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Anna Beatriz Barcellos de Almeida Braga

FAUSTINO, Deivison Mendes. Frantz


Fanon: capitalismo, racismo e a sociogênese do colonialismo. SER Social,
Brasília, v. 20, n. 42, p. 148-163, jan.-jun./2018

1. Tema
As relações entre raça, capitalismo, e o conceito de “sociogênese” dentro do contexto
colonialista, segundo as reflexões de Frantz Fanon.

2. Tese Central
Baseando-se nas obras de Frantz Fanon, Faustino busca mostrar a base teórica
estruturante do autor, orientada pelo conceito de “sociogenia” do colonialismo,
refutando uma suposta “ruptura teórica” de Fanon ao longo de suas obras.

3. Lógica interna
O artigo divide-se em cinco partes, sendo elas: Resumo, uma espécie de introdução, A
“sociogenia”, A luta política e os desafios do tempo e Referências.
No Resumo, o autor Deivison Faustino deixa bem claras as intenções de seu artigo,
destacando seu principal ponto: a busca por refutar outros autores que apontam uma
suposta mudança na abordagem teórica de Frantz Fanon ao longo de sua vida e obras. O
autor coloca o conceito de Sociogenia como a base estruturante do pensamento
fanoniano. Ainda sob essa perspectiva, Faustino apresenta logo de cara sua crítica à
polarização apresentada nos estudos sobre Fanon.
No trecho seguinte, há uma espécie de introdução, situando a argumentação do autor e
ressaltando o “fio condutor” da análise fanoniana, a Sociogenia. Com isso, destaca que
apresentará ao longo do artigo alguns trechos do próprio Fanon para elucidar esse
conceito, buscando tornar visíveis as implicações concretas da busca por emancipação
defendida pelo mesmo. Explica, também, seu ponto de discordância quanto aos outros
estudos na mesma área: segundo estes outros autores, Fanon teria passado de uma
abordagem “pretensamente liberal, em suas divagações existenciais e psicoafetivas”,
quando jovem, para uma abordagem empreendida quando mais velho,
“terceiro-mundista e violento, advogado da emancipação humana pela práxis
revolucionária”. Mas como comentado anteriormente, Faustino defende que não houve
tal mudança estrutural, tendo em vista a ideia do “fio condutor”.
Desta forma, o artigo desenvolve seu terceiro tópico a partir do tão comentado conceito
de “sociogenia”, que é usado para explicar o contexto colonialista. Faustino o inicia
falando sobre os aspectos relacionados dentro da análise fanoniana: como o meio social
influencia nas manifestações dos sentidos e identidades humana e como as situações
individuais se relacionam com o desenvolvimento e a preservação política/social das
instituições. Aponta, ainda, a preocupação de Fanon, como psiquiatra, quanto à situação
colonial. O texto dialoga com vários autores, incluindo Freud, principalmente neste
trecho sobre a dimensão da psicanálise. Explica, também, o conceito de psicologia
filogenética, que relaciona as características físicas e psicológicas do indivíduo,
apontando a atenção de Fanon ao sofrimento psíquico e as questões sociais. Ainda,
comenta a ruptura teórica de Freud dentro da psicanálise, à qual Fanon se inclina, mas
atentando-se aos contextos históricos/sociais nesta esfera. Faustino coloca que a análise
do colonialismo, segundo o psicanalista em questão, deve possibilitar uma perspectiva
que leve em conta o capitalismo e a objetificação humana inerente a ele.
Com isso, traz uma das teses mais abordadas no pensamento fanoniano: a alienação do
indivíduo negro, que passa por um processo econômico e de interiorização da
inferioridade. Além disso, explica o diálogo crítico de Fanon com o Marxismo.
Comenta, também, que o racismo e a racialização são implícitos à situação colonial, e
fazem parte de um processo de dominação, que abrange a expansão das relações
capitalistas, a desigualdade e a violência, que atingem o mundo não europeu. O texto
também aborda a situação da Guerra colonial, que, para o colonizador, é de interesse
econômico, sem levar em conta os confrontos culturais. Segundo esta análise,
diferentemente das metrópoles, nas colônias as polarizações e conflitos não precisam de
