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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

DISCENTE: DIEGO ERNESTO CANO PRAIS

RESUMO
Livro:
AYOUCH, T. C. Psicanálise e Hibridez. Curitiba: Calligraphie, 2019.

Neste livro, o autor Thamy Claude Ayoch, psicanalista e professor


universitário francês, nos faz um convite a pensar e repensar a questão da
identidade da psicanálise, fazendo um percurso histórico pelo caminho,
começando em Freud, passando por Lacan, dialogando com outras teorias
como a antropologia e a filosofia, e chegando na contemporaneidade da
psicanálise; com o intuito de desnaturalizar a ideia de que há categorias
universais psicanalíticas. (tal como o binarismo homem-mulher), onde o autor
introduz o termo hibridez.

Antes de entrar propriamente na questão da psicanálise, o autor


sagazmente faz uma propedêutica das mais diversas formas de hibridação,
que servem para, num momento posterior do livro, trabalhar as hibridações da
psicanálise com outros saberes de vários outros autores.

Para falar sobre hibridez neste livro, o autor põe uma lupa em cima da
própria psicanálise, checando as suas origens e nos fazendo perceber que a
psicanálise na sua gênese já sofreu várias hibridações de línguas, raças,
gêneros, etc... e que essa hibridez acontecia em forma de diálogos com
autores e situações que deixaram a porta aberta para a dinâmica da
apresentação de novos saberes.

O autor dialoga neste livro com vários conceitos para chegar no ponto de
hibridamento, ele cita o conceito de espaço transicional de Winnicott
(psicanalista inglês) para um espaço que é criado pelo analista/analisando(a),
como um terreno para criações e paradoxos, e a desconstrução de conceitos já
arraigados como o binarismo, categorias universalizadas.
Para o autor, a transferência já é um primeiro ponto de hibridamento na
psicanálise e no ato analítico, onde o/a analista e o analisando/a, além de
criarem um “ terceiro espaço”, estes saem modificados desta relação, não
como um processo acabado e imutável, mas como um processo aberto para
as transformações, um devir – como diz Michel Foucault (filósofo francês) –
surgido da confrontação com o diferencial que resulta da alteridade e da
possibilidade de coexistir com os diferentes, mesmo existindo uma contradição
entre saberes, elementos e situações.

Ao longo do livro, o autor dispõe de vários exemplos de hibridez – o


próprio autor que é marroquino e fez os estudos de graduação e pós
graduação na França e na Inglaterra – é um exemplo de multiculturas, de
multilínguas, e expoente na questão da psicanálise moderna, decolonial e pós
colonial, que prima pela tolerância, ambiguidade e contradição. Este mesmo
autor a posteriori neste livro/pesquisa relata que o que gera a fluidez de uma
psicanálise hibridada, é a hibridação a própria fronteira, uma borda, lugar da
pluralidade e não da rigidez.

O autor também discorre sobre a hibridação do corpo como um tema


difícil de se explicar, segundo ele devido as transformações no tempo e
espaço, a efemeridade da própria vida e a variação constante da intensidade e
estados; sendo assim, a hibridez sujeita a variações de acordo com a ocasião.

Ainda, o texto nos fala das possibilidades e medos de uma hibridação


corporal que pode potencializar o alcance do pensamento e das realizações,
em proporções que a educação sozinha nunca poderia ter imaginado. O autor
discorre sobre o corpo “ciborgue”, que muda toda a perspectiva e experiências
de grupos minoritários, proporcionando uma nova descoberta do corpo e das
identificações de gênero. Ainda, a questão do corpo “ciborgue” impede as
noções da classificação de classe, gênero e raça porque justamente abre
novas perspectivas de manifestações e expressões do corpo, que que vão
além das noções dogmáticas já padronizadas pela sociedade.

O livro nos instiga a pensar a fronteira como um lugar de possibilidade


de trocas entre sujeitos, culturas, grupos, corpos e zonas psíquicas,
discorrendo que a ética da hibridez é a ética do encontro das relações e os
saberes, a construção dos saberes produzidos nessas zonas fronteiriças.

A historiadora Joan Scott citada pelo autor usa os conceitos


psicanalíticos para sua pesquisa crítica da história sobre questões de gênero e
suas dimensões inconscientes. Ela aborda essas questões usando
perspectivas de historiadores gays, lésbicas, feministas e pessoas negras que
se opõe aos pontos de vistas da história oficial, que se diz objetiva mas
escamoteiam a brancura, a masculinidade e o hétero, tendo como questão
principal dar voz aos discursos minoritários sem essencializar a sua identidade.
Para além de assegurar que os discursos minoritários não se cristalizem em
identidades reivindicadas não desconstruídas, a historicização dos
instrumentos da psicanálise maior é importante, mas não para esta se tornar
identidade de uma psicanálise menor.
Para se reconhecer a hibridez há a condição do reconhecimento da
diferença, que é própria da coexistência e conflito de opostos, da diversidade, e
da pluralidade, sem que tenha que haver uma solução, uma resolução desses
paradoxos.
Os grupos minoritários de gênero, classe, raça, etc., proporcionam
experiências de uma hibridação capaz de potencializar as fronteiras e
chacoalhar as bordas do que o autor chama de inteligível e ininteligível para as
normas psicanalíticas.

