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identidade dos sufis do ramo Haqqani da ordem Naqshbandi. Eu enxergava, então, identidade
como auto afirmação perante o mundo, construída unicamente pela articulação entre
experiências subjetivas e coletivas. Sendo eu membro desta ordem, penso que uma principais
motivações para essa pesquisa foi uma busca de autoconhecimento.
Primeiramente fiquei apreensivo, pois, ainda não tendo familiaridade com a prática
etnográfica, me preocupava a ideia de que minha pesquisa fosse julgada inautêntica pela
academia, justamente por trabalhar aquilo que eu vivenciava cotidianamente. Porém, a
aproximação de temas como identitarismo, auto etnografia, experiência e outros mostrou que
a situação era bem diferente. A Antropologia é assentada na relação entre um “eu” e um
“outro”, e essa relação não deve ser construída numa dimensão de separação, distanciamento.
Muito pelo contrário.
Strathern aprofunda mais este ponto quando fala sobre auto antropologia. A partir do binômio
autor/escritor, a autora sugere uma certa impossibilidade de auto antropologia pura e simples.
O próprio fato de o pesquisador funcionar como autor para seu público “em casa”, sendo um
partícipe daquele mundo, e como escritor para seus pares, no sentido de traduzir esse mundo
para eles, em linguagem referencial e compartilhada no meio acadêmico, já lhe confere uma
identidade híbrida e o coloca como heterogêneo em relação a seus informantes. Ele é, e ao
mesmo tempo não é, parte daquela sociedade. Além disso, como a autora deixa claro, todo
trabalho antropológico, ao partir do “eu”, é um empreendimento de autoconhecimento. Dessa
forma, seja fazendo Antropologia “em casa” ou não, a autorreflexão estará presente, sendo
modificada, articulada e dimensionada conforme o caso. A autora nos mostra também o
quanto essa preocupação tem a ver com uma visão ocidental de sociedade, e que a relação
entre o autor e sua sociedade não mimetiza necessariamente a percepção ocidental a esse
respeito.
A leitura deste texto em específico me levou a refletir se o locus dos meus interlocutores seria
“em casa” para mim. Isso porque ser um membro Naqshbandi funciona de forma diferente
para mim e para os outros. Como alguém que não nasceu, mas se converteu a esse grupo, me
enxergo como possuidor de uma identidade tripartite: brasileiro ocidental, membro convertido
da Ordem e pesquisador acadêmico, estudioso de Antropologia. Dessa forma, a articulação
dessas 3 categorias, digamos assim, em graus diferentes, já me desidentifica com o meu
“outro”, e, mesmo que compartilhemos ao menos uma grande parte da visão cosmológica
religiosa, há outros pontos que nos fazem quase tão diferentes quanto o eram, digamos,
Malinowski e um trobriandês. Um brasileiro, acadêmico, Naqshbandi de 30 e tantos anos é
certamente diferente de um Cazaquistanês massoterapeuta Naqshbandi de 40 e poucos anos
(um dos interlocutores com quem estive).
Isso nos leva aos afro-indígenas de Goldman. O ponto mais interessante que atravessa o texto,
embora não seja nominalmente citado, é, a meu ver, a ideia de como a noção de autenticidade
atravessa a ideia de identidade. Ao que parece, o maior assombro com a ideia de afro-indígena
se dá exatamente do quanto isso soa, a olhos ingênuos, falso e inautêntico, pelo fato de as
pessoas partirem de ideias essencializadas sobre o que seria um puro afro e um puro indígena.
O autor constrói seu argumento fazendo uma genealogia de como as ideias de pureza e
mestiçagem foram forjadas no meio social e acadêmico brasileiro. A partir de relações
desiguais de poder, o rascismo prevalente em fins do século XIX e início do XX via a ideia de
mestiçagem como algo ruim, tendendo a degenerar o povo brasileiro, e como a ideia de
unidade nacional passaria por uma homogeneização com prevalência branca. Assim sendo,
através de diferentes combinações, seja o enquistamento, seja a mistura, o autor nos mostra o
quanto o forjamento da identidade afro-indígena está ligado à resistência à dominação racial,
social, política e econômica, não como algo operacionalizado para ganhos políticos, mas como
desdobramentos naturais a partir da experiência histórica desses povos. Identidade não é algo
fixo ou imóvel, mas sim um artifício forjado e manipulado de acordo com contextos,
necessidades, situações, alteridades, etc. A linguagem mítica produzida para justifica essas
identidades também fazem parte do processo e resulta, a meu ver, num entrelaçamento entre
transcendência e imanência, no sentido de laturiano de fetiche, de que o cosmológico é
também explicado pelo fenômeno, pode ganhar sentido a partir deste.
Dessa forma, penso que é plenamente possível meu empreendimento de pesquisar meu
próprio grupo, embora certos desafios se imponham. A meu ver, mais notadamente: como
abordar criticamente aquilo que considero como sagrado? A resposta para isso só poderá vir,
penso, a partir da experiência, em que o processo será tão ou mais importante que o final.