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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (UNIRIO)

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS (CCH)


ESCOLA DE HISTÓRIA

ANNA BEATRIZ BARCELLOS DE ALMEIDA BRAGA

Trabalho Final - Pensamento Social Latino-americano

RIO DE JANEIRO

2022
O Um dos alicerces de qualquer sociedade é sua memória. Ela é de fundamental
importância para a formação identitária de um povo e, principalmente, para a transmissão de sua
cultura através das gerações. Dentro de nossa sociedade, cujos ideais e padrões são moldados
diante de uma falsa perspectiva de “primeiro mundo”, estudar a América Latina e sua pluralidade
de culturas, ideias e histórias nos faz pensar em questões fundamentais sobre nossa própria
existência. Desta forma, torna-se imprescindível o estudo da história da latinidade, ou seja,
identificar a partir de qual momento e contexto começou-se a se questionar qual a nossa
verdadeira identidade, quais memórias são realmente nossas ou dos países que nos colonizaram,
quem somos nós, o povo latino-americano.

Pode-se dizer que esses questionamentos surgiram de formas diferentes em cada país, em
épocas diferentes e de formas diferentes. Contudo, vale ressaltar que dentro de nossas
particularidades, obtivemos uma série de produções sociológicas, filosóficas, artísticas e
culturais que contribuíram para a formação de uma identidade, ainda em desenvolvimento, da
América Latina. Com isso, estudar essas produções, esses saberes, nos permite compreender um
pouco melhor essa identidade e suas influências. Diante de tantas possibilidades, surge a
necessidade de determinar-se um ponto de partida para esta grande reflexão do que é a
latinidade. Assim, levando em consideração as minhas experiências pessoais e o que estudei no
Tópico especial em História da América, defini que o tema do meu trabalho final seria um
relatório de pesquisa sobre Muralismo Mexicano.

Primeiramente, gostaria de explicar por que optei por um Relatório. Dentro das diversas
temáticas abordadas na disciplina, as que mais me interessaram foram sobre “Socialismo
Libertário e Revolução Mexicana”, abordada na Aula 5, e sobre “Zapatismo Contemporâneo e
Autonomia”, abordada na Aula 11. Isso porque eu fiz uma viagem à Cidade do México em
outubro de 2021, na qual tive a oportunidade de visitar diversos museus e ter um contato mais
próximo com a cultura mexicana. Sendo assim, apesar dos temas me interessarem bastante, não
gostei da ideia de falar sobre um tema “repetido” no trabalho final, mesmo que fosse mais
cômodo. Desta forma, pensei no Muralismo, justamente por ser um tema não muito aprofundado
nas aulas, e porque vi alguns murais pessoalmente me impressionei bastante – Nunca tinha
observado pinturas tão grandes, coloridas, e com uma temática social tão singular. Então, a partir
desse meu fascínio particular com os murais, as aulas sobre México e de materiais sobre
Muralismo enviados pelo professor, resolvi abordar esta temática.
Assim, o presente relatório destina-se a relatar um pouco da minha viagem ao México,
mais especificamente a minha experiência no Museo del Palacio de Bellas Artes. Além disso,
apresentarei aqui um pouco do que foi o Muralismo Mexicano em si, o contexto social e político
de suas composições, bem como suas influências históricas e importância.

Partindo do meu ponto de inspiração para compor esse relatório, comentarei,


primeiramente, sobre os murais em si, ou melhor dizendo, sobre aqueles que eu tive a
oportunidade de visitar. O primeiro deles (e que me gerou mais surpresa) foi “O Homem
Controlador do Universo”, de Diego Rivera (1934):

“O homem controlador do Universo” – Diego Rivera, 1934. Coleção particular.