Enquanto outros autores questionam se as minorias podem falar,


Ayouch questiona, “Como podemos operacionalizar as escutas minoritárias
sem conhecer o local que a psicanálise ocupa na teoria e na formação do
analista?”. O manejo da transferência aponta para reconhecer a subjetividade
e o lugar social do analista, assim como a sua teoria; porém, estas questões
não podem nem devem ser um obstáculo para a neutralidade do analista,
afirmando que um saber pontual da psicanálise proporciona o não equívoco e
que os preceitos e conceitos que a regem, não sejam dogmas universais.

Assim como um posicionamento político, uma escuta política não será


possível sem a hibridez, já que a essência da psicanálise é calcada na
hibridação e na inovação. Então outros discursos e teorias como as
decoloniais, as antirracistas e as de gênero que, por exemplo são
imprescindíveis para o diálogo fluir e ir além. Ayouch fala que sujeito é tanto o
sujeito ao governo e as leis, quanto sujeito a um confronto como o objeto do
cálculo, da medida e do controle. Em suma, é o sujeito sujeito a tudo, inclusive
a responsabilidade de suas palavras e atos. Descartes confere ao sujeito o
esse status “negativo” da individualidade.

O autor fala da fronteira da psicanálise, do que é um deslocamento


negociado da consciência e de seus processos. Ele cita Etienne Balibar, que
faz a colocação que “o que está pra cá e o que está pra lá”, mobilizando a
questão da identidade, a mesmice do que já é conhecido e a diferença daquilo
que a excede. Também o autor parafraseia o significado de transgressão de
Vincent Stellon que concebe a psicanálise como uma experiência
transgressora para que os limites entre a psicanálise e outros saberes fiquem
estranhamente entrelaçados.

Um dos exemplos que o autor usa para exemplificar a questão de


minoria se refere ao véu Islâmico e a cultura republicana francesa, que, quando
ignora as consequências e também a cultura de origem dessa minoria, causa
males entendidos e de certa forma uma revolta na população islâmica
migrante, que gera também o radicalismo islâmico dos jovens minorizados e
oprimidos diante de um estado francês ignorante e intransigente. O autor
discorre sobre as barreiras do mundo árabe para o reconhecimento de uma
hibridação racial e, pior ainda, para o reconhecimento de gêneros. É retomado
aqui neste ponto a política francesa em torno do uso do véu, que assume uma
função de signo particular para as mulheres muçulmanas minorizadas na
França. O autor ressalta que uma abordagem interseccional do véu, tanto
impor, como proibi-lo, minoriza, sujeita-as ou as “liberta”, porém não as
escutam para falarem sobre esse assunto.

A psicanálise, reconhecer suas raízes híbridas, é um ponto fundamental


para a escuta dos sujeitos minorizados pela norma universal e os discursos de
dominação. O autor fala a respeito da identidade, ela se constroi na relação, na
dependência do outro, numa possibilidade de encontro; que o saber só se
produz através da diferença, e ainda, que uma psicanálise não hibridada seria
uma antítese dela mesma, e que por isso não permitiria a transformação
proporcionada pelo encontro.

O autor revela o estudo de uma psicanálise que acolha o psíquico das


minorias, da subalternidade, lançando a hipótese de uma clínica e uma teoria
metapsicológica, evidenciando os fenômenos da transferência que permitem o
surgimento de uma subjetivação psíquica e política que só a hibridez pode
conferir com a pluralidade, conferindo assim um conflito na língua e práticas
institucionais da maioria. A psicanálise menor é a preocupação com a coerção
de uma psicanálise maior, sobre as relações de poder e os efeitos subjetivos e
coletivos de dominação através dos quais o sujeito se subjetiva, subjetivando-
se, a violência da história colonial e suas consequências psíquicas,
transmitidas de geração em geração, que minam as relações subjetivas de
sujeitos contemporâneos.

O autor compara este trabalho a um rizoma, um fundamento, uma raíz;


porém, o objeto de pesquisa, a hibridez, a hibridação na psicanálise, diz que
um rizoma não começa e nem conclui, está sempre no meio, nas coisas, inter-
ser, intermezzo. O diálogo entre vários autores, por vezes opostos, arranjando
e rearranjando os próprios pensamentos e os entrelaçando-os com outros
autores; uma psicanálise de mutações antropológicas, visando a fluidez
psíquica.

“...« Os Versos Satânicos celebram o hibridismo. Impureza, mistura, a


transformação que vem de novas e inesperadas combinações de seres
humanos, culturas, ideias, política, filmes, músicas. Alegra-se com a
mestiçagem e teme o absolutismo dos Puros. Melange, miscelânea, um pouco
disso e um pouco daquilo é como a novidade entra no mundo. É a grande
possibilidade que a migração em massa oferece ao mundo, e tentei abraçá-la.
Os Versos Satânicos são para mudança por fusão, mudança por união. É uma
canção de amor para os nossos mestiços»” Salman Rushdie, S. Terras Natais
Imaginárias. Ensaios e Críticas 1981-1991532.” (pág. 221).

Referências:
Sigmund Freud (Psicanalista austríaco)
Jaques Lacan (Psicanalista Francês)
Donald Winnicott (Psicanalista inglês)
Michel Foucault (filósofo Francês)
Joan scott (historiadora estadunidense)
Etienne Balibar (filósofo francês)
Vincent Stellon (psicanalista francês)
Salman Rushdie (ensaísta e escritor indiano)
Gloria Anzaldúa (escritora estadunidense)

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