uma justificativa ou validação social, são explícitas e violentas. Isso acontece porque a
visão do opressor quanto ao oprimido passa por um processo de “coisificação”, no qual
o colonizado não é digno de ser tratado como “igual”, ou mesmo “humano”.
Tendo em vista essas relações entre dominantes e dominados, Faustino aponta o que
seria o segundo nível da análise fanoniana: o lugar do indivíduo segundo suas
características fenotípicas e culturais. Isso se encaixa na psicologia filogenética
comentada anteriormente, mas com uma abordagem mais politizada. Para Fanon, o
racismo é tanto produto como processo, não sendo, então, uma questão de contradições
de classes que se resolveria com uma solidariedade abstrata advinda da “união de todos
os proletários do mundo” (nota-se aqui a crítica ao Marxismo, citada anteriormente). O
preconceito racial seria, então, uma apropriação da sociedade moderna, que torna
possível o colonialismo, a acumulação de capitais e a exportação desigual. A própria
estrutura da modernidade negaria o conceito de humanidade, sendo a civilização
europeia e seus representantes os principais responsáveis pelo racismo colonial.
Seguindo a lógica dos níveis da análise fanoniana, o artigo traz, então, o que seria o
terceiro deles: a interiorização subjetiva por parte do colonizado, ou seja, os complexos
internos oriundos da opressão colonialista. Faustino mostra neste trecho que “a
racialização de experiências” vivenciada pela população colonializada marca as
experiências desta com o mundo e individualmente, gerando uma autoimagem
distorcida, prejudicada. A raça do indivíduo passa a definir suas oportunidades e
barreiras enfrentadas ao longo da vida.
Quanto às questões de posição, Fanon discutia em suas obras como o homem branco é
sempre visto como racional e civilizado, e o negro como instável, bruto e selvagem.
Esses estereótipos influenciam as relações entre brancos e negros, uma vez que eles
deixam de se reconhecer como reciprocamente humanos para assumir uma visão
antagônica e colonialista um sobre o outro. É importante ressaltar aqui que o oprimido
da situação é sempre o negro, mesmo essa situação seja prejudicial a todos os
envolvidos. Fanon coloca a relação de raça como uma “contraposição hierarquizada”
entre brancos e negros, e, ainda, que os homens brancos possuem um “complexo de
superioridade” em relação aos homens negros. Estes, então, sofreriam com um
“complexo de inferioridade” em relação ao homem branco. Neste trecho Faustino
explica como a alienação ocasionada pela situação colonial, segundo a perspectiva
fanoniana, perpetuaria a alienação de ambos os grupos em questão. Não seriam apenas
os negros a sofrerem alienação, uma vez que o próprio homem branco, assumindo seu
“complexo de superioridade”, coloca-se nessa posição de privilégio, ocasionando o
racismo e a violência racial, limitando as percepções de mundo de ambos.
Com isso, Faustino retoma a questão dos estereótipos exercidos sob o povo negro. Esses
estereótipos são embasados na visão de irracionalidade e selvageria dos negros, na qual
sua cultura, religião, estética, relações, sexualidade e vivências estariam permeadas por
uma atmosfera lúdica e mística. Faustino explica, então, que essas características
atribuídas às pessoas negras seriam um reflexo do que “falta” nas pessoas brancas,
segundo Fanon. Essa fetichização racista da população negra faria com que os próprios
negros se enxergassem dessa forma, pela visão do homem branco.
Desta forma, o tópico sobre a Sociogenia é concluído com a retomada da questão
psicoafetiva do negro. O autor explica que Fanon coloca o colonialismo e a racialização
como fatores determinantes na percepção do indivíduo sobre si mesmo e sobre o
mundo, aprisionando-o na alteridade do outro. Fanon se preocupa não apenas em
apontar esta problemática, mas também em propor formas de superar essa racialização
fetichizante, não no campo dos “significados”, mas num campo prático-sensível,
“conformando uma sociabilidade nova”

