar nas ruas daquela
cidade rodando bolsinha para lá e para cá. Eu não criei uma filha
com tanto sacrifício para ficar deitando com o primeiro que
aparecesse somente por causa de alguns trocados. Bote uma coisa
na sua cabeça, isso daí não é nossa filha, isso daí é uma serpente
libertina e maliciosa. E tenho dito! Não vou perdoá-la nunca. Nunca,
ouviu bem?
Sentida pelas palavras duras, dona Regina começou a derramar
um pranto desesperador.
– Virgílio, não faça isso com a nossa filha, por favor, escute o
coração e a perdoe – disse ela, chorando.
– Nunca!
Nisso, repentinamente, adentrou a sala Grace abraçando a mãe
pelas costas.
– Você continua o mesmo velho turrão de sempre – disse Grace. –
Você nunca ouve minha mãe. Eu fico mais sentida por ela do que por
mim.
– Com coisa que você ouve alguém, não é mesmo, minha filha
meretriz? – devolveu seu Virgílio.
– Eu gostaria tanto que você soubesse que eu deixei aquela vida e
agora estou buscando novas oportunidades, somente porque eu amo
o senhor e a minha mãe.
– Saia daqui! Eu não quero ficar na frente de uma serpente de
duas caras. Saia daqui! Vamos!
– Deixa para lá, minha filha – considerou dona Regina, acalmando-
se.
– Deixa esse velho bronco com seus remorsos.
Grace conduziu a mãe vagarosamente até a cozinha, chegando lá,
Grace se sentou, conversando com a mãe, enquanto essa continuou
fazendo o almoço do dia. De tanto conversarem, colocando as
novidades em dia, algumas vezes elas até sorriam. Grace
impulsionava as esperanças da mãe com expectativas sobre futuros
trabalhos de boa índole. Contava sobre sua paixão virtuosa por
Felipe, enquanto a mãe sorria dizendo que apenas gostaria de
conhecê-lo. O momento era propenso para uma alegria que Grace
não sentia há muito tempo, conversar com a mãe era uma de suas
chances de felicidade. Ela dizia para a mãe que agora lutaria sempre
para conquistar o coração do namorado de vez. Os sonhos agora
faziam parte da busca de felicidade. Sua mãe apenas escutava
atenciosamente com uma pequena ponta de orgulho, ela sentia que
dessa vez Grace encontraria o caminho sereno da paz do Senhor.
Felizmente era a última chance que Grace agarrou para deixar a vida
de mulher bandida. Dona Regina era só sorrisos.
Enquanto as duas sorriam à toa sobre todas as novidades dos
moradores daquela pequena cidade, seu Virgílio assistia à televisão
com uma cara fechada, de poucos amigos, esperando apenas o
almoço na mesa.
– Regina, esquece essa conversa vazia e termine esse almoço
logo – gritou seu Virgílio da sala.
– Tenha um pouco de paciência, Virgílio! – disse dona Regina.
As duas, sozinhas na cozinha, tentavam descobrir o porquê da
teimosia de seu Virgílio.
– Mãe, e o pai, como ele vem suportando as tolices que fiz? –
perguntou Grace.
As lágrimas de dona Regina naquela hora temeram novamente em
derramar.
– Desculpe, minha filha. Seu pai a ama muito, ele somente não
consegue demonstrar isso. Eu não sei por que você foi fazer isso,
pois antes ele era somente esperança, acreditava que um dia veria a
filha doutora, educada e vencedora. Depois que ele descobriu o que
você fazia lá na capital, perdeu todo o chão em que pisava, perdeu
as esperanças, perdeu até o sono de todos os dias, hoje ele vive
perambulando na madrugada pelo quintal, suportando as mágoas e
chorando muito.
– Eu sei, mãe! Mas eu era muito inocente, não pensava nunca nas
dificuldades, apenas me contentava com aquele dinheiro imundo.
Por favor, tente convencê-lo sobre a minha mudança. Hoje eu tenho
certeza de que sei o que é melhor para mim. Antes eu pensava que
ficaria rica da noite para o dia. Pensava em poder ajudar vocês dois,
Deus sabe o quanto eu quero isso! Também acho que foi um pouco
da saudade que dominou meus pensamentos, acabei esquecendo
da minha vida.
– Não se preocupe, minha filha, falo isso por mim e por seu pai,
você está perdoada e abençoada. Seu pai não gosta muito de admitir
suas vontades, mas eu sei que a única coisa que ele pensa em fazer
é vir aqui e abraçá-la.
Novamente, seu Virgílio, irritado, chamou dona Regina.
– Ô mulher! A que horas esse almoço vai sair? – disse ele.
– Mãe, como você consegue suportar as ordens do meu pai? –
indagou Grace, somente para a mãe. – Ele fica o dia inteiro sentado
na frente da televisão esperando comida enquanto você trabalha na
casa o dia inteiro.
– Filha, seu pai trabalhou muito a vida inteira, pelo menos agora
merece um descanso... E quando você casar vai poder compreender
isso melhor.
Dona Regina, apressada, foi levando as panelas para a sala,
arrumando a mesa para o almoço. Seu Virgílio sentou logo na
cadeira de costume, mesmo assim se demonstrava um homem
obtuso.
Quando a mesa ficou completamente pronta e todos se
aprontaram em seus lugares para o almoço, seu Virgílio estranhou e
disse.
– Regina, ela vai almoçar conosco? – perguntou ele.
– Mas claro, Virgílio! – respondeu dona Regina.
– Então eu vou almoçar na rua. Pelo menos lá eu posso almoçar
em paz sem precisar ficar olhando para uma serpente.
– Não seja por isso, se esse for o problema eu saio – determinou
Grace.
– Não, filha, você é a nossa filha! Essa casa também é sua. Seu
pai tem que aprender de uma vez por todas a perdoar a própria filha.
– Deixe de falar besteiras, isso não vai acontecer nunca! Será que
até hoje você não consegue ver, preste atenção, nossa filha é uma
prostituta.
– Virgílio, por favor, não fale assim de nossa filha.
– Tudo bem, mas eu não vou almoçar com ela... Eu vou tomar uma
pinga no barzinho para abrir apetite... Passar bem.
– Por favor, Virgílio, sente-se aqui! – disse dona Regina, bastante
nervosa.
Seu Virgílio acabou saindo de cabeça quente, batendo todas as
portas e soltando alguns palavrões.
– Deixa, mãe! Eu não ligo. Ele realmente tem razão de me evitar,
eu traí a confiança que ele tinha.
– Não é isso, minha filha. Meu medo maior é que ele continue com
essa atitude para sempre, porque você sabe muito bem que ele não
tira nenhuma verdade própria da cabeça.
Mesmo preocupadas com seu Virgílio, as duas almoçaram e
depois se juntaram para fazer uma colcha de retalhos. Grace ficou
relembrando os tempos de infância quando costurava junto com a
mãe. Passaram toda a tarde naquele trabalho, pensando,
preocupadas com seu Virgílio, enquanto ele passava o dia no boteco
enchendo a cara com a destilada de onça.
Seu Virgílio, respeitando as tradições interioranas, foi afogar as
mágoas na bebida, era a única coisa que poderia dar coragem às
infelicidades que a vida trazia. Às vezes, ele encontrava mais
conforto na pinga do que na família, era um senhor que gostava da
bebida pelo prazer de um dia poder esquecer todos os problemas.
Dizia sempre que ninguém consegue domar a fera da vida, a vida
nasceu selvagem, esse é o instinto que preserva os sentimentos no
medo. Ninguém poderia ser feliz enquanto existisse o instinto da
vida, pois querer alguém ou alguma coisa não depende da vontade,
e sim do acaso.
Então a noite começou a abraçar o dia na pequena cidadezinha
enquanto seu Virgílio, sentado na mesa sozinho, reclamava nos
ouvidos dos outros bêbados seus fracassos, suas derrotas, seus
infortúnios e seu revés.
– Que Deus me perdoe pelo que vou dizer, mas a verdade é que a
vida é uma desgraça – disse seu Virgílio no recinto, totalmente
bêbado. – E sabem por quê? Porque as pessoas de hoje em dia
perderam os valores morais. Você liga a televisão e somente vê
putaria até perceber que essa putaria já entrou dentro de sua casa.
– Opa! É por isso que o mundo está cada vez melhor! Quanto mais
putaria melhor. Não fique assim, seu Virgílio, o seu tempo já passou.
Talvez esteja com dor de cotovelo por não poder desfrutar da putaria
de hoje – declarou o jovem Tico, um frequentador do bar.
– Cale a boca! – irritou-se seu Virgílio, nitidamente bêbado. – Você
vai ver quando tiver uma família para criar. É libertinagem para todo
lugar...
na música só falam de putaria, na televisão também, até nos
jornais você encontra a putaria. Nos bailões de hoje a moça é quem
tira o rapaz para dançar. Onde esse mundo vai parar? Sabe o que eu
queria mesmo? Era encontrar o desgraçado que inventou a putaria.
– Vai reclamar isso no quinto dos infernos! – retiniu o jovem
valente Tico. – Não suporto bêbado velho reclamando da vida. A
única sorte que Deus deu para o pobre é a divina putaria. Sem
putaria não sei do que seria da minha vida.
– Provavelmente seria um fedelho chorão, buscando uma mínima
chance com qualquer mulher que lhe diria não nessa sua cara feia e
medonha de rato – gritou seu Virgílio.
As palavras de seu Virgílio atingiram em cheio os brios do valente
Tico.
– Você vai ter que engolir tudo isso que disse junto com a sua
cachaça, seu velho bêbado.
– Vai se danar, moleque!
– Ah é? Seu Ribeiro me vê um litro de cachaça, qualquer uma, da
mais barata e vagabunda. Esse velho vai aprender a respeitar as
pessoas e a minha paixão. Não suporto alguém falando mal de
prostituta.
– Moleque, se eu fosse mais novo, mesmo bêbado, eu levantava
daqui e lhe chutava o traseiro daqui até o puteiro da estrada.
Nesse momento, o comerciante Ribeiro entregou em mãos o litro
de cachaça para o Tico.
– O que você vai fazer com esse litro de cachaça? – perguntou o
comerciante.
– Agora esse velho vai aprender uma única coisa – sorriu
sarcasticamente o valente Tico.
Ele foi até a mesa de seu Virgílio e o segurou pelo braço esquerdo.
Seu Virgílio tentou relutar, mas era impossível, o álcool já estava
num efeito embriagante e suas vistas se embaralhavam com as
luzes do bar. De tanto segurar seu Virgílio, finalmente, Tico
conseguiu deitá-lo no chão com o rosto virado para o teto.
Seu Virgílio apenas balbuciou as palavras.
– O que aconteceu? Alguém aí, me ajude a levantar! – disse ele.
