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ÁLVARO VIEIRA PINTO E O PENSAMENTO DECOLONIAL

Breno Augusto da Costa1


Adriano Eurípedes Medeiros Martins2

RESUMO
Neste trabalho demonstramos a pertinência das reflexões do filósofo brasileiro Álvaro Vieira Pinto para o
pensamento decolonial. Nosso itinerário reflexivo contemplou uma breve conceituação de movimento
decolonial, vida e obra do filósofo e as articulações possíveis entre seu pensar e a obra de pensadores como
Aníbal Quijano, Enrique Dussel e Nelson Maldonado-Torres. Encerramos assinalando a relevância da
retomada do pensar de Vieira Pinto, especialmente por suas contribuições para o des envolvimento de
políticas públicas de humanização das condições de existência das massas dos países subdesenvolvidos.
PALAVRAS-CHAVE: Álvaro Vieira Pinto; Pensamento Decolonial; Enrique Dussel; Desenvolvimento
Nacional.

RESUMEN
En este trabajo desmonstramos la pertinencia de las reflexiones del filosofo brasileño Álvaro Vieira Pinto
para el pensamiento decolonial. Nuestro caminho reflexivo contempló una breve conceptuación de
movimiento decolonial, vida y obra del filosofo e las articulaciones possibles e ntre su pensar e la obra de
pensadores como Aníbal Quijano, Enrique Dussel y Nelson Maldonado-Torres. Encerramos puntando la
relevancia de la retomada del pensar de Vieira Pinto, especialmente por sus contribuciones para el desarollo
de politicas publicas de humanización de las condiciones de existencia de las massas de los países
subdesarollados.
PALABRAS-CLAVE: Álvaro Vieira Pinto; Pensamiento Decolonial; Enrique Dussel; Desenvolvimiento
Nacional.

ABSTRACT
In this work we demonstrate the relevance of the reflections of the Brazilian philosopher Álvaro Vieira
Pinto to the decolonial thought. Our reflexive path contemplated a brief conceptualization of decolonial
movement, life and work of the philosopher and the possible articulations between his thought and the work
of thinkers such as Aníbal Quijano, Enrique Dussel and Nelson Maldonado -Torres. We conclude pointing
the importance of the resumption of Vieira Pinto’s thought, especially for his contributions to the
development of public policies of humanization of the condition of existence of the masses of the
underdeveloped countries.
KEYWORDS: Álvaro Vieira Pinto; Decolonial Thought; Enrique Dussel; National Development.

INTRODUÇÃO

A desgraça da exploração deve acabar para todos os homens


Álvaro Vieira Pinto

1
Bacharel em Psicologia pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). Mestrando em Educação
Profissional e Tecnológica pelo Instituto Federal do Triângulo Mineiro (IFTM). E-mail: brenobac@gmail.com.
2
Graduado em filosofia pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Mestre e doutor em Filosofia pela
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pós-doutorado em Ciências Humanas pela UFU. Docente do
Instituto Federal do Triângulo Mineiro (IFTM) – Campus Uberlândia. E-mail: adrianomartins@iftm.edu.br
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O objetivo deste trabalho é demonstrar a pertinência das reflexões do filósofo


brasileiro Álvaro Vieira Pinto (1909-1987) para o pensamento decolonial. Iniciaremos
tratando da sua vida e obra, apresentando ao leitor aquele que entendemos ser um dos
principais pensadores para o Brasil atual. Em seguida, elaboraremos nossa compreensão
de movimento e pensamento decolonial para, finalmente, realizarmos a efetiva
demonstração de como esse autor é pertinente e contribui para este pensamento.

VIDA E OBRA DE ÁLVARO VIEIRA PINTO

Nascido em Campos dos Goytacazes, estado do Rio de Janeiro, em 11 de novembro


de 1909, Álvaro Borges Vieira Pinto teve formação inicial marcada por um forte
humanismo clássico, tendo aprendido na escola latim, grego e francês. Posteriormente, ao
finalizar seus estudos escolares, viajou com a família para São Paulo, onde manteve contato
com ícones da Semana da Arte Moderna. Na segunda metade da década de 1920 inicia seus
estudos acadêmicos em medicina na Faculdade Nacional de Medicina. Depois de formado,
tenta, sem sucesso, atuar como clínico, passando então à atuação na investigação científica
sobre o câncer. Paralelamente forma-se em Física e Matemática na antiga Universidade do
Distrito Federal. Posteriormente passa a lecionar lógica, primeiro na Universidade do
Distrito Federal e depois na Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil
(atual UFRJ). Com o advento da Segunda Grande Guerra Europeia (1939 -1945) esta
instituição sofre alterações no seu quadro docente e então Vieira Pinto assume a cadeira de
História da Filosofia. Em 1949 realiza um ano de estudos na Universidade de Sorbonne,
França. Ao retornar ao Brasil, defende uma tese sobre a dinâmica na cosmologia de Platão,
obtendo o título de catedrático de História da Filosofia (CÔRTES, 2003; VIEIRA PINTO,
1982).
Até então, o filósofo era reconhecido como um grande helenista, mas em 1955
aceita o convite de Roland Corbisier para chefiar o departamento de filosofia do Instituto
Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), instituição cujo objetivo era o estudo, ensino e
divulgação das ciências sociais com o fim de aplicar as categorias e dados dessas ciências
na análise e compreensão crítica da realidade brasileira, visando também promover o
desenvolvimento nacional. Em 1956 profere conferências sobre filosofia contemporânea
na Universidade Colombiana e na Universidade Nacional do Paraguai, recebendo desta
última o título de doutor honoris causa. Mais tarde, ainda em 1956, em 14 de maio, profere

