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Práticas em

TERAPIA OCUPACIONAL

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Práticas em
TERAPIA OCUPACIONAL

Organizadoras
Luma Carolina Câmara Gradim
Tamara Neves Finarde
Débora Couto de Melo Garrijo

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Copyright © Editora Manole Ltda., 2020, por meio de contrato com as
organizadoras
Editora-gestora: Sônia Midori Fujiyoshi
Projeto gráfico: Departamento Editorial da Editora Manole
Ilustrações: Luargraf Serviços Gráficos
Capa: Departamento de Arte da Editora Manole
Imagens da capa: iStock

CIP-Brasil. Catalogação na Publicação


Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

P925
Práticas em terapia ocupacional / organização Luma Carolina Câmara
Gradim, Tamara Neves Finarde, Débora Couto de Melo Carrijo. – 1. ed. –
Barueri [SP] : Manole, 2020.

Inclui índice
ISBN 9788520461105

1. Terapia ocupacional. I. Gradim, Luma Carolina Câmara. II. Finarde,


Tamara Neves. III. Carrijo, Débora Couto de Melo.
19-61678 CDD: 615.8515
CDU: 615.8515

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ou omissões ou por quaisquer consequências decorrentes da aplicação das
informações presentes nesta obra. É responsabilidade do profissional, com
base em sua experiência e conhecimento, determinar a aplicabilidade das
informações em cada situação.

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Organizadoras

Luma Carolina Câmara Gradim


Terapeuta Ocupacional pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro
(UFTM). Especialista em Terapia de Mão e Reabilitação Neurológica pela
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Doutoranda pelo Programa de
Pós-Graduação em Engenharia Elétrica pela Escola Politécnica da
Universidade de São Paulo (PPGEE/USP). Membro do Grupo de Pesquisa do
Centro Interdisciplinar em Tecnologias Interativas da Universidade de São
Paulo (CITI-USP). Experiência em Reabilitação Neurológica, Adequação
Postural, Terapia da Mão e Deficiência Visual.

Tamara Neves Finarde


Terapeuta Ocupacional pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro
(UFTM). Especialista em Promoção da Saúde e Cuidado na Atenção
Hospitalar pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
(FMUSP) e em Reabilitação de Membro Superior e Reabilitação Neurológica
pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Terapeuta Ocupacional
da empresa Associação de Assistência a Criança Deficiente (AACD) e
Preceptora do Programa de Residência Multiprofissional de Promoção da
Saúde e Cuidado na Atenção Hospitalar (FMUSP). Experiência na área de
Terapia Ocupacional Hospitalar, Reabilitação de Membros Superiores,
Terapia da Mão e Reabilitação Física.

Débora Couto de Melo Carrijo


Terapeuta Ocupacional pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
Professora do Departamento de Terapia Ocupacional (DTO) da UFSCar.
Atuou como Coordenadora da Terapia na Universidade de Araraquara
(Uniara) e Docente na Universidade de Uberaba (UNIUBE). Atuou como
Terapeuta Ocupacional no Hospital das Clínicas da FMRP/USP. Mestre em

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Ciências Médicas pela FMRP/USP. Doutora em Ciência pelo Programa
Interunidades em Bioengenharia da USP. Vice-Líder do Grupo de Pesquisa
Estudos em Terapia Ocupacional: Ocupação, Reabilitação Física, Tecnologia
Assistiva e Funcionalidade LAFATec-UFSCar.

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Colaboradores

Ana Filipa Nunes de Matos


Terapeuta Ocupacional pela Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico
de Beja/Portugal.

Ana Paula Pelegrini Ratier


Terapeuta Ocupacional pela Universidade de São Paulo (USP). Especialista
em Terapia de Mão pelo HC-FMUSP. Doutora em Ciências pela EEUSP.
Atua nas áreas de reabilitação física de baixa e média complexidade e Saúde
do Trabalhador. Terapeuta Ocupacional do Hospital Universitário.

André Fortini Propheta


Graduando em Terapia Ocupacional na Universidade Federal de São Carlos –
UFSCar.

Andressa Chodur
Terapeuta Ocupacional pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre
em Comportamento Motor/Aprendizagem Motora (UFPR). Pós-graduada em
Acupuntura (Faculdade Inspirar). Atuou como Terapeuta Ocupacional da
Associação Paranaense dos Portadores de Parkinsonismo. Preceptora de
Estágio de Graduandos de Terapia Ocupacional da UFPR. Terapeuta
Ocupacional do Hospital do Idoso Zilda Arns. Terapeuta Ocupacional no
CAPS/AD. Coordenadora do Curso de Pós-graduação Multidisciplinar em
Gerontologia da Faculdade Inspirar-Curitiba. Associada SBGG-PR.
Experiência na Área da Gerontologia, Neurologia e Reabilitação.

Beatriz Bagatini
Terapeuta Ocupacional pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
Mestranda em Educação Especial pelo Programa de Pós-Graduação de

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Educação Especial pela UFSCar (PPGe-UFSCar).

Camila Boarini dos Santos


Terapeuta Ocupacional pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita
Filho (Unesp-Marília). Mestranda do programa de Pós-Graduação em
Educação pela Unesp.

Camila Câmara Marques


Terapeuta Ocupacional pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro
(UFTM). Especialização em ABA – Análise do Comportamento Aplicada ao
Autismo, Atrasos de Desenvolvimento Intelectual e de Linguagem pela
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar-Instituto Lahmiei Autismo).
Terapeuta Ocupacional da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais
(APAE) – São Carlos/SP.

Carla Valle Franca Tamanaga


Terapeuta Ocupacional pela PUC-Campinas. Especialista em Terapia de Mão
e Membro Superior pela UNIFESP. Terapeuta Ocupacional das equipes
esportivas de alto rendimento do SESI-SP.

Carolina Cangemi Gregorutti


Terapeuta Ocupacional pela Unesp-Marília. Especialista em Terapia
Ocupacional: uma visão dinâmica em Neurologia pela FAMESP. Mestre e
Doutora em Educação pela Unesp-Marília. Docente Voluntária na
Universidade de Brasília (UnB), ministra Supervisão Clínica Individual e em
Grupo para Profissionais da Terapia Ocupacional. Consultora em Inclusão
para Empresas e Escolas no Distrito Federal.

Catarina Isabel da Conceição Batista Joaquim


Graduada em Educação e Comunicação Multimídia pela Escola Superior de
Educação do Instituto Politécnico de Beja/Portugal. Terapeuta Ocupacional
pela Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Beja/Portugal.

Cristina Yoshie Toyoda

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Terapeuta Ocupacional pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre e
Doutora pela USP. Professora Aposentada do Departamento de Terapia
Ocupacional da UFSCar e da UNESP. Pesquisadora no Campo da Disfunção
Física, desde 1974.

Daniel Marinho Cezar da Cruz


Terapeuta Ocupacional pela Universidade do Estado do Pará (UEPA).
Aperfeiçoamento Profissional pela Associação de Assistência à Criança
Deficiente (AACD) de São Paulo. Mestrado e Doutorado em Educação
Especial pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Pós-doutorado
pela Universidade de São Paulo (USP). Professor Adjunto, nível 03, do
Departamento de Terapia Ocupacional-DTO da UFSCar e do Programa de
Pós-Graduação em Terapia Ocupacional (PPGTO) da UFSCar (Mestrado e
Doutorado). Professor visitante na Wrexham Glyndwr University, País de
Gales, Reino Unido.

Daniela da Silva Rodrigues


Terapeuta Ocupacional pela UFSCar. Especialista em Terapia da Mão e
Reabilitação do Membro Superior (UFSCar). Especialista em Epidemiologia
em Saúde do Trabalhador pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Mestre em Engenharia de Produção pela UFSCar. Doutorado em andamento
pelo PPGTO/UFSCar. Integrou a equipe de Reabilitação Profissional do
Centro de Referência em Saúde do Trabalhador – CEREST-Piracicaba.
Capacitada no Processo de Investigação com o Modelo de Ocupação Humana
por Carmen Gloria de las Heras de Pablo (Profesora y Consultora
Internacional del MOHO). É membro da Corporação MOHO Chile.
Atualmente é docente do curso de graduação em Terapia Ocupacional na
Universidade de Brasília (UnB).

Daniela Tonizza de Almeida


Terapeuta Ocupacional pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
Especialista em Terapia Ocupacional com ênfase em Saúde Mental pela
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mestre em Engenharia de
Produção pela UFMG. Doutora em Psicologia pela UFMG. Terapeuta

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Ocupacional vinculada à Rede de Atenção Psicossocial e à preceptoria da
Residência Integrada de Saúde Mental da Prefeitura de Belo Horizonte, em
parceria com a Universidade Federal de Ouro Preto.

Débora Couto de Melo Carrijo


Terapeuta Ocupacional pela Universidade Federal de São Carlos
(UFSCar).Professora do Departamento de Terapia Ocupacional (DTO) da
UFSCar. Atuou como Coordenadora da Terapia na Universidade de
Araraquara (Uniara) e Docente na Universidade de Uberaba (UNIUBE).
Atuou como Terapeuta Ocupacional no Hospital das Clínicas da FMRP/USP.
Mestre em Ciências Médicas pela FMRP/USP. Doutora em Ciência pelo
Programa Interunidades em Bioengenharia da USP. Vice-líder do Grupo de
Pesquisa Estudos em Terapia Ocupacional: Ocupação, Reabilitação Física,
Tecnologia Assistiva e Funcionalidade LAFATec-UFSCar.

Ellen Cristina Ricci


Terapeuta Ocupacional pela Universidade de São Paulo (USP). Mestrado e
Doutorado pela Faculdade de Ciências Médicas – Departamento de Saúde
Coletiva da Unicamp (2015 e 2019). Professora da Ufpel.

Erika Renata Trevisan


Terapeuta Ocupacional pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
Especialista em Enfermagem Psiquiátrica pela Escola de Enfermagem da
Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Enfermagem Psiquiátrica pelo
Programa de Pós-graduação em Enfermagem da Escola de Enfermagem da
USP. Doutora em Atenção à Saúde pelo Programa de Pós-graduação em
Atenção à Saúde da Universidade Federal do Triângulo Mineiro. Professora
adjunta do Departamento de Terapia Ocupacional da Universidade Federal do
Triângulo Mineiro.

Erika Teixeira
Terapeuta Ocupacional pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas
(PUC-Camp). Residência em reabilitação física infantil e adulta pela
Associação de Assistência à Criança Deficiente – AACD. Mestre em

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Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (USP). Atuou no
setor de Terapia Ocupacional Adulto da AACD. Atua na área de reabilitação
física.

Francine de Castro Alves Victal


Terapia Ocupacional pela Unesp-Marília. Aperfeiçoamento em Gerontologia
pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HC-
-FMRP-USP). Especialista em Terapia Ocupacional Hospitalar pela USP-RP.
Especialista em Gestão em Saúde pela Escola Nacional de Saúde Pública
(EAD/ENSP-FIOCRUZ. Mestrado Profissional em Gestão de Organizações
de Saúde na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP). Atuou
como Terapeuta Ocupacional da Unidade de Emergência do Hospital das
Clínicas (UE-HC-FMRP-USP). Atualmente é Coordenadora do Núcleo
Multiprofissional da Unidade de Emergência (UE-HC-FMRP-USP).

Grasielle Silveira Tavares Paulin


Terapeuta Ocupacional pela PUC-Campinas. Aperfeiçoamento em Saúde
Mental e Psiquiatria pelo Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto da
Universidade de São Paulo (HC-FMRP-USP). Especialista em Tecnologia
Assistiva pela Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais (FCMMG).
Formada em Acompanhamento Terapêutico (FIERP). Aperfeiçoamento em
Gerontologia pela Universidade de Brasília (UnB). Mestre em Ciências pelo
Departamento de Medicina Social (USP-RP). Doutora em Saúde Pública pela
Escola de Enfermagem da USP. Foi Tutora da Residência Multiprofissional
na área de concentração de saúde do idoso e Docente na Universidade Federal
do Triângulo Mineiro (UFTM). Atualmente é docente do curso de Terapia
Ocupacional da Universidade de Brasília (UnB).

Heitor Vaselechen Rodrigues Teixeira


Terapeuta Ocupacional pela Associação Catarinense de Ensino Faculdade
Guilherme Guimbala. Especialização em Terapia da Mão e Reabilitação do
Membro Superior pelo Instituto de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade
de Medicina da Universidade de São Paulo (IOT-FMUSP) (em andamento).

Jacqueline Denubila Costa

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Terapeuta Ocupacional pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro
(UFTM). Especialista em Neurologia pelo Instituto Avançado de Ensino,
Pesquisa e Tecnologia de Londrina. Mestre em Terapia Ocupacional pela
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Doutoranda pelo Programa
Interunidades em Bioengenharia da Universidade de São Paulo (USP).

Janaína Moreno Garcia


Terapeuta Ocupacional pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Especialista em Terapia Ocupacional em Contextos Hospitalares e Cuidados
Paliativos (Coffito). Especialista em Terapia de Mão e MMSS pela
Universidade de São Paulo (USP). Especialista em Saúde do Idoso:
Abordagem Interdisciplinar pela Unifesp. Mestre em Ciências da Saúde pela
Unifesp. Terapeuta Ocupacional Referência e Responsável Técnica na Rede
D’or São Luiz-Anália Franco/SP. Terapeuta Ocupacional Responsável pelas
Unidade de Terapia Intensiva Adulta, Cardiológica e Pediátrica da Rede D’or
São Luiz-Anália Franco/SP. Responsável pelo Serviço de Terapia
Ocupacional e Responsável Técnica no Hospital Beneficente Nossa Senhora
do Pari/SP. Terapeuta Ocupacional na Unidade de Cuidados Especiais (UCE)
e Enfermaria do Hospital Beneficente Nossa Senhora do Pari/SP.

José Henrique da Silva Cunha


Terapeuta Ocupacional pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro
(UFTM). Doutorando do Programa de Enfermagem Psiquiátrica da Escola de
Enfermagem de Ribeirão Preto-USP. Mestre em Atenção à Saúde pela
UFTM. Especialização em Saúde na Modalidade Residência Integrada
Multiprofissional pela UFTM. Especialista em Acupuntura pela Faculdade
Einstein (FACEI).

Leticia Lemos Sousa


Terapeuta Ocupacional pela Universidade de Brasília (UnB). Experiência na
área Terapia Ocupacional, com ênfase na saúde mental infantojuvenil.

Luana de Castro Sampaio Próspero

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Terapeuta Ocupacional pela Universidade de São Carlos (UFSCar).
Especialização em neurologia pediátrica pela Unicamp.

Luciana Togni de Lima e Silva Surjus


Docente do Curso de Terapia Ocupacional do Departamento de Políticas
Públicas e Saúde Coletiva da Universidade Federal de São Paulo.
Coordenadora Sudeste da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme).
Compôs a equipe de Coordenação Nacional de Saúde Mental do Ministério da
Saúde. Foi Assessora da Secretaria Nacional de Política sobre Drogas do
Ministério da Justiça.

Lucieny Almohalha
Terapeuta Ocupacional pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Doutora em Ciências pelo Programa de Pós-graduação: Enfermagem em
Saúde Pública da Universidade de São Paulo – Ribeirão Preto.

Luma Carolina Câmara Gradim


Terapeuta Ocupacional pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro
(UFTM). Especialista em Terapia de Mão e Reabilitação Neurológica pela
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Doutoranda pelo Programa de
Pós-Graduação em Engenharia Elétrica pela Escola Politécnica da
Universidade de São Paulo (PPGEE/USP). Membro do Grupo de Pesquisa do
Centro Interdisciplinar em Tecnologias Interativas da Universidade de São
Paulo (CITI-USP). Experiência em Reabilitação Neurológica, Adequação
Postural, Terapia da Mão e Deficiência Visual.

Maewa Martina Gomes da Silva e Souza


Pedagoga com habilitação em Deficiência Intelectual pela UNESP-
Marília/SP. Especialização em Psicopedagogia Clínica e Institucional pelo
INDEP/SP. Mestre e Doutora em Educação pela UNESP-Marília/SP.
Especialista em Atendimento Educacional Especializado na área da
Deficiência Intelectual pela UNESP-Marília/SP.

Magno Nunes Farias

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Terapeuta Ocupacional pela Universidade de Brasília (UnB). Especialista em
Gestão Pública pela UFG. Mestre em Educação pela Universidade Federal de
Goiás (UFG). Doutorando em Educação pela Universidade Federal de São
Carlos (UFSCar). Integra o Grupo de Pesquisa Cidadania, Ação Social,
Educação e Terapia Ocupacional – METUIA/UFSCar.

Maria Helena Morgani de Almeida


Professora Doutora do Curso de Terapia Ocupacional da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Coordenadora do
Laboratório de Estudos e Ações em Terapia Ocupacional e Gerontologia.

Marilia Bense Othero


Terapeuta Ocupacional pela USP. Mestre em Ciências pelo Programa de
Medicina Preventiva da FMUSP. Doutora em Ciências pela FMUSP.
Coordenadora do Comitê de Terapia Ocupacional da Associação Brasileira de
Linfoma e Leucemia (ABRALE). Editora do Blog Caminhos da Terapia
Ocupacional.

Marina Picazzio Perez Batista


Terapeuta Ocupacional do Curso de Terapia Ocupacional da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Mestre e Doutora em
Ciências pela FMUSP. Especialização em Atendimento Interdisciplinar em
Geriatria e Gerontologia pelo Hospital do Servidor Público Estadual.

Paulo Rogério de Oliveira


Terapeuta Ocupacional pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
Terapeuta Ocupacional responsável pelo Ambulatório de TO em DNM/ELA
– Setor de Investigações nas Doenças Neuromusculares da Universidade
Federal de São Paulo (Unifesp). Pós-graduação em Terapia da Mão e
Reabilitação Neurológica do Membro Superior pela UFSCar. Pós-graduação
em Tecnologia Assistiva pela Faculdade de Ciências Médicas de Minas
Gerais. Pioneiro no Brasil em Sistemas de Comunicação Eyetracking para
Controle Ocular de Computadores por Pacientes com ELA. Professor
convidado da Pós-graduação em Tecnologia Assistiva (Technocare-FCCMG).

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Palestrante em Tecnologia Assistiva. Técnico em Telecomunicações pela
Escola SENAI-Campinas.

Paulo Vinicius Braga Mendes


Terapeuta Ocupacional pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
Mestre em Terapia Ocupacional pela UFSCar. Especialização em Terapia da
Mão e Reabilitação Neurológica pela UFSCar. Doutorando em Terapia
Ocupacional pela UFSCar.

Rachel Matos
Terapeuta Ocupacional pela Escola Baiana de Medicina e Saúde Pública.
Especialização em Terapia da Mão e Membros Superiores pela Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Especialista em
Acupuntura pelo Colégio Brasileiro de Estudos Sistêmicos (CBES).

Rafael Eras-Garcia
Terapeuta Ocupacional pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da
Universidade de São Paulo (FMRP-USP). Mestrado em Terapia Ocupacional
pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Doutorando pela
UFSCar. Docente dos Cursos da Área da Saúde na Universidade de Sorocaba
(UNISO). Habilitado em Terapia por Contensão Induzida pela Universidade
do Alabama (UAB-EUA); e nos Conceitos Básico e Avançado do Bobath
pela Associação Brasileira de Fisioterapia em Neurologia para o
Desenvolvimento e Divulgação dos Conceitos Neurofuncionais.

Sofia Martins
Terapeuta Ocupacional pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro
(UFTM). Mestrado em Terapia Ocupacional pela Universidade Federal de
São Carlos (UFSCar). Doutoranda em Terapia Ocupacional pela UFSCar.

Solange Tedesco
Terapeuta Ocupacional pela PUC-Campinas. Doutorado em Ciências da
Saúde pelo Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São
Paulo (Unifesp).

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Tamara Neves Finarde
Terapeuta Ocupacional pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro
(UFTM). Especialista em Promoção da Saúde e Cuidado na Atenção
Hospitalar pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
(FMUSP) e em Reabilitação de Membro Superior e Reabilitação Neurológica
pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Terapeuta Ocupacional
da Associação de Assistência a Criança Deficiente (AACD) e Preceptora do
Programa de Residência Multiprofissional de Promoção da Saúde e Cuidado
na Atenção Hospitalar (FMUSP). Experiência na área de Terapia Ocupacional
Hospitalar, Reabilitação de Membros Superiores, Terapia da Mão e
Reabilitação Física.

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Oração da terapia ocupacional

“Pai abençoai os Terapeutas Ocupacionais!


Dai-lhes a responsabilidade do conhecimento,
Pois o saber é o principal elemento da razão.
Dai-lhes a alegria de ser Humano,
Pois são os Seres Humanos que irão tratar.
Dai-lhes a força da verdade,
Pois o indivíduo não é feliz com a mentira.
Dai-lhes o domínio sobre o cotidiano,
Pois a ele terá que reportar-se junto a seu cliente.
Dai-lhes o dom de observação, da sensibilidade, da ética,
Pois tais elementos vão garantir o melhor perfil de sua profissão.
Dai-lhes a capacidade de Análise de seu instrumento de trabalho
E de Síntese das necessidades do outro, pois esses dois
Aspectos caracterizam o ser Terapeuta Ocupacional.
E tirai-lhes, Senhor, todos esses dotes.
Caso venha a trair os próprios propósitos,
A fim de que absorva o reconhecimento de seu erro em
Prol do amadurecimento profissional.”

Dedicamos a todos os estudantes e profissionais de terapia ocupacional.

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Agradecimentos

Agradecemos especialmente aos nossos familiares, professores e amigos


que nos deram todo apoio e incentivo para concretizar este livro.
Também agradecemos imensamente o sim de cada autor colaborador deste
livro, por tantos e-mails atenciosos e palavras sensíveis que recebemos. Vocês
nos fortaleceram e deram ânimo a essa caminhada que, com certeza, contou
com todos vocês.
Uma caminhada não é feita apenas de sucessos. Tem-se muitos obstáculos
a serem passados, a fim de buscarmos sempre melhorar e aperfeiçoar nossos
objetivos. Por isso, agradecemos também aos que disseram não, pois,
independente do motivo, nos ajudaram a sermos resilientes perante os
desafios de organizar este livro.
Por fim, agradecemos a você, leitor, que dedica seu tempo e atenção nas
páginas desta obra.

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Sumário

Apresentação

Introdução

SEÇÃO I – PRÁTICAS DA TERAPIA OCUPACIONAL EM


SAÚDE DO TRABALHADOR

01. Intervenção terapêutica ocupacional ambulatorial com bebê pré-


termo
Lucieny Almohalha

02. Práticas da terapia ocupacional no contexto escolar/educacional


Carolina Cangemi Gregorutti
Maewa Martina Gomes da Silva e Souza

03. Intervenção da terapia ocupacional no contexto escolar em um caso


de paralisia cerebral
Camila Câmara Marques
Luma Carolina Câmara Gradim

04. Alice no país das maravilhas – uma experiência do uso da


comunicação alternativa com criança do espectro autista
Jacqueline Denubila Costa

05. Práticas de terapia ocupacional e contexto sociocultural: caso de


uma menina negra
Sofia Martins
Magno Nunes Farias

SEÇÃO II – PRÁTICAS DA TERAPIA OCUPACIONAL NA FASE


ADULTA

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06. Prática centrada no cliente: modelo de ocupação humana e
formulação ocupacional
Daniel Marinho Cezar da Cruz

07. Práticas da terapia ocupacional em saúde do trabalhador


Ana Paula Pelegrini Ratier

08. Paradesporto: da reabilitação ao alto rendimento – cliente com


lesão medular
Heitor Vaselechen Rodrigues Teixeira

09. Doença de Kienböck em atleta de alto rendimento de polo


aquático: estudo de caso
Carla Valle Franca Tamanaga
Beatriz Bagatini

10. Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e


Saúde e o modelo HAAT de tecnologia assistiva
Erika Teixeira

11. Intervenção terapêutica ocupacional em paciente com doença


neuromuscular
Paulo Rogério de Oliveira

12. Práticas da terapia ocupacional na reabilitação da mão: um caso de


rizartrose
Rachel Matos

13. Intervenção da terapia ocupacional na doença de Crohn: um caso


de superação, amor e esperança
Tamara Neves Finarde

14. Terapia ocupacional na assistência à pessoa com síndrome do


encarceramento
Marília Bense Othero

15. Reflexões sobre a terapia ocupacional psicossocial a partir do


projeto terapêutico singular
Erika Renata Trevisan

21
Daniela Tonizza de Almeida

16. Terapia ocupacional e saúde mental


Solange Tedesco

17. Terapia ocupacional em saúde mental: um caso clínico-político


Luciana Togni de Lima e Silva Surjus
Ellen Cristina Ricci

18. A utilização da auriculoterapia na dor e na ansiedade


José Henrique da Silva Cunha

19. Reiki e desempenho ocupacional


Luana de Castro Sampaio Próspero

20. Uma prática na reabilitação física voltada a trabalhadores com dor


crônica em coluna
Débora Couto de Melo Carrijo
André Fortini Propheta
Paulo Vinicius Mendes Braga

SEÇÃO III – PRÁTICAS DA TERAPIA OCUPACIONAL NA


VELHICE

21. Intervenção da terapia ocupacional no consultório: protagonizando


a história de uma idosa
Francine de Castro Alves Victal

22. Ações e reflexões em gerontologia: um estudo de caso


Maria Helena Morgani de Almeida
Catarina Isabel da Conceição Batista Joaquim
Ana Filipa Nunes de Matos
Marina Picazzio Perez Batista

23. Terapia ocupacional na doença de Parkinson


Andressa Chodur

24. Prática da terapia ocupacional em neurologia


Rafael Eras-Garcia

22
25. Atuação da terapia ocupacional com idoso traqueostomizado grave
em uma unidade de terapia intensiva
Janaína Moreno Garcia

26. Atuação da terapia ocupacional em caso de complicações do


diabetes melito
Luma Carolina Câmara Gradim

27. A terapia ocupacional e a lesão do plexo braquial


Cristina Yoshie Toyoda
Camila Boarini dos Santos

28. Práticas da terapia ocupacional na reabilitação de membro superior


Rachel Matos

29. Projetos de vida na velhice: o acesso à educação superior


Letícia Lemos Sousa
Grasielle Silveira Tavares
Daniela da Silva Rodrigues

Siglas

Glossário

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Apresentação

A ideia de escrever um livro sobre as práticas em terapia ocupacional


surgiu ainda na graduação durante uma conversa sobre a importância de
nortearmos nossos atendimentos e realizarmos um trabalho de qualidade e
relevante para o nosso público-alvo, nos serviços e para a sociedade.
A escassez desta temática, agora não tão mais preocupante como antes,
mas, comparada às outras profissões, ainda observável, impulsionou-nos à
amadurecer essa ideia e nos preparar para oferecer um material de conteúdo
confiável e de qualidade.
Com o objetivo de instigar o raciocínio, viabilizar reflexões, apresentar
peculiaridades e características próprias acerca da prática profissional nos
diversos campos de atuação, considerando fatores socioculturais, regionais e
contextuais, este livro busca oferecer uma visão da prática da terapia
ocupacional, embasada em evidências científicas.
Pensando nisso, vimos a necessidade de apresentar a extensão dos campos
de atuação bem como recursos utilizados nos diversos contextos da terapia
ocupacional.
Este livro é composto por 3 seções separadas por fases do desenvolvimento
humano, contendo capítulos de diversas áreas de atuação de terapeutas
ocupacionais de diferentes instituições e regiões do Brasil.
Todos os capítulos possuem título e autoria, bem como as suas referências
utilizadas ao final do texto. Os capítulos possuem um formato livre de
desenvolvimento do texto, deixando bem marcado o estilo de cada autor.
Ao final deste livro há um glossário com termos específicos descritos em
alguns casos e suas definições.
Os autores colaboradores deste livro são terapeutas ocupacionais,
profissionais ativos e experientes na prática designada, e, também, com

24
saberes na docência e/ou pesquisa, o que amplia a qualidade dos textos
apresentados.
Os casos discutidos nos capítulos apresentam identificação fictícia e
buscou-se preservar aspectos da identificação.
A partir da leitura desse material, convidamos o leitor a pensar junto sobre
a prática da terapia ocupacional! E aí, o que você também pode fazer?

Carinhosamente,
Luma e Tamara

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Introdução

Segundo o documento da Associação Americana de Terapia Ocupacional


(AOTA), os atendimentos em terapia ocupacional podem ser divididos entre 3
principais etapas, sendo elas: avaliação, intervenção e resultados.
Essas etapas mantêm um fluxo de troca de informações contínuo, a fim de
favorecer o processo terapêutico que abrange desde o primeiro contato entre
usuário e terapeuta até a finalização da intervenção.
Apesar de podermos nos guiar nas etapas apresentadas pela AOTA, a
prática terapêutica ocupacional não compreende isoladamente o cumprimento
de um ou outro protocolo, baseado nesse ou naquele modelo, pois a
intervenção precisa responder de forma singular às demandas, pois existem
variáveis incontáveis no universo do ser humano.

Por isso, cada profissional tem maneiras próprias de realizar suas práticas,
levando em conta uma gama variável de fatores de acordo com sujeitos,
contextos de vida, de intervenção, bem como os princípios e escolhas do
terapeuta ou do serviço em que esteja inserido. Assim, este livro traz
abordagens e suas sustentações teóricas, mas também fala sobre como usá-las
diante das diversidades do ser humano, o que está além do diagnóstico

26
biomédico ou avaliação dos aspectos psicossociais. Este livro fala sobre
terapeutas ocupacionais diante das singularidades.
Entretanto, as práticas profissionais não são feitas apenas de processos
singulares. Anterior a este raciocínio, o profissional traz um arcabouço teórico
e prático para a sua intervenção. Assim, uma Prática Baseada em Evidências
(PBE) contribui com a construção das escolhas e utilizações de instrumentos
para avaliação, recursos para intervenção e perspectivas do alcance das ações.
O uso da PBE pode ser considerado importante, pois se refere à junção de
evidências científicas com a prática clínica do profissional, favorecendo todo
o processo de intervenção.
A busca constante de evidências para o aprendizado e prática clínica, bem
como a escolha de determinada evidência consiste em uma investigação
aprofundada que contenha informações sobre o assunto que será objeto de
intervenção e prática terapêutica.
No processo da PBE, levam-se em consideração três eixos: experiência do
profissional; preferências/valores do cliente; evidências científicas
provenientes de pesquisas.
A evidência escolhida para fundamentação teórico-prática, além de um
embasamento teórico, é parte da adequação de recursos propostos no plano
terapêutico. Isto é, o pilar para análise e reflexão do terapeuta ocupacional
diante das intervenções propostas na atuação profissional.
Assim, os relatos apresentados partem da vivência e prática profissional de
terapeutas ocupacionais e poderão contribuir para o desenvolvimento e
reflexões sobre práticas profissionais.

Luma Carolina Gradim

27
Seção I

Práticas da terapia ocupacional na


infância e na adolescência

28
1 Intervenção terapêutica ocupacional
ambulatorial com bebê pré-termo
Lucieny Almohalha

DESCRIÇÃO DO CASO
Henrique é um bebê nascido pré-termo, com 29 semanas e 2 dias de idade
gestacional, de parto cesariano e de muito baixo peso ao nascimento; suas
medidas foram 1,250 kg, 37 cm de comprimento, 29 cm de perímetro
cefálico. Apresentou Apgar 4, 6 e 8 no 1º, 5º e 10º minutos, respectivamente.
Apesar de desconforto respiratório transitório, não teve anóxia ao nascimento,
mas foi detectada uma hemorragia periventricular grau 3.
Permaneceu 60 dias na unidade de terapia intensiva neonatal (UTIN).
Apresentou duas crises convulsivas no 1º e 2º dias de vida; necessitou de
oxigenoterapia por 25 dias; recebeu terapia de reposição de surfactante,
alimentação via sonda nasogástrica e passou por duas correções cirúrgicas
para retinopatia da prematuridade.
O ambiente da UTIN era adaptado seguindo as normas do Ministério da
Saúde sobre a humanização do atendimento, e a equipe era treinada em
abordagens desenvolvimentistas para o cuidado humanizado ao recém-
nascido de baixo peso, o que promovia boa integração entre os profissionais
e, muitas vezes, proporcionava uma assistência interdisciplinar adequada.
Henrique teve alta hospitalar pesando 2,150 kg e quadro clínico estável. Foi
indicada medicação anticonvulsivante nos primeiros meses de vida para
controle de crises convulsivas (na alta, estava com as crises controladas) e
acompanhamento ambulatorial em programa de seguimento. Iniciou o
seguimento ambulatorial poucas semanas após a alta hospitalar com equipe de
fonoaudiologia, fisioterapia respiratória, terapia ocupacional (TO) e
estimulação visual.

29
No início do acompanhamento na TO, Henrique estava com 4 meses de
idade cronológica e 2 meses de idade corrigida. Henrique mora com os pais e
um irmão de 3 anos de idade e está, há 8 meses, no programa de seguimento.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) conceitua
desenvolvimento infantil como um processo integral e multidimensional que
inclui desde a fase da concepção, maturidade física e neurológica,
desenvolvimento sensorial, cognitivo e de linguagem até as relações
socioafetivas, levando a criança a ser capaz de responder a suas próprias
necessidades e àquelas advindas dos contextos de vida onde se insere.1
Illingworth2 aponta a necessidade de se conhecer o desenvolvimento
infantil típico, pois assim tem-se uma base para comparação com condições
de alterações relacionadas. Destaca, ainda, a importância de conhecer
indicadores de risco que possam aumentar a probabilidade de transtornos no
desenvolvimento. As principais condições biológicas de risco são
prematuridade, asfixia perinatal, hemorragia periventricular, displasia
broncopulmonar, distúrbios bioquímicos, malformações congênitas, infecções
congênitas ou perinatais e uso de substâncias tóxicas ilícitas durante a
gravidez, entre outros.3
Em função de melhorias nas técnicas de cuidados à saúde neonatal, o
prognóstico de sobrevida e de desenvolvimento de bebês nascidos
prematuramente tem melhorado de forma acentuada, resultando em uma taxa
de sobrevivência significativa, em particular em idades gestacionais
menores,4 mas é sabido que bebês pré-termo têm risco maior no
desenvolvimento do que aqueles nascidos a termo, com atrasos motores
constituindo a maior parte desses problemas.
Recentes métodos de identificação e de tratamento de bebês pré-termo
portadores de disfunções motoras vêm enfatizando a importância da avaliação
e da intervenção no 1º ano de vida.5 Logo, é importante que sejam realizadas
avaliações e interpretações dos sinais neurossensoriais, da organização e da
maturidade neurológica nos seus primeiros anos de vida para que se possa
intervir na esfera neurocomportamental e promover habilidades funcionais.6

30
Por causa do nascimento pré-termo, a capacidade de integrar os estímulos
sensoriais advindos do meio com respostas neurocomportamentais está pouco
desenvolvida ou comprometida. Se o cérebro não integra bem as sensações
recebidas, ele tem mais dificuldade para interpretar as informações e necessita
de maior esforço para se adaptar ao meio em que se encontra.6,7 Essas
crianças podem apresentar dificuldades no desenvolvimento da capacidade
para organizar informações sensoriais e responder corretamente às demandas
do ambiente.8
A triagem neurossensorial pode ser uma forma de se investigar sinais e
sintomas e de diagnosticar, juntamente com observações clínicas, alterações
sensoriais e motoras que inferem no dia a dia de crianças.8 Todo processo
diagnóstico envolve observações cuidadosas das características clínicas
apresentadas e coleta criteriosa de informações relevantes sobre a condição da
criança. É importante escolher avaliações infantis clinicamente práticas e
psicometricamente efetivas.
Já está bem documentado que as experiências dos primeiros anos de vida
são cruciais para determinar a saúde, o bem-estar e as competências das
crianças por todo o ciclo vital. Identificar alterações no desenvolvimento o
mais precocemente possível e fornecer intervenções apropriadas com
finalidade de provocar estímulos que induzam a formação de conexões
nervosas influencia a natureza das primeiras experiências e pode melhorar o
desempenho infantil e os resultados desenvolvimentais.7,9-13
Dessa forma, clinicamente, a criança torna-se capaz de responder e integrar
os estímulos recebidos do meio ambiente de modo a obter uma resposta
neurocomportamental eficaz. Assim, a intervenção precoce que engloba ações
de natureza preventiva e reabilitativa pode ser ofertada como um conjunto de
medidas de apoio integrado dirigido à família de crianças entre 0 e 3 anos
com alterações nas funções ou estruturas do corpo que limitam a participação
nas atividades típicas para a respectiva idade e contexto social ou com risco
grave de atraso de desenvolvimento.14
Estudos demonstram a necessidade de traçar estratégias de intervenção e
ações educativas que promovam a melhoria dos cuidados oferecidos para as

31
crianças e seus familiares,15 e que a intervenção realizada 1 vez/semana já é
capaz de gerar importantes conquistas e aprimoramento nas habilidades.16

INSTRUMENTOS AVALIATIVOS

Roteiro de anamnese
Foi elaborado pela própria terapeuta ocupacional do ambulatório e continha
dados gerais sobre a criança e sua família. Nesse roteiro, constavam
informações sobre a criança (nome, sexo, idade, diagnóstico) e os pais (nome,
idade, escolaridade, renda e composição familiar); dados da história pré-natal;
perinatal; do nascimento (idade gestacional, índice de Apgar, peso, estatura,
perímetro cefálico e torácico, intercorrências pós-parto); dados de história
hospitalar; e, por fim, dados da história do desenvolvimento da criança com
as respectivas idades de ocorrência (p. ex., controla a cabeça – sim/não e
quando ocorreu). Todos os dados foram coletados em entrevista com os
pais/cuidadores.
Com base nos dados da anamnese, verificou-se que ambos os pais eram
responsáveis pelos cuidados tanto do bebê quanto do irmão de 3 anos e
também eram os provedores financeiros. As tarefas domiciliares eram
realizadas por uma ajudante contratada. Mãe e pai têm curso técnico, são
autônomos e estavam na faixa etária de 30 e 36 anos, respectivamente.
Residiam em casa própria com os dois filhos. Não houve nenhuma
intercorrência materna na história pré-natal, exceto pelo uso de medicação
para náuseas. Com relação ao período perinatal, a mãe teve rompimento de
bolsa precocemente, o que a levou ao parto prematuro. Não houve nenhuma
causa detectada.
Com relação à rotina domiciliar e aos cuidados da criança, os familiares
relataram que têm tentado estabelecer algumas rotinas: para o bebê, para o
filho de 3 anos, para cada membro da família (pai e mãe em separado) e uma
rotina familiar global. Naquele momento, ainda não conseguiam realizar
atividades de lazer e sociais como gostariam, pois estavam se adaptando ao
novo bebê e suas demandas decorrentes dos cuidados exigidos pela
prematuridade, mas mencionaram que foram ao parque, levaram seu outro

32
filho de 3 anos e estavam tentado caminhar juntos para tomar sol aos finais de
semana.
O pai conseguiu manter suas atividades ocupacionais e profissionais, mas a
mãe estava em afastamento por licença maternidade. A rotina desejada ainda
estava sendo construída após a chegada do novo membro à família e das
demandas vividas até aquele momento (hospitalização, alta, adequação
domiciliar).

Roteiro clínico observacional


Nesse roteiro, constavam observações relacionadas às áreas do
desenvolvimento infantil. Por meio dele, avaliaram-se principalmente padrões
de posturas e movimentos, aspectos perceptocognitivos, sensoriais,
emocionais e sociais. Esse roteiro permitiu verificar reações, reflexos, planos
e padrões de movimentos e habilidades motoras voluntárias, além de
possibilitar a descrição do padrão motor predominante nos membros
superiores e inferiores nas posturas deitado em supino e prono, puxado para
sentar, sentado com e sem apoio e reflexos da referida faixa etária.
Na postura deitado em supino, ocorreu simetria dos lados direito e
esquerdo; não foi evidenciada nenhuma alteração de tônus muscular e padrões
articulares; o controle de cabeça, quando puxado para sentar, estava em
desenvolvimento, e houve manobra positiva de tração dos braços. A criança
não realizava nenhuma mudança de decúbito e não manipulava objetos. No
entanto, isso não foi um sinal de preocupação por causa da idade do bebê.
Quando puxado para sentar a partir de supino, demonstrou postura
assimétrica, mas decorrente de pobre controle postural. Houve mais descarga
de peso para o lado direito do corpo e inclinação cervical também para direita.
Houve esboço de correção cervical para linha média, o que indicava
princípio de retificação e endireitamento cervical e controle de cabeça sobre
pescoço, assim como de transferência de peso lado-lado. Não existia o
controle de tronco, pois sua postura estava anteriorizada (em formato de “C”)
e com anteroversão de quadril. Não havia mudanças posturais, reação de
apoio anterior ou lateral, nem reação de equilíbrio sentado. A criança estava
dependente para assumir e manter tal postura. Deitado em pronação,
percebeu-se simetria postural, princípio de controle de cabeça com elevação

33
antigravitacional, apoio parcial e temporário nos antebraços semifletidos com
as mãos ainda fechadas. Nessa postura, não realizava alcance, nem mudanças
posturais, mas, quando estimulado, conseguia se arrastar por alguns
centímetros.
Com relação à preensão e à coordenação, verificou-se que o bebê
conseguia segurar objetos (chocalhos) colocados em sua mão, mas não tinha
ainda capacidades manipulativas ou de soltar o objeto. Foi verificada a
preensão reflexa em ambas as mãos. Levava mão e/ou objetos à boca e
mantinha antebraços semifletidos a maior parte do tempo, quando segurava
algum objeto.
Em relação aos aspectos perceptocognitivos, ele acompanhava visualmente
objetos na horizontal, vertical, diagonal, dentro do eixo livre do reflexo tônico
cervical assimétrico (reflexo este que ora está presente, ora ausente, período
de transição para interiorização do reflexo primitivo); explorava visualmente
o espaço, mantendo atenção para o seu arredor. Ainda não atendia quando
chamado pelo nome, mas percebia os sons do ambiente e localizava-os tanto à
direita quanto à esquerda. Quando uma música era colocada no ambiente, ele
demonstrava interesse assim como por brinquedos musicalizados. Sua
interação social se dava por contato visual, choro e sorrisos ocasionais.
Apresentava curiosidade em relação a pessoas e ambiente, pois, quando em
estado de alerta, mantinha-se ativo, com contato visual e observava o
ambiente onde estava. Criança pouco chorosa.
Seu brincar foi classificado como sensoriomotor, em virtude da exploração
oral do objeto e do próprio corpo.

Alberta Infant Motor Scale (AIMS)


É uma escala constituída por 58 itens e usada para medir a maturação
motora ampla de bebês desde o nascimento até a idade do andar
independente. As habilidades motoras são testadas pela observação de bebês
conforme eles se movem em supino, prono, sentado e em pé, representados
por um desenho em uma posição particular, acompanhado de uma descrição
detalhada de três aspectos do desempenho motor: suporte do peso, postura e
movimentos antigravitacionais.

34
Após observação e marcação, o escore bruto é convertido em percentis e
comparado à amostra normativa. É uma escala padronizada, adaptada para
bebês brasileiros,17 capaz de discriminar o desempenho motor normal do
anormal. Permite fazer um diagnóstico de atraso motor e qual o grau desse
atraso.18
A AIMS foi aplicada em sessão clínica quando Henrique estava com 49
semanas (usada como medida basal) e reaplicada aos 8 meses (entre 64 e 66
semanas). No momento da primeira aplicação, o bebê estava dentro dos
padrões de desenvolvimento motor normal esperado para sua idade. Houve
um nítido aumento dos escores da AIMS ao longo dos dois momentos de
observação. Foi verificada a estabilidade dos escores em relação à média de
escores considerada normal para determinada idade cronológica.
O objetivo foi descrever a condição do bebê (normal vs. anormal vs.
suspeito) e predizer a evolução ao longo do tempo, em se tratando de uma
variável evolutiva (desenvolvimento motor).
Foi possível afirmar que a distribuição dos percentis para os escores da
AIMS, observados no momento basal (42 semanas), não apresentou
modificação substancial no tempo, mantendo-se estáveis até a observação do
8º mês. Notou-se uma sequência progressiva de aparecimento de habilidades
motoras, a qual ocorreu de forma variável, expressa pela flutuação de
percentuais (manteve-se dentro do percentil médio de 43,2 a 45,7%), mas
dentro dos limites de normalidade previstos pela escala AIMS.

Infant Sensory Profile (ISP 2)


O ISP 2 é um instrumento composto por 25 itens para crianças do
nascimento ao 6º mês de vida, distribuídos em seis categorias sensoriais:
processamento sensorial geral, auditivo, visual, tátil, do movimento e
processamento sensorial oral. É um questionário norte-americano
padronizado8 e validado para bebês brasileiros19 que contém itens sobre a
história e a resposta sensorial que ocorrem ao longo do dia de bebês do
nascimento aos 6 meses de vida.
Essas informações auxiliam na formulação de hipóteses do que pode estar
sendo suporte ou barreira para o desempenho da criança nas atividades de

35
vida diária, já que certos padrões de respostas podem indicar dificuldades
com o processamento e desempenho sensorial.8
A soma total dos escores deste questionário determina a necessidade ou não
de acompanhamento em programas de seguimento. A versão brasileira foi
usada para triagem do perfil sensorial da criança, e a somatória dos escores
(63) demonstrou que o bebê teve a classificação de respostas acima do
esperado para sua idade, quando comparado com os escores normativos,
sendo classificado com “responde mais que outros” – entre 2 e 2 desvios-
padrão acima da média. Logo, sugere-se que ele seja acompanhado em
programas de seguimento com abordagem destinada à organização sensorial
do bebê.
Portanto, o objetivo do tratamento foi estimular o desenvolvimento
sensoriomotor, com ênfase na aquisição de habilidades esperadas para a
idade.

PLANO/ESTRATÉGIAS DO TRATAMENTO TERAPÊUTICO


O protocolo individualizado de tratamento incluiu anamnese e observação
clínica, aplicação de testes padronizados e intervenção, que foi realizada 1
vez/semana com foco nos domínios motor, sensorial e do brincar.
Por meio de manuseios e com recursos (brinquedos, como o chocalho)
apropriados à faixa etária, realizaram-se:
1. Tarefas motoras contendo atividades que estimulavam e demandavam
manutenção postural e trocas de decúbito (prono, lado, supino), controle de
tronco, sentar, rolar, arrastar-se ou engatinhar (tempo aproximado de 10
minutos).20
2. Estímulos visuais que promovessem fixação e acompanhamento visual nos
planos horizontais, verticais, diagonais, circulares, com distância de mais ou
menos 35 cm da face do bebê.
3. Estimulação do alcance, preensão e manipulação de brinquedos e objetos de
interesse e apropriado a sua faixa etária.21
4. Estimulações sensoriais multimodais realizadas com estímulos visuais,
auditivos, táteis, vestibulares e proprioceptivos.

As atividades foram realizadas por 20 minutos, sobre tatame e na mesma


sequência citada.

36
CONCLUSÃO
Embora os terapeutas confiem nas observações clínicas para tomada das
decisões de intervenção, nos dias atuais, existe a necessidade crescente do uso
de testes padronizados e tabelas de desenvolvimento para determinar desvios
das normas esperadas para a idade.
Os objetivos do tratamento devem estar mais próximos de resultados
funcionais. Programas de seguimento possibilitam identificar e intervir
precocemente em situações que há risco ou atraso no desenvolvimento. É
importante entender que o desenvolvimento típico permite determinar o nível
do desenvolvimento e estimular a criança a evoluir para a próxima faixa de
habilidades esperadas.
Henrique não apresentou alterações no desenvolvimento neuropsicomotor
durante o 1º ano de vida, e os resultados observados apontaram que o bebê foi
beneficiado com a intervenção semanal a ponto de proporcionar uma
mudança de sua categoria classificatória de desenvolvimento.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Manual para vigilância do
desenvolvimento infantil no contexto da AIDPI. Washington, DC: OPAS; 2005.
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abnormal. [S.l.]: Elsevier Health Sciences; 2013.
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Diseases and Related Health Problems. 10. rev. 2015. Disponível em:
<http://apps.who.int/classifications/icd10/browse/2016/en>. Acesso em:
20/1/2019.
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muscle power in preterm infants after term age. Neuropediatrics. 1992;28:172-9.
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Janeiro: Medsi; 1999.
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7. Elles AL, Spittle AJ, Anderson PJ, Brown N, Lee KJ, Boyd RN, et al.
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Child Neurol. 2013;55(4):314-26.
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motora precoce em neonatos prematuros. Revista Graduação. 2008;1(2):1-10.
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19. Almohalha L. Tradução, adaptação cultural e validação do Infant Sensory
Profile 2 e do Toddler Sensory Profile 2 para crianças brasileiras de 0 a 35

38
meses. [Tese]. São Paulo: Escola de Enfermagem de Ribeirão
Preto/Universidade de São Paulo; 2018.
20. Goubet N, Rochat P, Maire-Leblond C, Poss S. Learning from others in 9-18
monthold infants. Infant Child Development. 2006;15(2):161-77.
21. Rocha NACF, Silva FPS, Tudella E. Influência do tamanho e da rigidez dos
objetos nos ajustes proximais e distais do alcance de lactentes. Revista Brasileira
de Fisioterapia. 2006;10(3):263-9.

39
2 Práticas da terapia ocupacional no contexto
escolar/educacional
Carolina Cangemi Gregorutti
Maewa Martina Gomes da Silva e Souza

INTRODUÇÃO
O terapeuta ocupacional que tem como foco de intervenção as ocupações
humanas pode desempenhar seus serviços no contexto escolar, unindo, de
maneira complementar, as áreas da saúde e da educação, objetivando o bem-
estar de todos os envolvidos. Desta maneira, o profissional pode estar no
contexto educacional, trabalhando junto à comunidade escolar, seja no ensino
regular ou na perspectiva da educação inclusiva.1
As publicações acerca da terapia ocupacional no contexto escolar são um
convite à comunidade para a reflexão sobre como se lida com a história de
vida dos indivíduos atendidos por terapeutas ocupacionais e seus diferentes
contextos. A forma e os resultados escritos a partir de um caso clínico podem
contribuir para a evolução do referido debate, uma vez que buscam atualizar o
vínculo com determinada tradição de pensamento e atualizam formas de
intervenções que sustentem discussões com diferentes autores, promovendo,
assim, um histórico comum para o contexto da profissão em um país
complexo e multifacetado como o Brasil. Contudo, a partir do objetivo de
instrumentalizar os profissionais para atuarem no contexto escolar, será
descrito um caso clínico, com nomes fictícios, a partir da experiência
profissional das autoras.

APRESENTAÇÃO DO CASO
Laura, 16 anos, cursava o 9º ano do Ensino Fundamental de um colégio
particular do interior do Estado de São Paulo. Os coordenadores e os
professores relatavam grande autonomia e funcionalidade em relação à

40
participação social e atividades de vida diária (AVD), no entanto, havia
necessidade de adaptação do conteúdo ministrado pelos professores em sala
de aula e nas tarefas para casa. Laura apresentava diagnóstico de trissomia do
cromossomo 21 (síndrome de Down) e o mediador que a acompanhava
também relatava pontos importantes nas atividades instrumentais de vida
diária (AIVD), principalmente no horário do intervalo entre aulas. Além
disso, a mãe de Laura tentava compreender formas mais concretas de ajudar a
filha sem tirar sua autonomia dentro do colégio. Relatava também sua
ansiedade em trabalhar a preparação de Laura para o mercado de trabalho,
buscando antecipar esta temática para sua filha.