Chegando ao penúltimo tópico do artigo, ao qual Faustino determinou como “A luta


política e os desafios do tempo”, o autor discorre acerca das implicações políticas que
Fanon sempre trouxe em suas obras. Sua crítica à modernidade ocidental e à “morte do
sujeito” são comentadas neste trecho, sobre como o colonialismo racial não seria uma
antítese do humanismo, mas uma efetivação de sua realidade. Fala também sobre a
crítica fanoniana à universalização “compulsória” dos pressupostos éticos, políticos e
estéticos europeus. Restaria à população “subalternizada” trabalhar a desconstrução
dessa universalização, com novas significações através de discursos. Fanon não descarta
que sejam repensadas novas representações acerca do humano, mas sugere uma
transformação radical da sociedade colonial.
A Sociogenia pressupõe que a sociedade, diferentemente dos processos bioquímicos,
não escapa das influências humanas. A solução para as transformações das condições
sociais, para Fanon, viria através da participação ativa na luta política, abrindo a
possibilidade para o surgimento de um novo ser humano. Faustino explica que a luta de
libertação, segundo o pensamento fanoniano, seria o ente transformador da humanidade.
O autor ressalta que o cenário sócio-político da década de 50, quando Fanon escreveu
seu primeiro livro, o influenciou a acreditar nas mudanças, na luta pela libertação, nas
possibilidades de superação do colonialismo. Segundo Fanon “a práxis revolucionária
teria o poder de negar o estatuto colonial em todas as suas dimensões”. Essa crença na
“reposição do homem”, na renovação revolucionária das sociedades colonizadas, é
evidenciada nos trechos do autor nesta parte do artigo, citando a revolução argelina e
sua forte perspectiva de mudança.
No trecho seguinte há uma série de comparações teóricas entre Frantz Fanon e diversos
autores, empreendidas tanto por Faustino quanto pelos autores citados frequentemente
por ele ao longo do artigo, os quais ele se comprometeu a refutar. Há, por exemplo, uma
comparação entre Fanon e Nietzsche, orientada pela dialéctica socrática. Em seguida,
entre Fanon e Hegel, explicando que a Práxis, dentro da perspectiva fanoniana, é “o
momento em que a ‘coisa colonizada’ se torna ‘homem’ no mesmo processo pela qual
se liberta”. A descolonização seria o processo de substituição de uma “espécie” de
homem por outra, sem transição.
Entrando numa análise sócio-econômica da descolonização, Faustino ressalta as
dificuldades enfrentadas no processo de independência das colônias apontada por
Fanon, uma vez que suas estruturas econômicas são originalmente pensadas para suprir
a Metrópole. Aponta num dos trechos de Fanon as crises geradas por tais dificuldades,
como a teocracia argelina pós-independência, o genocídio em Ruanda, a guerra civil em
Angola e o surgimento do Boko Haram, a questão do apartheid sulafricano, o
neocolonialismo francês no Mali, etc. Faustino concluiu o tópico explicando que
deve-se analisar as dimensões econômicas da exploração, mas atentando-se à
complexidade delas dentro do contexto sócio-político. Encerra o texto com mais um dos
trechos da obra fanoniana.
Desta forma, chegando ao último tópico do artigo, encontram-se as referências
utilizadas por Deivison Faustino para escrever “Frantz Fanon: capitalismo, racismo e a
sociogênese do colonialismo”.

