Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
RESUMO
Neste trabalho demonstramos a pertinência das reflexões do filósofo brasileiro Álvaro Vieira Pinto para o
pensamento decolonial. Nosso itinerário reflexivo contemplou uma breve conceituação de movimento
decolonial, vida e obra do filósofo e as articulações possíveis entre seu pensar e a obra de pensadores como
Aníbal Quijano, Enrique Dussel e Nelson Maldonado-Torres. Encerramos assinalando a relevância da
retomada do pensar de Vieira Pinto, especialmente por suas contribuições para o des envolvimento de
políticas públicas de humanização das condições de existência das massas dos países subdesenvolvidos.
PALAVRAS-CHAVE: Álvaro Vieira Pinto; Pensamento Decolonial; Enrique Dussel; Desenvolvimento
Nacional.
RESUMEN
En este trabajo desmonstramos la pertinencia de las reflexiones del filosofo brasileño Álvaro Vieira Pinto
para el pensamiento decolonial. Nuestro caminho reflexivo contempló una breve conceptuación de
movimiento decolonial, vida y obra del filosofo e las articulaciones possibles e ntre su pensar e la obra de
pensadores como Aníbal Quijano, Enrique Dussel y Nelson Maldonado-Torres. Encerramos puntando la
relevancia de la retomada del pensar de Vieira Pinto, especialmente por sus contribuciones para el desarollo
de politicas publicas de humanización de las condiciones de existencia de las massas de los países
subdesarollados.
PALABRAS-CLAVE: Álvaro Vieira Pinto; Pensamiento Decolonial; Enrique Dussel; Desenvolvimiento
Nacional.
ABSTRACT
In this work we demonstrate the relevance of the reflections of the Brazilian philosopher Álvaro Vieira
Pinto to the decolonial thought. Our reflexive path contemplated a brief conceptualization of decolonial
movement, life and work of the philosopher and the possible articulations between his thought and the work
of thinkers such as Aníbal Quijano, Enrique Dussel and Nelson Maldonado -Torres. We conclude pointing
the importance of the resumption of Vieira Pinto’s thought, especially for his contributions to the
development of public policies of humanization of the condition of existence of the masses of the
underdeveloped countries.
KEYWORDS: Álvaro Vieira Pinto; Decolonial Thought; Enrique Dussel; National Development.
INTRODUÇÃO
1
Bacharel em Psicologia pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). Mestrando em Educação
Profissional e Tecnológica pelo Instituto Federal do Triângulo Mineiro (IFTM). E-mail: brenobac@gmail.com.
2
Graduado em filosofia pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Mestre e doutor em Filosofia pela
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pós-doutorado em Ciências Humanas pela UFU. Docente do
Instituto Federal do Triângulo Mineiro (IFTM) – Campus Uberlândia. E-mail: adrianomartins@iftm.edu.br
Revista Akeko | Rio de Janeiro, v.2, n.1, Set. 2019 | ISSN 2595-2757
509
Revista Akeko | Rio de Janeiro, v.2, n.1, Set. 2019 | ISSN 2595-2757
510
3
Sobre a atuação de Álvaro Vieira Pinto como tradutor, remetemos o leitor à página da Rede de Estudos Sobre
Álvaro Vieira Pinto dedicada ao tópico: http://www.alvarovieirapinto.org/traducoes/
4
Link para a página: http://www.alvarovieirapinto.org/.
5
Link para o grupo: https://www.facebook.com/groups/alvarovieirapinto/.
Revista Akeko | Rio de Janeiro, v.2, n.1, Set. 2019 | ISSN 2595-2757
511
Revista Akeko | Rio de Janeiro, v.2, n.1, Set. 2019 | ISSN 2595-2757
512
A extensão deste trabalho não comporta uma discussão mais ampla acerca do
movimento decolonial, por isso nos contentaremos em oferecer uma visão geral e bastante
condensada. Entendemos o movimento decolonial como sendo um processo social,
cultural, político e filosófico que luta pela melhoria das condições de existência dos povos
dos países subdesenvolvidos, tanto os nativos quanto os diaspóricos (COSTA &
MARTINS, 2018).