AVALIAÇÃO DE TERAPIA OCUPACIONAL


A intervenção precisaria preencher todas as necessidades de Laura e, para
isso, foi necessário estabelecer uma aproximação tanto com ela quanto com a
família e os profissionais que a acompanhavam. A fim de conhecer Laura em
suas ocupações cotidianas e seus interesses, bem como coletar dados acerca
do histórico familiar e pessoal, foi realizada a Anamnese de Terapia
Ocupacional, elaborada pela própria profissional com base na AOTA.1
No momento da coleta de dados por meio da Anamnese, a terapeuta
ocupacional (TO) soube que Laura era atendida por uma psicopedagoga, uma
fonoaudióloga e, além de frequentar o colégio, realizava aulas de artes e
esportes. Desta maneira, a profissional entrou em contato com a
psicopedagoga, que também estava iniciando a intervenção dela no caso de
Laura, e com a fonoaudióloga, que a acompanhava desde os seus 12 anos.
Sendo assim, houve dois momentos de observação clínica da TO, sendo o
primeiro na sessão da fonoaudióloga e o segundo na sessão da psicopedagoga.
Para conduzir o encontro entre as três profissionais e a mãe de Laura, a TO
utilizou a avaliação padronizada Medida Canadense de Desempenho
Ocupacional (COPM),2 a fim de identificar problemas, preocupações e
questões referentes ao desempenho e ao engajamento ocupacional de Laura.
A partir deste encontro, estabeleceu-se entre as profissionais e a mãe que a
TO teria como principal objetivo uma intervenção focada nas necessidades de
Laura na escola e na comunidade na qual ela vivia. Assim, a psicopedagoga e

41
a fonoaudióloga dariam suporte nas demandas que seriam investigadas no
contexto escolar e social de Laura.
A partir das reuniões iniciadas com as duas profissionais e em conversa
com a mãe da paciente, a avaliação seguinte foi realizada nos demais
ambientes que Laura frequentava. Salienta-se que, dentro das possibilidades
de atuação de cada profissional, todas buscariam inserir em suas respectivas
intervenções ações que visassem a cumprir este objetivo. Nesse sentido, a TO
ficou responsável por mediar o contato com o colégio e com os demais locais
frequentados.
Nos locais onde Laura realizava aulas de esportes e artes, a TO realizou
duas observações em semanas diferentes. Nestes locais, Laura sempre se
mostrou comunicativa e receptiva a novas amizades e ao aprendizado das
funções das diferentes demandas que as tarefas acarretavam. Em todos os
ambientes, as potencialidades de Laura eram fatores determinantes e muito
presentes nas condutas dos professores. É possível notar que havia uma única
aula que Laura realizava sozinha; nas demais, os grupos eram de no máximo
4 crianças com idade inferior à dela, fator que poderia estar favorecendo este
tipo de conduta naqueles espaços. Desta maneira, nenhuma queixa nos fatores
ambientais e pessoais foram encontradas ali.
Com relação ao contexto educacional, junto ao colégio particular, as
reuniões tiveram início com a coordenadora pedagógica e a direção da escola,
sendo as demais reuniões realizadas somente com a coordenação, o que
ocorreu ao longo de 5 meses. Após este período, a TO mantinha contato
virtual com a coordenadora pedagógica e realizava visitas quando necessário,
utilizando-se da parceria colaborativa. Ainda pautada no raciocínio da COPM,
foram identificados déficits nas seguintes áreas: produtividade, subárea
brincar/escola, referindo dificuldades de estabelecimento de relações
interpessoais e brincar coletivo, com os alunos da mesma idade. Todos diziam
que Laura só gostava de ficar com os alunos mais novos.
No entanto, a queixa principal dizia respeito à exclusão social
principalmente no horário do intervalo e nas aulas no contraturno, pois Laura
não conseguia comprar seu lanche sozinha e precisava do mediador o tempo
todo. Houve também a pontuação acerca da dificuldade dos professores ao

42
realizarem as adaptações curriculares previstas pelo colégio no início do ano
letivo; e ainda em lazer, subárea socialização, pois, dadas as dificuldades
relatadas na categoria anterior, Laura referia incapacidade para
estabelecimento de vínculos de amizade com pessoas da mesma idade que
ela.
Utilizou-se ainda o Inventário de Avaliação Pediátrica de Incapacidade –
versão brasileira adaptada (Pediatric Evaluation of Disability Inventory –
PEDI),3 preenchido tanto pela família quanto pelo mediador de sala de aula.
Por meio desta avaliação, a TO optou por aplicar apenas a parte III, que trata
da Assistência do Cuidador. Obteve-se como resposta um baixo escore para a
família e um escore mais alto para o mediador, o que sugeriu – e foi
confirmado nas intervenções – que Laura sempre foi estimulada pela família a
obter autonomia e independência em suas AVD e que o mediador precisaria
de orientações acerca das AVD e das AIVD. Desta maneira, a intervenção
junto à família deveria ser fortalecida, visto que o vínculo entre terapeuta-
família-paciente seria um forte aliado para que as ações da terapia
ocupacional no contexto escolar se efetivassem. Por fim, na escola, a TO
utilizou a School Function Assessment (SFA),4 dando ênfase à parte II,
buscando identificar no contexto escolar o tipo de mediação que Laura
precisaria para desempenhar suas tarefas e as adaptações necessárias.

OBJETIVOS E INTERVENÇÃO DE TERAPIA OCUPACIONAL


Os objetivos para o trabalho de curto prazo tentaram compreender como
Laura se inseria nos contextos que frequentava. Portanto, buscou-se dar
ênfase à capacidade de Laura ao realizar tarefas que fossem importantes e
significativas em seu cotidiano, garantido o ponto de interesse comum a ela
em todos os ambientes. Em médio prazo, as intervenções foram traçadas tanto
individualmente quanto no contexto escolar, buscando sempre fortalecer em
Laura a capacidade de perceber, compreender, responder e se questionar
sobre as experiências vividas, ou seja, o trabalho da TO foi desenvolver
estratégias de traquejo social para dar segurança à Laura para o
estabelecimento de relações interpessoais. Em longo prazo, o objetivo foi
contribuir com as reflexões e a adequação das demandas relacionadas a tarefa,

43
ambiente escolar e comunidade, para garantir a inserção nos contextos
educacionais, profissionais, sociais e familiares.

A TERAPIA OCUPACIONAL NO CONTEXTO ESCOLAR


Para estabelecer uma relação de confiança junto ao colégio em que Laura
estava inserida, optou-se pela atuação por meio da consultoria colaborativa.
Desta maneira, foram passadas as seguintes informações aos profissionais do
colégio desde as primeiras reuniões: foi definida a colaboração como um
estilo de interação entre, no mínimo, dois parceiros considerados
equivalentes, no caso, a TO e algum profissional do colégio, que poderia ser a
coordenação, os professores de Laura ou até o mediador da sala de aula. Nesta
relação, nenhuma das partes deveria se considerar melhor que a outra e,
juntos, os parceiros se engajariam num processo conjunto de trabalho, em
direção a objetivos comuns e que visariam a favorecer a aprendizagem de
todos os alunos da turma, incluindo Laura. Durante todo o processo,
ressaltou-se a necessidade de se efetivar um trabalho significativo não só para
o colégio e para a Laura, mas também para sua família. Desta maneira,
sempre foi reforçada a necessidade de apoio mútuo, respeito, flexibilidade e
uma partilha dos saberes. Com esta experiência prática, buscou-se promover
um relacionamento de respeito mútuo e confiança entre Laura, seus familiares
e todos do colégio.
A coordenadora pedagógica sempre acolheu com muito respeito e, por
diversos encontros, foi possível efetivar algumas estratégias propostas pela
TO por meio da parceria colaborativa, por exemplo, a reflexão sobre o papel
do mediador em sala de aula. Tal ponto foi trabalhado com a mãe de Laura,
com a coordenadora pedagógica e com o próprio mediador. Houve também,
por parte do colégio, uma maior mobilização com relação à inclusão escolar,
entendendo que isto não se restringiria apenas à Laura, mas também a todos
os alunos com necessidades educacionais especiais que o colégio possuía.
Com relação aos professores, as opiniões eram divergentes quando
questionados a respeito do aprendizado de Laura. Foram agendados encontros
entre docente, coordenação e familiares para conhecer as necessidades e
realizar os ajustes de estratégias de ensino, avaliações ou conteúdos. Para o

44
conteúdo de matemática, a docente responsável considerava que a estudante
não apresentava condições para o aprendizado de conceitos abstratos e não
demonstrou disponibilidade para adequação do material didático. A estratégia
acordada nesse caso foi a complementação de aprendizado fora do ambiente
escolar, utilizando-se a metodologia japonesa Kumon juntamente com o apoio
da professora para a aluna, o qual era realizado nos intervalos de aula. Para o
aprendizado de biologia, foram relatadas adequações de conteúdo, fato
acordado entre a mãe, a própria Laura e a coordenadora pedagógica. Após 5
reuniões quinzenais com todos os professores, foi possível perceber algumas
melhoras em sala de aula quanto ao conteúdo que deveria ser dado pelos
professores. Após estes encontros, próximo ao período de provas do colégio,
alguns professores não compareceram às reuniões. A TO sempre se
manifestou disponível e acessível para qualquer necessidade e/ou contato do
colégio, mantendo contatos esporádicos com a coordenação.
Com relação ao envolvimento de Laura com os demais colegas de sala de
aula e da escola inicialmente não foram apresentadas questões, porém ao
longo do processo, em reunião com familiares, professores e a coordenadora
pedagógica, Laura relatou que se sentia excluída por algumas amigas. Os
professores relacionaram essa percepção da estudante à presença do mediador
no processo. Sendo assim, o mediador foi incluído nas reuniões, tendo
participado de dois encontros, ambos com resultados positivos.
Nesses dois encontros, foram feitas diversas estratégias. Uma delas,
realizada junto com a coordenadora pedagógica, foi o varal de ideias sobre
algumas orientações necessárias para aquele momento. Os assuntos foram
norteados a partir da reflexão sobre o papel exercido pelo mediador. Após
este período, o processo de parceria colaborativa foi interrompido por
demandas da escola, podendo contribuir para reflexões da TO acerca desse
tipo de trabalho na área da educação.

DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS DO CASO NA


PERSPECTIVA DA TERAPIA OCUPACIONAL
No caso apresentado neste capítulo, Laura compõe o público-alvo da
educação especial5 e necessitou do olhar da terapia ocupacional para auxiliar

45
a comunidade escolar e sua família nos processos de ensino e aprendizagem
tanto dentro quanto fora da sala de aula. Enquanto Laura se sentia excluída
pelos colegas de turma, sua mãe estava preocupada com o futuro profissional,
seu mediador não conseguia mensurar o quanto de auxílio deveria dar nas
AVD e AIVD e, por fim, seus professores não concordavam entre si quanto
ao tipo de adequação que deveriam realizar, tanto no registro do conteúdo de
sala de aula quanto na forma de explicação verbal e visual.
A partir do olhar da terapia ocupacional, todos os ambientes foram alvo de
intervenção; embora não fosse pretensão da profissional estar presente em
todos eles. Sendo assim, a intervenção teve como foco a busca pelo
engajamento e pelo desempenho ocupacional cotidiano de Laura. Foi preciso
conhecer Laura de forma ampla para fortificar o vínculo e ampliar seus
pontos de interesse, para depois pensar nas ações que poderiam ser realizadas
com os demais profissionais envolvidos neste processo.
Para que esta etapa ocorra de forma consistente, deve-se realizar uma boa
anamnese, buscando conhecer o cotidiano não só escolar, mas também
familiar e social dos sujeitos atendidos por terapeutas ocupacionais e, a partir
dessas informações iniciais, deve-se optar por avaliações que possam nortear
o raciocínio clínico em terapia ocupacional, como as avaliações citadas neste
capítulo. Desse modo, a avaliação deve ser um processo contínuo, que busque
contemplar outras dificuldades que possam surgir ao longo do processo,
visando a identificar facilidades e qualidades nas pessoas atendidas pelos
profissionais. Os terapeutas ocupacionais devem analisar cada passo dado em
suas intervenções, estabelecendo objetivos específicos para as ações.
As pesquisas atuais alertam os profissionais da terapia ocupacional sobre a
necessidade de caminharem junto com familiares e todos da comunidade
escolar. Federico et al.,6 defendem que os modelos de parcerias entre
professores, familiares e demais profissionais das escolas, que têm sido
implementados para atender à diversidade, já são reconhecidos como
estratégias poderosas e bem-sucedidas. No caso descrito neste capítulo, é
possível notar que a participação da TO em todos os ambientes frequentados
por Laura só se deu a partir da anuência e da participação integral de sua
família neste processo.

46
Com a finalidade de estender à família o dever no processo de educação
dos seus filhos, o Estado torna essa responsabilidade em lei por intermédio de
documentos oficiais (Lei de Diretrizes e Base LDB n. 9.394/1996, Art.2º),
propondo, assim, uma parceria para obter um ensino de qualidade. O
Ministério da Educação (MEC) também se engaja e apoia o Estado, criando o
Dia Nacional da Família na Escola e publicando a cartilha Educar é uma
tarefa de todos nós: um guia para a família participar, no dia-a-dia, do
educando de nossas crianças.7
No caso de Laura, os profissionais e os familiares envolvidos, em especial
sua mãe, parecem refletir acerca das atitudes que tinham junto à escola e da
necessidade de receberem orientações para se sentirem empoderados nesta
relação. Para Fonseca et al.,8 as intervenções no contexto escolar podem
apresentar resultados positivos, uma vez que, em parceria com os terapeutas
ocupacionais, há sinalização do aumento da participação dos alunos no
cotidiano de sala de aula, reduzindo, assim, a assistência do professor, que
passa a planejar de forma individualizada os conteúdos que irá ministrar.
Essas intervenções também ampliam a participação da família neste processo,
uma vez que conseguem garantir as orientações familiares voltadas ao
desenvolvimento e ao engajamento ocupacional, buscando proporcionar
maior autonomia aos sujeitos.
Com base em estudos neste sentido, a terapia ocupacional avança e garante
o contexto escolar enquanto especialidade profissional. Assim, o Conselho
Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (Coffito) salienta este campo
de atuação na Resolução n. 500, de 26 de dezembro de 2018,9 garantindo um
documento legal que rege a intervenção dos terapeutas ocupacionais no
contexto escolar, referindo, em seu Artigo 2º, “o terapeuta ocupacional
especialista em ‘Terapia Ocupacional no Contexto Escolar’”.
Por fim, no contexto escolar e ao longo da discussão aqui apresentada, a
terapia ocupacional pode adquirir uma função particularmente interessante,
funcionando também como instrumento facilitador da integração entre a
escola e a família. Apesar de se conhecer a importância da parceria entre a
escola e a família e dos benefícios trazidos para o aluno, os dados coletados
inicialmente no caso de Laura sugerem que a efetivação desta relação ainda
não é a realidade encontrada na maioria das escolas brasileiras de ensino

47
regular e apontam a necessidade de reflexão por parte dos terapeutas
ocupacionais acerca disso.
Embora este capítulo não pretenda esgotar o tema da terapia ocupacional
no contexto escolar, seu conteúdo possibilita a análise de uma forma de
atuação dos profissionais envolvidos na rede de apoio ao aluno público-alvo
da educação especial inserido no ensino regular, auxiliando na reflexão de
que esse tipo de intervenção pode ser um fator facilitador para o
desenvolvimento escolar e social destes sujeitos que fazem parte do cotidiano
clínico da terapia ocupacional. O objetivo é contribuir para que a terapia
ocupacional, de fato, consiga cumprir a função que lhe pode ser atribuída, no
contexto educacional, com a discussão tanto do papel que ela pode assumir na
possível parceria que deve existir entre a família e a escola, quanto do papel
necessário da rede de apoio para que esta parceria aconteça.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. American Occupational Therapy Association (AOTA). Estrutura da prática da
terapia ocupacional: domínio & processo-traduzida. Revista de Terapia
Ocupacional da Universidade de São Paulo. 2015;26:1-49.
2. Law M, Baptiste S, Carswell A, McColl MA, Polatajko H, Pollock N. Medida
canadense de desempenho ocupacional (COPM). Belo Horizonte: Editora
UFMG; 2009.
3. Mancini MC. Inventário da avaliação pediátrica de incapacidade (PEDI): manual
da versão brasileira adaptada. In: Inventário da avaliação pediátrica de
incapacidade (PEDI): manual da versão brasileira adaptada. Belo Horizonte:
Editora UFMG; 2005.
4. Coster WJ, Mancini MC, Ludlow LH. Estrutura fatorial da avaliação da função
escolar. Medição Educacional e Psicológica. 1999;59(4):665-77.
5. Brasil. Ministério da Educação (MEC). Plano de metas e compromissos: todos
pela educação. Decreto n. 6.094, de 24 de abril de 2007.
6. Federico MA, Herrold JR, William G, Venn J. Helpful tips for successful
inclusion: A checklist for educators. Teaching Exceptional Children.
1999;32(1):76-82.
7. Brasil. Ministério da Educação. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Estabelece as diretrizes e bases da

48
educação nacional. 1996.
8. Fonseca SP, Sant’Anna MMM, Cardoso PT, Tedesco SA. Detalhamento e
reflexões sobre a terapia ocupacional no processo de inclusão escolar. Cadernos
Brasileiros de Terapia Ocupacional. 2018;26(2):381-97.
9. Resolução n. 500, de 26 de dezembro de 2018. Reconhece e disciplina a
especialidade de Terapia Ocupacional no Contexto Escolar, define as áreas de
atuação e as competências do terapeuta ocupacional especialista em Contexto
Escolar e dá outras providências. Disponível em: www.coffito.gov.br/nsite/?
p=10488. Acesso em: 1/7/2019.

49
3 Intervenção da terapia ocupacional no contexto
escolar em um caso de paralisia cerebral
Camila Câmara Marques
Luma Carolina Câmara Gradim

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A paralisia cerebral (PC) pode ser definida como um distúrbio persistente
da postura e do movimento decorrente de uma lesão não progressiva na região
cerebral, comprometendo função motora, tônus e equilíbrio muscular –
agonistas, antagonistas e sinergistas.1
As principais características encontradas em crianças com PC são: atraso
em aquisições motoras, anormalidades no tônus, na postura e hiper-reflexia.
Na PC, a criança apresenta desenvolvimento mais lentificado e dificultado, e
pode coexistir com síndromes convulsivas, alteração de fala, visão e audição,
além de retardo mental.1-3
A PC não tem cura, mas seus efeitos podem ser minimizados. Os objetivos
terapêuticos dentro da PC visam a promover maior grau de independência
possível; incluem atendimentos com equipe multiprofissional – médico,
fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional (TO), fisioterapeuta, entre outros, co-
relacionados a tratamento medicamentoso, cirúrgico, uso de tecnologia
assistiva (TA), como órteses, adaptações etc.
O trabalho da terapia ocupacional tem enfoque nos princípios de
intervenção na funcionalidade e independência em atividades de vida diária
(AVD), prevenção de deformidades com treino para o posicionamento
adequado, avaliação e uso de TA, reabilitação com integração sensorial e
orientação familiar.4,5
De acordo com a Associação Americana de Terapia Ocupacional (AOTA),
na avaliação, o terapeuta deve observar quais ocupações e atividades eram

50
bem-sucedidas e estão prejudicadas, quais contextos e ambientes apoiam ou
inibem o sujeito, quais são suas prioridades e necessidades, bem como
entender o desempenho em ocupações ou atividades desejadas.5
Especialmente na criança, o TO deve observar e avaliar a participação e as
habilidades sociais, de comunicação, práxicas, motoras, de regulação
emocional e cognitivas, pois são áreas de relevância no desenvolvimento das
crianças. Deve também interpretar os dados das avaliações a fim de
identificar facilitadores e barreiras no desempenho escolar e pessoal, e
colaborar para criar objetivos que busquem realizar seus desejos e
necessidades.5
A ação da terapia ocupacional no ambiente escolar não se restringe à
questão clínica, nem se volta por si só ao estudante com deficiência. A ação
se fortalece na atuação como profissão facilitadora de dificuldades, dos
sentimentos e fortalecimentos das redes de apoio que se formam nos
ambientes coletivos.
De acordo com Rocha,6 “a meta da terapia ocupacional, no espaço escolar,
é o fortalecimento da potência de pensar e agir dos sujeitos envolvidos,
facilitar a construção de soluções para os impasses a partir do próprio grupo,
redirecionando e alocando recursos tecnológicos, sociais e políticos dos
equipamentos da comunidade.”
O TO é capaz de analisar a atividade humana em condições típicas e
atípicas do desenvolvimento, explorar ao máximo o potencial do indivíduo no
seu desempenho ocupacional e desenvolver, indicar e aplicar recursos de TA
com competência e eficácia.5,7
O trabalho do TO na TA envolve a avaliação das necessidades dos
usuários, as habilidades físicas, cognitivas e sensoriais. O profissional avalia a
receptividade do indivíduo quanto à modificação ou ao uso da adaptação, sua
condição sociocultural e as caraterísticas físicas do ambiente em que será
utilizada. Instrui o uso apropriado do recurso e orienta as outras pessoas
envolvidas no uso dessa tecnologia.7
A especificidade do trabalho do TO na TA envolve a ênfase dada na
função, ou seja, na habilidade de realizar tarefas específicas em casa, na
escola ou no ambiente educacional. A tecnologia possibilita melhorar a

51
função e reduzir a interferência da deficiência na realização de atividades
funcionais de maneira independente.8

DESCRIÇÃO DO CASO
Pedro (nome fictício), 14 anos, com diagnóstico clínico de PC, apresenta
dificuldades de coordenação motora fina e global, com comprometimentos
em seu desempenho funcional principalmente na área de educação, dentro do
ambiente escolar, já que é o ambiente onde passa a maior parte do tempo e
onde tem suas relações sociais e comunicativas. As maiores dificuldades que
Pedro apresenta dentro desse contexto são na parte da escrita e na hora do
lanche, na atividade de se alimentar.
Pedro apresenta déficit cognitivo, porém não possui dificuldades maiores
em habilidades sociais, de comunicação e afetivas. Tem um bom convívio e
relacionamento com a família, os amigos e os profissionais da escola e
ambiente terapêutico.
Com relação às habilidades motoras, Pedro apresenta um sistema muscular
instável, característico de PC coreoatetoide, com movimentos reflexos sem
controle e circulares, principalmente durante movimentos voluntários. Este
quadro é o maior problema observado para desempenho de suas AVD em
geral e, principalmente, atividades escolares.
Pedro frequenta a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE)
desde seus 4 anos. A APAE é uma instituição de ensino para crianças e
adolescentes que precisam de um ensino especializado. Desde então, realiza
acompanhamento pedagógico e atendimento com psicólogo, fonoaudiólogo,
fisioterapeuta e TO.

INTERVENÇÃO DA TERAPIA OCUPACIONAL E


APRESENTAÇÃO DE RECURSOS
Durante as intervenções, foi observado, pela TO e pela professora, que
Pedro apresentava uma grande dificuldade em realizar movimentos
voluntários, preensão do lápis, realização dos movimentos de funções
manuais para escrita, trazendo dessa forma prejuízos na parte acadêmica e de
acompanhamento da aula perante os demais alunos da sala.

52
Foi realizada avaliação das necessidades, análise de estruturas de membro
superior dominante e avaliações sensoriais para aceitabilidade de materiais
mais adequados para a confecção de dispositivos assistivos de baixo custo.
Um engrossador foi confeccionado, caracterizado como um adaptador para
a escrita (Figura 1) que poderia ser usado tanto para lápis quanto para caneta,
pincel ou outro objeto do mesmo formato, e cuja finalidade era facilitar e
promover a atividade da escrita de Pedro. Esse engrossador foi desenvolvido
com material EVA contendo as dimensões de largura, comprimento e
espessura individualizadas de acordo com a demanda e a necessidade de
Pedro, além de ter a cor azul solicitada por ele.
Para realizar a atividade de escrever, Pedro pressionava a mão esquerda
sobre o braço direito a fim de facilitar a escrita e minimizar os movimentos
involuntários característicos da PC. Por isso, partindo dos mesmos
pressupostos de avaliação e análise, além do engrossador, foi confeccionada
uma pulseira com peso para auxiliar no controle do movimento (Figura 2).
Além disso, esse dispositivo também auxiliou na atividade de alimentação
durante o intervalo da escola, facilitando o movimento do membro superior
de levar o alimento até a boca.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A terapia ocupacional no contexto escolar tem um olhar voltado para as
necessidades do aluno no processo de aprendizagem e busca atender tais
demandas utilizando recursos e estratégias necessários para cada aluno e sua
especificidade.
Na prática da profissão, existem diversos meios de se chegar a um objetivo,
e a TA é um deles. A TA, muito utilizada em diversos contextos e com
diferentes aplicações, tem como prioridade melhorar, facilitar e favorecer as
habilidades de uma pessoa. Para isso, porém, é preciso que haja uma
prescrição adequada e a utilização correta, com acompanhamento do
profissional, o TO, que desenvolveu determinado dispositivo para seu
paciente.
Especificamente na aplicação dos dispositivos de TA para o Pedro, com
treinamento e acompanhamento das atividades pela TO, houve uma melhora

53
significativa das habilidades e capacidades para desempenhar suas atividades
de escrita e alimentação no contexto escolar.

Figura 1 Engrossador de baixo custo para escrita. Fonte: arquivo próprio das autoras.

Figura 2 A. Vista lateral da pulseira feita com EVA. B. Vista superior da pulseira feita
com EVA. Fonte: arquivo próprio das autoras.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Bobath B, Bobath K. Desenvolvimento motor nos diferentes tipos de paralisia
cerebral. São Paulo: Manole; 1989.
2. Finnie NR. O manuseio em casa da criança com paralisia cerebral. 3. ed.
Barueri: Manole; 2000.
3. Cargnin APM, Mazzitelli C. Proposta de tratamento fisioterapêutico para
crianças portadoras de paralisia cerebral espástica, com ênfase nas alterações
musculoesqueléticas. Rev Neurociências. 2003;11(1):34-9.

54
4. Bonomo LMM, Castro VC, Ferreira DM, Miyamoto ST. Hidroterapia na
aquisição da funcionalidade de crianças com paralisia cerebral. Rev Neurocienc.
2007;15(2):125-30.
5. Associação Americana de Terapia Ocupacional (AOTA). Estrutura da prática da
terapia ocupacional: domínio & processo. 3. ed. Rev Ter Ocup Univ São Paulo.
2015;26(ed. esp.):1-49.
6. Rocha EF. A terapia ocupacional e as ações na educação: aprofundando
interfaces. Rev Ter Ocup Univ São Paulo. 2007;18(3):122-7.
7. Pelosi MB. O papel do terapeuta ocupacional na tecnologia assistiva. Caderno
de Terapia Ocupacional da UFSCar. 2005;13(1):39-45.
8. Pelosi MB, Nunes LROP. Os terapeutas ocupacionais das unidades de saúde do
município do Rio de Janeiro e suas ações na área de tecnologia assistiva. Revista
Teias. 2010;11(23):149-62.

55
4 Alice no país das maravilhas – uma experiência
do uso da comunicação alternativa com criança
do espectro autista
Jacqueline Denubila Costa

DESCRIÇÃO DO CASO
Alice, 10 anos, diagnóstico clínico de transtorno do espectro autista (TEA)
com problemas significativos de comunicação e comportamento. Frequentava
a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) em uma sala
específica para crianças com TEA desde seus 5 anos, realizando
acompanhamento pedagógico, psicológico, fonoaudiológico e terapêutico
ocupacional.
De acordo com as professoras de Alice, as principais queixas estavam
relacionadas a dificuldades de atenção/concentração, problemas de
comportamento (agressividade e episódios de choro) e de comunicação
(ecolalia, vocabulário restrito e falta de intenção comunicativa). As demandas
foram complementadas a partir de alguns encontros que foram realizados com
os pais de Alice e uma visita domiciliar no intuito de compreender melhor
como era a rotina da criança e quais eram as prioridades dos pais. As questões
comunicativas e os problemas de comportamento relacionados à alteração de
rotina receberam destaque de acordo com o discurso dos pais. A família
morava em uma fazenda, que contava com algumas atividades bastante
exploradas por Alice, como pesca, cama elástica e passeios de bicicleta.
Entretanto, a mãe de Alice ressaltou que, por vezes, a criança não fazia um
rodízio entre as atividades e havia bastante dificuldade para convencê-la de
finalizar determinada brincadeira.
Diante disso, os seguintes objetivos foram estabelecidos:

56
Melhorar os aspectos comunicativos, principalmente a intenção comunicativa,
de Alice com os interlocutores presentes em sua rotina (pais, irmão, professores
e terapeutas).
Estabelecer uma rotina mais estruturada.
Minimizar os episódios de agitação de Alice diante de modificações na rotina.
Como estratégias para os objetivos traçados, houve: construção de uma
pasta de comunicação alternativa (CA) para uso em todos os ambientes da
criança; capacitação dos interlocutores para utilizarem os sistemas de CA;
construção de painéis de rotina com figuras para serem utilizados em casa; e
ampliação da comunicação entre os interlocutores (pais, professores e
terapeutas). Tendo em vista que Alice recebia atendimento fonoaudiológico, a
construção de todos os recursos de CA foi feita em um processo colaborativo
entre as especialidades.
Antes de iniciar de fato o trabalho com a pasta de CA, todas as dúvidas dos
pais e das professoras quanto à abordagem foram esclarecidas, ressaltando
que se tratava de uma forma de estimular as habilidades comunicativas de
Alice em diversos contextos nos quais ela estava inserida. Além disso,
atividades de associação de figuras com pessoas/objetos foram introduzidas
na rotina de terapia de Alice, objetivando avaliar as habilidades da criança em
utilizá-las funcionalmente e familiarizá-la com seu uso. Além disso, iniciou-
se o uso de figuras de CA que representam o “sim” e o “não”, retiradas do
software de CA Boardmaker.
Após cerca de 1 mês de atendimentos semanais, novas ações passaram a ser
desenvolvidas para posterior introdução da pasta de CA, sendo elas:
1. Construção de uma prancha de comunicação de baixo custo em papelão e velcro
para organizar as atividades a serem realizadas em terapia e auxiliar Alice a
situar-se no tempo, diminuindo seus níveis de ansiedade e agitação. A forma de
utilização desta prancha dava-se da seguinte forma: era solicitado que Alice
escolhesse 1 ou 2 atividades que gostaria de realizar dentre as que estavam
disponíveis (cerca de 4 opções), sendo que todas elas estavam representadas em
forma de figura com texto, como exemplifica a Figura 1. Além disso, a prancha
contava com um marcador em forma de seta abaixo da figura, representando a
atividade que estava sendo realizada no momento. À medida que as atividades
eram finalizadas, alterava-se a posição da seta. A prancha era composta também

57
por uma figura que representava o término do atendimento e o retorno para sala
de aula.
2. Aquisição de uma pasta catálogo ofício na qual passaria a ser construída a pasta
de CA.
3. Coleta de dados a respeito da rotina escolar e domiciliar de Alice para construir
os símbolos que comporiam a pasta de CA.
4. Capacitação dos terapeutas, pais e professores para o uso adequado da pasta de
CA.
5. Aquisição de um caderno que teria o propósito de um diário, no qual os pais
fariam um registro semanal das atividades feitas em casa e em terapia, com o
objetivo de fortalecer a comunicação entre os interlocutores.

Figura 1 Exemplos de representações pictóricas. Fonte: adaptado de Boadmaker.

A pasta de CA foi composta com as seguintes seções:


1. Fotos dos principais interlocutores: pai, mãe, irmão, professoras, terapeutas e
colegas de sala.
2. Figuras do Boardmaker que representassem a rotina escolar, sendo que cada
página correspondia a um dia da semana.
3. Rotina domiciliar.
4. Atividades semanais realizadas durante o atendimento de terapia ocupacional.

A seção 3 era reconstruída semanalmente em terapia de acordo com o que


os pais registravam no diário e, da mesma forma, a seção 4 também era

58
reconstruída semanalmente na casa de Alice sob supervisão dos pais que já
haviam sido previamente treinados. Sempre que uma nova atividade
acontecia, os pais ou professores entravam em contato e um novo símbolo que
a representasse era introduzido na pasta de CA.
O painel de rotina a ser utilizado no ambiente domiciliar de Alice foi
construído segundo o formato apresentado pela Figura 2, também com
símbolos do Boardmaker.

Figura 2 Modelo de painel de rotina confeccionado pela autora com o uso dos símbolos do
Boardmaker. Fonte: arquivo prórpio da autora.

Os pais de Alice foram orientados a compor o painel junto com a filha no


início do dia, de forma que, à medida que as tarefas eram realizadas, os
símbolos correspondentes eram retirados. Outra orientação dada foi de manter
as figuras ao alcance de Alice, no intuito de estimular sua intenção
comunicativa. Todos os símbolos que compunham o painel foram
provenientes de informações dadas pelos pais de Alice em relação a sua rotina
e demandas próprias de atividades.
No decorrer dos atendimentos, foi possível notar como Alice apresentava
maior intenção comunicativa ao manifestar desejo por contar o que havia feito
no final de semana por meio da pasta de CA, de forma que passou a ser capaz
de utilizá-la de maneira cada vez mais independente. Outro ponto positivo
resultante do plano de intervenção estabelecido foi o aumento de vocalizações

59
e formação de pequenas frases durante jogos, momentos de lazer e
brincadeiras. A antecipação das tarefas do dia por meio do painel de rotinas
também auxiliou na diminuição da resistência de Alice quanto a possíveis
mudanças e, diante disso, a família ampliou sua participação em alguns
eventos familiares e programas de lazer.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-PRÁTICA
Dentre os diversos comprometimentos característicos em crianças com
TEA, há o que se chama de prejuízo qualitativo na comunicação, ou seja, são
atrasos no desenvolvimento da linguagem verbal, ausência de modos não
verbais de comunicação, prejuízos na capacidade de iniciar e manter uma
conversação e uso estereotipado e repetitivo da linguagem.1 Os sistemas de
CA tornam-se necessários nesses casos para restituir o processo interativo
entre o sujeito e o ambiente/contexto que o rodeia.2 Evidências demonstram
que os impactos positivos do uso da CA em casos de TEA relacionam-se com
a melhora das habilidades de comunicação, sociais e acadêmicas, aumento de
vocalizações inteligíveis, produção de gestos e diminuição de
comportamentos desafiadores.3,4
Todas essas evidências configuram-se como o raciocínio científico do tipo
diagnóstico utilizado para o estabelecimento de propostas terapêuticas para o
caso de Alice, ou seja, tratou-se de um processo de busca para nortear a
escolha da instrumentação e de avaliações a serem utilizadas pelo terapeuta
ocupacional. Outro raciocínio clínico utilizado no caso foi o raciocínio
narrativo, que consiste no compartilhamento da história ocupacional entre
cliente (no caso de Alice, esse papel foi assumido pelos pais, principalmente)
e terapeuta. Esse tipo de raciocínio possibilita que as preferências do cliente
sejam incorporadas no processo terapêutico.5
A CA é capaz de promover possibilidades comunicativas pelo uso
integrado de símbolos, recursos, técnicas e estratégias.6 Os símbolos
caracterizam-se como um dos componentes dos sistemas de CA, podendo ser
representações pictóricas ou linguísticas. No caso descrito, as representações
utilizadas foram as pictóricas, que se configuram por fotos, filmes, desenhos e
figuras. Os recursos são os objetos físicos utilizados para compensar uma

60
limitação funcional e/ou melhorar a qualidade de vida de um indivíduo,7 o
que, no presente caso, correspondem ao painel de rotina, à prancha e à pasta
de CA. Já as técnicas consistem na forma como o sujeito que utiliza a CA
acessará os recursos, o que depende diretamente das habilidades funcionais
presentes. Pelo fato de Alice não apresentar nenhum comprometimento
motor, a técnica utilizada foi a de acesso direto a partir do apontar. Por fim, as
estratégias representam o modo como os recursos de CSA serão utilizados e
dependem das necessidades e habilidades dos sujeitos,8,9 sendo que, no caso,
as estratégias estiveram focadas na promoção da participação de Alice em
diferentes contextos e na facilitação de alguns comportamentos.
Diante disso, é imprescindível a realização prévia de uma avaliação
completa do indivíduo que utilizará do sistema de CA envolvendo suas
habilidades físicas e cognitivas, os possíveis interlocutores, contextos e
objetivos para os quais o sistema será utilizado.
Embora o caso descrito tenha apresentado como foco principal o
gerenciamento comunicativo, é bastante importante pontuar que, a partir do
trabalho na CA, Alice foi capaz de se envolver de maneira mais significativa
em outras áreas de ocupação, como brincar, atividades básicas de vida diária
(ABVD) e educação. Isso corrobora o pressuposto de que os profissionais de
terapia ocupacional reconhecem que, para os clientes realmente atingirem
plena participação, significado e propósito, estes devem envolver-se de
maneira confortável em seu mundo, abrangendo todos os contextos e
ambientes.10
O uso de sistemas de CA por terapeutas ocupacionais se justifica a partir da
compreensão da comunicação como uma habilidade de desempenho
processual do sujeito, ou seja, caracterizam o fazer.11 Logo,
comprometimentos na comunicação acarretam dificuldades relacionadas ao
desempenho ocupacional, e, diante disso, o terapeuta ocupacional tem o
objetivo de reinserir o sujeito em contextos diários.12
Outro conceito fundamental a ser destacado trata-se da chamada
abordagem focada na família (AFF). Esta abordagem faz parte da transição de
práticas de assistência a crianças/adolescentes com algum tipo de deficiência.
Foi iniciada na década de 1960, partindo de um modelo exclusivamente

61
biomédico (enfoque na compensação de condições médicas e na aquisição de
habilidades) para o chamado modelo centrado na família.13,14 A Figura 3
apresenta, em ordem cronológica, a evolução destes modelos de cuidado.

Figura 3 Evolução dos modelos de prática centrados na família.

No caso de Alice, os pais foram figuras ativas em todo o processo


terapêutico, sendo consultados para o levantamento de demandas,
determinação dos objetivos a serem trabalhados e feedback direto sobre as
estratégias utilizadas. Logicamente, o raciocínio teórico e prático do terapeuta
também teve importância nessa construção, corroborando o que é proposto
pela AFF, ou seja, uma relação de parceria entre a família e os profissionais,
de forma que as tomadas de decisão são partilhadas e consideram as
competências de ambas as partes.15
A AFF parte da ideia de que os serviços devem ser individualizados no
âmbito de seu planejamento, implementação e avaliação. Um dos principais
objetivos provenientes dessa abordagem trata-se de preservar e reforçar a
dignidade da família, respeitando seus desejos e incorporando-os ao programa
de intervenção.16 O desenvolvimento de práticas focadas na família no campo
da terapia ocupacional pediátrica, envolve o trabalho com a família e com a
criança no intuito de facilitar a participação na vida a partir do engajamento

62
em ocupações por todas as partes envolvidas.10,17 Fatores como o treinamento
para o uso dos sistemas de CA, trabalho multidisciplinar e o conhecimento
sobre os aspectos de interesse da criança e de sua família foram fundamentais
para o sucesso alcançado no caso.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Psiquiatria. 2006;28(Supl I):S3-S11.
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63
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framework and research review. Phys Occup Ther Pediatr. 1998;18:1-20.

64
5 Práticas de terapia ocupacional e contexto
sociocultural: caso de uma menina negra
Sofia Martins
Magno Nunes Farias

DESCRIÇÃO[*] DO CASO
Carla nasceu em uma cidade do Ceará e, em 2012, aos 8 anos de idade,
apresentou uma instabilidade emocional acompanhada de crises de choro,
porque precisava ir à escola. Por isso, em outubro do mesmo ano, Ana, mãe
de Carla, foi referenciada pelo neuropediatra da criança para o setor de
psicologia e terapia ocupacional de uma clínica de reabilitação. Na ficha de
encaminhamento, não havia diagnóstico médico definido. No exame de
eletroencefalograma (EEG), não foi identificada nenhuma alteração.
No primeiro atendimento de terapia ocupacional, realizado com Ana,
abordou-se a história pregressa da criança, visando a conhecer, pela
perspectiva da mãe, as queixas e as potencialidades de Carla. Em síntese, a
mãe revelou que a criança sempre apresentou um desempenho escolar
satisfatório – comprovado com o relatório escolar da criança – e
envolvimento no brincar e nas relações sociais (amigos e família).
As primeiras avaliações e acompanhamentos realizados mostraram uma
criança com desenvolvimento típico nas atividades cotidianas (escolar,
brincar, autocuidado, entre outras). Em estudo de caso com a psicologia, os
resultados mostraram-se semelhantes.
Para as ações técnicas da terapia ocupacional, a criança foi convidada a
levar para a sessão brinquedos de sua preferência. No entanto, durante uma
dessas sessões, enquanto Carla explorava os recursos do brincar, ela fez
discursos em relação às bonecas a partir de uma dimensão de classificação
entre as bonecas de tom de pele mais claro (colocando-as como as mais
bonitas) e mais escuro (colocando-as como as mais feias). Ela também fez

65
uma hierarquização e superestimação dos traços brancos, narrando, inclusive,
que suas amigas da escola, pelo fato de serem brancas, eram mais bonitas.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-PRÁTICA

Contexto sociocultural: a necessidade de uma clínica pautada no cotidiano


Definir o que é contexto sociocultural não é uma tarefa fácil, pois exige
aprofundamento em diversos campos de conhecimento, como sociologia,
antropologia, ciências políticas, educação, entre outros. O objetivo deste
capítulo não é definir tal contexto de forma fixa, tendo em vista o risco de cair
no reducionismo, mas pretende-se apresentar pistas para esse conceito ou
tema, que se coloca como fundamental para compreender a vida cotidiana dos
sujeitos e grupos, importante nos saberes e práticas da terapia ocupacional.
O contexto sociocultural de um indivíduo ou grupo aborda os processos
que se constroem na dialética social. Esta dimensão é o mundo produzido por
homens e mulheres, que perpassa as contradições, os conflitos, as expressões
corporais e artísticas, a construção material, as relações de poder, as
violências, a disputa, as expressões de pensamentos, os comportamentos, as
representações, os valores (como verdadeiros ou falsos, belo e feio, justo e
injusto, profano e sagrado), ou seja, tudo que os sujeitos fazem e que
modificam a vida material e simbólica, determinando modos de relações com
o ambiente e modos de relações entre os próprios sujeitos e grupos.1
Essas tramas podem produzir processos que favorecem ou não relações de
igualdade entre sujeitos e grupos, possibilitando a criação de dinâmicas de
desigualdade.
Há uma diversidade de sujeitos que, por razões sociais e culturais, sofrem
rupturas e impedimentos de vivenciarem seus cotidianos de forma autônoma e
significativa. Logo, o contexto sociocultural a que esse sujeito pertence pode
ressoar de forma negativa na consolidação de sua circulação e produção de
vida objetiva e subjetiva. Assim, existem componentes da diferença
sociocultural que esse sujeito/grupo traz consigo que, muitas vezes, podem
não dialogar com o sociocultural que é posto como norma na sociedade.
Na constituição sociocultural, seja no sentido material e/ou simbólico, as
“normas que privilegiam brancos, europeus, heterossexuais, homens e cristãos

66
estão institucionalizadas pelo mundo inteiro”.2 Essas normas ainda impedem
a paridade de participação na vida cotidiana e no acesso a direitos, pois esses
valores colocados definem um abismo entre os que estão e os que não estão
dentro da norma, colocando eixos de subalternização na vida social de alguns
sujeitos/grupos. Dessa forma, essas injustiças socioculturais para grupos
subalternizados podem se dar em nível da redistribuição econômica (via
exploração, privação e marginalização) e no nível do reconhecimento
simbólico (via dominação cultural, ocultamento e desrespeito).3
Nesse sentido, o referencial teórico dos marcadores sociais da diferença
pode ajudar nesse percurso. Esses marcadores configuram um sistema de
classificação de sujeitos e coletivos que pode produzir maior ou menor
inserção ou exclusão, a depender de como estes divergem do que é posto
como hegemônico/norma. As categorias de classificação estão associadas a
determinada posição sociocultural, que possui uma história e atribui certas
características a cada sujeito/coletivo.
Não existe uma lista fixa desses marcadores, mas alguns deles são: raça
(indivíduos podem ser negros, brancos, asiáticos ou indígenas); gênero
(homens, mulheres, travestis, transexuais); sexualidade (heterossexuais,
homossexuais, gays, lésbicas, bissexuais); classe (ricos, pobres, classe média,
proletariado, profissionais liberais, moradores de rua); geração (jovens,
idosos, adultos, adolescentes, crianças), entre outros. Essas distinções entre os
sujeitos estão relacionadas a relações de poder e sistemas de opressões, que
(re)produzem desigualdades, por exemplo, o racismo, que coloca o ser negro
ou negra como um marcador que inferioriza a população negra; o machismo,
que coloca o ser mulher como um marcador de subalternização; bem como a
homofobia, que coloca o ser gay como algo desviante; entre outras.4
Dessa forma, os marcadores são produzidos historicamente e de forma
contínua dentro das relações e contextos socioculturais. Portanto, dentro dessa
dinâmica, é importante perceber quais são os marcadores sociais da diferença
dos sujeitos, atentando-se a como esses marcadores, dentro do contexto
sociocultural do simbólico e material, causam desigualdades na participação
cotidiana de determinados grupos subalternizados, inclusive no acesso ao
cuidado.

67
Assim, ao realizar a clínica a partir de um entendimento sociocultural,
ocorre uma descentralização da prática clínica tradicional para outra pautada
no cotidiano na terapia ocupacional.
Sugere-se, então, ao encontro com esses referenciais, uma clínica da terapia
ocupacional firmada no cotidiano, tendo em vista que o cotidiano fundamenta
uma ação voltada para a vida concreta, relacionada com um entendimento da
vida sociocultural e política, dialogando com o singular e com o coletivo, com
o micro e o macro, deslocando-se de concepções reducionistas focadas em
aspectos individuais e biomédicos.
Os parâmetros para a intervenção passam a incorporar “a subjetividade, a
cultura, a história e o poder social como elementos que influem na
compreensão do fenômeno, ou seja, eles definitivamente rompem com
qualquer leitura de caráter mais positivista”.5 Essa compreensão traz uma
perspectiva crítica para a formulação de estratégias que superem a perspectiva
imediatista, fragmentada, padronizada, pautada em roteiros fechados que
compreendem a vida dos sujeitos de forma restrita e individualizada, pois
essas ações são insuficientes, tendo em vista “que não incorporam a
diversidade cultural e social na sua concepção”.5
A clínica pautada no cotidiano, nesse sentido, tem um potencial ampliado e
crítico, voltado para uma compreensão mais sensível às dinâmicas
socioculturais que compõe os sujeitos e os grupos de intervenção, levando os
profissionais a realmente se engajarem em interpretar e agir sobre os
fenômenos da vida humana.

Ações da terapia ocupacional com Carla: emergência de uma prática


antirracista
Logo, dentro dessa racionalidade, do olhar mais dinâmico, crítico e
ampliado, o caso de Carla pode ser visto de outra forma, tendo mais atenção
aos aspectos socioculturais e aos marcadores sociais da diferença que a
constituem.
Neste sentido, foi proposta a busca por perspectivas de mundo, sujeito e
conhecimento que auxiliassem na reflexividade e no raciocínio profissional
do terapeuta ocupacional, que extrapolam as expectativas e contribuições da

68
clínica tradicional. Isso porque as chaves de leitura dessa clínica passam a ser
insuficientes, na medida em que oferecem métodos objetivos e quantitativos
para a resolutividade das demandas subjetivas e objetivas da vida das pessoas.
Com base em Galheigo,6 na ação da terapia ocupacional, a compreensão da
subjetividade, da significação e da contextualização sociocultural e política
têm como requisito as narrativas dos sujeitos, pois estas oferecem o essencial
sobre suas necessidades e desejos.
A partir da escuta das narrativas de Carla, constatou-se que os possíveis
motivos de seu sofrimento estariam relacionados às relações sociais e
culturais no espaço escolar, onde ela estaria passando por situações de
inferiorização por causa de seu fenótipo (feição, cabelo, nariz, cor de pele)
enquanto pessoa negra.7 Notou-se, então, uma perversidade expressa em
humilhação e dor que essa menina vivenciava no âmbito escolar, impactando
negativamente na sua estabilidade emocional. A criança mostrou sentimentos
de inferioridade, inadequação e desejo de brancura.
Assim, o marcador social da diferença, que estava limitando ou estreitando
a participação social da Carla, era a raça, que é um sistema de classificação de
subalternizar o ser negro. Logo, esse foi o fator sociocultural central que
estava ocasionando o sofrimento dessa menina, aspecto em que avaliações
neurológicas e biomédicas se mostraram insuficientes para detectar.
Somente a escuta sensível das narrativas e a percepção das relações
socioculturais foram capazes de compreender a complexidade dos fatores.
Com este raciocínio profissional, o brincar foi utilizado como um recurso
disparador de narrativas auditivas e imagéticas com Carla, momento em que
revelava o sentimento de inferiorização por ser negra.
Sabe-se que falar de racismo e de discriminação racial ainda é muito difícil,
pois são assuntos tidos como paranoicos e construídos de forma indiferente.8
No entanto, a narrativa de Carla revelou o quanto o racismo impacta no fazer
humano, na vida das pessoas e na configuração do não desejo de realizar uma
ocupação, como ir à escola, talvez, causando um sentimento de não
pertencimento.
As ações técnicas, éticas, estéticas e políticas da terapia ocupacional
transpassaram distintos níveis da vida de Carla e estiveram pautadas no

69
fortalecimento das identidades negras, nas políticas de igualdade racial e na
superação dos quadros de desigualdades e racismo, tendo como objetivos:
1. Buscar formular atividades individuais e grupais que favoreçam o
reconhecimento das diferenças étnico-raciais e a busca pela representatividade
via identidades negras (livros, histórias, músicas, autores, desenhos, canções,
brinquedos e brincadeiras). Por exemplo: contação de histórias que
desconstroem o lugar do negro como subalterno (escravo, empregado,
trabalhador braçal) e evidencia seus lugares de resistência, beleza, liderança e
intelectualidade.
2. Formular, junto com a família, estratégias extrainstitucionais. Por exemplo:
assistir filmes com protagonista negro em família; fomentar o debate sobre o
racismo no âmbito familiar, sendo vigilante para não o reproduzir e não o
naturalizar.
3. Articular possíveis ações intersetoriais com a escola, debatendo ações no âmbito
escolar que garantam a efetivação da Lei n. 10.639/2003[**], valorizando a
produção de conhecimentos silenciados e de práticas antirracistas, bem como
almejar a articulação política a fim de criar e implementar políticas públicas. Por
exemplo: fomentar que a escola debata sobre a diversidade étnica e racial.
4. Promover o debate sobre esses aspectos na equipe de trabalho que está inserido
para que casos semelhantes não sejam negligenciados. Por exemplo: trazer na
reunião de equipe informações sobre a Política Nacional de Saúde Integral da
População Negra, e outras populações diversas.
5. Auxiliar na orientação sobre o direito das vítimas de racismo e injúria racial de
denunciarem casos, utilizando vias como o telefone da Defensoria Pública
(136), bem como realizar boletim de ocorrência na delegacia, criminalizando a
experiência e referenciar para serviços especializados.

Os casos de sofrimento por racismo requerem uma prática sensível do


terapeuta ocupacional a fim de acolher a narrativa dos sujeitos de intervenção.
Essa prática requer um raciocínio profissional que vá além do processo de
adoecimento propriamente dito e que abarque a complexidade da situação
social da população negra na sociedade brasileira.
As ações do terapeuta ocupacional na dinâmica sociocultural iluminam a
necessidade de acessar caminhos que contemplem o reconhecimento da
subjetividade, das identidades e do contexto social, cultural e histórico das
populações e suas interferências no desempenho de atividades e tarefas
diárias. Isso porque é nessa dinâmica que as relações são produzidas,

70
possibilitando ter subsídios para se atentar para a realidade de sofrimento
muitas vezes invisibilizados e ignorados.
Enquanto pessoas, pesquisadores e terapeutas ocupacionais negros, os
autores deste capítulo afirmam a necessidade de um posicionamento ético e
político com a vida da população negra em qualquer área de atuação.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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racismo na saúde mental da população negra: uma reflexão. In: Oliveira RMS.
(org.). Cenários da saúde da população negra no Brasil: diálogos e pesquisas.
Cruz das Almas: EDUFRB/Belo Horizonte: Fino Traço; 2016. p.67-96.

* Trata-se do relato de caso da primeira autora, acompanhando no ano de 2012.


** Lei n. 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação
nacional para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática
“História e Cultura Afro-Brasileira”.

71
Seção II

Práticas da terapia ocupacional na


fase adulta

72
6 Prática centrada no cliente: modelo de ocupação
humana e formulação ocupacional
Daniel Marinho Cezar da Cruz

INTRODUÇÃO
A utilização de modelos de prática focados na ocupação humana aproxima-
se dos fundamentos conceituais da terapia ocupacional e das suas raízes desde
a criação da profissão em 1917. Este capítulo apresenta, por meio da narrativa
de um relato de caso, como o modelo de ocupação humana (MOHO) pode ser
utilizado como ferramenta para conhecer a pessoa; esta é uma característica
da prática centrada no cliente.
Além disso, entendendo-se que a avaliação nesse modelo se constitui numa
forma inicial de intervenção, a partir da coleta de informações com a pessoa,
constrói-se uma formulação ocupacional do caso e apresenta-se um exemplo
sobre como elaborar um objetivo de intervenção junto com o cliente.

MODELO DE OCUPAÇÃO HUMANA (MOHO)


A ausência de avaliações do MOHO no Brasil não é uma justificativa para
não utilizá-lo na prática brasileira, uma vez que a compreensão de sua teoria e
seus conceitos favorece um bom raciocínio terapêutico para a intervenção na
terapia ocupacional.1 Na prática orientada pelo MOHO, deve-se
constantemente tentar compreender o cliente nas suas diversas perspectivas,
como ouvir a história de vida e a experiência singular da participação
ocupacional.2
O MOHO é centrado no cliente porque vê a pessoa como única e com
características que determinam os objetivos de uma intervenção,
considerando-se o modo do cliente fazer, pensar e sentir como um mecanismo
de mudança.2

73
O raciocínio terapêutico utiliza a teoria para compreender o cliente e com
ele desenvolver, planejar e monitorar o plano terapêutico.2 Esse raciocínio
envolve mover-se entre a teoria e as circunstâncias do cliente, questões
dirigidas pela teoria.2 Dessa forma, é importante conhecer a teoria e os
conceitos do MOHO, na medida em que, para utilizá-lo, é necessário entender
os seus fundamentos para pensar como eles podem ser abordados na prática.2
A seguir, serão descritos os 4 conceitos fundamentais do MOHO: volição,
habituação, capacidade de desempenho e ambiente.

VOLIÇÃO
Volição é o processo pelo qual as pessoas são motivadas em direção à
escolha das ocupações que desempenham.3,4 Abrange a causação pessoal, os
valores e os interesses.