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no auditório do Ministério da Educação a conferência intitulada “Ideologia e


Desenvolvimento Nacional”, posteriormente publicada como opúsculo. A partir deste
período a produção do filósofo se volta cada vez mais à realidade nacional. Do período
isebiano da vida do filósofo vem à luz também a publicação de “Consciência e Realidade
Nacional” (1960), em dois volumes, que pode ser considerada sua obra magna, “A Questão
da Universidade” (1962a) e “Por que os Ricos não Fazem Greve?” (1962b) (CÔRTES,
2003; FAVERI, 2014; VIEIRA PINTO, 1982).
Com o golpe parlamentar-militar de 1964 o ISEB foi fechado de imediato. A
ditadura imperialista-militar que se sucedeu forçou o filósofo a amargar o exílio,
inicialmente na Iugoslávia, durante um ano, e posteriormente no Chile, onde trabalhou
junto ao CELADE, Centro Latinoamericano de Demografia. Neste mesmo período
conviveu com Paulo Freire, que o chamou de mestre brasileiro em “Pedagogia do
Oprimido” (2016, p. 101). O filósofo retornou ao Brasil em 1968, com severas restrições
de atuação profissional, vindo a ser, posteriormente, aposentado compulsoriamente. Então
o filósofo fecha-se em seu apartamento e passa a dedicar-se à tradução 3 e escrita de algumas
obras, na sua maioria inéditas, até morrer em 11 de junho de 1987. Deste período podemos
citar a publicação de “Ciência e Existência” (1969); “El Pensamiento Critico en
Demografia” (1973), publicado em espanhol e com pouca entrada no Brasil; e “Sete Lições
Sobre a Educação de Adultos”, livro de maior divulgação do filósofo, a julgar pelo número
de edições que alcançou, e que contém uma entrevista em que ele menciona que havia
escrito ainda “A Educação Para um País Oprimido”, “Considerações Éticas Para um Povo
Oprimido”, “A Crítica da Existência”, “Filosofia Primeira” e, por fim, “O Conceito de
Tecnologia” (2005) e “A Sociologia dos Países Subdesenvolvidos” (2008), estes dois
publicados postumamente e que, certamente, tiveram papel decisivo na retomada do
pensamento do filósofo (CÔRTES, 2003; VIEIRA PINTO, 1982).
Eis uma rápida tematização da vida e obra de Álvaro Vieira Pinto. Remetemos o
leitor ao trabalho de Rodrigo Gonzatto e Luiz Merkle (2016) para um estudo
biobibliográfico pormenorizado. Ademais ressaltamos o papel da Rede de Estudos Sobre
Álvaro Vieira Pinto, que hospeda uma página na internet com diferentes conteúdos sobre
o filósofo 4, um grupo no Facebook 5, além de outros recursos.

3
Sobre a atuação de Álvaro Vieira Pinto como tradutor, remetemos o leitor à página da Rede de Estudos Sobre
Álvaro Vieira Pinto dedicada ao tópico: http://www.alvarovieirapinto.org/traducoes/
4
Link para a página: http://www.alvarovieirapinto.org/.
5
Link para o grupo: https://www.facebook.com/groups/alvarovieirapinto/.
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Agora explicaremos o porquê de Álvaro Vieira Pinto ser um dos principais


