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A emoção
– inimiga dos pretensos intelectuais neutros – entra em campo, arrastando dores antigas e desatando
silêncios enferrujados. É a poesia do negro brasileiro consciente. (CUTI, 1985, p. 16)
Certa mordaça em torno da questão racial brasileira vem sendo rasgada por sucessivas gerações, mas
sua fibra é forte, tecida nas instâncias do poder, e a literatura é um de seus fios que mais oferece
resistência, pois, quando vibra, ainda entoa loas às ilusões de hierarquias congênitas para continuar
alimentando, com seu veneno, o imaginário coletivo de todos os que dela se alimentam direta ou
indiretamente. A literatura, pois, precisa de forte antídoto contra o racismo nela entranhado. Os autores
nacionais, principalmente os negro-brasileiros, lançaram-se a esse empenho, não por ouvir dizer, mas
por sentir, por terem experimentado a discriminação em seu aprendizado.(CUTI, 2010, p. 13).
O surgimento da personagem, do autor e do leitor negros trouxe para a literatura brasileira questões
atinentes à sua própria formação, como a incorporação dos elementos culturais de origem africana no
que diz respeito a temas e formas, traços de uma subjetividade coletiva fundamentados no sujeito
étnico do discurso, mudanças de paradigma crítico-literário, noções classificatórias e conceituação das
obras de poesia e ficção (CUTI, 2010, p. 12).
Nesses termos, a
consideração para com os africanos e sua descendência tinha um
limite histórico datado. Promulgada a Lei Áurea, realmente os
abolicionistas encerraram sua preocupação com a população
egressa do cativeiro. A possibilidade da perspectiva negro-
brasileira na literatura tinha, assim, seu limite na recepção. Como
um dado da realidade, a recepção que se estabelecia impunha,
previamente, seu código de aceitabilidade. Personagens negras
deveriam mostrar tão somente os males da escravidão comoestatuto legal. A humanidade dos
escravizados só por esse viés
teria importância.
Ameaçar a predominante concepção de hierarquia das raças
seria uma ousadia não admissível.
Além do crítico, eram majoritariamente brancos os possíveis
leitores. 26
Quando alguém se põe a escrever, não é verdade que escreve
para si mesmo. Já no ato da escrita, um leitor ideal vai se
formando na mente do escritor, alguém que ele gostaria,
intimamente, que lesse o seu texto […] Escritores negros sempre tiveram de contar, como qualquer
outro artista, com a recepção branca […] As questões atinentes à discriminação racial
tenderão a car subjacentes ao texto, pois podem ser o “tendão de
Aquiles” da aceitabilidade da obra e prejudicar o sucesso almejado.
No tocante à literatura, é com o surgimento de leitores negros
no horizonte de expectativa do escritor, bem como de uma crítica
com tal característica, que haverá um entusiasmo para que avertente negra da literatura brasileira se
descongele da omissão ou
do receio de dizer a sua subjetividade.. 27 e 28