Causação pessoal
É a consciência cognitiva da capacidade, associada a interesses, prazer e
valores para fazer coisas; abrange o senso de capacidade e a autoeficácia.5
Senso de capacidade pessoal é uma avaliação das habilidades pessoais
físicas, intelectuais e sociais. São sentimentos e pensamentos sobre o que cada
um é capaz.5 O senso de capacidade pessoal pode pertencer a aspectos
internos da pessoa, mas que afetam seu modo de agir no mundo.6
Autoeficácia refere-se a um senso de efetividade em usar as capacidades
pessoais para alcançar resultados desejados na vida.5

Valores
Os valores são crenças, compromissos, imagens internalizadas sobre o que
é bom, certo e importante fazer.3,7,8
Convicções pessoais são visões de vida fortemente afirmadas e que
definem o que importa fazer.4,5 Por exemplo, convicções pessoais podem ser
organizadas em torno de pontos de vista religiosos para o que se define como
certo ou errado na vida.4
Os valores evocam fortes sentimentos de importância, segurança,
pertencimento e propósito, criando o senso de obrigação para desempenhar

74
em modos condizentes com aqueles valores.4

Interesses
Os interesses referem-se às preferências individuais para ocupações,
baseadas na experiência de prazer e satisfação em participação nessas
atividades.3,5,7,8
Uma vez que um indivíduo não se engaja em todas as ocupações com igual
prazer e satisfação, desenvolve-se, então, um padrão único de interesses, os
quais são acumulados a partir da experiência.4,5

HABITUAÇÃO
A habituação é responsável pela organização do comportamento do
indivíduo em rotinas ou padrões.3,4,7 São atividades que têm sido feitas com
frequência suficiente para tornarem-se rotina e costume, em contextos
específicos.4,7 Os dois elementos do subsistema de habituação são os hábitos
e os papéis internalizados, que governam e modelam como as pessoas se
ocupam na rotina da vida.3

Hábitos
São rotinas automáticas ou padrões de atividade aprendidos e que uma
pessoa parece executar quase por reflexo, ou seja, sem muita consciência.4,7
Para que os hábitos existam, as ações devem ser repetidas suficientemente
para estabelecer um padrão, assim como as circunstâncias ambientais devem
estar presentes.4

Papéis internalizados
Papel é um conceito da psicologia social que enfatiza os papéis de brincar,
trabalho, estudo, mantenedor da casa e de aposentado, por exemplo. Esses
papéis ajudam a organizar o comportamento por fornecerem identidade
pessoal e transmitirem expectativas sociais para o desempenho, organizando o
uso do tempo e colocando o indivíduo dentro da estrutura social.9 No MOHO,
a identificação do papel é um aspecto importante, pois os papéis contribuem
para a autoidentidade.6 Por meio dos papéis ocupacionais, pode-se conhecer
as dimensões da participação e do desempenho ocupacionais. Quando uma

75
pessoa relata a identificação com um papel, ela está identificando uma
participação ocupacional dentro desse papel. Ao questioná-la sobre o que ela
faz dentro de um papel, o desempenho ocupacional pode ser descrito.10

CAPACIDADE DE DESEMPENHO
Refere-se à habilidade de fazer coisas fornecidas pelo status subjacente dos
componentes objetivos físicos e mentais e correspondentes à experiência
subjetiva do indivíduo.4

Componentes objetivos da capacidade de desempenho


Existem três tipos de habilidades: motoras, processuais e de comunicação e
interação.3,4 O desempenho depende de vários sistemas: musculoesquelético,
neurológico, cardiopulmonar e outros sistemas corporais. A capacidade de
desempenho também depende de habilidades cognitivas, como a memória.
Quando as pessoas fazem coisas, elas exercitam essas capacidades.4

Abordagem subjetiva da capacidade de desempenho


Essa abordagem considera como a pessoa se sente e a sua experiência ao
fazer algo em um dado momento. Habilidades e limitações objetivamente
descritíveis são também experimentadas por aqueles que as tem. Entretanto, a
abordagem objetiva geralmente vê essas experiências como apenas
consequências do problema real, o qual deve ser avaliado a partir de um ponto
de vista destacado de fora. Mesmo quando terapeutas usam a abordagem da
experiência subjetiva, eles o fazem visando à construção de uma foto objetiva
da capacidade de desempenho. O foco move da volição para a ação e dos
hábitos e papéis que apoiam e relacionam-se à ação em si. A ação refere-se ao
desempenho e é discutida em termos de capacidade para o desempenho e na
experiência corporificada nesse desempenho. A abordagem objetiva fornece
uma imagem de como a contração muscular gera força por meio das
articulações, produzindo graus de extensão e rotação que levam o braço ao
longo de uma trajetória de movimento para o alcance. A experiência subjetiva
conta outra história.4

AMBIENTE

76
A versão mais atual do modelo apresenta as diferentes dimensões do
ambiente: física, social e ocupacional.11 Considera-se que os fatores
econômicos, políticos-culturais e as atitudes sociais influenciam na vida
ocupacional junto com aspectos geográficos e ecológicos, e boa parte das
pessoas interage em uma variedade de contextos, como a casa, a escola, o
ambiente de trabalho, a vizinhança. Nesses contextos, as pessoas deparam-se
com “espaços físicos, objetos, relacionamentos, interações, ocupações e
atividades, assim como expectativas e oportunidades para fazer coisas, todas
dentro de um contexto cultural que é único e individual”.11
Assim, os ambientes físico, social e ocupacional estruturam-se em três
níveis:
Imediato (casa, trabalho e escola).
Local, como a vizinhança e a comunidade.
Contextos da sociedade global.
Esses ambientes interagem com a pessoa em todos os níveis.11

AVALIAÇÃO: COLETA DE INFORMAÇÕES PARA CONHECER


O CLIENTE E TRAÇAR METAS DE INTERVENÇÃO
Terapeutas ocupacionais frequentemente utilizam o MOHO em
combinação com outros modelos de prática ou com teorias “emprestadas” de
outras disciplinas ou profissões.2 Os terapeutas coletam informações da
situação dos seus clientes e suas necessidades ocupacionais. A avaliação é
essencial para decidir efetivamente sobre metas e estratégias da terapia
ocupacional.2
Nenhuma das avaliações do MOHO[*] foi feita para diagnóstico ou grupos
específicos. O MOHO foi feito para entender o impacto da doença ou
deficiência na participação ocupacional da pessoa, e não a doença ou
deficiência em si mesma.15 Isso não quer dizer que um terapeuta deva ignorar
o diagnóstico ou a deficiência na escolha de avaliações mais específicas.
Portanto, duas questões devem ser feitas:
1. Se o diagnóstico ou deficiência tem implicações que devem ser direcionadas
para determinadas avaliações.
2. Se a deficiência limita a capacidade do cliente para participar da avaliação.15

77
FORMULAÇÃO OCUPACIONAL E A CONSTRUÇÃO DE UMA
NARRATIVA
Esse termo, do original occupational formulation, descreve como o
terapeuta ocupacional usa as informações dos instrumentos, observações e
entrevistas para criar uma série de argumentos sobre uma perspectiva singular
da situação ocupacional do cliente. A formulação ocupacional ajuda a
identificar mudanças ocupacionais que são possíveis a partir de objetivos
mensuráveis.2
É utilizada quando os terapeutas fornecem um panorama (baseado em
teorias e conceitos ocupacionais) sobre a situação de um cliente, a partir de
uma narrativa que reconta a experiência da história de vida da pessoa.16
Brooks e Parkinson16 propõem, na Inglaterra, uma estrutura da formulação
ocupacional em três partes. Eles acreditam que essa estrutura possa facilitar o
raciocínio profissional:
1. Influências ocupacionais: descreve de onde a pessoa veio.
2. Presente ocupacional: descreve onde ela se encontra no momento atual.
3. Foco ocupacional: o caminho a seguir.

Destaca-se ainda que não é objetivo da formulação ocupacional analisar os


eventos, mas descrever a narrativa real baseada na subjetividade da pessoa.16
A Tabela 1 apresenta um exemplo da estrutura da formulação ocupacional
baseada no MOHO.
Para este capítulo, utilizou-se o MOHO para a formulação ocupacional do
caso de Júlia. A seguir, apresenta-se a narrativa nas três partes da estrutura.

Tabela 1 Estrutura da formulação ocupacional. Fonte: adaptado de Brooks e Parkinson, 2018.16


Formulação MOHO
ocupacional
Influências Identidade ocupacional
ocupacionais – Participação em papéis ocupacionais do passado e do presente, relacionamentos e
interesses, ênfase nas mudanças da vida
– Contexto volitivo, incluindo importância, satisfação, causação pessoal e objetivos
Presente Competência ocupacional
ocupacional – O quanto a rotina atual, as habilidades (motoras, processuais e de comunicação), o
desempenho e o apoio do ambiente combinam com a identidade da pessoa
Foco Adaptação ocupacional em relação a:

78
ocupacional – Habilidades
– Desempenho
– Participação no ambiente ocupacional

RELATO DE CASO

Influências ocupacionais
Antes de sua deficiência, Júlia convivia com sua mãe e avó. Ela não veio
de uma família abastada e sempre batalhou para conquistar os seus objetivos
na vida. Por sempre ter gostado de estudar, ela conseguiu ingressar em uma
universidade pública ainda jovem. Nesse período, o acidente sofrido trouxe
mudanças significativas em sua vida.
Júlia sofreu uma lesão medular alta e completa. Precisou utilizar a cadeira
motorizada, que, inicialmente, era uma razão de insegurança para ela, mas a
cadeira lhe “deu pernas”. Ela passou a ter que lidar com responsabilidades da
casa, algo que ela não queria, pois havia pessoas para resolver esses assuntos
para ela. Antes, Júlia se achava incapaz de administrar a sua própria vida, e
este foi um dos desafios que a levou a tomar conta da situação e se adaptar a
ela para resolver os seus problemas.
A perda de sua vó e sua mãe provocaram mais uma mudança significativa
na vida de Júlia, além da necessidade dela se reorganizar de forma mais
solitária e para elaborar a falta que os seus familiares fazem. Os seus amigos
têm sido importantes para que ela consiga continuar com as suas metas na
vida.

Presente ocupacional
Júlia se define como uma mulher dona de suas vontades, professora de um
curso técnico muito mais do que uma designer; doutoranda, com funcionários
para administrar, com uma casa para cuidar e contas para pagar. A
autorreflexão a partir dos seus fazeres permitiu que Júlia identificasse que o
papel mais importante de sua vida é cuidar de si mesma e do que se encontra
ao seu redor, pois, para ela, conseguir organizar as coisas permite que tudo
consiga fluir da melhor maneira.
Ela mora sozinha em uma casa adaptada e necessita de ajudas físicas para
tomar banho, vestir-se, transferir-se, dentre outros fazeres. Em seu uso do

79
tempo, ela gosta do que chama de “não fazer nada”: momentos em que
prefere descansar e assistir programas como séries de TV. Júlia prioriza esse
momento por ter pouco tempo livre para fazer isso. Pintar e desenhar são
atividades que lhe fazem bem. Pegar um pedaço de papel e pintar “desliga-a”
do mundo e gera prazer. Júlia gosta de ler coisas que não sejam acadêmicas, e
gosta do livro físico, do cheiro dos livros, de manuseá-los.
O uso da sua cadeira de rodas permite que Júlia possa tomar sol, quando
possível. Ela faz isso porque lhe traz uma alegria imensurável, mas
atualmente ela interrompeu esse momento em função de um tratamento
dermatológico. Ela gosta de ficar em casa com o seu cachorro, porque se
sente confortável, e tem evitado sair de casa porque entrar e sair do carro com
a cadeira, chamar táxi etc. lhe dá muito trabalho.
Júlia gosta muito de estudar e dar aula, e descobriu isso quando a sua mãe
adoeceu, porque foi uma forma dela colocar a cabeça em outro lugar. Ela tem
dedicado a maior parte do seu tempo ao estudo, porque tem por meta concluir
o doutorado em breve, mas tem encontrado dificuldades em concentrar-se nas
tarefas relacionadas a essa atividade, e escrever cansa fisicamente, pelo
esforço no uso das mãos para digitar.
No momento, Júlia planeja a sua rotina com o foco no trabalho e no estudo
para melhorar suas condições de vida e profissionais, e isso é muito
significativo para ela nesse momento. Para Júlia, trabalhar é muito
importante, porque ela se sente capaz diante das condições de ser mulher e
tetraplégica. Para ela, as pessoas ainda duvidam muito pelo seu estereótipo.
Júlia gosta de trabalhar porque o trabalho lhe dá a sensação de capacidade.
Ela gosta de sentar na sua cadeira motorizada e sair para trabalhar de forma
independente, o que a faz sentir menos deficiente, a despeito da falta de
acessibilidade na sua cidade, por exemplo, quando ela tem que dividir a rua
com caminhões, ônibus e carros, porque as calçadas são quebradas ou não
existem.
A cidade onde Júlia mora é mal projetada. Ter táxi acessível facilita, mas
ainda é difícil ter lazer fora de casa, porque existe uma rotina dela ter que
entrar no carro, sair do carro, guardar a cadeira etc. Ela gosta de ir a lugares

80
com a cadeira sem ter que sair dela. Apenas um espaço cultural tem boa
acessibilidade, além do cinema de um shopping.
Júlia gosta mais de ouvir as pessoas e fala pouco de si. Ela conta com
amigos, com os quais compartilha a vida, amigos do trabalho, da faculdade,
da infância. Ser amiga é um papel que Júlia gosta de ter porque ela tem
relações sólidas, e as pessoas que entram na sua vida dificilmente saem, não
importa a distância; eles(as) são importantes para ela.
Ela gostaria de ser menos dependente de outras pessoas para o que precisa
fazer e de ter uma rotina de atividade física. Esta última, Júlia ainda não
conseguiu ter, pelos cuidados que têm ocupado bastante o tempo: acordar,
sondar, trocar de roupa e sentar na cadeira levam quase uma manhã inteira.
Recentemente, por causa de uma lesão por pressão na região sacral e dos
cuidados requeridos para esse problema, Júlia tem tido a sua rotina alterada,
em alguns casos, com a necessidade de hospitalização.
Júlia deseja no futuro ser uma pessoa com hábitos mais saudáveis para ter
mais qualidade de vida, independência e autonomia, tornar-se uma professora
universitária, dar uma aula bem dada e conseguir realizar-se, satisfeita com
aquilo que faz, mesmo diante de toda a situação política atual de
impedimentos. Ela também deseja, em um futuro próximo, cuidar mais do seu
cachorro, estar mais próxima dos amigos e viajar mais com eles.

Foco ocupacional
Reorganizar a rotina (uso do tempo).
Engajar-se em atividades físicas.
Encontrar espaços de lazer que sejam significativos nos ambientes imediato e
comunitário.
Utilizar recursos auxiliares para o engajamento no estudo.
Estar mais próxima dos amigos.
A estrutura da formulação ocupacional permite, a partir de uma breve
narrativa, identificar o foco ocupacional que poderá auxiliar na elaboração de
objetivos de intervenção. Ainda, por meio dos conceitos do MOHO (ver
Glossário)17,18 e das avaliações utilizadas, pode-se observar a interação
dinâmica entre os conceitos do modelo (Figura 1):

81
1. Júlia identifica-se com vários papéis, incluindo o de estudante, trabalhadora,
amiga, passatempo/amador, serviços domésticos e quanto ao que define como
cuidar de si mesma. Estudar e trabalhar são os papéis identificados como os
mais importantes no seu momento atual de vida. Ela quer, em um futuro breve,
tornar-se uma professora universitária (identidade ocupacional).
2. Júlia tem conseguido cumprir com as suas ocupações de trabalho e estudo em
parte de seu tempo. Essa competência tem sido afetada pelos cuidados com a
sua saúde. Ela tem um senso de capacidade com relação ao que consegue ou não
fazer dentro dos seus papéis ocupacionais (competência ocupacional).
3. Júlia tem se engajado em atividades que estão ao seu alcance no ambiente
imediato (casa e trabalho). Ela tem participado de atividades
predominantemente relacionadas aos estudos, porque tem por meta concluí-los o
mais breve possível. Por isso e pelos problemas de saúde (lesão por pressão na
região sacral), tem sentido uma necessidade de descansar e repousar
(participação ocupacional).

Figura 1 Interação dinâmica dos conceitos do MOHO. Fonte: adaptado de Taylor, 2017.19

4. Júlia apresenta restrições quanto àquilo que o seu corpo permite fazer com
independência. Cuidar de si é um desejo e ela o faz com autonomia, mas com

82
dependência de auxílio físico para tomar banho, enxugar-se, vestir-se e outros
(desempenho ocupacional).
5. As habilidades motoras são restritas pelo nível alto de tetraplegia, portanto,
segurar objetos por um longo período, alcançar objetos e ações motoras mais
finas são difíceis. As habilidades de comunicação e interação são boas. A de
comunicação pela escrita manual é prejudicada pelas habilidades motoras. O
uso do computador auxilia, mas ainda é cansativo para digitação, o que requer
uma grande quantidade de tempo (habilidades ocupacionais).
6. Os amigos têm sido um suporte social importante para Júlia, mesmo a distância.
Ela sente-se pertencente ao papel de amiga com um bom senso de competência,
porque julga que sabe ouvi-los e aconselhá-los e gosta de ter os poucos amigos
sempre por perto. O lazer fora de casa é restrito pelas barreiras ambientais,
embora alguns espaços possam oferecer a acessibilidade; para ela, ter que se
preparar para sair de casa é tão trabalhoso que prefere não sair (ambiente).

A partir dessas informações, vários objetivos podem ser elaborados junto


com a cliente. Escolhendo-se um objetivo dentro do papel estudante, poderia
ser trabalhado o exemplo seguinte:
Dentro de 2 semanas (tempo), Júlia fará o uso de um software (objeto/ambiente)
para leitura de voz e transcrição da comunicação (habilidades de comunicação e
interação) para aumentar o engajamento[**] na escrita de sua tese com maior
efetividade (mudança no desempenho ocupacional), em casa (ambiente
imediato).

Para intervir no papel ocupacional de estudante, o desempenho ocupacional


para a escrita pode ser pensado a partir da recomendação, por exemplo, do
uso de um software de transcrição de voz em texto. Tarefas de escrita de um
texto de apresentação pessoal poderiam ser uma forma de praticar o uso da
tecnologia diariamente.
A adoção da estrutura da formulação ocupacional e dos conceitos do
MOHO claramente favorece o raciocínio profissional para a prática centrada
no cliente e focada na ocupação. Terapeutas ocupacionais podem utilizar
esses fundamentos para as suas práticas, servindo também como forma de
comunicar sobre os seus clientes e para produzir e documentar evidências das
intervenções.
O processo de avaliação com Júlia permitiu um espaço de escuta de sua
história e do resgate, por meio do modelo, para o sentir, o pensar e o fazer.21

83
Este é outro exemplo de como o modelo pode favorecer reflexões sobre o
fazer e gerar mudança, conforme observa-se no relato de Júlia:

Pensar nas ocupações, por si só, é um exercício que nem sempre


acontece, porque tenho por hábito ir fazendo tudo sem muito
planejamento. Pensar sobre elas me faz organizar um pouco mais minha
rotina, fazer inserções de tarefas, pausando quando acho necessário,
tentando quantificar meu tempo para que ele tenha mais qualidade.
Entendo que isso gere muitas vezes medo, tensão, angústia de não
conseguir fazer tudo o que eu pensei e planejei, talvez porque ainda não
tenha “controle” sobre o tempo determinado para cada ocupação. Mas
quando tudo acontece como planejado, ou quase, me sinto confortável e
mais tranquila.

Para finalizar, o MOHO é sobre conhecer a pessoa a partir de suas


ocupações. É necessário um processo de autoconhecimento, pois envolve um
convite ao sujeito para refletir sobre si mesmo por meio do fazer e de como
ele ocupa o seu tempo.
A narrativa apresentada a partir do conceito de formulação ocupacional
permite conhecer a pessoa sob o ponto de vista de uma teoria que tem direta
aplicação prática, porque foi construída com base em experiências de
intervenção. Ela permite aumentar o foco para além das habilidades físicas ou
mentais a fim de abranger o que as pessoas fazem em suas vidas, suas
aspirações, a construção de identidades e de competências que geram
adaptações a partir das ocupações, dentro de um contexto social.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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pesquisa no Brasil. Revista Interinstitucional Brasileira de Terapia Ocupacional.
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Wolter Kluwer; 2017.
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a scoping review. Br J Occup Ther. 2019;82(5):272-87.
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considerado el rescate del sentir, no solo del pensar y actuar. TOG Revista
Terapia Ocupacional Galicia. 2008;6(9):1-11.

* Para este capítulo, utilizaram-se as avaliações “Lista de Identificação de Papéis


Ocupacionais”,12 Occupational Self-Assessment (OSA)13 e Model of Human Occupational
Screening Tool (MOHOST),14 estas últimas adaptadas transculturalmente na Universidade
Federal de São Carlos.
** O termo engajamento ocupacional tem sido utilizado de forma não consensual na terapia
ocupacional, mundialmente. Uma revisão de escopo recente apontou que a sua definição
abrange: o engajamento ativo na ocupação; o desenvolvimento de identidade a partir da
ocupação; ter valor e significado; equilíbrio; experiência subjetiva; interação mental e
social.20

86
7 Práticas da terapia ocupacional em saúde do
trabalhador
Ana Paula Pelegrini Ratier

DESCRIÇÃO DE UM CASO DE TRABALHADOR COM


LER/DORT E ATUAÇÃO DA TERAPIA OCUPACIONAL
Angélica, 55 anos, é funcionária do setor de nutrição de um hospital de
média complexidade do estado de São Paulo. Seu posto de trabalho é o
lactário, onde prepara dietas enterais e mamadeiras para pacientes internados
nesta instituição com uma carga horária de 36 horas semanais.
Foi encaminhada à terapia ocupacional por um dos ortopedistas gerais
deste hospital devido a um quadro doloroso no ombro direito e dor nos dedos,
com início há 6 meses e correlação com atividades de trabalho.
Com relação aos seus dados sociodemográficos, Angélica é casada e mora
com o marido em uma casa. Trabalha nesse hospital há 23 anos e desloca-se
de ônibus para o trabalho. Exames de imagem evidenciaram artrose em
estágio II em interfalângicas distais e interfalângicas proximais de ambas as
mãos, sem deformidades e tendinopatia crônica de músculo supraespinal em
ombro direito. Apresenta hipertensão arterial sistêmica (HAS) como doença
de base significativa.
Na avaliação do Questionário Nórdico de Sintomas Osteomusculares
(QNSO), apresenta dor na avaliação dos últimos 12 meses e dos últimos 7
dias em ombro direito e mãos, tendo necessidade de busca por intervenção
por comprometer suas atividades diárias. Pela Escala Visual Analógica
(EVA), apresenta pontuação 3 para a dor nas mãos e 7 para o ombro direito,
mesmo durante o repouso. O resultado da avaliação de sua funcionalidade por
meio do questionário Disabilities of the Arm, Shoulder and Hand (DASH) foi
de 51 pontos.

87
Angélica referiu as seguintes atividades de vida diária com nível de
dificuldade médio ou difícil: abrir um vidro novo ou com tampa muito
apertada, preparar refeições, colocar algo em uma prateleira acima de sua
cabeça, trocar uma lâmpada acima da cabeça, lavar ou secar o cabelo e lavar
suas costas. Já com relação ao trabalho, os dados do DASH mostraram que
ela tem muita dificuldade em usar a mesma quantidade de tempo fazendo seu
trabalho e fazê-lo tão bem quanto gostaria.
Diante dessas queixas, foram elencados os seguintes objetivos: minimizar
quadro álgico, adequar posturas e movimentos nas atividades cotidianas e
vigilância em posto de trabalho. Para o cumprimento desses objetivos,
lançou-se mão das seguintes intervenções: ensino de técnicas de massagem,
ensino de uso correto de termoterapia, confecção de órtese de repouso para
mãos, simulação e orientação nas atividades de vida diária (AVD) com
intervenções para proteção articular, visita e avaliação de posto e atividades
de trabalho e orientações a chefia e colegas.
Nas duas primeiras sessões, foram confeccionadas as órteses de repouso,
em termoplástico, sob medida, para dedos de ambas as mãos, as quais
deveriam ser utilizadas no período noturno. As órteses mantinham as
articulações metacarpofalângicas em leve flexão e as interfalângicas em
extensão. Além disso, a paciente foi orientada com relação ao uso do calor
terapêutico, tendo em vista a ausência de sinais flogísticos de inflamação;
também foi ensinada a automassagem com bolinha de tênis em região de
musculatura de ombro (deltoide e trapézio).
Posteriormente, simularam-se as AVD de maior dificuldade descritas por
Angélica e foram orientadas mudanças ergonômicas e posturais, como: usar
as articulações mais fortes; assumir posturas em correto alinhamento
biomecânico; engrossar cabos de facas, colheres grandes e utensílios de uso
pessoal e limpeza; usar bucha de cabo longo para banho; realizar sentada as
atividades de lavar e secar cabelos e com membros superiores apoiados em
pia ou pernas (para lavagem de cabelos, tinha como alternativa realizar em pé,
com leve flexão anterior de tronco e pescoço); uso de escada firme para
atividades elevadas, e novo posicionamento de objetos de maior uso na altura
entre as cinturas escapular e pélvica.

88
Prosseguiu-se para o processo de avaliação em seu posto de trabalho, no
qual houve, durante um período do dia, a observação da funcionária na
execução de suas atividades laborais. Por meio de um roteiro simplificado de
análise ergonômica do trabalho, foi possível observar as atividades de:
preensão de latas de leite, preensão de pote de inox com água e passagem para
a jarra medidora, colocação de panelas e jarras sobre o balcão, dissolução de
amido, envase de mamadeiras e lavagem de louças. A partir dessa análise,
constataram-se inadequações de movimentos e mesmo do local de colocação
dos equipamentos.
Após o processo de observação e com o auxílio de fotos e informações
ilustradas, as posturas, o uso do corpo e os posicionamentos foram
apresentados e discutidos com Angélica. Em outro dia, retornou-se ao setor de
trabalho visando a experimentar novas formas de realização de atividades e
novos locais de armazenamento de objetos de uso sistemático. Em conjunto
com ela e pensando em preservar as articulações acometidas, foram
elaboradas soluções para os problemas visualizados.
Novamente retornou-se ao lactário para explicitar as necessidades de
correções e para coletar sugestões de melhorias com as demais funcionárias
do setor. De posse de toda essa informação, foi preparada uma palestra para
validação junto às funcionárias e respectiva chefia sobre a necessidade de
implementação de modificações, que incluíram: preensão bimanual e com
objeto próximo ao corpo de todos os equipamentos com mais de 1 kg,
dissolução de amido em local rebaixado e com apoio do pote, alternância de
atividades sentadas e em pé, bem como de atividades de movimentos finos
das mãos (p. ex., tampar mamadeiras) e aquelas com maior amplitude de
articulações proximais (p. ex., envase e dissolução de amido), apoio de braços
durante todas as atividades, especialmente no envase de mamadeiras (em que
as trabalhadoras sugeriram apoio de cotovelos em caixa organizadora, para
minimizar movimentos repetitivos e contra a gravidade de abdução de ombro)
e modificação do local de armazenamento de panelas e jarras.
Não obstante, trabalhadoras e chefia foram sensibilizadas com relação à
execução das atividades de trabalho com consciência corporal e em ritmo
individual.

89
O processo de intervenção durou 4 meses, sendo as 6 primeiras sessões
agendadas semanalmente e as demais com crescente intervalo de tempo, em
virtude da melhora da paciente. Na última intervenção, foram reaplicadas a
EVA de dor, o QNSO e o DASH. A EVA resultou em 0 para mãos e 3 para o
ombro direito, evidenciando redução importante da intensidade de dor; no
QNSO dos últimos 7 dias, constatou-se ausência de dor em mãos. Com
relação ao DASH, observou-se uma melhora de sua funcionalidade, tendo
alcançado a pontuação de 33, sendo que Angélica referiu apenas pouca ou
nenhuma dificuldade nas atividades em que apresentava maiores queixas.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA
A profissão de terapia ocupacional preconiza que as ações desenvolvidas
sejam aplicadas considerando a demanda de cada indivíduo, objetivando
maior conforto e independência na realização das atividades do dia a dia. O
terapeuta ocupacional (TO) pode atuar na análise das atividades e dos
equipamentos utilizados, propor adaptações em âmbito individual ou coletivo,
orientar quanto ao melhor posicionamento biomecânico das estruturas
corporais e escolher recursos terapêuticos apropriados para prevenir sintomas
ou amenizá-los.1
A prática de terapia ocupacional deve ser guiada pelos quadros e modelos
referenciais dessa profissão. A escolha de um tipo ou outro dependerá das
circunstâncias individuais, das demandas do usuário e do raciocínio clínico do
TO. Nesse sentido, existem dois quadros de referência primários (QRP) que
oferecem suporte à ação do TO: o fisiológico e o psicológico.
O quadro de referência fisiológico pressupõe a necessidade de realizar
diversas atividades ativamente para assegurar sua sobrevivência, o que
implica melhor interação dos sistemas osteomuscular, cardiovascular,
neurológico, endócrino e sensorial.2 Nesse QRP, destaca-se o quadro de
referência aplicado (QRA) biomecânico, concernente ao movimento
funcional, amplamente utilizado no processo de reabilitação física, que pode
se aplicar ao trabalhador com Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao
Trabalho (DORT) e que foi utilizado nessa proposta de intervenção. Neste

90
referencial, o TO considera o trabalho no corpo, almejando a melhoria da
funcionalidade nas atividades do dia a dia.2
De forma a construir um corpo de conhecimento técnico-científico sólido
no campo de terapia ocupacional em reabilitação física, é impreterível o uso
de avaliações padronizadas.
Para avaliar a capacidade funcional, o DASH é um questionário que
verifica o grau de dificuldade em executar diferentes atividades decorrente de
problemas em ombros, braços ou mãos, e é amplamente utilizado na área de
reabilitação de membros superiores (MMSS) como indicador do impacto de
uma patologia ou lesão, tendo sido validado para uso no Brasil por Orfale et
al.3 Além do DASH, é adequado usar outras escalas ou questionários que
permitam comparar resultados pré e pós-intervenção, tanto para nortear o
tratamento quanto para detalhamento dos objetivos a serem alcançados.
Além das avaliações aqui aplicadas, existem outras possibilidades bastante
difundidas de avaliação em reabilitação física, como: a medida de
independência funcional (MIF), a medida canadense de desempenho
ocupacional (COPM) e o Questionário de Estado de Saúde SF-36.
Os DORT são definidos como um grupo heterogêneo de distúrbios
funcionais e/ou orgânicos de causas diversas, como: trabalho em posturas
fixas e/ou biomecanicamente inadequadas, movimentos repetitivos, ausência
de pausas e excesso de trabalho.4 Estes quadros apresentam uma
peculiaridade: sua correlação com o trabalho nem sempre está clara, gerando
confusões diagnósticas e de tratamento.
Para uma compreensão abrangente dessas patologias, é necessária uma
análise para além do corpo do sujeito no setting terapêutico; é imperativo
compreender o contexto do trabalho – com sua atual intensificação e
sobrecarga, fatores organizacionais, o ritmo, as posturas e as obrigatoriedades
na repetitividade de movimentos, muitas vezes fora do padrão biomecânico
adequado.5
Para a população com DORT, diversos estudiosos recomendam
intervenções, como orientações de ergonomia, realização de atividade física,
ginástica laboral, técnicas de relaxamento, dentre outras, no intuito de
promover melhora de bem-estar, qualidade de vida e saúde.6 Nesse sentido, a

91
inclusão de intervenções diversificadas para essa paciente está em
consonância com a literatura, uma vez que a combinação de técnicas e
orientações é o que parece trazer mais benefícios e de maior duração.7-9
Dentre as intervenções não farmacológicas amplamente utilizadas, há o uso
de agentes físicos, como gelo e/ou calor para diminuir a dor, aumentar a
amplitude de movimento (ADM) e facilitar a reparação tecidual.10,11
Complementando o uso de agentes físicos, acredita-se que a massagem
também pode produzir diversos efeitos benéficos em quadros dolorosos,
sejam eles biomecânicos neurológicos e/ou psicológicos. Para minimizar
quadros álgicos, a massagem age promovendo aumento da capilaridade, da
maleabilidade muscular e da ADM e diminuição da rigidez muscular. Não
obstante, o massageamento realizado de maneira correta pode gerar mudanças
na atividade parassimpática e nos níveis hormonais, resultando em uma
resposta de relaxamento e sensação de bem-estar, além de modificar o estado
de humor.12
A análise de atividades realizada pelo TO propicia compreender e auxiliar
na melhora da funcionalidade, na capacidade de executar atividades,
assessorando o indivíduo a ter a máxima autonomia e independência na sua
rotina, prezando pelo alinhamento biomecânico, conforto e satisfação.
Considerado como um dos principais recursos da terapia de mão e
largamente difundidas na área de reabilitação física há décadas, as órteses são
dispositivos de auxílio pré-fabricados ou moldados sob medida, que podem
ser aplicados a qualquer parte do corpo e que têm como objetivos: alívio de
dor, estabilização de estruturas, proteção a novas lesões, promoção de
reparação tecidual, prevenção ou correção de deformidades e auxílio na maior
participação em atividades domésticas, de lazer e profissionais.13
Como mencionado anteriormente, cabe destacar que a área de saúde do
trabalhador, por sua abrangência multicausal, requer uma ampliação dos
recursos tradicionais. Nesse sentido, além dos recursos usuais da reabilitação
física, voltados para melhora da funcionalidade, devem ser utilizadas outras
ferramentas capazes de captar elementos do processo de trabalho.5
Métodos como análise ergonômica do trabalho (AET) e análise
psicodinâmica do trabalho (APT) têm sido preconizados por diversos

92
estudiosos da área de saúde do trabalhador. Ambas são práticas
complementares, pois preconizam, cada uma com suas especificidades e
objetivos, a escuta e a intervenção na coletividade de trabalhadores daquele
local, abrindo possibilidades de reflexão e transformação do trabalhador sobre
suas atividades, maquinário, situações de risco e prevenção, bem como das
relações de trabalho.14
Em resumo, a AET detalha as etapas de trabalho na sua situação real,
elencando cada etapa e reconstruindo-as (análise da demanda, análise da
tarefa e análise da atividade), com a finalidade de propor melhorias nas
demandas reveladas.15 A avaliação ergonômica compreende uma das partes
primordiais do processo de tratamento do trabalhador doente, tendo em vista
que essa análise possibilita estudar e avaliar ferramentas, máquinas,
mobiliário, sistemas, tarefas e atividades realizadas pelo trabalhador e propor
mudanças que minimizem os fatores de risco evidenciados.16
Também de maneira bastante sintetizada, a APT busca compreender, do
ponto de vista do trabalhador, os aspectos psíquicos e subjetivos que são
mobilizados a partir das relações e da organização do trabalho, como
estratégias defensivas, motivações, sofrimento e reconhecimento, e tem como
objetivos modificar as relações subjetivas do trabalho, isto é, modificar o
trabalhador em seu ato de trabalhar.17
Considerando a dimensão dos DORT no mundo atual do trabalho, acredita-
se que o cuidado realizado pela terapia ocupacional é apenas uma parte das
demandas mais amplas, as quais envolvem vigilância, prevenção e
reabilitação realizada por equipes multiprofissionais e de outras esferas que
conversam com a área da saúde, como seguridade social, trabalho e meio
ambiente.18
As referências de literatura apontam que intervenções multimodais para
portadores de dor crônica, isto é, lideradas por múltiplas profissões, que
enxergam o doente de forma holística e o envolvem ativamente na sua
reabilitação, possuem as melhores evidências para alívio da dor, para retorno
ao trabalho e para diminuir as licenças para tratamento de saúde.19 Além
disso, intervenções multiprofissionais colaboram para que os doentes

93
compreendam seu processo de adoecimento, ampliem seu grau de autonomia,
socializem dúvidas e resgatem sua cidadania.20

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95
8 Paradesporto: da reabilitação ao alto rendimento
– cliente com lesão medular
Heitor Vaselechen Rodrigues Teixeira

MARCOS INICIAIS
O esporte tornou-se um aliado nas ações das equipes de reabilitação nos
centros hospitalares em períodos de guerra, proporcionando às pessoas com
deficiência uma oportunidade de retornar à sociedade e ao mercado de
trabalho e iniciar uma atividade de lazer, podendo, assim, conquistar uma
vida produtiva e mais independente. Nesta jornada, há dois marcos
importantes para a vida das pessoas com deficiência: o início da terapia
ocupacional e as primeiras modalidades adaptadas.
A entrada dos Estados Unidos na 1ª Guerra Mundial, em 1917, foi
significativa para os avanços da terapia ocupacional, porque a profissão
estava direcionada às doenças mentais. Neste período de conflitos, ocorreu
um aumento dos soldados feridos, havendo uma solicitação direta a National
Society for the Promotion of Occupational Therapy (NSPOT), atualmente
conhecida como American Occupational Therapy Association (AOTA), para
que fossem formados em torno de 1.200 profissionais para atuar na
reabilitação dos soldados feridos em combate. As ações de cuidados eram
holísticas, tratando corpo e mente, sendo de suma importância na fase de
convalescença, realizando o retorno de 80% dos feridos à sociedade e ao
trabalho. Dessa forma, reduzia-se a permanência no leito, permitia-se uma
rotatividade de pacientes e reduziam-se os custos com medicamentos e
equipes hospitalares.1,2
Entre os anos de guerra, o governo norte-americano voltou seus olhares
para a melhora da vida dos combatentes, sendo criada a Lei de Guerra Seguro
de Risco, que previa reabilitação, fornecimento de cadeira de rodas, próteses,
entre outros auxílios hospitalares. Em apoio, o Dr. Goldthwait defendia o

96
processo de reabilitação utilizando a ocupação como ferramenta, pois o ferido
utilizaria o local afetado, deste modo, estimulando os sistemas circulatório e
musculoesquelético, reduzindo problemas secundários e proporcionando um
retorno ao trabalho mais rápido. Já o Dr. Elliott Brackett afirma que este
retorno ao trabalho, por meio de ações ortopédicas com mobilização
articulares e musculares, com facilitadores de função, favoreceria também a
saúde mental do soldado e sua evolução clínica.1
O psicólogo Baldwin foi o diretor responsável pelos serviços iniciais da
terapia ocupacional no Hospital Geral Walter Reed, em fevereiro de 1918. Ele
foi o responsável por defender o uso das abordagens biomecânicas pela
terapia ocupacional, utilizando movimentos repetitivos para melhorar as
capacidades articulares, musculares e de força. Um dos princípios para
defender essa proposta foi que os terapeutas ocupacionais utilizavam as
atividades para: desenvolver as ocupações e as atividades de vida diária
(AVD), melhorar a eficácia de sua função, entre outros. Esse processo fez
Baldwin criar o que hoje se conhece como goniômetro, a fim de mensurar e
comprovar a evolução do paciente que utilizava as técnicas profissionais de
terapia ocupacional.1,2
A prática paradesportiva conhecida atualmente teve sua origem na
Inglaterra, na cidade de Aylesbury, onde o médico neurologista e
neurocirurgião Ludwig Gutmann iniciou um processo de reabilitação pioneiro
com os ex-combatentes da 2ª Guerra Mundial. O médico Gutmann usou as
práticas de esporte como meio de reabilitação, tendo como finalidade a
redução do estresse hospitalar, melhoras físicas, psicológicas, sociais e de
retorno ao mercado de trabalho.3 O mesmo direcionamento foi aplicado pelos
terapeutas ocupacionais, nesta mesma guerra, na reabilitação destes militares
para que conseguissem realizar não somente habilidades manuais, mas sim
direcionar as AVD como recurso terapêutico.2
Com uma demanda crescente e com resultados positivos no decorrer dos
anos, o Dr. Ludwig iniciou os jogos internos em seu hospital com a
modalidade de arco e flecha e arremesso de dardos, conseguindo compor este
evento com 16 atletas paraplégicos. Os jogos foram batizados de Stoke
Mandeville Games, com data de abertura em 19 de julho de 1948, mesmo dia
das aberturas dos jogos Olímpicos de Verão de Londres.4

97
Um registro importante dos hospitais nos Estados Unidos mostrou que seus
serviços de reabilitação apresentavam como meta final proporcionar
independência, autoconfiança, lidar com as atividades diárias, como o uso do
banheiro, sexualidade, alimentação e, principalmente, respeitar o período de
transição da reabilitação, descrito como “transição do ser ‘doente’ em ser
‘apto’, visando à qualidade de vida”.5 Tais premissas são iguais às praticadas
pelos terapeutas ocupacionais na reabilitação física, evidenciando, assim, uma
mesma meta norteadora, no esporte adaptado, usando atividades manuais ou
construtivas.2
Deste modo, ao se comparar estes movimentos realizados com foco na
reabilitação e os militares, observa-se que ambos tinham a intenção de levar
mais conforto no processo de hospitalização, tendo um olhar direcionado ao
retorno ao trabalho e à sociedade, tratando o ser humano como um todo, e não
apenas como um ferido de guerra. Essas ações favorecem a melhora global de
cada combatente, reduzindo problemas de saúde mental e afastamentos
sociais e motivando a ocupação, seja ela por meio do esporte como
lazer/rendimento ou de adaptações de funções no mercado de trabalho.

PESSOA COM LESÃO MEDULAR E ESPORTE


A lesão medular (LM) vem acometendo cada vez mais a população,
apresentando uma incidência de 15 a 40 pessoas por milhão de habitante por
ano (nível mundial), sendo que, no Brasil, são estimados até 8 mil novos
casos ao ano. Como consequência, observa-se um aumento na entrada nos
centros de reabilitação decorrente de etiologias traumáticas, como acidentes
de moto e carro, acidentes de trabalho, mergulhos em água rasa e ferimento
por arma branca.6
A LM acomete os sistemas motor e sensitivo, interferindo na qualidade de
vida, em aspectos emocionais e na autoimagem. As limitações em mobilidade
interferem fortemente nesses aspectos, pois envolvem a dificuldade de
participação do sujeito em atividades como as de lazer ou mercado de
trabalho, as quais são comprometidas pelas limitações em acessibilidade aos
espaços públicos e privados.7

98
Em prol da pessoa que sofreu um trauma raquimedular (tetraplégico ou
paraplégico), o esporte vem promovendo a inclusão por meio da promoção do
lazer e uma possível carreira profissional, praticando diversas modalidades
em formato adaptado. São modalidades que possuem regras semelhantes às
olímpicas, havendo um critério de classificação funcional utilizado para
nivelar as capacidades funcionais para cada deficiência e esporte praticado,
tornando o paradesporto justo para todos.7
Nas modalidades esportivas realizadas por atletas com LM, o membro
superior tem um fator importante em toda sua prática, pois as modalidades
dependem dos gestos esportivos, como arremessos precisos entre os
jogadores, velocidade na propulsão e frenagem da cadeira de rodas, controle
de tronco e harmonia nos gestos mais complexos. Assim, o cuidado com a
estrutura do membro superior torna-se fundamental.7
Em razão do recente movimento de profissionalização e alto rendimento
dos atletas paraolímpicos, os estudos patológicos e sua mensuração estão em
evolução. São trabalhos que permitem detalhar as lesões com maior
incidência, por exemplo, a sobrecarga dos movimentos repetitivos e de força
no membro superior, sendo gerada não somente pelo esporte, mas pela
somatória do toque da cadeira de rodas usual e suas transferências,
acarretando as lesões por overuse.8
Assim, conhecendo um pouco do público e os locais de maior
acometimento por lesões, fica acessível observar as atividades propostas pelo
profissional de terapia ocupacional no paradesporto e sua importância em
todo o processo, iniciado na reabilitação até os diversos locais de atuação dos
atletas.

DESCRIÇÃO DO CASO
Cliente A. L., gênero feminino, 25 anos, lesão medular traumática (acidente
automobilístico) nível C5 e C6, acidente ocorrido em 15 de novembro de
2015, estudante de direito e atualmente atleta de rúgbi em cadeira de rodas da
equipe BSB Quad Rugby.
Antes do acidente, A. L. cursava o 8º semestre do curso de direito,
estagiava na Procuradoria Geral da República, estava no auge do seu estado

99
físico, pois se preparava para a prova de Delegada Federal. No momento do
acidente, ela era a única a utilizar o cinto de segurança, entretanto, o
capotamento e o deslocamento das outras pessoas propiciaram o trauma em
sua coluna cervical. A retirada do veículo foi complicada, pois a cliente ficou
presa nas ferragens e no cinto; os bombeiros tiveram que serrar o veículo e
não conseguiram colocar o colete cervical para fazer sua retirada. Ela sentia
muitas dores e parestesias (choques) pelo corpo. Foi levada consciente ao
hospital e, depois dos resultados das lesões em nível cervical, sua família
transferiu-a para outro hospital com maiores recursos para os procedimentos
cirúrgicos. Apresentou quadro de pneumonia, o que resultou em atelectasia,
tendo que fazer uso temporário de traqueostomia. Sua alta ocorreu após 45
dias de internação. Necessitou de assistência no domicílio, respirava com
auxílio de oxigênio e apresentou níveis baixos de saturação, evoluindo com
parada cardiorrespiratória, na qual foi reanimada por sua mãe em sua
residência.

OLHAR DA REABILITAÇÃO COM O ESPORTE


Os trabalhos do terapeuta ocupacional no desporto e paradesporto foram
reconhecidos pelo Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional
(Coffito)9 em 18 de dezembro de 2017, sendo previstos e assegurados pela
Resolução n. 495, a qual permite que estes profissionais trabalhem de modo
preventivo na utilização de tecnologia assistiva, melhorando seu desempenho
profissional como atleta; também prevê a formação como classificador das
modalidades.
Esta imersão amplia o conhecimento sobre as peculiaridades de cada
modalidade e os gestos esportivos mais utilizados, possibilita conhecer as
normas regulamentadoras aplicadas e as possíveis adaptações ou utilização de
órteses nas competições. Já as vivências constantes, em que o profissional
acompanha a rotina do atleta e seu ciclo esportivo (calendários de
competição) permite a observação de eventos secundários que podem ser
geradores de lesão, comprometendo o rendimento esportivo, sendo, nos
paratletas cadeirantes, a utilização diária de cadeira de rodas, transferências,
quedas, entre outros.

100
O esporte possui um dinamismo que permite ao terapeuta ocupacional
trabalhar de forma ampla a reabilitação de seu cliente, gerando uma adesão ao
tratamento a partir de uma atividade que não somente colabora para os
critérios físicos, como também amplia consecutivamente para o psicológico e
o social. Ao olhar uma modalidade esportiva como facilitadora, pode-se
identificar uma correlação com as práticas profissionais, dentro da demanda
apresentada pelo cliente.
No caso da A. L., o primeiro passo foi identificar uma modalidade
paradesportiva que contemplasse sua situação física atual (tetraplegia) e que
auxiliasse no processo de reabilitação física, visando às melhorias das suas
funções do corpo, que são, segundo a American Occupational Therapy
Association (AOTA):10
Funções neuromusculoesqueléticas e relacionadas ao movimento: articulares e
ósseas, musculares e do movimento.
Funções sensoriais: vestibular, proprioceptivas, tátil, dor e sensibilidade para
textura e pressão.
Funções dos sistemas cardiovascular, hematológico, imunológico e respiratório.
Complementando, o mesmo documento apresenta o que o esporte
trabalhará referente às habilidades motoras, como: alinhamento, movimento,
estabilidade, sustentação, posicionamento, calibração e refinamento, alcance,
fluidez, inclinação, resistência, preensão, ritmo e coordenação.
Entre as modalidades pertinentes a sua classificação funcional, a cliente
escolheu o rúgbi em cadeira de rodas, por ser mais ativo e por trabalhar seu
corpo por completo, tendo como gestos esportivos: toque de cadeira
(propulsão, frenagem e manobras), toque, arremesso e recepção de bola,
movimentação de inclinação na cadeira, segurar a bola, conduzir a cadeira e
realizar táticas de defesa travando a cadeira do oponente.
Toda esta rotina de treinos promove um trabalho corporal global em
membro superior (melhorando sua força, resistência e amplitude de
movimento), também trabalhando seu posicionamento de tronco, precisando
apenas de atividades específicas para a mão, por utilizar a área do carpo para
tocar a cadeira. Assim, torna-se possível também que A. L. consiga realizar
suas atividades de vida diária (AVD), como mobilidade funcional, atividades
instrumentais da vida diária (AIVD), como dirigir e mobilidade na

101
comunidade, e utilizar o rúgbi em cadeira de rodas como uma atividade de
lazer.
Além destas atividades, ela aprende a realizar seu deslocamento com a
cadeira de rodas, as melhores formas de realizar as suas manobras, sua
transferência da cama para a cadeira de rodas, por exemplo, como lidar com
os tombamentos da cadeira (rotina da modalidade) e também melhora sua
mobilidade nas adversidades arquitetônicas urbanísticas.
Ao pensar no esporte como um movimento integrador e de participação
social entre seus pares e comunidade esportiva, a socialização ocorre de
forma natural e gradativa, agindo como um facilitador. A AOTA10, ao
apresentar os aspectos do domínio para apoiar o envolvimento e a
participação, apresenta que os contextos e ambientes fazem parte do
entendimento sobre as ocupações do sujeito. Nesse sentido, consideram-se os
contextos temporal, social, cultural, físico, pessoal e virtual. Para tanto, é
importante compreender as expectativa das pessoas, grupos ou populações
com os quais os clientes têm contato. Assim, podem ocorrer trocas de
conhecimento referente à LM e como a experiência de cada um pode agregar
e facilitar seu desenvolvimento.

TERAPIA OCUPACIONAL NO ALTO RENDIMENTO


Já na evolução e na adesão da cliente ao rúgbi em cadeira de rodas, o
terapeuta ocupacional continua com as mesmas atividades, focadas em
aspectos motores para o desenvolvimento no esporte como ocupação
profissional. Dessa forma, as atividades são complementadas com o enfoque
no planejamento dos padrões do desempenho, como rotina entre treinos
semanais, calendário do ciclo esportivo e seu papel como estudante.10
Pensando no melhor rendimento durante os períodos pré-torneios e durante
os torneios, o terapeuta ocupacional deve trabalhar as funções mentais
específicas, como atenção, alto nível cognitivo, memória, pensamento, função
mental para o sequenciamento de movimentos complexos e emocional. O
objetivo é conseguir um melhor processamento das estratégias para cada
partida, entrosamento da equipe para cada jogada, motivação e saber lidar
com as frustrações e ansiedades, trabalhando também as funções mentais

102
globais, lidando com a energia e a disposição neste período. Outra área de
ocupação aperfeiçoada neste processo é o descanso e o sono, uma vez que
esta atividade pode estar prejudicada em razão dos períodos longos de viagens
e com alterações no fuso horário.10
Durante os deslocamentos mais longos, deve-se pensar em modos de trocas
posturais para evitar as lesões por pressão, meios de realizar o uso do
sanitário em ônibus de viagem e aviões. Em caso de hotéis que tenham apenas
banheira como opção para tomar banho, trabalhar antecipadamente estratégias
para a execução da atividade de modo seguro.
Por fim, ressalta-se que todo esporte de impacto e de alta exigência
corporal resulta em lesões. É preciso considerar que as rotinas semanais
desses paratletas são divididas entre treinos táticos, de resistência e de
velocidade, apresentando um volume mais intenso nos períodos de pré-
campeonatos, podendo gerar lesões em membros superiores por overuse. Da
mesma maneira, podem ocorrer acidentes esportivos, tendo como
consequência fraturas/contusões (forma direta) ou estiramentos/fraturas por
avulsão (forma indireta).11 Assim, cabe ao terapeuta ocupacional obter e
aprimorar os conhecimentos direcionados à reabilitação de mão e membro
superior e principalmente sobre a modalidade esportiva praticada, para
realizar as melhores intervenções previstas pelos regulamentos.

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45.

104
9 Doença de Kienböck em atleta de alto
rendimento de polo aquático: estudo de caso
Carla Valle Franca Tamanaga
Beatriz Bagatini

INTRODUÇÃO
A doença de Kienböck foi descoberta no século XX pelo radiologista
austríaco, Robert Kienböck. O médico se atentou à necrose do osso
semilunar, apontando como causa o impacto traumático ocasionando a
ruptura de ligamentos e vasos sanguíneos. Atualmente, mudou-se o
entendimento da causa da doença, passando a acreditar que a osteonecrose
ocorre pela avascularização do osso em questão. Ainda assim, não se sabe
com certeza a etiologia da doença e seus tratamentos corretos.1
Acredita-se que a anatomia do indivíduo seja um fator dominante para o
aparecimento da doença. A fisiopatologia indica que há uma minoria de
pessoas que apresentam a irrigação sanguínea no semilunar apenas pelo lado
palmar, o que pode ocasionar mais facilmente a perda de vascularização nesta
região. É incidente na doença de Kienböck sujeitos com a ramificação
vascular intraóssea em “I” e variância ulnar negativa, que se caracteriza pela
ulna ser normalmente mais curta se comparada ao rádio.1
Nota-se que a doença de Kienböck é relatada a partir de diversos fatores,
ainda assim não é totalmente comprovado que estes fatores sejam as causas
essenciais. Alguns autores relacionam a doença com pequenos traumas
repetitivos e/ou um trauma significativo específico que ocorreu durante a
vida. Segundo Afshar,2 existem estudos que fazem a relação da doença de
Kienböck com a prática de esporte e exercícios rigorosos, chegando à
conclusão que essas atividades podem ser contribuintes no desenvolvimento
da doença.