pensadores para o Brasil atual. Em primeiro lugar cumpre assinalar que Vieira Pinto não é
um pensador do Brasil atual, pois ele não pode pensar mais nossa realidade. Mas, apesar
de já ter morrido há mais de 30 anos, entendemos que Vieira Pinto desenvolveu diversas
reflexões atualíssimas para o Brasil atual, das quais realçaremos especificamente suas
reflexões sobre educação, tecnologia, desenvolvimento nacional e, justamente o tema
principal deste trabalho; pensamento decolonial.
Sobre a educação, há que se considerar especialmente a já citada difusão de “Sete
Lições Sobre a Educação de Adultos” (1982). De nossa parte, expressamos que temos
utilizado seu pensar como base para nossa atuação como educadores de educadores no
âmbito da educação especial inclusiva (COSTA, 2017), o que se justifica pela abordagem
crítica que o autor realiza do tema.
Sobre a tecnologia, ressaltamos que “O Conceito de Tecnologia” (2005) é um
tratado sobre o tema, que aborda tópicos como técnica, cibernética, automação, inteligência
artificial, dentre outros, que tornam a obra relevante para diferentes campos, não apenas
das ciências exatas, ligadas à chamada inovação tecnológica, mas também às ciências
humanas e sociais, pois o autor se propõe a examinar a questão da técnica no horizonte da
produção da existência humana, que é sempre desenvolvida a partir de determinados
suportes sociais.
Acerca do desenvolvimento nacional, entendemos que, rechaçando a falácia
desenvolvimentista (DUSSEL, 2012, p. 82; VIEIRA PINTO, 2008, p. 174), o filósofo foi
capaz de assinalar em duas obras (1956; 1960) como o desenvolvimento deve ser entendido
como a busca por melhores condições de existência para as massas dos países
subdesenvolvidos, como é o caso brasileiro. Ressaltamos que para tal melhoria é
imprescindível atentar para a necessidade da garantia dos direitos humanos básicos, pois
desenvolvimento nacional não equivale a crescimento econômico. É preciso um projeto de
determinada comunidade para este fim e este projeto deve considerar as melhorias nas
condições de existência das massas.
Finalmente, sobre o pensamento decolonial, entendemos que o filósofo brasileiro
deve ocupar lugar de destaque neste campo, entretanto devemos, antes de mais nada,
realizar a própria conceituação de movimento decolonial.

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O CONCEITO DE MOVIMENTO DECOLONIAL

A extensão deste trabalho não comporta uma discussão mais ampla acerca do
movimento decolonial, por isso nos contentaremos em oferecer uma visão geral e bastante
condensada. Entendemos o movimento decolonial como sendo um processo social,
cultural, político e filosófico que luta pela melhoria das condições de existência dos povos
dos países subdesenvolvidos, tanto os nativos quanto os diaspóricos (COSTA &
MARTINS, 2018).
Uma constatação básica é a de que, apesar do fim do colonialismo enquanto sistema
sócio-político, ainda persistem diversas estruturações de poder gestados na modernidade
colonial e que se manifestam tanto nas relações sociais, econômicas e políticas, quanto na
produção e assimilação do conhecimento ou na experiência básica individual de cada
pessoa em escala global. Estamos, portanto, em face à colonialidade, que “se refere aos
padrões duradouros de poder que emergiram como resultado do colonialismo, mas que
definem cultura, trabalho, relações intersubjetivas e produção de conhecimento muito além
dos limites estritos das administrações coloniais” (MALDONADO-TORRES 2007, p.
243). A descolonização indica, embora em termos francamente metropolitanos, o processo
de reversão da dominação colonial; já a decolonização se refere ao processo de denúncia
e superação da colonialidade que ainda persiste apesar do fim do colonialismo.
Diferentes grupos, a partir de variadas situações de fala e matrizes conceituais, têm
realizado críticas que entendemos ser decoloniais, como o grupo de estudos pós -coloniais,
de origem britânica; as epistemologias do sul, bastante vinculadas à produção de
Boaventura Sousa Santos e Maria Paula Meneses; os estudos subalternos, mais ligados ao
contexto indiano; e o grupo modernidade/colonialidade, que é o mais próximo ao contexto
latinoamericano (BALLESTRIN, 2013). Todos eles, portanto, são englobados pelo
conceito de movimento decolonial, sendo que o último grupo foi o que levou mais adiante
o processo de denúncia, crítica e superação da colonialidade, oferecendo a alternativa mais
ousada de superação do cânone eurocêntrico.
Entendemos que, especialmente no âmbito intelectual, o movimento decolonial
permite aos condenados da terra (FANON, 2005), aos esfarrapados do mundo (FREIRE,
2016), aos habitantes do vale de lágrimas (VIEIRA PINTO, 2008), aos parasitados
socialmente (BOMFIM, 2008) “aprenderem a dizer a própria palavra”, conforme o título
do prefácio de “Pedagogia do Oprimido” (FREIRE, 2016), o que significa re-conhecer que,

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muito embora o eurocentrismo surgido a partir da modernidade tenha feito com que a
filosofia europeia, a cultura europeia e o modelo de sociedade europeu foram amplificados
e hipostatizados à própria noção de filosofia, de cultura e ao próprio modelo de sociedade
(DUSSEL, 2017, p. 87), outros modos são tão autênticos quanto.