Todos os presentes no bar apenas alertaram:
– Deixa disso, Tico!
– Respeita o seu Virgílio!
– Ele apenas está bêbado!
– Ele não sabe o que diz!
Sem pena e nem dó o valente Tico virou o litro de cachaça dentro
da garganta do seu Virgílio. Atordoado, seu Virgílio começou a tomar
um litro de pinga numa vez só. O litro da garrafa foi diminuindo a
cada instante em que seu Virgílio ficava em transe apenas
consumindo o litro que o organismo não poderia suportar. Em poucos
instantes, seu Virgílio tinha tomado todo o litro de cachaça. Não
demorou muito para ele entrar num profundo coma alcoólico.
Enquanto isso, o valente Tico gargalhava para todos.
Todos os presentes sem fazer nada apenas resmungaram.
– Por que fazer isso, Tico?
– É muita humilhação para o velho Virgílio!
Tico apenas sorria com um orgulho jactante:
– Agora esse velho aprende. Ah! Ah! Ah! – zombou ele.
Seu Virgílio continuou desmaiado no bar com o pior aspecto
possível para um senhor aposentado, a boca estava aberta onde
escorria saliva enquanto os olhos estavam abertos. Talvez fosse a
pior situação que seu Virgílio já vivera, às vezes, alguns presentes
ficavam preocupados, pois aquele coma alcoólico poderia levar até a
morte.
Tico continuou fazendo suas piadas de mau gosto. Ele se achava
o mais intrépido dos homens daquela pequena cidade, falava alto
para todos ouvirem, mas na verdade era apenas mais um fanfarrão
valente.
– Coloca um sertanejo aí! – gritava ele.
O único que acabou ficando preocupado com seu Virgílio foi seu
Ribeiro. Ele chamou um garoto de recados e o mandou avisar a dona
Regina, afinal, numa cidade pequena, todo mundo conhece todo
mundo e ele prezava bastante a amizade de seu Virgílio e dona
Regina.
Seu Ribeiro disse ao garoto como ele deveria contar a situação.
– Aqui, garoto, avise à dona Regina que seu Virgílio está
embriagado, deitado no chão do bar, fale para ela chamar alguém
para levá-lo para casa. Diz a ela que ele está muito mau mesmo...
Não diga a ela de forma alguma sobre a confusão, depois ela nunca
mais deixa o seu Virgílio vir aqui – disse seu Ribeiro, dono do
estabelecimento.
– Pode deixar.
– O que é isso, seu Ribeiro? – intrometeu-se o indolente Tico. –
Falando para o garoto chamar alguém para remover esse velho
imbecil daqui? Deixe ele passar a noite aí! Quem sabe quando ele
acordar amanhã aprenda de uma vez por todas que cachaça não é
água. É isso que dá! Não quer encher a cara e falar besteira? Então!
– Você é bruto demais, Tico! Seu Virgílio tem idade para ser seu
pai.
– Mas não é!
O garoto de recados saiu correndo entre vários coleguinhas
pisando no asfalto com os pés descalços, parecia que estava
competindo com alguém numa corrida, tamanha a vontade de dar o
recado.
Enquanto isso, dona Regina e Grace continuavam costurando,
conversando sobre a vida alheia da cidade, algo do tipo sobre os
homens, rapazes, amigas e mulheres. Qualquer notícia da mãe para
Grace era uma novidade, afinal, fazia muito tempo que Grace não
visitava a cidade natal. A conversa estava radiante de uma saudade
sadia, Grace ficou sabendo quem de suas amigas casou, quem
morreu, quem ficou só e todas as fofocas temperadas do interior.
Aquela visita parecia revigorar as forças renovadas de Grace, a partir
dali ela esperava apenas sinais de alegria.
Ela foi à cozinha para pegar um queijo, apenas para beliscar algo
enquanto acompanhava as histórias da mãe, foi quando ouviu o
garoto chamar do lado de fora da casa.
– Hei, dona Regina! – gritou o garoto. – Seu Virgílio está passando
mal lá no bar do seu Ribeiro. Chame alguém para ajudá-lo.
Dona Regina ouviu assustada, não sabia o que fazer naquele
momento, tudo estava difícil de suportar. Ela levantou da cadeira de
costura com muita dificuldade, estava entregue às dores da coluna,
mas mesmo assim ela caminhou até o portão para receber o menino,
estava preocupada, temendo sempre com a saúde do marido.
Grace também ouviu o menino gritar, não demorou para ela
acompanhar a mãe até o portão.
– Abre rápido, dona Regina! – berrou o menino. – Seu Virgílio
precisa de ajuda, ele está desmaiado lá no bar, deve ter bebido além
da conta.
– Calma, garoto! Onde ele está?
– Está desmaiado lá no bar do seu Ribeiro – continuou o menino.
– Meu Deus! – assustou-se dona Regina. – Será que aconteceu
alguma coisa de mais grave? Eu já falei para ele mais de mil vezes
parar com a bebida, ele tinha que ter mais consciência, saber que já
está velho demais para se aventurar na noite como um jovem.
– Tudo bem, mãe! – disse Grace. – Você liga para o doutor
Cândido que eu vou até lá para ajudá-lo.
– Muito obrigada, minha filha. Tenho certeza que você não guarda
mágoas no coração.
– Lógico, mãe! Meu pai é a pessoa mais importante que tenho na
vida. Eu respiro somente pensando em como ajudar ele. Não sou de
ferro como você pode pensar, a vida me ensinou muito. Não posso
perder o respeito que tenho do meu pai.
– Então vamos logo! – insistiu o menino.
– Vá, minha filha, seu pai precisa de você.
Grace apertou a mão do garoto e subiu a rua, as luzes estavam
todas acesas no percurso e guiavam o caminho. Enquanto subia a
rua ela perguntava ao garoto o que de fato ocorreu. Ele, meio tímido,
temia em contar o que realmente aconteceu, esperava apenas levá-
la ao bar para depois ir embora, não queria se meter de forma
alguma naquela encrenca de família. Era um garoto esperto que
sabia que as diferenças na cidadezinha acabavam em tiro e sangue.
Mas Grace, preocupada, insistia tanto que ele acabou não
conseguindo mediar as vontades que a língua queria soltar.
– Diga-me logo! Como ele foi se embriagar até desmaiar? – insistiu
Grace. – Meu pai sempre resistiu aos goles, não seria qualquer
pinguinha que o derrubaria.
– Na verdade foi o Tico quem provocou seu pai que já estava
bêbado. Ele estava nervoso com as coisas que seu pai dizia, então
ele acabou fazendo seu pai tomar à força um litro de cachaça. Seu
pai não teve nem tempo de respirar, acabou capotando para trás,
provavelmente está desmaiado até agora – desabafou o menino.
– Então foi aquele verme do Tico! – irritou-se Grace. – Quando eu
saí daqui ele era apenas o garoto mais malcriado da cidade. Hoje,
certamente, se transformou num homem estúpido e grosseiro capaz
de humilhar até um senhor pai de família.
Grace continuou caminhando, subindo a rua, pensando em ajudar
seu pai no que fosse preciso. Grace estava amadurecendo, sabia
que a consciência era o mais certo a seguir, não podia esquecer do
quanto a presença dele foi importante na sua vida. Por isso que
qualquer chance de reaproximação era um motivo especial para
conseguir o perdão do pai. Mas a preocupação terna de filha era o
que movia seu coração, não podia medir esforços para ajudar o pai
contra uma porção de grosseiros fanfarrões.
Quando Grace se aproximou do bar avistou de longe seu pai
estendido sobre o chão.
– Pai! O que fizeram com você? – gritou ela, correndo
desesperadamente.
Ela encontrou o pai num estado deplorável, aproximou-se tentando
levantar a cabeça dele sobre o colo. Grace chamava pelo pai,
tentando acordá-lo, mas seu Virgílio, desacordado, não dirigia uma
palavra, estava em coma profundo.
De tanto chorar pelo pai ela acabou se voltando contra os homens
do bar:
– O que vocês fizeram com o meu pai? – perguntou Grace,
irritada.
– Ih! Eu não sei de nada, gatinha – disse um frequentador do bar.
– Eu corto meu pescoço mas não digo quem foi – declarou outro
frequentador, mostrando o jovem Tico com o dedo indicador.
– Por que você fez isso com meu pai, vagabundo? – disse Grace,
completamente descontrolada.
– Eu!? Eu não fiz nada com esse velho beberrão – anunciou Tico.
– Você vai ver uma coisa, seu verme. Eu vou voltar aqui com a
polícia para jogá-lo na cadeia, vagabundo. Você não se enxerga não,
em mexer com um senhor já idoso? Você não vale nada mesmo.
– Calma, gatinha! Esquece o vovô aí, deixa ele dormindo, amanhã
ele está totalmente recuperado. Enquanto isso vamos aproveitar o
momento e nos conhecermos melhor.
– Você não se enxerga mesmo. Desde quando eu vou dar moral
para um sujeito da sua laia. Você é o cara mais escroto que eu já vi.
Todos se alegraram com as palavras inferidas de Grace.
– Yahoo!
– Tomou, Tico!
– Vai mais!
– Agora aguenta!
– Calem a boca – ordenou Tico, em tom peremptório. – Quando
uma mulher fala com muito ódio no coração é porque está
apaixonada.
– Não fale besteiras, seu ridículo! – ralhou Grace. – Você é tão ralé
da ralé que não vale a pena nem olhar para você. E me diga uma
coisa, existe alguma mulher que se interessa por você?
Nesse momento ele se aproximou dela e a agarrou pela cintura.
– Existem muito mais do que você imagina – disse Tico, tentando
seduzi-la. – Quer experimentar?
Irritada, somente deu tempo para sentir o estralo que a mão de
Grace deu na face esquerda do valente Tico.
– Não me toque nunca mais, seu idiota!
Enquanto Tico permaneceu com o rosto virado com uma sensação
estranha de revidar, todos os presentes colegas do bar começaram a
zombar dele:
– Se ferrou!
– Yahoo!
– Não apanha de homem, mas apanha de mulher!
Bastante irritado, Tico tirou o que guardava na cintura, um revólver
calibre trinta e dois, logo mandou todos calarem as brincadeiras.
Muitos, apavorados, sumiram do bar ou se esconderam debaixo das
mesas.
Tico, sem pestanejar, apontou o revólver para o rosto de Grace.
– Não faça mais isso, sua vadia! – gritou ele. – Não saia batendo
em pessoas que você não conhece, pode acabar se machucando.
Só foi ter ido morar na capital que acabou se esquecendo dos
costumes daqui.
– Foi você quem começou – disse Grace, tentando não
demonstrar fraqueza. – Eu não gosto que homem nenhum me agarre
à força. Não sou nada sua para você chegar me encostando.