105
Em esportes como handebol, voleibol, golfe, ginástica, tênis, artes marciais
e no próprio polo aquático podem ocorrer microfraturas e estresse excessivo
na sua arquitetura microscópica, acreditando que pode levar a esta condição
clínica. Esta lesão ocorre geralmente no punho dominante e é unilateral.3
Atualmente, tem-se usado a descrição de Lichtman para classificar as fases
da doença, que são demonstradas em IV etapas, sendo a etapa III dividida em
IIIA e IIIB. Dessa forma, a fase I é o início da interrupção do fluxo sanguíneo
para o osso semilunar, sem alteração morfológica; o principal exame para
identificar a doença nessa fase é a ressonância magnética (RM). A fase II é
indicada pela alteração da densidade do osso, mas não há acometimento na
anatomia, e é possível identificar usando radiografia.1,4 A fase III é
considerada a mais incidente e apresenta o colapso do semilunar. Nesse
estado, existe uma divisão própria, em que a fase IIIA é representada pelo
colapso do osso, sem alterações no alinhamento do carpo; já a fase IIIB
indica, além do colapso, alteração no alinhamento dos ossos capitato e
escafoide. Por fim, a fase IV se caracteriza pela degeneração dos ossos
próximos ao semilunar, podendo se associar a artrose nessa região.1,4
Os principais sintomas da doença de Kienböck são as dores no punho no
nível do semilunar, tanto na palpação quanto ao movimento, ou na região
radial do carpo, que pode ser reproduzida pela aplicação de tração no 3º dedo,
perda de amplitude de movimento (ADM) e força de preensão. Para fechar
diagnóstico, o indivíduo passa pela avaliação clínica e de histórico, e também
pela realização de exames como radiografia e RM.
No entanto, estudos destacaram que existem pacientes assintomáticos ou
com sintomas brandos que não chegam a procurar um médico, de modo que a
doença é descoberta a partir de exame para diagnosticar outra situação. Além
disso, os sintomas clínicos podem não corresponder às imagens de exame,
sendo a dor mais intensificada do que mostra o grau da doença por imagem,
ou o contrário.5
O tratamento da doença é realizado a partir da sintomatologia apresentada
pelo indivíduo e dos déficits funcionais, iniciando sempre com a opção
conservadora. O tratamento conservador conta com a correta imobilização do
punho, combinada com medicamentos anti-inflamatórios. A opção cirúrgica

106
depende do estado em que a doença se encontra, se há variância ulnar
negativa, da idade do sujeito e do nível de dor.1
Nessa condição, existem diversas técnicas para o tratamento cirúrgico da
doença de Kienböck; atualmente, a mais utilizada e com maior sucesso de
revascularização do semilunar é o encurtamento do rádio. Entretanto, outras
técnicas podem ser usadas, como a artrodese, em caso de colapso do osso
(fases III e IV).4
A artrodese intercarpal e a carpectomia proximal devem ser reservadas
como procedimentos de salvamento, já que resultam numa limitação
significativa do arco de mobilidade do punho.
Segundo o trabalho de Branco,3 alguns estudos revelam que atletas com
doença de Kienböck podem ter dor e disfunção mínimas durante vários anos
sem qualquer tratamento. Outros estudos apontam resultados pouco efetivos
com o tratamento conservador, o qual evolui com agravamento da dor,
diminuição do arco de mobilidade e agravamento da artrose nas radiografias.
É difícil prever quais atletas vão apresentar uma incapacidade mais tardia e
quais terão uma rápida progressão.
O tratamento conservador não altera a história natural da doença, mas
permite que o atleta se recupere de uma agudização do quadro de sinovite.
Estes atletas submetidos a tratamento conservador devem ser reavaliados
periodicamente para a dor e a disfunção. Devem ainda ser esclarecidos quanto
à progressão da doença e às opções terapêuticas.3
A seguir, será apresentado um estudo de caso de uma atleta de alto
rendimento do polo aquático que teve o diagnóstico de doença de Kienböck.

POLO AQUÁTICO
O polo aquático é um desporto coletivo, semelhante ao princípio básico do
handebol. As equipes devem tentar jogar a bola dentro da baliza adversária,
defendida pelo goleiro, mas é praticado dentro de uma piscina.
Existem dois tipos de bola: uma para as mulheres e outra para os homens.
A bola deve ter não menos que 400 g e não mais que 450 g. Para os homens, a
circunferência da bola deve estar entre 68 e 71 cm, e para as mulheres, a
circunferência da bola deve estar entre 65 e 67 cm.

107
As equipes são formadas por 13 jogadores, sendo 1 guarda-redes e 6
jogadores de linha que podem ser substituídos pelos suplentes (outros 6
jogares) ao longo da partida, durante pedidos de tempo ou quando ocorrer gol.

DESCRIÇÃO DO CASO
L. tem 22 anos, é atleta profissional de polo aquático na equipe do Sesi/SP.
Jogadora de alto rendimento desde os 17 anos, ela submete seu corpo ao
esforço máximo diariamente com a rotina de treinamento. Além de atleta
profissional, tem como hobbies desenhar à mão livre e cozinhar, e chegou a
fazer bolos e doces para vender durante algum tempo.
De acordo com relato da atleta, em 2016, começou a sentir dores no punho
direito – lado dominante – com a sensação que tinha “aberto o pulso”. Após a
consulta do médico especialista em mão, foi indicado fazer exame de
ressonância magnética que apontou a necrose do osso semilunar, sendo
diagnosticada com a doença de Kienböck.
A partir disso, iniciou-se o tratamento conservador com remédios anti-
inflamatórios, diminuição da carga de treinos e analgesia pós-atividades, no
entanto, isso não controlou as dores que L. sentia no punho, decidindo optar
pelo tratamento cirúrgico. No final de 2016, foi realizada uma artroscopia de
punho para sua osteonecrose, sendo realizada “limpeza” e debridamento da
região afetada.
Com o tratamento pós-cirúrgico, a esportista iniciou acompanhamento com
a terapia ocupacional do setor de reabilitação do Sesi de Santo André. Foi
confeccionada órtese de repouso e uma proposta de tratamento para ganho de
ADM, força e funcionalidade. Como recursos, foram utilizadas sessões de
parafina, analgesia e mobilização de mão e punho, com o objetivo de retorno
à prática esportiva.
L. relata que, após a recuperação da cirurgia, começou o ano de 2017 sem
dor e voltou a realizar o treinamento esportivo sem restrições. Após 6 meses
do procedimento cirúrgico, os sintomas retornaram e a orientação médica foi
de interromper a prática esportiva e realizar a artrodese. Em nova consulta
com o profissional especializado em cirurgia da mão, foi realizado o
diagnóstico de que o semilunar continuava sem vascularização, ainda em fase

108
de necrose, além de uma variância ulnar negativa. Diante do novo
diagnóstico, foi indicada a cirurgia de encurtamento do rádio. O procedimento
foi realizado em outubro de 2017, sendo colocada uma placa e três parafusos.
L. voltou a realizar sessões de terapia ocupacional para recuperação da
funcionalidade e ganho de ADM objetivando o retorno ao treino esportivo de
polo aquático. A intervenção foi realizada entre outubro e dezembro, no CAT
do Sesi de Santo André.
No início da temporada de 2018, a equipe de polo aquático mudou-se para
o CAT da Vila Leopoldina, onde se encontra até o momento. L. continuou o
tratamento com a terapeuta ocupacional esportiva do Centro de Referência em
Ciências do Esporte (CRCE) do Sesi/SP.
Ao iniciar seu tratamento no Sesi Vila Leopoldina, L. não relatava dor e
estava em condições de começar movimentação para voltar ao treinamento.
Seguiu-se, então, um programa de tratamento para que a atleta voltasse a
realizar os treinos com bola de polo aquático de forma que não prejudicasse
seu punho, uma vez que a doença acometeu seu lado dominante.
O programa de tratamento iniciou-se com o trabalho de seus gestos
esportivos administrando o tamanho e o peso da bola de menor tamanho e
mais leve, a fim de que fosse treinado o movimento de passe e arremesso até
que não houvesse dificuldades. Aplicou-se essa técnica progressivamente até
chegar à bola oficial de polo aquático e a atleta estivesse com a força e a
amplitude de punho adequada e, assim, com segurança de manuseá-la sem
dores.
Paralelamente, era realizado o trabalho de analgesia, mobilização para
ganho de ADM, propriocepção e orientações, uso de órtese para repouso e
para o treino. Todo esse trabalho da terapia ocupacional foi realizado junto
com a equipe multidisciplinar do CRCE, médico do esporte, técnico,
preparador físico e psicóloga. Sendo assim, L. pôde começar a pré-temporada
de treinamento junto com a equipe, sendo acompanhada de perto durante esse
tempo e teve alta completa em junho de 2018.
O acompanhamento pós-cirúrgico apontou que, com o encurtamento do
rádio, o osso semilunar voltou a ser irrigado, como mostrado nos exames de
imagem dos meses que se seguiram à cirurgia. Dessa forma, pode-se dizer

109
que a cirurgia teve sucesso quanto a controlar a progressão da doença de
Kienböck.
Em agosto do mesmo ano, L. voltou ao setor de reabilitação com dores na
mão e punho. No mês seguinte, após exame de RM, constatou que a atleta
estava com tendinite e, por isso, sofreu o processo de infiltração nas partes
inflamadas. Assim, retomou o tratamento com a terapeuta ocupacional
esportiva com objetivo de analgesia e mobilização do punho, análise e treino
funcional para realização de passe e arremesso com a bola. Por meio da
análise do movimento de segurar a bola e a discussão de caso com o treinador
– que a acompanha desde antes da doença –, constatou-se que a maneira que
L. arremessa não mudou depois da lesão, não sendo necessárias mudanças na
pega da bola.
Na avaliação, identificou-se ainda a presença da diminuição da ADM do
punho, o que limita a “pegada” da bola, dificultando o manuseio para chutes e
passe. No entanto, avaliou-se que não é possível melhorar a ADM.
Dessa forma, não houve eliminação da dor, que é mais intensa no pós-
treino. A esportista foi orientada a fazer compressa de gelo, manter o uso da
órtese de repouso e diminuir as atividades manuais que lhe causassem dor. Ao
final da temporada de 2017, L. passou por nova avaliação médica, sendo
decidido ser desnecessária uma nova intervenção cirúrgica.
A atleta segue treinando em alto rendimento até os dias atuais, sem grandes
modificações de treino tanto na parte técnica quanto na preparação física.
Refere dores pontuais, principalmente quando os treinos se apresentam na
fase mais forte, e ainda faz uso da órtese de repouso quando necessário.
Realiza trabalho preventivo específico de manutenção de força muscular e de
ADM de punho e mãos.

DISCUSSÃO
Pelo caminho que L. percorreu até o presente momento, entendeu-se que,
para esse caso, a anatomia individual da atleta colaborou para que
desenvolvesse a doença de Kienböck, como citado por Simões et al.1 Além
disso, o fato de ser atleta de alto rendimento e o esporte do polo aquático
apresentar grande impacto na mão no momento de receber e lançar bola, ter

110
movimentos repetitivos e exaustivos aumenta a chance de desenvolver a
doença. Isso leva a pensar que talvez L. não apresentasse a sintomatologia se
não estivesse praticando uma modalidade esportiva com tal intensidade, como
demonstrou Afshar.2
Ademais, é possível que a doença progrida mais rapidamente com a
continuação da prática intensa de esporte, em decorrência do estímulo
mecânico. No estudo de Afshar,2 é relatado que os atletas de rendimento
tiveram incidência da doença em idade precoce quando comparados ao
esperado; além disso, quando diminuem a intensidade de treinamento, ocorre
uma redução significativa da dor em punho.
Vale ressaltar que, simultaneamente à rotina de treinamento do esporte de
alto rendimento, L. cursava graduação em educação física, o que implica
manutenção do uso excessivo da mão dominante em atividade acadêmica,
mas também fortemente ligada a uso e treino de habilidades corporais.
De acordo com os estudos apresentados, a cirurgia de encurtamento do
rádio é a mais utilizada para o tratamento de Kienböck. Os pacientes que se
submetem a este tratamento apresentam melhora significativa da dor, assim
como a revascularização do semilunar, no entanto, sentem dificuldades
quanto a retomar a ADM.
Todos esses fatores foram apresentados por L., uma vez que as dores
referidas após a segunda cirurgia não foram associadas a doença de Kienböck,
mas sim a tendinite provavelmente ocasionada pelo processo cirúrgico e pelo
alto esforço na prática de atividade física.
Ainda não há muitos estudos no Brasil sobre a doença de Kienböck,
principalmente relacionando a terapia ocupacional no processo de reabilitação
e o esporte de alto rendimento, demandando ações ainda não exploradas na
literatura, mas que podem contribuir para a construção de novas evidências
científicas. O processo de acompanhamento da terapia ocupacional esportiva
nesse caso vai muito além da reabilitação pós-cirúrgica ou do tratamento da
dor.
O olhar para a mecânica e a técnica durante os passes e chutes com bola
(gestos esportivos), o trabalho junto à equipe multidisciplinar de dentro do
esporte (técnico, preparador físico, médico do esporte, psicólogo, entre

111
outros) e também a reabilitação do movimento para voltar a ter destreza nessa
atividade mostra o diferencial da reabilitação voltada para o esporte.

Figura 1 Sequência de posicionamento de braço em posição de passe com a bola, atleta


com órtese de posicionamento e com um tipo de bandagem. Fonte: arquivo próprio da
autora.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Simões R, Gonçalves A, Raposo J, Tavares L, Soares L. Doença de Kienböck –
Definição, epidemiologia, fisiopatologia, diagnóstico, tratamento e prognóstico.
Rev Port Ortop Traum. 2016;24(2):112-20.
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2018;43(5):465-9.
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traumática. Dissertação (mestrado em medicina do desporto). Coimbra:
Universidade de Coimbra; 2018.
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cárpico (Lichtman IIIb) com osteotomia de encurtamento do rádio – 16 casos.
Rev Iberamer Cir Mano. 2014;42(2):139-43.

112
5. Lima SMPF, Leite VM, Masiero D, Santos BG, Laredo FJ. Reabilitação de
pacientes portadores da doença de Kienböck submetidos a ressecção da fileira
proximal do carpo. Acta Ortop Bras. 2000;8(2):83-9.

113
10 Classificação Internacional de Funcionalidade,
Incapacidade e Saúde e o modelo HAAT de
tecnologia assistiva
Erika Teixeira

INTRODUÇÃO
A Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde
(CIF) oferece uma estrutura para definir a condição de saúde de uma pessoa.
A CIF é base conceitual para a definição, a mensuração e a formulação de
políticas para a saúde e incapacidade. Nessa classificação, os domínios de
atividades e participação são igualmente importantes às estruturas, às funções
corporais e aos fatores contextuais ambientais e pessoais que interagem de
forma dinâmica. Essa ideia permite discutir a importância do ambiente como
um dos fatores relevantes para a funcionalidade do indivíduo, conforme
ilustrado na Figura 1.

114
Figura 1 Estrutura da CIF. Fonte: adaptado de OMS, 2003.1

Os recursos tecnológicos existentes hoje favoreceram muito a mudança na


vida das pessoas com deficiência física. A deficiência é vista como um
fenômeno social construído que resulta de barreiras presentes no ambiente. A
deficiência está localizada no ambiente, e não na pessoa.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera a deficiência como o
resultado de uma interação entre a pessoa e seu ambiente.1 Os fatores
ambientais são divididos em: produtos e tecnologias, ambiente natural e
mudanças feitas pelo ser humano, apoio e relacionamentos, atitudes, serviços
e políticas. Os produtos e a tecnologia que facilitam muito a autonomia dos
lesados medulares são divididos em: uso pessoal na vida diária, mobilidade e
transporte pessoal, comunicação, trabalho, atividades culturais, recreativas e
esportivas, prática religiosa e vida espiritual e arquitetura e construção.
A OMS define tecnologia assistiva (TA) como qualquer produto,
instrumento, equipamento ou tecnologia adaptados ou especialmente
concebidos para melhorar o funcionamento de uma pessoa com deficiência.
Cook e Hussey2 definem TA com base no conceito da American with
Disabilities Act (ADA) como todo o arsenal de recursos e serviços que
contribui para proporcionar ou ampliar habilidades funcionais de pessoas com
deficiência.
O objetivo da TA é proporcionar à pessoa com deficiência maior
independência, qualidade de vida e inclusão social, por meio da ampliação de
sua comunicação, mobilidade, controle de seu ambiente, habilidades de seu
aprendizado, trabalho e integração com família, amigos e sociedade.
A TA está presente na CIF, nos produtos e tecnologias e pode ser utilizada
para minimizar a influência da incapacidade em diferentes ambientes. A TA,
em grande parte da vida cotidiana, faz com que as tarefas diárias sejam mais
simples de serem desempenhadas.
O modelo The Human Activity Assistive Technology (HAAT – Figura 2)
proposto por Cook e Polgar3 é baseado na CIF e norteia os processos de
reabilitação, definindo que, para uma avaliação mais apropriada em TA, o

115
meio ambiente deve ser o primeiro fator a ser considerado. A interação entre
o cliente, a atividade e o equipamento deve estar em harmonia, assim como a
forma pela qual a pessoa necessita que a atividade seja facilitada,
proporcionando o sucesso no uso do equipamento e maior independência,
qualidade de vida e inclusão social para a pessoa com deficiência.
O Relatório Mundial4 sobre deficiência destaca que a TA, quando
apropriada ao usuário e ao ambiente por ele utilizado, tem sido apontada
como um poderoso instrumento para aumentar a independência e estimular a
participação. No Brasil, nas últimas duas décadas, a pesquisa e o
desenvolvimento de práticas sobre a temática da TA têm aumentado
consideravelmente, o que ilustra o desenvolvimento dessa área de
conhecimento no país, assim como a preocupação com a construção e a
documentação das práticas que envolvem esse tipo de tecnologia.
O propósito da intervenção da TA não é reabilitar um indivíduo ou
remediar prejuízos, mas fornecer dispositivos de TA que o permitam realizar
atividades funcionais.
Cook e Polgar3 estabeleceram alguns princípios norteadores do serviço de
tecnologia: estes devem ser centrados no cliente, e não na tecnologia, o
resultado deve propiciar a participação em atividades desejadas pelo cliente, o
processo deve se basear em evidências científicas, assim como o serviço
prestado deve ser realizado de forma ética e sustentável.
O trabalho com TA exige dos profissionais que atuam nesta área grande
conhecimento envolvendo o cliente no seu contexto, o produto e a sua
funcionalidade. Vale ressaltar que esta atuação depende de um processo de
avaliação abrangente para determinar de forma eficaz a indicação de um
recurso assistivo. Dessa forma, o presente capítulo tem por objetivos relatar
casos de intervenções que relacionam a estrutura da CIF e o modelo HAAT
na prática da terapia ocupacional.

RELATOS DE CASOS

Caso 1
Paciente J., 55 anos, agricultor e pecuarista, com lesão medular, tetraplegia
C3/C4 (ASIA C)[*] resultante de um acidente de carro.

116
Motoramente, na avaliação em dezembro de 2009, J. apresentava um
esboço de movimento grau 1 de força em deltoide, bíceps e extensor de punho
em membro superior direito (MSD). Durante 1 ano, foi realizado um trabalho
de terapia ocupacional (TO) 3 vezes/semana, em relação a funções e estrutura
do corpo, alongamentos e exercícios de fortalecimento, objetivando controle
de MSD para comando de sua cadeira motorizada.
A Figura 3 apresenta uma elaboração de como a estrutura da CIF e seus
qualificadores favorece uma visão da funcionalidade/incapacidade da pessoa.
A Figura 4 ilustra o modelo HAAT e a aplicabilidade da TA no contexto da
pessoa.
Após 1 ano de trabalho com J. em que foi enfatizado o uso funcional do
MSD para realização dos movimentos para o controle do joystick da cadeira
motorizada, foi alcançada a melhora da ação com o uso da TA, sendo
realizadas adequações da cadeira motorizada associadas com adaptações e
sistema de transferência para o carro, um pré-requisito pensado antes de
indicar o equipamento.

Figura 2 O modelo HAAT. Fonte: adaptado de Cook e Polgar, 2015.3

117
Figura 3 J. a partir da estrutura e qualificadores CIF. Fonte: arquivo próprio da autora.

Os princípios que sustentam a CIF podem contribuir com a reflexão sobre a


importância de trabalhar a atividade associada ao uso da TA e ao retorno
funcional, o que favoreceu o retorno de J. à sua atividade profissional como
agricultor. Essa relação direta foi possível porque passou a utilizar o veículo e
a cadeira de rodas motorizada para o controle de suas propriedades rurais e do
comando de seus funcionários, facilitando, assim, tanto a independência
quanto a autonomia para a ocupação do trabalho, um papel ocupacional
importante para J.

118
Figura 4 J. durante o treino e acompanhamento da TA no contexto, relação pessoa,
ambiente e atividade à luz do modelo HAAT. Fonte: arquivo próprio da autora.

Caso 2
Paciente P., 54 anos, com lesão medular causada por queda do cavalo,
tetraplegia C3-C4 (ASIA C), com uma síndrome central cord.
Desde 2012, realiza sessões de TO 6 vezes/semana. O tratamento abrangeu
dissociação de movimentos, estimulação ativa e controle do tônus muscular.
Em outubro de 2013, começou-se um trabalho com uso da órtese
SaeboFlex/SaeboReach®.
Primeiro, optou-se por realizar tarefas motoras (pegar e soltar bolas com
diferentes graus de dificuldade) com o paciente sentado. Pelo grande aumento
do tônus muscular na parte superior do tronco e bíceps braquial e dor no
deltoide, mudou-se a configuração e começou-se a executar tarefas em
posição supina para ganhar flexão do ombro, flexoextensão do cotovelo
associada ao relaxamento dos flexores do cotovelo, evitando a maior parte da
reação associada para realizar a atividade com o membro contralateral.

119
Assim, obteve-se um ganho de seletividade e força de flexão de ombro e
cotovelo em decúbito dorsal.
Uma vez que esses objetivos foram alcançados, a meta foi redesenhada
para melhorar ainda mais a amplitude do cotovelo do ombro em flexão para
promover a sua funcionalidade, incluindo mais possibilidades de automação
no pegar e soltar. O grau de dificuldade das atividades motoras na terapia foi
avaliado pelo terapeuta dentre vários aspectos, como dor, fadiga e qualidade
de movimento.
O braço direito de P. possui maior seletividade, é mais funcional e realiza a
flexão de cotovelo ativa, sem a compensação, a cerca de 120°, e com
compensação (levantamento e abdução do ombro) em torno de 140°.
Apresentava dor no deltoide e no bíceps, cuja intensidade variava de acordo
com o uso do membro superior, não apenas na terapia, mas também em suas
atividades diárias.
Em 2017, após 5 anos com o ganho de maior mobilidade e funcionalidade,
implementou-se a ideia do uso do MSD para uso no controle do joystick,
acoplado a sua cadeira manual, anteriormente prescrita, que permitia boa
adequação postural e auxiliava na função de controle do joystick.
P. possuía um ambiente domiciliar com barreiras arquitetônicas,
dificultando o uso da cadeira em domicílio, porém, para atividades externas
de trabalho e autonomia nas palestras que ele ministrava, foi pensada na
facilitação da colocação do sistema em qualquer veículo. Isso permitiu
escolher uma tecnologia que favorecesse esses aspectos, considerando
também os momentos em que o ambiente não permitisse o uso do sistema
motorizado Spinergy ZX-1 Power Add-On.
A cadeira motorizada com as características adequadas ao seu contexto
trouxe a mobilidade funcional favorecendo os aspectos profissionais e a
autonomia para as propostas de trabalho de P. A Figura 5 ilustra P. a partir da
estrutura e qualificadores da CIF. A Figura 6 ilustra P. em momento de lazer
fazendo o uso de sua TA (modelo HAAT).
Os dois casos descritos demonstram como o modelo filosófico da CIF e o
HAAT de TA pode ser adotado para favorecer o raciocínio clínico. Observa-
se que, mesmo nos casos com mesmo nível de lesão medular e classificação

120
de lesão, a dimensão singular da pessoa deve ser sempre considerada,
principalmente suas necessidades e desejos para o fazer. Nesse sentido, a
avaliação personalizada da necessidade e dos componentes motores é
fundamental, pois fornece dados para a escolha de diferentes tecnologias para
a mobilidade.
O trabalho do terapeuta ocupacional, com enfoque na estrutura corporal
associada ao objetivo de retorno de uma função anterior, pode ser facilitado
pelo uso da TA, maximiza a capacidade e minimiza a incapacidade, portanto,
pode favorecer participação social e ocupacional. Entender a abordagem da
terapia ocupacional na lesão medular pelo modelo da CIF permite
dimensionar graus de funcionalidade e relacioná-los às atividades e
participação, fatores pessoais e ambientais. O modelo HAAT auxilia no
raciocínio da relação pessoa-ambiente-atividade.

Figura 5 P. a partir da estrutura e qualificadores CIF. Fonte: arquivo próprio da autora.

121
Figura 6 P. fazendo uso de sua cadeira em um momento de lazer. Fonte: arquivo próprio
da autora.

Assim, o trabalho junto a esta população utilizando-se do arsenal de TA


pode favorecer de forma significativa a reabilitação e a inclusão social com
vistas à autonomia e à qualidade de vida.
Terapeutas ocupacionais precisam ter cada vez mais o domínio desses
recursos e interagir com as diversas áreas da saúde, para que a aplicação desse
conhecimento possa ter papel importante na interação das pessoas com o seu
ambiente, em especial para transformar a vida de pessoas com deficiência
propiciando-lhes melhor qualidade de vida.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Organização Mundial da Saúde (OMS). Classificação Internacional de
Funcionalidade, Incapacidade e Saúde. São Paulo: Editora da Universidade de
São Paulo; 2003.
2. Cook AM, Hussey SM. Assistive technologies: principles and practice. 2. ed. St.
Louis: Mosby; 2015.
3. Cook AM, Polgar JM. Assistive technologies: principles and practice. 4. ed. St.
Louis: Elsevier; 2015.
4. World Health Organization (WHO). World Report on Disability. World Health
Organization, The World Bank, 2011, 349 p. Disponível em: www.who.int.
Acesso em: 26/7/2015.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

122
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Classificação Neurológica e Funcional de Lesões na Medula Espinal. Chicago:
ASIA; 1996.
2. Cruz DMC. Papéis ocupacionais e pessoas com deficiência física:
independência, tecnologia assistiva e poder aquisitivo. Tese (Doutorado em
Saúde Humana e Serviço Social). São Carlos: Universidade Federal de São
Carlos; 2012.
3. Di Núbila HBV, Buchalla CM. O papel das classificações da OMS – CID e CIF
nas definições de deficiência e incapacidade. Revista Brasileira Epidemiologia.
2008;11(2):324-35.
4. Engstrom B. Ergonomic seating: a true challenge. Sweden: Posturalis Books;
1993.
5. Farias N, Buchalla CM. A Classificação Internacional de Funcionalidade,
Incapacidade e Saúde da Organização Mundial da Saúde: conceitos, usos e
perspectivas. Rev Bras Epidemiol. 2005;8(2):187-93.
6. Greve JMD, Castro AW. Avaliação clínica e funcional da lesão medular. In:
Greve JMD, Casalis MEP, Barros FTEP. Diagnóstico e tratamento da lesão
medular espinhal. São Paulo: Roca; 2001. p.64-74.
7. Schmeler MR. Assistive technology training program: comprehensive workshop
in seating and wheeled mobility. Pittsburgh: University of Pittsburgh; 2003.
8. Schmeler MR. Cadeiras motorizadas, e acessórios. Brazilian Seating
Symposium, August 2008.
9. Teixeira E. Assistive technology and ICF as a concept: a case study. In: ISS
International Seating Symposium. 2013;155-6.
10. Teixeira E, Oliveira MC. Adaptações. In: Fernandes AC, Ramos ACR, Casalis
MEP, Herbert SK (orgs.). Medicina e reabilitação: princípios e prática. São
Paulo: Artes Médicas; 2007. v.1, p.671-706.
11. Teixeira E. Atividades da vida diária. In: Teixeira E, Sauron FN, Santos LSB,
Oliveira MC. Terapia ocupacional na reabilitação física. São Paulo: Roca; 2003.
p.193-219.

* Em relação ao grau de lesão, a escala de comprometimento da American Spinal Injury


Association (ASIA) classifica ASIA C como lesão incompleta; caracteriza-se por função
motora preservada abaixo do nível neurológico e a maioria dos músculos-chave abaixo
desse nível tem um grau muscular inferior a 3 de força muscular (força muscular de 0 a 5).

123
11 Intervenção terapêutica ocupacional em
paciente com doença neuromuscular
Paulo Rogério de Oliveira

ESCLEROSE LATERAL AMIOTRÓFICA (ELA)


É uma doença rara, neurodegenerativa progressiva, que afeta o sistema
nervoso e acarreta paralisia motora irreversível, de maneira limitante.
Pacientes com a doença sofrem paralisia gradual e morte precoce como
resultado da perda de capacidades cruciais, como falar, movimentar, engolir e
até mesmo respirar.1-4 Apesar de, na maioria dos casos, a musculatura da
bexiga e dos olhos não ser afetada, sabe-se atualmente que a musculatura dos
olhos pode ser afetada.2 Essa verificação passa a ser possível após o início
mais frequente de recursos de rastreamento ocular para controle do
computador no Brasil e também pode ser verificado, na prática, que ocorre
uma demora na movimentação voluntária dos olhos. Sabe-se, atualmente, que
há cada vez mais o aumento do diagnóstico da demência frontotemporal
associada a ELA,2,3 e o terapeuta ocupacional deve estar atento para este fato.
A doença ficou mais conhecida em 2014, com a campanha do “Desafio
Balde de Gelo” nas redes sociais, na qual famosos e anônimos derrubavam
um balde de água gelada no corpo para divulgar e arrecadar fundos para
pesquisa e ajudar pacientes com a doença. O físico inglês Stephen Hawking,
morto em 2018, foi um dos portadores da ELA mais conhecidos
mundialmente.2

INTERVENÇÃO NAS DOENÇAS NEUROMUSCULARES E


TECNOLOGIA ASSISTIVA
O terapeuta ocupacional (TO) é o profissional da área da saúde
especializado em avaliar como o ser humano realiza suas ocupações e
intervém quando este não consegue realizá-las por algum motivo. A avaliação

124
feita por este profissional é complexa e segue o modelo biopsicossocial, no
qual o ser humano em questão será avaliado com fins a identificar em quais
dos eixos o problema está centrado, podendo ser em aspectos fisiológicos,
emocionais ou sociais.
Na ELA, as técnicas de intervenção são diversas e visam a maior
autonomia possível ao paciente.
São exemplos da atuação:
1. Prescrição e adaptação de cadeiras de rodas garantindo melhora postural,
diminuição de dores, melhora na alimentação e na respiração e ganhos de
deslocamento.
2. Análise ergonômica e uso de ergonomia para melhora de funções.
3. Avaliação de acessibilidade doméstica e em deslocamentos.
4. Avaliação de atividades de vida diária (AVD), como alimentação, autocuidado
etc., e treino de novos modos de realizá-las.
5. Uso de órteses para evitar posicionamentos viciosos ou para potencializar e
devolver funções perdidas.
6. Uso de adaptações de objetos de uso diário.
7. Orientação e intervenção com a família para ampliar o leque de possibilidades
por parte do paciente.
8. Uso de técnicas de conservação de energia.
9. Exercícios de reabilitação funcional.
10. Avaliação de comunicação e uso de tecnologia para melhorá-la.

O termo tecnologia assistiva (TA)5-7 surgiu no Brasil em 2 de dezembro de


2004, sendo chamada de “ajudas técnicas”.6,7 É entendido como uma área
interdisciplinar de conhecimento que produz melhora da autonomia, da
independência e da qualidade de vida de pessoas com deficiência (PCD),
incapacidade ou mobilidade reduzida; essa produção se dá por meio de
produtos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços.
No entanto, é relevante discutir sobre o uso e o abandono de recursos
disponibilizados ou indicados para melhora da autonomia para o
fortalecimento de serviços que envolvem a TA. Tempo de treinamento,
domínio do recurso assistivo pelo profissional e participação do usuário na
definição da indicação são fatores relacionados ao abandono.8-12 Alguns
estudos estrangeiros indicam diversos fatores relacionados a insatisfação e,
consequentemente, descontinuidade do uso de recursos de TA e o impacto

125
negativo que este ciclo ocasiona para os órgãos financiadores, para
profissionais e para os usuários. Contudo, ainda encontra-se dificuldade em
avaliar e se direcionar os serviços de TA.8-12
Assim, Kintsch e DePaula propõem um modelo de implementação13 da TA
(Figura 1).

Figura 1 Modelo de implementação de tecnologia assistiva de Kintsch e DePaula. Fonte:


Adaptada de Kintsch e DePaula, 2002.13

Neste modelo, a etapa de implementação é dividida em partes que não


devem ser ignoradas pelo TO. A divisão é feita em fases de:
1. Desenvolvimento: nesta fase, busca-se conhecer as necessidades da população,
mas o ponto de destaque são as necessidades dos cuidadores.

126
2. Seleção: fase em que normalmente se insere a maioria dos terapeutas, buscando
o que já existe no mercado. Nesta fase, é importante avaliar as metas do usuário
e dos cuidadores, avaliar o meio ambiente em que ele está inserido, identificar
fatores protetivos e limitantes à implementação. Nessa fase, são avaliadas as
ferramentas com todos os envolvidos para seleção.
3. Aprendizagem: esta fase exige muita didática por parte do terapeuta, e a
avaliação dinâmica de todos os envolvidos no processo deve ser feita
constantemente. Neste momento, a participação do cuidador principal é
essencial, e esta etapa é primordial para o sucesso da implementação. O tempo
de treinamento é extremamente importante e individualizado; é fundamental que
usuário e cuidador aprendam a usar o recurso.
4. Integração: nesta fase, o paciente começa a usar o recurso cada vez mais e em
outros ambientes ou momentos; novas demandas e solicitações vão surgindo;
importante nesta fase é o fato de que o usuário começa a reclamar das limitações
do recurso e apresentar queixas, as quais devem ser interpretadas como parte do
processo do uso. Tais questões podem levar a modificações no dispositivo e
servem de feedback para os desenvolvedores melhorarem os produtos lançados
ou processos indicados.

AVALIAÇÃO DE PACIENTES COM DOENÇA


NEUROMUSCULAR
A avaliação em doenças neuromusculares deve envolver aspectos
biopsicossociais, descritos a seguir.

Bio
Avaliar se há comprometimentos motores, deformidades e compensações
musculares. A identificação da fase em que o paciente se encontra é de
extrema importância e, na prática, verifica-se que se ele apresenta função
manual, acaba sendo extremamente complicado encontrar intervenções que
busquem a substituição da função. Perda de força muscular em membros
superiores e de amplitudes de movimentos (ADM), em paralelo com
instalação de espasticidade, são os fatores mais limitantes. A perda dos arcos
da mão causa o surgimento da mão simiesca, na qual movimentos com o uso
do polegar em oponência se tornam difíceis, impactando a realização de
atividades de vida diária. As perdas de ADM de ombro e cotovelo atrapalham
a realização de AVDs e também de vida prática; atividades como escovar os

127
dentes, se alimentar ou vestir roupas sem auxílio são difíceis de realizar. A
dificuldade respiratória não pode ser descartada, pois torna cada movimento
mais fatigante.

Psico
A experiência do terapeuta mostra que doenças crônicas e incapacitantes
trazem em seu percurso muitas perdas importantes, ocasionando as fases do
luto descrita por Elisabeth Kubler-Ross.14 Estas fases são:
1. Negação: como o próprio nome diz, há a tendência de negar o problema para si
mesmo, fugindo da realidade. Achar que houve erro no diagnóstico médico ou
fugir do assunto contando piadas é comum, dificultando a intervenção. Pode-se
acreditar que não há necessidade do profissional de reabilitação e não haver
colaboração na luta contra a doença.
2. Raiva: com o avançar da doença, não é mais possível negá-la. Surge a sensação
de injustiça e é normal, nesta fase, o paciente começar a descontar suas
frustrações em seus cuidadores mais próximos e até mesmo nos terapeutas. O
paciente pode apresentar mudanças comportamentais e labilidade emocional
nesta fase. Também nesta fase, o terapeuta precisa ser mais assertivo, para que o
paciente veja que suas intervenções são eficazes. O uso de TA para
potencialização das funções é um grande diferencial, pois mostra ao paciente
que, apesar de tudo, há caminhos a serem seguidos e funções podem ser
recuperadas.
3. Barganha: “eu faria tudo para sair desta situação” é a frase marcante neste
período. É uma fase em que o TO pode realizar intervenções diversas, que não
tenham um resultado imediato, mas que terão impacto no longo prazo.
4. Depressão: há uma constatação de que a doença evolui e o conhecimento de
fases seguintes causa muita angústia. O paciente passa a ter uma postura
introspectiva, sentindo-se impotente. Neste momento, pode haver pouca
colaboração no processo de reabilitação, por considerar que o esforço é em vão.
Assim, são frequentes frases como “vou me cuidar para quê? Vou morrer de
qualquer forma”. A participação da família nesse processo de entendimento é
fundamental, considerando os riscos aos quais o paciente está exposto. Na
prática cotidiana, observa-se que, nessa fase, é comum o abandono do
tratamento, por isso, a ressignificação da vida, a busca de novos talentos e novos
afazeres e o uso de atividades expressivas têm impactos importantes. O uso de
recursos de TA para auxiliar na comunicação e na criação de novas atividades
ao longo do dia é muito importante.

128
5. Aceitação: neste momento, o indivíduo já não se apresenta com nenhuma
revolta e aceita a doença e os caminhos a serem seguidos. Torna-se colaborativo
e mais tranquilo em relação às suas dificuldades. É uma fase de grande
colaboração entre terapeuta e pacientes.

Todavia, estas fases não ocorrem sequencialmente, visto que o ser humano
e as situações são muito dinâmicas, o que pode ser percebido nos diálogos
com sujeito ou familiares e também nas atitudes. Como a doença progride e
novas fases marcantes surgem, as fases começam a se mesclar. Há a
necessidade de análise constante do discurso do paciente e conversas com as
pessoas próximas para que se consiga manter o foco das intervenções.
A experiência mostra que a perda da marcha, a perda da função manual, o
início da ventilação não invasiva, a realização da gastrostomia e a perda da
capacidade de se comunicar são pontos marcantes de processos de luto, e o
TO deve manter-se atento a estes momentos. Avaliar em que fase o paciente
se encontra é muito importante para a adequação e a efetividade das
intervenções.

Social
O modo como a família se relaciona, o bem-estar e a rede de apoio são
fatores diretamente relacionados à qualidade de vida.
Para o TO, é importante avaliar quem é a rede de suporte que este paciente
tem e auxiliar na criação de rotinas e divisão das tarefas entre os familiares. A
sobrecarga emocional e física dos cuidadores deve ser monitorada.
Intervenções considerando aspectos ergonômicos e acessibilidade podem
diminuir a incidência de lesões nos cuidadores diretos e refletir na qualidade
de vida. Quando os cuidadores se sentem cuidados, eles tendem a ser fatores
protetivos importantes e auxiliam muito na execução das intervenções por
parte do TO.

CASO CLÍNICO, AVALIAÇÃO E ATENDIMENTO


TERAPÊUTICO OCUPACIONAL
Paciente A.S.P.R.M., mulher, 40 anos de idade, com diagnóstico de ELA
há 11 anos (sintomas iniciais aos 29 anos de idade). Contava com equipe de

129
reabilitação sem TO, sendo sua queixa a comunicação e a de seus pais, a
comunicação local e a distância, o posicionamento na cadeira de rodas e a
ausência de socialização.
Após aplicação de instrumento, identificou-se perda de massa da
musculatura intrínseca das mãos e, consequentemente, instalação de padrão
de mão simiesca. Há presença de movimentos que podem ser potencializados
com órtese abdutora de polegar. Há diminuição de movimentação ativa de
ombro, o que é avaliado com a aplicação de goniometria da movimentação
ativa.
Por meio da aplicação da medida de independência funcional (MIF),
verifica-se que o uso das mãos limita a realização das atividades, sendo
necessário auxílio total para atividades que exigem movimentação de ombros,
como a troca de roupa.
O único item indicado como importante pela paciente é a comunicação e
não há interesse em trabalhar outros aspectos. Na avaliação de cadeira de
rodas e sistema de adequação postural verifica-se sistema inadequado, que
não potencializa a funcionalidade, conforto e adequação postural. Paciente
também não quer atuações neste quesito, embora não consiga ficar sentada
por mais de duas horas sem sentir dores devido à postura inadequada.
A questão social também aparece na MIF. A socialização é prejudicada
pela dificuldade de comunicação e pela dificuldade de circulação provocada
pela cadeira com sistema de adequação postural inadequado.
Passam a ser pontos passíveis de intervenção: a cadeira de rodas e um
sistema de adequação postural que potencialize a movimentação residual; a
instalação de comunicação aumentativa e alternativa; o uso de órteses para
potencialização do uso de pinças e órteses para prevenção de deformidade; o
uso de sistemas que facilitem a solicitação de ajuda por parte dos cuidadores
para que estes não precisem ficar o tempo todo ao lado da paciente
(privacidade); exercícios funcionais para membros superiores para evitar a
perda muscular por desuso; aumento da socialização.
Neste primeiro momento, a paciente não aceitou as demais intervenções e,
após reflexão por parte dos pais e da cuidadora (fatores protetivos), ela
aceitou tentar utilizar o sistema de comunicação alternativa. A decisão foi

130
respeitada, mas, seguindo o modelo de implementação de TA e o modelo de
intervenção aqui proposto, a intenção passa a ser expandir a aceitação para
demais aspectos.
Utilizando os conceitos de implementação de TA anteriormente descritos,
foram feitos acordos com a paciente para que fossem executadas etapas.
Considerando a bagagem na área jurídica que a paciente tinha, foram
realizados contratos informais de ações a serem realizadas pelo TO e por ela.
A cada etapa concluída por ela, era apresentada uma nova etapa de seu
interesse. O seu maior interesse com o sistema proposto era conseguir
verificar e enviar e-mails por conta própria, sem auxílio de terceiros. O
interesse da família era a comunicação local, que não era o mesmo da
paciente. Sendo assim, optou-se pelo sistema de rastreamento ocular para
comunicação com computador da Tobii,2 que contemplaria todos os
envolvidos.
Tendo em vista os interesses da paciente, dos familiares e do TO, a
intervenção passou a focar no desejo da paciente e na importância da
comunicação local para o projeto de socialização. Após 2 meses de
intervenções semanais, a paciente passou a dominar o uso do equipamento e a
se comunicar localmente com facilidade. Pranchas de comunicação
específicas foram sendo desenvolvidas pelo TO, tão logo a paciente
apresentava necessidade de melhorias e aumento de funções. Após este
período, foi apresentada a prancha de comunicação que possibilitava verificar
e enviar e-mails, o que era desejo da paciente. A finalização desta etapa do
processo foi realizada escrevendo e enviando o e-mail para a pessoa que a
recebeu em um intercâmbio em outro país, quando era adolescente. Após
enviar a mensagem para sua “mãe americana”, como a chamava, houve
grande comoção entre todos os presentes. Após este dia, a paciente passou a
solicitar cada vez mais atualizações e melhorias em seu equipamento, como
prevê o modelo de implementação de TA utilizado. Guiando a intervenção
pelo desejo da paciente, passou-se a conseguir comunicação local e a
distância. Foram implementados também acesso a redes sociais e
comunicação via celular, possibilitando um aumento significativo da rede
social de suporte da paciente.

131
Houve melhora dos relacionamentos, e ela passou a sair de casa para
frequentar eventos. Consequentemente, passou a aceitar que a cadeira de
rodas não estava adequada e solicitou mudanças. Assim, houve prescrição e
adequação de uma nova cadeira de rodas, diminuindo intercorrências
respiratórias, dores no corpo e proporcionando aumento de uso do
computador. Por fim, foi solicitada campainha para pedir auxílio aos
cuidadores, não sendo mais necessário que estes permanecessem juntos para
apoio, garantindo aumento da privacidade.
Atualmente, há a proposta de realizar palestras e participar de cursos sobre
TA com seu terapeuta, garantindo, assim, que mais pessoas tenham acesso a
recursos que melhorem a qualidade de vida.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Bach JR. Guia de exame e tratamento das doenças neuromusculares. São Paulo:
Santos; 2004. p.5-11.
2. Associação Pró-cura da ELA. A ELA. Disponível em:
http://procuradaela.org.br/pro/a-ela/. Acesso em: 24/3/2019.
3. Brasil. Ministério da Saúde. Esclerose lateral amiotrófica (ELA): o que é,
causas, sintomas, tratamento, diagnóstico e prevenção. Disponível em:
http://portalms.saude.gov.br/saude-de-a-z/esclerose-lateral-amiotrofica-ela.
Acesso em: 24/3/2019.
4. Levy JA, Acary SB. Reabilitação em doenças neurológicas: guia terapêutico
prático. São Paulo: Atheneu; 2003.
5. United States of America. Technology-related assistance for individuals with
disabilities act of 2004. Disponível em: http://thomas.loc.gov/cgi-bin/query/F?
c108:6:./temp/~c108z79tyA:e713:. Acesso em: 24/3/2019.
6. Brasil. Decreto n. 5.296, de 2 de dezembro de 2004.
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Sobral MN. (Orgs.). Conexões: educação, comunicação, inclusão e
interculturalidade. Porto Alegre: Redes; 2009. p.207-35.
8. Brodwin MG, Cardoso E, Star T. Computer assistive technology for people who
have disabilities: computer adaptations and modifications. Journal of
Reabilitation. 2004;70:28-33.

132
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discontinuance among individuals with disabilities. Journal of Rehabilitation.
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10. Méndez-Fernández HL. Assistive technology: a dynamic tool to deal with the
changing needs of people with disabilities. P R Health Sci J. 2009;28(1):40-3.
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12. Santiago-Pintor J, Hernández-Maldonado M, Correa-Colón Á, Méndez-
Fernández HL. Assistive technology: a health care reform for people with
disabilities. P R Health Sci J. 2009;28(1):44-7.
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Disponível em
https://pdfs.semanticscholar.org/87af/970a0aadf2804b056600b6787e4e99d6e864.pdf
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14. Kubler-Ross E. Sobre a morte e o morrer. 10. ed. São Paulo: Martins Fontes;
2017.

133
12 Práticas da terapia ocupacional na reabilitação
da mão: um caso de rizartrose
Rachel Matos

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-PRÁTICA
O polegar é o principal e mais funcional dedo da mão nos diferenciando
dos primatas. O sistema musculoesquelético que envolve a articulação
carpometacarpofalângica do polegar tornou-se um tópico científico que vem
sendo estudado cada vez mais. A osteoartrite envolvendo essa articulação leva
a um déficit funcional importante da mão, dor e deformidade.
A habilidade funcional da mão humana deve-se ao poder de oponência
realizado pelo polegar e por todo o complexo musculoesquelético que o
envolve, totalizando 40 a 50% da função da mão.1
A osteoartrite da articulação carpometacarpal (CMC) do polegar,
denominada rizartrose, afeta mais de 21% da população acima de 40 anos. Os
sintomas incluem dor, rigidez articular e fraqueza do polegar, resultando em
perda funcional.2 O acometimento mais frequente é na articulação
trapeziometacarpal, também chamada de primeira articulação CMC.3
Estudos recentes apontam para o excesso da tecnologia, como o uso de
smartphones e outros dispositivos tecnológicos, como fatores que levam aos
movimentos repetitivos envolvendo o polegar, denominado Blackberry
thumb.
A rizartrose é classificada em 4 níveis (graus 1 a 4), segundo a
classificação de Eaton e Littler, dependendo da evolução do desgaste articular
que compromete a biomecânica do polegar e também sua função.3 Segundo
Souza,4 o simples fato de segurar um livro, realizar pinça lateral ou manipular
chaves ao abrir uma porta gera dor.

134
Os terapeutas ocupacionais com especialidade em terapia da mão têm
atendido cada vez mais e com mais frequência pacientes com dor na base do
polegar com o diagnóstico de rizartrose. A literatura mostra que a confecção
de órtese é o primeiro recurso entre os terapeutas da mão para controlar a dor
e a evolução do desgaste articular.
Esse dispositivo é um dos recursos terapêuticos que o terapeuta da mão
utiliza para controle da dor, prevenção de deformidades, melhora funcional,
proteção e/ou repouso articular, imobilização e ganho da amplitude do
movimento (ADM).
Controlando a dor e o processo inflamatório, a função automaticamente
melhora. O principal objetivo da órtese é promover o equilíbrio biomecânico
por meio da aplicação de forças de contenção externas ao segmento
comprometido.5,6
Estudos recentes compararam dois modelos específicos de órteses de
rizartrose para diminuição da dor e avaliação funcional. Os modelos
utilizados são o circular com a metacarpofalângica (MCF) livre e circular com
bloqueio da MCF.
A importância de realizar exercícios que promovam a melhor sustentação
da articulação trapeziometacarpal vem sendo estudada com a descoberta do
fortalecimento do primeiro interósseo dorsal e o oponente. Estudos em
cadáver realizados por Adams et al.6 mostram a ativação desses músculos
para reduzir a subluxação da articulação envolvida.
Técnicas de conservação de energia, repouso articular e modificações nas
atividades básicas de vida diária (ABVD) são importantes para que o paciente
mantenha seu polegar protegido, prevenindo a evolução do desgaste articular
e da dor.
Cantero-Téllez et al.7 realizaram um estudo, experimental, dos efeitos de
dois modelos de órtese para redução da dor, melhora da função e habilidades
em pacientes com osteoartrite da articulação CMC do polegar em 84
pacientes divididos em dois grupos com duração de 3 meses para a avaliação
final.
Os modelos escolhidos foram o circular com a MCF livre8 e o circular com
a imobilização da articulação MCF. Concluíram que os dois modelos em

135
questão reduziram a dor e houve melhora funcional.
Para a apresentação deste caso clínico, a escolha foi o modelo circular
envolvendo a articulação MCF com uma flexão de 15°, proporcionando uma
melhor estabilidade da cabeça do primeiro metacarpo que ajudará a estabilizar
a articulação MCF, contribuindo para sua estabilidade.9
Tsehaie et al.10 realizaram um estudo prospectivo de coorte para comparar
a relação entre o uso de órtese e a reabilitação da mão, obtendo como
resultado final a melhora do quadro de dor e função, não evoluindo para o
tratamento cirúrgico.
A terapia da mão nessa fase teve foco em manter a redução da dor,
introduzindo o aprendizado da estabilidade da articulação CMC durante as
ABVD, bem como o ganho da força na musculatura tenar.

DESCRIÇÃO DO CASO
Paciente S.G.S., sexo feminino, 54 anos, educadora física com diagnóstico
de correção de tenoartroplastia do polegar esquerdo.
Em setembro de 2011, a paciente foi diagnosticada com rizartrose grau 4 de
Eaton, sendo submetida a tenoartroplastia do polegar esquerdo (Figura 1).
Apresentava deformidade, dificuldade funcional e vergonha da mão. Em
outubro de 2011, foi submetida a tenoartroplastia na instituição pública em
que frequentava, bem como realizou terapia da mão no mesmo serviço.

Figura 1 A: paciente apresentando a deformidade. B: radiografia. Fonte: arquivo próprio

136
da autora.

Em 28 de abril de 2014, a paciente procurou um ortopedista que, em


conjunto com um cirurgião da mão, realizou uma correção da tenoartroplastia
do polegar direito (radiografia não apresentada). Após 15 dias, foi retirado o
gesso e confeccionada uma órtese com imobilização do punho e do polegar
para substituir a imobilização anterior (Figura 2).

Figura 2 Órtese com imobilização do punho e do polegar para substituir a imobilização


anterior. Fonte: arquivo próprio da autora.

Em 15 dias após a primeira órtese, foi iniciada a terapia ocupacional/terapia


da mão. Durante a avaliação, foi observada uma dificuldade funcional com
déficit na abdução e na hiperextensão da articulação MCF. A paciente tinha
muita dificuldade em compreender os movimentos do polegar.
Goniometria inicial dentro da compreensão do movimento (Figura 3):

Figura 3 Abdução e extensão da articulação MCF. Fonte: arquivo próprio da autora.

137
1. 20° de abdução.
2. 30° de hiperextensão da MCF.
3. 25° de flexão da MCF.
4. Flexão da interfalângica livre.

Posicionando a base do 1º metacarpo e deixando a articulação MCF em 15°


de flexão, será possível uma congruência articular adequada. Proporcionando
uma melhor estabilidade da cabeça do 1º metacarpo, a órtese ajudará a
estabilizar a articulação trapeziometacarpal, contribuindo para sua
estabilidade.9
Para permitir ao polegar uma posição funcional e equilíbrio muscular, após
a retirada da órtese longa com imobilização do punho, foi confeccionada uma
órtese circular. A articulação MCF foi deixada parcialmente livre, permitindo
movimento funcional (Figura 4).
Durante a terapia da mão, logo nas primeiras sessões, foi iniciado o
tratamento para cicatriz, edema e massagem “levantando” a articulação CMC.
Utensílios para auxiliar o controle cicatricial, como ventosa, silicone de uso
noturno e faixas compressivas suaves, foram indicados no início da terapia da
mão durante o 1º mês. Ainda nesse 1º mês de pós-operatório (PO), foi
iniciado treino do movimento ativo sem carga, como abdução e pinças com 2º
e 3º dedos, sempre respeitando o limiar de dor.
Vale lembrar que não se trata de um caso de PO de tenoartroplastia, e sim
uma correção dela, sendo importante o diálogo entre o cirurgião da mão e o
terapeuta da mão sobre a evolução do caso, como fortalecimento e alta.
Exercícios isométricos são indicados inicialmente. Segundo Albrecht,11 a
musculatura do primeiro interósseo dorsal contribui na prevenção do
deslizamento da articulação CMC (Figura 5).
No início do 2º mês de PO, foi iniciada a progressão dos exercícios de
fortalecimento: isometria, resistência suave e, posteriormente, uma resistência
forte, já com melhor controle do movimento (Figura 6).
Foi utilizada a técnica de esparadrapagem (Figura 7) para ajudar na
automatização do movimento, inclusive durante o fortalecimento. O polegar é
pobre na sua estabilidade óssea e cabe aos 8 músculos envolvidos estabilizar
dinamicamente a articulação CMC.

138
Figura 4 Imagens dos movimentos realizados. A: hiperextensão da MCF. B:
posicionamento da base do 1º metacarpo. C:órtese com flexão média de 15°. D: órtese
circular funcional com a MCF parcialmente livre para permitir uma ação de flexão dessa
articulação. Na eminência tenar, foi deixado um abaulamento como se fosse um apoio para
“suspender” a articulação (CMC). Fonte: arquivo próprio da autora.

Figura 5 Musculatura do primeiro interósseo dorsal. O primeiro interósseo dorsal é um


músculo forte que segura a base do polegar no trapézio. Fonte: adaptado de Albrecht,
2015.11

Durante o tratamento da paciente, a maior dificuldade encontrada pela


terapeuta foi automatizar o movimento correto sem que ela mantivesse os

139
vícios de movimentos anteriores (inadequados), como a hiperextensão da
articulação MCF e a adução exagerada. Para isso, foram utilizadas as técnicas
apresentadas previamente, bem como a terapia do espelho.

Figura 6 Exercícios de fortalecimento. Fonte: arquivo próprio da autora.

