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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO

UNIDADE ACADÊMICA DE SERRA TALHADA - UAST


LITERATURAS AFRICANAS EM EXPRESSÃO PORTUGUESA

Larissa Raiany Diniz Florentino

Fanon, F. (2008). A mulher de cor e o branco. In: Pele negra, máscaras


brancas (pp. 53-69). Salvador: EDUFBA.

Fanon, F. (2008).O homem de cor e a branca . In: Pele negra, máscaras


brancas (pp. 69-83). Salvador: EDUFBA.

Sendo o segundo capítulo da tese de doutorado escrita por Frantz Fanon e


defendida em 1952 na Universidade de Lyon, na França, como parte de seus
estudos em psiquiatria, "A mulher de cor e o branco" realiza uma análise profunda e
crítica das questões relacionadas à raça, colonialismo e identidade. Esse capítulo
examina diretamente como a mulher negra é percebida e tratada em uma sociedade
colonial, especialmente em relação ao homem branco.
A análise de Fanon neste capítulo envolvem questões cruciais, como a
objetificação e sexualização da mulher negra pelos colonizadores brancos. sendo
abordado as idéias e estereótipos racistas exercem influência nas relações
interpessoais, explorando como as mulheres negras frequentemente enfrentam a
objetificação racial e de gênero simultaneamente. Essa análise revela que elas são
alvo de discriminação não apenas por sua cor de pele, mas também por seu gênero.
Dessa forma, Ja no primeiro parágrafo fica notável a exploração das
diferentes formas como as pessoas agem, incluindo agressividade, amor, ética e
como os relacionamentos moldam a maneira como vemos o mundo e o que
valorizamos:
O Homem é movimento em direção ao mundo e ao seu semelhante.
Movimento de agressividade que engendra a escravização ou a conquista;
movimento de amor, de doação de si, ponto final daquilo que se
convencionou chamar de orientação ética. Qualquer consciência é capaz de
manifestar, simultânea ou alternativamente, essas duas componentes.
Energeticamente, o ser amado me ajudará na manifestação da minha
virilidade, enquanto que a preocupação em merecer a admiração ou o amor
do outro tecerá, ao longo de minha visão de mundo, uma superestrutura
valorativa.(Fanon, 2008, p.53)

O trecho destaca que a complexidade das motivações humanas é evidente na


sugestão de que qualquer pessoa pode manifestar tanto agressividade quanto amor,
simultânea ou alternativamente. Essa interação também pode ser apontada em
relação ao amor verdadeiro e real. Esse tipo de amor é descrito por Fanon (2008)
como o desejo genuíno de buscar para os outros aquilo que se aspira para si
mesmo . A visão de mundo é assim moldada por essas experiências e interações,
influenciando como percebemos e valorizamos não apenas a nós mesmos, mas
também o mundo ao nosso redor. Nesse contexto, o amor verdadeiro demanda a
mobilização de instâncias psíquicas que estejam fundamentalmente livres de
conflitos inconscientes.
Nessa perspectiva Fanon busca abordar uma perspectiva do que é o ou não
o respeito, e o amor autêntico e entre as relações interraciais sendo apontando as
dinâmicas sociais como uma complexidade a ser atravessada, sendo apontado que:

Neste capítulo, dedicado às relações entre a mulher de cor e o europeu,


trata-se de determinar em que medida o amor autêntico permanecerá
impossível enquanto não eliminarmos este sentimento de inferioridade, ou
esta exaltação adleriana, esta supercompensação, que parecem ser o
indicativo da Weltanschauung negra.(Fanon, 2008, p.53)