– Tudo bem, essa eu deixo passar. Mas não faça isso nunca mais,
eu poderia me irritar facilmente.
– Por favor, me dê licença para ajudar meu pai! – pediu Grace,
desesperada.
Nisso o jovem Tico se acalmou e guardou o revólver na cintura
novamente. Para Tico sua valentia era a coisa mais importante que
prezava, era uma forma dele crescer perante os outros. Grace já era
mocinha enquanto ele soltava pipa pelas ruas. Aquela sua ignorância
fazia ele provar para ele mesmo que já era um homem decidido e
destemido, e que agora, a menina dessa vez era Grace. Foi a
primeira vez que ela sentiu o olhar colérico de um homem, um olhar
que enraizava um ódio seco, sem compaixão, capaz de passar por
cima de tudo que está à sua frente.
Mas Tico estava de bom humor naquela noite, estava até revendo
aquela moça que trazia lembranças de sua paixão juvenil.
– Tudo bem! Hoje eu estou contente, aproveite essa ideia e leve
logo esse velho bebum daqui. Mas antes, Grace, deixe-me falar uma
coisa, você continua a mesma gostosa de sempre. Não me leve a
mal, mas seu pai estava bêbado e me incomodando muito. Você
sabe! Não tive escolha.
– Sorte a sua de não ter relado esse revólver no meu pai –
anunciou Grace, sempre nervosa.
– Veja pelo lado bom, eu poderia fazer coisa pior, mas não fiz, e
mesmo assim ainda espero uma chance para lhe mostrar que eu
também sou carinhoso... ah... ah... ah... – disse Tico, cinicamente.
– Seu covarde!
Grace arrastou o pai com muita dificuldade enquanto Tico
preocupava em dar goles de labaredas na pinga, zombando de
qualquer coisa que vinha na mente.
Ela tentou chamar alguém para ajudá-la, mas todos, com medo de
Tico, correram para se esconder. Tico era muito temido na cidade por
andar sempre armado, alguns diziam que ele já matara alguém, mas
ele sempre desconversava.
A rua estava pouco iluminada, fazendo Grace se preocupar mais
ainda.
– Por favor, será que ninguém vai me ajudar aqui?
Ela tentava levantar o pai, mas ele era muito pesadão, não havia
como uma moça do porte dela segurar um homem daquele vigor nas
costas.
– Ajudem-me, por favor!
Somente depois que todos notaram que Tico se acalmou
guardando o revólver na cintura, é que muitos daqueles homens
medrosos reapareceram. Muitos reapareciam apenas para avistar o
barzinho de longe, era como se esperassem algo pior.
– Hei, vocês, vão ficar somente olhando ou vão me ajudar?
Um homem, preocupado em ajudar, se aproximou de Grace
tentando ser prestativo.
– Fique calma, moça. Eu vou ajudá-la – disse ele, levantando seu
Virgílio com os braços fortes até acomodá-lo nas costas.
– Muito obrigada. Eu não saberia o que fazer, estava desesperada
– agradeceu Grace.
Prontamente, esse homem começou a andar com seu Virgílio nas
costas, carregando-o para a direção que Grace, aflita, apontava. Seu
Virgílio, desmaiado em cima dos ombros do prestativo homem, não
esboçava nenhum suspiro, estava totalmente desacordado.
Enquanto isso, os presentes apenas avistavam como quem devia
estar por cima da carne seca. Na verdade, eles apareciam como
urubus, vivendo um sentimento estranho alimentado da tristeza
alheia.
O comerciante Ribeiro querendo espantar aquela sensação
desigual no seu estabelecimento ligou o rádio com as modas
sertanejas mais tocadas no país.
– Vamos, gente! Tudo já passou – declarou ele. – Foi apenas uma
discussãozinha sem importância.
– Se depender de mim, meu pai não vai pisar nunca mais nessa
espelunca – retiniu Grace, acompanhando o homem que carregava
seu pai nos ombros. – Onde já se viu!? Embebedar meu pai na base
da força bruta. Vocês vão ver uma coisa! Eu ainda vou chamar a
polícia.
A alegria funesta do botequim foi voltando ao estado de sempre,
os fanfarrões foram voltando, todos reunidos, bebendo, jogando
sinuca e falando mal de mulher, era o que o cotidiano ensinava
àqueles caracteres rústicos e grosseiros. Do outro lado, Grace e o
homem que carregava seu pai desciam uma rua iluminada, sem
muitas pessoas conversando nas portas, pois a noite caía com o
vento frio, era melhor ficar dentro de casa vendo qualquer idiotice na
televisão.
Enquanto caminhavam cansados, o homem gentil e Grace
trocavam indignações:
– Sabe, Grace. Seu pai teve muita sorte, porque o Tico está cada
vez mais valente, ele anda sempre por aí atirando para qualquer
lado. Dizem até que ele já matou alguém – disse o homem gentil,
com um ar temeroso.
– Mas que raio de cidade é essa!? Não tem polícia para prender
qualquer sociopata delinquente? – irritou-se Grace.
– Você sabe como são as leis numa cidade pequena. Todos dizem
que o Tico é amigo dos policiais. Eles acabam não atendendo
ninguém que presta queixa contra o Tico. As pessoas dizem que o
Tico matou um bandido procurado pela polícia, então eles
agradeceram deixando-o andar armado.
– Esse mundo está perdido mesmo! Agora qualquer um pode subir
sobre as leis ditando suas próprias vontades.
– Infelizmente. Por isso, quando o seu pai acordar do coma
alcoólico diga a ele para não procurar acertar as contas com o Tico.
Pois, conhecendo seu pai como conheço, amanhã mesmo ele vai
querer esfregar as mãos na cara do Tico.
– Pode deixar. Eu vou convencê-lo. Eu conheço muito bem o velho
que você está carregando.
Depois de descerem aproximadamente umas quatro quadras,
finalmente chegaram na porta da casa onde dona Regina esperava
totalmente aflita.
O homem que carregava seu Virgílio foi logo adentrando o portão
da casa enquanto dona Regina demonstrava, horrorizada, seu
completo desespero:
– Virgílio, homem de Deus, o que aconteceu? – gritou dona
Regina.
– Fique calma, mãe. Ele está apenas desacordado por causa da
bebida – considerou Grace.
– Meu Deus!
– Onde posso deixá-lo? – perguntou o homem.
– Por favor, coloque-o no sofá da sala – solicitou dona Regina,
sempre horrorizada.
O homem gentil acabou soltando o corpo de seu Virgílio no sofá.
– Meu Deus, minha filha, o que o seu pai fez para ficar desse jeito?
– perguntou dona Regina.
– Não foi ele, foi aquele idiota do Tico que o forçou a encher a
cara. Essa cidade perdeu totalmente o respeito, mas a polícia vai
ficar sabendo disso – esclareceu Grace.
– Filha, eu estou com um aperto no coração, vá buscar logo um
remédio para ressaca e uma água. Rápido!
– Pode deixar, mãe!
O prestativo homem ficou na sala desconcertado sem saber o que
fazer, já se sentia muito útil de ter levado seu Virgílio nas costas até
a casa, mesmo assim demonstrava-se bastante atencioso. Talvez
fossem as qualidades e os dotes de beleza que o prendia naquela
gentileza demasiada para o bem de Grace. Ela às vezes não sentia,
talvez por tanto se afundar introspectivamente nos próprios
problemas, mas vários moços, rapazes e homens estavam sempre
de prontidão, buscando sempre a atenção da beleza empírica de
Grace. Muitos conheciam a formosura da filha do seu Virgílio,
sempre muito conhecida pela cidade por ser tão bonita. Enquanto o
pobre homem mendigava uma resposta dela através de um sorriso
ou de um olhar mais compenetrado, ela apenas se preocupava com
a saúde debilitada do pai.
– Pai, acorda! Tome esse comprimido.
– Bem, talvez eu pudesse chamar um médico ou um farmacêutico
se vocês quiserem – afirmou o homem, sempre demonstrando
gentileza para agradar Grace.
– Eu acho que não vai precisar – declarou Grace, apenas
preocupada com o pai. – Ele até tomou o comprimido com a água
sem vomitar!
– Mas filha! Ele continua desacordado. Se não aparecer um
médico aqui eu vou passar a madrugada aflita.
– Acalme-se, mãe! O pai tem um organismo de ferro, não é a
primeira e nem a última vez que ele ficará bêbado.
– Então eu acho que já vou indo... porque eu tenho que acordar
cedo amanhã.
– Pode deixar que eu acompanho o senhor até a porta – disse
Grace.
– Por favor, a senhorita não precisa me chamar de senhor –
anunciou ele, com as mãos no chapéu sobre o peito, tentando
galantear.
– Bem, eu não sei como agradecer... Qual o seu nome?
– Gilberto.
– Bem, seu Gilberto, sou muito grata pelo o que você fez pelo meu
pai. Havia tantos homens naquele recinto, mas somente alguém com
uma alma tão generosa poderia ter me ajudado como você me
ajudou. Muito obrigada!
– Não há de quê, senhorita... Bem, então eu vou andando.
– Eu lhe acompanho, Gilberto – disse Grace, conduzindo o gentil e
modesto homem até a porta.
No portão, antes de partir, ele ainda tentou roubar um pequeno
sorriso de Grace, mas não recebeu resposta nenhuma, ela até que
percebeu as reais intenções daquela gentileza em demasia, porém o
coração vagava distante. Mesmo assim ela retribui-lhe com um
muxoxo na face, um beijo que esquentou a pobre alma daquele
homem apaixonado.
Grace às vezes não percebia o quanto havia de pretendentes à
sua porta, era somente ela chegar para visitar o pai que vários
homens começavam a crescer os olhos de gavião.
Aquele homem se sentiu feliz naquele instante, levantou o chapéu
olhando para as estrelas e depois sorriu contente como se o beijo
pudesse ter tocado a alma.
– Até logo – despediu-se Grace.
– Até logo, senhorita, e que seu pai se recupere logo. Mande
lembranças minhas ao seu Virgílio.
– Pode deixar. Ele irá agradecer com muito carinho o seu cuidado.
Seu Gilberto, sem perder o fino trato, partiu subindo a rua como se
estivesse flutuando, o beijo de Grace foi o maior prêmio daquela
noite. Esperanças vãs surgiam em sua cabeça tola apaixonada.
Sentir o que não podia sentir era o inevitável no interior. Desde o
momento em que Grace beijou o gentil matuto a verdade ainda não
caíra em sua consciência fragilizada por sentimentos ternos. Aquele
parecia ter sido o último momento que a vida havia o abraçado
fortemente.
Grace fechou o portão com segurança enquanto o cachorrinho
balançava o rabo, bastante alegre, buscando a atenção de qualquer
um que estivesse na sua frente.