4. Interlocução
● Robinson, Burawoy, Crowell, Harvey, Rabaka, Mercer, Bhabha e Chow – p. 149
– Autores dos quais Faustino discorda em relação à suposta ruptura teórica de
Fanon
● Gordon, Sekyi-Otu, e Wynter – p. 150 – Autores cujas posições se aproximam
das de Faustino quanto à obra de Fanon.
● Hall – p. 155 – Comenta a objetificação das pessoas negras colocada por Hall.
Na mesma página, aproveita os conceitos de “jogos de representação” e de
“decodificação simbólica” usados pelo mesmo
● Bhabha, Hall e Mercer – p. 155 – Faustino os cita como autores que voltam suas
análises à dimensão psico-afetiva do indivíduo colonizado
● Hall, Bhabha e Butler – p. 156 – São autores que, segundo Faustino, trazem a
questão da desconstrução das relações de inferioridade e superioridade entre
colonizado e colonizador.
● Nietzsche – p. 157 – Num trecho do próprio Fanon, comenta a “natureza
acional do homem”, conceituada por Nietzsche em seu livro La volonté de
puissance.
● Timothi Brennan – p. 159 – Ao fazer uma comparação entre Fanon e Nietzsche,
Faustino cita Brennan ao comentar o repúdio à dialética Socrática empreendido
por Nietzsche. Ela pressupunha a possibilidade das classes baixas ascenderem ao
centro do cenário político, enquanto Fanon clamava por essa dialética como
condição de emancipação.
● Ato Sekyi-Otu – p. 159 – Deivison Faustino coloca que ele seguiria um
raciocínio semelhante ao de Brennan (vide o item anterior das interlocuções).
Neste caso, Sekyi-Otu afirma que o colonialismo apresentado por Fanon é mais
inteligível por meio da lógica aristotélica dos contrários do que da contradição
hegeliana. Contudo, argumenta que a diferença entre Hegel e Fanon é que o
último se afasta da interpretação de um movimento dialético promovido pela
auto iluminação da consciência para se aproximar de um humanismo radical que
se efetiva a partir da ação.
● Judith Rollins – p. 159 – a autora aponta que a diferença determinante entre
Hegel e Fanon não é a recusa ou não da dialética, mas o fato de Hegel apostar no
trabalho como condição de emancipação do escravo, enquanto Fanon aposta da
práxis Revolucionária.
● Homi Bhabha – p. 159 – Concorda com o autor sobre o fato de que os “delírios
humanistas” de Fanon não se concretizaram, e a violência implícita ao
colonialismo e às movimentações sociais que o contrapunham foi levada a
caminhos infrutíferos. Outro ponto de Bhabha é a situação econômica das
colônias dificultar o processo de independência, já que o sistema funciona em
benefício da metrópole.
● O próprio Frantz Fanon, que é o objeto de análise do artigo, cujas citações
ocorrem durante todo o texto.

5. Fontes
● Peles negras, máscaras brancas, de Frantz Fanon
● Os condenados da terra, de Frantz Fanon
● The fact of blackness, de Frantz Fanon

6. Trechos significativos
● “Em contraste crítico a esta polarização, este artigo retoma o conceito fanoniano
de “sociogenia” e o identifica como base estruturante de sua proposta teórica.
Não obstante, argumenta que este enquadramento aponta para a determinação
reflexiva entre capitalismo, colonialismo e racismo e, sobretudo, para a
possibilidade histórica de uma práxis anticolonial emancipadora que abranja
tanto os aspectos objetivos quanto os subjetivos da existência humana.”
● “Em um caminho distinto, argumento, neste paper, sobre a inexistência desta
pretensa cisão, mas, sobretudo, pela existência de um fio condutor que conforma
o edifício teórico fanoniano desde o início (...). Este fio condutor é a noção de
“sociogenia”, apresentada por Fanon em Pele negra, máscaras brancas e
“presente oculta”, como estrutura teórica, em todos os outros textos escritos pelo
autor.”
● “ O racismo para Fanon é tanto um ‘produto’ quanto um processo pelo qual o
grupo dominante lança mão para desarticular as possíveis linhas de força do
dominado, destruindo seus ‘valores, sistemas de referência e panorama social’:
uma vez ‘desmoronadas, as linhas de força já não ordenam. Frente a elas, um
novo conjunto, imposto, não proposto, mas afirmado, com todo o seu peso de
canhões e de sabres’. ”
● “É esta a raiz da figuração do colonizado como um ser enclausurado em seu
corpo, tido quase sempre como bruto, rústico e emocionalmente instável, em
contraposição ao europeu, apresentado sempre como expressão universal das
qualidades úteis ao controle do mundo. Tanto a pretensa europeização da razão
ou do sujeito, quanto a objetificação reificada do negro – ou não
branco/ocidental/europeu –, são expressões deste mesmo processo de
racialização.”
● “Também é verdade, como o próprio autor já havia alertado, que a estrutura
econômica da colônia dificultava uma saída verdadeiramente independente.
Com uma economia historicamente organizada para atender aos interesses da
metrópole, e uma burguesia débil, que se limitava a ser intermediária dos antigos
colonos, a luta anticolonial regrediu, tal como previsto pelo autor, às novas
formas de colonização e exploração.”

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