O PENSAMENTO DECOLONIAL DE ÁLVARO VIEIRA PINTO

Para efetivamente tratarmos do objetivo principal deste trabalho, ou seja,


realizarmos a demonstração da pertinência das reflexões de Álvaro Vieira Pinto para o
pensamento decolonial, poderíamos partir de diferentes pontos reflexivos. Entretanto,
escolhemos uma citação bastante significativa do próprio filósofo brasileiro para iniciar tal
empreendimento, pois, entendemos, sintetiza tanto o seu modo de pensar, as constatações
reflexivas a que chegou, quanto duas linhas importantíssimas de investigação a que deve
se debruçar o movimento decolonial. Vieira Pinto afirma que “o dever dos pensadores
críticos está em arremeter contra essa inércia mental que, na verdade protege uma
clamorosa falsidade histórica. Tão importante quanto elaborar a teoria do atraso do povo
pobre é elaborar a da superioridade das nações metropolitanas” (2005, vol. I, p. 328). Para
entendermos plenamente esta citação, e explicitar o modo de pensar do filósofo, deveremos
contextualizá-la em meio à totalidade da obra de que foi retirada. Oriunda do capítulo IV
de “O Conceito de Tecnologia”, em que o autor se propõe a deslindar quatro acepções
possíveis do termo “tecnologia”, ou seja, tecnologia enquanto a ciência da técnica;
tecnologia como equivalente pura e simplesmente à técnica; tecnologia enquanto o
conjunto de todas as técnicas de que dispõe determinada sociedade em qualquer fase de
seu desenrolar histórico; e tecnologia enquanto ideologização da técnica, tal citação se
insere na discussão específica do último significado. Nele o autor vinha discutindo as
formas como as nações dominantes, e isso é feito também através de grupos empresariais
lá sediados, diga-se de passagem, ao passo em que exportam tecnologia para os países
subdesenvolvidos, exportam também a ideologia que lhes convém, como a ideia de que só
as nações desenvolvidas podem produzir tecnologia, conceituá-la, e de quebra oferecer aos
países subdesenvolvidos os modelos políticos que, se seguidos, garantirão seu
desenvolvimento. Vieira Pinto advoga a necessidade dos povos habitantes das nações
exploradas desenvolverem a consciência de si, ao invés de simplesmente assimilar o
pensamento alheio. Aqui temos uma antecipação extremamente lúcida do giro decolonial,

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tópico caro ao movimento decolonial (BALLESTRIN, 2013); o filósofo reconhece que,


mesmo nas condições deploráveis de existência do povo de um país como o Brasil, é
possível exprimir daí sua compreensão de mundo. Desta forma o autor manifesta, tal como
em outras obras, a importância daquilo que entendemos como o “situar-se decolonial”. O
modo de pensar de Vieira Pinto amiúde lança mão deste situar-se que não apenas dá voz
aos povos oprimidos, mas também suscita o processo de tomada da consciência de si e o
protagonismo para o desenvolvimento nacional.
O situar-se decolonial é um processo que se inicia pela atitude de conscientização
da realidade nacional oprimida, o que implica na denúncia dos diferentes traços de
colonialidade que podem aí manifestar-se, como nos âmbitos do saber, do poder, do ser
etc., e, ao mesmo tempo, aponta para a sua superação crítica. Vemos isso, por exemplo,
em “Consciência e Realidade Nacional” (1960, vol. II, p. 201 e segs.), quando o autor
assinala que o trabalho alienado tem sido objeto de investigação filosófica, entretanto, os
pensadores que se debruçaram sobre esse tema de capital importância originalmente o
fizeram a partir de uma perspectiva metropolitana. No caso dos países subdesenvolvidos:
o trabalhador é sobretudo despojado da oportunidade de modificar o estado
econômico do seu país, de contribuir para a alteração qualitativa deste. Há aqui
a alienação coletiva do trabalho, é o país todo que se priva do que é seu em
proveito de outrem, de quem o financia. Este segundo tipo de alienação, quase
totalmente ignorado pelos sociólogos dos centros dominantes, é primordial para
a nação periférica, supera o primeiro em importância, pois é causa de espoliação
geral, de alienação para todos (1960, vol. II, p. 203).

Assim, a alienação internacional do trabalho assume relevância primordial no caso