Figura 7 Técnica de esparadrapagem para movimentos. A: exercício para fortalecimento


de musculatura intrínseca, automatizando o movimento com sustentação da
esparadrapagem. Nota-se uma dificuldade em manter as interfalângicas em extensão. B:
terapeuta ensinando a realizar isometria para abdução, cuidando para não realizar a força na
extensão da MCF. C: exercícios de pinça devem ser realizados com cautela e com proteção,
seja com órtese ou esparadrapagem. Fonte: arquivo próprio da autora.v

Todo o fortalecimento foi mantido priorizando fortalecer o 1º interósseo


dorsal e o oponente, cuja importância é afirmada por Adams et al.6
Alguns movimentos continuam necessários após a alta (Figura 8).
A paciente continua atuando como personal trainner, exercendo suas
atividades de vida diária (AVD), prática e profissional com algumas pequenas
limitações, como: descarregar totalmente o peso sobre a mão ou realizar
atividades com peso sem repouso.

140
A órtese ainda contribui para o repouso articular, considerando-se que
representa “a cama do polegar”, da mesma maneira que nas atividades com
peso, tração ou distração a órtese representa “um escudo de proteção”,
devendo ser utilizada.
Exercícios devem ser mantidos, como alongamentos, técnicas de proteção
articular e repouso. Entender a rotina, esportes e hobbies do paciente é
fundamental na sua educação, assim como observar as necessidades de vida
prática, diária e profissional é importante para orientar quanto ao controle de
energia e ao repouso articular. O paciente deve ter uma rotina para se
conhecer cada vez mais e, com isso, entender sobre repouso durante suas
atividades. O uso de órtese é fundamental para essa prática (Figura 9).

Figura 8 Imagens de exercícios de treinamento. A: com as duas mãos, realizar a abertura


da primeira comissura. B: com a mão sobre a cabeça, realizar uma rotação. C: ambas as

141
fotos mostram uma pressão com pregador sobre o 1º interósseo dorsal, relaxando essa
musculatura. D: técnica de mobilização articular com exercício de “abrir e fechar a
boquinha”, contribuindo para a movimentação da articulação trapeziometacarpal. Fonte:
arquivo próprio da autora.

Figura 9 Imagens da evolução do quadro. Fonte: arquivo próprio da autora.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1983;8(5):669-75.
2. Vegt AEV, Grond R, Gruschke JS, Boomsma MF, Emmelot CH, Dijkstra PU, et
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satisfaction and preference in patients with thumb carpometacarpal
osteoarthritis. Bone Joint J. 2017;99-B:237-44.
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Surgery. 1969;51:661-8.
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Paulo: Atheneu; 2006. p.415-27.
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Santos; 2008. p.23-37.

142
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analysis of simulated first dorsal interosseous and opponens pollicis loading
upon thumb CMC joint subluxation: a cadaver study. Hand (N Y).
2018;13(1):40-4.
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of metacarpophalangeal joint in thumb carpometacarpal osteoarthritis on pain
and function. A quasi-experimental trial. J Hand Ther. 2018;31(1):68-73.
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design and fitting. J Hand Ther. 2000;13(3):228-35.
9. Villafañe JH, Valdes K, O’Brien V, Téllez RC, Berjano P. Conservative
management of tumb carpometacarpal osteoarthritis: an Italian survey of current
clinical practice. J Bodywork e Moviment Therapies. 2017;22:37-9.
10. Tsehaie J, Spekreijse KR, Wouters RM, Slijper HP, Feitz R, HoviusSR, et al.
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BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
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Villafañe JH. Necessity of immobilizing the metacarpophalangeal joint in
carpometacarpal osteoarthritis: short-term effect. Hand (N Y). 2018;13(4):412-7.

143
13 Intervenção da terapia ocupacional na doença
de Crohn: um caso de superação, amor e
esperança
Tamara Neves Finarde

Os analfabetos do século XXI não serão aqueles que não podem ler e escrever, e
sim aqueles que não conseguem aprender, desaprender e reaprender.
Alwin Toffler

PRIMEIRA FASE
Ana, 37 anos, casada, tem um filho chamado Bernardo (nome fictício), hoje
com 8 anos. A primeira internação dela, mediante diagnóstico de doença de
Crohn (DC), ocorreu em 2010. Trata-se de uma doença inflamatória intestinal
(DII) crônica, que afeta predominantemente o intestino delgado (íleo) e o
intestino grosso (cólon), podendo atingir outras áreas do trato gastrintestinal
por uma desregulação do sistema imunológico.1 Ana respondeu bem aos
antibióticos, recebeu alta dessa internação e compreendeu tratar-se de uma
doença sem cura, mas que permitia manter a qualidade de vida com a
medicação e os devidos cuidados.
Ainda em 2010, após algumas perdas familiares e o diagnóstico de uma
doença crônica, Ana engravidou de Bernardo. “A gravidez foi um grande
presente depois de tudo que havíamos passado”.
Na primeira ultrassonografia para confirmar o sexo do bebê, tiveram uma
surpresa: um possível diagnóstico de mielomeningocele, hidrocefalia e pé
torto congênito. Em busca de soluções e respostas para a gravidez e para os
diagnósticos, Ana foi buscar ajuda de especialistas:

Chegaram até nós as indicações de médicos especialistas experientes e


qualificados para atender o nosso caso. Já na primeira consulta com um
deles, contando tudo o que estava acontecendo, ele me levou para sala de

144
ultrassom. Ele viu as mesmas coisas dos exames anteriores, mas foi
buscar imagens do coração do Bernardo e nos disse: “o coração é
perfeito, seu filho quer muito viver”. Seguido a isso, já com um
neurocirurgião, outro panorama da malformação nos foi dado: cirurgia
para fechar a coluna, válvula para conter a hidrocefalia, cirurgia para
correção dos pés, enfim, possibilidades para melhorar a qualidade de vida
do nosso pequeno.

Bernardo já venceu muitas etapas em sua vida; passou por uma instituição
de atenção a crianças com deficiência onde aprendeu a andar com andador e
depois sem auxílio, a pegar objetos, a tolerar texturas, a ter disciplina e
objetivo durante suas atividades. Hoje, aos 8 anos, é bilíngue, joga futebol,
está no 3º ano e, a pedido dos professores, auxilia os amigos que estão com
dificuldades de aprendizagem. O desenvolvimento infantil de crianças com
mielomeningocele pode apresentar alterações no quadro motor e cognitivo,
sendo estes essenciais para a independência funcional e para o
desenvolvimento sensoriomotor.2 “Ensinou-nos o mais importante: que a
perfeição não está na forma, mas sim na adaptação”.

SEGUNDA FASE
“A ficha cai e percebemos o convite que a vida tinha nos feito lá atrás;
estava nos convidando a sermos família no sentido de união e de sermos o
nosso abrigo.”
Em maio de 2018, Ana teve uma complicação da DC, em virtude de uma
estenose intestinal, sendo preciso realizar uma ostomia e colocar uma bolsa
coletora, também conhecida por colostomia. A estenose é considerada uma
das mais graves complicações da DC, por apresentar indicação para cirurgia
de ressecção do trato intestinal, muitas vezes ocorrida pelo tratamento
medicamentoso no processo inflamatório.3 Já a ostomia é a cirurgia para
desvio, temporário ou permanente, do percurso alimentar e/ou de secreções. A
colostomia e a ileostomia são tipos de ostomia; a primeira refere-se à
exposição do cólon através da parede abdominal, por meio de uma bolsa
coletora para eliminação fecal.4 Esta bolsa busca salvar vidas, proporcionar
maior conforto e melhor qualidade de vida para os usuários. Mais adiante,
será abordado mais sobre este aspecto no parecer de Ana.

145
As internações e as idas ao médico por causa da ostomia foram recorrentes;
ocorreram algumas infecções, problemas gastrintestinais e uma internação
específica para troca do estoma, que estava interiorizado, causando uma
infecção importante na pele. Ana foi ao hospital certa de que o incômodo e o
problema infeccioso estariam resolvidos. Contudo, durante o procedimento
cirúrgico, houve uma intercorrência: uma bradicardia decorrente da
proximidade entre o cateter central e a artéria aorta. Assim, os médicos
optaram por manter o tratamento medicamentoso com antibióticos e seguir
em acompanhamento.

TERCEIRA FASE
Ana conta como tudo aconteceu:

Eu tive uma perfuração intestinal e, como consequência, uma infecção


generalizada. Eu só me lembro de ter acordado naquele dia, 3/8/2018,
com fortes dores abdominais e do meu marido me levando para o
hospital. Eu apaguei, entrei em choque, tamanha era a dor que eu senti.
Fiquei em coma por uns 15 dias. Tive parada cardíaca, minha pressão
quase zerou, tive falência múltipla dos órgãos. Para tentar me salvar,
usaram a noradrenalina, que é uma medicação vasoconstritora periférica.
Ela “rouba” a circulação das extremidades para manter coração e cérebro
ativos e aumentar a pressão arterial.

No dia relatado por Ana (3/8/2018), ela deu entrada no hospital com
diagnóstico de choque séptico, insuficiência renal, respiratória, cardíaca e
hepática, também chamada de insuficiência de múltiplos órgãos e sistemas
(IMOS) revertidos, e apresentava pressão arterial de 3/2 mmHg. Evoluiu com
ileostomia terminal, DC, isquemia de ambas as mãos e pés, evoluindo para
amputação bilateral e debridamento de dedos das mãos e calcanhares.
O choque séptico é considerado como falência circulatória generalizada
que ocasiona falta de oxigenação e disfunções celulares. Seu agravamento
associa-se à liberação de mediadores inflamatórios e substâncias tóxicas pelo
organismo. A consequência do baixo fluxo sanguíneo pode resultar em
insuficiência múltipla dos órgãos e isquemia de extensos territórios (ocorre
inicialmente nas extremidades do corpo).5 O tratamento para o choque é a

146
reversão precoce do fluxo sanguíneo global, alcançada por meio de
medicamentos vasopressores, inotrópicos e reposição volêmica.6 “Eu demorei
para responder à medicação, mas quando começou a hemodiálise, eu comecei
a voltar.”
Respondendo bem ao procedimento da hemodiálise e aos medicamentos,
após 15 dias de coma, Ana acordou, foi extubada e, aos poucos, foi
retornando à consciência.

Eu voltei tão feliz! Porque o pesadelo que eu achava que estava vivendo
tinha acabado. Eu fiz muita força para sobreviver... Sem entender o que
estava acontecendo com meu corpo, sem ter noção alguma da gravidade
ou do tempo que estava se passando... eu realmente queria viver!

Ainda em agosto de 2018, dias 25 e 29, ocorreram as amputações bilaterais


dos 4 membros, advindas da isquemia dos membros. Ana refere que ver seus
pés e mãos necrosados era pior que não os ver e não os ter mais. A certeza
sobre a decisão de amputar a perna transtibial e seus dedos tinha um
significado: Ana já sabia qual processo de reabilitação deveria realizar, com a
experiência vivida com seu filho em uma instituição para pessoas com
deficiência. Conhecendo a qualificação profissional e as conquistas adquiridas
por seu filho, Ana tinha certeza que seu processo de reabilitação se daria nesta
mesma instituição.
A alta hospitalar ocorreu em outubro de 2018, após a realização de
debridamento, diminuição de foco infeccioso e estabilização do quadro
clínico. Ana permanece em acompanhamento ambulatorial com a equipe de
cirurgia da mão e com a da gastroenterologia. Atualmente, não faz uso de
medicamento para nenhum de seus diagnósticos clínicos, apelidou
carinhosamente a ileostomia de “Catarina” e faz acompanhamento em um
serviço especializado de reabilitação, onde é atendida por profissionais de
fisioterapia, psicologia e terapia ocupacional (TO).

QUARTA FASE: UM CASO DE EMPATIA, SINTONIA E


CUIDADO

147
“Hoje já estou em reabilitação, estou nessa imersão, esse tanto de vida e
aprendizado me impulsiona.”
O processo de reabilitação com a TO no setor de terapia da mão iniciou em
13/3/2019. Ana é uma paciente que apresenta histórico de amputações
bilaterais traumáticas em mãos e pés, frequenta o setor de TO 2 vezes/semana
e realiza fisioterapia e psicologia também na mesma unidade. Atualmente,
está em processo de protetização para membros inferiores e superiores.
Nas duas primeiras sessões de TO, foram estabelecidas metas, levantadas
demandas do seu desempenho ocupacional e objetivou-se seu
acompanhamento terapêutico por meio da avaliação.7
Como principais objetivos, foram determinados: restauração da pele de
ambas as mãos; ganho de amplitude de movimento (ADM) nas mãos;
remodelação cicatricial e sensorial; treino de atividades de vida diária (AVD);
confecção de órtese para ganho de extensão; e confecção de adaptação para
facilitação de suas atividades e resgate na retomada de atividades
significativas.
A TO, no contexto da terapia da mão, considera importante avaliar e
realizar o tratamento com base no indivíduo, na sua história pessoal, em como
se relaciona com o meio, como se percebe e se expressa perante seu
diagnóstico e sua fase de reabilitação.8
Importante ressaltar que a interação entre terapeuta, paciente e atividade é
de fundamental importância para uma boa evolução clínica.
A Figura 1 apresenta a evolução clínica da reabilitação da Ana.

148
Figura 1 A: radiografia das duas mãos. B: mão esquerda com aspecto da pele em processo
cicatricial. Fonte: arquivo da própria autora.

Iniciou-se a reabilitação com o foco em recuperar a função da mão direita.


Ana chegava para os atendimentos com curativo e faixas na mão esquerda; já
a mão direita apresenta melhor evolução cicatricial, por isso, iniciou-se o
processo de dessensibilização, alongamento de pele, treino de preensão fina e
coordenação motora.
O processo de dessensibilização faz parte do tratamento; nele, o terapeuta
avalia o nível de tolerância sensorial do paciente. Diferentes estímulos são
aplicados nas áreas com hipersensibilidade e, por meio da repetição,
promove-se a readequação e a aprendizagem sensorial, realizando a
discriminação dos sentidos.8
No caso de Ana, foram utilizados diversos recursos proprioceptivos para
facilitar a dessensibilização dos cotos, como: massagens leves e de maior
intensidade com a mão do terapeuta, com massageador elétrico e com
estímulos vibratórios; texturas diferentes; flocos de isopor; e bolas de
diferentes texturas e tamanhos (Figura 2).

Figura 2 Paciente realizando dessensibilização do coto associado à atividade de preensão


fina. Fonte: arquivo próprio da autora.

No decorrer dos atendimentos, Ana demonstrou sua vontade de voltar a


escrever e pintar, atividades significativas para ela. Com este desejo, é

149
necessário realizar a adaptação para os utensílios da escrita (lápis, caneta,
lápis de cor). Durante a sessão de TO, é confeccionado um adaptador para
facilitar a preensão palmar, usando material de baixo custo (EVA e fita
adesiva); também foi disponibilizado um adaptador industrializado
(disponível em comércio). O treino da escrita foi realizado primeiramente
com o adaptador confeccionado com material de baixo custo; posteriormente
com o adaptador industrializado, foi realizado o treino de pintura, visando a
realizar o segundo pedido da paciente, que era voltar a pintar livros de
desenhos e mandalas (Figura 3).

Figura 3 A: adaptador confeccionado com material de baixo custo. B: adaptador


industrializado. Fonte: arquivo próprio da autora.

Observando a Figura 3, recorre-se aos contextos da TO no decorrer das


décadas e nota-se o processo de recuperação da capacidade funcional e o
resgate de atividades significativas, que retomam os papéis dos indivíduos em
suas diversas ocupações.9,10
Neste ínterim, foram realizados os cuidados para pele, processo cicatricial e
alongamento de fáscia da mão esquerda, preparando-a para um novo
procedimento cirúrgico de dissecção de ossos do 1º metacarpo e do 3º dedo.
Esse procedimento foi necessário por causa do processo de evolução clínica e
de consolidação óssea e porque havia resquícios de necrose e infecção
cutânea. Ainda foi preciso dissecar a falange proximal da mão direita por esse
mesmo motivo.

150
A Figura 4 mostra a evolução da mão esquerda no pós-cirúrgico e na
reabilitação.
Com as adaptações, Ana já conseguiu fazer sua maquiagem sozinha em
uma data importante, como no aniversário de seu filho. Com o auxílio de
outro modelo de adaptador industrializado, consegue também comer e
escovar os dentes sozinha. Na atividade do banho, consegue lavar seu cabelo
sem auxílio. Ana anseia conseguir manusear sua bolsa de colostomia, a
“Catarina”, com independência e busca também conseguir se vestir sozinha.

Figura 4 Evolução da mão esquerda no pós-cirúrgico e após reabilitação da mão. Fonte:


arquivo próprio da autora.

Para a paciente, ter autonomia para realizar ABVD é valioso e de suma


importância; por isso, em cada sessão de TO, busca-se alcançar os objetivos e
ampliar os movimentos, desbravando a imensidão de possibilidades das
ocupações dessa paciente.
Ana chegou a um propósito: inspirar pessoas a se adaptarem e a superarem
desafios, de modo que tenham disponibilidade à mudança.

Na minha vida, sempre busquei significados, porquês, e as respostas


sempre foram simples, mesmo em situações muito complexas. Eu vejo
essa ânsia por significados como vírgulas, e não como pontos finais. A
gente é mais forte do que imagina. Estar sempre atenta ao que se passava
ao meu redor, ter informações e principalmente as sensações das

151
situações que já vivi, um resgate mesmo, me fez e faz encarar o hoje e o
amanhã e o depois e depois...

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Biblioteca Virtual em Saúde. Dicas em Saúde. Doença de Crohn. Disponível em:
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/dicas/179_doenca_crohn.html. Acesso em:
5/2/2019.
2. Ferreira FR, Bexiga FP, Martins VVM, Favero FM, Sartor CD, Artilheiro MC,
et al. Independência funcional de crianças de um a quatro anos com
mielomeningocele. Fisioter Pesqui. 2018;25(2):196-201.
3. Protásio BK, Barbosa CM, Neufeld CB, Buck LD, Laund LS, Toporovski MS,
et al. Especificidades da apresentação da doença de Crohn na infância. Einstein
(São Paulo). 2018;16(1):eRC4070.
4. Santos JVD, Pereira MEN, Silva ARS. Mulheres ostomizadas: dificuldades em
conviver com uma colostomia. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado
em Enfermagem). Recife: Faculdade Integrada de Pernambuco (FACIPE); 2013.
5. Westphal GA, Silva E, Salomão R, Bernardo WM, Machado FR. Diretrizes para
tratamento da sepse grave/choque séptico: ressuscitação hemodinâmica. Rev
Bras Ter Intensiva. 2011;23(1):13-23.
6. Jorge RLN, Lourenço LA, Vieira LHA, Santana MN, Pedroso ERP. Choque
séptico. Rev Med Minas Gerais. 2016;26(Supl 4):S9-S12.
7. Balbinotto A, Garces EEO, Thomé FS, Guimarães JF, Barros EJG. Protocolo de
acesso vascular para hemodiálise: cateter venoso central. Revista HCPA.
2006;26(3):78-86.
8. Ferrigno ISV. Terapia da mão: fundamentos para a prática clínica. São Paulo:
Santos; 2007. p.95-106.
9. Associação Americana de Terapia Ocupacional (AOTA). Estrutura da prática da
terapia ocupacional: domínio & processo. 3. ed. Rev Ter Ocup Univ São Paulo.
2015;26(ed. esp.):1-49.
10. Associação Brasileira dos Terapeutas Ocupacionais (Abrato). A terapia
ocupacional e as atividades da vida diária, atividades instrumentais da vida
diária e tecnologia assistiva. Rio de Janeiro: Abrato; 2011.

152
14 Terapia ocupacional na assistência à pessoa
com síndrome do encarceramento
Marília Bense Othero

INTRODUÇÃO
O presente capítulo tem como objetivo descrever a intervenção da terapia
ocupacional junto a uma paciente com síndrome do encarceramento (também
conhecida como síndrome de locked-in), bem como apresentar sua
fundamentação teórica. A base é a pesquisa desenvolvida no doutorado da
autora.1

A HISTÓRIA DE MARISA
Marisa, mulher de aproximadamente 50 anos, foi acometida por um
acidente vascular cerebral (AVC) grave após rompimento de um aneurisma.
Vinda de outro hospital após meses em uma unidade de tratamento intensivo
(UTI), acompanhei-a desde o primeiro dia de internação: olhos fechados,
restrita à cama, sem quaisquer movimentos. Com o passar dos dias, continuei
visitando-a, junto com uma colega psicóloga, , quando comecei a perceber
que seus olhos se fechavam somente quando nos aproximávamos. Parecia
haver uma intencionalidade ali.
Isso se repetiu por vários dias, até que – num rompante – peguei uma
cadeira, aproximei-me da beira de seu leito, sentei e disse-lhe: “Marisa,
parece que você não quer contato. Porém, quero lhe ajudar e vou continuar
vindo aqui todos os dias, mesmo que você feche os olhos”. Após alguns dias
nesta insistência, ela passou a permanecer de olhos abertos e acompanhar com
o olhar pelo quarto.
Entendi como uma aceitação à presença. Passei a conversar com ela e
enriquecer o tempo que passávamos juntas com outras atividades,

153
especialmente músicas e leituras, gostos descobertos por meio de amigas que
a visitavam frequentemente.
A dinâmica familiar de Marisa era bastante complexa e, neste momento,
não havia ocorrido qualquer contato da equipe com a família. Ela tinha um
companheiro mais jovem, pelo qual enfrentou toda a família para seguir com
o relacionamento. Sua cunhada era uma referência também. Havia sua irmã,
Selma, que neste momento morava em Brasília, mas era a única que não havia
rompido totalmente com Marisa.
Marisa mantinha-se com os olhos abertos todo o período em que eu
passava com ela no quarto. Algum tempo depois, próximo ao mês de abril,
em que Marisa fazia aniversário, a médica da equipe, em seu quarto
conversando com outros profissionais, mencionou que seu aniversário estava
próximo, mas que não sabia a data correta: estava em dúvida entre os dias 2 e
3. Nesse momento, ela e todos os profissionais observaram que Marisa fazia
um gesto com sua mão direita, indicando o número 2. Confirmado em seu
prontuário, esta era mesmo a data de seu aniversário.
O quadro de “coma vigil”, anunciado na internação, era absolutamente
diferente: passamos a perceber (e mais do que isso, confirmar) que sua
cognição e interação estavam preservadas. Em atendimentos com a psicóloga,
ela afirmou inclusive recordar-se de todo o processo de adoecimento, até
mesmo seus períodos críticos na UTI.
Marisa passou a se comunicar, mas oscilava em dias de muita introspecção
e tristeza. Quando recebia a visita de seu companheiro ou de sua cunhada, sua
tristeza aflorava ainda mais. No entanto, a comunicação foi cada vez mais se
aproximando, com gestos de sua mão direita. Quase 5 anos de internação e
Marisa nunca recuperou a possibilidade de fala e de expressão facial, mas
seus gestos eram absolutamente expressivos e a permitiam dizer suas
vontades, necessidades e incômodos.
Na terapia ocupacional, trabalhamos diversas atividades: pintura,
artesanato, música (ela era pianista) e leitura. O desafio era conciliar seu
desejo de agir no mundo e concretizar suas potencialidades com suas grandes
limitações físicas e com a fadiga, sintoma que a acompanhou por todo seu
período de tratamento.

154
Considerando que Marisa era pianista, propusemos o uso do teclado, na
tentativa de retomar tal atividade, mas foi frustrante. Ela não tinha forças para
mexer nas teclas e tinha hemianopsia (incapacidade de enxergar o campo
visual esquerdo ou direito), algo que também a limitava muito na realização
de quaisquer atividades.
Contudo, havia momentos de grande alegria e descontração também.
Lembro-me de uma festa no hospital em que disponibilizamos um karaokê
para cuidadores e familiares; mesmo sem falar, Marisa decidiu que queria
cantar também e me escolheu (junto com outra colega terapeuta ocupacional)
para cantarmos uma música sertaneja em seu nome. Fomos as três para o
“palco” e.... cantamos! Sem contar nossas (péssimas) habilidades vocais, o
mais interessante desta experiência foi o fato de – na vivência, no ato – ter
sido Marisa quem cantou. Nós terapeutas apenas emprestamos nossas
capacidades físicas para que isto se realizasse.
Outro momento marcante foi quando construímos o Manual da Marisa,
nome por ela escolhido para um caderno sobre sua vida e seu cotidiano
hospitalar, que seria entregue a sua nova cuidadora, pois a antiga iria sair de
licença maternidade. Por mais de 1 mês, fui ao seu quarto diversas vezes por
semana e, junto com ela e com a cuidadora, mapeei seu cotidiano. Foi muito
importante para ela que, no manual, estivessem contidas informações como:
eu escolho minhas roupas; adoro bijuterias; não gosto de televisão; quando
me sentir indisposta, você deve tomar tais atitudes, entre outras informações.
Vale comentar que Marisa optou em escrever tal manual em primeira pessoa.
Ela conseguiu conquistar muita autonomia dentro das limitações impostas
pela doença, pelo hospital e pela dinâmica familiar. Houve muitos conflitos
familiares, pois seu companheiro usava o dinheiro que Marisa recebia em
benefício próprio; Selma (irmã) precisou agir judicialmente para resgatar a
tutela dela. O companheiro de Marisa parou de visitá-la (algo que ela refere
como bom) e Selma consegue otimizar muitos recursos para Marisa, levando
a estabilidade clínica, melhoras funcionais (com adaptações) e preparação da
casa de Selma para recebê-la.
No entanto, no Natal de 2010, próximo ao momento de sua alta, ela teve
uma intercorrência clínica grave e morreu no início de janeiro de 2011, 15

155
dias depois. Houve diversas conversas de toda a equipe com a irmã durante
este período para explicar a gravidade do quadro e tentar acolhê-la em seu
sofrimento. Nestas conversas, Selma chorava muito, gritava, estava
inconformada com esta drástica mudança. Foi um momento muito difícil para
mim e para toda equipe, pois tínhamos um vínculo forte e de muito tempo
com Marisa, e o luto deste revertério todo foi bastante difícil de assimilar.
Um mês após sua morte, Selma pediu para realizar uma missa no hospital,
o que contribuiu para algum tipo de fechamento também para nós da equipe.
Com Marisa, foi imenso o aprendizado sobre a conquista e a importância da
autonomia, mesmo que a independência esteja limitada.

QUADRO CLÍNICO DE MARISA: A SÍNDROME DO


ENCARCERAMENTO
Conhecida também como síndrome de locked-in (do inglês locked-in
syndrome), a síndrome do encarceramento é uma condição neurológica
caracterizada pela presença de abertura ocular voluntária, quadriplegia ou
quadriparesia, afasia, funções cognitivas preservadas e comunicação por meio
do piscar ou do movimento dos olhos.2 É também um diagnóstico difícil de
ser realizado, sendo identificado em 55% dos casos por membros da família
do paciente.3
Em geral, as pessoas nesta condição dependem de estratégias de
comunicação alternativa para a interação com o meio, usando recursos como
o piscar dos olhos ou movimentação da ponta dos dedos. O cuidado a estes
sujeitos é um desafio, pelo fato de estarem com total produtividade
intelectual, mas com perda funcional importante, tornando-os prisioneiros de
si mesmos.
A identificação desta condição é difícil e passível de muitos erros de
diagnóstico, devendo-se associar o exame clínico a testes de imagem e
avaliações neurológicas multimodais. A falta de diagnóstico adequado e
precoce interfere negativamente no processo de cuidado (e no prognóstico do
doente), causando sofrimento psicológico e social ao paciente e sua família.
A síndrome do encarceramento pode ser muito confundida com duas outras
condições: estado vegetativo (ou, no senso comum, coma vigil) e estado de

156
consciência mínima.
O estado vegetativo é caracterizado pela completa ausência de evidência
comportamental de consciência de si e do ambiente, continuando preservada a
capacidade de excitação espontânea ou induzida.4 Laureys et al.3 mencionam
que, nestes casos, o paciente fica acordado, mas não tem qualquer percepção.
Recentemente, a nomenclatura a ser utilizada para tal situação na literatura
científica passou a ser unresponsive wakefulness syndrome, ainda sem
tradução oficial para a língua portuguesa.5,6
Já o estado de consciência mínima é definido por Giacino e Kalmar4 como
uma condição de severa alteração de consciência, porém com evidência
comportamental de percepção de si e do ambiente. Os autores descrevem que
deve haver evidência claramente observável de um ou mais dos seguintes
comportamentos: resposta a comandos simples; respostas sim/não verbal ou
gestual; verbalização inteligível; movimentos ou comportamentos afetivos
relacionados a estímulos ambientais relevantes (como episódios de choro ou
sorriso em respostas a algum conteúdo linguístico ou visual; tentativas de
atingir objetos, demonstrando clara relação com lugar/direção; movimento
ocular de busca ou sustentação de olhar em direta resposta a movimento ou
estímulo). Entretanto, eles oscilam e não há consciência e percepção
completas do ambiente, não havendo também indícios da capacidade de
autorreflexão ou outras funções cognitivas superiores.5
Não há, até o momento, um padrão-ouro para o diagnóstico e a distinção
entre estado vegetativo e estado de consciência mínima, porém parece haver
consenso de que uma escala de avaliação do nível de consciência deve ser
utilizada após a fase aguda.7 Indica-se preferencialmente a Coma Recovery
Scale, além de exames complementares como ressonância magnética
funcional e eletroencefalograma.6,8
É muito importante ressaltar que nenhum destes três diagnósticos
significam morte cerebral, situação na qual há total ausência de metabolismo
cerebral e, em geral, o diagnóstico é feito horas após a injúria neurológica,
não existindo quaisquer movimentações reflexas ou emissão de sons.9,10 As
Figuras 1 e 2 ilustram tais diferenças ao mostrar evidências de funcionamento
cerebral a partir de exame de ressonância magnética funcional.

157
No cotidiano na assistência, a realização e a confirmação de tais
diagnósticos são muito complexas, apresentando desafios importantes aos
profissionais de saúde. Beaumont e Kenealy10 explicam que as observações
coletadas diariamente em beira de leito são imprescindíveis, configurando-se
pistas às quais o profissional deve prestar muita atenção e registrar
minuciosamente. Barker propõe um roteiro para esta avaliação:

Figura 1 Funcionamento do metabolismo cerebral em: pessoa saudável (controle), morte


cerebral e estado vegetativo sucessivamente. Fonte: Laureys et al., 2005.3

Figura 2 Ressonância magnética funcional com funcionamentos cerebrais em 4 situações:


controle (consciência completa) e estado vegetativo, na parte superior da figura; e síndrome
do encarceramento e estado de consciência mínima, nas parte inferior da figura. Fonte:
Laureys et al., 2005.3

Tipo/local/tempo decorrido do acometimento; idade; período do dia e atividades


prévias; medicação; familiares e cuidadores.

158
Exame físico, nível de consciência.
Nervos cranianos: pupilas, movimentos oculares, entre outros.
Aspectos motores: observação, tônus, força, reflexos presentes, respostas a
estímulos dolorosos.
Gosseries et al.11 complementam tal roteiro ao mencionar que se devem
realizar tais avaliações repetidas vezes, em diferentes momentos do dia, de
maneira extensa, detalhada e sutil.

RACIOCÍNIO CLÍNICO E O REFERENCIAL DO CUIDADO


Um acontecimento brutal, tal como a doença vivida por Marisa, traz marcas
na construção da vida, da identidade, da história daquele sujeito e de sua
família. Kneafsey e Gawthorpe12 mencionam os impactos de uma injúria
neurológica grave: mudanças cognitivas e psicossociais, incapacidades físicas
severas, problemas comportamentais, perdas sensoriais. Pessoas com
síndrome do encarceramento apresentam dificuldades comportamentais e
emocionais, além da habilidade de comunicação prejudicada, o que
potencialmente prejudica sua participação em atividades sociais e na tomada
de decisão sobre a própria vida.
Cabe considerar que as mudanças no corpo repercutirão no âmbito
psicossocial, uma vez que o corpo é a base constitutiva do sujeito, aspecto
também mencionado por Nochi,13 que traz falas de pacientes com injúrias
neurológicas graves: “eu não me entendo mais”, “este não sou eu”. Emerge
aqui uma ideia de descontinuidade da vida; há uma ruptura na identidade que
advém do olhar dos outros, que não mais reconhecem aquele sujeito. O autor
propõe que a (re)construção da história de vida destas pessoas, por meio de
narrativas, pode ser terapêutica.
É bastante comum que profissionais de saúde infiram que a qualidade de
vida de pessoas com síndrome do encarceramento é muito ruim, a ponto de
suas vidas não valerem a pena. Entretanto, pacientes com tal síndrome
tipicamente referem ter significativa qualidade de vida, e sua demanda por
eutanásia é surpreendentemente infrequente.2,3 Laureys et al.3 citam pesquisa
realizada por Ghorbel et al. publicada em 2002, na qual foi aplicado um
questionário de qualidade de vida (SF-36) a 15 pessoas com síndrome do
encarceramento vivendo no domicílio, e seus resultados foram comparados

159
com um grupo controle de pessoas saudáveis. Ainda que no aspecto
relacionado à saúde física os sujeitos tenham escore zero, nos aspectos
relacionados à saúde em geral e à saúde mental, não houve diferença
estatisticamente significativa entre os dois grupos.
Contudo, as publicações científicas apresentam, em sua maioria, propostas
de reabilitação junto às pessoas com síndrome do encarceramento com foco
na recuperação neurológica pós-injúria, especialmente voltadas para os
doentes com bom prognóstico funcional, resumindo suas necessidades de
cuidado a: promoção de um ambiente para a recuperação; prevenção e
tratamento de complicações secundárias; tratamentos fisioterápicos, médicos,
psicológicos, tecnológicos; e orientação à família.1,2
Ainda há desconhecimentos sobre muitos aspectos que envolvem a vida de
pessoas severamente incapacitadas, abrindo-se espaços para fantasias, medos
e julgamentos de valor da própria equipe de cuidados na assistência, podendo
ser potencializados aspectos negativos relativos ao cuidar, como: pouco
investimento da equipe, abandono do cuidado, dificuldade em lidar com
cotidiano deste tipo de paciente etc. Entretanto, o referencial do cuidado14
abre caminhos para potencializar esta assistência.
Ao considerar o cuidado como categoria reconstrutiva em diversas
situações, Ayres14 define-o como a designação da atenção à saúde interessada
no sentido existencial da experiência do adoecimento, incluindo aspectos
como escuta (e sua qualidade), encontro dialógico entre usuário e
profissional, acolhimento, busca de sentidos e significados, possibilitando que
ambos – usuários dos serviços e profissionais de saúde – reconstruam suas
percepções de si próprios. Esta perspectiva busca ampliar, para além da
proteção ou recuperação de estados ou condições estritamente
morfofuncionais, o horizonte normativo das práticas em saúde. Além disso, a
rede de cuidados não pode ser restrita aos serviços de saúde, mas deve estar
articulada com recursos da comunidade, apoio familiar, religiosidade,
moradias, sustentação econômica etc.15
Ao abordar a questão das pessoas com síndrome do encarceramento, todos
estes aspectos serão radicalizados, havendo entraves não só para seu processo
de inclusão, mas para o questionamento de qual vida é possível ou até mesmo

160
se ela vale a pena ser vivida. Entretanto, tais condições apresentam o desafio
de construir linguagens inovadoras e alternativas para se estabelecer
encontros propiciadores do cuidado. A relação terapeuta-paciente é
transformada por esta perspectiva: mais do que profissionais detentores de
uma técnica e de um conhecimento em relação com o paciente que ali se
apresenta, o cuidado, pensado a partir da hermenêutica filosófica, se coloca
como um referencial que transforma tal relação em uma relação de sujeitos,
em um encontro interpessoal.

TERAPIA OCUPACIONAL E RESGATE BIOGRÁFICO


As atividades propostas para Marisa partiram da sua história de vida, para
proporcionar sua materialização enquanto ser humano. A abertura de
caminhos para a reconstrução/ressignificação de sua biografia ocorre por
diversas linguagens, de que os próprios aspectos sensoriais podem fazer parte.
Nesta perspectiva, o ponto de partida da intervenção terapêutica ocupacional é
o levantamento do repertório ocupacional do paciente, no qual o profissional
faz uma investigação minuciosa, quase como um “detetive”, para ter
elementos que possibilitem entrar em relação com este sujeito.1
Como narrado na história de Marisa, o terapeuta ocupacional realiza um
acompanhamento atento e contínuo, propondo atividades a partir deste
sujeito, observando suas possíveis reações, nomeando possíveis achados.1
Criação, abertura, movimento, ambiguidades, limitações e vazios são
inerentes. Parte-se da premissa de singularidade dos sujeitos, sempre havendo
a possibilidade de fazer laço com o outro. O sujeito se compõe de seus
registros, que podem se perder de maneira bastante radical frente aos graves
acometimentos neurológicos. A noção de existência no mundo compartilhado
descreve a ideia de fazer estes sujeitos – independentemente de sua condição
– pertencerem à vida humana, à sua forma, e o terapeuta tem na observação
um dos principais instrumentos de intervenção, sempre feita de maneira ativa
e sutil, sempre contextualizada. Diz Lima:16 “Não basta observar, é preciso
contextualizar as observações, buscar estabelecer relações entre elas, ampliar
a análise para que se possa compreender melhor os comportamentos inseridos
num determinado contexto e sua influência sobre eles”.

161
A partir da história de Marisa, é possível inferir ainda o quão fundamental é
que o terapeuta esteja implicado na relação terapêutica, para que o paciente
possa perceber suas potencialidades remanescentes ou mesmo estar na relação
enquanto sujeito humano que é, e não simplesmente como um corpo
inanimado (realidade na maioria dos hospitais).
A atuação do terapeuta ocupacional junto a pessoas com síndrome do
encarceramento não está vinculada exclusivamente a estimulação de funções,
mas sim à ajuda na reconstrução do cotidiano de alguém em condição de tão
severa incapacidade, independentemente de seu tempo de vida. A maneira
pela qual se relaciona com aquele que está à sua frente traz marcas,
possibilitando a emergência de potencialidades e de aspectos não relacionados
à doença.
O papel do terapeuta, então, relaciona-se à ideia de presença e segurança. O
investimento auxilia na emergência deste sujeito, que está praticamente
escondido atrás de suas sequelas e limitações. Deve-se ressaltar, entretanto,
que não há relações de causa-efeito no processo, mas sim uma relação
singular que é tecida aos poucos, em busca do reconhecimento do desejo do
outro.
O processo junto a pessoas com síndrome do encarceramento é uma
aventura singular. É imprescindível ressaltar que as atividades – instrumento
da terapia ocupacional – são trabalhadas a partir da biografia do sujeito, na
(re)construção do seu cotidiano. Não estão, portanto, vinculadas à
estimulação de funções. Cabe ainda ao terapeuta nomear os “ditos e não
ditos” da relação que se estabelece aos poucos, ampliando as linguagens
utilizadas, na busca da possibilidade de encontro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a história de Marisa, fica explícito que, na assistência a pessoas com
síndrome do encarceramento, o terapeuta ocupacional precisa exercitar
cotidianamente a observação, a mediação, a interpretação, a tradução e a
inferência. Coloca-se em pauta a clínica da sutileza. Entretanto, ao mesmo
tempo, trabalhar nesta perspectiva é estar em contato com o vazio e com a
angústia o tempo todo; é trabalhar para construir uma prática intensamente

162
reflexiva; é querer superar a paralisação inicial produzida pela gravidade
destes pacientes para, enfim, reorganizar seu raciocínio clínico, comumente
voltado para a reabilitação e a aquisição de habilidades.
Forbes17 enumera como o psicanalista opera – e faço aqui uma analogia à
atuação do terapeuta ocupacional, frente à angústia, mas também à prática
criativa e reflexiva: não compactuando com sua desistência de viver; não
atendendo sua expectativa de compaixão; não os compreendendo a partir do
imaginário social; não operando no nível do senso comum da linguagem
cotidiana; não cedendo à angústia eventualmente gerada pela dureza da
doença.
Este capítulo não encerra a discussão sobre a assistência a esta população.
Espera-se exatamente o contrário: que sejam abertas novas possibilidades de
assistência à pessoa com doença neurológica grave, de reconstrução da
produção do cuidado, pautada na vida qualificada e com dignidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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graves: contribuições interdisciplinares para uma fundamentação teórica. Tese.
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pacientes com condições neurológicas muito graves. Rev Ter Ocup Univ São
Paulo. 2014;25(1):80-7.

165
15 Reflexões sobre a terapia ocupacional
psicossocial a partir do projeto terapêutico
singular
Erika Renata Trevisan
Daniela Tonizza de Almeida

INTRODUÇÃO
As transformações decorrentes da reforma psiquiátrica brasileira traduzem-
se em exigências éticas e técnicas que tornam complexas as atividades dos
trabalhadores no campo da saúde mental. Estar comprometido com a
desinstitucionalização da loucura requer articular conhecimentos
interdisciplinares, tanto para acompanhar os usuários no momento de crise,
quanto na construção de uma rede de cuidados que garanta o exercício da
cidadania.
A prática do cuidado na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) extrapola a
responsabilidade dos profissionais e se constrói nas relações entre as famílias,
os serviços, a comunidade e os próprios usuários. Essa responsabilização
coletiva exige que o cuidado seja claramente definido, distribuído, negociado
e desenvolvido pelos diversos atores envolvidos por meio de projetos
terapêuticos singulares (PTS).
Para Mângia e Muramoto,1 o conceito de terapia ocupacional psicossocial
retrata uma realidade já vivida no contexto das RAPS, em que as ações são
centradas na pessoa, em seu contexto e suas demandas, com foco no
protagonismo, na participação e na defesa dos direitos de cidadania; no
desenvolvimento do respeito e do convívio com a diversidade; na construção
de projetos terapêuticos singulares, flexíveis, negociados e com metas
significativas construídas e compartilhadas com os usuários; no trabalho em
equipe baseado nas múltiplas negociações; no desenvolvimento de ações nos

166
territórios de vida e trabalho dos usuários, estabelecimento de parcerias
interinstitucionais e abandono da ênfase de tratamentos centrados nos serviços
e nos procedimentos técnicos; na integração entre as intervenções
terapêuticas, sociais, de prevenção, tratamento e reabilitação; e, por fim, no
fortalecimento da saúde e dos fatores de proteção e na redução de fatores de
risco que expõem os usuários a crises e recaídas.
A partir do caso de Jaime (nome fictício), pretende-se discutir alguns
pontos referentes às intervenções da terapia ocupacional no campo da atenção
psicossocial, tendo como escopo de análise o PTS.

RELATO DE CASO
A terapeuta ocupacional tomou conhecimento do caso de Jaime por meio
da Atenção Básica, que foi acionada pelos vizinhos ao denunciarem a
presença de ratos e focos de dengue na casa onde ele morava. A equipe da
Atenção Básica optou por acionar o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS)
depois de tentar visitá-lo e ser recebida com hostilidade. A terapeuta
ocupacional ouviu dessa equipe que Jaime tinha 38 anos, vivia sozinho com a
mãe, em uma casa própria, em um bairro popular, desde que o pai faleceu na
sua adolescência. Naquelas últimas semanas, Jaime não dormia, gritava muito
à noite e agredia mulheres na rua durante o dia.
Pairavam sobre Jaime histórias de esquisitices e agressões à mãe em
momentos de maior contrariedade, o que contribuiu para o afastamento da
família extensa. Havia relatos de que o transtorno mental foi desencadeado na
adolescência e ele já havia passado por internações psiquiátricas, mas há
muito tempo não se submetia a nenhum tipo de tratamento. A mãe adoeceu e
passou alguns meses internada. Nesse período, Jaime recusou-se a visitá-la e
recebeu a notícia de seu falecimento sem esboçar nenhuma reação de
lamento. A equipe da Atenção Básica e os vizinhos estavam amedrontados
por não compreenderem bem o que estava acontecendo com Jaime.
A primeira visita domiciliar feita pela equipe do CAPS foi realizada pela
terapeuta ocupacional que se tornaria sua técnica de referência, um psicólogo,
um residente de psiquiatria, alguns profissionais da Atenção Básica e um
jovem da comunidade que ajudava Jaime a organizar o quintal da casa e, vez

167
ou outra, o levava à igreja. Era a única pessoa com quem ele aceitava contato.
Jaime os recebeu no quintal de sua casa com postura suspicaz e alucinatória.
Embora tentasse dissimular, encontrava-se claramente em surto psicótico. A
opção, nesse primeiro momento, foi evitar uma abordagem involuntária e
apostar na construção de um vínculo.
Na segunda visita, dias depois, a casa estava totalmente aberta e, como
Jaime não respondeu, a equipe foi entrando. Jaime foi encontrado muito sujo,
sentado em um canto da sala, em meio a bitucas de cigarros, latas de
refrigerante e cerveja, misturadas com muita roupa suja e restos de comida. A
vizinha relatou que Jaime estava mais hostil, e o jovem que acompanhou a
primeira visita não se dispôs mais a colaborar. A luz e a água da casa haviam
sido cortadas. O vaso sanitário estava entupido de fezes, a sujeira e o mau
cheiro dominavam o ambiente. A família extensa já havia tentado intervir,
mas ele não permitia que se aproximassem. Mantendo certa distância, Jaime
foi convidado a acompanhar a equipe ao CAPS, recusando prontamente.
O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) foi então acionado
para auxiliar na condução que, naquele momento, se mostrava inadiável. A
abordagem privilegiou o diálogo e a transferência foi tranquila, sem uso da
força. Jaime foi medicado e chegou ao CAPS sedado, mas evadiu no dia
seguinte. A equipe retornou com o SAMU à sua casa e, dessa vez, ele não
ofereceu resistência. Permaneceu em hospitalidade noturna no CAPS por 10
dias. Nesse período, foi possível acionar a família extensa e favorecer sua
reaproximação. O acolhimento e a orientação à família foram fundamentais
para que eles pudessem compreender que se tratava de um momento de crise
e desconstruir o imaginário de um mau prognóstico e do destino certo de
internação manicomial. A família foi orientada a providenciar a limpeza da
casa para o retorno de Jaime, assim como dar início ao processo para
obtenção do Benefício de Prestação Continuada (BPC/LOAS) para que ele
pudesse se manter financeiramente.
Passado o período da crise psicótica aguda, Jaime, já com um pouco mais
de crítica, iniciou o tratamento semi-intensivo de permanência-dia no CAPS.
No entanto, ele evoluiu com síndrome negativa importante: vocabulário muito
restrito, diminuição da atividade, embotamento do afeto, sintomas
extrapiramidais e autocuidado prejudicado. A modificação da medicação

168
surtiu pouco efeito nesse primeiro momento. Tentativas de ofertar atividades
foram infrutíferas diante de seu negativismo. Mantinha-se isolado durante
todo o dia, sentado no banco da recepção. Nesse mesmo banco, ele foi
abordado muitas vezes pela terapeuta ocupacional, que se sentava ao seu lado,
ainda que por poucos minutos, cuidando para não ser muito invasiva,
respeitando seu tempo e espaço, mas sempre deixando claro o compromisso e
a implicação com seu cuidado. Ora ela comentava situações corriqueiras,
enquanto ele a olhava de lado e esboçava um meio sorriso, com os braços
cruzados, ora ela indagava sobre seu cotidiano, ao que ele respondia sempre
de forma monossilábica e lacônica. A partir desses breves encontros, um
vínculo de confiança foi sendo construído.
Jaime não demorou muito a iniciar um quadro depressivo grave,
provavelmente em consequência da elaboração do luto pela perda da mãe.
Começou a recusar-se a ir ao CAPS. Sozinho em casa e motivado por vozes
de comando, fez a primeira tentativa de autoextermínio, mas convocou a
equipe a tempo de buscá-lo.
Foi necessário acionar a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) para os
cuidados de urgência. Ao retornar ao CAPS, conseguiu, pela primeira vez,
produzir certa elaboração sobre o sofrimento que estava vivenciando e disse à
terapeuta ocupacional: “Estou mais na realidade agora. Eu achava que não
gostava da minha mãe, agora sinto falta dela”. Dessa vez, foi ele quem
demandou nova internação no CAPS e alguma forma de contenção para uma
pulsão mortífera, e também foi ele quem sinalizou o momento de voltar para
casa após 30 dias.
Apesar de sua resistência em participar de atividades coletivas no contexto
do CAPS, Jaime consentiu em conhecer o Centro de Convivência junto com a
terapeuta ocupacional. Lá, iniciou atividades de música e computação,
aprendeu a usar o transporte por aplicativo e a pedir comida pelo telefone. As
primas de Jaime mantiveram uma presença discreta, porém importante. Uma
o acompanhava às consultas médicas, outra o acompanhava ao supermercado
1 vez/semana, outra o ajudava a cuidar de suas roupas e da casa e o convidava
eventualmente para um almoço em família.

169
Contudo, viver sozinho na casa onde morou a vida toda com a mãe não se
mostrava viável. Fez nova tentativa de autoextermínio e retornou à internação
no CAPS por 5 dias. Foi discutido com Jaime e sua família a possibilidade de
mudança para uma pensão. A princípio, recusou, mas com alguma insistência
da terapeuta ocupacional, acabou concordando.
Atualmente, ele vive nessa pensão há 1 ano. Tem a privacidade de seu
quarto, mas conta com o olhar e o cuidado da dona da pensão que cumpre, em
alguma medida, a função materna. Trocou litros de refrigerante e pão por uma
alimentação mais qualificada, o isolamento dentro de casa por caminhadas
diárias na praça, a recusa da medicação por uma gestão autônoma.
Desenvolveu outra relação com o próprio corpo e outra forma de se enlaçar
no mundo. Frequenta o CAPS 1 vez/mês para consulta médica e recebe visitas
periódicas. “Não estou mais ouvindo vozes nem pensando em morrer”, ele
anunciou na última visita da terapeuta ocupacional, sentado no beiral do
quarto onde dorme.

A CONSTRUÇÃO DO PTS: DO MANEJO DA CRISE À


CONVIVÊNCIA NO TERRITÓRIO
O PTS foi o ponto de reflexão e partida para a prática da terapia
ocupacional na função de técnica de referência do caso de Jaime. Conforme
aponta Miranda,2 o termo projeto não pode ser adotado apenas como um
plano de metas, mas entendido enquanto desejo de acolher, de estabelecer
uma relação de confiança que se inicia no encontro entre dois estranhos, um
que demanda cuidados e outro que se dispõe a cuidar, construindo algo
inédito para ambos. Em alguns momentos, pode ser necessário que o técnico
de referência aponte mais enfaticamente direções possíveis, mas sempre no
intuito de ampliar para o sujeito as escolhas acerca dos caminhos a serem
trilhados.
Sustentar o vínculo com alguém em situação de sofrimento tão intenso não
é tarefa fácil, ainda mais alguém que chega com um rótulo negativo,
construído a partir de um olhar de medo e repulsa por aqueles que apresentam
sua história.2 Contudo, foi esse desejo de relação que, no caso de Jaime,
permitiu que a terapeuta ocupacional pudesse reapresentá-lo, por meio de um

170
bem dizer, construindo um lugar para ele na equipe, na família, na rede e, por
fim, na cidade, desmistificando o imaginário historicamente construído acerca
de sua periculosidade, refazendo histórias e afetos.
Nenhuma construção seria possível se o projeto terapêutico de Jaime não
tivesse como prioridade promover aberturas para que a família, a equipe do
serviço, a rede e a cidade pudessem acolhê-lo e reconhecê-lo no que havia de
mais humano nele, respeitando-o naquilo que lhe era único, singular para, ao
mesmo tempo, convencê-los da pertinência do investimento no seu cuidado.
Nesse processo, a terapeuta ocupacional se colocou como mediadora dos
enlaçamentos que ele foi conseguindo estabelecer, tornando possível sua
habilitação para o exercício da contratualidade social. A habilitação pode ser
compreendida como a capacidade de exercer direitos e deveres civis, de se
reconhecer como parte de um processo político e social, de poder
desempenhar um papel de protagonista em sua própria história.3
Um projeto se torna terapêutico, portanto, quando tomado em suas
dimensões ética e técnica. Ética no sentido de se ocupar da alteridade, numa
proposta de relação humana em que há a disponibilidade para a escuta do
outro, de sua subjetividade, construindo a clínica a partir do particular do
sujeito, e não do universal do saber,4 da disponibilidade para caminhar com e
por ele, saindo dos muros da instituição em direção ao território. E foi
justamente esse caminhar que permitiu que Jaime e a terapeuta ocupacional
fossem se vinculando.
A partir dessas andanças, as palavras puderam emergir sem que parecessem
tão invasivas um para o outro. Aos poucos, Jaime, que ocupava pouca
centralidade em seu tratamento, passa a sair do setting protegido para ganhar
espaços na cidade.
A terapeuta ocupacional, ao romper com as delimitações impostas às
profissões e abandonar a prática do atendimento protegido em uma sala ou
instituição, desenvolvendo atividades para além dos muros institucionais,
pode viabilizar diferentes modos de estar e se relacionar no mundo, dispondo-
se a auxiliar o usuário na convivência plural.
Na dimensão técnica, das teorias e instrumentações, o projeto terapêutico
considerou a perspectiva psicopatológica e também a perspectiva psicossocial

171
do sujeito. Saber em que consiste a psicose, como identificar o
desencadeamento de uma crise e quais intervenções seriam necessárias para
seu manejo mostrou-se fundamental num primeiro momento. Entretanto, o
diagnóstico informa muito pouco sobre as necessidades, os desejos, as
peculiaridades e as possibilidades do usuário.5
Outras questões sobre Jaime e seu contexto de vida se mostraram
igualmente importantes para o encaminhamento do seu PTS. Onde ele vive?
Como ele vive? Quais os recursos psíquicos, afetivos e materiais de que ele
dispõe? Quais os recursos que o território oferece e com o que se pode contar
para favorecer a sua emancipação?
A perspectiva psicossocial implica questionar como o sofrimento
decorrente de um modo próprio de existir impacta na vida cotidiana, como
dificulta a realização de atividades ou prejudica as relações. Sobretudo,
pressupõe indagar o que é possível ser e fazer apesar do sofrimento. Para
Saraceno,5 uma intervenção não pode ser pautada exclusivamente no
fenômeno psicopatológico, em sua cura ou erradicação, mas em ampliar as
oportunidades de trocas materiais e afetivas.
Apostar em seus recursos subjetivos e contextuais requer resgatar uma
história de vida singular que não pode ser acessada a partir de avaliações
protocolares, já que são saberes construídos em relação, a partir da escuta do
que o sujeito sabe de si. No caso do Jaime, foram necessários dois
movimentos: criar oportunidades de fala e, ao mesmo tempo, identificar os
recursos presentes no território e investir na articulação de uma rede social de
suporte e produção de cuidado compartilhado por meio de um trabalho
interdisciplinar feito pelos muitos atores que compõem essa rede.
Uma vez que a inserção em um campo relacional foi possibilitada, outros
objetivos vieram somar-se ao PTS. O estabelecimento desse campo de
confiança possibilitou sugerir novas experimentações que favoreceram o
autocuidado, o engajamento de Jaime em atividades significativas e
permitiram-lhe habitar e circular na cidade – caminhar na praça, ir ao
supermercado, ao dentista, adentrar espaços coletivos sem se sentir ameaçado.
Aos poucos, esse processo foi propiciando a Jaime assumir o protagonismo

172
do próprio projeto de vida enquanto sujeito de direitos e sujeito de desejos,
inclusive prescindindo da mediação técnica/terapêutica.
Foi possível construir um serviço de referência para Jaime e sua família,
que oferece cuidado contínuo e não intensivo, até que a transferência para a
Atenção Básica seja possível ou desejável; um serviço ao qual eles podem
recorrer nos momentos mais difíceis e do qual podem igualmente se distanciar
com tranquilidade, certos de que é no território que a vida deve acontecer, e
não entre os muros de nenhuma instituição.
Além de contribuir com a construção do conhecimento acerca da teoria e
da prática da terapia ocupacional psicossocial, o testemunho do percurso
clínico de Jaime consiste também em um ato de resistência política frente à
atual conjuntura de retrocesso que ameaça as conquistas do movimento de
luta antimanicomial.
É nesse sentido que as palavras proferidas por Basaglia, em 1979, podem
ser retomadas com surpreendente atualidade:

Dez, quinze, vinte anos atrás, era impensável que um manicômio pudesse
ser destruído. Talvez os manicômios voltarão a ser instituições fechadas,
talvez mais fechadas que antes, não sei, mas de qualquer modo, nós
demonstramos que se pode assistir o louco em um outro modo e o
testemunho disso é fundamental. Não acredito que porque uma ação
consiga generalizar-se, queira dizer que já se venceu. O ponto importante
é outro: é que agora se sabe o que se pode fazer.6

A terapia ocupacional, como um dos protagonistas da reforma psiquiátrica


brasileira, comprova que o cuidado em liberdade é possível, a partir da
construção de projetos que garantam a sustentação da vida no território,
articulando redes de saúde e suporte social.