Este é um dos maiores murais do Museu de Belas Artes do México, está localizado no
segundo andar do mesmo, e possui uma infinidade de detalhes que podem nos dizer muito sobre
o contexto político do Muralismo Mexicano. Sobre Diego Rivera, propriamente dizendo, apesar
de sua formação com fortes influências classicistas na Academia de San Carlos, o artista
procurou adotar uma arte mais coerente com a realidade do que era o México no fim do século
XIX e início do século XX. Suas composições possuem uma forte conotação política e social,
principalmente no que diz respeito aos seus contatos com as vanguardas europeias e o
socialismo.
O que me causou maior fascínio sobre “O homem controlador do Universo” foi
justamente essa presença de elementos que fazem uma referência tão aberta ao socialismo, com a
figura de Lênin num plano central do mural. Num primeiro momento, sem ter estudado o
Muralismo, foi um verdadeiro choque observar esse tipo de referência num museu de relevância.
Isso porque sempre tive a impressão de que no Brasil, falar em socialismo continua sendo tabu
até os dias de hoje, quanto mais incorporá-lo em nossos elementos culturais. A estranheza inicial
logo se tornou admiração, fiquei uns bons minutos observando os detalhes e percebendo todas as
camadas daquela composição. Indo além do óbvio, que o próprio nome da obra já diz, esse é um
mural sobre o homem trabalhador, atento ao mundo ao seu redor, preocupado com suas questões
(avanço da ciência, movimento operário, agricultura, domínio burguês e pós 1ª guerra, enfim,
tudo que as pessoas enfrentaram no início do século XX).

Em geral, o muralismo mexicano reflete as consequências do encontro da cultura


mexicana com os pensamentos sociais europeus do início do século XX, conforme pondera o
artigo de Gabriela Ribeiro:

Entre meados do século XIX e início do século XX, surgiram na Europa


vários movimentos artísticos vanguardistas que provocaram um
questionamento radical sobre todos os modelos artísticos aceitos até
então. O primeiro deles, o impressionismo, abandonou a pintura
naturalista para concentrar-se nos efeitos da luz sobre o ambiente e tentou
transpor esses estudos para a pintura tentando captar a luminosidade em
pinceladas que compunham desenhos distorcidos. Outros vários “ismos”
surgiram, cada um reforçando certos elementos, distorcendo o
convencional. Pontilhismo, expressionismo, primitivismo, cubismo, todos
estavam acompanhados de incessantes debates teóricos e manifestos. Eles
propunham uma revolução estética que podia ou não ser acompanhada de
uma ação política. Ainda que vários artistas vanguardistas tenham
defendido a separação da arte das questões políticas, as vanguardas
modernas quebravam o padrão de verossimilhança que, como discutimos
acima, tinha uma relação com o status pessoal. Por outro lado, às vezes a
proposta política era direta, como o questionamento social dadaísta.

Para além dos encontros, o muralismo reflete, também, um movimento de formação da


identidade nacional mexicana, não mais influenciada pelo naturalismo dos acadêmicos, mas que
realmente refletisse o que é o México, sua cultura, seus cidadãos e suas questões. Na verdade, o
desenvolvimento do muralismo está associado essencialmente à Revolução Mexicana,
principalmente às políticas adotadas logo após esta. Os ideais disseminados por Emiliano Zapata,
Pancho Villa e Flores Magón ainda circulavam no seio da sociedade mexicana. Era importante
valorizar a cultura nacional através da arte pública e da educação popular, se desassociando do
nacionalismo estéril cultivado na ditadura de Porfírio Diaz, ressaltando a importância dos povos
indígenas e sua ancestralidade. Incentivados pelo governo, os muralistas passam a produzir suas
obras a partir de 1922. Dentre eles, destacam-se David Alfaro Siqueiros, José Orozco, Aurora
Reyes Flores, Fanny Rabel e Lyna Razo.