do trabalhador brasileiro, o que é diferente nos casos metropolitanos, como na Alemanha,
França ou Inglaterra, por exemplo. Tal constatação é bastante próxima à sexta interpelação
da filosofia da libertação proposta por Enrique Dussel, que considera a crescente distância
entre “a riqueza do capitalismo central do Norte e a crescente miséria do capitalismo
periférico do Sul” (2017, p. 69, grifos no original). Na mesma obra o filósofo argentino
cita outras cinco interpelações: a luta contra o racismo; contra a opressão da mulher; em
prol do trabalhador que se vê expropriado de forma injusta dos frutos do seu trabalho; em
prol das futuras gerações, através do empreendimento ecológico; contra o eurocentrismo
acadêmico, filosófico e cultural e seu sucedâneo estadunidense, todas elas, diga-se de
passagem, são abordadas pelos autores vinculados ao movimento decolonial e podem
receber contribuições do pensar de Álvaro Vieira Pinto. Por outro lado, ainda a partir do
situar-se decolonial, Vieira Pinto foi capaz de deslindar diferentes falsidades históricas,
como aquela, trabalhada também por Aníbal Quijano (2005), que denuncia a ideologia da
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existência de raças humanas e que concebe que algumas são propensas à direção e outras
à subalternidade, algumas à conquista e outras à submissão. Vieira Pinto aborda este tópico
especialmente em “A Sociologia dos Países Subdesenvolvidos”, mostrando como, a partir
de uma transladação embusteira da biologia para a sociologia, é feita a escamoteação do
quadro de espoliação econômica que amarga os contornos existenciais das nações
rapinadas. Ao invés de ser reconhecido o fato de que os europeus espoliam
economicamente os “povos de cor” e que isto é responsável pela sua miséria, são utilizados
outros expedientes ideológicos, como a justificativa da raça, que no caso dos países pobres
é inferior, ou propensa à preguiça, suscetível, ao clima, que dificulta o progresso, à posição
geográfica etc. (2008, p. 87 e segs.). Portanto temos aqui a constatação reflexiva de que a
explicação oferecida pelos pensadores metropolitanos para o estado de
subdesenvolvimento e, concomitantemente para a sua superioridade, é fruto de uma
ideologia escamoteadora da dinâmica real de espoliação econômica dos países
subdesenvolvidos. Já acerca da expropriação vivida pelo trabalhador dos frutos de sua
labuta, podemos recorrer ao ensaio de Vieira Pinto intitulado “Por que os ricos não fazem
greve?” (1962b). Nele o autor demonstra que a ação grevista é específica dos grupos
trabalhadores, pois sociologicamente os ricos não trabalham, capitalizando ao invés disso,
o que é feito pela exploração do labor daqueles que permanecerão pobres.
A partir disso, vemos surgir a relevância de duas linhas de investigação a que deve
se dedicar o movimento decolonial; o porquê do atraso dos países subdesenvolvidos e o
porquê da superioridade das nações metropolitanas. Neste ponto temos algumas
considerações a fazer para não cairmos em reducionismos. Entendemos que o atraso deve
ser visto em perspectiva das conquistas mais adiantadas pela Humanidade, aquilo que pode
ser facultado à totalidade humana de uma maneira geral, e não como sendo um caminho
linear e já preestabelecido, quase sempre pelos exploradores metropolitanos, a ser seguido
pelas nações atrasadas. Já rechaçamos a falácia desenvolvimentista, cremos ser
desnecessário retomar o tema. O atraso significa a falta ou impossibilidade de acesso aos
bens, e aqui entendemos este termo de acordo com as elucidações de Álvaro Vieira Pinto
(2008, p. 304 e segs.), mais adiantados que a comunidade humana produziu até então, o
que envolve as condições políticas de perda de soberania ou a privação do exercício do
trabalho para si por que passam as nações espoliadas. Além disso, a categoria dialética de
totalidade, ou seja, aquela que “considera qualquer problema particular da realidade sob o
ângulo de percepção do todo de que participa e que o engendra” (VIEIRA PINTO, 1969,

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p. 327), torna necessário considerar que as duas linhas tem como aspecto essencial sua
interatuação. É preciso considerar, para abordar o relacionamento entre atraso dos países
subdesenvolvidos e a superioridade dos metropolitanos, a correlação entre os diversos
processos nacionais, evitando comparações qualitativas ineptas e mal-ajambradas; as
formas de aproveitamento dos recursos disponíveis em cada contorno nacional; a
consciência política que move cada projeto nacional e a congregação de esforços sólida ou
dispersa que caracteriza tal consciência.
Essas considerações permitem-nos concluir que motivos objetivos levaram algumas
comunidades nacionais em que se fragmenta a comunidade humana a apresentarem graus
de desenvolvimento desiguais. Álvaro Vieira Pinto, neste contexto, afirma que “a
ascendência dos países mais ricos se deve a um processo de espoliação das áreas que irão
permanecer atrasadas” (1969, p. 328), indicando explicitamente o passado colonial,
marcado pelo esmagamento de culturas autóctones e exploração econômica por forças não -
nacionais, como sendo o fator responsável pela superioridade econômica e cultural de uns
e a subalternidade de outros (1969, p. 253). Eis-nos em face ao desnudamento da
indissociabilidade entre modernidade e colonialidade, quando “a experiência humana de
4500 anos de relações políticas, econômicas, tecnológicas, culturais do ‘si stema inter-
regional’ será agora hegemonizada pela Europa – que nunca tinha sido ‘centro’ e que, nos
melhores tempos, só chegou a ser ‘periferia’” (DUSSEL, 2012, p. 53).
As aproximações entre Dussel e Vieira Pinto são numerosas, por exemplo a crítica
que ambos fazem ao academicismo ocioso e estéril, descomprometido com a realidade
nacional e seus problemas (DUSSEL, 2012, p. 66; VIEIRA PINTO, 1962a, p. 40 e segs.);
a denúncia e rechaço ao eurocentrismo fundado em uma universalidade abstrata humana
em geral, mas que se trata, na verdade, de uma universalização meramente social, europeia
especificamente, e não lógica, forjando-se assim, um padrão europeu (DUSSEL, 2012, p.
69; 2017, p. 87; VIEIRA PINTO, 2005, vol. I, p. 229, 418); a já citada crítica à falácia
desenvolvimentista; a crítica à adoração mística ao proletariado (DUSSEL, 2012, p. 336;
VIEIRA PINTO, 1960, vol. I, p. 144); e tantos outros pontos. Ressaltamos que até mesmo
em relação à ética é possível vislumbrar aproximações entre os dois autores; tema que
estamos trabalhando e em breve publicaremos. Por fim, mas longe de pretender exaurir
esta aproximação, há que se considerar a produção de Constâncio (1984), que discute a
proximidade entre as concepções de filosofia e libertação segundo Dussel e Vieir a Pinto.