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174
16 Terapia ocupacional e saúde mental
Solange Tedesco

INTRODUÇÃO
Se, como escreveu Winnicott, “a teoria é o lugar do descanso”,1 meu
recurso para a criatividade é saber exatamente de onde eu parto ou me ancoro
ou, como costumo dizer, saber onde está e como usar aquilo que ocupa
minhas estantes no final do dia, depois de um dia de atendimentos e situações
difíceis. Não chamo Winnicott à toa. É dele a teoria do desenvolvimento
emocional e amadurecimento pessoal que me sustenta, mas encontro meu
eixo nas bases e nos fundamentos da terapia ocupacional, na rica produção
brasileira que estuda e descreve os processos terapêuticos em diferentes
métodos e diálogos de saberes: nossa prática especializada é colaborativa e
visa a um objetivo muito claro, uma adaptação ativa do sujeito ao ambiente e
seus diferentes contextos2 que está claramente descrita como autonomia e
emancipação de pessoas. No mínimo, isso representa um interesse e uma
preocupação com o que o indivíduo faz, como faz, com quem faz, para que
faz e por que faz.
Se a base para a compreensão do sujeito pode ser fertilizada pela teoria de
Winnicott e a luz dada ao ambiente, nossa prática como terapeutas
ocupacionais exige a construção de um processo terapêutico muito particular:
um terapeuta ativo, conhecimento dos materiais e seus usos, circulação de
lugares, espaços e fazeres, experiências que se articulam com ajuda de
materiais e/ou pessoas, e muita mutualidade e maleabilidade no processo.
Dentro da terapia ocupacional, gosto dos autores da base psicodinâmica e
influencias dinâmicas, entre eles, Benetton3 é uma boa origem com os
desdobramentos que constituem um método próprio. Os estudos dos autores
brasileiros que partiram da clínica da psicose me ajudam a criar uma hipótese:
o funcionamento psicótico pode definir o que nós, terapeutas ocupacionais,

175
entendemos por ruptura na nossa população-alvo, independentemente da
patologia e sua origem (física, mental, social, sensorial, política, cultural).
Temos um objeto ou um problema-chave – a desinscrição profunda do estar e
do ser – que se instaura na vida em diferentes dimensões: clínica, existencial,
física, social e funcional. Como paradigma dessa desinscrição, quadros
psicóticos ou transtornos mentais com sintomatologia grave são bons
representantes.
Os transtornos mentais, também chamados de doenças mentais, segundo o
DSM-5,4 são alterações do funcionamento da mente que prejudicam o
desempenho da pessoa na vida familiar, social e profissional, na compreensão
de si mesmo e dos outros, na possibilidade de autocrítica, na tolerância aos
problemas e na possibilidade de ter prazer na vida em geral. Estes transtornos
afetam aspectos biológicos, psicológicos e sociais do indivíduo e se
caracterizam por alterações do pensamento, do humor e do comportamento
(ou uma combinação de fatores), associadas à angústia e prejuízo no
funcionamento global.
Contudo, falar de terapia ocupacional em saúde mental com populações
psiquiátricas, foco do nosso relato de caso, exige o conhecimento de alguns
vértices:
1. Sintomas da doença: doenças e transtornos mentais possuem sintomas, e o
tratamento medicamentoso gera dificuldades.
2. Funcionamento, incluindo o global e o ocupacional, entendendo que o
funcionamento é um processo contínuo.
3. Incapacidades decorrentes do adoecer.
4. Recuperação clínica.
5. Recuperação pessoal/recovery,5-8 incluindo os recursos e os esforços pessoais e
da rede de apoio social, territorial.
6. A percepção do sujeito sobre sua condição e situação e seu entendimento sobre
seus fazeres.

Os pressupostos da relação triádica paciente-terapeuta ocupacional-


atividades, fundada na dinâmica da relação terapêutica e da realização de
atividades, é observada em seu setting como dinâmica única e onde todos os
termos estão em constante movimento. Nesse processo, o sujeito-alvo passa a
vivenciar uma experiência produzida pela disponibilidade de um terapeuta

176
ocupacional capaz de produzir o cuidado em ação e ato, construindo uma
adaptação ativa às adversidades ou às necessidades que surgem da própria
experiência para nela, e só dela, ampliar o meio ambiente pessoal.
É importante deixar claro que, nessa fundamentação, a atividade é uma
dinâmica constituinte do setting, composta pelo ritmo e pela utilização de
materiais, pelo fazer atividades na intersecção pedagógica e terapêutica
característica do “fazer com” e “articular para”, propiciando ao sujeito-alvo o
lugar de sujeito da experiência.
Essa dinâmica é determinada fundamentalmente pelo trânsito entre o
mundo interno e o mundo externo, implicados pela subjetividade e realidade
externa tanto na relação terapêutica como na realização de atividades para a
experiência nas atividades.

DESCRIÇÃO DO CASO
C. B., 23 anos, natural e procedente de São Paulo, mora com os pais,
segunda filha do casal, completou ensino médio em 2010, católica,
atualmente frequenta a igreja evangélica por insistência e ajuda de uma tia
materna, faz trabalho esporádico com o pai na oficina mecânica que este
possui na garagem da casa.

Figura 1 Imagem apresentada para o caso. Fonte: arquivo próprio da autora.

177
Encaminhada pela UBS de referência após internação por 3 dias no pronto-
socorro de psiquiatria de um hospital geral, de onde foi encaminhada ao
Centro de Atenção Psicossocial (CAPS); durante 3 meses, continuou sendo
reencaminhada para a UBS, que a encaminhou para um serviço universitário
especializado para elucidação diagnóstica.

QUESTÕES INICIAIS
A triagem no serviço especializado ocorreu em 15/1/2014. O
encaminhamento para terapia ocupacional ocorreu em abril de 2015. As fases
de atenção em três planos são:
1. Cuidado/desempenho global (impacto: melhora no autocuidado, corpo).
2. Construção de um ponto de apoio ampliado na terapia ocupacional: circulação
de projetos, grupos e sustentação.
3. Sustentação social e construção de repertório (sentidos, experiências,
desempenhos).

HISTÓRIA DAS LIMITAÇÕES SEGUNDO C.


Estranheza desde a adolescência (13-14 anos). Sentia-se diferente dos
amigos/amigas e das outras pessoas com quem convivia. Progressivo isolamento
social. Primeira mudança de escola no início do ensino médio por dificuldade
em se adaptar e piora no desempenho escolar.
Passou a sentir-se mal na rua e evita, em diferentes períodos, sair de casa.
Lembra que o início das dificuldades é marcado por sentir-se tão estranha e
desorganizada que sentia que ia morrer; “dizem que eu tinha crise de pânico”,
mas refere passar a ter medo dentro de casa: “não tem diferença entre o medo de
morrer na rua e o medo de espíritos”.
Abandono da escola e isolamento social. Acha que conseguia conversar bem
com as pessoas, mas não conseguia aprender nada.
Refere períodos de instabilidade emocional (choro fácil, períodos de anedonia e
períodos de exaltação, “do nado fico alegre e queria fazer tudo ao mesmo
tempo, acho que é culpa do demônio”).
Timidez, poucos amigos.
16 anos: piora na noção e na consciência do eu, estranheza e períodos de muita
desorganização (despersonalização).
Piora no autocuidado.
Piora do isolamento social entre 14 e 18 anos. Sensação de estar em outro
mundo.

178
18 anos: início das ideias de conteúdo místico/religioso.
Procura diferentes religiões. Começa a ficar desorganizada em relação ao que é
“permitido” ou não fazer (p. ex., ouvir música).
Não teve relacionamentos amorosos e/ou sexuais.
Passa o dia no quarto, deitada, quieta.

AVALIAÇÃO
Avaliação de desempenho e estratégias de enfrentamento: manifestação das
limitações pelos sintomas físicos de incapacidade (moleza); diferencia e
representa a moleza como estranhamento, claramente discriminando da “falta de
vontade”, “sonolência”, “preocupação”, “mal-estar”.

Figura 2 Imagem apresentada para o caso. Fonte: arquivo próprio da autora.

179
Figura 3 Ecomapa. Fonte: arquivo próprio da autora.

Latência em respostas em geral (verbal/não verbal) discreto de resposta aos


estímulos/sustentação.

AÇÕES NA TERAPIA OCUPACIONAL


Atendimentos individuais: construção de um delicado processo de estar e “fazer
com” e atendimentos grupais (fazer com pessoas num espaço de experiências,
experimentações) e utilização da estrutura terapêutica institucional como apoio
(oficinas, acolhimento familiar etc.).
Construção de estruturas diárias (6 horas) com monitoramento para ampliação e
manutenção das atividades diárias/motivação/sustentação.
Ampliação do repertório e estímulos cognitivos para fluência e iniciativa.
Capacitação de uma rede de cuidado e apoio.

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superação na esquizofrenia em um grupo de ajuda mútua. Nova Perspectiva
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181
17 Terapia ocupacional em saúde mental: um
caso clínico-político
Luciana Togni de Lima e Silva Surjus
Ellen Cristina Ricci

ENCONTROS PROPICIADOS PELO CUIDADO EM LIBERDADE


Recém-chegada a um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), numa
cidade metropolitana do estado de São Paulo, após 3 anos de trabalho num
hospício, uma de nós, como todos os que chegam, foi convocada a se dedicar
a casos dos quais a equipe mantinha alguma distância ou tentativas de
cuidado sem sucesso. A situação apresentada se referia a uma família que
morava próximo dali, a poucas quadras do serviço, sobre a qual dizia-se ter
tomado conhecimento a partir da recepção do filho adolescente que, de forma
recorrente, machucava seu próprio rosto com as unhas e passava pó de café.
Não havia histórico de alteração no desenvolvimento neuropsicomotor, e ele
havia sido inserido em atendimento no serviço, enquanto sua mãe era
acompanhada num grupo de família. Tudo seguia como em outros casos,
quando, em um desses grupos, a mãe compartilhou a informação de que ouvia
vozes alertando sobre o risco que o filho corria por ser bonito, justificando,
assim, toda a articulação com um possível delírio compartilhado, que levava a
atos com o intuito de preservação, ainda que sob a forma de automutilação.
A equipe compartilhou que, no momento em que se deparou com tal
situação e frente à recusa da mãe em se submeter a tratamento de uma
aparente psicose, procedeu-se então a uma internação involuntária[*] dupla,
encaminhando mãe e filho para hospitalização em uma enfermaria
psiquiátrica no hospital geral universitário da região. O desfecho naturalmente
havia sido ruim: na mesma noite, a mãe, cognitivamente preservada, acabou
por convencer um psiquiatra plantonista de que a equipe havia se preocupado
excessivamente com ela, em decorrência do enorme sofrimento com o

182
adoecimento do filho adolescente, obtendo então a alta de ambos, a pedido.
Em nenhum momento posterior, houve qualquer abertura para contato com
profissionais daquele serviço, figurando a família como uma lenda no CAPS,
cercada de histórias não confirmadas. Fazia 1 ano do ocorrido quando,
enquanto terapeuta ocupacional, uma de nós assumiu a referência técnica para
famílias moradoras daquela região.
Essa família era composta por mãe, pai e dois filhos homens, naquele
momento com idades entre 18 e 20 anos. Passo[**] então a me organizar para,
semanalmente, ir à casa e me apresentar como parte da equipe, que havia sido
ampliada para que efetivamente passasse a atuar com responsabilidade e
referenciamento territorial, em funcionamento 24 horas, fruto de um grande
investimento da gestão municipal para efetivar a reforma psiquiátrica.
Por algumas semanas, não fui sequer atendida, janelas e portas da casa
fechada, com cadeado no portão. Mantive a intenção de aproximação,
repetindo o mesmo discurso, mesmo sem que ninguém parecesse ouvir.
Minha primeira surpresa foi quando percebi, num dos dias, uma senhora pela
pequena fresta da janela. Disse mais alto, então, meu recorrente “bom dia”,
me apresentei contando das mudanças no serviço, dizendo querer saber como
estava a família, me colocando à disposição para apoiar naquilo que achassem
relevante. Seguimos assim por mais algumas semanas, até que o cadeado saiu
do portão. Naquele dia e hora, a senhora abriu a porta e veio me
cumprimentar. Ainda muito desconfiada, disse não precisar de nada. Eu
mantive a fala de que seguiria com as visitas, continuando à disposição, mais
adiante sendo convidada a entrar.
A receosa agora era eu, que não sabia o que encontraria pela frente,
sozinha, temendo o que me seria exigido. Fui convidada para um café na
cozinha e aceitei sem mesmo gostar de tal bebida. A casa dispunha de
recursos básicos – luz elétrica, água tratada, vários cômodos, quintal – e
estava num dos melhores bairros, ainda que numa região periférica. Tomei o
café e pude ver, sem manifestar nenhuma reação, um jovem vestindo somente
um short, sem camisa, pulando e chacoalhando as mãos, emitindo sons,
comportamentos a meu ver associados a uma vivência autista grave. Mantinha
cuidados mínimos de higiene, cabelos desarrumados, unhas grandes, parecia
se alimentar regularmente. Vinha até a cozinha e voltava várias vezes,

183
parecendo curioso com o que se passava ali. Agradeci o café, perguntei se
precisava de algo e fui embora, combinando de retornar na próxima semana,
para vê-los e saber da família.
Muito assustada, cheguei ao CAPS com a notícia de que havia entrado na
casa, contando que mãe e filho seguiam de maneira um tanto precária, mas
estavam lá. Os próximos encontros foram amenos, conversando como se
fôssemos só nós duas, tendo que cuidar de minhas reações quando o filho
mais velho se aproximava com seus maneirismos. Sentia medo, mas tentava
agir naturalmente. Ela então me contava sobre o cotidiano de cuidado com
ele: conseguia dar banho de mangueira, ainda que não diariamente, no
quintal; trancava a geladeira com um cadeado, pois o filho abria e comia tudo
que havia, até acabar; encapava as maçanetas da janela com pano para evitar
que se machucasse mais gravemente quando, agitado por algum motivo, batia
sua cabeça naqueles locais. Aos poucos, foi me levando para conhecer a casa,
mostrando a parede também com muitas marcas dos momentos mais difíceis.
Eu validava seus conhecimentos e seu cuidado, fazia poucas perguntas e
arriscava algumas sugestões.
Numa supervisão clínico-institucional[***], estabelecemos, então, que nossos
encontros partiriam da abertura da mãe para o cuidado de si, reconhecendo
que ela se dedicava integralmente ao filho, buscando que se produzisse sua
diferenciação dele, e assim pudéssemos negociar cuidados específicos frente
às necessidades da família. Nos encontros seguintes, ela contou que era
hipertensa, mas havia deixado de se tratar. Começamos pela verificação de
sua pressão arterial (PA) semanalmente e me surpreendi com os 26/18 mmHg
que nunca havia visto. Novamente comedindo minha reação, sugeri trazer um
técnico de enfermagem comigo, para me ajudar frente às minhas possíveis
limitações para utilizar o esfigmomanômetro. Assim, passei a ir à casa com
um parceiro de responsabilidade territorial semanalmente, ofertando cuidado
para a mãe e ampliando a possibilidade de chegar até o filho.
Confirmadas as informações extremamente preocupantes de sua saúde,
passamos a negociar que ela nos permitisse articular uma visita domiciliar da
equipe de saúde da família (ESF), resgatando seu acompanhamento por outros
profissionais. Ela fazia uso somente de um medicamento à noite, que também
administrava para o filho, às vezes, dizendo que os dois eram extremamente

184
alérgicos a qualquer outro tipo de medicamento. Pela ESF, ela era conhecida
como uma senhora muito desobediente aos tratamentos, ranzinza, difícil,
desconhecendo todo o histórico de seu sofrimento psíquico. Tentamos
abordagens conjuntas, mas não conseguiram negociar nada além daquele
medicamento, apesar de estar bem acima do peso, não fazer atividade física e
descuidar-se quanto à alimentação.
Com maior circulação de pessoas na casa, negociamos com ela que,
estando em dupla, poderíamos cuidar de forma distinta dela e do filho, eu me
mantendo mais junto dela e meu colega da enfermagem numa aproximação
com o filho, se ela assim permitisse. No primeiro momento, ela reconheceu a
necessidade de ajuda para cortar as unhas dele, e fomos planejando então a
disponibilização de algum recurso que pudesse atrair seus interesses e, assim,
conhecer melhor o que funcionaria para acessá-lo. Foram levados materiais
para desenho, jogos infantis básicos, argila, considerando sua expressividade
um tanto empobrecida. Sem maiores interações iniciais, fomos conseguindo
avançar com olhares, menor agitação, alguns sorrisos.
Passamos por uma única situação de urgência, em que a mãe havia ligado
no CAPS e pedido ajuda, pois o filho estava na cama sem responder a
nenhum estímulo. Fomos rapidamente à casa – eu, o técnico de enfermagem e
a médica da equipe de referência – e encontramos o filho apático, deitado,
cercado de ovos de páscoa, como num ninho. Fomos autorizados por ela a
chamar o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) e achávamos
que ele seria deslocado até uma unidade pré-hospitalar. Mediamos todo o
atendimento e foi identificado que se tratava de um quadro de hipoglicemia,
de fácil reversão. O filho foi atendido em casa, sem precisar de remoção, e
isso fortaleceu de forma expressiva a relação que já se consolidava.
Nos atendimentos da mãe, fomos ampliando o escopo de avaliação de seus
alicerces cotidianos, abrindo conversas sobre os diferentes aspectos de sua
vida, temas da maternidade, da sexualidade, de seus interesses para além da
casa e da família, do cuidado de si. Contava que tinha começado a sair de casa
e que colocava folhas nas janelas basculantes para verificar se não haviam
sido abertas enquanto estava ausente. Um dia, produzimos juntas uma
presilha para arrumar o cabelo. Fizemos as unhas e ela estava muito satisfeita.
Na semana seguinte, porém, cheguei na casa e fui recebida com indiferença, e

185
às minhas perguntas eram dadas respostas monossilábicas. Algo havia
ocorrido, mas ela não queria me contar. Eu disse, então, que entendia que
minha presença naquele dia estava causando algum incômodo e que me
retiraria, voltando na próxima semana. Foi quando me pediu para ficar e disse
saber o que eu tinha dito sobre ela por aí: que sua presilha tinha ficado feia e
suas unhas como de uma puta; que fui embora rindo dela. Perguntei então se
quem tinha dito isso a ela teve a coragem de se apresentar, pois eu estava
presente semanalmente, e que me ofendia se ela fosse acatar os dizeres de
alguém que estava pondo em risco nossa relação de confiança sem sequer
aparecer para que eu pudesse lhe contrapor. Perguntei se ela de fato
acreditava naquilo e se iria se submeter a esta pessoa que talvez não quisesse
seu bem.
Essa ação foi transformadora! Foi quando pôde me contar toda a história de
tentativa de proteção do filho, por conta dos riscos de abuso sexual que
achava que ele corria por conta de sua beleza. Da ambivalência de sua relação
com as vozes que, além de alertá-la sobre isso, também a acusavam de abusar
de seu próprio filho. Isso trazia grande sofrimento e não podia nunca ser
compartilhado com ninguém, pois ela tinha clareza que seria invalidado,
considerado sintoma a ser controlado, mesmo que de forma involuntária.
Nas visitas subsequentes, mostrou cerca de 5 sacos de lixo cheios de fitas
cassete, onde tentava gravar as vozes e ir até a justiça demonstrar sua
sanidade e inocência. Perguntou se eu também ouvia os sons da sirene do
comércio vizinho, que mudava seu nome para não servir de prova, mas que
emitia ofensas a ela, incessantemente. Disse a ela que não conseguia ouvir,
mas que acreditava sem dúvida no que compartilhava de maneira tão sofrida e
corajosa, e que ela não estava sozinha, nosso serviço estava ali para protegê-
la, que testemunhamos todo seu esforço para ser uma boa mãe, cuidar da casa,
dos filhos e do marido.
Foi assim que conseguimos que ela nos apresentasse o marido, um senhor
que havia se aposentado há pouco tempo, não encontrava seu lugar na casa,
fazia compras, mas caminhava muito durante o dia sem conseguir voltar para
lá; aparentava estar deprimido, sem projeções futuras. Reconhecia o
adoecimento do filho e que a mulher havia encontrado o único jeito possível
de cuidar, por isso não ousava intervir. Foi o primeiro da família a ir até o

186
CAPS, encontrando lá um espaço de acompanhamento com a médica
psiquiatra e estabelecendo conosco uma relação de grande confiança. Em
alguns momentos, fazíamos conversas juntos na casa e, neste tempo, não
presenciamos nenhuma situação de autoagressão do filho mais velho.
A mãe nunca aceitou o tratamento medicamentoso para nenhum deles.
Nem sequer para a estabilidade da hipertensão arterial. Dizia sempre que
quando ocorresse algo com ela, um acidente vascular cerebral, por exemplo,
era porque seria sua hora e morreria. Numa das conversas, ela disse que o
filho mais novo, que ainda não conhecíamos, apresentava as mesmas
desconfianças que ela tinha enquanto jovem, que aquele sentimento o afastava
de amigos e vinha trazendo problemas no dia a dia, por exemplo, quando
descia do ônibus antes do ponto de parada, por conta de outros passageiros
estarem falando dele; de dar uma volta maior para chegar em casa por um
caminho onde não passasse em frente de tantas casas e todos comentassem
sobre ele. Ela contou que havia dito a ele que precisava de nossa ajuda, e que
iria nos apresentá-lo.
Certo dia, cheguei pela manhã ao CAPS e me deparei com o pai de mãos
dadas com os dois filhos. A mãe havia morrido, e ele nos pedia ajuda sobre
como proceder. Ela havia passado mal na noite anterior e, ao acionar o
SAMU, não havia ambulâncias disponíveis. A orientação foi colocá-la no
carro e ir até um pronto-socorro, mas, por sua obesidade, os vizinhos não
conseguiram e ela morreu ali, no carro. Dessa maneira, conhecemos o filho
mais novo, e o mais velho teve seu primeiro pernoite no serviço, conseguindo
dormir quando uma cama foi colocada na sala e ele ficou sozinho sob o
cuidado de uma enfermeira de plantão. No enterro, toda a família estendida
nos dizia da importância de nosso serviço para acolher e cuidar, como
nenhum outro familiar havia conseguido. O marido e o primeiro filho
seguiram seu acompanhamento conosco e, em seu projeto de cuidado, foi
articulada uma arrumadeira para a casa, que também operava como uma
referência de cuidado para eles. A relação entre os dois se fortalecia, saíam
juntos, faziam compras. O filho mais novo foi inserido numa iniciativa de
geração de trabalho e renda, recurso que foi suficiente e efetivo para sua
circulação comunitária, autoestima e projeção de futuro.

187
NUANCES DE UMA PRÁTICA CLÍNICO-POLÍTICA EM
TERAPIA OCUPACIONAL
Nosologicamente, pode-se definir o fenômeno descrito como de uma
loucura compartilhada – folie a duex, também denominada na Classificação
Internacional das Doenças (CID-10) como transtorno psicótico induzido, e no
Diagnostic and Statistical Manual (DSM-IV) como transtorno paranoide
compartilhado; historicamente, é descrito sob a terminologia de insanidade
infecciosa, dupla e coletiva, bem como de psicose simbiótica ou contágio
psíquico. É uma transmissão de conteúdos/crenças delirantes de uma pessoa
primariamente acometida de transtorno mental a uma segunda pessoa, com
manifestação em 90% das situações entre familiares próximos; de etiologia
indefinida e chama a atenção por envolver fatores psicodinâmicos e
contextuais, tornando complexa a sua compreensão e a definição de
terapêuticas, não havendo, para tanto, consensos estabelecidos na literatura.1
Na perspectiva da psicopatologia fenomenológica, questiona-se a
psiquiatria centrada na patologia e propõe-se a assunção de um compromisso
com a apreensão do significado que ela tem para o sujeito acometido,
ampliando a compreensão do adoecimento psíquico como expressão peculiar
de sofrimento, sendo experienciado pelo sujeito na relação consigo mesmo,
com os outros e com o mundo.2
Para Franco Basaglia,3 este movimento de descolamento foi fundamental
para reverter um nivelamento arbitrário que a psiquiatria fez ao reduzir a
complexidade e a dialética entre indivíduo e organização, culminando em
colocar o sujeito e as contradições sociais entre parênteses, para se ocupar da
doença. Propôs avançar ainda na passagem de uma concepção
antropofenomenológica para um campo social e politizado, que tomasse a
expressão da subjetividade individual de maneira indissociável da
subjetividade coletiva, alertando que a redução dessa subjetividade, e sua
segregação como entidade incompreensível por uma clínica da razão,
submeteria o sujeito que sofre a duplos processos de exclusão, cabendo ao
profissional terapeuta ser um elemento coordenador que pudesse direcionar e
limitar os fluxos de poder, para suprir as necessidades de liberdade e proteção
do sujeito em sofrimento, inventando novos modos de organizar o que pode

188
ou o que nem deve ser organizado.3 Tal perspectiva convoca a uma tarefa
clínico-política: o deslocamento de nossa atuação profissional para “projetos
de invenção de saúde e reprodução social do paciente”.4
A Terapia Ocupacional brasileira tem se valido do cotidiano enquanto
construto teórico sócio-histórico para fundar outra base epistemológica na
proposição ético-metodológica de intervenção junto a pessoas, grupos e
coletivos, reconhecendo a heterogeneidade em conteúdo e significação da
vida humana, sendo produzida de forma a articular o sujeito singular ao
coletivo, tanto em sua possibilidade de consolidar valores, crenças e afetos –
por vezes submetidos à produção e ao controle do Estado e suas instituições
–, quanto a sua variabilidade conforme classe social, gênero e demais
marcadores sociais, incorporando a subjetividade, a cultura e o exercício do
poder.5
No campo da saúde mental pública, tem se alinhado à perspectiva ético-
política da atenção psicossocial, que compreende a multidimensionalidade do
processo saúde-doença, o território e os contextos reais de vida como locus do
tratamento, tendo como objetivos a validação das pessoas enquanto sujeitos
de direito, visando a sua autonomia e emancipação, tomando como objeto de
intervenção o empobrecimento da rede social.6
Para Kujawski,7 a cotidianidade é o modo como a vida humana se
constitui; a unidade de medida da sucessão da vida humana, que se enreda
fluida, sucessiva e continuamente, permitindo uma instalação biográfica que
nos permite “estar”, concatenando condutas e expectativas em relação aos
outros e às coisas como uma “gramática comunitária irrecusável”. Uma
“pertinência recíproca” que, quando em crise, torna impraticável a realização
de um projeto individual por falta de apoio nessa infraestrutura social, uma
“radical discrepância com o mundo”; identificando habitar, trabalhar,
conversar, passear e comer como formas elementares da vida cotidiana.
Heller8 concebe a vida do indivíduo de modo sempre particular e genérico,
tendo como partes orgânicas do cotidiano: a organização do trabalho e da vida
privada, os lazeres e o descanso, a atividade social e o intercâmbio, sendo
atravessada e determinada todo o tempo pela política. Para Saraceno,9 no que
concerne ao processo de reabilitação psicossocial como cidadania, havemos

189
de considerar três cenários da vida cotidiana: o habitar, as trocas de identidade
e as trocas materiais, considerando a direcionalidade do trabalho terapêutico
em três planos de intermediação – individual, da desestruturação à construção
de identidade; familiar, da expulsão à aceitação; e social, da marginalização à
uma nova inserção.
Compreendemos dessa maneira que, ao adentrar o domínio mais privado da
cotidianidade, o terapeuta ocupacional deve atentar-se aos aspectos que
ancoram a pessoa que sofre à vida, conhecer do que, de que forma se ocupa e
pode se ocupar, bem como apreender qual é o lugar social que habita,
agenciando todos os recursos do território, que incluem, mas não se resumem,
aos disponíveis no Sistema Único de Saúde, para acolher as singularidades
das pessoas em suas experiências de adoecimento, ressignificando e
favorecendo um cotidiano onde é possível o exercício da cidadania, em seu
princípio inalienável de liberdade, ofertando suporte para que as pessoas
possam refletir sobre suas condições de vida e participar de forma
protagonista de necessárias transformações.
As ênfases advindas da experiência de terapeutas ocupacionais na
construção da Reforma Psiquiátrica brasileira, sob a perspectiva da
desinstitucionalização,10 produziu conhecimentos no âmbito da terapia
ocupacional, que a comprometem com a compreensão dos fazeres humanos
em sua complexidade, recusando as amarras que a instituição “diagnóstico
psiquiátrico” pode impor às expectativas de contratualidade e projetualidade
social a que pessoas em sofrimento psíquico ficam submetidas, firmando um
norte ético de construção terapêutica dialógica, potencializando a ampliação
de territórios existenciais para os sujeitos em sofrimento.
Foi durante os encontros na casa e o reconhecimento das reais necessidades
da família que o vínculo e o processo terapêutico se consolidaram. Novas
trilhas puderam ser compostas com o território e os serviços da saúde, bem
como com o cuidado a toda a família. Lima11 propõe que os terapeutas
ocupacionais devem considerar três questões: os processos criativos e
produtivos das pessoas; as diferenças e a vulnerabilidade da população-alvo; e
os processos de exclusão social e de inclusão construídos por nossas práticas
e de outros profissionais. Mãe, filhos e pai foram vistos nas suas
singularidades, vulnerabilidades e necessidades emergentes, sem, contudo, se

190
estabelecer uma imposição de formas de fazer consideradas aceitáveis,
validadas, mas sim, de forma a permitir uma coconstrução dialética de suas
possibilidades e desejos, a cada encontro.
A ação de terapeutas ocupacionais, inserida em contextos de serviços
públicos territoriais de saúde mental, deve incorporar inequivocamente uma
perspectiva crítica do cotidiano, fundamentada na história, no contexto do
sujeito e na sua inserção participante do coletivo.5 A vida cotidiana e a
cotidianidade se retroalimentam na vida social. Pode-se não ter os mesmos
gestos, ações e formas de viver, mas isso deve ser entendido não como
excludente de possibilidades e potências, mas sim como fenômenos
singulares, nos quais caminhar com a diferença pode revelar novos
entendimentos das experiências de adoecimento e contribuir para a construção
de um projeto de cuidado que dialogue com as reais necessidades das pessoas,
encontrando pistas de como superar essas dificuldades.
Se a centralidade está no sujeito, imerso em sua cotidianidade, o terapeuta
ocupacional deve acolher a diversidade das experiências e das narrativas de
adoecimento em sua completude, legitimando saberes que as pessoas detêm
sobre sua vida, e também valorizar os seus territórios de pertencimento, a
partir dos quais possam acessar e promover transformações nos fluxos de
poder que determinam suas relações sociais, produzindo viveres mais dignos
e plenos de (múltiplos) sentidos para os sujeitos atravessados pela experiência
de adoecimento psíquico.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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relato de caso. Arq Med Hosp Fac Cienc Med Santa Casa São Paulo.
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de Janeiro: Garamond Universitária; 2010. 336p.
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reforma psiquiátrica italiana no contexto da Europa ocidental e dos “países
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Hucitec; 2001.

191
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contexto histórico-social. Rev Ter Ocup Univ São Paulo. 2003;14(3):104-9.
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9. Saraceno B. Libertando identidades: da reabilitação psicossocial à cidadania
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10. Nicácio MFS. Utopia da realidade: contribuições da desinstitucionalização para
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11. Lima EMFA. Identidade e complexidade: composições no campo da terapia
ocupacional. Rev Ter Ocup São Paulo. 1999;10(2/3):42-5.

* A internação involuntária é uma das modalidades previstas no Brasil, conforme a Lei n.


10.216 de 2001, porém, a ser indicada quando os recursos extra-hospitalares forem
totalmente esgotados. Chamava atenção no relato que, aparentemente para toda a equipe, a
indicação havia sido feita de forma precipitada, ao se depararem com tamanha
complexidade e peculiaridade do fenômeno nunca antes identificado. Equipes ou
profissionais de referência são aqueles que têm a responsabilidade pela condução de um
caso individual, familiar ou comunitário. A ideia é ampliar as possibilidades de construção
de vínculo entre profissionais e usuários. A responsabilidade de condução refere-se à tarefa
de encarregar-se da atenção ao longo do tempo. A equipe de referência é um arranjo
organizacional que busca deslocar o poder das profissões e corporações de especialistas,
reforçando o poder de gestão da equipe interdisciplinar.
** Para tornar a leitura mais fluida, nesse momento o texto seguirá em primeira pessoa do
singular, posteriormente retornando à primeira pessoa do plural.
*** A proposta de supervisão clínico-institucional tem o objetivo de fortalecer e concretizar
a política de atenção em saúde mental, a partir da educação permanente dos trabalhadores
de acordo com os eixos norteadores da Reforma Psiquiátrica e do Sistema Único de Saúde
(SUS). Este recurso proporciona aos profissionais a problematização de sua atuação,
dirigindo as intervenções e as abordagens terapêuticas a uma revisão crítica, favorecendo a
escuta que permita uma melhor compreensão dos problemas reais da vida das famílias
acompanhadas, ampliando a capacidade de articular os diferentes tempos entre usuários,
trabalhadores e serviços.

192
18 A utilização da auriculoterapia na dor e na
ansiedade
José Henrique da Silva Cunha

DESCRIÇÃO DO CASO
Sra. W. é uma mulher de 42 anos com história clínica de 3 hérnias de disco,
dor lombar e ansiedade. Além disso, é cuidadora principal de sua mãe, que
sofreu um acidente vascular cerebral (AVC) há 10 anos e que, em decorrência
disso, apresenta hemiplegia no hemicorpo direito e dependência nas
atividades de vida diária (AVD). Ademais, sua mãe apresenta doença
pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e faz uso de oxigenoterapia.
Assim, em virtude do quadro clínico de sua mãe, a Sra. W., que mora com
a mãe e é filha única, teve que se afastar de sua atividade profissional para
prestar cuidados em tempo integral. Conta com o auxílio de uma equipe
multiprofissional (enfermeiro, fisioterapeuta e terapeuta ocupacional) que
realiza atendimentos terapêuticos em sua mãe semanalmente em seu
domicílio.
Relata que o afastamento de sua atividade profissional tem lhe ocasionado
ansiedade, que corrobora para intensificar a dor na região lombar. Ela declara
que tanto a ansiedade quanto a dor lombar estão afetando seu estado
emocional. Apesar disso, procura dar carinho e atenção à sua mãe e sente que
está cumprindo seu papel ocupacional de filha e cuidadora com êxito, mas
que também necessita de cuidado.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-PRÁTICA
As práticas integrativas e complementares são denominadas pela
Organização Mundial da Saúde (OMS) como medicinas tradicionais e
complementares. Desde a década de 1970, a OMS incentivou os Estados-

193
Membros a formularem e implementarem políticas públicas para a utilização
racional e integrada das práticas integrativas no âmbito da atenção primária à
saúde.1,2 Ademais, por meio do documento a respeito das Estratégias da
Medicina Tradicional de 2002-2005, a OMS preconizou o desenvolvimento
de estudos científicos para melhorar o conhecimento sobre as terapias
complementares, bem como a segurança, a eficácia e a qualidade dessas
práticas.3
No Brasil, as práticas integrativas ganharam destaque a partir da década de
1980, principalmente após a criação do Sistema Único de Saúde (SUS),
culminando na formulação da Política Nacional de Práticas Integrativas e
Complementares (PNPIC) no ano de 2006. Desde a publicação da PNPIC,
tem-se buscado incorporar, na atenção primária à saúde, as seguintes práticas:
fitoterapia, homeopatia, acupuntura, medicina antroposófica e termalismo-
crenoterapia.2
Cabe destacar que, em março de 2017, a PNPIC foi ampliada em 14 outras
práticas, a partir da publicação da Portaria GM/MS n. 849/2017, que são:
arteterapia, ayurveda, biodança, dança circular, meditação, musicoterapia,
naturopatia, osteopatia, quiropraxia, reflexoterapia, reiki, shantala, terapia
comunitária integrativa e ioga.4 Tais práticas buscam estimular os
mecanismos naturais de prevenção de agravos e promoção da saúde por meio
de tecnologias eficazes e seguras, com ênfase na escuta acolhedora, no
desenvolvimento do vínculo terapêutico e na integração do ser humano com o
meio ambiente e a sociedade visando a garantir uma maior integralidade e
resolutividade da atenção à saúde.2,4
Percebe-se, assim, que as práticas integrativas e complementares ampliam
as abordagens de cuidado e as possibilidades terapêuticas para os usuários.4
No que se refere à acupuntura, Wen5 traz que essa ciência surgiu na China
em plena Idade da Pedra há aproximadamente 4.500 anos. Nessa época, já
eram utilizadas agulhas feitas de lascas de pedra que gradualmente foram
substituídas por outras de ossos e bambu até chegar àquelas feitas de metais.6
De acordo com o documento da PNPIC, essa prática é originária da
Medicina Tradicional Chinesa (MTC) e compreende um conjunto de
procedimentos que permitem o estímulo preciso de locais anatômicos

194
definidos com a inserção de agulhas filiformes metálicas para promoção,
manutenção e recuperação da saúde, bem como para prevenção de agravos e
doenças. Salienta-se que essa tecnologia de intervenção em saúde aborda de
modo integral e dinâmico o processo saúde-doença no ser humano, podendo
ser usada isolada ou de forma integrada com outros recursos terapêuticos.2
Nos dias atuais, admite-se que a estimulação de pontos de acupuntura
(acupontos) provoca, no sistema nervoso central, a liberação de
neurotransmissores e outras substâncias responsáveis pelas respostas de
promoção de analgesia, restauração de funções orgânicas e modulação
imunitária.2
Observa-se essa informação em um estudo que objetivava conhecer e
analisar a produção científica sobre a contribuição da acupuntura no
tratamento do câncer em indivíduos adultos. No estudo, constatou-se que a
acupuntura está sendo utilizada para o tratamento de dor, anorexia, caquexia,
linfedema de membro superior, ondas de calor, distúrbio do sono e neuropatia
periférica, demonstrando resultados positivos.7
Em relação aos aspectos ético-legais, enfatiza-se que a prática da
acupuntura foi estabelecida e reconhecida como especialidade do terapeuta
ocupacional pela Resolução n. 405/2011 pelo Conselho Federal de
Fisioterapia e Terapia Ocupacional (Coffito).8
Com base na resolução supracitada, o exercício profissional do terapeuta
ocupacional acupunturista é condicionado:

[...] ao conhecimento, estudo e avaliação dos distúrbios e sistemas do


corpo humano, amparado pelos mecanismos próprios, sistematizados
pelos estudos da física, biologia, fisiologia, das ciências morfológicas,
bioquímicas, biomecânicas, biofísicas, da cinesiologia, e da patologia de
órgãos e sistemas do corpo humano, utilizando-se dos conhecimentos
filosóficos milenares da MTC, como a dualidade do yin/yang, os cinco
elementos, etiopatogenia e fisiopatologia dos Zang/Fu, com bases
filosóficas e científicas da Acupuntura.8

Além disso, a partir de 2006, a Portaria n. 971/2006 aprovou a PNPIC


definindo a acupuntura como prática multiprofissional, como especialidade de
todas as categorias profissionais de saúde de nível superior.9,10

195
No que se refere ao caso clínico supracitado, versa-se sobre a utilização da
auriculoterapia, uma das técnicas da acupuntura que utiliza pontos específicos
do pavilhão auricular. Tais pontos relacionam-se com todas as partes do corpo
humano e todos os meridianos convergem para a orelha, de modo a efetuar o
tratamento da saúde, aproveitando o reflexo que a aurícula exerce sobre o
sistema nervoso central.11,12
A literatura aponta que, em qualquer tipo de programa de terapia auricular,
utilizam-se, primeiramente, três pontos principais denominados
auriculocibernética.11,12 Essa técnica consiste na aplicação primária dos
pontos shenmen, rim e simpático.11
Os demais pontos auriculares devem ser selecionados conforme as queixas
e as necessidades relatadas pelo cliente no intuito de tratar não somente as
queixas em si, mas também o distúrbio energético que está envolvido
sistematicamente nas causas de base dessas queixas, como é preconizado pela
MTC.13

INTERVENÇÃO POR MEIO DA AURICULOTERAPIA


Nesse caso clínico, observa-se que as queixas da cliente eram relacionadas
a ansiedade e dor lombar. Assim, foram realizadas 12 sessões de
auriculoterapia, 1 vez/semana. Tal condição sugerida está de acordo com
dados encontrados na literatura científica, em que pesquisadores trabalhando
com auriculoterapia, seja por meio de agulhas ou sementes, apontam que o
período de maior observação de resultados positivos para esse tipo de terapia
integrativa está compreendido entre 8 e 12 sessões.12,14-17
No início do tratamento, foi realizada uma avaliação energética dos
meridianos do pavilhão auricular da cliente. Após essa etapa, para o
tratamento da ansiedade, foram realizados estímulos, em sua orelha direita,
com agulhas sistêmicas de auriculoterapia nos pontos cibernéticos (shemen,
rim e simpático), coração, ansiedade 1 e 2.11
Para a dor lombar, foram realizados estímulos nos acupontos da região
lombar, analgesia e relaxamento muscular.11 Tais agulhas estimulavam esses
pontos auriculares por 30 minutos, seguido da colocação das sementes

196
específicas para auriculoterapia presas com fita micropore nos mesmos pontos
mencionados.
Salienta-se que, entre as sessões, foram alternados os pavilhões auriculares
para não haver saturação dos receptores nervosos, visto que o pavilhão
auricular, como microssistema orgânico, está relacionado com todas as partes
do corpo humano e, segundo a MTC, todos os meridianos energéticos
convergem para orelha, mas também para evitar a formação de lesões até o
final do ciclo de tratamento.12,13,15
Antes de iniciar as sessões de auriculoterapia, para a colocação tanto das
agulhas quanto das sementes de auriculoterapia, o pavilhão auricular da
cliente foi limpo utilizando bolas de algodão embebidas em álcool etílico a
70%, e o orifício da orelha foi protegido com algodão seco.
A cliente também foi orientada a estimular as sementes de auriculoterapia
em seu pavilhão auricular 3 vezes/dia (nos períodos matutino, vespertino e
noturno) com digitopressão moderada, e a permanecer com essas sementes
por 4 dias.13,14
Destaca-se que a cliente foi treinada na primeira sessão para a retirada
dessas sementes e, caso houvesse desconforto, prurido e sinais de alergia,
deveriam ser retiradas antes. Entretanto, durante o período dos atendimentos,
a cliente não apresentou prurido ou sinais de alergia em seu pavilhão
auricular.
Ao final das 12 sessões, a paciente foi reavaliada e relatou diminuição da
ansiedade e da dor na região lombar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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tradicional 2014-2013. Genebra: OMS; 2013. Disponível em:
http://apps.who.int/medicinedocs/documents/s21201es/s21201es.pdf. Acesso
em: 1/9/2018.
2. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de
Atenção Básica. Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no
SUS. Brasília: Ministério da Saúde; 2015. Disponível em:

197
http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/publicacoes/politica_nacional_praticas_integrativas_
Acesso em: 13/8/2018.
3. Organização Mundial da Saúde (OMS). Estratégia de la OMS sobre medicina
tradicional 2002-2005. Genebra: OMS; 2001. Disponível em:
http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/67314/WHO_EDM_TRM_2002.1_spa.pdf;jses
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4. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde Glossário temático:
práticas integrativas e complementares em saúde. Secretaria-Executiva. Brasília:
Ministério da Saúde; 2018. Disponível em:
http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2018/marco/12/glossario-
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5. Wen TS. Acupuntura clássica chinesa. 2. ed. São Paulo: Cultrix; 2014.
6. Dallegrave D, Boff C, Kreutiz JA. Acupuntura e atenção primária à saúde:
análise sobre necessidades de usuários e articulação da rede. Rev Bras Med Fam
Comunidade. 2011;6(21):249-56.
7. Cunha JHS, Frizzo HCF, Pereira DC. Acupuntura no tratamento do câncer em
indivíduos adultos: revisão integrativa da literatura. Cad Naturol Terap
Complem. 2015;4(7):37-47.
8. Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (Coffito). Resolução n.
405/2011. Disciplina o exercício profissional do terapeuta ocupacional na
especialidade profissional terapia ocupacional em acupuntura e dá outras
providências. Disponível em: https://www.coffito.gov.br/nsite/?p=3168. Acesso
em: 1/9/2018.
9. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n. 971, de 3 de maio de 2006. Aprova a
Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no
Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 4 maio. 2006.
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10. Kurebayashi LFS, Silva MP. Auriculoterapia chinesa para melhoria de qualidade
de vida de equipe de enfermagem. Rev Bras Enferm. 2015;68(1):117-23.
11. Souza MP. Tratado de auriculoterapia. Brasília: Novo Horizonte; 2013.
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13. Silva AA, Almeida FR, Lima MA. Percepção da utilização da auriculoterapia
por profissionais de saúde de uma unidade de saúde da família do Recife: um

198
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14. Picanço VV, Comparin KA, Hsieh FH, Schneider DSLG, Peres CPA, Silva JR.
Qualidade de vida de pacientes com migrânea relacionada ao período menstrual
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15. Prado JM, Kurebayashi LF, Silva MJP. Eficácia da auriculoterapia na redução
de ansiedade em estudantes de enfermagem. Rev Esc Enferm USP.
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16. Kurebayashi LFS, Gnatta JR, Borges TP, Silva MJP. Effectiveness of
auriculotherapy for stress, based on experience of the therapist: a clinical trial.
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17. Moura CM, Carvalho CC, Silva AM, Iunes DH, Carvalho EC, Chaves ECL.
Auriculoterapia efeito sobre a ansiedade. Rev Cuba Enferm. 2015;30(2):120-34.

199
19 Reiki e desempenho ocupacional
Luana de Castro Sampaio Próspero

INTRODUÇÃO
O reiki é uma técnica energética simples que consiste em transferir a
energia reiki de um doador para um receptor, por meio da imposição das
mãos. Para obter essa capacidade, é necessário fazer uma sintonização,
realizada por um mestre de reiki habilitado, na qual são abertos os canais
energéticos para que a energia vital universal flua por ele, podendo, assim, ser
transmitida ao receptor. A cura dá-se nos níveis físico, mental, emocional e
espiritual.1
Quando o corpo entra em desequilíbrio, manifestam-se os sintomas a fim
de comunicar o distúrbio. O reiki tem como objetivo fornecer energia vital
extra para que o corpo possa curar a si mesmo.1 Vale ressaltar que essa
técnica não invalida o tratamento convencional, tampouco propõe-se a curar,
apesar de não descartar essa possibilidade. Quando utilizado em terapia
juntamente com a terapia ocupacional, pode-se ter um olhar mais holístico
para o paciente como um todo e para suas habilidades de desempenho
ocupacional.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
O Sistema Usui de Reiki é o sistema mais utilizado em todo o mundo2 e foi
redescoberto no final do século XIX por Mikao Usui, um monge japonês1,3
que, motivado em descobrir o método de cura de Buda, percorreu diversos
lugares até, em um templo budista japonês, encontrar pergaminhos escritos
em sânscrito (língua ancestral da Índia e países vizinhos com uso litúrgico no
hinduísmo e budismo) onde constava o método de cura desse mestre.

200
Após entender a teoria, Usui passou um período de 21 dias jejuando e
meditando no monte Koriyama, no Japão, para entender como ativar a energia
descrita nos pergaminhos. Na manhã do 21º dia, o monge teve uma revelação,
na qual foram mostrados os símbolos reiki e a maneira de ativá-los. A partir
de seu retorno do monte, muitas curas foram realizadas por Usui por meio
dessa energia.3
Em 1938, o reiki chegou ao ocidente trazido por Hawayo Takata, no Havaí.
Posteriormente, foi difundido por ela nos Estados Unidos, Canadá e Europa.
A partir do seu falecimento, em 1980, as técnicas e os métodos utilizados no
ensino do reiki sofreram alterações, e ramificações começaram a surgir,
sendo, assim, disseminado para o mundo todo.3
Em 1983, no Rio de Janeiro, foi ministrado o primeiro curso de reiki do
Brasil. Desde então, disseminou-se pelo país, tornando-se uma prática
integrativa e complementar (PIC) incluída nos procedimentos oferecidos pelo
Sistema Único de Saúde (SUS) em 2017, conforme a Portaria n. 849/2017.3
Neste capítulo, serão apresentados dois relatos de caso abordando o
tratamento com o reiki, a fim de exemplificar a diversidade de sua
aplicabilidade e eficácia em diferentes situações.

RELATO DE CASO 1
Flor de Liz, 23 anos, universitária, reside sozinha, já que se mudou para
realizar a graduação e sua família permaneceu em sua cidade de origem.
Iniciou acompanhamento psiquiátrico há 3 anos em razão de um estado
melancólico persistente. Logo, foi diagnosticada com transtorno depressivo,
iniciando tratamento medicamentoso. Ao longo desses 3 anos, os
medicamentos foram constantemente substituídos, pois Flor não apresentou
melhora significativa com o uso destes.
No início do tratamento com reiki, Flor estava em uma nova transição de
medicação. Procurou essa terapia após a médica psiquiatra responsável pelo
seu acompanhamento orientá-la a buscar as PIC como recurso complementar
ao tratamento médico convencional, já que, novamente, não estava
respondendo conforme o esperado às medicações prescritas.

201
Queixou-se de sentir-se frequentemente melancólica, desmotivada, com
instabilidade emocional, sobretudo quando voltava à casa dos pais, o que
gerava atrito entre ela e eles durante o período em que estavam juntos.
Também apresentava dificuldade nos estudos decorrente da melancolia e do
desânimo, baixa resiliência, sono agitado, dificuldade para dormir e pesadelos
constantes. A paciente solicitou não entrar em detalhes sobre o estado
depressivo e o fato que o desencadeou, o que foi respeitado durante todo o
tratamento.
Foram realizadas 6 sessões com intervalo de 1 semana entre elas. Nas 2
primeiras semanas, Flor relatou que tinha se mantido sem melancolia, calma,
tranquila e equilibrada por cerca de 5 dias consecutivos. No 6º dia pós-sessão,
a melancolia e o estresse retornaram, mesmo que em intensidade menor do
que o habitual. Após a 3ª sessão, a qualidade do sono melhorou, manteve o
humor estável, equilibrada emocionalmente, mesmo quando em situação que
anteriormente gerava estresse, como visita aos pais e provas da faculdade.
Como resultado do período do tratamento de reiki, passou a dormir por
mais tempo, sem interrupções durante o sono, com diminuição dos sonhos,
humor estável, ausência de melancolia, mais disposição para realizar suas
atividades diárias e seus estudos, aumento de tolerância na relação
interpessoal com os pais, o que ocasionou a melhora na relação entre eles,
apresentava-se mais calma e realizou a transição entre medicamentos de
forma tranquila.

