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BRASIL
AULA 1
CONVERSA INICIAL
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No segundo tema, conheceremos um pouco sobre João da Cruz Costa e
sua contribuição à filosofia no país. Depois, adentraremos o princípio de sua
obra para pensar as origens e os povos constituintes do pensamento nacional.
Passaremos pelas origens ibéricas e pelos traços estereotipados que o autor
reproduz acerca da população indígena e negra brasileira.
No terceiro tema, identificaremos a contribuição dos jesuítas ao
pensamento brasileiro, bem como o papel político deles no contato com os
indígenas, na sua proteção e no desenvolvimento político e econômico de
regiões mais afastadas. Passaremos pelas missões jesuíticas e como elas
moldaram as tensões políticas e o contato com a população ameríndia na
América Ibérica. Para além, compreenderemos como tais tensões resultaram
na dissolução da ordem e na decaída do seu poder em território nacional.
No quarto tema, veremos um pouco dos confrontos que Cruz Costa
estabelece com sua obra e os objetivos que o levam a contestar a falta de
identidade do pensamento nacional. Em parte, trata-se de uma ostensiva
presença europeia; por outra, pelo desmerecimento da filosofia nacional pelo
que ele chama de um filoneísmo, uma paixão inconcebível e injustificável pelo
novo, seja o que for.
No quinto e último tema, abordaremos a vida conturbada de Vieira Pinto,
sua obra e seus objetivos intelectuais e políticos, que, na primeira metade do
século XX, até a década de 60, foram tão influentes quanto imbricados um no
outro. Isso porque Vieira Pinto é de uma tradição política e filosófica muito
próxima do fascismo e do nazismo, na figura da fenomenologia heideggeriana,
o que tem reverberações em sua obra.
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das favelas. Com esse processo de reurbanização, o centro da cidade sofreu
uma espécie de boulevarização, tal qual a realizada pelo Barão Haussmann,
em Paris, cerca de meio século antes. Tratava-se de trazer da capital cultural
do mundo à época a civilização que faltava ao Brasil.
Tal esforço, que se consolidava na ideia de uma formação de uma
identidade e cultura nacionais, passou pela miscigenação e aculturamento de
povos tidos como não civilizados (negros e índios) – quando não o simples e
cruel genocídio dessas populações –, que, conciliado ao enorme contingente
de imigrantes europeus, se constituiu em um processo de embranquecimento
da população brasileira. Seja simplesmente na cor de sua pele, seja nos
próprios elementos constituintes da cultura e identidade do brasileiro, isso foi
sentido, por exemplo, na perseguição aos elementos e expressões artísticas e
culturais de origem afro e indígena, tal qual o samba, a capoeira e o
candomblé, todos perseguidos e reprimidos durante o período da Primeira
República e do Estado Novo.
Esse contraponto é necessário para a compreensão de que foi tal
concepção de identidade nacional e processo civilizatório que demarcou a
produção filosófica, sociológica e antropológica brasileira durante a primeira
metade do século XX. Veremos isso a seguir nas obras de João da Cruz Costa
e de Álvaro Vieira Pinto.
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Sua maior obra é Contribuição à História das Ideias no Brasil, que busca
contrapor a filosofia europeia a um pensamento brasileiro que, não ignorando o
diálogo com a história da filosofia, pauta-se na necessidade de pensar o Brasil
criticamente. Tal esforço ainda era envolto a um ensejo nacionalista que,
embora em menor escala do que em Álvaro Vieira Pinto, ainda foi o alvo da
crítica de filósofos posteriores.
Giannotti (1978, p. 7) sintetiza a obra de Cruz Costa da seguinte
maneira:
TEMA 3 – OS JESUÍTAS
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colonizadores portugueses, ao mesmo tempo que buscavam salvar sua alma,
por intermédio da catequese, para o Reino de Deus e para a civilização.