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A produção de Álvaro Vieira Pinto também pode contribuir para a discussão de


alternativas para a re-existência dos povos oprimidos. Catherine Walsh, discutindo este
conceito, afirma que, enquanto a resistência foi responsável pela sobrevivência dos valores
e cultura dos povos subjugados, é necessário que a práxis da decolonialidade atente para a
produção de novas configurações existenciais capazes de propor projetos outros de
sociedade e de vida apesar das condições adversas, como a desumanização, racialização e
discriminação (MIGNOLO & WALSH, 2018). O filósofo brasileiro amiúde pontua a
necessidade de alternativas locais de resistência às imposições e chantagens imperialistas,
assinalando alternativas libertadoras das condições de existência das massas oprimidas
(VIEIRA PINTO, 1960; 1969; 2005; 2008).
Outra linha reflexiva de Álvaro Vieira Pinto que converge com as produções de
autores do movimento decolonial é o papel desempenhado pelo escol da nação
subdesenvolvida que, quase invariavelmente, pode ser caracterizado como sabotador. O
filósofo afirma que:
a drenagem econômica do país subjugado não se consumaria com facilidade, se
não fossem previamente estabelecidas as condições políticas para a obtenção
desse resultado. Tais condições resumem-se na entrega do poder na área
saqueada a um grupo que se mancomuna com os extorquidores, em geral por eles
instalados na posição de mando que ainda ocupa, e opera sob as ordens da
potência exterior (2008, p. 265).

Os donos do poder dos países subdesenvolvidos são corrompidos pelas forças


interessadas na manutenção da colonialidade, agindo como verdadeiros solapadores do
projeto de libertação nacional. Poderíamos citar outras tantas passagens em que Vieira
Pinto mostra como agem os grupos dirigentes que intervém em favor de conveniências
estrangeiras (1960, vol. II, p. 236, 321; 2008, p. 98, 182, 237, 275, 319,). O autor denuncia
também como os grupos dominadores possuem sob sua influência e comando um séquito
de pensadores devotados a repetir as cantilenas ideológicas para a manutenção do quadro
de dominação, os quais, pelo menos no caso da sociologia, o filósofo emprega o termo de
“sociologetas”, pois são sociólogos e apologetas da dominação (FAVERI & NOSELLA,
2007; VIEIRA PINTO; 2008, p. 113 e seg.). Tais reflexões são bastante próximas às do
pensador latinoamericano Frantz Fanon, um dos grandes nomes do pensamento decolonial,
quando assinala a proximidade entre a burguesia do país subjugado e os colonizadores
(2005).

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Nesta mesma linha de raciocínio, outro ponto de convergência entre Fanon e Vieira
Pinto se refere ainda à intelectualidade do país oprimido, pois, Fanon denuncia que em seu
monólogo narcisista a burguesia colonialista acaba por cristalizar a ideia de que:
as essências permanecem eternas, a despeito de todos os erros imputáveis aos
homens. As essências ocidentais, é claro. O colonizado aceitava a justeza dessas
ideias e podia-se descobrir, num recanto do seu cérebro, uma sentinela vigilante
encarregada de defender o pedestal greco-latino. Ora, ocorre que, durante a luta
de libertação, no momento em que o colonizado retoma contato com seu povo,
essa sentinela falsa se pulveriza (FANON, 2005, p. 63).