Compreendendo que "Weltanschauung" é uma expressão alemã que se


traduz como "visão de mundo", podemos apontar isso como uma das perspectivas
pelas quais indivíduos negros percebem e interpretam o mundo ao seu redor. Essa
perspectiva está intrinsecamente ligada à análise das complexidades psicológicas e
sociais enfrentadas por pessoas de cor em um contexto colonial, envolvendo a
internalização de estereótipos e a batalha contra sentimentos de inferioridade racial.
Uma questão que é notavelmente destacada e compreendida é a busca por
respeito e, de certa forma, liberdade nas relações inter-raciais. Mesmo diante de
complexas dinâmicas sociais e psicológicas, indivíduos enfrentam todos esses
desafios em busca desses objetivos. Apontando isso Fanon destaca no romance
autobiográfico "Je suis Martiniquaise", uma passagem que revela a preocupação de
uma mulher de cor em relação à sua própria respeitabilidade aos olhos de um
homem branco, mesmo que haja amor entre eles. Essa preocupação sugere uma
complexa interação entre raça e poder nas relações inter-raciais.
Durante o capítulo e explorada a dualidade de perspectivas associadas à cor
da pele. ao trazer trechos como “ Sou branco, quer dizer que tenho para mim a
beleza e a virtude, que nunca foram negras. Eu sou da cor do dia…”(Fanon, 2008,
p.56) onde se atribui para a beleza e virtude, concebendo-as como características
que nunca foram associadas à negritude, ou , “Não é que neguemos ao negro
qualquer valor, mas é melhor ser branco.” (Fanon, 2008, p.58) O autor emprega
esses exemplos para exemplificar e reprovar atitudes racistas e a mentalidade
colonialista que mantêm a desigualdade racial. Fanon procura expor a suposta
"candura" por trás dessas ideias, revelando o preconceito subjacente. nesse
pensamento Fanon (2008) alega que embora já tenha discutido a alienação psíquica
do negro, é imperativo abordar determinados aspectos de natureza psicológica que
geram impactos que se entrelaçam com outras áreas do conhecimento.
Trazendo por esse motivo uma proposta apoiada em dados psicanalíticos,
sociológicos e políticos, e sugerido a necessidade de construir um novo ambiente
familiar capaz de reduzir ou eliminar elementos prejudiciais de natureza anti social.
“é preciso saber se a basic personality é um dado ou uma variável.”(Fanon, 2008,
p.58)
Esse conceito de "basic personality" que pode ser entendido como
personalidade básica é uma característica fixa ou variável. Estando relacionada ao
contexto anterior do texto, no qual Fanon discute a necessidade de construir um
novo ambiente familiar para reduzir ou eliminar elementos prejudiciais da sociedade.
Ele está explorando se a personalidade básica das pessoas é algo que está
intrinsicamente ligado a elas desde o início (um dado) ou se é influenciada e
moldada por fatores externos, como o ambiente familiar e social (uma variável).
Nessa linha de raciocínio, Fanon traz a ideia de negrófobia e como ela se
manifesta, destacando a ideia que:

O ódio não é dado, deve ser conquistado a cada instante, tem de ser
elevado ao ser em conflito com complexos de culpa mais ou menos
conscientes. O ódio pede para existir e aquele que odeia deve manisfestar
esse ódio através de atos, de um comportamento adequado; em certo
sentido, deve tornar-se ódio. É por isso que os americanos substituíram a
discriminação pelo linchamento (Fanon, 2008, p.65)
E visivel que os negrófobos não são movidos pelo ódio direto ao negro; na
verdade, eles não têm a coragem de odiar ou perderam essa capacidade. O ódio
não é algo dado, mas sim algo que precisa ser conquistado a cada momento,
elevado ao ser em conflito com complexos de culpa mais ou menos conscientes.
Fanon sugere que o ódio requer uma expressão constante, uma manifestação
através de ações e comportamentos adequados, tornando-se parte integrante da
pessoa que odeia.
No terceiro capítulo de "Pele Negra, Máscaras Brancas" de Frantz Fanon,
intitulado "O Homem de Cor e a Branca", o autor explora as intrincadas dinâmicas
sociais e psicológicas presentes nas relações entre homens de cor (pessoas negras)
e mulheres brancas em uma sociedade colonial. Nessa análise, Fanon oferece uma
interpretação aplicada, sugerindo que essas dinâmicas revelam uma subdivisão
adicional do preconceito, na qual a carga de gênero parece afetar de maneira ainda
mais pronunciada as mulheres negras, destacando a presença de misoginia.
A interpretação de Fanon sugere que, dentro desse contexto específico, as
mulheres negras enfrentam desafios adicionais derivados não apenas da questão
racial, mas também devido à carga misógina presente nas interações inter-raciais.
Essa subdivisão do preconceito destaca a complexidade e a sobreposição de fatores
que moldam as experiências das mulheres negras em uma sociedade colonial.
Um trecho em que se pode apontar essa caracteristica, e na qual Frantz
Fanon descreve uma situação em que um homem branco concorda em permitir que
um homem negro se case com a irmã, mas com uma condição subentendida.

