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Axelle Karera
brancos continua a determinar seu destino. Frantz Fanon é um dos casos em questão: a
avant la lettre - está firmemente vinculada à sua inclusão nas tradições europeias
induzidas racialmente - tenham levado filósofos como David Marriott a identificar uma
seu envolvimento sustentado com a tradição fenomenológica faz dele uma figura
fundadora da fenomenologia crítica1. Tento fazer isso fornecendo uma leitura atenta de
importante, no entanto, lembrar seu diálogo com Maurice Merleau-Ponty. Nas primeiras
páginas do famoso quinto capítulo de Peau Noire, Masque Blanc – “A experiência vivida
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Ver David Marriott, “Judging Fanon”, Rhizome: Cultural Studies in Emerging Knowledge 29 (2016).
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Karera, A. (2020). The Racial Epidermal Schema. In G. Weiss, A. V. Murphy, & G. Salamon. (2020).
50 concepts for a critical phenomenology (pp. 289-293). Northwestern University Press.
Tradução livre por J. L. Freitas para uso exclusivo em sala de aula. Reprodução proibida.
uma noção global, prática e implícita da relação entre nosso corpo e as coisas” que nos
informa de nossa presença agencial no mundo, Fanon nos expõe a uma ruptura
contrastante entre corpo e mundo ou, talvez mais precisamente, entre uma corporeidade
o grito pungente de Fanon em face desta divisão radical entre o eu e o mundo também
e revela uma relação perpétua entre corpo e mundo. “Vim a este mundo ansioso por
descobrir o significado das coisas”, escreve Fanon, “minha alma desejosa de estar na
origem do mundo, e aqui estou eu um objeto entre outros objetos”.3 Em vez de encontrar
meras “coisas” que ocupam o espaço de modo diferente daquele que um corpo-sujeito
cancelado, onde quer que os processos de racialização tenham objetificado o corpo negro.
racializados. Ele ressalta: “No mundo branco, o homem de cor encontra dificuldades para
elaborar seu esquema corporal [schéma corporel]. A imagem do corpo é uma atividade
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Ver “An Unpublished Text by Maurice Merleau-Ponty: A Prospectus of His Work,” trans. Arleen B.
Dallery, in The Primacy of Perception and Other Essays on Phenomenological Psychology, the
Philosophy of Art, History and Politics, ed. James M. Edie (Evanston, Ill.: Northwestern University Press,
1964), 5.
3
Frantz Fanon, Black Skin, White Masks, trans. Richard Philcox (New York: Grove Press,
2008), 89.
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Karera, A. (2020). The Racial Epidermal Schema. In G. Weiss, A. V. Murphy, & G. Salamon. (2020).
50 concepts for a critical phenomenology (pp. 289-293). Northwestern University Press.
Tradução livre por J. L. Freitas para uso exclusivo em sala de aula. Reprodução proibida.
unicamente de negação [la connaissance du corps est une activité uniquement négatrice].
espaço-temporal - um mundo construído por meio de sua relação ininterrupta com esse
corpo. Ele assegura, no entanto, de apontar que essa conexão espontânea entre corpo e
repressivas, essa relação formativa entre corpo e mundo é “definitiva”, “porque cria uma
dialética genuína [une dialectique effective] entre meu corpo e o mundo”.5 A distinta
corporeidade do negro, que chega como uma infeliz maldição, perturba o aspecto
esquema corporal que sintetiza a aprazível troca relacional entre corpo e mundo, um
racial. Como Fanon escreve: “Por trás do esquema corporal, criei um esquema histórico-
racial. Os dados que usei foram fornecidos. . . pelo Outro, o homem branco que havia me
tecido com milhares de detalhes, anedotas e histórias. Achei que me pediram para
tempo todo eles clamavam por mais.”6 Portanto, o esquema histórico-racial é o resultado
fundamental entre ser e mundo. Os mitos racistas também realizam o trabalho de criar
uma “essência negra” em várias dimensões das práticas científicas, sociais, culturais e
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Fanon, Black Skin, 90; Frantz Fanon, Peau noire, masques blancs (Paris: Editions du
Seuil, 1952), 89.
5
Fanon, Black Skin, 91; Fanon, Peau noire, 89.
6
Fanon, Black Skin, 91.
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Karera, A. (2020). The Racial Epidermal Schema. In G. Weiss, A. V. Murphy, & G. Salamon. (2020).
50 concepts for a critical phenomenology (pp. 289-293). Northwestern University Press.
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da criança - “Veja! Um negro! Mamãe, olhe, um negro; Estou com medo!”- Fanon
introduz a segunda caracterização de seu esquema. Como ele lamenta tragicamente, “Eu
não aguentava mais, pois eu já sabia que havia lendas, histórias, história. . . . Como
corporal do ser racializado. É verdade que ele postula o esquema histórico-racial como
capacidade do corpo negro de contribuir para o nosso mundo histórico. Para Merleau-
Ponty, o corpo é livre na medida em que atua e pode transformar o historicamente dado,
mas, como demonstra Fanon, a eficácia histórica do corpo negro é amputada. Mas quando
racial são sempre duas faces de uma mesma moeda. “Mamãe, olhe um negro; Estou
fracasso de sua tentativa de viver sem restrições pelo fato de que seu corpo, como Marriott
corretamente aponta, é um “símbolo daquilo que sempre está dado para ser visto”, que
ele permanece “Escravo de uma aparência da qual não é responsável, uma imago cuja
7
Fanon, Black Skin, 92.