Desta forma o autor expressa imperiosidade da tomada de consciência do povo


colonizado do valor da criação autóctone, pois esse aparato cultural cheio de pó helênico
não contribui em nada com a luta de libertação nacional. Vieira Pinto, por sua vez, discute
o modo como as universidades, instituição não raro a serviço das classes dominantes e
alheias ao povo, tendem a divulgar a falsa ideia dos valores eternos. Além do mais vale
ressaltar que, considerada a média dos expoentes universitários, é justo dizer que eles “só
sabem o que realmente não importa saber, porque o que entendem que importa saber é o
saber que importam do estrangeiro” (1962a, p. 43, grifos no original).
Tal como é possível perceber, na produção de Álvaro Vieira Pinto há um
comprometimento crítico com a questão da nacionalidade. Longe de cair em um nativismo
ou fascismo xenófobo, seu pensamento é sensível à constatação de que o ser humano é um
ser que está no mundo, e é no mundo que o ser humano deve ser, ou seja, produzir sua
existência. Eis uma assunção bastante óbvia derivada das reflexões da filosofia da
existência. Entretanto, corrigindo este conceito de procedência germânica a partir dos
recursos que são desvelados pela nossa própria língua, o filósofo demonstra como é
possível entender a diferença entre estar e ser no mundo, o que é vedado às línguas alemã,
inglesa e francesa, as hegemônicas do “ocidente”. Mostrando que o ser humano está no
mundo, isto é, localiza-se junto a entes animados e inanimados, que manifestam-se a partir
do ser inorgânico, orgânico e social, para ser no mundo, ou seja, constituir-se enquanto
existente no âmbito onde lhe é dado estar, o filósofo enriquece nosso entendimento acerca
da condição humana, deslindando o aspecto estático, estar no mundo e o aspecto dinâmico,
ser no mundo, da existência humana. Mais do que isso. Vieira Pinto mostra que o “mundo”
em que se situa o ser humano apenas abstratamente pode ser considerado nessa estéril e
abrangente generalidade; dito de maneira concreta, o mundo se apresenta ao ser humano
enquanto nação, pelo menos no presente período histórico, pois a abertura que permite o
desvelamento apreensivo da realidade depende justamente da categoria nacionalidade; a

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nação exerce a mediação entre eu e o mundo, eu e a compreensão do mundo, eu e a ação


que incide sobre o mundo. A questão da temporalidade também permite o desvelamento
da nacionalidade, pois a transformação da nação no decorrer do tempo histórico faculta ao
ser humano o apreender temporal, que é aspecto essencial da experiência humana. Segundo
Vieira Pinto: “não há uma verdade com respeito ao mundo como totalidade politica f inal,
porque ninguém vive diretamente nele, ninguém o tem por moldura referencial, mas todo
homem existe sempre em círculos mais estreitos, do qual aquele é apenas o envolvente
extremo” (1960, vol. II, p. 144).
Todas essas condensadíssimas reflexões foram retiradas de “Consciência e
Realidade Nacional” (vol. II) com o propósito de mostrar outro ponto de convergência
entre o pensamento de Álvaro Vieira Pinto e o movimento decolonial. Joaze Bernardino -
Costa, Nelson Maldonado-Torres e Ramón Grosfoguel, ao prefaciarem recente obra,
assinalam que diferentemente do “conhecimento desincorporado e sem localização
geopolítica, o projeto decolonial assume a necessidade de afirmação corpo-geopolítica para
a produção do conhecimento” (2018, p. 13), considerando o epist emicídio que foi
empreendido ao longo da dominação colonial, pois, assinala Vieira Pinto, “a batalha
econômica dos exploradores e poderosos nunca esteve separada de outra, a batalha pela
submissão cultural do mundo pobre” (2008, p. 63), processo este que foi deslindado
também por Dussel (2017, p. 30 e segs.), devemos rechaçar a universalidade corrompida e
ideológica que seria mais bem expressa pelo termo “europeidade”. Catherine Walsh
também pode ser assinalada como autora que traz reflexões convergentes a esta discussão
quando afirma que o fazer decolonial requer a consideração dos locais explícitos em que a
decolonialidade é trabalhada; de onde, com quem, e como as ações que abrem fissuras e
rachaduras no edifício moderno-colonial são empreendidas (MIGNOLO & WALSH,
2018).
Consideramos a busca por ser cosmopolita um grave equívoco com proporções
inimagináveis, pois sua influência danosa espalha-se por diferentes campos. No âmbito
intelectual se manifesta em um universalismo estúpido e descompromissado com o s
problemas e particularidades da realidade nacional, daí então surge uma compreensão
completamente tapada da realidade circunstante, ou seja, ao invés de examinar -se o
contexto em que o pensador vive e está inserido, parte-se da produção alheia, das ideias
alheias, isto é, do pensamento estrangeiro, quase sempre europeu ou estadunidense, para
então tentar fazer caber a realidade brasileira nesta formulação bizarra.