Enquanto Grace respondia carinhosamente o cachorrinho, sua
mãe gritou dentro da casa:
– Grace, venha cá, seu pai quer falar com você! – retiniu dona
Regina.
– O quê!? O pai melhorou, mãe... – espantou-se Grace, correndo
ao encontro do pai.
– Filha, eu tenho que lhe dizer uma coisa – disse seu Virgílio,
ainda bastante embriagado, balbuciando as palavras como quem
dizia o que o coração sentia.
– Pode dizer, pai, eu estou aqui.
– Filha, esqueça as besteiras que eu disse até aqui. Eu a amo
muito, você é a minha única filha e não será qualquer idiotice que vai
fazer a gente se separar. Minha filha, digo-lhe com todo meu
coração, você pode ser o que quiser da vida, eu não me importo, o
importante para mim é você sempre ser a minha filha querida. Deus
perdoa a todos até a mim que estava me fazendo de velho ranzinza
para você ser o que o meu egoísmo desejava.
– Obrigada, pai, isso era tudo o que eu precisava ouvir de você, o
seu perdão. Mas agora pai, eu lhe trarei somente alegrias, eu sei que
o que eu fiz era errado, mas estou completamente arrependida, de
agora em diante o senhor terá somente motivos para se orgulhar de
mim – desabafou também Grace.
– Eu tenho certeza que sim, minha filha, eu tenho certeza que
sim...
Posso enxergar agora facilmente em seus olhos a verdade.
Os dois se abraçaram fortemente.
Dessa vez a regra não confirmou quando dissemos que a bebida
somente traz violência e conflitos, nesse momento ocorreu o
contrário. As ideias totalmente embriagadas na cachaça fizeram com
que seu Virgílio apaziguasse o coração puro das amarguras que
vinha enfrentando com a filha. Sim, foi a cachaça que amoleceu seu
coração duro para poder perdoar a filha, pois um homem como seu
Virgílio somente ouve o coração quando embriagado.
O sorriso a partir daquele momento voltou a revigorar no
semblante de Grace, receber o perdão de quem se gosta muito tem
dessas particularidades.
Depois de se confidenciarem sentimentos, Grace resolveu
acalentar o pai contra o frio da noite que cobria o céu naquele
instante:
– Muito obrigada, pai – disse ela, enquanto o pai voltava a ter
sonolência por causa do álcool. – Era isso que eu procurava ouvir.
– Deixa que eu cuido dele, filha – declarou dona Regina, trazendo
um cobertor de lã para seu Virgílio dormir bem mais acomodado.
Nada foi tão propício quanto aquela bebedeira do pai para Grace
finalmente receber seu perdão. Aquilo tinha uma força
incomensurável no seu destino, o vazio era preenchido pelo amor
universal da vida, o amor de pai para filha. A saudade era removida,
o amor fraternal alavancava seus sonhos de felicidade, finalmente
ela poderia se sentir descansada no livramento, novamente seu pai a
aceitava e a paixão rósea estava no rumo da ligação entre ela e o
seu profundo amor, Felipe.
Seu Virgílio, depois de todos os cuidados de dona Regina e Grace,
dormiu profundamente dentro da madrugada que adormecia os
desejos da aurora.
Enquanto as duas conversavam sozinhas tomando café junto com
o cachorrinho deitado mansamente entre os pés, a televisão falava
sozinha.
– Minha filha, que coisa boa seu pai ter lhe dito tudo isso – afirmou
dona Regina.
– Eu sabia, mãe! Debaixo daquela couraça bronca existe um
coração derretido de criança – assegurou Grace. – Eu sabia que
mais dia ou menos dia eu ouviria aquelas palavras lamentosas do
meu pai.
– Eu também tinha certeza do coração grande do seu pai... mas,
filha, mudando de assunto, você viu a atenção do seu Gilberto com
você?
– Nada, mãe! Ele estava apenas ajudando a carregar meu pai.
– Ouça, minha filha, muitos homens aqui sonham em ter você
como mulher. Por que você não aproveita a gentileza do seu
Gilberto? Ele é um homem direito, está separado da mulher, e além
do mais tem um dinheirinho guardado, é um homem seguro, possui
duas propriedades. Acho que ele gostou de você!
– Não, mãe! Eu só tenho um homem na cabeça...
– E quem é ele? O que ele faz?
– Ele é um operário de um depósito.
– Não, minha filha, esse tipo de homem não serve para você. Você
tem que pensar no seu futuro.
– O que é isso agora, mãe!? Eu sei muito bem o que é melhor para
mim, e o melhor para mim é o homem que eu amo.
– Mas filha! Amor não enche barriga nem paga contas.
– Pelo menos liberta a alma.
A conversa entre as duas foi cessando timidamente enquanto seu
Virgílio, no sofá da sala, estava debulhado num sono profundo. O
silêncio do lugar apenas esperava que as duas também procurassem
suas camas. E foi o que elas fizeram, mesmo ainda trocando
algumas palavrinhas as duas procuraram seus quartos para dormir.
Aquela noite lacrimosa estava guardando no coração de Grace
uma certeza da verdade, somente assim ela esperaria pronta para,
no dia certo, apresentar aos pais o namorado Felipe.
Dessa vez Grace dormiu um sono de livramento, onusto de sonhos
verdadeiros e reais. Antes de dormir, ainda conseguiu fazer planos
para uma vida inteira com Felipe, nenhum sentimento contrário agora
poderia separá-la da felicidade com ele. Era a certeza de que o amor
realmente tinha chegado ao seu alcance.
Nos planos de Grace vinha, além da saudade imensa de ser
protegida pelos braços de Felipe, sonhos de filhos, três para ser mais
exato, além de um filho mais velho para viver na companhia do pai,
ou um casal de gêmeos. Claro que sim! Por que não? Tudo era
possível depois de ela ter enfrentado todas as tempestades da vida
até aquele dado instante. Pensou também em comprar uma linda
casa para Felipe e ela, assim que tudo voltasse ao normal e ela
estivesse pronta para se formar e conseguir um ótimo trabalho.
Grace sonhava como qualquer moça da sua idade. Assim eram os
sonhos femininos e dedicados de Grace.
Grace dormiu pela madrugada suspirando felicidade e encanta-
mento... tudo vale a pena quando o perdão tem força de livramento.
Novamente a aurora timidamente ganhava os ares naquela
cidadezinha do interior, mais uma vez o galo cantava, mais uma vez
o leiteiro anunciava seu produto e as poucas pessoas começavam a
sair de suas casas para trabalhar, seja nos pequenos comércios ou
nas lavouras, era novamente a cor iluminada do dia ganhando os
espaços da vida.
Dona Regina foi a primeira a levantar, como de costume foi à
padaria comprar pão depois voltou para preparar o café para o
marido aposentado, mas sempre com os olhos atenciosos sobre ele.
– Virgílio, acorda, vem tomar o café para rebater a noite passada –
disse ela, tentando acordá-lo.
– Não, mulher, a minha cabeça está girando como um pião –
esclareceu seu Virgílio, ainda sonolento.
– Levanta! Você tem que comer alguma coisa.
– Mulher de Deus! Quando eu quiser tomar o café eu tomo, não
precisa falar mais de uma vez – disse seu Virgílio, irritado, todas as
dores da ressaca tilintavam em sua cabeça freneticamente.
Enquanto dona Regina tentava convencer seu Virgílio, Grace saiu
do quarto pronta, já estava novamente de passagem para a capital,
queria imensamente reencontrar Felipe para beijá-lo com a novidade,
as pazes com seu Virgílio.
– Filha! Aonde você vai tão cedo assim? – perguntou dona Regina.
– Eu vou para a capital. Meu imenso amor está me esperando lá –
explicou Grace, de alegria esfuziante.
– Mas já, minha filha, eu ainda não lhe contei nada. Pelo menos
tome um café!
– Não precisa, mãe, eu faço um lanche na rodoviária.
– Mas já... ah, não... pelo menos dê um abraço de despedida em
seu pai.
– Abrace-me forte, minha querida filha! – pediu seu Virgílio,
abrindo um sorriso no semblante.
– Claro, meu pai que amo mais que tudo nessa vida.
Os dois se abraçaram e trocaram carícias ternas como se nunca
estivessem tão próximos, o perdão transparecia em lágrimas de
alegria, a verdade estava inteiramente pairando entre os dois.
Depois da troca de carinhos, seu Virgílio lembrou de algo que
gostaria de comentar com Grace.
– Ah, Grace, minha filha, me lembrei de uma coisa que gostaria de
lhe mostrar – disse seu Virgílio. – Eu gostaria que você ouvisse o
cara que me telefonou falando de você, talvez você saiba quem é.
Sabe, tenho medo, talvez seja um homem perigoso.
– Com certeza, pai, quero muito saber quem é, mas não se
preocupe, provavelmente deve ser um dos meus colegas de
faculdade, gente que não tem nada o que fazer. Você pode suspeitar
o tipo de imbecil que deve ser – considerou Grace.
– Essa moçada jovem de hoje em dia perdeu inteiramente os
modos e o respeito – declarou dona Regina.
Seu Virgílio levantou com toda dificuldade do mundo, mesmo com
uma dor rodopiante de cabeça ele foi ao telefone para fazer a
programação da secretária eletrônica.
– Está aqui, ouça e tente saber se você conhece essa pessoa –
anunciou seu Virgílio, passando o telefone para Grace.
Grace pegou o telefone para si com um sorriso premeditado como
quem queria somente confirmar o sujeito oculto de seus problemas
familiares.
Em poucos instantes começou a ouvir a voz do delator.
– Meu Deus! Eu não acredito! Não pode ser! – surpreendeu-se ela
com uma surpresa desagradável.
– O que foi, minha filha!? – disse seu Virgílio, tentando entender.
– Desgraçado! – chorou Grace.
– O que é isso, minha filha, que nome mais feio! – advertiu dona
Regina.
– Eu mato aquele safado!
– Quem, Grace!?
– Pai, me segura – gritou Grace, chorando nos braços do pai. – O
troglodita que está na mensagem é o palhaço do Felipe, o meu
namorado.
Nesse instante, as lágrimas escorreram como rio que vai para o
mar nos olhos de Grace. Seu pai, sem saber o que fazer, apenas
acomodava ela no tronco barrigudo. Os soluços continuaram velando
o silêncio de seu Virgílio e dona Regina que não sabiam como
amparar a filha.
Até que:
– Você tem certeza que é ele, filha? – perguntou dona Regina,
tentando acalmar Grace.
– Tenho... é ele... aquele idiota! Fez tudo de caso pensado –
respondeu Grace, com o rosto encharcado de lágrimas.