Uma constatação básica é a de que, apesar do fim do colonialismo enquanto sistema
sócio-político, ainda persistem diversas estruturações de poder gestados na modernidade
colonial e que se manifestam tanto nas relações sociais, econômicas e políticas, quanto na
produção e assimilação do conhecimento ou na experiência básica individual de cada
pessoa em escala global. Estamos, portanto, em face à colonialidade, que “se refere aos
padrões duradouros de poder que emergiram como resultado do colonialismo, mas que
definem cultura, trabalho, relações intersubjetivas e produção de conhecimento muito além
dos limites estritos das administrações coloniais” (MALDONADO-TORRES 2007, p.
243). A descolonização indica, embora em termos francamente metropolitanos, o processo
de reversão da dominação colonial; já a decolonização se refere ao processo de denúncia
e superação da colonialidade que ainda persiste apesar do fim do colonialismo.
Diferentes grupos, a partir de variadas situações de fala e matrizes conceituais, têm
realizado críticas que entendemos ser decoloniais, como o grupo de estudos pós -coloniais,
de origem britânica; as epistemologias do sul, bastante vinculadas à produção de
Boaventura Sousa Santos e Maria Paula Meneses; os estudos subalternos, mais ligados ao
contexto indiano; e o grupo modernidade/colonialidade, que é o mais próximo ao contexto
latinoamericano (BALLESTRIN, 2013). Todos eles, portanto, são englobados pelo
conceito de movimento decolonial, sendo que o último grupo foi o que levou mais adiante
o processo de denúncia, crítica e superação da colonialidade, oferecendo a alternativa mais
ousada de superação do cânone eurocêntrico.
Entendemos que, especialmente no âmbito intelectual, o movimento decolonial
permite aos condenados da terra (FANON, 2005), aos esfarrapados do mundo (FREIRE,
2016), aos habitantes do vale de lágrimas (VIEIRA PINTO, 2008), aos parasitados
socialmente (BOMFIM, 2008) “aprenderem a dizer a própria palavra”, conforme o título
do prefácio de “Pedagogia do Oprimido” (FREIRE, 2016), o que significa re-conhecer que,
Revista Akeko | Rio de Janeiro, v.2, n.1, Set. 2019 | ISSN 2595-2757
513
muito embora o eurocentrismo surgido a partir da modernidade tenha feito com que a
filosofia europeia, a cultura europeia e o modelo de sociedade europeu foram amplificados
e hipostatizados à própria noção de filosofia, de cultura e ao próprio modelo de sociedade
(DUSSEL, 2017, p. 87), outros modos são tão autênticos quanto.
Revista Akeko | Rio de Janeiro, v.2, n.1, Set. 2019 | ISSN 2595-2757
514
existência de raças humanas e que concebe que algumas são propensas à direção e outras
à subalternidade, algumas à conquista e outras à submissão. Vieira Pinto aborda este tópico
especialmente em “A Sociologia dos Países Subdesenvolvidos”, mostrando como, a partir
de uma transladação embusteira da biologia para a sociologia, é feita a escamoteação do
quadro de espoliação econômica que amarga os contornos existenciais das nações
rapinadas. Ao invés de ser reconhecido o fato de que os europeus espoliam
economicamente os “povos de cor” e que isto é responsável pela sua miséria, são utilizados
outros expedientes ideológicos, como a justificativa da raça, que no caso dos países pobres
é inferior, ou propensa à preguiça, suscetível, ao clima, que dificulta o progresso, à posição
geográfica etc. (2008, p. 87 e segs.). Portanto temos aqui a constatação reflexiva de que a
explicação oferecida pelos pensadores metropolitanos para o estado de
subdesenvolvimento e, concomitantemente para a sua superioridade, é fruto de uma
ideologia escamoteadora da dinâmica real de espoliação econômica dos países
subdesenvolvidos. Já acerca da expropriação vivida pelo trabalhador dos frutos de sua
labuta, podemos recorrer ao ensaio de Vieira Pinto intitulado “Por que os ricos não fazem
greve?” (1962b). Nele o autor demonstra que a ação grevista é específica dos grupos
trabalhadores, pois sociologicamente os ricos não trabalham, capitalizando ao invés disso,
o que é feito pela exploração do labor daqueles que permanecerão pobres.
