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LINGUAGEM - POLÍTICA - PODER

A linguagem é política. A linguagem pode e é usada para afastar pessoas oprimidas da


consciência de sua própria opressão.

O avanço dos estudos sobre linguagem aponta sua importância para a (construção e
manutenção da) sociedade heterossexual. A linguagem atravessa outras ciências, em
especial as humanas, e de forma muito política. O maior exemplo nesse sentido é a
psicanálise. A autora questiona as bases da psicanálise, que tem em seus fundamentos
metáforas muitas vezes compreensíveis apenas aos próprios psicanalistas, e os métodos
de Lacan, apontando toda a manipulação dessa “ciência”. A autora afirma, ainda, que ao
tomar consciência da realidade, a pessoa oprimida quebra o contrato psicanalítico,
indicando que a psicanálise fundamenta-se na alienação do analisado. [Questões sociais
são reduzidas ao campo interno, psicológico, do ego. Conceitos patriarcais fundamentam e
são fundamentados na psicanálise. As contribuições de Freud para o patriarcado foram
inúmeras e são amplamente discutidas na literatura feminista, mas o ponto é que toda essa
construção da psicanálise se deu no campo da linguagem].

“Os discursos que acima de tudo nos oprimem, lésbicas, mulheres, e homens
homossexuais, são aqueles que tomam como certo que a base da sociedade, de qualquer
sociedade, é a heterossexualidade.” Esses discursos se colocam como apolíticos, o estado
natural das coisas, relegando o lugar de Outro a mulheres e homens homossexuais [Aqui,
Wittig dialoga com a introdução do texto de Frye que lemos neste ciclo]. Ela afirma ainda
que: “Estes discursos da heterossexualidade oprimem-nos no sentido em que nos impedem
de falar a menos que falemos nos termos deles.” A psicanálise detém um poder ideológico
tão grande, por estar a favor do patriarcado nessa relação retroalimentativa, que qualquer
crítica a ela é interpretada como uma crítica à própria linguagem (“A nossa recusa da
interpretação totalizante da psicanálise faz com que os teóricos digam que estamos a
negligenciar a dimensão simbólica.”). Além disso, esse domínio não é só mental. Não existe
uma divisão entre mente e corpo, de modo que a dominação mental é também física.

Wittig vai criticar o uso da palavra “ideologia“, afirmando que ela mascara o dano
físico/material causado por ela. A mídia e os discursos “científicos” causam dano real a
pessoas oprimidas. Um grande exemplo nesse sentido é a pornografia. A pornografia tem
um significado muito claro, que é a dominação das mulheres. Embora ela possa ser
analisada como discurso [por homens], ela tem um significado muito real e muito material
na vida das mulheres. Ela é per si uma forma de opressão das mulheres: desumaniza,
assusta, define mulheres na sociedade heterossexual. Mas quando mulheres falam de
pornografia sob essa perspectiva que considera seu impacto material (porque não é
possível disassociar a ideia do dano material que ela causa na vida das mulheres), sua
crítica é menosprezada por não ser “objetiva” o suficiente.

“Não há nada de abstrato acerca do poder que as ciências e as teorias têm de agir
materialmente e na realidade sobre os nossos corpos e as nossas mentes, mesmo se é
abstrato o discurso que produz esse poder.”
O que é, então, o pensamento hétero?
São ideias, teorias e disciplinas que vão tomar a relação heterossexual como universal e
natural, como “princípio óbvio”, como diz a autora. “O pensamento hétero desenvolve uma
interpretação totalizante da história, da realidade social, da cultura, da linguagem e
simultaneamente de todos os fenômenos subjetivos.” Tem, ainda, uma “tendência para
imediatamente universalizar a sua produção de conceitos em leis gerais que se reclamam
de ser aplicáveis a todas as sociedades, a todas as épocas, a todos os indivíduos.”

A autora vai afirmar que os conceitos que discutimos, todos eles, são fundamentados na
heterossexualidade. Que o pensamento hétero não permite a concepção de uma sociedade
em que tudo não parta da heterossexualidade. Além disso, como ela indicou no exemplo da
psicanálise, existe toda uma retórica composta de mitos, enigmas e metáforas que vão
poetizar a imposição da heterossexualidade aos indivíduos. Assim, “rejeitar a obrigação do
coito e das instituições que esta obrigação produziu [casamento, monogamia]” na sociedade
heterossexual não é uma possibilidade, e com isso, a homossexualidade é simplesmente
apagada. Não existem termos para definir a homossexualidade. Somente devido a esse
apagamento é que o incesto é considerado o maior tabu da sociedade. Sabemos que não é.

É necessário entender a heterossexualidade como um sistema político de dominação.


Quem ela domina? Todos aqueles que são os outros. Mulheres (em oposição aos homens).
Homens homossexuais (quando em oposição aos homens heterossexuais). Homens negros
(quando em oposição aos homens brancos). Wittig vai afirmar que os conceitos são
definidos em termos de oposição (mas não uma oposição igualitária, mas em termos de
dominado e subordinado, em uma dialética).

“‘Homem’ e ‘mulher’ são conceitos políticos de oposição, e a cópula que dialeticamente os


une é, simultaneamente, aquela que irá abolir os homens e mulheres. É a luta de classes
entre mulheres e homens que abolirá os homens e as mulheres.”

O que ela quer dizer com essa afirmação? Uma vez que os conceitos de “homem” e de
“mulher” existem somente quando existe uma relação de dominação entre eles, uma vez
superada essa dominação, esses conceitos não mais existirão. “Homem” e “mulher” só têm
sentido no pensamento hétero, na sociedade heterossexual. Uma vez que mulheres deixem
de ser um grupo oprimido (pela luta de classes que ela sugere), não existe sentido em ser
“mulher” ou “homem”, porque enquanto esses signos existirem (“política, econômica,
ideologicamente”), é sinal de que existe dominação.

Qual é a proposta, então? “A transformação das relações econômicas não será suficiente.
Temos de produzir uma transformação política dos conceitos chave, isto é, dos conceitos
que nos são estratégicos. […] Temos de tornar brutalmente claro que o estruturalismo, a
psicanálise e particularmente Lacan transformaram rigidamente os seus conceitos em
mitos.” [Mito aqui estabelece uma proposição que não pode ser contestada, uma lei]

Wittig propõe uma oposição à ideia de que a heterossexualidade e a opressão das


mulheres são naturais no mesmo campo em que essas ideias se propagam. Uma utilização
da linguagem enquanto (re)ação, ("’pois-sabemos-que-foi-escravidão’ é a dinâmica que
introduz o diacronismo da história no discurso pré-estabelecido das essências eternas) em
busca de uma quebra do contrato heterossexual na teoria e na prática.

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