– A culpa é mais uma vez minha, filha – lamentou-se seu Virgílio. –
Eu não devia ter lhe mostrado essa gravação. Se não fosse minha
estupidez você ainda estaria bem feliz como bem estava. Desculpe-
me mais uma vez, filha?
– Não, pai, você não tem culpa nenhuma, você me abriu os olhos
para aquilo que eu não queria enxergar, a culpa na verdade é toda
minha, eu sempre fui uma idiota apaixonada nas mãos do Lipe.
– Escute uma coisa que vou lhe dizer, filha, seja ele quem for, não
merece o seu amor – ponderou seu Virgílio, reconfortando a filha.
– Que burra eu fui! Acreditando naquela cara dissimulada dele.
– Mas, filha, se você realmente gosta desse rapaz deveria
reconsiderar – considerou seu Virgílio. – Tenho quase certeza que
ele fez isso por amá-la demais.
– Não, pai, você não conhece o Lipe, ele mais uma vez provou que
gosta de fazer hora com a minha cara. Dessa vez eu acredito na
verdade, e a única verdade que existe é que ele não me ama. Ele faz
isso sempre com o intuito que eu corra para os seus braços como
uma tola, como se ele sempre fosse o dono da verdade.
– Então, filha, não sei no que posso ajudá-la – anunciou seu
Virgílio.
– Me passa esse telefone para cá – disse Grace, com ira nos
olhos.
– O que você vai fazer?
– Ligar para ele.
Com um sentimento decidido de acertar todas as artimanhas de
Felipe ela discou todos os números do celular dele.
Um breve instante passou até que Felipe atendeu.
– Ok, pode falar – enunciou ele, ao atender o celular.
– Felipe, seu idiota, não quero vê-lo nunca mais. Ouviu bem?
Nunca mais – disse Grace, chorando.
– O que foi que eu fiz? Posso pelo menos saber?
– Não se faça de cínico, seu palerma! Dessa vez acabou, Lipe,
para sempre, eu não vou voltar atrás, acabou. E me faça um favor,
não ligue para a casa dos meus pais nunca mais.
Grace depois de acertar as palavras que desejava respirou fundo e
bateu o telefone na cara dele. Felipe, do outro lado, não se importou,
ele tinha uma convicção cética de que era novamente apenas mais
um delírio histérico de Grace, como sempre, depois de alguns dias
de saudade ela iria novamente procurá-lo.
E ela estava realmente remoendo aquela decisão que atingia
somente o coração. Foi uma atitude drástica, mas sua razão pairava
sobre uma certeza inadiável.
Pensou em ficar sozinha e foi para o quarto. Seus pais, sem saber
o que fazer, apenas aceitavam calados.
– Deixe que ela fique só por alguns instantes, Regina, ela deve
estar precisando... ela realmente amava esse rapaz.
– Isso não é amor... isso é doença!
Enquanto isso Grace estava no quarto, desesperada, querendo
fugir de todos os sentimentos que a prendiam junto a Felipe. Ele
novamente provava que estava com ela somente por pequenos
instantes de prazer. Era impossível ela sentir algo bendito por Felipe
naquele momento. Como uma pessoa amada pode querer tanto
atingir a fraqueza da outra? Por mais que fosse difícil de aceitar, o
lado racional do seu cérebro dizia honestamente que Felipe não era
o amor da sua vida. Não podia ser! Ele sempre a tratava como a
mais fútil das mulheres, como se ela fosse seu brinquedo favorito
que ele voltava a brincar sempre quando bem entendesse. A razão
sussurrava um não que lacerava seu estado de emoção, pois o
coração pedia somente uma coisa, voltar para Felipe sempre,
sempre e sempre, mesmo que ele negasse, a vontade da alma era a
de acompanhá-lo em todos os momentos da vida.
Mas tudo na vida tinha um limite, até as vontades cegas do
coração. Foi nesse momento, pensando em virar o jogo da vida, que
ela abraçou pela última vez seu ursinho de pelúcia que acompanhou
toda a sua juventude. Dessa vez não, ela tinha que aceitar os
instintos de mulher madura, não queria mais viver naquele vaivém
com uma pessoa que não respeitava seus sentimentos. Foi um
instante de coragem súbita que fez ela erguer a cabeça parando de
chorar para novamente reconquistar o caminho dos seus sonhos
profundos.
Repentinamente ela abriu a porta do quarto.
– Pai, mãe, já estou indo – disse Grace, tentando renovar
esperanças.
– Mas já!? Tome um café pelo menos – surpreendeu-se dona
Regina.
– Não se preocupem comigo, eu estarei bem.
– Tudo bem, minha filha, vai com Deus, e que ele ilumine seus
caminhos – despediu-se seu Virgílio.
Nesse momento saindo da casa de seus pais Grace sentiu
novamente aquele ímpeto de adrenalina, a vontade ensurdecedora
de vencer toda aquela tristeza que Felipe provocava. Dessa vez ela
estava decidida, nada mais faria ela voltar para ele, mesmo que o
coração derramasse o cruor escondido.
Passou todos os instantes pensando num futuro sem Felipe até
entrar no ônibus que a levaria de volta à cidade grande, onde
adormecia seus velhos sonhos, mas dessa vez nenhum homem,
nem Felipe, a levaria esquecê-los novamente.
O ônibus rodava na estrada que levava as mais nobres virtudes de
Grace. Ao lado de uma janela do veículo, ela confidenciava a si
mesma sua certeza de um futuro remontado.
Pensamento de Grace enquanto viajava de volta:
Não, Felipe. Dessa vez acabou, tudo, mesmo. Não vou ser a
cachorrinha que volta sempre sorridente abanando o rabinho de
felicidade a cada vez que você me maltrata. Não sou mulher de ficar
recebendo lições de homem nenhum.
Você pode ser mais velho, mas ainda não aprendeu o significado
de querer bem, querer bem é simplesmente, e tão somente amar.
Você sempre consegue roubar meu coração, mesmo sem eu ver,
mas nunca conseguiu me devolvê-lo de volta, é tão somente isso
que eu sempre esperei de você. Então, tudo bem, pode ficar aí
brincando de malabarismo, porque mesmo sem coração ainda me
resta a alma, a mesma alma que me protege do fogo, da água e do
ar.
Não quero fazer isso, mas algum dia você sentirá que me perdeu
para sempre, e que apesar de tudo, eu fui ou eu sou, a mulher que
mais lhe amou na vida.
Capítulo 8
O dia inteiro passou sem que Felipe sentisse qualquer tipo de
remorso com o telefonema de Grace. Certamente, pensava ele, que
ela a qualquer momento voltaria para ele devolver o chá de amor que
ela necessitava. Para Felipe, Grace somente voltava pela simples
necessidade de sexo, talvez por ela ter tido vários homens e mesmo
assim procurá-lo, passava em sua cabeça então que ele era melhor
do que vários na cama, mais um orgulho jactante. Por isso ele não
esquentava a cabeça nem um pouco, previamente subestimava o
caráter sentimental de Grace.
Mas o amor de um homem como Felipe era sempre estúpido, ele
não conseguia imaginar como Grace sofria sem seus mínimos
carinhos, era como representar um sentimento que não existia.
Somente pensava na vizinha, sua verdadeira paixão devassa que
mostrava um caminho de destino infinito sem qualquer mazela no
coração. Aquilo para ele, como dizer eu te amo, era somente uma
parte de realidade que não existia. Para sentir verdadeiramente a
paixão ele tinha que domar os sonhos da pessoa que ele tanto
dedicava atenção, no caso, a vizinha da janela. Ela sim, soltava as
esporas em seu coração, pois somente vendo com aqueles olhos tão
donairosos não era possível sentir o infinito se despedaçar num
recanto onde jazia seu desejo de felicidade.
A percepção da vida somente era entendida quando seus olhos
pairavam sobre o constante espírito apaixonado da garota. Como
uma moça tão jovem poderia dominar um homem tão rude? Talvez
os contornos dela salientassem sua imaginação latente de coito. Pois
Felipe, mesmo sabendo que estava numa área de risco do coração,
pulava quase de olhos fechados no vácuo de um sentimento
profundo. Ele não podia compreender o que estava sentindo, sua
palpitação até acelerava quando chegava perto da cortina, tudo por
causa de uma virtude que o homem mais teme mesmo desejando
intensamente a realidade de chegar num olimpo longínquo, ou quase
isso, amar alguém como os poderosos amam, sentir o coração
sangrar no máximo, mesmo disfarçando e recebendo todo o carinho
amável do objeto mais sublime.
E assim Felipe continuava vivendo, numa profusão de sentimentos
que cegavam qualquer outro destino.
Então ele chegou novamente no apartamento com as três latinhas
de cerveja como de costume. Finalmente em seu lar, buscou domar
a ansiedade, não abrindo a cortina de uma vez para ela não pensar
que ele estava tão apaixonado assim. Esse processo era o mesmo
processo de criar um mínimo detalhe que pudesse promover um
acaso moderado, sem que ela sentisse a real vontade inesgotável de
amar de Felipe.
Ligou a TV para ser acompanhado nos pensamentos e depois
encostou-se numa poltrona para fixar os olhos no aparelho, mas com
a noese distante entre a vizinha e Grace. Por quem ele devotava
mais amor? Certamente, nele havia a contradição da escolha, talvez,
para um retrossexual qualquer, a mulher tem que ser escolhida e não
o contrário. Simplesmente Felipe por Felipe.
Foi pensando no momento de rever aquela paixão escondida que
ele acabou se lembrando do telefonema de Grace. Seria realmente
verdade que ela nunca mais o procuraria de volta? Talvez não, Grace
era sempre muito temperamental, mas sempre ponderava e voltava
atrás em suas decisões. Em outras vezes já aconteceu o mesmo, e
sem um menor pormenor ela voltava soluçando saudades atrás do
seu amor. Isso guardava a mente de Felipe para a própria decisão
livre de, apesar de tudo, sempre haver alguma mulher presa em seus
calcanhares. Ele sabia que dessa vez tinha ido longe demais,
desmascarando ela aos olhos dos pais. Mas o que fazer se sua
vontade masculina desaprovava qualquer libertinagem de Grace?
Lugar de mulher é o lugar mais perto do maior agrado possível de
seu homem. A mulher nasceu para agradar o homem! Felipe não se
importava nem um pouco com aquele modernismo estético de um
casal contemporâneo, para ele, a mulher seria sempre o
complemento da força de um homem.
A noite, devagarinho, ganhava os espaços sobre a cidade, então
Felipe resolveu dar uma rápida olhadela através da cortina, seu
coração novamente pulsava ansiedade. Rever aquela nina
novamente como de costume, era o seu maior prazer naqueles
tempos onde as mulheres estavam cada vez mais donas de si. Na
sua esperança de revê-la estava somente sobressaindo em seu
coração uma lívida paixão descontrolada. E foi o que ele fez, abriu
moderadamente a cortina, mas ela não estava lá, então ele pensou:
“onde, raios, ela está?”.