RELATO DE CASO 2
Girassol, 31 anos, corredor amador, produtor audiovisual, diagnosticado
com impacto femoroacetabular (FAI) em razão do esporte. Foi indicado para
cirurgia ortopédica.
A FAI é uma condição que decorre do contato anormal entre a cabeça do
fêmur e a borda acetabular, causando microtraumatismos e provocando lesões
nessas estruturas. Geralmente, o impacto decorre de alterações na transição
colo-cabeça e/ou no acetábulo. Entretanto, pode ocorrer em quadris
morfologicamente normais, mas que são submetidos a grandes demandas
físicas associadas a repetidos movimentos de flexão.4

202
Sua queixa principal era o fato de ter parado de praticar corrida em razão
da lesão. A partir da avaliação realizada na terapia, foi percebida a ansiedade
e a insatisfação com o diagnóstico e prognóstico, mesmo Girassol não tendo
verbalizado esses aspectos.
Girassol procurou o reiki em virtude das fortes dores que sentia na área
lesionada, o que dificultava permanecer muito tempo na mesma posição,
independentemente de qual fosse. Também desejava buscar recursos
alternativos antes de submeter-se ao procedimento cirúrgico indicado.
Foram realizadas 8 sessões, com intervalo de 1 semana entre elas. Após a
primeira sessão, Girassol relatou diminuição sutil das dores na região do
quadril, mas já conseguiu permanecer mais tempo sentado, posição em que
fica durante o período em que realiza seu trabalho e que antes não conseguia
exercer muito bem por causa das dores.
Ao longo do tratamento, as dores diminuíram de modo significativo e
progressivo. Foi possível que Girassol normalizasse sua rotina e voltasse a
realizar atividades ocupacionais e importantes para ele, embora ainda
impossibilitado de voltar à prática de corridas. Contudo, a evolução mais
significativa foi em relação ao seu estado emocional. A ansiedade gerada por
toda a situação, sobretudo pela ausência da prática física e pela indicação de
procedimento cirúrgico, foi diminuída drasticamente.
Ao término do tratamento, Girassol apresentava-se com picos de dores que
apareciam de forma aguda, em virtude de algum esforço excessivo que
realizava, mas encontrava-se otimista em relação ao prognóstico e à indicação
de procedimento cirúrgico, com redução significativa em sua ansiedade e
realizando suas atividades com normalidade, exceto a prática de corrida, que
foi substituída por atividade física de menor impacto.

TERAPIA OCUPACIONAL E REIKI: CONSIDERAÇÕES FINAIS


A atuação do terapeuta ocupacional (TO) com as PIC faz-se tão necessária
quanto à atuação de outros profissionais da saúde. O olhar cuidadoso e atento
do TO – que observa e analisa o indivíduo em sua totalidade, seu
reconhecimento de que o ser humano é composto por vertentes física,
psicológica, social, cultural, afetiva e espiritual, sua habilidade em avaliar

203
minuciosamente todas as áreas de desempenho ocupacional do sujeito e sua
capacidade de perceber e identificar os diversos fatores que colaboram para
que um organismo esteja em desequilíbrio – corrobora para a inserção das
PIC como mais um campo de atuação desses profissionais.
É importante ressaltar que as PIC podem ou não ser utilizadas junto com
recursos e técnicas próprios da terapia ocupacional, tendo em vista que essas
práticas visam a complementar os tratamentos convencionais, e não os
substituir.
Nas narrativas apresentadas, o reiki foi utilizado de forma isolada. Em
ambos os casos, os indivíduos apresentavam limitação nas suas atividades, no
desempenho ocupacional, nas suas capacidades e na autonomia. Após o
tratamento com reiki, Flor e Girassol obtiveram uma significativa evolução
em todos esses aspectos, tão importantes para o fazer humano. Dessa forma, é
possível perceber a grande contribuição das PIC dentro do contexto da terapia
ocupacional.
Mais do que a realização das técnicas, o que difere a atuação do TO da
atuação dos outros profissionais é a sua forma própria de enxergar,
reconhecer e avaliar o sujeito e a situação apresentada por ele, o que irá
permear o modo do profissional conduzir o tratamento.
Dada a recente regulamentação da atuação com essas práticas, há pouco
material de estudo sobre o assunto, o que torna necessária esta discussão.
Torna-se também necessária a formação e capacitação de TO nas diversas
técnicas inseridas na Política Nacional de Práticas Integrativas e
Complementares (PNPIC), para que se ocupe cada vez mais espaço dentro
dessa nova possibilidade de atuação.
É importante reconhecer a eficácia desses recursos que complementam tão
bem o modelo biomédico vigente, e que haja integração dos saberes entre a
medicina convencional e a medicina complementar, a fim de que a promoção
da saúde ocorra de forma integral.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Honervogt T. Reiki: cura e harmonia através das mãos. São Paulo: Pensamento;
2005.

204
2. Klatt O, Lindner N. O reiki e a medicina tradicional: como a medicina
energética e a medicina clássica se complementam. São Paulo: Pensamento;
2009.
3. Babenko PC. Reiki: um estudo localizado sobre alternativas, ideologia e estilo
de vida. Dissertação (mestrado em Ciências Sociais). São Carlos: Centro de
Educação e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Carlos
(UFSCar); 2004. 114p.
4. Volpon JB. Impacto femoroacetabular. Rev Bras Ortop. 2016;51(6):621-9.

205
20 Uma prática na reabilitação física voltada a
trabalhadores com dor crônica em coluna
Débora Couto de Melo Carrijo
André Fortini Propheta
Paulo Vinicius Mendes Braga

INTRODUÇÃO
Ao relatar o processo de definição de projeto terapêutico, definição de
estratégias, métodos utilizados e processo de intervenção, pretende-se
contribuir para construção e reflexões de intervenções terapêuticas
ocupacionais em disfunção física para trabalhadores que apresentam uma
identidade em relação ao trabalho remunerado que exercem, nesse caso, a
identidade enquanto profissionais da segurança pública.
A aproximação inicial ocorreu pela necessidade de oferecer apoio em saúde
a esses trabalhadores, sendo que a busca ativa por esse cuidado partiu do
serviço médico em reconhecer a necessidade de cuidado aos profissionais que
já se apresentavam adoecidos, nesse caso, com diagnósticos médicos
relacionados a dores na coluna. Outros problemas relacionados à saúde
permeiam esse grupo de profissionais, porém, a análise inicial foi de que esta
seria uma forma interessante e potente para iniciar o vínculo com a instituição
envolvida.
Assim, foi desenvolvida a assistência pela terapia ocupacional, na Unidade
Saúde Escola (USE) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), que
desenvolve ações de reabilitação em parceria com o município. Para definir
local, frequência e princípios gerais da intervenção, foram realizadas reuniões
com líderes na instituição de segurança e seus profissionais da saúde, que
identificaram as demandas.
Para definir as práticas desenvolvidas, o terapeuta ocupacional utilizou
vários conhecimentos que norteiam as ações profissionais, porém, destaca-se

206
a importância do raciocínio da prática baseada em evidências (PBE) para
reconhecer o alcance das ações, efetividade, forma de abordar o problema ou
mesmo a definição da problemática que é necessário cuidar/tratar. Nesse
sentido, destaca-se que a experiência dos terapeutas envolvidos também é
pilar para realização da PBE. Assim, trata-se também de uma prática
desenvolvida de forma criteriosa, a qual utiliza indícios para auxiliar na
tomada de decisão clínica, o que não substitui o raciocínio sobre qual
intervenção é a mais indicada em determinada situação clínica.
Para discutir a PBE na terapia ocupacional, é necessário considerar, dentre
outros aspectos, os níveis de evidência dos resultados dos estudos analisados,
sendo este um limitador na prática, considerando a qualidade científica dos
estudos, o que compromete a validade e a aplicabilidade.1
Assim, embora haja barreiras para implementação, a PBE também tem
facilitadores. Trata-se de uma prática reflexiva baseada em conhecimento
científico, promovendo a melhoria da qualidade da assistência.1 Diante de
uma situação clínica complexa, os profissionais iniciam um processo de
reflexão que desafia suas práticas atuais e promove mudanças de perspectiva
sobre suas intervenções. Em grande parte das vezes, os profissionais
consideram como parte das evidências não apenas as pesquisas.2
Embora a atuação da terapia ocupacional no campo da disfunção física
fundamente as ações da profissão, por outro lado, encontra desafios na
superação do modelo biomédico, justamente por tratar de questões
relacionadas aos componentes de desempenho que a sustentam fortemente.
A última revisão da Estrutura da Prática da TO traduzida no Brasil em 2015
apresenta, dentre outros aspectos, a uniformização da linguagem e a
valorização da prática do profissional com atenção simultânea para questões
relacionadas à estrutura e às funções do corpo, para habilidades, papéis,
rotinas e contexto, a fim de que ocorra a melhora do desempenho decorrente
do envolvimento com ocupações. Em relação às ocupações, o documento
uniformiza aspectos do uso de termos, evidenciando o que é ocupação,
atividade e métodos preparatórios para tarefa.3

207
SUPORTE TEÓRICO PARA AÇÕES COM BASE NAS
EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS E EXPERIÊNCIAS PRÉVIAS DOS
TERAPEUTAS
A proposta de intervenção terapêutica ocupacional na USE/UFSCar foi
criada para um grupo que apresenta dores crônicas com lesões em coluna,
considerando a forte correlação entre esse sofrimento e a atividade
profissional desempenhada.
Antes de falar sobre o cuidado relacionado à queixa, é fundamental
compreender sobre o trabalho desenvolvido, pois se trata de trabalhadores da
segurança pública, o que envolve, dentre outros aspectos, raciocinar não
somente sobre o trabalho, mas sobre a profissão e o conjunto de idealizações
relacionadas a ela. Ou seja, diz respeito a uma escolha, e não exclusivamente
a uma forma de sustento. Assim, fala-se de uma identidade profissional, com
todas as suas representações, a qual foi escolhida por seu conteúdo e sua
causalidade.4
Dentre os riscos aos quais estes profissionais estão expostos, existe o de
sofrer lesões físicas, destacando-se as lesões na coluna vertebral e a
lombalgia.5,6 A condição da dorsalgia, de forma geral, está fortemente
relacionada a fatores ocupacionais como dirigir, levantar peso, puxar e
empurrar [carga], exposição vibracional, dentre outras.7
Ao estudar policiais civis e militares do Rio de Janeiro, Minayo, Assis e
Oliveira8 afirmam que as dores estão relacionadas a queixas frequentes na
profissão, ao analisarem que quase 40% dos profissionais apresentaram dores
no pescoço, costas ou coluna. Neto et al.9 corroboram, dizendo que a
dorsalgia estava entre as queixas principais na avaliação médica, impactando
negativamente o trabalho de policiais militares na Bahia, tanto pelos
afastamentos quanto pela qualidade do trabalho.
Analisa-se também que, dentre os fatores ergonômicos, estão os
equipamentos de proteção individual (EPI) e os demais acessórios utilizados
junto ao corpo. Nesse sentido, ocupam destaque o colete balístico (pelo peso e
limitação de mobilidade) e o cinturão e os equipamentos nele acoplados.10,11
Esses fatores, associados a sobrecargas relacionadas à agilidade e à constante
tensão em trabalho de risco, colocam esses sujeitos em permanente estado de

208
atenção, impactando não apenas a vida laboral, mas também nos momentos
em que exercem seus outros papéis ocupacionais.
Ao considerar esses fatores de riscos, sinais, sintomas e impactos nos
papéis ocupacionais, passa-se a analisar abordagens que possam contribuir
com esses cuidados. Assim, chega-se ao raciocínio da Back School ou
“Escola de Coluna”. Trata-se de um programa aplicado para tratamento e
prevenção dos quadros álgicos de coluna, envolvendo informações e
exercícios terapêuticos para reduzir intensidade e frequência de dor por meio
da consciência e da modificação do uso do corpo em atividade.12
Os conceitos apresentados pela Escola de Coluna em vários países se
aproximam das discussões apresentadas pela Política Nacional de Promoção
da Saúde, conforme analisam Pimentel e Toldrá.13 Nesse percurso, o estímulo
ao autocuidado por meio de práticas corporais faz parte da promoção e
prevenção de dores na coluna, contribuindo para o melhor uso das funções
corporais, apropriação e desenvolvimento da autopercepção, interrompendo,
assim, um ciclo de mecanização do fazer relacionado à habituação.14
Assim, tem-se uma ferramenta que possibilita resolubilidade das demandas
apresentadas nos serviços de saúde. De acordo com Saito e Castro, citados
por Pimentel e Toldrá,13 a prática corporal “possibilita maior sensibilidade e
aprendizado de como reagir ao ambiente, pois estimula o córtex motor a
reconhecer novas formas de ação, modificando os padrões de movimento
habituais, novos meios de operar e estar no mundo”.
Tal prática pode envolver vários métodos e técnicas de trabalho, porém
destaca-se o self-healing, também descrito no trabalho de Pimentel e Toldrá.13
Nesse sentido, com o movimento, é possível desenvolver o diálogo corpo-
mente e, consequentemente, o autoconhecimento e a manutenção da
capacidade funcional do indivíduo, utilizando-se das técnicas de movimento,
respiração, visualização e massagem para mudança de hábitos corporais, que
podem resultar em bem-estar físico e percepção de vitalidade ampliando
recursos que favorecem o autocuidado. Dessa forma, tem-se que o sujeito é o
principal agente transformador de sua condição de saúde.

DESENVOLVIMENTO DA PRÁTICA

209
Após as articulações iniciais, o serviço médico iniciou a divulgação da
proposta e a seleção dos sujeitos que seriam envolvidos nessa prática. Foram
selecionados 10 participantes que demonstraram interesse e se encaixavam
nos critérios da inclusão, ou seja, dorsalgia. As ações desenvolveram-se
centralmente na USE/UFSCar, e foram realizados 12 encontros semanais com
duração média de 60 minutos. Não foram selecionados nesse projeto piloto
aqueles que estavam afastados do trabalho.
As avaliações iniciais consistiram na aplicação do instrumento Inventário
Breve de Dor (Brief Pain Index – BPI),15 associado a uma escala visual
analógica de dor (EVA) para preenchimento do mapa corporal; Questionário
de Regulação Emocional Cognitiva (Somatic, Cognition, Emotion, Behavior
and Social – SCEBS).16
Nesse grupo de 10 pessoas, 3 eram mulheres e 7 eram homens, e todos
exerciam a função há, em média, 23 anos. A maior parte dos trabalhadores da
segurança desenvolve suas ações no atendimento à população, trabalho que se
caracteriza principalmente por ser realizado em pé ou em deslocamentos com
carros ou motos. A profissão caracteriza-se também pela utilização constante
de uniformes compostos por roupas padronizadas, sapatos, coletes balísticos e
cintos com equipamentos, dentre eles a arma de fogo. Houve troca de função
decorrente da lesão em coluna para 80% dos trabalhadores avaliados, sendo
que essa restrição os colocou em setores administrativos, minimizando as
ações operacionais às quais estavam expostos.
As demandas motoras dessa função são diferentes e consequentemente aos
riscos aos quais estavam expostos, por não exigir agilidade e diminuir o
tempo atual de uso/quantidade de equipamentos e EPI,17 porém, há novas
exigências de trabalho estático para um corpo já transformado e com
limitações. As trocas de função por si só são determinadas pela avaliação
médica e são compreendidas legalmente como forma de solucionar os
problemas clínicos, ao eliminar parte dos agentes desencadeantes da lesão. No
entanto, essa prática ainda carece de aprimoramentos. A interrupção da
função principal do agente de segurança pública está diretamente relacionada
à identidade do trabalhador. Além das questões cognitivas e psíquicas
relacionadas a essa mudança, passar a exercer uma função administrativa traz

210
também novas exigências para um corpo que convive com limitações e dor
há, em média, 4,7 anos, sendo o mínimo de 2 anos variando até 13 anos.
Dentre os diagnósticos médicos, com base na Classificação Internacional
de Doenças (CID-10), estavam os quadros de dorsalgias em todos os
participantes, mas também fibromialgia, depressão, dores em membros
inferiores sem diagnóstico especificado, desânimo, epicondilite, lesões em
joelho, tornozelo e ombros, entre outras. Destaca-se que todos apresentavam
importantes impactos no cotidiano, já evidenciados desde a avaliação inicial.
As queixas apresentadas, na percepção dos trabalhadores, eram relacionadas
ao uso de EPI, rotinas exaustivas e características do trabalho. Os relatos são
diversos e o sofrimento, evidenciado.
No exame físico inicial, identificaram-se as limitações de flexibilidade
global, insegurança para movimentar tronco e realizar movimentos com
amplitude de movimento (ADM) completa, limitações no cotidiano ao
realizar atividades e modificações para evitar a dor. A quantidade e a
qualidade do uso estão diretamente relacionadas à dor e são limitadas. A
qualidade do conhecimento sobre cuidados com sua coluna é pobre. O
reconhecimento das limitações decorrentes da dor pelos pares (em trabalho) e
familiares é frágil, e os sujeitos dessa ação mostraram o quanto sentem medo
de demonstrar suas fragilidades. O medo e a evitação18 estavam presentes na
maioria dos participantes, influenciados pelo diagnóstico e comprometendo o
uso do corpo.
Na avaliação inicial, foi apresentada a proposta de trabalho grupal, semanal
na USE/UFSCar com duração de 12 semanas. As sessões eram programadas
para ocorrer envolvendo uma rotina de atividades corporais; discussões e
orientações sobre corpo (saúde, doença, tratamento, medicação,
especialmente relacionado à coluna); orientações sobre uso de equipamentos e
mobiliários de trabalho; relação entre atividade e coluna. Foram usadas as
vivências sobre o corpo, vídeos, dinâmicas de discussão e reflexão,
simulações. De forma transversal, foram realizadas as atividades envolvendo
alongamento, respiração, automassagem, movimentos ativos e passivos.
Foram utilizadas bandagens elásticas como estímulo de propriocepção,
diminuição de dor e relaxamento. Também foram utilizadas as discussões e as
simulações sobre uso do corpo durante as atividades em casa e no trabalho;

211
técnicas que poderiam ser reproduzidas fora do ambiente terapêutico;
dinâmicas para promover reflexões sobre a mudança de hábitos; incorporação
de atividades de autocuidado com o corpo na rotina diária; e visitas ao posto
de trabalho.
Foi criado um grupo de discussão em aplicativo de comunicação para
smartphones com a finalidade de reforçar as orientações e divulgar materiais
relacionados ao tema de forma contínua, estimulando a manutenção do
cuidado e mudança de atitudes.
A transformação nos participantes ao longo das intervenções foi notória.
Do início ao final era visível o prazer em participar das intervenções
desenvolvendo aprendizagem significativa. As descobertas e as
transformações do uso do corpo para si e para estar na vida também se
fizeram notar. Muitos desses aspectos ainda não puderam ser mensurados de
forma objetiva, mas os relatos foram frequentes e marcantes.
No primeiro encontro, os participantes conseguiram identificar a rigidez de
muitos de seus movimentos corporais e refletiram sobre sedentarismo,
notaram e verbalizaram expressões com “Eu preciso me amar mais”, no
sentido de se cuidarem.
A necessidade de incorporação da mudança no dia a dia passou a ser uma
discussão constante entre os membros do grupo, que passaram a questionar os
pares sobre o que haviam feito naquela semana, fosse em relação ao lazer ou
cuidado corporal, ou outras.
A partir da metade dos encontros, as discussões sobre dor passaram a
permear a discussão sobre trabalho e dificuldades de assistência à saúde. Os
cuidados com a saúde física e mental foram sendo apresentados como
discussões que eram tabus nos espaços de trabalho, sendo que as estratégias já
desenvolvidas mostram-se pouco efetivas na visão desses participantes. É
assim que percebem, por exemplo, as estratégias de prevenção e recuperação
da saúde mental já realizadas. Essa análise pôde ser verbalizada, refletida e
ressignificada a partir do vínculo de confiança entre pares e terapeutas. As
tensões das tarefas, as expectativas e as propostas de solução para condições
de trabalho começaram a ser partilhadas a partir desse momento.

212
As mudanças de hábito passaram a ocorrer e os insights passaram a ser
partilhados e desejados pelos demais colegas.
“Aqui me abriu a cabeça”, referindo-se aos cuidados com o corpo. Aos
poucos, as metas reais e o retorno aos cuidados foram sendo incorporados,
com início de atividades físicas, como judô e pilates. Dos diferentes
participantes vieram informações sobre atitudes de transformação. Essas
pessoas foram encontrando suas novas formas, inclusive conseguindo
redimensionar seu cotidiano, organizar a vida familiar para diminuir os
“bicos” e, assim, poder cuidar de outra forma da família e de si mesmo. A
intensidade da dor, a frequência e os locais de dor tiveram uma significativa
diminuição, inclusive com uma diminuição da quantidade de medicação
alopática utilizada. Relatos de retorno ao tratamento médico, psicoterapia,
dietas e regulação de mobiliário também foram estratégias partilhadas. Um
conjunto de transformações foi verbalizado entre eles, aumentando o vínculo,
o conhecimento e as práticas.
O acesso às transformações foi realizado. De fato, faltavam ferramentas,
encorajamento e relações de cuidado. Esse grupo mostrou que a prática do
cuidado é potente e transformadora.
Dentre tantas frases de transformação, a última encaminhada por uma das
trabalhadoras nesse grupo, junto com uma foto em que ela está “mostrando a
língua” foi: “O fundo do poço te ensina lições que o topo da montanha jamais
conseguiria!”. Para ela, a superação das dificuldades é “fruto dos nossos
encontros de segunda-feira”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A experiência do grupo trouxe transformações para os sujeitos da
intervenção no espaço de reabilitação. Tal intervenção alcançou suas metas,
considerando os objetivos iniciais do grupo e a possibilidade de inserção do
terapeuta ocupacional em outras equipes de trabalho, envolvendo a
especificidade dos conhecimentos em saúde do trabalhador e cuidados com o
corpo para reabilitação física.
As práticas da reabilitação física realizadas por terapeutas ocupacionais são
tradicionais, mas, no Brasil, podem abranger novas populações (ou grupos)

213
pelo aprimoramento do uso de modelos que ofereçam suporte às ações,
fortalecendo, assim, a profissão.
Desse modo, a prática baseada em evidências (PBE) apresenta desafios na
terapia ocupacional, contribuindo positivamente para o desenvolvimento da
profissão por envolver a experiência do terapeuta e a análise das evidências
acerca de novas práticas, contribuindo para o crescimento científico da
profissão no aprimoramento do cuidado.
Embora o “entendimento precise intervir no sentido”, certamente nem
todos os aspectos da prática foram apresentados ou analisados, pois parte do
sucesso do processo de reabilitação está no encontro, nas relações que se
estabelecem, nos vínculos de confiança, o que permeia a técnica, mas não é a
técnica.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Occup Ther. 2002;12(1):21-32.
2. Thomas A, Law M. Research utilization and evidence-based practice in
occupational therapy: a scoping study. Am J Occup Ther. 2013;67(4):e55-65.
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terapia ocupacional: domínio & processo. 3. ed. Rev Ter Ocup da Univ São
Paulo. 2015;26(n. esp.):1-49.
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Revista Brasileira de Orientação Profissional. 2006;7(1):37-43.
5. Ferreira KA, Teixeira MJ, Mendonza TR, Cleeland CS. Validation of brief pain
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Assoc Support Care Cancer. 2011;19(4):505-11.
6. Mello CMA, Nummer FV. Riscos da profissão policial militar: histórias de vida
e resiliência. Rev Pós Ciências Sociais. 2017;14(27):149.
7. Frymoyer JW, Pope MH, Constanza MC, Rosen JC, Goggin JE, Wilder DG.
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8. Minayo MCS, Assis SG, Oliveira RVC. Impacto das atividades profissionais na
saúde física e mental dos policiais civis e militares do Rio de Janeiro (RJ,
Brasil). Cien Saúde Colet. 2011;16(4):2199-209.

214
9. Neto AT, Faleiro TB, Moreira FD, Jambeiro JS, Schulz RS. Lombalgia na
atividade policial militar: análise da prevalência, repercussões laborativas e
custo indireto. Revista Baiana de Saúde Pública. 2013;37(2):365-74
10. Santos GV, Maranhão ASV, Goes BT, Mota RS, Baptista AF, Sá KN. Pain
assessment through the brief pain inventory in a low socio-economic level
population. Rev Dor. 2015;16(3):190-4.
11. Rocha ALS. Análise ergonômica do colete de proteção balística utilizado pela
polícia militar do Estado de São Paulo. 2018 Disponível em:
www.policiamilitar.sp.gov.br/caes/artigos/artigos%20pdf/afonso%20luiz%20sanches%20roch
Acesso em: 6/5/2018.
12. Andrade SC, Araújo AGR, Vilar MJP. Escola de coluna: revisão histórica e sua
aplicação na lombalgia crônica. Rev Bras Reumatol. 2005;45(4):224-8.
13. Pimentel PP, Toldrá RC. Método self-healing como estratégia de promoção à
saúde e reabilitação de pessoas com esclerose múltipla no contexto da terapia
ocupacional. Cad Bras Ter Ocup. 2017;25(3):565-73.
14. Gardner B, Abraham C, Lally P, de Bruijn G-J. Towards parsimony in habit
measurement: Testing the convergent and predictive validity of an automaticity
subscale of the Self-Report Habit Index. Int J Behav Nutr Phys Act.
2012;9(1):102.
15. Santos LG, Madeira K, Longen WC. Prevalence of self-reported spinal pain in
Brazil: results of the national health research. Coluna. 2017;16(3):198-201.
16. Schäfer JL, Cibils Filho BR, de Moura TC, Tavares VC, Arteche AX,
Kristensen CH. Psychometric properties of the Brazilian version of the
Cognitive Emotion Regulation Questionnaire. Trends Psychiatry Psychother.
2018;40(2):160-9.
17. Robertson MM, Ciriello VM, Garabet AM. Office ergonomics training and a sit-
stand workstation: effects on musculoskeletal and visual symptoms and
performance of office workers. Appl Ergon. 2013;44(1):73-85.
18. Nava-Bringas TI, Macías-Hernandez SI, Vásquez-Ríos JR, Cononado-Zarco R,
Miranda-Duarte A, Cruz-Medina E, et al. Crenças de medo e evitação aumentam
a percepção de dor e incapacidade em mexicanos com lombalgia crônica. Rev
Bras Reumatol. 2017;57(4):306-10.

215
Seção III

Práticas da terapia ocupacional na


velhice

216
21 Intervenção da terapia ocupacional no
consultório: protagonizando a história de uma
idosa
Francine de Castro Alves Victal

RELATO AUTOBIOGRÁFICO DE UMA TERAPEUTA


OCUPACIONAL
Cada pessoa é um mundo.
Clarice Lispector

A escolha profissional costuma chegar à nossa porta muito antes de


assinalarmos uma opção de carreira para uma universidade no vestibular.
Quem, ainda criança, não se viu na tarefa de responder a famosa pergunta: “O
que você vai ser quando crescer?”.
Lembro-me de ter escolhido ser professora, médica, freira, jornalista,
farmacêutica, fonoaudióloga, química e artista. Sim, esta última veio após
anos de experimentação de teatro na adolescência, mas me vi em uma palestra
da terapia ocupacional (TO) em uma feira de profissões, faltando menos de 6
meses para o vestibular. Saí de lá contaminada com a ideia de que talvez eu
tivesse mesmo vocação para aquilo. Resolvi me lançar a essa ideia e estou
aqui hoje para contar histórias dessas vivências no meu cotidiano.
Refletindo sobre as escolhas, percebi o que me ligava às áreas escolhidas:
eram as pessoas. Eu gosto de gente! Mas preciso ser ainda mais específica, eu
gosto de velhos. Na verdade, prefiro-os. Gosto do conteúdo das conversas, do
tempo de fala, de uma sabedoria intrínseca, dos retratos de uma fragilidade
que aproxima e que ensina.
Mais tarde, percebi que gosto de coisas que velhos costumam gostar, como
café, silêncio, jornal, tezlevisão, meias para dormir e cadeiras nas calçadas

217
com vizinhos bons de conversa. Velhos adoram conversar e fui escolhendo-os
ao longo dos 4 anos de faculdade.
Já terapeuta ocupacional, fui compor o serviço de Geriatria do Hospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, em um programa de
aperfeiçoamento em TO aplicada à gerontologia.
De lá pra cá, somam 10 anos que eles continuam cruzando meu caminho,
estejam eles hospitalizados, institucionalizados, passando o dia em centros-
dia, em unidades básicas e de pronto-atendimento, em suas casas esperando as
possíveis intervenções da assistência domiciliar, no consultório de TO e por
meio de uma história contada sobre eles por alunos, já que nesta década de
formação, nos últimos 9 anos, fui também colaboradora de disciplinas e
supervisora de estágios da TO junto ao idoso.
Considerei compartilhar o relato de um processo terapêutico de um dos
personagens que protagonizam minhas ações no consultório.

ENCONTROS COM A TERAPIA OCUPACIONAL


Não havíamos marcado hora, não havíamos marcado o lugar. E na infinita
possibilidade de tempos, nossos tempos e nossos lugares coincidiram. E deu-se o
encontro.
Rubem Alves

O envelhecimento é um processo que envolve mudanças físicas, cognitivas


e psicossociais de uma fase da vida, a velhice, sendo seus sujeitos os velhos
ou idosos. Por isso, em muitos momentos, poderá ocorrer um encontro com a
TO.
Além deste encontro com a TO, vale destacar o contexto em que tais
encontros poderão ocorrer, a fim de permitir que “os tempos e os espaços
coincidam”. Neste sentido, questiona-se: que estrutura e equipamentos devem
existir em um lugar que receberá um idoso para um plano de cuidados?
Sobre a estrutura, é importante a preferência por ambientes claros, amplos e
com modificações que garantam segurança, mobilidade e certo grau de
independência.
No quesito equipamentos, é importante que o próprio espaço promova a
estimulação das habilidades de desempenho, por isso, devem-se considerar

218
diferentes formas, tamanhos, cores, texturas e aromas. Objetos que promovam
a orientação em tempo e espaço também se fazem fundamentais.
O espaço da TO é flexível e criativo, como a essência da profissão; por
isso, é preciso garantir que sobrem espaços para compor a sala de
atendimento com elementos que despertem o idoso a interagir com o meio.
Neste espaço, em meio a tantos despertares e livros na estante, um livro só
dela por inúmeros encontros ocorridos. Um livro amarelo, no meio da estante,
com o título Uma página de cada vez, de Adam J. Kurtz (Figura 1).

Figura 1 Imagem da capa do livro Uma página de cada vez, de Adam J. Kurtz. Fonte:
Google Imagens.

DONNA DUCK, A MARGARIDA DA VIDA REAL


Donna Duck, a Margarida, é oficialmente conhecida como a namorada do
Pato Donald, um clássico nos desenhos de Walt Disney. São condições
marcantes de suas aparições seu temperamento irritadiço, por vezes “mal
humorada” e impaciente, e sua elegância, composta por seus trajes – camisas
polo coloridas, sapatos de salto, pulseiras e um belo laço no cabelo.
Margarida será aqui mencionada para descrever o caso clínico considerando o
conjunto de informações semelhantes à personagem.
Margarida foi encaminhada à TO após consulta médica com geriatra com
diagnóstico de síndrome demencial. Em relatório médico, aspectos motores e

219
cognitivos com limitação, em especial atenção, função executiva e memória,
com prejuízos em atividades de autocuidado. Solicitado acompanhamento
visando à reabilitação cognitiva.

Figura 2 Donna Duck, ou Margarida. Fonte: Google Imagens.

Contato telefônico familiar


Um dos filhos entra em contato dizendo que gostaria de agendar uma
avaliação para a mãe e explica o encaminhamento médico. Questiona se pode
entrar na consulta para explicar como ela está. Oriento que são dois encontros
diferentes e agendo avaliação individual.

O encontro
Margarida chega à consulta cerca de 40 minutos antes acompanhada pelo
filho. Ao me aproximar, ainda na sala de espera, ofereço um café e ela
responde: “com adoçante, 3 gotas, por favor”. Percebo o tremor ao segurar o
copo de café. No caminho até a sala, observo sua respiração ofegante e sua
dificuldade para andar. Noto sua alteração de percepção do próprio corpo no
espaço, esbarra nos móveis, demonstra desequilíbrio. Ao entrar na sala,
observa os detalhes e comenta sobre as plantas. Diz ter um jardim e uma
horta, mas que não cuida mais, pois não consegue. Apresento-me, checo sua
orientação em tempo e espaço e informo que usarei uma caixa de questões
para nos conhecermos; explico que é para “quebrar o gelo” do primeiro
encontro. Utilizo como recurso uma caixa pequena e bonita com diferentes
papéis coloridos contendo as perguntas mais comuns de uma anamnese:

220
idade, estado civil, ocupação, interesses, habilidades, dificuldades, entre
outros.
Utilizo-me do recurso para coleta da história de vida, checagem de suas
funções cognitivas e organização da coleta de informações, já que, muitas
vezes, os idosos iniciam um diálogo, mas se perdem na recuperação dos
conteúdos. Certifico-me de também me apresentar por meio das perguntas,
com intuito de iniciar um processo para criação de vínculo; por exemplo, ao
longo do atendimento, ao referir falar francês, elogio e digo que gostaria de
aprender o idioma.
Finalizadas as perguntas, explico que a TO trabalha com as ocupações do
dia a dia, que este seria um espaço de ajuda e construção e pergunto o que ela
acha desta sugestão do médico, convidando-a a selar um contrato terapêutico
destes encontros.

Margarida sobre Margarida


Refere ter 73 anos, ser viúva, tem 3 filhos e 1 neta. É aposentada e
pensionista. Diz que o marido foi alguém muito famoso para a região e que se
orgulha. Logo depois, diz que o pai também era muito famoso. Menciona as
homenagens que o pai recebeu na cidade em que nasceu. O pai e os irmãos
eram médicos. Ela não, mas também estudou, formou-se em Letras e, além do
inglês, é fluente em francês. Sempre tocou piano, mas não toca mais. Diz até
que o vendeu, porque ocupava muito espaço. A maior parte da vida foi do lar,
no gerenciamento, pois sempre teve governanta, cozinheira e babá. Sabe
cozinhar, mas cuida só do cardápio mesmo; menciona que é ótima em colocar
a mesa. Relata que tinha hábito de fazer sobremesa para os filhos e os amigos
dos filhos. Reside atualmente em casa própria com o filho mais novo que é
solteiro e está desempregado. Tem 2 auxiliares que a ajudam com o cuidado
da casa e das refeições. Entre uma resposta e outra, pede mais café e diz estar
ansiosa. Questiono o que está sentindo e ela responde: “ansiedade só”.
Pergunto como posso ajudar e ela responde que já estou ajudando. Questiono
sobre as possibilidades dos encontros e Margarida diz: “eu venho, eu preciso
melhorar, vai ser bom para mim”.

Café a três

221
Agendo posteriormente com os filhos para avaliação familiar. Destaco as
falas:
“Não é problema de memória, é psiquiátrico, mas tiramos ela da psiquiatra”.
“A dentista disse que ela não está escovando os dentes há semanas”.
“Tenho medo dela bater o carro, por isso tiramos”.
“Ela já foi internada num hospital-dia há muitos anos, depois que meu pai
morreu”.
“Às vezes, eu sinto que ela está com mau cheiro”.

Histórico clínico, impacto na vida cotidiana e recomendações de tratamento


As informações acerca de seus diagnósticos, obtidas em acompanhamento
conjunto com seus médicos geriatra, neurologista e psiquiatra, são descritas a
seguir.
1. F.41.1 – Transtorno de ansiedade generalizada diagnosticada há cerca de 20
anos
Ansiedade generalizada e persistente que não ocorre exclusivamente nem
mesmo de modo preferencial numa situação determinada (a ansiedade é
“flutuante”). Os sintomas essenciais são variáveis, mas compreendem
nervosismo persistente, tremores, tensão muscular, transpiração, sensação de
vazio na cabeça, palpitações, tonturas e desconforto epigástrico. Medos de que o
paciente ou um de seus próximos irá brevemente ficar doente ou sofrer um
acidente são frequentemente expressos.1
Os sintomas tendem a dificultar que o sujeito desempenhe suas atividades
cotidianas. Neste sentido, entre as sugestões recomendadas pelo protocolo clínico
desenvolvido pela Rede de Atenção Psicossocial (RAPS),2 estão:
Encorajar o paciente a praticar métodos de relaxamento diários para reduzir os
sintomas físicos de tensão.
Possibilitar o envolvimento em atividades prazerosas e exercícios físicos e a
retomada de atividades que foram úteis no passado.
Identificar as preocupações exageradas ou os pensamentos pessimistas para
reduzir os sintomas de ansiedade.
Identificar eventos que geram preocupação excessiva para ajudar a formular
estratégias para reduzir a ansiedade.
Pensar em conjunto como manejar as situações desagradáveis, identificando e
reforçando atitudes que estão funcionando.
Identificar algumas medidas específicas que o paciente pode tomar nas
próximas semanas.

222
2. F.02-2 – Demência na doença de Huntington (DH) diagnosticada nos meses
subsequentes ao início das intervenções com a TO.
A doença de Huntington manifesta-se como uma tríade nos sintomas motores,
cognitivos e psiquiátricos que se inicia insidiosamente e avança por muitos
anos, até a morte do paciente. O tempo médio de sobrevida varia de 15 a 20
anos, mas alguns pacientes viveram por 30 ou 40 anos com a doença.3
De acordo com a 2ª edição do Guia Clínico da Doença de Huntington,3
trata-se de um conjunto de sintomas que afeta diretamente o desempenho das
atividades cotidianas, já que há dificuldades em planejar, organizar,
sequenciar e priorizar tarefas, bem como executá-las; por isso, o tratamento
costuma ser desafiador, mas também, gratificante.

Raciocínio clínico
Antes de refletir sobre os caminhos que permitiram que este processo
ocorresse, é importante se colocar perto deste lugar que ela está ocupando,
tentando responder às seguintes questões:
Quantos são, atualmente, os afazeres que compõem as 24 horas do seu dia?
Como seria seu dia se boa parte dele não pudesse mais ser amplamente vivida?
O que poderiam fazer para te ajudar a viver melhor?
Este é um dos caminhos para se desenhar os atendimentos: permitir que o
idoso conte por onde ele quer e pode ir, propondo-se a acompanhar, o que
propicia aprendizado ao longo do processo.
Por meio de diversos recursos terapêuticos, Margarida pôde sentir-se capaz
de fazer com ajuda, com apoio e com presença. Em uma das crises de
ansiedade que frequentemente aconteciam no meio da sessão, foi pedido a ela
que escolhesse um objeto que a ajudasse a respirar e se acalmar. Sua escolha
foi uma peça de um quebra-cabeça, o que me fez refletir sobre o quanto ela
sentia que lhe faltavam essas peças para viver. Destaco que ela levou por
semanas essa peça para casa e guardou no coração, embaixo do sutiã, para,
segundo ela, “dar conta de sentar à mesa”, “dar conta de ir ao aniversário” e
“dar conta de se levantar”.
O conjunto de sintomas apresentados por Margarida eram desafiadores:
angústia, nervosismo, medo, ansiedade, tristeza, palpitação, irritabilidade. Era
possível notar sua respiração ofegante, desequilíbrio ao andar, coreia,

223
incoordenação motora grossa e fina, falta de atenção e alteração de memória.
Em algumas sessões, o choro ganhava cena.
Por isso, as principais dificuldades envolviam as questões emocionais, o
controle da ansiedade para iniciar a execução de tarefas e, posteriormente, as
limitações nas habilidades de desempenho para conclusão da tarefa da forma
esperada.
Entre as tarefas, uma gerava muita angústia: a administração das
medicações; por isso, resolvemos que haveria, na TO, o dia de cuidar da caixa
de remédios. Cada etapa, cada separação, cada recordação de como e o
porquê tomar. Aprendemos a superar as crises, por exemplo, quando o
número de remédios não era suficiente para a distribuição na caixa ou quando
o psiquiatra sugeria novas mudanças.
Meus objetivos previam ofertar um espaço de conforto que pudesse
prevenir agravos funcionais e criar estratégias para melhorar a vida cotidiana;
marcamos juntas muitos horários para fazer o cabelo e as unhas. E isso veio
depois que ensinei Margarida a usar o celular, tarefa que também nos ocupou
por longas semanas.
Foram muitos os recursos terapêuticos, a maior parte trazidos por ela, como
escrever uma carta para sua psiquiatra despedindo-se e agradecendo pelos 10
anos juntas.
Quase sempre, também me utilizei de recursos expressivos com graduação
de etapas e priorização de interesse para que pudéssemos ver juntas potências
e fragilidades, e explorar componentes motores e cognitivos, além de irmos
desenhando os caminhos deste processo.
Um exemplo foi a construção do livro Uma página de cada vez,
mencionado no início do capítulo, bastante ligado à temática das etapas e da
organização para o controle da ansiedade. Outra atividade foi o dicionário da
Margarida, que torna claro, entre tantas outras análises, sua vontade de viver e
suas dificuldades com as limitações (Figura 3).

224
Figura 3 Dicionário da Margarida. Fonte: registros próprio autor.

DIÁRIO DA TERAPEUTA OCUPACIONAL


Costumo registrar informações importantes dos processos terapêuticos,
pois considero uma maneira cuidadosa de rever os cuidados prestados.
Compartilho o registro de um dia alegre que vivemos para finalizar as
reflexões do caso clínico:

Tô aqui hoje pra agradecer pela possibilidade de emprestar meus fazeres


cotidianos ao lado dela. Pra dizer que foram incontáveis minutos em
inúmeras sessões. Em consultório, domiciliar, na igreja, em papelarias e
nos cafés com cafés nos acompanhamentos terapêuticos. Tudo isso ao
longo de uma caminhada que já passa de um ano na TO, mas só hoje com
a TO e na cozinha. Só hoje foi possível resgatar parte dessas habilidades
esquecidas e sem vontade de serem vividas por tantos meses. Tô tão feliz
de ter compartilhado desta construção com ela que não seria capaz de
traduzir nosso cuidado uma com a outra. Nossa paciência quase que diária
na luta com a ansiedade e com um quadro de demência que se agrava.
Um merengue a 4 mãos, das nossas mãos!

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Margarida mantém-se em acompanhamento com a TO 2 vezes/semana,
sendo uma sessão exclusiva para o gerenciamento das medicações. Este
processo dura cerca de 2 anos e continuamos utilizando nosso tempo para

225
fazer a lista para montagem da mala para viagem com a família, agendar os
afazeres, aprender novas palavras em francês e compartilhar novas
possibilidades de cuidado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Sistema Único de Saúde (SUS). Protocolo da Rede de Atenção Psicossocial,
baseado em evidências, para o acolhimento e o tratamento de transtornos de
ansiedade generalizada. Estado de Santa Catarina, 2015. Disponível em:
http://www.saude.sc.gov.br/index.php/documentos/atencao-basica/saude-
mental/protocolos-da-raps/9217-ansiedade-generalizada/file.
2. Rezende G, Abreu CBBD. Condições de envelhecimento e cuidadores de idosos
em contextos hospitalares e cuidados paliativos. In: De Carlo MMRP, Kudo
AM. Terapia ocupacional em contextos hospitalares e cuidados paliativos. São
Paulo: Payá; 2018. p.289-310.
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Huntington. 2. ed. (trad. Marina Delgado Olivetti). São Paulo: Associação Brasil
Huntington; 2006. Disponível em: http://abh.org.br/wp-
content/uploads/biblioteca/InformacoesParaProfissionais/guia_clinico_hdsa_em_portugues.pd

226
22 Ações e reflexões em gerontologia:
um estudo de caso
Maria Helena Morgani de Almeida
Catarina Isabel da Conceição Batista Joaquim
Ana Filipa Nunes de Matos
Marina Picazzio Perez Batista

DESCRIÇÃO DO CASO E FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-


PRÁTICA
O objetivo deste capítulo é descrever e refletir sobre os atendimentos em
domicílio a Sra D., entre setembro e novembro de 2018. A escolha do caso
pautou-se no reconhecimento do impacto do processo de envelhecimento
sobre aspectos biopsicossociais, especialmente na vigência de doenças
crônico-degenerativas e das contribuições da terapia ocupacional para manejo
e alívio das dificuldades decorrentes desse processo.
Sra D. tem 90 anos, é viúva, mora só e reside em casa térrea, com declive
em direção ao portão e ampla frente com garagem coberta e jardim, em bairro
residencial no Município de São Paulo/Brasil. Sua rede de suporte pessoal
mais próxima no momento das visitas domiciliares incluía o filho e uma
cuidadora por tempo parcial, que a auxiliava em atividades de vida diária
(AVD) nos períodos diurno e noturno.
A necessidade de auxílio decorria de artrose articular avançada de quadril
direito que lhe causava dor, comprometimento de sua funcionalidade e
instabilidade emocional. Santos et al.1 referem que a artrose afeta 85% das
pessoas com idade acima dos 75 anos e resulta em limitações do movimento,
rigidez matinal, desconforto e dor, podendo causar deformidades. Assim, a
maioria dos indivíduos com artrose possui alterações nas suas AVD que
podem gerar desânimo, ansiedade e humor deprimido.

227
Em virtude de suas dores, limitação de mobilidade e impossibilidade da
rede de prestar-lhe total assistência em relação à locomoção, Sra D.
suspendeu sua assídua participação no grupo terapêutico (GT) e em demais
atividades externas, exceto consultas médicas e exames.
O GT compõe atividades didático-assistenciais oferecidas pelo Geron-TO –
Laboratório de Estudos e Ações em Terapia Ocupacional e Gerontologia do
Curso de Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade de
São Paulo, no Centro de Saúde Escola Geraldo de Paula Souza da USP, do
qual Sra D. é usuária. Sendo o GT um dispositivo de apoio às mudanças
constantes relacionadas ao processo de envelhecimento,2 estudantes e docente
prestam aos idosos suporte emocional e instrumental. Quando seus
integrantes estão impossibilitados de frequentar o grupo, visitas e
atendimentos domiciliares são realizados.
Os atendimentos no domicílio da Sra D. objetivaram manter senso de
pertencimento a sua comunidade e rede informal de suporte, aliviar dores e
reduzir seu impacto em atividades diárias, orientar a Sra D. em relação a
medidas de proteção articular (indispensáveis para o retorno às atividades
após artroplastia de quadril, prevista para dezembro de 2018) e aliviar
angústia e ansiedade. Além disso, objetivou-se orientar práticas de
autocuidado, reconhecendo que poucos idosos, apesar de apresentarem
dificuldades para realização de AVD, adotam práticas para sua compensação.3
Orientações foram prestadas à Sra D., ao seu filho e a sua cuidadora formal,
compreendendo-se o envolvimento de sua rede como fundamental para o
êxito da intervenção.
Os atendimentos foram semanais, de 1 hora e meia, e conduzidos com
supervisão docente, por duas estudantes intercambistas do Instituto
Politécnico de Beja/Portugal, conveniado com o Curso de Terapia
Ocupacional da USP.

ATENDIMENTOS TERAPÊUTICOS
No 1º atendimento no domicílio, Sra D. referiu fortes dores e apresentava
humor deprimido. Na aplicação de escala de Barthel modificada,4 Sra D.
obteve 62 pontos, indicando dependência entre leve e moderada. As

228
atividades para as quais Sra D. referiu necessidade foram subir escadas,
vestir-se, despir-se e deambular mais que 50 metros. Sra D. aponta ainda
como insatisfações suas dificuldades em vestir a parte inferior do corpo,
cuidar do jardim e frequentar o GT. Segundo ela, a participação neste grupo
era de grande importância para seu autocuidado, para compartilhamento de
vivências e para obtenção de apoio emocional. Em seu domicílio, não foram
observados tapetes, mas existia uma rampa em declive de acesso ao portão
com o pavimento danificado, um degrau de acesso ao quarto e dois degraus
na entrada da casa que representavam barreira à funcionalidade e risco para
quedas.
Com base nas dificuldades e expectativas de Sra D., foram propostas
adaptações em atividades, equipamentos de mobilidade e outros itens de
tecnologia assistiva (TA), que promovem maior independência e qualidade de
vida para indivíduos com incapacidades.5
Inicialmente, buscou-se sensibilizar Sra D. para a importância do uso do
andador em vez da cadeira de cozinha na qual se apoiava e com a qual se
deslocava; sensibilizá-la para troca das rodas do andador por pés estáticos ou
travões e para a adaptação de um tabuleiro e/ou um cesto acoplado ao andador
para transporte de objetos, alimentos, entre outros itens. Com intuito de
auxiliar Sra D. a vestir a parte inferior do corpo, sugeriu-se a utilização de
uma mão mecânica para diminuição da flexão de tronco e conservação de
energia. A mão mecânica também poderia ser utilizada para pegar objetos. De
acordo com Glisoi et al.,6 o andador pode ser indicado para indivíduos que
apresentem instabilidade na marcha.
O 2º atendimento no domicílio foi adiado por causa de uma queda.
Gasparotto, Falsarella e Coimbra7 referem que, na percepção dos idosos e
seus familiares, dificuldades para sentar e levantar, caminhar, tomar banho e
caminhar fora de casa são indicadores de quedas. A queda sofrida pela Sra D.
agravou seu quadro álgico, sua fraqueza muscular e dependência para
locomoção e demais atividades diárias. A partir desse episódio, Sra D. passou
a se manter a maior parte do tempo no leito e a necessitar de auxílio à noite.
Com base nesse novo cenário, a proposição do andador deu lugar à sugestão
de aquisição de uma cadeira de rodas. Sra D. sinalizou possibilidade de
empréstimo de cadeira de rodas por um familiar.

229
Ainda no 2º atendimento, visando a proporcionar à Sra D. alguma
participação no GT, foi compartilhado com ela um vídeo feito pelas
estudantes do qual participaram todas as idosas do grupo. O vídeo continha
mensagens desejando seu breve retorno e estímulo emocional para sua
recuperação. Segundo Penkal et al.,8 os grupos de convivência evitam
confinamento, proporcionam fortalecimento de vínculos, autonomia,
independência e envelhecimento ativo. A produção do vídeo propiciou às
integrantes do GT e também a Sra D. expressarem e compartilharem
sentimentos. De acordo com Jantsch et al.,9 as tecnologias de informação e
comunicação (TIC) permitem que o conhecimento seja partilhado e
socializado. Além disso, as demais idosas do GT foram incentivadas a
manterem contato com a Sra D. por meio de telefonemas ou visitas a sua casa,
respeitando-se a disponibilidade e/ou disposição de Sra D. para este contato.
No 3º atendimento no domicílio, Sra D. referiu satisfação pois, apesar das
dificuldades, foi à missa, atividade possibilitada pelo auxílio de familiares e
uso de cadeira de rodas. Araújo et al.10 apontam a importância da
religiosidade para melhoria do bem-estar social e psicológico e qualidade de
vida.
Considerando o uso da cadeira de rodas em atividades externas, resgatou-se
a possibilidade de seu uso por Sra D. também no domicílio. Gasparotto,
Falsarella e Coimbra7 mostram que de 28 a 35% dos indivíduos acima dos 65
anos sofrem ao menos 1 queda/ano. Fatores intrínsecos para quedas integram
alterações visuais, cognitivas e musculoesqueléticas, déficit vitamínico,
iatrogenia, patologia cardiovascular, deformidades nos pés e comorbidades;
os fatores extrínsecos estão presentes no ambiente.11
Ainda que Sra D. reconhecesse o risco de quedas e a cadeira de rodas como
dispositivo que poderia preveni-las, apresentava resistência e descrença
quanto aos seus benefícios. Apesar disso e com sua autorização, foi acionada
sua rede de suporte, especificamente seu filho, procurando esclarecê-lo sobre
as vantagens no uso da cadeira de rodas pela Sra D. O filho apresentou-se
bastante receptivo, colocando-se como aliado nesse processo. Segundo
Machado,12 a família é considerada como rede de apoio informal do idoso e
fonte primária na assistência a ele.