Embora tenha sido a Companhia de Jesus quem ativamente trabalhou
com os nativos, tal demanda pela salvação decorreu da Controvérsia de
Valladolid (1550-1551), na qual, em um debate acalorado da Igreja Católica,
definiu-se se o índio possuía ou não alma. Bartolomeu de Las Casas venceu o
debate, e com a existência da alma do índio comprovada (e ele não mais
considerado um animal aos olhos da Igreja Católica), iniciou-se um trabalho
para a sua salvação, a qual contrariava os interesses que os colonizadores
europeus possuíam, que necessitavam dos corpos dos índios para a mão de
obra escrava: “O jesuíta [...] na ação que se desenvolveu junto ao índio, no
regime de educação a que o submeteu, agia muitas vezes em contradição
manifesta não só com os interesses particulares e imediatos dos colonos, mas
com os da própria metrópole e de sua política colonial” (Cruz Costa, 1967, p.
42).
Esse trabalho de catequese e educação, juntamente com a fundação
das primeiras escolas, trouxe a primeira experiência da filosofia no Brasil, a
qual pôde ser mais bem compreendida pelas missões jesuítas no sul. As
missões ou reduções eram aldeamentos nos quais os padres jesuítas reduziam
(no sentido de redirecionar) as várias tribos e aldeias indígenas de dada região
para a organização da vida sob o regramento da civilização ocidental europeia.
Para atrair as populações indígenas, eles desenvolveram várias técnicas, como
o aprendizado da língua, da cultura e dos valores; isso se refletiu na própria
organização dos aldeamentos, que acabavam por misturar valores sociais
indígenas com os dos europeus.
Para a população indígena, as missões, pelos acordos com as coroas
espanholas e portuguesas, significavam um espaço de proteção contra o
genocídio e a escravidão. Elas eram um reduto no qual as populações locais
poderiam existir sem ser caçadas, exterminadas ou realocadas para as
fazendas de trabalho escravo. A isso se somava a autonomia econômica que o
trabalho das missões gerava para os aldeamentos, que não dependiam em
nada da Colônia ou da Metrópole: nem na alimentação, nem no suprimento de
instrumentos e armas, nem de qualquer outra mercadoria necessária à
manutenção e sobrevivência dos aldeamentos.
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O trabalho educacional e de catequese, a difusão cultural da língua e
dos valores sociais, a proteção da população indígena foram alguns dos
elementos que colocaram os jesuítas em confronto com os interesses da
Metrópole (Portugal) e dos colonos no Brasil. Tal confronto levou à expulsão e
ao banimento da Companhia de Jesus das Américas pelos espanhóis e
portugueses, em um misto de interesses políticos, econômicos e perseguição
religiosa. Em 1759, o Marquês de Pombal, então encarregado da colônia
brasileira, seguido em 1768 pelo Rei Carlos III da Espanha, decretou o
banimento dos jesuítas, a dissolução das missões e o sequestro dos bens. Por
fim, em 1773, atendendo aos interesses das várias coroas (em destaque,
França, Portugal e Espanha), o papa Clemente XIV suprimiu a Companhia de
Jesus. Ela se manteve na clandestinidade na Rússia até ser restaurada
oficialmente por Pio VII, em 1814. No entanto, sua presença em solo brasileiro,
apesar de ainda significativa, não era mais tão influente e poderosa quando da
época do Brasil-Colônia.
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esforço nacionalista; tratava-se sobretudo da compreensão e do
reconhecimento da produção intelectual brasileira, que não superava em
qualidade a europeia, mas certamente a superava no diálogo com a realidade
brasileira.
Isso se soma ao fato de que Cruz Costa tinha que boa parte da filosofia
trazida de além-mar era mais valorizada pelo prisma da superioridade de uma
civilização ocidental desenvolvida do que pela sua qualidade técnica e rigor
epistemológico:
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Heidegger. Formado pela Faculdade Nacional de Medicina do Rio de Janeiro
em 1932, ingressou na organização fascista Ação Integralista Brasileira, da
qual se afastou mais tarde. Posteriormente focou seus estudos em filosofia,
obtendo título doutoral.
Entre suas várias contribuições aos governos da época, foi um dos
intelectuais mais influentes durante o Estado Novo. No período nacional-
desenvolvimentista, já em 1955, integrou o Instituto Superior de Estudos
Brasileiros (Iseb), uma espécie de escola de administradores públicos criada
por decreto no governo de Café Filho e usada por Juscelino Kubitschek na
formação de quadros políticos e administradores públicos para contribuir com o
Estado brasileiro. Era característico do ISEB uma postura nacionalista e
vanguardista, como direção da cultura e do pensamento nacional. Essa
vocação se refletiu na obra de Vieira Pinto, Consciência e Realidade Nacional,
publicada pelo próprio Instituto em 1960.