Ela sempre estava presente naquele horário quando a noite e o dia
cobria o espaço de degradê.
Por um instante ele tentou se acalmar:
– Eu quero que essa mulher vá para o diabo que a carregue! –
disse ele, sozinho dentro do apartamento. – Eu sempre estou aqui
para agradá-la com minha presença, enquanto isso ela se faz de
gostosa pagando de gatinha dengosa para cima de mim. Mesmo eu
não suportando essa vontade imensa de tê-la, não vou ficar mais
bancando o idiota se ela não aparecer para mim hoje. Dane-se! Ou
ela gosta de mim ou não gosta.
Aquela raiva contida apenas descontrolou seu ímpeto na bebida.
Virou em várias goladas seguidas a lata de cerveja. Era demais para
ele, se sentir um completo idiota perto de uma garota juvenil. Sua
raiva de não ser correspondido na hora que lhe coubesse se tornou
em cólera, de alguma forma, ele tinha que descontar em alguém. E
foi o que ele fez, escancarou a janela e atirou com toda força a lata
que segurava sobre um rapazinho que caminhava sossegadamente
na calçada como um transeunte qualquer. A lata atingiu bem na
cabeça do rapaz.
– Joga a mãe! – gritou o rapaz, olhando para cima.
Sem perder a valentia de sempre Felipe acenou através da janela
apenas seu dedo médio estendido agredindo moralmente o rapaz
que estava totalmente indignado com aquela sociopatia.
– Filho da puta! Desce aqui se você for homem... – continuou
gritando o rapaz.
Sem notar qualquer diferença na vista, enquanto Felipe acenava
com o dedo médio a garota da janela apareceu num relance. Quando
ele ergueu a cabeça e olhou de soslaio não conseguiu conter a
vergonha, pois ele nunca gostava de mostrar seu lado devasso para
mulher nenhuma, muito menos para aquela moça lividamente
sensual que degenerava seu coração tosco. Naquele instante, ele
olhou para ela esperando qualquer tipo de reprovação, soltou um
sorriso sem graça na esperança de que ela não se incomodasse com
aquela baixaria usual, mas foi o momento mais surpreendente que
ele recebeu dela, um beijo molhado no vidro da janela que
mergulhava o instinto de Felipe no paraíso. Não podia ser! Ela era
perfeitinha demais para aprovar com carícias aquele ato libertino
dele.
Sem pudor algum ela continuou beijando o vidro da janela como
quem acenava um instinto passional para Felipe. Dessa vez a
certeza de que o amor matizado de paixão estava procurando por ele
era inegável. Não podia ser! Ela era linda demais para se perder
numa inesgotável dedicatória de amor por um simples peão de
depósito de materiais de construção. Era o que sua inteligência dizia,
mas o coração era cético em afirmar: talvez seja isso um sonho
amoroso!
Sim, o amor era realmente aquilo, era como ares do dia numa
manhã de alvorada viva. Bem assim se sentia o raivoso Felipe, um
homem perdidamente desorientado pelos dotes físicos da garota que
aparentava ser mais nova. Mas não seria isso que incomodaria as
sensações cegas de Felipe, para ele, ela era uma sublime perfeição
dos céus, um lascivo desejo escondido, ou uma letícia vontade de
amar o impossível.
E ela continuou, por um demasiado tempo, talvez uns três minutos
beijando a janela como se estivesse beijando o próprio Felipe.
Enquanto ela enamorava a janela, Felipe se embevecia de sonhos
duradouros e eternos. Realmente qualquer outro homem também
ficaria sonhando acordado, era desejo demais sendo explorado em
seu caráter rudimentar.
Era angústia demais para Felipe ficar observando-a sem poder
sentir aqueles lábios zelosos de sentimento.
– Meu Deus! Essa garota é tudo o que eu já sonhei até aqui! Não é
pedir demais. Avidamente é a vontade inesgotável das minhas duas
cabeças. Ela sensualiza minha cabeça maior por ser meiga como
uma mulher apaixonada, bem distante da vadiagem de Grace, e
também sensualiza minha cabeça menor com seu corpo de mulher já
feita.
O tempo do beijo ainda não havia passado enquanto Felipe
continuava delirando aquela surpresa eufórica. Ela estava
inteiramente entregue àquele beijo lascivo na janela. Ele, do seu
lado, apenas confirmava que aquela garota estava completamente
de quatro por ele.
Felipe, mesmo com tantos anos de vivência, diante dela entendia
que aquilo realmente era amor. Pois os dois se entendiam
perfeitamente somente com os olhares. Sem ponderar nada,
qualquer atitude dela era realmente sedutora, fazia o que ele gostaria
de ver.
– Ô palhação, desce aqui que você vai ver onde eu enfio essa lata
– gritou o rapaz lá embaixo esperando qualquer reação de Felipe.
Foi o momento para a moça do prédio vizinho cessar o beijo e
fechar as cortinas. Foi um breve momento de sonhos libidinosos.
Enquanto o rapaz continuava xingando, Felipe ficou alguns instantes
com cara de bobo como quem tinha acabado de levar um nocaute.
– Hei, palhação, vai descer aqui ou não vai? – continuou gritando o
rapaz.
Felipe então acordou do transe e se irritou:
– Vai procurar a sua turma, moleque! – devolveu ele.
Depois fechou a janela e a cortina, suspirou bem fundo, era mais
um dia de felicidade plena, para conquistá-la bastaria tempo, pois ela
não era uma flor que se catava no chão como Grace, pensava ele,
ela era uma flor que nascia somente nos mais distantes cumes de
uma montanha.
A vontade de vê-la novamente, somente nasceria numa nova
tarde, na tarde de amanhã, quando o sol se põe e a lua surge no
firmamento.
Enquanto na manhã desse dia seguinte Paola recebeu o
telefonema tão esperado do seu amigo, dono de uma agência de
modelos. O tão aguardado telefonema dessa vez havia realmente
chegado para surpreender todas as novidades da garganta de Paola.
O sonho esperado por Grace podia realmente estar começando.
Paola então resolveu dar a notícia tão esperada pela amiga:
– Alô – atendeu o telefonema Grace.
– Sou eu, Grace, Paola! Você não sabe da grande novidade que
eu tenho para contar. Você vai acabar subindo pelas paredes! –
disse Paola.
– Não acredito! Você conseguiu, amiga?
– Claro! Ou você acha que eu deixaria uma amiga nas mãos?
– Que formidável!
– Mas existe apenas um probleminha.
– Qual?
– O Carlos Vilas, que é esse amigo meu, sempre insiste em
transar com as modelos escolhidas. Sabe como é né? Essa vida de
glamour e glória sempre é baseada num valor de trocas. Mas tenho
certeza que você vai se encantar com ele. Ele é muito educado –
disse Paola.
– Que tipo de homem é esse tão educado que exige o teste do
sofá? Eu não quero começar minha carreira como uma
desclassificada.
– Sinto, amiga, mas você terá que engolir esse seu orgulho todo
de uma vez. Todas fazem isso para entrar, e para a carreira ganhar
uma projeção maior ainda é aí que elas fazem! Em última instância,
basta apenas mentir quando alguém perguntar algo a respeito disso.
– Eu não sei se isso é o certo, Paola.
– Amiga, essa é a oportunidade da sua vida, não a desperdice
com um orgulho bobo. Acredite! Todas fazem isso, simplesmente
todas.
– Não é isso. Sabe o que é? É que eu voltei a fazer as pazes com
meu pai, e eu não gostaria de perder a confiança dele outra vez. Eu
sei que ser modelo é a coisa mais importante da minha vida hoje,
mas a confiança dos meus pais também está nesse meu projeto de
vida.
– Eu garanto, Grace, você não vai conseguir na vida melhor
oportunidade do que essa! As modelos da agência do Carlos Vilas
costumam viajar pela Europa inteira.
– E agora, o que eu faço?
– Garota, essa é a oportunidade do seu último programa na vida! E
eu vou falar uma coisa, o Carlos Vilas não é nenhum sacrifício não,
aquilo é um deus espanhol, trata a gente sempre como uma dama,
eu digo isso porque já transei com ele... ou você está largando a
oportunidade da sua vida por causa daquele ignorante do Felipe?
– Não fale daquele idiota mais! – irritou-se Grace.
– Então, Grace! Não seja burra! Enquanto a vida lhe chama para
brilhar você prefere guardar seus pudores para aquele peão de
depósito.
– Eu já falei para não falar mais dele... ele é a única coisa que eu
odeio na vida – disse Grace, irritada.
– Vamos, Grace, aceite! Olha uma coisa que vou dizer, depois dos
vinte, ninguém mais chama pessoa nenhuma para esse tipo de
trabalho, somente aquelas que brilham a vida inteira é que
conseguem.
– Tudo bem... tudo bem. Já que vai ser a última vez mesmo, então
quero brilhar como nunca, até ver a sombra do Felipe decaída no
chão.
– É assim que se fala, amiga! Você vai ver que vai se cansar de
ver tantos Felipes sonhando com você, querendo sentir um mínimo
cheiro seu apenas. Você vai brilhar tão alto que nem vai se lembrar
daquele ralé, não terá tempo nem de lembrar que ele existe. Você vai
ver.
– Ah, amiga, tomara que Deus esteja ouvindo o que você está
dizendo, pois eu não suporto mais o Felipe machucando o meu
coração – queixou-se Grace.
– Pode ter certeza de que ele está ouvindo.
– Eu acredito que sim. Depois de tudo que o Felipe fez comigo
acho que mereço essa felicidade sim.
– Então vista-se bem sensual, porque eu falei ao Carlos Vilas que
você iria lá ainda hoje. Não se esqueça, vá hoje! Amiga, estou
torcendo por você. Vai dar tudo certo. O endereço da agência está
naquele cartão.
– Mas, Paola, você não acha que esse tal de Carlos Vilas é muito
alto nível para mim?
– Ah, Grace, para de se subestimar. Tenho certeza que você será
a mais linda contratada dele. Se eu digo que você tem as qualidades
que ele procura é porque é verdade. Eu nunca indicaria a ele uma
rampeira qualquer.
– Muito obrigada mesmo, amiga.
– Então você me conta as novidades depois... e não se esqueça,
se vista bem sensual sem parecer vulgar.
– Pode deixar.
– Até logo e boa sorte, Grace!
Depois que desligou o telefone Grace começou a aspirar ao
fascínio do sucesso, para ela tudo aquilo era uma espécie de
paraíso, uma vontade imensa de realizar os prazeres que a alma
necessitava.