8
Fanon, Black Skin, 91; Fanon, Peau noire, 90.
9
David Marriott, “The Racialized Body,” in The Cambridge Companion to the Body in Literature, eds.
D. Hillman and U. Maude (Cambridge, U.K.: Cambridge University Press, 2015), 166.
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Karera, A. (2020). The Racial Epidermal Schema. In G. Weiss, A. V. Murphy, & G. Salamon. (2020).
50 concepts for a critical phenomenology (pp. 289-293). Northwestern University Press.
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para a característica “pré-lógica” do olhar dessa criança, sua reação imediatamente fóbica
importante lembrar que a vida interior do ser racializado não está imune ao trabalho
insidioso do racismo. Fanon nos avisa continuamente que as estruturas não identificáveis,
de desalienação, é tanto uma questão de luta interna como é sobre lutar contra
fornecer uma descrição de si mesmo. A sinergia existencial entre “eu” e o “outro”, que
conhecimento de mim mesmo como agente prático, é anulada pelo olhar racista. Em vez
disso, o negro experiencia seu corpo de um ponto de vista fragmentado. Como Fanon
relata:
No trem, era uma questão de ter consciência do meu corpo, não mais em terceira
desapareceu.
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Karera, A. (2020). The Racial Epidermal Schema. In G. Weiss, A. V. Murphy, & G. Salamon. (2020).
50 concepts for a critical phenomenology (pp. 289-293). Northwestern University Press.
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passagem na qual ele narra a agência negra sucumbindo aos efeitos desastrosos de uma
negras, máscaras brancas, que aparece logo nas primeiras páginas da introdução. Aqui,
Fanon insiste que a desalienação envolve, antes de mais nada, um confronto violento entre
É também aqui que Fanon apresenta seu conceito de sociogenia em resposta àquilo
história que precede as ocorrências individuais e recuperáveis em sua vida. Em vez disso,
Fanon aponta, “Freud insistia que o fator individual fosse levado em consideração” e,
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Fanon, Peau noire, 8.
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Karera, A. (2020). The Racial Epidermal Schema. In G. Weiss, A. V. Murphy, & G. Salamon. (2020).
50 concepts for a critical phenomenology (pp. 289-293). Northwestern University Press.
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psicocientífico estabelecido com o conceito de sociogenia, Fanon nos lembra que “ao
contrário dos processos bioquímicos”, a sociedade “não pode escapar das influências
diferente de Merleau-Ponty, que concebe uma necessária sinergia entre o mundo (e,
portanto, o social) e o sujeito, Fanon não está disposto a aceitar que essa relação é
intrínseca ou inevitavelmente fácil. Mais especificamente, ele insiste que a liberação não
pode ser alcançada atendendo apenas uma das pontas dessa relação. Ao descrever a
relação entre o sujeito e o mundo, ele adverte que “o maior erro seria acreditar em sua
apenas por meio do histórico que a cor da pele de uma pessoa se torna significativa. É
essa estrutura de imposição pela qual o esquema corporal é substituído por um esquema
11
Here I return to the conventionally used translation of Black Skin by Charles Lam Markmann (New
York: Grove Press 1967), 13.
12
Fanon, Black Skin, trans. Markmann, 13.
13
Fanon, Black Skin, trans. Markmann, 13.
14
Fanon, Black Skin, trans. Markmann, 13.
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Karera, A. (2020). The Racial Epidermal Schema. In G. Weiss, A. V. Murphy, & G. Salamon. (2020).
50 concepts for a critical phenomenology (pp. 289-293). Northwestern University Press.
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em seu trabalho como em sua vida tem sido de interesse crucial para os estudiosos dos
estudos de Fanon e estudos raciais críticos. No entanto, é vital reconhecer que Fanon
Pode-se argumentar que uma das principais implicações ontológicas e práticas de seu
trabalho foi o fato de que a revolução foi desde o princípio prematura, imprevisível,
filosofia ou programa prático - incluindo aqueles ditados pelos impulsos dialéticos tão
Blancs, sua noção de libertação era radicalmente aporética porque para Fanon, de acordo
com Marriott, “o sujeito negro [era] o pensamento da diferença suspenso entre imanência
política para Fanon não é um projeto de esclarecimento retroativo por meio do qual são
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Fanon, Black Skin, trans. Philcox, 95.
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Marriott, “Judging Fanon.”
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Karera, A. (2020). The Racial Epidermal Schema. In G. Weiss, A. V. Murphy, & G. Salamon. (2020).
50 concepts for a critical phenomenology (pp. 289-293). Northwestern University Press.
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corrompidas. Embora Fanon fosse atraído e atuasse nos debates do pós-guerra sobre o