Com a instauração da Ditatura Militar no Brasil, Álvaro Vieira Pinto foi
perseguido. Exilado, encontrou refúgio na Iugoslávia em 1964, posteriormente
foi para o Chile, onde ficou a convite de Paulo Freire entre 1965 e 1968. Nesse
ano, voltou ao Brasil e passou a trabalhar sob pseudônimos, traduzindo obras
de vários pensadores internacionais. Morreu em 1987 no Rio de Janeiro.
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fronteira entre dois tipos polarizados de consciência: a consciência ingênua e a
consciência crítica:
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Para essa teleologia posta à consciência, para esse fim e objetivo com a
qual existe, ela precisa compreender que o âmbito de sua ação é a realidade
nacional. Nas palavras de Vieira Pinto (1960b, p. 554):
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NA PRÁTICA
FINALIZANDO
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Todo o pensamento brasileiro, para esses pensadores, não só
necessitava pensar a realidade brasileira, como precisava atender a certo
clamor de formação de uma elite cultural e intelectual que fosse capaz de
colocar o Brasil no cenário mundial. Tratava-se de criar uma cultura e uma
identidade brasileiras, uma forma de pensar e agir brasileiros. Ignoraram com
isso a cultura e identidade brasileiras já existentes; pois não foi por acaso. São
filosofias colocadas para pensar o Brasil a partir da necessidade de
modernização e projeto civilizatório: era preciso que o país se transformasse de
um território em uma nação, em uma civilização ocidental.
Esse esforço começou com os intelectuais da Escola de Recife, que,
trazendo o positivismo para terras tupiniquins, transformaram efetivamente a
produção das ciências humanas no Brasil. Mais do que isso: transformaram e
moldaram gerações e gerações de intelectuais e políticos e ensejaram uma
transformação da ordem política pública, com o fim do Império e a proclamação
da República.
Um dos intelectuais abordados nesta aula, João da Cruz Costa, faz um
resgate da formação do Brasil a partir das origens do seu pensamento. Embora
suas concepções sobre a contribuição indígena e negra para essa história das
ideias sejam estereotipadas e ultrapassadas, elas refletem muito o estado de
produção intelectual do país no período. Em meio a isso, seu resgate das
origens latinas e árabes da população ibérica é importante para pensarmos
alguns dos elementos constitutivos do Brasil.
Outro ator importante da presença da filosofia no Brasil foi a Companhia
de Jesus. Em seus diversos períodos, os jesuítas deram enorme contribuição
na compreensão (e infelizmente na assimilação cultural) da população indígena
brasileira, em particular da Região Sul, local das reduções jesuítas. As missões
foram um momento importante de desenvolvimento social e econômico do país
e seu funcionamento na Colônia fez sentir-se nas metrópoles ibéricas (Portugal
e Espanha); por conta do papel desempenhado, foram perseguidos até o
banimento e supressão da ordem no mundo.
Por trás de todo esse esforço de reconstrução dos caminhos de
constituição da presença da filosofia no Brasil encontra-se, em Cruz Costa, a
necessidade de desenvolvimento de um pensamento propriamente brasileiro.
Tal esforço foi o mesmo de Álvaro Vieira Pinto, que, por outros caminhos e sob
outra matriz intelectual, buscava os mesmos objetivos: o desenvolvimento do
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pensamento brasileiro, só que dessa vez pelo despertar da consciência crítica
atrelada ao desenvolvimento da identidade nacional.
Somente se debruçando sobre a realidade nacional que tal consciência
poderia surgir. E, como vimos, essa consciência está atrelada a certa
vanguarda intelectual e cultural, que desenvolveria no plano da ciência e da
consciência o desenvolvimento econômico necessário para o avanço da nação.
Vieira Pinto chega até a afirmar que a realidade nacional é a objetividade da
própria consciência; isto é, que a consciência crítica só pode existir quando
atrelada e sob o plano material da realidade que a nação a provê.
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REFERÊNCIAS
CRUZ COSTA, J. da. Contribuição à História das Ideias no Brasil. 2. ed. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967.
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