Ela ligou o rádio enquanto dançava pelos cômodos do
apartamento como quem recebeu a sorte grande dos céus. Para ela,
o sonho começava ali, entre uma felicidade e outra a vida ganharia
os encantos que o mundo impunha. E ela dançava, dançava e
dançava de felicidade, ela não conseguia crer que o sonho estava
realmente acontecendo.
Agora, finalmente, ela poderia dar o troco de que tanto precisava
em Felipe. Ela pensava consigo, que, talvez assim, ele poderia se
sujeitar um pouco aos agrados de um romance que estava ruindo.
De uma coisa ela tinha certeza, estava decidida, de que nunca mais
voltaria correndo para os braços daquele homem que nunca saberia
como cuidar de uma vontade tão donairosa. Mas certamente o
coração estava cego em afirmar que seu único amor estava nos
braços fortes de Felipe. Por mais que ela tentasse negar
intimamente, o coração palpitava, então intuitivamente ela decidiu
que somente voltaria para ele se ele engolisse um pouco de orgulho
e desse o primeiro passo para um reencontro amoroso. Estava
cansada de se sentir a única apaixonada daquela história sem final
feliz. Tentou resgatar um pouco de sabedoria do pequeno passado
perdulário, pois já entendera, a partir das reações de Felipe, de que
o amor somente sobrevive se as duas pessoas estiverem em
harmonia de sentimentos. Para ela, tudo já havia chegado num
limite, não amaria mais a quem não demonstrava nenhum resquício
de saudade sequer.
Enquanto aquele pensamento sobre Felipe perdurou, ela ficou
escondida num canto do apartamento, ouvindo uma canção alegre
do rádio contrastando com um sentimento contido de choro. Pois de
que valeria ser uma modelo famosa sem a companhia do grande
amor da vida? Mas agora Felipe era passado, e com certeza ela se
achava muito nova para encarar o coração de frente, talvez um dia o
brilho do glamour que tanto ansiava poderia apagar aquela chama
que ardia em seus sonhos de paz.
Uma outra certeza ela estava encarando de frente – a tristeza – ,
alguma coisa tinha que nascer para destroçar aquele sentimento que
anulava sua inspiração da realidade. E bem brevemente surgiu essa
coisa, o convite para ser modelo, estava convicta de que aquilo
despertaria seu sorriso por um demasiado tempo, talvez até
conseguir se livrar das entranhas de uma paixão pesqueira. Porém
essa tristeza protestava contra a felicidade vindoura, nenhum tilintar
de alegria perdurava por muito tempo. Como poderia ela alçar aquele
voo se novamente tinha que vender o corpo? Sim, vender
novamente o corpo! Mesmo com o perdão carinhoso do pai ela
destinava toda sua vida para aquela oportunidade. Não havia como
escapar daquilo, o rabo de dianho novamente chicoteava suas
pernas. O que fazer? O óbvio, fazer aquilo onde o errado alimenta o
prazer, a certeza de uma aproximação maior da concupiscência, do
verdadeiro desejo, o desejo de ser aquilo que ninguém esperava. A
tentação do sabor do doce era maior do que uma vida de pudores,
do que uma confusão de sentidos, a vontade de conseguir o amor do
namorado e a redenção dos seus pensamentos vitais. A tentação do
sabor do doce era realmente a vingança contra o aspecto de um
passado simbolicamente triste.
E no mais, pensou ela, Felipe dessa vez merecia ser açoitado com
a traição. Não daria nunca, da forma em que ela tanto o amava, para
perdoar as sacanagens do namorado. Vingança! Era o que o
coração frágil exclamava. Ela já estava até finalizando sua
programação de desculpas: eu estava fazendo isso por isso e isso.
Então, com todas as desculpas prontas, ela foi até a janela do
apartamento para sentir a brisa dos ares do dia. Afinal, Deus perdoa
os meios e agradece os fins, já se sentindo absolvida de qualquer
libertinagem pecadora.
Ela saboreou alguns instantes aquela verdade renovada de poder
finalmente sonhar um mundo de lívidas histórias. Até que, como as
portas estavam abertas, ela decidiu ir em frente, ir atrás de seus
sonhos. Tudo estava ok, mesmo tendo que vender o sexo para
abraçar esse destino.
Como a consciência não pesava mais, então ela partiu para um
banho, um banho refrescante, um banho de esperanças renovadas,
esperanças de ser a modelo mais assediada e prestigiada. Enquanto
a água escorria e decantava seu corpo ela cantava junto com o rádio
ligado no último volume. O sabonete de lavanda perfumava cada
poro. Seu único objetivo, provocar todas as tentações possíveis no
então, ainda desconhecido, Carlos Vilas. Já no banho ela
premeditava suas insinuações, se esse tal Carlos Vilas fosse homem
mesmo, ele logo se embriagaria com tamanha perfeição de
sensações tentadoras. A manhã harmonizava com o cheiro de
lavanda de Grace, foi quando desligou o chuveiro, o rádio ainda
tilintava em todos os arredores do apartamento, a vida afora era
disputada na corrida de cada um através do espaço tempo, enquanto
Grace estava se armando de sedução. Era lógico! O tempero seria
beliscado, somente assim Felipe poderia buscar novos conceitos
sobre o amor. Irremediavelmente a traição era o ferrão protetor de
Grace, o amor de um homem somente é tocado quando este se
sente perdedor de algo que sempre tinha. O amor não é uma
personificação de duas caras, novamente ela estava decidida em
embrutecer as qualidades já rudes do namorado.
Nua, de frente a um espelho que refletia todas as suas formas
delicadas, Grace se preparava para o banho mais vital de um
encontro que poderia acabar na cama, o banho de perfume. Ela se
perfumava delicadamente com uma fragrância especial, ainda
conservada, sem uso desde a época que fazia programas. Era um
perfume muito provocador que incendiava em qualquer homem a
concupiscência, um perfume direto de Paris de uma colega prostituta
que comprara de presente. Em poucos instantes, o corpo de Grace
exalava um eflúvio de paixão. Enquanto o dia decantava seu
perfume, ela se insinuava ao deleite no espelho, procurando
acentuar todas as suas formas prazerosas.
Quando chegou o momento de vestir a lingerie, ela acabou
escolhendo novamente o preto, seu sinal de estar saindo para matar,
para matar qualquer desejo de paixão por aquele homem que nem
conhecia. Era sua pequena superstição, mas que mantinha sempre
naquela situação de estar fazendo sexo por algo. Usualmente o
branco era somente com Felipe, pois trazia lembranças positivas de
um amor terno que sentia. O branco seria para ela para sempre a cor
da ternura dedicada a quem se ama. Delicadamente ela vestiu a
peça íntima preta que expressava o sexo da melhor forma, com
aquele desenho característico de elucidar as formas das ancas e das
pernas. E apesar de se vestir pausadamente ela não tirava os olhos
do espelho querendo saciar qualquer perfil que melhor atraía o
desejo. Estava pronto! Todas as peças íntimas que guardavam a
surpresa para o felizardo estavam meticulosamente sobrepostas
sobre seu corpo de pele branca, macia e delicada.
Como havia muito tempo até chegar na agência, Grace não perdia
cada detalhe do seu corpo sedutor. Finalmente ela decidiu vestir as
cortinas do seu espetáculo, vestiu uma calça preta de material
elástico que privilegiava as formas dos seus glúteos que eram
verdadeiros bocados de carne, parecendo até tombar todo seu corpo
para frente, de tanto ocupar seu espaço anterior. Novamente mais
uma outra olhadela no espelho para conferir se a dose era realmente
exata, ser provocante sem parecer vulgar. E como ela sabia fazer
isso! Aprendeu nas ruas a malícia e na faculdade a educação
ponderada, todo desejo travestido de graciosidade.
Enfim, ela vestiu a parte de cima, também colante no corpo, que
destacava a beleza dos seus fartos seios. Sem esquecer dos
acessórios como um pequeno colarzinho e uma pulseira, calçando
também os altíssimos saltos que a deixava imponente sobre
qualquer um. Pronto! Depois de conferir de perfil a perfil, ela estava
apenas com o amor e os sonhos idealizados na consciência, não
faltava mais nada para encantar.
Foi ao quarto para conferir a bolsa que usaria, e escolheu a mais
comportada, uma bolsa que a destacaria sobre as outras mulheres
executivas da cidade. Depois, novamente, uma última olhada no
espelho para conferir os cabelos, claro, os cabelos eram o seu maior
charme, lisos e extensos até os seios com uma pequena franjinha
delineada. Ok! Mesmo com a autoaprovação, ela somente se sentiria
satisfeita se no caminho algum homem a notasse num olhar mais
dedicado.
Então, depois de consecutivas concentrações à frente do espelho,
ela partiu, e com ela a esperança de encontrar um lugar ao sol como
uma verdadeira moça bonita que sempre foi. Todas as suas atenções
estavam voltadas somente para a ideia de convencer Carlos Vilas de
que ela era a moça que ele estava procurando. Seu maior medo era
as suas medidas, tinha medo de se parecer com uma gostosona
qualquer, pois desde os doze anos de idade os homens da sua
pequena cidade já mexiam com ela por causa das suas fartas
nádegas. Mas rapidamente pensou ela:
– Vou ganhá-lo na cama!
Uma das piores coisas que ela sentia era a falta de um automóvel,
não que tivesse vergonha de andar de ônibus, mas era a péssima
qualidade dos transportes urbanos, sempre lotados. Não havia como
se produzir e depois trocar o perfume pelos suores dos passageiros,
aquele cenário suburbano a incomodava como nunca. Com o
primeiro dinheiro que ganhasse como modelo ela jurava a si mesma
que compraria um lindo luxuoso automóvel.
Mas enquanto ela não comprava seu luxuoso automóvel, tinha que
se contentar e pegar o velho ônibus.
Quando chegou ao ponto de ônibus ela já começou a perceber os
olhares mais maliciosos dos homens. Ela estava em pé, parada em
frente ao ponto, e alguns rapazotes conversavam livremente,
quando, repentinamente, um deles apontou para Grace, os outros
também sem postura nenhuma se colocaram a avistar Grace de
costas. Ela nitidamente percebeu, mas não fez nenhuma vista
grossa, pelo contrário, ela até sorriu disfarçadamente, pois aquilo era
um sinal de que ela estava provocante, ainda mais vindo de rapazes
mais novos, sempre tão detalhistas. Eles continuaram olhando-a e
murmurando entre eles, mas nem pensar de perder a postura,
pensava Grace, sempre revelando uma fisionomia séria, talvez para
não deixar que os rapazes mexessem através do vocabulário sujo
com ela. Num dado momento, os rapazotes estavam em tão enorme
estado de ebulição que ela até pensou que um deles soltaria um
elogio, aquele tipo de elogio clássico de jovem. Ela não pensou duas
vezes em continuar de fisionomia fechada, apesar dos elogios serem
sempre tão sinceros, ela não suportava os descuidos dos homens
para com o comportamento.