Solicitado, o branco consente em lhe dar a mão da irmã, mas protegido por
um pressuposto: você não tem nada a ver com os verdadeiros pretos. Você
não é negro, é “excessivamente moreno”. Este processo é bem conhecido
pelos estudantes de cor na França. Recusam-se a considerá-los como
verdadeiros pretos. O preto é o selvagem, enquanto que o estudante é um
“evoluído”. Você é “nós”, lhe diz Coulanges, e se o consideram preto é por
equívoco, pois de preto você só tem a aparência. Mas Jean Veneuse não
aceita, não pode, pois ele sabe.(Fanon, 2008, p.73)

Ao investigar essa dinâmica, Fanon não apenas revela uma forma de


discriminação e hierarquização racial, mas também analisa as relações inter-raciais.
Ele examina como as normas sociais, estereótipos e estruturas de poder moldam as
interações entre homens e mulheres, destacando as tensões, estigmas e
expectativas presentes nesses relacionamentos. Sua análise proporciona uma
compreensão sociopsicológica profunda sobre como a dinâmica de gênero
exacerbada influencia a experiência das mulheres negras.
Além disso, fica evidente que os brancos, ao adotarem essa atitude, buscam
criar uma distinção entre o homem negro e o que consideram "verdadeiros pretos",
reforçando estereótipos e hierarquias raciais. Entretanto, o último comentário de
Jean Veneuse indica que o homem negro envolvido na situação não aceita essa
tentativa de desvinculação e rejeita a ideia de que não é "verdadeiramente negro".
Ele é resistente a ser categorizado de maneira diferente, demonstrando uma
compreensão consciente de sua identidade racial e uma recusa em se submeter às
imposições raciais dos brancos.
Frantz Fanon tambem aborda a questão das relações inter-raciais,
especificamente quando um homem negro se envolve romanticamente com uma
mulher branca. O negro que possuiu uma branca torna-se tabu para os seus
semelhantes. É fácil para o espírito determinar exatamente a natureza desse drama
sexual.”O negro que possuiu uma branca torna-se tabu para os seus semelhantes. É
fácil para o espírito determinar exatamente a natureza desse drama sexual.”(Fanon,
2008, p.75)
Ele descreve que, nesse contexto, o homem negro que possui uma mulher
branca torna-se um "tabu" para os seus semelhantes, ou seja, para outros homens
negros. Fanon sugere que há um elemento de desafio ou proibição social associado
a esse tipo de relação.
Ao falar sobre a estrutura neurótica de um indivíduo e como ela se forma no
ego através de conflitos provenientes do ambiente e da maneira única como o
indivíduo reage a essas influências Fanon defende que:

A estrutura neurótica de um indivíduo será justamente a elaboração, a


formação, a eclosão no ego de nódulos conflituais provenientes em parte do
meio ambiente, em parte da maneira toda pessoal com que este indivíduo
reage a essas influências.(Fanon, 2008, p.82)

É observado que a estrutura neurótica é uma elaboração complexa que


resulta de interações entre o ambiente e a personalidade do indivíduo. Além disso,
Fanon aborda a questão das interpretações simplificadas ou estereotipadas das
relações entre negros e brancos. Ele critica a tentativa de generalizar o
comportamento de indivíduos específicos, como Nini, Mayotte Capécia e Jean
Veneuse, para toda a população negra. Fanon rejeita a ideia de que os sucessos ou
fracassos desses indivíduos podem ser atribuídos à cor da pele (melanina na
epiderme).
Ao mencionar que “É preciso que este mito sexual – a procura da carne
branca – veiculado por consciências alienadas, não venha mais atrapalhar uma
compreensão ativa.” (Fanon, 2008, p.82). Fanon denuncia a mistificação associada
a essa ideia. Ele argumenta que a cor da pele não deve ser percebida como uma
tara, e os negros não devem aceitar a clivagem imposta pelos europeus, buscando
"elevar-se até o branco" na hierarquia de cores estabelecida por eles. Fanon sugere
que uma solução alternativa é necessária, uma que envolva uma reestruturação do
mundo, indicando uma transformação mais profunda nas dinâmicas sociais e
culturais.

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