A partir disso, vemos surgir a relevância de duas linhas de investigação a que deve
se dedicar o movimento decolonial; o porquê do atraso dos países subdesenvolvidos e o
porquê da superioridade das nações metropolitanas. Neste ponto temos algumas
considerações a fazer para não cairmos em reducionismos. Entendemos que o atraso deve
ser visto em perspectiva das conquistas mais adiantadas pela Humanidade, aquilo que pode
ser facultado à totalidade humana de uma maneira geral, e não como sendo um caminho
linear e já preestabelecido, quase sempre pelos exploradores metropolitanos, a ser seguido
pelas nações atrasadas. Já rechaçamos a falácia desenvolvimentista, cremos ser
desnecessário retomar o tema. O atraso significa a falta ou impossibilidade de acesso aos
bens, e aqui entendemos este termo de acordo com as elucidações de Álvaro Vieira Pinto
(2008, p. 304 e segs.), mais adiantados que a comunidade humana produziu até então, o
que envolve as condições políticas de perda de soberania ou a privação do exercício do
trabalho para si por que passam as nações espoliadas. Além disso, a categoria dialética de
totalidade, ou seja, aquela que “considera qualquer problema particular da realidade sob o
ângulo de percepção do todo de que participa e que o engendra” (VIEIRA PINTO, 1969,
Revista Akeko | Rio de Janeiro, v.2, n.1, Set. 2019 | ISSN 2595-2757
516
p. 327), torna necessário considerar que as duas linhas tem como aspecto essencial sua
interatuação. É preciso considerar, para abordar o relacionamento entre atraso dos países
subdesenvolvidos e a superioridade dos metropolitanos, a correlação entre os diversos
processos nacionais, evitando comparações qualitativas ineptas e mal-ajambradas; as
formas de aproveitamento dos recursos disponíveis em cada contorno nacional; a
consciência política que move cada projeto nacional e a congregação de esforços sólida ou
dispersa que caracteriza tal consciência.
Essas considerações permitem-nos concluir que motivos objetivos levaram algumas
comunidades nacionais em que se fragmenta a comunidade humana a apresentarem graus
de desenvolvimento desiguais. Álvaro Vieira Pinto, neste contexto, afirma que “a
ascendência dos países mais ricos se deve a um processo de espoliação das áreas que irão
permanecer atrasadas” (1969, p. 328), indicando explicitamente o passado colonial,
marcado pelo esmagamento de culturas autóctones e exploração econômica por forças não -
nacionais, como sendo o fator responsável pela superioridade econômica e cultural de uns
e a subalternidade de outros (1969, p. 253). Eis-nos em face ao desnudamento da
indissociabilidade entre modernidade e colonialidade, quando “a experiência humana de
4500 anos de relações políticas, econômicas, tecnológicas, culturais do ‘si stema inter-
regional’ será agora hegemonizada pela Europa – que nunca tinha sido ‘centro’ e que, nos
melhores tempos, só chegou a ser ‘periferia’” (DUSSEL, 2012, p. 53).
As aproximações entre Dussel e Vieira Pinto são numerosas, por exemplo a crítica
que ambos fazem ao academicismo ocioso e estéril, descomprometido com a realidade
nacional e seus problemas (DUSSEL, 2012, p. 66; VIEIRA PINTO, 1962a, p. 40 e segs.);
a denúncia e rechaço ao eurocentrismo fundado em uma universalidade abstrata humana
em geral, mas que se trata, na verdade, de uma universalização meramente social, europeia
especificamente, e não lógica, forjando-se assim, um padrão europeu (DUSSEL, 2012, p.
69; 2017, p. 87; VIEIRA PINTO, 2005, vol. I, p. 229, 418); a já citada crítica à falácia
desenvolvimentista; a crítica à adoração mística ao proletariado (DUSSEL, 2012, p. 336;
VIEIRA PINTO, 1960, vol. I, p. 144); e tantos outros pontos. Ressaltamos que até mesmo
em relação à ética é possível vislumbrar aproximações entre os dois autores; tema que
estamos trabalhando e em breve publicaremos. Por fim, mas longe de pretender exaurir
esta aproximação, há que se considerar a produção de Constâncio (1984), que discute a
proximidade entre as concepções de filosofia e libertação segundo Dussel e Vieir a Pinto.