Quando ela já estava decidindo em deixar o ônibus para pegar um
táxi, o veículo apareceu no horizonte esquerdo vindo numa
velocidade moderada. Grace se aliviou, finalmente ela podia sumir
dos olhares atenciosos dos rapazotes que já se preparavam para
soltar o verbo.
O ônibus parou onde Grace sinalizava com a mão direita, e no
momento que ela adentrou os pequenos canalhinhas dispararam
suas palavras sujas, ou seus elogios, tudo depende de quem vê:
– Gostosa!
– Boazuda!
– Delícia! – gritaram todos eles.
Grace no primeiro momento ficou constrangida, mas depois de
pensar bem, aquilo era tão somente um incentivo à entrevista que
ela já estava por fazer, um incentivo às suas formas de mulher
formosa, ela somente perderia a chance de ser modelo se esse tal
Carlos Vilas fosse gay. Depois da reflexão e de se sentar
comodamente num canto, vigiada de olhares do restante dos
passageiros, Grace acenou delicadamente para os garotos que
faziam uma festa exageradamente de elogios. Pela primeira vez na
vida Grace gostou do comportamento vulgar, pois aquilo levantou a
sua autoestima, porque certamente num ambiente de modelos, a
vaidade era a qualidade principal, a diferença absoluta entre uma
modelo e uma mulher tão simplesmente.
Enquanto o veículo partia ela sorria na penumbra:
“Obrigada, meu Deus!”, pensou Grace. “Somente o senhor mesmo
para colocar esses anjinhos para levantar o meu astral. Agora estou
convicta que sou bonita mesmo! Eu tenho certeza que vou
conquistar esse Carlos Vilas e a minha oportunidade de ser uma
modelo de grande sucesso... Mas por favor, não se esqueça de mim
na hora da entrevista! Por favor, eu preciso!”
E Grace viajou pela cidade ruidosa, os sonhos estavam todos
perceptíveis para um amanhã sem medo, seria a última vez que ela
faria amor em troca de algo. Dentro do ônibus tudo estava calmo,
depois daquele momento de constrangimento, os passageiros
voltaram para o clima de sempre, com muito silêncio, de barulho
mesmo apenas os ruídos do veículo. Foi nesse instante que Grace
passou a respirar bem fundo, no intuito de se acalmar, pois estava
muito nervosa com tudo, talvez ela não tivesse as medidas que
agradaria o senhor Carlos Vilas.
Porém, qualquer momento que Grace estivesse sozinha era um
momento para pensar em Felipe. O que vinha em sua cabeça dessa
vez? A chance de prová-lo que ela era realmente a mulher da sua
vida. Mas será que Felipe estava realmente precisando dessa prova?
Pois ele estava tão decidido a conquistar o amor das janelas que
uma Grace de lixo ou uma Grace de luxo não faria nenhuma
diferença.
Depois de cruzar a cidade em uma hora, Grace desceu do ônibus,
já de olhos atentos sobre os números dos locais na avenida, ela
procurava o número quinhentos e onze, caminhando sempre muito
decidida, afinal de contas era o caminho para a glória. Todos os
transeuntes ao seu redor notavam a sua presença, mas ela estava
convicta de que dessa vez seria a última vez, o brilho das luzes a
esperavam.
Num dado momento, Grace olhou de soslaio para um prédio
comercial, enfim, ela encontrou o número certo do prédio. Era
realmente o prédio de número quinhentos e onze. O aspecto físico
do prédio agradou-lhe os olhos, ela começou a vislumbrar a escalada
do sucesso. Jornais, revistas e televisão, aquele lugar seria a base
de tudo. Tudo era bem chique como ela sempre sonhou, não havia
um sinal de uma cor errada, tudo tinha o desenho surreal dos céus.
Já na espera do elevador ela sentiu um pouco de timidez, pois ao
seu lado, também aguardando o elevador, apareceu duas garotas
bem formosas de rostos bem delineados. Não havia dúvidas, aquele
era o seu primeiro contato com o mundo da moda. As moças
conversavam como quem nem sentia a gravidade da vida, tudo
aquilo fascinava Grace, o modo como elas sorriam, era um tipo de
sorriso diferente, um sorriso de quem caminhava no céu sempre...
cada vez mais, Grace sentia que queria aquela felicidade também.
Quando o elevador chegou Grace entrou acompanhada de algumas
pessoas e com a presença das duas modelos que também rumavam
para o andar da agência. Nem as duas modelos e nem o restante
das pessoas notaram os olhos de fascínio de Grace sobre aquelas
garotas, ela sonhava em ter colegas daquele nível, somente assim
ela poderia viver sabendo que na trilha da vida o ouro é um mero
detalhe da felicidade. Em cada andar que o elevador parava as
pessoas saíam, até que restaram apenas Grace e as duas modelos,
o elevador parecia lento, mesmo ela estando fascinada não escondia
sua timidez, as duas moças tinham uma típica beleza europeia.
Grace até pensou em voltar atrás, pensou que aquilo não era para
ela, afinal, as duas moças eram tão grandes que ela parecia bater no
queixo das modelos. Tudo tinha que ter um fim, e o fim daquela
história ridícula de ser modelo estava próximo. Não havia espaço na
cabeça dela, de que uma mulher com os dotes tipicamente
brasileiros pudesse viver um sonho tipicamente europeu.
“Eu não nasci para ser feliz”, ela pensava isso a todo instante,
talvez fosse pura timidez de iniciante.
Em alguns instantes a porta do elevador abriu, as duas modelos
saíram na frente, logo em seguida foi a vez de Grace sair,
timidamente, colocou o corpo para fora e seguiu os passos das
modelos quando repentinamente viu as duas entrarem na agência.
De tanto esperar finalmente ela estava de frente ao lugar que poderia
realizar todos os seus sonhos. Mas quem disse que Grace tinha
coragem de entrar no primeiro momento? Toda aquela mistura de
sonhos e realidades se chocando lacerava seus reais desejos. Ela se
sentia muito pequena para aquele propósito de glamour, sua cabeça
não conseguia aceitar que a distância estava muito menor do que
antes. Dessa vez a realidade estava a um passo de sua verdadeira
vontade. Aquilo não era para ela, era o que pensava.
Em frente à porta da agência ela deu meia-volta e procurou desistir
de tudo. Chamou o elevador com uma convicção cega de que tudo
estava terminado, que a melhor coisa a fazer era voltar para a cidade
de seus pais e desejar intensamente coisas mais palpáveis do tipo:
casar com um fazendeiro rico que pudesse satisfazer suas vontades
materiais.
Mas aquilo era tudo muito pequeno perto de sua cabeça
sonhadora.
Quando o elevador abriu à sua frente ela pensou melhor.
Pensamento de Grace:
O que essa mulher quer fazer? Ela deve achar que eu sou algum
tipo de chão. Não, não sou. Qualquer mulher tem que respeitar o seu
parceiro, saber que ele é o ponto forte da relação. Como vou aceitar
minha mulher nua na televisão para todos verem? Vão achar
certamente que eu sou algum tipo de idiota.
Dessa vez acabou para valer, e não vai adiantar mais voltar,
pensando que tudo não passou de engano.
Eu não sei por quê, mas meu coração ainda pulsa por Felipe. Por
que ele tem que ser sempre tão estúpido? Que idiota, mas eu o amo
tanto!
Sinto que estamos nos separando para sempre... não consigo
viver sem senti-lo. Eu o amo tanto, mas tanto, tanto. Parece até que
não vale a pena ter sucesso sem o peito dele para me guardar.
Somente Deus sabe o quanto eu me esforço para amar o Vilas, mas
não adianta, quando me vem os braços fortes do Lipe na lembrança,
me dá vontade de morrer, eu não consigo viver tanto tempo longe
dele. É nesse momento que eu vejo que o amor é mais forte que a
vontade da gente.
Mas não vou me rebaixar dessa vez, dessa vez ele vai ter que
aprender com a vida. Adeus, meu querido amor, infelizmente, adeus.
Não, não vou deixar mais que homem nenhum me faça sofrer. Eu
preciso de liberdade! Não quero me acostumar com um homem
arrogante, nem Felipe me bateu, Carlos sempre foi uma farsa, uma
espécie de ratazana que sempre consegue o que quer, mas comigo
não, comigo será diferente.
Eu preciso tanto ser amada como o Felipe me amava, apesar dele
ser bruto, foi somente com ele que eu fui feliz. Eu estava errada,
pensava que a fama e o sucesso pudesse me desligar da presença
dele, mas ele vive aqui comigo mais do que nunca. Será que ele
ainda me aceita de volta? Desculpe, querido Lipe! Eu preciso de
você, do seu sorriso, nunca quis vê-lo sofrer, apenas era possessão,
sempre quis você somente para mim. E agora? Agora estou tão
longe de você que não consigo perceber a diferença entre a saudade
e o amor. Lipe, eu preciso voltar para você, para os seus braços
fortes que me enlaçavam, para o seu olhar carente pedindo mais e
para o seu peito forte que me guarnece. Ah, Lipe, como eu errei! Eu
poderia muito bem ficar do seu lado, mas preferi buscar o que você
sempre odiou na vida, a glória e a riqueza. Agora eu entendo que
nada disso faz sentido se o amor não estiver presente. Lipe, eu
quero voltar, por favor, não quero que isso seja mais uma decisão
errada minha. Meus caminhos aqui longe de você sempre foram
bucólicos e tristes, totalmente diferente dos meus caminhos com
você que sempre foram de uma felicidade plena que eu não entendia
como felicidade.
Está decidido, vou voltar e lutar pela minha felicidade ao lado de
Felipe, isso é, se ele ainda me querer bem, se ele ainda não tiver
outra, se ainda tiver prazer em me ver do seu lado. Como fui tola!
Todo aquele ciúme exagerado dele era porque me queria bem. Foi
preciso eu ouvir o Carlos escarrar a palavra prostituta para saber que
o Lipe sabia o que estava fazendo. Deus, como eu amo aquele
homem! Felipe é tudo na minha vida, é o grande e maior motivo das
minhas decisões do destino. Não adianta, eu vou voltar e amá-lo
como sempre amei, como sempre meu coração amou.
Felipe, eu o quero e sempre vou querer.
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Sumário
Prefácio
1.Capítulo 1
2. Capítulo 2
3. Capítulo 3
4. Capítulo 4
5. Capítulo 5
6. Capítulo 6
7. Capítulo 7
8. Capítulo 8
9. Capítulo 9
10. Capítulo 10