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Provoca bastante raiva, a raiva digna de que fala Paulo Freire (2017), o fato de que
o ISEB propunha discussões já no final da década de 1950 sobre colonialismo e alienação
cultural, ideologia do colonialismo, colonialismo e nacionalismo, aspectos sociológicos do
imperialismo 6, dentre outros temas que demonstram ser bastante próximos às discussõ es
decoloniais, mas foi uma instituição vilipendiada ao longo do processo que culminou no
Golpe de 1964, e partir daí sufocada com um véu do esquecimento. Por isso advogamos a
necessidade de re-pensar os fundamentos das críticas progressistas que o Brasil precisa.
Há toda uma geração de pensadores isebianos que foram silenciados pela ditadura e
deliberadamente negligenciados por pensadores interessados em escamotear toda a
produção nacionalista e fazer aceder no lugar uma visão cosmopolita, “pauliuspiana”, que
nega qualquer originalidade aos brasileiros e qualquer possibilidade de pensar os graves
problemas brasileiros na perspectiva dos interesses nacionais, resguardando, ao invés
disso, como consequência inevitável, interesses estrangeiros. Fernando Henriq ue Cardoso
(2016), por exemplo, justificou tal negligência explicitando sua crença de que no ISEB
fazia-se ideologia, enquanto na USP fazia-se ciência. Tal afirmação só pode vir de alguém
tão inepto quanto os que acreditam em neutralidade ideológica.
Para encerrar esta breve enumeração de aproximações entre Álvaro Vieira Pinto e
o pensamento decolonial, citemos novamente Fanon, quando diz que “o intelectual
colonizado que quer fazer uma obra autêntica deve saber que a verdade nacional é,
primeiramente, a realidade nacional. Ele deve ir até o lugar em ebulição onde se prefigura
o saber” (2005, p. 259).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A extensão deste texto não nos permite ir mais adiante na tarefa de aproximação
das reflexões de Álvaro Vieira Pinto ao pensamento decolonial. Entretanto, cremos ser
clara a necessidade da reconsideração do filósofo brasileiro como uma figura de destaque
para esse empreendimento. Acima de tudo, não apenas a crítica ao já estabelecido, é preciso
ir à sua superação, a proposição do novo, e neste ponto Vieira Pinto tem muito a dizer.

6
Cf. projeto de lei em que são citadas algumas das atividades do ISEB. Texto resgatado por Ariel Herbert e
postado no Grupo da Rede de Estudos Sobre Álvaro Vieira Pinto no Facebook.
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=5B2B3D5BBEA4EF7E0F646F4BA
2DF93AC.proposicoesWebExterno1?codteor=1203098&filename=Dossie+-PL+2714/1961.
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Enfatizamos a necessidade de uma nova política de desenvolvimento nacional. Já


salientamos que, de acordo com as reflexões de Vieira Pinto, o desenvolvimento nacional
deve ser entendido como a busca por melhores condições de existência para as massas dos
países subdesenvolvidos, o que deve ser alcançado através da modificação das relações
sociais em vista da sua humanização. É preciso considerar também que o
subdesenvolvimento não é primordialmente uma questão semântica ou conceitual, trata-se
na realidade, da situação vivida de milhões de brasileiros que veem a produção da sua
própria vida como uma luta constante, de forma que o filósofo pôde dizer que o projeto de
desenvolvimento nacional se trata de luta de vida ou morte para as massas que se encontram
em deploráveis condições de existência (VIEIRA PINTO, 1960, vol. II, p. 215). Diante
destas condições de existência, vislumbramos outro tópico que enfatiza a pertinência do
pensar do filósofo brasileiro ao pensamento decolonial. Ao passo em que se debruça sobre
o contexto vital das massas dos países subdesenvolvidos, considerando a imperiosidade de
cuidar para que o vital seja valorizado em sua condição material cheia de necessidades
básicas (DUSSEL, 2012), Vieira Pinto contribui diretamente (1960, 1969, 2005, 2008) para
o enfrentamento à necropolítica imposta pelos poderes imperialistas (MBEMBE, 2018).
Precisamos, por isso mesmo, de uma política outra.
Segundo Álvaro Vieira Pinto, política é “a capacidade que o homem adquire de
exercer conscientemente a direção do curso histórico da existência, levando -o a formas
mais perfeitas de convivência entre todos os indivíduos no ato da produção coletiva” (2005,
vol. I, p. 208), o que contempla, naturalmente, a estruturação das relações sociais; portanto
eis-nos em face à necessária luta pela transformação nacional rumo à libertação também
nacional, o que será garantido quando for atingido aquilo que Vieira Pinto entende como
sendo o princípio supremo de toda ética humanista: o de que o ser humano deve trabalhar
para si, não sendo espoliado dos frutos de seu trabalho e fazendo a si mesmo cada vez mais
rumo à verdadeira humanização, ou seja, realizando suas capacidades de bem -estar,
plenitude moral, fruição da felicidade e a criação cultural (1969, p. 343).
Deixemos de lado as máscaras brancas; nossas peles negras não precisam de
nenhum fingimento. Nossa identidade é legítima, nosso originário modo de ser é autêntico;
é preciso abandonar qualquer tentativa de ser europeu, de se comparar aos europeus ou
procurar a tutela de seus ídolos decadentes. É preciso buscar uma nova humanidade, porque
a Europa que fala constantemente de humanização, espezinha e humilha os seres humanos
em todos os cantos do globo, até mesmo em suas esquinas. Eis o que nos exorta Fanon em

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convergência com Álvaro Vieira Pinto, quando propõe a necessidade de um pensar


autóctone, da busca por criações conceituais capazes de suprimir diferentes embustes
ideológicos, inclusive os que querem nos fazer esquecer que “a desgraça da exploração
deve acabar para todos os homens” (VIEIRA PINTO, 2008, p. 94).

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