Um questionamento que me ocorreu enquanto pesquisava sobre o Muralismo, e que se


enquadra, também, na grande maioria dos assuntos que estudei no tópico de Pensamento Social
Latino-americano, é acerca de como estas temáticas são invisibilizadas pelos livros de história.
Enquanto historiadora em formação, não posso dizer que existem estudos mais ou menos
importantes do que outros, mas durante esse contato com as diferentes histórias, pensamentos,
culturas, ideias, enfim, com a latinidade como um todo, me perguntei “por que nunca tinha
aprendido isso?”. Ou melhor, no artigo de Roberta Traspadini, Doutora em Educação pela
Universidade Federal de Minas Gerais, há um questionamento que traduz melhor ainda essa
pauta: “Que histórias silenciadas pela história oficial, eclodidas como gritos dos excluídos na
forma de revoluções na América Latina, apresentam-se como protagonistas no início do século
XX?” (2020, p. 2).

Entendendo que o Muralismo está intrinsecamente ligado à história da Revolução


Mexicana, e que através de suas obras é possível aprender tanto não só sobre o México, mas
sobre o mundo em geral no início do século XX, cheguei à conclusão de que esse apagamento
não pode ser por acaso. Principalmente no Brasil, nós somos criados dentro de uma visão
distanciadora de nossa realidade para com a realidade dos outros países latinos, não havendo um
senso de pertencimento ou identificação com os nossos países vizinhos. Digo isso porque na
minha viagem à Cidade do México, tive a oportunidade de conhecer muitas pessoas de vários
países hispânicos, além de minhas experiências gastronômicas e culturais pela cidade. A partir
deste contato, pude perceber uma familiaridade muito grande com essas culturas. Na Cidade do
México pude concluir que a grande maioria dos países latino-americanos se enxergam como
semelhantes, de forma amigável, mas aqui no Brasil nós criamos uma distância sistemática para
com estes, através da nossa educação, política, mídias comunicativas e produções culturais. É
como se o brasileiro não gostasse de pertencer à América Latina, de se igualar à essa realidade.

Outra impressão que tive na minha viagem ao México é que apesar de haverem museus
com representações explicitamente socialistas, não há um esforço, assim como no Brasil, de se
reforçar a importância da práxis revolucionária para a história nacional. Os grandes monumentos
mexicanos giram em torno de um passado pré-colombiano, da independência mexicana (caindo
no nacionalismo estéril citado anteriormente), e em valores, ao meu ver, influenciados pela
colonização. Um bom exemplo disso é o Bosque de Chapultepec, situado numa zona nobre da
cidade, no qual há uma série de representações, monumentos e esculturas que fazem alusão à
guerra contra os Estados Unidos da América, à derrubada do domínio francês (que trouxe
Porfírio Diaz ao poder), dentre outros. Ou seja, ainda há uma valorização à história da ditadura
mexicana, à colonização e dominação, construindo uma narrativa gloriosa sobre esses eventos.

Sem dúvidas, o povo Mexicano possui um forte sentimento nacionalista, valorizando seu
passado, a ancestralidade indígena e a independência mexicana, porém, até que ponto alguns
símbolos nacionais como Frida Kahlo e Diego Rivera têm suas trajetórias distorcidas para não
conflitarem com essa narrativa que ignora os agentes revolucionários? De certa forma, talvez
falar sobre a revolução e as influências do socialismo na arte mexicana também seja um tabu,
com certeza em menor escala e com uma invisibilização menor do que no Brasil, mas que
também ocorre.

Monumento a los Niños Héroes, Bosque de Chapultepec. Coleção particular, 2021.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

RIBEIRO, Gabriela. Princípios Estéticos: A obra de Diego Rivera. Revista Ameríndia.


Disponível em:
https://mail-attachment.googleusercontent.com/attachment/u/o/?ui=2&ik=6816531c4a&attid=0
TRASPADINI, Roberta. América Latina: O moderno muralismo mexicano e as revoluções.
Anais do Encontro Internacional e Nacional de Política Social, v. 1, n. 1, 2020. Disponível
em: https://periodicos.ufes.br/einps/article/view/33209. Acesso em: 06 ago. 2022.

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