Revista Akeko | Rio de Janeiro, v.2, n.1, Set. 2019 | ISSN 2595-2757
517
Revista Akeko | Rio de Janeiro, v.2, n.1, Set. 2019 | ISSN 2595-2757
518
Nesta mesma linha de raciocínio, outro ponto de convergência entre Fanon e Vieira
Pinto se refere ainda à intelectualidade do país oprimido, pois, Fanon denuncia que em seu
monólogo narcisista a burguesia colonialista acaba por cristalizar a ideia de que:
as essências permanecem eternas, a despeito de todos os erros imputáveis aos
homens. As essências ocidentais, é claro. O colonizado aceitava a justeza dessas
ideias e podia-se descobrir, num recanto do seu cérebro, uma sentinela vigilante
encarregada de defender o pedestal greco-latino. Ora, ocorre que, durante a luta
de libertação, no momento em que o colonizado retoma contato com seu povo,
essa sentinela falsa se pulveriza (FANON, 2005, p. 63).
Revista Akeko | Rio de Janeiro, v.2, n.1, Set. 2019 | ISSN 2595-2757
519
Revista Akeko | Rio de Janeiro, v.2, n.1, Set. 2019 | ISSN 2595-2757
520
Provoca bastante raiva, a raiva digna de que fala Paulo Freire (2017), o fato de que
o ISEB propunha discussões já no final da década de 1950 sobre colonialismo e alienação
cultural, ideologia do colonialismo, colonialismo e nacionalismo, aspectos sociológicos do
imperialismo 6, dentre outros temas que demonstram ser bastante próximos às discussõ es
decoloniais, mas foi uma instituição vilipendiada ao longo do processo que culminou no
Golpe de 1964, e partir daí sufocada com um véu do esquecimento. Por isso advogamos a
necessidade de re-pensar os fundamentos das críticas progressistas que o Brasil precisa.
Há toda uma geração de pensadores isebianos que foram silenciados pela ditadura e
deliberadamente negligenciados por pensadores interessados em escamotear toda a
produção nacionalista e fazer aceder no lugar uma visão cosmopolita, “pauliuspiana”, que
nega qualquer originalidade aos brasileiros e qualquer possibilidade de pensar os graves
problemas brasileiros na perspectiva dos interesses nacionais, resguardando, ao invés
disso, como consequência inevitável, interesses estrangeiros. Fernando Henriq ue Cardoso
(2016), por exemplo, justificou tal negligência explicitando sua crença de que no ISEB
fazia-se ideologia, enquanto na USP fazia-se ciência. Tal afirmação só pode vir de alguém
tão inepto quanto os que acreditam em neutralidade ideológica.
Para encerrar esta breve enumeração de aproximações entre Álvaro Vieira Pinto e
o pensamento decolonial, citemos novamente Fanon, quando diz que “o intelectual
colonizado que quer fazer uma obra autêntica deve saber que a verdade nacional é,
primeiramente, a realidade nacional. Ele deve ir até o lugar em ebulição onde se prefigura
o saber” (2005, p. 259).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A extensão deste texto não nos permite ir mais adiante na tarefa de aproximação
das reflexões de Álvaro Vieira Pinto ao pensamento decolonial. Entretanto, cremos ser
clara a necessidade da reconsideração do filósofo brasileiro como uma figura de destaque
para esse empreendimento. Acima de tudo, não apenas a crítica ao já estabelecido, é preciso
ir à sua superação, a proposição do novo, e neste ponto Vieira Pinto tem muito a dizer.
6
Cf. projeto de lei em que são citadas algumas das atividades do ISEB. Texto resgatado por Ariel Herbert e
postado no Grupo da Rede de Estudos Sobre Álvaro Vieira Pinto no Facebook.
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=5B2B3D5BBEA4EF7E0F646F4BA
2DF93AC.proposicoesWebExterno1?codteor=1203098&filename=Dossie+-PL+2714/1961.
Revista Akeko | Rio de Janeiro, v.2, n.1, Set. 2019 | ISSN 2595-2757
521
Revista Akeko | Rio de Janeiro, v.2, n.1, Set. 2019 | ISSN 2595-2757
522
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
______. Filosofia da Libertação: crítica à ideologia da exclusão. São Paulo: Paulus, 2017.
CARDOSO, F. Entrevista com Fernando Henrique Cardoso. Política & Sociedade, Vol. 15
- Nº 34 - Set./Dez. de 2016. Entrevista Concedida a Marcos Antônio Beal.
______. Por que os ricos não fazem greve? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1962b.
______. Sete lições sobre educação de adultos. 6. ed. São Paulo: Cortez, 1989.
Revista Akeko | Rio de Janeiro, v.2, n.1, Set. 2019 | ISSN 2595-2757