230
No 4º atendimento em domicílio, verificou-se que o filho ainda não havia
trazido a cadeira de rodas para avaliação de uso pela Sra D., referindo que a
habitação não teria dimensões suficientes para seu uso. Procedeu-se à
sensibilização quanto às quedas que Sra D. têm sofrido e de suas possíveis
consequências. O filho sensibilizou-se referindo que, no atendimento
seguinte, traria a cadeira de rodas. Ainda nessa mesma sessão, foram
estimulados a reminiscência e o resgate de realizações de Sra D., o que
favoreceu alívio das dores. O trabalho com a revisão de vida permite ao idoso
ressignificar suas trajetórias de vida e refletir acerca do próprio
envelhecimento.12
No 5º atendimento em domicílio, foi conduzida a avaliação de uso da
cadeira de rodas. Sra D. mostrou-se bastante receosa quanto à transferência da
cama para cadeira de rodas. Contudo, esta foi feita de forma independente
pela Sra D., que necessitou apenas de supervisão. A seguir, buscou-se avaliar
seu deslocamento com uso da cadeira de rodas ao longo da casa, o qual foi
dificultado pela posição do sofá e impedido pela presença do degrau na saída
do quarto. Visando a superar esses obstáculos, foi sugerida a criação de uma
rampa entre sala e quarto e mudança na posição de móveis.13
Ainda neste dia Sra D., deslocou-se em cadeira de rodas por sua casa
orientada por comandos verbais. Após esta avaliação, buscou-se incentivar
Sra D. a reduzir o tempo de permanência no leito e mostrar-lhe algumas
estratégias para conservação de energia e técnicas de manuseio da cadeira de
rodas. Em conjunto, essas orientações visaram a melhorar seu estado
funcional e emocional. De acordo com Bianchin et al.,14 o terapeuta
ocupacional aplica e ensina técnicas de proteção articular para poupar
articulações das cargas lesivas e desnecessárias, reduzir tensão, dor e
inflamação nas articulações, preservando, assim, a integridade das estruturas
articulares. A partir dessa abordagem, foi possível observar Sra D. mais
motivada e com menos preconceitos em relação ao uso de cadeira de rodas.
No 6º atendimento em domicílio, Sra D. encontrava-se no seu leito, com
intensas dores, humor deprimido e novamente descrente em relação à
utilização da cadeira de rodas e modificações ambientais. As orientações
foram retomadas, enfatizando-se a importância da proteção da articulação do
quadril para prevenir seu maior desgaste. Também foi explicado à Sra D. que,

231
após a cirurgia, ela teria que utilizar a cadeira de rodas provisoriamente e,
nesse sentido, seria muito importante que ela incorporasse o uso no seu dia a
dia. Em seguida, foi-lhe apresentada proposta de rampa e retomada a proposta
de outras modificações ambientais. Considerando que o ambiente compõe a
biografia do idoso, buscou-se empoderar Sra D., envolvendo-a na tomada de
decisão em relação a essas mudanças. As modificações incluíram retirada de
móveis e objetos e realocação de outros.
A despeito da dor, no 7º atendimento domiciliar, Sra D. encontrava-se mais
disposta e esperançosa quanto a sua recuperação. Atribuiu-se essa mudança
de humor à participação no GT em semana anterior, maior aceitação da
cadeira de rodas, confecção da rampa pelos familiares e utilização pela Sra D.
Evidenciou-se que a rampa melhorou sua funcionalidade, ela referiu já ter
conseguido retomar algumas atividades, como cozinhar com o auxílio do seu
filho e pendurar roupas no varal.
No 8º atendimento em domicílio, foi solicitada a Sra D. que se deslocasse
do quarto para a sala, descendo a rampa. Este percurso foi feito, ainda que
com auxílio. A cadeira de rodas foi progressivamente aceita por Sra D. e por
seus familiares, porém estes revelaram sentirem-se incomodados com sua
utilização em locais públicos. Abriu-se espaço para acolhimento dos
sentimentos e vivências de Sra D. e de seus familiares sobre o fato da cadeira
de rodas ser equipamento que evidencia incapacidade. Essa reflexão
favoreceu o uso da cadeira também em locais fora de seu domicílio, o que
aumentou sua mobilidade, sua independência e autonomia no cotidiano e
maior convívio com outros integrantes de sua rede informal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante os atendimentos em domicílio, foram promovidas atividades
significativas oportunizadas por práticas de cuidado como modificações
ambientais, adoção de dispositivos de TA e orientação quanto à conservação
de energia e à proteção articular. Buscou-se incentivar o estreitamento de sua
rede informal, no sentido de favorecer o apoio emocional e instrumental à
usuária. O vínculo de confiança estabelecido e fortalecido entre Sra D. e as
estudantes possibilitou compartilhar seus sentimentos, facilitando prestar-lhe

232
maiores esclarecimentos e elaboração de sua experiência. A retomada de
participação no GT e a perspectiva de voltar a frequentá-lo ampliou o sentido
da reabilitação, aumentando sua motivação para tal.

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com artrite reumatóide. Med Reabil. 2010;29(1):23-8.

234
23 Terapia ocupacional na doença de Parkinson
Andressa Chodur

INTRODUÇÃO
A doença de Parkinson (DP) é um distúrbio neurológico cada vez mais
frequente na população idosa e se caracteriza por apresentar sintomas motores
como: tremor de repouso, lentidão de movimentos, rigidez articular e
instabilidade postural. A amplitude e a velocidade dos movimentos são
diminuídas, dificultando a realização de ações sequenciais ou repetitivas, o
que compromete a realização das atividades da vida diária (AVD) e a
qualidade de vida dos indivíduos. Além das alterações motoras,
parkinsonianos também podem apresentar disfunções cognitivas em alguma
fase da doença. Dessa forma, a terapia ocupacional (TO) tem papel
fundamental na reabilitação desses pacientes, assim como na prevenção de
perdas funcionais e cognitivas. O tratamento terapêutico ocupacional deve
envolver cinesioterapia, reabilitação física e cognitiva, suporte emocional,
tecnologias assistivas e treino de AVD. É importante iniciar o tratamento o
quanto antes, de preferência na fase inicial da doença, com a necessidade de
direcionar e graduar o atendimento, de modo a tratar as disfunções de cada
paciente individualmente e não apenas os sintomas da DP. Esses fatores são
diferenciais para a manutenção da capacidade funcional e cognitiva do
paciente diagnosticado com DP e que fez parte do estudo de caso apresentado
neste capítulo.

DOENÇA DE PARKINSON PARA O TRATAMENTO


TERAPÊUTICO
A DP acomete cerca de 1% dos indivíduos com mais de 60 anos de idade.
Em 2020, é estimado que mais de 40 milhões de pessoas no mundo poderão
vir a apresentar a DP,1,2 caracterizando-se como uma pandemia da doença, em

235
razão do grande crescimento no número de casos.3 A DP caracteriza-se
principalmente por 4 sinais cardinais, descritos a seguir: bradicinesia, rigidez,
tremor e instabilidade postural.
O sintoma que mais compromete a funcionalidade dos parkinsonianos é a
bradicinesia. Afeta cerca de 80% das pessoas com DP e manifesta-se por
meio de lentidão dos movimentos desempenhados. A lentidão acontece em
toda a amplitude de movimento (ADM), não depende da velocidade e está
presente independentemente da tarefa. Pode ser agravada por movimento
ativo, concentração mental ou tensão. A bradicinesia acomete principalmente
os movimentos automáticos.4,5 Todas as pessoas com bradicinesia apresentam
dificuldade na realização de movimentos repetitivos ou sequenciais dos
membros. Isso ocorre porque a ADM diminui progressivamente durante ações
sequenciais.4
Outro sintoma característico da DP é a rigidez, definida como um aumento
de tônus observado na manipulação passiva. A rigidez encontrada na DP é
como uma “roda denteada”, lenta e sustentada durante manipulação. Embora
o efeito no movimento passivo possa ser detectado, o componente neural da
rigidez não parece comprometer o movimento voluntário. A maioria dos
indivíduos com DP não se queixam da presença da rigidez, mesmo quando
esta é diagnosticada como severa.4
O tremor na DP apresenta frequência que varia entre 4 e 5 Hz e é
tipicamente de repouso. A amplitude do tremor varia em relação ao estresse
ou quando se pede ao paciente que realize alguma atividade cognitiva. Tem
baixa resposta ao medicamento, sendo difícil de ser tratado.4,6,7
A instabilidade postural também faz parte do conjunto de sinais cardinais
da DP. Este sintoma decorre da perda dos reflexos posturais. Os indivíduos
tendem a ter uma postura fletida ventralmente e apresentam dificuldades de se
ajustarem quando há um deslocamento súbito do centro de gravidade.
Além de tais alterações motoras presentes na DP, os indivíduos também
apresentam alterações cognitivas. Cerca de 1/3 dos parkinsonianos terão
demência em alguma fase da doença. Com início após os sintomas motores,
as alterações presentes na cognição caracterizam-se por uma síndrome
progressiva com déficits de flutuações na atenção. Dentro disso, as principais

236
observações clínicas cognitivas relacionadas à demência na DP estão ligadas
a memória operacional e funções executivas, sendo que a lentidão e a
dificuldade dessas habilidades encontram-se mais limitantes por causa da
bradifrenia, que prejudica principalmente a atenção e a concentração. No
geral, os parkinsonianos apresentam dificuldades com a atenção seletiva e
com a transferência de atenção, o que justifica proporcionar facilitação
cognitiva para esses indivíduos.6,8
Por todos esses sintomas descritos, a qualidade de vida dos pacientes com
DP é limitada nos mais diversos aspectos. A capacidade de realizar as
atividades de casa e de autocuidado é um item importante na concepção do
paciente sobre qualidade de vida.5 Por saber que esse conjunto de sinais e
sintomas se fará presente em algum momento da doença e das limitações que
os acompanham, pacientes com diagnóstico de DP devem iniciar o tratamento
terapêutico ocupacional precocemente, a fim de manter a capacidade
funcional e prevenir perdas ocupacionais.
O objetivo deste relato de caso é descrever e compartilhar o plano de
tratamento realizado com um paciente com DP, assim como os resultados
obtidos, e sugerir essa proposta como opção de tratamentos para
parkinsonianos.

DESCRIÇÃO DO CASO COM AVALIAÇÃO DA TERAPIA


OCUPACIONAL
Sr. C.V.A.M., 68 anos, procura a terapia ocupacional por indicação de uma
neuropsicóloga.
Queixa principal: disfunção cognitiva. Diagnóstico médico: doença de
Parkinson, diagnóstico recente. Medicação: Prolopa 250 mg a cada 4 horas e
Azilect 0,5 mg/dia. A avaliação inicial de TO foi realizada em 25 de outubro
de 2017. Foram utilizados o miniexame do estado mental (MEEM) e o índice
de Barthel.
O MEEM é um importante instrumento de avaliação do comportamento
cognitivo, sendo a escala cognitiva mais amplamente utilizada em todo o
mundo. Como instrumento clínico, utiliza-se o MEEM na detecção de
alterações cognitivas, acompanhamento evolutivo de doenças e

237
monitoramento de tratamento.9 O melhor ponto de corte para idosos
escolarizados é de 23 ou 24 pontos.10 O índice de Barthel é um instrumento
amplamente usado no mundo para a avaliação da independência funcional e
mobilidade. O escore varia de 0 a 100. Quanto maior a pontuação, mais
independente o paciente está.11
Na avaliação inicial, o Sr. C.V.A.M. apresentou escore de 28 no MEEM e
98 no índice de Barthel, o que indica que a cognição e a funcionalidade estão
preservadas, mas como a DP é uma doença neurológica progressiva e os
sintomas oscilam com frequência, é importante prevenir futuras perdas
funcionais e cognitivas e promover a neuroplasticidade.
Contexto familiar: bancário aposentado, mora com esposa, tem dois filhos
e dois netos. Bom convívio no núcleo familiar principal, recebe apoio e
incentivo para realizar os tratamentos. Familiares são conscientes e
colaborativos.
Diagnóstico terapêutico ocupacional: paciente com disfunção cognitiva
leve, leve comprometimento do desempenho ocupacional, especialmente em
atividades que exigem atenção e concentração e/ou movimentos refinados e
coordenação fina. Apresenta micrografia.

ATENDIMENTO EM TERAPIA OCUPACIONAL APLICADA AO


CASO
Iniciou-se a TO para estimulação cognitiva e reabilitação motora. Também
foi sugerido treino de escrita para minimizar a micrografia. A micrografia
decorre da bradicinesia e caracteriza-se por uma diminuição gradual das
letras, conforme se escreve, chegando a impedir o parkinsoniano de continuar
a tarefa.4, 6,7
Descrição dos atendimentos: paciente realiza sessões de TO em
consultório, 1 vez/semana. A sessão tem duração de 1 hora e é dividida em
treinamento cognitivo, cinesioterapia e grafomotricidade para treino de
escrita. Os materiais para reabilitação cognitiva são selecionados de acordo
com a motivação, os interesses, o nível cognitivo e cultural do paciente. São
exemplos: exercícios de lógica, treino de memória recente, treino de memória

238
visuoespacial, cálculos, exercícios para atenção e concentração e flexibilidade
cognitiva.
Na Figura 1, está apresentado o treino para alcance dos objetivos de
memória visuoespacial, manutenção da concentração, linguagem e memória
recente.

Figura 1 Exemplo de treino cognitivo. Fonte: arquivo próprio da autora.

Após o treino cognitivo, é realizado o treino motor conforme a demanda


trazida pelo paciente: mobilização articular, alongamento, treino de função
manual, coordenação fina, pinça, controle motor, entre outros (Figura 2). As
atividades são realizadas com pouca resistência e poucas repetições, visto que
muita força ou repetição podem piorar a rigidez.4-6
Ao final da sessão, pratica-se treino de escrita para minimizar a micrografia
(Figura 3). Todos os exercícios são executados com estratégias de
aprendizagens visuais e auditivas, as quais auxiliam os parkinsonianos a
desempenharem seus movimentos em maior amplitude, visto que movimentos
automatizados são prejudicados pela lesão nos núcleos da base (NB).4-6,12
Após 1 ano de tratamento, o paciente for reavaliado pela TO e seus escores
foram 29 no MEEM e 100 no índice de Barthel, apresentando melhora
cognitiva e funcional em comparação à avaliação inicial. Apresentou melhora
no padrão da escrita.

239
Figura 2 Exemplo de atividade com ábaco para mobilização de falanges, destreza,
coordenação fina e controle motor. Fonte: arquivo próprio da autora.

Figura 3 Escrita (micrografia) pré e pós-intervenção com TO. Fonte: arquivo próprio da
autora.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em pacientes que têm disfunção do sistema nervoso central (SNC), a
atuação da TO por meio de estratégias de controle motor pode trazer bons
resultados. Estas abordagens podem ser utilizadas como parte da atividade
com propósito ou para capacitar os sujeitos a realizá-las, contribuindo
diretamente para o restabelecimento do desempenho ocupacional, visto que é
fundamental minimizar as limitações trazidas pela doença.13 Além disso, na

240
DP, os movimentos automáticos utilizados na realização das atividades
cotidianas são reduzidos ou perdidos.5
O terapeuta ocupacional deve minimizar as limitações sobre as atividades
funcionais. Para isso, deve orientar a realização de modificações nas
atividades a fim de facilitá-las ao utilizar estratégias visuais, verbais e de
ensaios dos movimentos, aumentando, assim, a capacidade de realização das
AVD.14
As orientações verbais facilitam o treino e o desempenho de movimentos,
sendo também estratégia utilizada no treinamento da marcha para indivíduos
com DP4 e, por isso, optou-se considerá-las como potencializadoras do treino
de escrita, treino cognitivo e motor. O mecanismo responsável pela facilitação
por meio das dicas externas deve-se ao fato de que as lesões nos NB levam a
uma redução nas dicas geradas internamente e que sustentam os movimentos,
pois se sabe que os NB são envolvidos na execução de movimentos
automáticos e repetitivos. Possivelmente, o treino com orientações verbais
reorganiza o movimento ao longo de um percurso não automático, afastando-
o do percurso automático dos NB.15
Por causa da lentificação dos processos cognitivos, é essencial inserir a
estimulação cognitiva no plano de tratamento de TO a parkinsonianos.7,8 A
utilização de orientações verbais facilita o treino de escrita, porém a
micrografia permanece mesmo após o treino, o que sugere que parkinsonianos
não são capazes de controlar o tamanho de suas letras sem dicas. Não há
sinais de aprendizagem.12 O início precoce da intervenção favoreceu a
resposta ao tratamento proposto.

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242
24 Prática da terapia ocupacional em neurologia
Rafael Eras-Garcia

DESCRIÇÃO DO CASO
Foi admitido no setor de terapia ocupacional o paciente “João”, 61 anos,
destro, radialista, casado, residindo com o filho mais novo e a esposa.
Segundo dados da avaliação fisiátrica, o paciente sofreu um acidente vascular
cerebral (AVC) 7 meses antes de iniciar o tratamento terapêutico ocupacional,
com o seguinte histórico: 1 semana antes da lesão, o paciente relata ter
passado por situação de muito estresse no trabalho, com poucas horas de
sono. Na semana em que ocorreu o AVC, o paciente iria iniciar o trabalho na
rádio, quando atendeu a um telefonema da esposa e ela comentou algo
diferente na voz de João. Minutos depois, o paciente apresentou perda total da
movimentação do membro superior esquerdo (MSE), sem perda da
consciência, sendo encaminhado para o serviço de emergência e submetido à
trombólise, ficando internado na unidade de terapia intensiva (UTI) por 1
semana, sem a necessidade de intervenção cirúrgica.
Em relação aos antecedentes pessoais, o paciente apresenta como
patologias de base diabetes, hipertensão e dislipidemia, todas controladas com
uso de medicação. O exame de ressonância magnética (RM) de crânio
apontou a seguinte lesão: focos irregulares da substância branca no lobo
frontoparietal e insulares, assim como nos núcleos capsulares e transição
frontoparietal à direita; pequenas lacunas sequelares no hemisfério cerebelar
direito. Segundo dados coletados no prontuário do paciente, a avaliação
fisiátrica constatou psiquismo adequado, sem alterações aparentes em
memória, fala e funções executivas.
Ainda analisando os dados da avaliação fisiátrica, o paciente mostrava-se
independente para as trocas posturais (passar de deitado para sentado e de
sentado para em pé), assim como nas reações de proteção anterior e lateral,

243
liberando os membros superiores (MMSS) para a função sem desabar o
tronco. Já em relação à espasticidade, o paciente foi avaliado com grau 1+
segundo a escala de Ashworth modificada1 (leve aumento do tônus muscular
manifestado por leve resistência em aproximadamente 50% do arco de
movimento) no MSE. Trouxe queixa álgica em ombro esquerdo, relatando
tendinopatia prévia neste segmento. Avaliando a deambulação, o paciente
inicialmente apresentava marcha domiciliar sem aditamentos.
Durante a avaliação fisiátrica, pensando na melhora da movimentação ativa
do MSE, bem como na queixa álgica em ombro, foi realizada aplicação de
bloqueio neuromuscular com uso de toxina botulínica tipo A nos seguintes
grupos musculares com as respectivas doses, apresentadas em unidades (U):
peitoral maior (80 U), subescapular (50 U), braquiorradial (60 U), pronador
redondo (40 U) e pronador quadrado (20 U). Passados 15 dias da aplicação da
toxina botulínica, o paciente foi avaliado por uma equipe multiprofissional
(fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, fonoaudióloga, psicóloga, assistente
social e fisiatra), sendo encaminhado para as seguintes intervenções:
Fonoaudiologia individual por 3 meses, visando à melhora da fala por questões
laborais.
Psicoterapia individual por 6 meses, visando à estimulação de aspectos
cognitivos e aceitação da nova condição.
Terapia ocupacional individual por 12 meses, com frequência de 1
atendimento/semana, visando à melhora do controle motor do MSE e auxílio no
retorno às atividades laborais.
Reabilitação robótica (Inmotion®).
Protocolo de terapia por contenção induzida para MMSS.
Passados 2 meses da avaliação multidisciplinar, o paciente iniciou os
atendimentos na terapia ocupacional individual, em que foram levantadas as
principais demandas em relação às atividades de vida diária (AVD):
Alimentação: semi-independente para cortar os alimentos, não conseguindo
realizar preensão palmar efetiva para segurar a faca.
Higiene elementar: dependente para passar o fio dental e cortar as unhas, não
conseguindo dissociar os dedos para segurar o fio dental, bem como manusear o
alicate de unha.
Higiene básica: independente em todas as etapas.

244
Vestuário: semi-independente para os complementos (botão, zíper, cadarço,
fecho e outros).
Asseio e controle de esfíncteres: independente em todas as etapas.
Mudanças posturais e transferências: independente em todas as etapas.
Já em relação à avaliação física, o paciente apresentava pouca inserção do
MSE na realização de todas as AVD citadas anteriormente, com alteração da
sensibilidade superficial e profunda em hemicorpo esquerdo. O tronco não
apresentava alterações importantes, no qual o paciente apresentava base de
suporte adequada, tanto em ortostatismo quanto em sedestação. Quando
analisada a amplitude de movimento (ADM) do MSE, passivamente o
paciente não apresentava alterações; já na ADM ativa, conseguia realizar
flexão ativa de ombro até 90°, assim como abdução de ombro de 75°,
extensão do cotovelo de 45°, flexão do cotovelo dentro dos padrões de
normalidade, extensão de punho de 20° e flexão em massa dos dedos.
O paciente manteve a queixa álgica em ombro esquerdo, observada na
avaliação fisiátrica, assim como interferência de componente espástico no
MSE, porém menor após aplicação do bloqueio neuromuscular. Estava
fazendo uso de uma órtese de termoplástico de baixa temperatura, de
abordagem ventral, posicionando punho, dedos e polegar na posição
funcional, de uso noturno. Ao ser avaliada a função manual, foi observado
que o paciente conseguia realizar flexão em massa dos dedos, sem
dissociação destes, assim como outros tipos de pinça. Vale ressaltar que todos
os movimentos eram executados com importante compensação de tronco e
fraqueza dos músculos estabilizadores da escápula.
Analisando o desempenho ocupacional, o paciente trouxe que, antes da
lesão, tinha como principais atividades trabalhar, dirigir, praticar atividades
físicas (academia e caminhada) e gostava de pintar telas. No momento da
avaliação, ele estava iniciando o retorno às atividades laborais, caminhadas
leves e pintura de telas. Como atividades futuras pretendidas, o paciente
trouxe o desejo de recuperar o máximo possível para retornar às atividades
laborais, inserir de forma efetiva o MSE na realização das atividades e sair de
casa com maior segurança.
Após o levantamento das principais demandas funcionais e ocupacionais,
foi traçado como conduta terapêutica:

245
Ampliar a participação do MSE na realização das AVD, atividades
instrumentais de vida diária (AIVD) e no trabalho.
Aumentar independência nas AVD, focando em alimentação, higiene elementar
e vestuário, por meio do treino destas atividades e confecção de adaptações.
Melhorar controle motor e funcionalidade do MSE.
A seguir, serão apresentadas as três intervenções realizadas com o paciente,
com foco na funcionalidade do MSE e no desempenho ocupacional.
A primeira intervenção realizada foi a terapia ocupacional individual,
sendo programado para iniciar o protocolo de reabilitação robótica após 3
meses do início do acompanhamento individual e, por fim, o protocolo da
terapia por contenção induzida logo após o término da reabilitação robótica.

TERAPIA OCUPACIONAL INDIVIDUAL


A terapia ocupacional tem papel fundamental na reabilitação de pessoas
com sequelas decorrentes de um AVC, ao desenvolver atividades
significativas e importantes, com objetivo de proporcionar maior
independência, autonomia e condições de participação social.2 Para alcançar
tais objetivos, o terapeuta ocupacional pode utilizar algumas estratégias como
intervenções baseadas na atividade, adaptações das atividades, tecnologia
assistiva, adaptações do meio. Portanto, conforme diferentes desempenhos
são estimulados, a participação em papéis ocupacionais pode ser alcançada.3
Como já apresentado anteriormente, o paciente realizou acompanhamento
semanal (1 vez/semana, com duração de 35 minutos cada sessão), durante o
período de 12 meses, sendo este período dividido em 4 etapas com 3 meses de
duração cada uma.
Na primeira etapa, a intervenção teve enfoque no treino motor do MSE,
enfatizando as funções de flexão e extensão dos dedos e polegar, classificado
pelo código da Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF) como
d4401 (agarrar) e d4403 (soltar). Para alcançar tais objetivos, foram utilizadas
como estratégias o treino de agarrar e soltar e a estimulação sensorial do MSE
(Figura 1).

246
Figura 1 A: Treino de agarrar e soltar. B: Estimulação sensorial. Fonte: Gláucia Fortes.

Além do treino motor, foi confeccionada uma adaptação para utilização da


faca (engrossador em EVA) e adaptação para alicate de cortar unhas. O
paciente apresentou evolução satisfatória no período, conseguindo utilizar as
adaptações no seu dia a dia. Apresentou melhora no movimento de preensão
palmar (agarrar), porém ainda com dificuldade no movimento de soltar os
objetos, por influência de aumento do tônus dos músculos flexores de punho,
dedos e polegar.
Na segunda etapa do acompanhamento individual, o paciente fez nova
aplicação de toxina botulínica, nos mesmos grupos musculares e com a
mesma dosagem, sendo possível observar em terapia melhor adequação do
tônus muscular de flexores de punho, dedos e polegar, sendo possível
observar início da extensão ativa de dedos e maior facilidade para realizar
movimento de supinação do antebraço esquerdo. Os objetivos terapêuticos no
período, além da continuidade daqueles da primeira etapa, foi adicionado o
treino motor para extensão do cotovelo (d4451 – empurrar). Neste mesmo
período, iniciou o protocolo de terapia robótica que será apresentado
posteriormente. As estratégias terapêuticas utilizadas, além daquelas descritas
previamente, foram: descarga de peso e aplicação de bandagem elástica
funcional (Figura 2).

247
Figura 2 A: Bandagem elástica funcional. B: Descarga de peso. Fonte: produção do
próprio autor.

A bandagem elástica terapêutica é um importante recurso para a


reabilitação neurofuncional, uma vez que visa a melhorar a força muscular,
controlar a instabilidade articular, auxiliar no alinhamento postural e no
relaxamento de musculaturas em sobrecarga. Sua propriedade é elástica,
desenhada para imitar as qualidades da pele humana, e sua utilização está
embasada na estimulação tegumentar, que proporciona estímulos constantes e
duradouros em vias aferentes do córtex sensorial primário.4 A descarga de
peso tem como objetivo fornecer ao paciente maior consciência da posição do
corpo, por meio de feedback sensorial, visual e motor.5
Na terceira etapa, o paciente já tinha finalizado o protocolo de terapia
robótica, apresentando melhora em todos os códigos apontados anteriormente,
sobretudo no segmento proximal do MSE, iniciando também o movimento de
pinça lateral. Aos objetivos para este período, além da manutenção daqueles
trabalhados nos períodos anteriores, foi adicionado o treino de pinça com
auxílio do terapeuta, classificado como manipular (d4402), conforme pode ser
observado na Figura 3.

248
Figura 3 Treino para manipular objetos com auxílio do terapeuta. Fonte: produção do
próprio autor.

O treino motor, quando realizado de forma intensiva, repetitiva e que traz


um significado ao paciente, tem resultados importantes para a recuperação
motora e funcional na fase crônica do AVC.6
Na quarta e última etapa do acompanhamento individual, o paciente
realizou o protocolo da terapia por contenção induzida, apresentando
importante aumento do uso do MSE na realização das AVD e AIVD, assim
como melhora nos classificadores motores da CIF apresentados
anteriormente, tanto na função manual como no controle motor proximal do
MSE. João recebeu alta ao final desta última etapa, realizando de forma
independente todas as suas AVD e AIVD, bem como retornou às atividades
laborais, inserindo de forma efetiva o MSE nas atividades de trabalho e nas
tarefas do dia a dia.

TERAPIA ROBÓTICA
O protocolo de terapia robótica utilizado no tratamento com João teve
duração de 3 meses, com uma frequência semanal de 2 atendimentos/semana,
com duração de 1 hora cada sessão. Neste protocolo, o paciente esteve
liberado para realizar outras modalidades terapêuticas. O equipamento
utilizado para o tratamento foi o InMotion Robot 2.0,7 tanto o equipamento de
ombro/cotovelo como o equipamento de punho, conforme mostra a Figura 4.

249
Figura 4 InMotion Robot 2.0. A: Equipamento para o tratamento de ombro/cotovelo. B:
Equipamento para o tratamento de punho. Fonte: Gláucia Fortes.

A terapia robótica na reabilitação tem mostrado efeitos positivos ao


proporcionar melhor especificidade de treinamento e repetição, integrando
visão e propriocepção e reduzindo o esforço do paciente durante a terapia.8
Como forma de avaliação dos resultados, foi aplicada a escala Fugl-Meyer
(EFM),9 com objetivo de quantificar o desempenho funcional do membro
superior; a escala varia de 0 a 66 pontos (extremidade superior). O outro
parâmetro para mensuração dos resultados foi a avaliação da coordenação
motora pelo software do equipamento, que traz, em forma gráfica, os
resultados da intervenção. No pré-tratamento, o paciente teve uma nota na
EFM de 43, sendo que, no pós-tratamento, a nota foi 48, demonstrando
recuperação motora do MSE, principalmente no segmento proximal do MSE.
Já em relação à coordenação motora, é possível observar melhora na
qualidade de movimento também no segmento proximal do MSE, conforme
apresentado na Figura 5, em que João teve que realizar as seguintes tarefas:
Point-to-point, com o movimento iniciando no centro e sendo ampliado em 8
direções diferentes, promovendo, assim, a movimentação do ombro.
Playback static e round dinamic, em que se pode avaliar a ativação da
musculatura agonista e antagonista (o paciente deveria realizar uma resistência
ativa a um movimento contrário do robô).
Circle, que avalia a capacidade de generalizar os movimentos aprendidos no
point-to-point de maneira segmentar (flexão, abdução, extensão e adução
combinados ou não com rotação interna/externa de ombro), tendo que manter
uma maior estabilização de ombro para formar todo o círculo.10

250
O sistema de robótica InMotion Robot 2.0 permite isolar ou incluir diversas
articulações de forma simultânea durante o treino, adaptando, assim, a terapia
ao paciente. Além disso, o uso de sistema de robótica para MMSS não auxilia
apenas na recuperação de funções motoras, mas também pode ser benéfico
para a recuperação da propriocepção e/ou integrar visão e propriocepção.11

Figura 5 Gráficos de parametrização do movimento do paciente no período de pré e pós-


tratamento. A: Pré-tratamento. B: Pós-tratamento. Fonte: produção do próprio autor.

TERAPIA POR CONTENÇÃO INDUZIDA


A última intervenção proposta para o paciente foi a realização do protocolo
da terapia por contenção induzida, seguindo as diretrizes do protocolo original
criado pelo neuropsicólogo Edward Taub15 é caracterizado por três elementos:
1. Treino repetitivo de tarefa orientada para o membro superior afetado, com
duração de 2,5 horas/dia, por 10 dias consecutivos.
2. 30 minutos para o pacote de métodos comportamentais (métodos que visam a
ampliar a adesão do paciente ao protocolo e a transferência dos ganhos em
terapia para fora do ambiente terapêutico).
3. Restrição do membro superior menos afetado durante 90% das horas acordadas.

251
O protocolo foi aplicado ao longo de 12 dias úteis, sendo o primeiro e o
último dias dedicados a aplicação dos testes para análise dos resultados. A
terapia por contenção induzida é uma família de técnicas de tratamento com
abordagem comportamental derivada da neurociência básica, que visa a
aumentar e melhorar a utilização do membro superior afetado de indivíduos
com uso assimétrico deste membro em suas AVD.12
Neste caso, para avaliação dos resultados, foram aplicados os seguintes
testes:
Motor Activity Log (MAL), entrevista semiestruturada com objetivo de avaliar a
quantidade (EQT) e a qualidade (EQL) de uso do membro superior afetado, por
meio da percepção do paciente,16 com pontuação variando de 0 a 5.
Wolf Motor Functional Test (WMFT), teste que avalia a velocidade do
movimento do paciente durante a execução de 15 tarefas funcionais.13
Medida canadense de desempenho ocupacional (COPM), entrevista
semiestruturada em que o paciente pontua as atividades do seu cotidiano que se
encontram em dificuldade, dentro dos domínios de autocuidado, produtividade e
lazer, sendo estes objetivos classificados em duas escalas (satisfação e
desempenho) que variam de 0 a 10 pontos.14
Durante a realização do protocolo, o paciente foi dispensado de todas as
outras terapias motoras.
No pré-tratamento, João apresentava um baixo uso do MSE, com uma
percepção de qualidade ruim deste membro (EQT = 1,10 e EQL = 0,88),
avaliado por meio de MAL; elevado tempo para executar as tarefas com
MSE, com uma média na WFMT = 20,67 segundos e baixo desempenho
ocupacional (desempenho = 1 e satisfação = 1,4). No pós-tratamento, foi
possível observar importante melhora em todos os testes aplicados, subindo a
nota da EQT para 4,10 e da EQL para 3,50, demonstrando melhora na
percepção da frequência e na qualidade de uso pelo paciente. Na WMFT, o
tempo médio caiu para 14,10 segundos, demonstrando melhora da
funcionalidade no MSE. Na COPM, o desempenho subiu para 6 e a satisfação
para 6,6, demonstrando importante melhora no desempenho ocupacional.
A terapia por contenção induzida mostra-se como um dos principais
protocolos para a reabilitação dos MMSS de pessoas com sequelas motoras
em decorrência de um AVC. O guia de orientações para profissionais que

252
trabalham na área da saúde da American Heart Association/American Stroke
Association, publicado por Winstein et al.,17 mostra que a técnica está no
grupo de recomendações com nível de evidência científica “A”, classe 1, ou
seja, por meio de diversos ensaios clínicos randomizados e trabalhos de
metanálise com amostras significativas, tem-se nível de evidência científica
suficiente para indicar que os benefícios são maiores que os riscos, sendo
fortemente indicada como técnica terapêutica.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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muscle spasticity. Physical Therapy. 1987;67(2):206-7.
2. Shin CG, Toldrá RC. Terapia ocupacional e acidente vascular cerebral: revisão
integrativa da literatura. Cadernos de Terapia Ocupacional da UFSCar.
2015;23(4):843-54.
3. Legg LA, Lewis SR, Schofield-Robinson OJ, Drummond A, Langhorne P.
Occupational therapy for adults with problems in activities of daily living after
stroke. Cochrane Database Syst Rev. 2017;7:CD003585.
4. Ortiz-Ramirez J, Perez-de LCS. Efficacy of the application of kinesio tape in
patients with stroke. Revista de Neurologia. 2017;64(4):175-9.
5. Mudie MH, Winzeler-Mercay U, Radwan S, Lee L. Training symmetry of
weight distribution after stroke: a randomized controlled pilot study comparing
task-related reach, Bobath and feedback training approaches. Clinical
Rehabilitation. 2002;16(6):582-92.
6. Arya KN, Verma R, Garg RK, Sharma VP, Agarwal M, Aggarwal GG.
Meaningful Task-Specific Training (MTST) for stroke rehabilitation: a
randomized controlled trial. Top Stroke Rehabil. 2012;19(3):193-211.
7. Krebs HI, Hogan N, Aisen ML, Volpe BT. Robot-aided neurorehabilitation.
IEEE Trans Rehabil Eng. 1998;6(1):75-87.
8. Orihuela-Espina F, Roldán GF, Sánchez Villavicencio I, Palafox L, Leder R,
Sucar LE, et al. Robot training for hand motor recovery in subacute stroke
patients: a randomized controlled trial. J Hand Ther. 2016;29(4):e13-e14.
9. Fugl-Meyer AR, Jääskö L, Leyman I, Olsson S, Steglind S. The post-stroke
hemiplegic patient. 1. a method for evaluation of physical performance. Scand J
Rehabil Med. 1975;7(1):13-31.

253
10. Ossanai DMT Vitagliano E, Matuti GS, Eras-Garcia R. Utilização da robótica de
membros superiores em pacientes pós acidente vascular cerebral crônico. In:
Saberes e competências em fisioterapia 2. [s.l.]: Atena; 2019. p.233-45.
11. Casadio M, Morasso P, Sanguineti V, Giannoni P. Minimally assistive robot
training for proprioception enhancement. Exp Brain Res. 2009;194(2):219-31.
12. Morris DM, Taub E, Mark VW. Constraint-induced movement therapy:
characterizing the intervention protocol. Europa Medicophysica.
2006;42(3):257-68.
13. Wolf SL, Catlin PA, Ellis M, Archer AL, Morgan B, Piacentino A. Assessing
Wolf motor function test as outcome measure for research in patients after
stroke. Stroke. 2001;32(7):1635-9.
14. Law M, Baptiste S, McColl M, Opzoomer A, Polatajko H, Pollock N. The
Canadian Occupational Performance Measure: an outcome measure for
occupational therapy. Can J Occup Ther. 1990;57(2):82-7.
15. Taub E. et al. Technique to improve chronic motor deficit after stroke. Arch
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16. Uswatte G, Taub E. Implications of the learned nonuse formulation for
measuring rehabilitation outcomes: lessons from constraint-induced movement
therapy. Rehabilitation Psychology, v. 50, n. 1, p. 34-42, 2005.
17. Winstein et al. Guidelines for Adult Stroke Rehabilitation and Recovery/A
Guideline for Healthcare Professionals From the American Heart
Association/American Stroke Association. Stroke, v. 47, n. 6, p. e98-e169, 2016.

254
25 Atuação da terapia ocupacional com idoso
traqueostomizado grave em uma unidade de
terapia intensiva
Janaína Moreno Garcia

A TERAPIA OCUPACIONAL NA UNIDADE DE TERAPIA


INTENSIVA
A unidade de terapia intensiva (UTI) é o local de referência para prestar
cuidados decisivos, particularizados e ininterruptos, para tanto, deve contar
com uma equipe multiprofissional para atender pacientes graves e
recuperáveis.1
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2018),2 o
Brasil alcançou a marca dos 30,2 milhões de idosos em 2017; e o aumento do
número dessa população traz a necessidade de refletir e agir por meio de
medidas sociais e de saúde pública, para atender as necessidades desse grupo
de pessoas em processo de envelhecimento.
A ação de envelhecimento, pode vir associado, não obrigatoriamente, a um
processo de adoecimento, em que a hospitalização ou institucionalização pode
acarretar em perdas significativas para os idosos, pois ocorrem rupturas com
seus familiares, com o ambiente em que estavam habituados a viver e as
rotinas de costume.3
As instituições hospitalares são classificadas de acordo com a capacidade
de atendimento, sendo que hospitais de nível secundário e terciário tem em
sua infraestrutura as UTI, e esses locais devem ter em sua composição
profissional uma equipe multiprofissional de saúde que trabalhe de modo
integrado e contínuo, em direção a uma assistência integral e individualizada
ao paciente.4

255
Dentre os profissionais que atuam nas UTI está o terapeuta ocupacional,
que é um profissional da área da saúde, que atua de acordo com o grau de
complexidade dos pacientes, considera os fatores ambientais e temporais,
como a idade cronológica e incapacidades.5
A terapia ocupacional (TO) objetiva favorecer e maximizar a
funcionalidade nas atividades de vida diária (AVD) e instrumentais de vida
diária (AIVD), para assim beneficiar a qualidade de vida e ganho/retorno a
funcionalidade, fazendo uso de diferentes recursos terapêuticos, dentre os
quais a tecnologia assistiva (TA).6
A TA abrange todo arsenal de recursos e serviços que colaboram para
proporcionar ou expandir habilidades funcionais de pessoas com deficiência
ou limitações, e logo promover vida independente e inclusiva.7
A área da TA que se propõe a expandir habilidades de comunicação é
denominada comunicação aumentada e alternativa (CAA),7 sendo um
importante recurso para atuação da TO.
Diante da importância do retorno dos pacientes internados nas UTI à sua
rotina diária de forma satisfatória e funcional, este relato de experiência tem
como objetivo descrever a atuação da TO com idoso traqueostomizado grave
e o uso da CAA.

METODOLOGIA
Trata-se de um relato de experiência do serviço de TO em uma UTI de um
hospital particular terciário (alta complexidade), localizado no Estado de São
Paulo/SP.
Este hospital tem em seu perfil epidemiológico o atendimento de idosos
frágeis, onde especificamente nas UTI acontecem procedimentos invasivos,
como a traqueostomia rotineiramente, que consiste na abertura de um orifício
na traqueia e na colocação de uma cânula para a passagem de ar, gerando
assim a impossibilidade, momentânea ou definitiva, da habilidade de
comunicação verbal.
Foram realizados avaliação, atendimentos e reavaliação de um paciente
idoso frágil, traqueostomizado, nos meses de julho a agosto de 2018; as
sessões ocorreram 3 vezes/semana, com duração média de 45 minutos. No

256
primeiro encontro, realizaram-se levantamento clínico, avaliações funcionais,
levantamentos da rede de suporte do paciente e participações em reuniões
multidisciplinares semanais com a equipe de saúde.
Foram utilizados os seguintes instrumentos e testes para avaliação e
reavaliação:
Avaliação institucional da terapia ocupacional.
Escala de Medida Internacional da Funcionalidade (MIF).
Escala de Lawton e Brody de AIVD.
Índice de Katz (ou Katz Index).
Miniexame do estado mental (MEEM) de forma adaptada (com uso de
imagens).
Escala de Glasgow.
Escala de RASS (Richmond Agitation-Sedation Scale).8
Escala analógica de dor – EVA.9
Goniometria de membros superiores (ombros, cotovelo e punho).
Avaliação de edema com uso de fita métrica (técnica em oito) de MMSS.
Monofilamentos de Semmes-Weistein para avaliação de sensibilidade.

DESCRIÇÃO DO CASO
O Sr. José (nome fictício), 74 anos, sexo masculino, destro, viúvo, com
dois filhos, nascido e criado na Baixada Santista, vivia em instituição de
longa permanência para idosos (ILPI) na cidade de São Paulo/SP há 2 anos,
onde era acompanhado por médico, enfermeiros e fisioterapeuta. Ressalta-se
que a principal fonte de informações pessoais e legais sobre o paciente
sempre foi uma enfermeira da ILPI.
Com a morte da esposa, há 10 anos, Sr. José foi morar com a filha, mas ela
faleceu há 2 anos e, por esse motivo, ele foi levado para a ILPI. A dinâmica
familiar foi afetada e o filho, que mora em outra cidade, visitava-o 2
vezes/ano, em datas comemorativas.
Sr. José cursou faculdade de jornalismo, sua atividade profissional por 40
anos. Foi radialista e jornalista de uma cidade litorânea de São Paulo,
desempenhando um papel importante e reconhecido na região.
A queixa principal trazida pela equipe multiprofissional para a TO era a
dificuldade da avaliação cognitiva e a comunicação do paciente. Durante o

257
período de internação na UTI, a TO não obteve contato com os familiares do
paciente ou cuidador de referência, conseguindo, assim, as informações da
rotina diária extra-hospitalar pela equipe multiprofissional.
O diagnóstico médico de internação na UTI foi erisipela em membros
inferiores bilateral, diabetes tipo 2, obesidade, insuficiência cardíaca
congestiva (ICC), insuficiência respiratória aguda (IRpA), que suscitou
edema global, rebaixamento do nível de consciência, insuficiência renal
aguda (IRA) e parada cardiorrespiratória, que ocasionou a intubação
orotraqueal (IOT), passagem de cateteres centrais que posteriormente evoluiu
para traqueostomia (TQT) e necessidade de terapia dialítica, tipo PRISMA, 3
vezes/semana por 42 dias (Tabela 1).
Sr. José, inicialmente com o cognitivo preservado – Glasgow 15 –
autônomo e dependente parcial nas AVD e AIVD, necessitava de bengala fixa
de um ponto, no entanto, após o processo de internação, necessitou de
traqueostomia e terapia dialítica tipo PRISMA, apresentando-se instável no
componente respiratório (troca de oxigênio e excesso de secreções), o que
impossibilitou o uso de válvula de fala.
A Tabela 1 apresenta os achados que marcaram cada período de acordo
com as perdas funcionais.

Tabela 1 Apresentação temporal das perdas funcionais no processo de adoecimento


Datas Diagnósticos Pioras funcionais Condutas terapêuticas ocupacionais
1ª Erisipela em Oscilação/rebaixamento de Solicitação da equipe multidisciplinar para
semana MMII nível de consciência, fadiga acompanhamento do serviço de TO.
de julho bilateral, ICC, muscular e respiratória, Avaliação institucional de TO. Levantamentos
IRpA dependência total para as psicossociais e funcionais prévios
AVD e AIVD
2ª Rebaixamento Piora progressiva e global, Posicionamento funcional no leito. Cuidados
semana do nível de necessitando de IOT e com agravos de deformidades
de julho consciência, sedação. Ausência de musculoesqueléticas. Conversa com equipe
parada resposta multidisciplinar
cardiorres-
-piratória e
IOT
3ª e 4ª IOT, sedação Rigidez articular, dor, edema Avaliação de sensibilidade com
semanas e uso de global, hipotrofismo global, monofilamentos. Cuidados com edemas de
de julho drogas hipoestesia de MMSS e MMSS. Avaliação de edema de MMSS.
vasoativas MMII e Síndrome do Avaliação cognitiva. Posicionamento
Imobilismo. Oscilação de funcional no leito. Medidas para prevenção de

258
RASS-2 e RASS-1 deformidades musculoesqueléticas
5ª TQT, edema Oscilação cognitiva, fadiga Avaliação da necessidade de órtese para
semana global, muscular, limitação de membros superiores e inferiores. Avaliação e
de julho erisipela em coordenação motora fina e análise do uso CAA. Estímulos cognitivos.
a 1ª MMII grossa, déficit de força Massagem retrógrada em MMSS e MMII.
semana bilateral, ICC, global, edema global, Hidratação de MMSS. Alongamento de
de IRpA e IRA deformidades em garra de MMSS. Treino e estímulos sensoriais global e
agosto quirodáctilos bilateral, dor em MMSS e MMII. Posicionamento funcional
em ombro esquerdo, sacral e no leito – Cuidados com lesão de pele
MMII quando
movimentados. RASS-3

2ª a 5ª Delirium Agitação, desatenção, Treino do uso de CAA – cartões, placas e


semana hipoativo, desorganização motora e tablet. Estímulos cognitivos. Massagem
de TQT e cognitiva, totalmente retrógrada em MMSS. Hidratação de MMSS.
agosto agitação dependente funcionalmente Alongamento de MMSS. Treino de
psicomotora coordenação motora fina e grossa. Treino e
estímulos sensoriais de MMSS e MMII.
Posicionamento funcional no leito – Cuidados
com lesão de pele. Medidas de controle de
delirium ambiental. Mobilização de MMSS
AIVD: atividades instrumentais de vida diária; AVD: atividades de vida diária; CAA: comunicação
aumentada e alternativa; ICC: insuficiência cardíaca congestiva; IOT: intubação orotraqueal; RASS:
Richmond Agitation Sedation Scale; IRA: insuficiência renal aguda; IRpA: insuficiência respiratória
aguda; MMII: membros inferiores; MMSS: membros superiores; TO: terapia ocupacional; TQT:
traqueostomia.

TÉCNICAS E RECURSOS UTILIZADOS


O desenvolvimento das sessões da TO ocorreu na UTI adulta, com a
frequência de 3 atendimentos/semana, com duração média de 45 minutos.
Foram realizados 27 atendimentos entre julho e agosto de 2018, sempre no
horário da manhã, de acordo com a rotina hospitalar. Cada fase (semanas de
atendimentos) foi dividida em 3 partes, descritas a seguir.

Fase inicial (1ª a 4ª semana de julho) – Período de instabilidade


hemodinâmica
4. 1ª parte: avaliação e acompanhamento clínico do paciente e verificação das
drogas e dispositivos invasivos.
5. 2ª parte: conversa com equipe multidisciplinar para alinhamento de condutas.
6. 3ª parte: hidratação e massagem retrógrada de MMSS e MMII, estímulos
sensoriais e posicionamento funcional no leito.

259
Fase intermediária (5ª semana de julho a 1ª semana de agosto) – Paciente em
traqueostomia recente
1. 1ª parte: atividades para estimulação cognitiva, avaliação e análise do uso
tecnologia para CAA e criação de vínculo.
2. 2ª parte: avaliação da necessidade de órtese para MMSS, goniometria de MMSS
(punhos, cotovelos e ombros), avaliação sensorial (monofilamentos de Semmes-
weistein), realização de alongamento, estimulação sensorial de MMSS
utilizando atividades psicomotoras com bolas e cones de diferentes tamanhos,
cores e texturas, massagem retrógrada e hidratação de MMSS.
3. 3ª parte: posicionamento funcional no leito ou poltrona, junto com a fisioterapia
e enfermagem. Cuidados com lesão de pele, medidas de controle de delirium
ambiental (cuidados com luminosidade do ambiente, excesso de barulhos de
televisores e cuidados com decúbito do paciente no leito) e validação dos
desejos do paciente para o próximo atendimento.

Fase final (2ª a 5ª semana de agosto) – Paciente em traqueostomia


1. 1ª parte: atividades para estimulação cognitiva (cartões com imagens
hospitalares e placas de CAA, tipo Pecs), criação de vínculo, com a valorização
dos interesses e desejos do paciente e treino do uso de tecnologia para CAA
com o uso do tablet. Salienta-se que, neste momento, era abordado o
conhecimento e a consciência do Sr. José acerca da sua situação de saúde e suas
preocupações.
2. 2ª parte: massagem retrógrada e hidratação de MMSS. Alongamento de MMSS.
Treino de coordenação motora fina. Treino e estímulos sensoriais de MMSS e
MMII com uso de atividades psicomotoras por meio de bolas e cones de
diferentes tamanhos, cores e texturas e que emitiam sons e ruídos.
3. 3ª parte: posicionamento funcional no leito e em poltrona , junto com a
fisioterapia e enfermagem. Cuidados na prevenção de lesão de pele, medidas de
controle de delirium ambiental através de controle da luminosidade do
ambiente, eliminação do excesso de barulhos de televisores, cuidados com
decúbito do paciente no leito – sempre acima de 30º e colocação de placas
temporais no leito, ganho de movimentação de MMSS e estímulos a
cinesioatividade de vestuário.

Nesta fase, ao final das sessões, ocorreram encontros com a equipe


multidisciplinar para discutir e apresentar os achados durante os atendimentos
com a TO.

260
Ressalto que todos os objetos utilizados como recurso terapêutico, eram
passíveis de limpeza, segundo normas institucionais.

RESULTADOS E DISCUSSÕES
Por meio das atividades propostas e recursos utilizados, foram observados
benefícios para retomada da função dos MMSS, favorecimento e facilitação
da comunicação do paciente com a equipe multiprofissional. Foi possível
acompanhar as oscilações cognitivas, seja pelo risco de delirium ou pelas
drogas utilizadas para sedação.
O método de massagem retrógrada favoreceu, em média, diminuição de 4
cm de edema de MMSS, sendo aferido pela técnica de medida em 8 com fita
métrica, propiciando melhora na movimentação dos membros massageados e
diminuindo o risco de lesão de pele por posicionamento.
Houve melhora significativa da amplitude de movimento (ADM) aferida
com o uso da goniometria para MMSS, obtendo-se os seguintes resultados:
Ombro: ganho de flexão 135° MSD e 120° MSE; e extensão 20° MSD e 18°
MSE.
Cotovelo: ganho de flexão 110° MSD e 100° MSE; e extensão 110° MSD e
105° MSE.
Punho: ganho de flexão 80° MSD e 70° MSE; e extensão 65° MSD e 60° MSE.
Ressalta-se que, inicialmente, a ADM de MMSS, no geral, foi muito
próxima ou igual a 0°, sendo o paciente destro, possivelmente isso pode ter
auxiliado os valores de MSD chegarem mais próximos ao ideal.10
Os estímulos sensoriais foram realizados com atividades psicomotoras
usando bolas e cones de diferentes tamanhos, cores e texturas e que emitiam
sons, sendo possível identificar a melhora na percepção e retomada dos
sentidos de tato, visão e audição. A avaliação sensorial, utilizando
monofilamentos de Semmes-Weistein, mostrou que, no início, foi identificada
a ausência de resposta em MMSS e, ao final, resposta em MMSS de cor
violeta 2 g (sensibilidade protetora diminuída na mão) e MMII vermelho 300
g (permanece apenas a sensação de pressão (circular), explicada pela presença
de erisipela bilateral.11

261
Os aspectos cognitivos mostram melhora na atenção de curta e longa
duração e concentração durante as atividades, sendo que o MEEM inicial foi
7 e, ao final, 22, apresentando dificuldades em lembrar o dia da semana,
horas, cálculo e cópia de pentágono, alcançado melhoras nos valores inicial e
final. Salienta-se que a dificuldade na coordenação motora fina influenciou a
execução do teste.
Em relação à funcionalidade, os valores iniciais de MIF foram de 29 e
finais 51, demostrando grave dependência. No entanto, observa-se melhora
funcional, principalmente nos aspectos cognitivos, já que a pontuação total
varia de 18 a 126.12
Em relação às AIVD, inicialmente 0 e, ao final, 3 (melhora nos aspectos
uso do telefone – celular, conversa por vídeo e início da ação de digitação,
responsabilidade sob medicações e manejo do dinheiro).14
O uso de recursos de tecnologia para comunicação facilitou os treinos e os
estímulos cognitivos, favoreceu a comunicação com a equipe
multiprofissional, sanando anseios, preocupações e dúvidas sobre o processo
de hospitalização do paciente. Destaca-se que a literatura ressalta que, muitas
vezes, o idoso não se sente parte integrante do espaço onde vive, perdendo
assim sua individualidade.15
É plausível concluir que, após a intervenção com o Sr. José, ele retomou
boa parte de sua autonomia, pois apesar da comunicação verbal estar
prejudicada pela traqueostomia, o recurso de CAA tornou-se um facilitador na
socialização, no aproveitamento das vivências e na criação de vínculo entre
paciente-terapeuta e paciente-equipe multidisciplinar.
Percebe-se que a atuação da TO com o idoso traqueostomizado grave é
fundamental, pois esta profissão tem como objetivo resgatar e manter
autonomia, independência e qualidade de vida e também promover
socialização. Conclui-se que, por meio dos atendimentos precocemente na
UTI, minimizam-se as chances de agravos funcionais para a retomada das
AVD intra e extra-hospitalares, bem como favorece a comunicação entre
paciente e equipe multidisciplinar. Acredita-se que, por estas vivências, a UTI
em questão foi positivamente impactada.

262
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Marques IR, Souza AR. Technology and humanization in critical care
environments. Rev Bras Enferm. 2010;63(1):141-4.
2. IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. 2018. Disponível em <
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-
noticias/noticias/20980-numero-de-idosos-cresce-18-em-5-anos-e-ultrapassa-30-
milhoes-em-2017>. Acessado em 01 de fevereiro de 2019.
3. Michel T. A vivência em uma instituição de longa permanência: significados
atribuídos pelos idosos. Dissertação (Programa de pós-graduação em
Enfermagem) Curitiba: Universidade Federal do Paraná; 2010. 149f.
4. Paganin A, Menegat P, Klafke T, Lazzatotto A, Fachinelli TS, Chaves IC, et al.
Implantação do diagnóstico de enfermagem em unidade de terapia intensiva:
uma análise periódica. Rev Gaúcha Enferm. 2010;3(2):307-13.
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reabilitação física e contextos hospitalares: fundamentos para a prática. In: De
Carlo MMRP, Luzo MCM. (orgs.). Terapia ocupacional: reabilitação física e
contextos hospitalares. São Paulo: Roca ; 2004. p. 3-28.
6. Mathews MM, Tipton-Burton M. Contextos de tratamentos. In: Pedretti LW,
Early MB. Terapia ocupacional: capacidades práticas para as disfunções físicas .
5 . ed. São Paulo: Roca ; 2005. p.31-41.
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www.assistiva.com.br/tassistiva.html. Acess em: 20/12/2018.
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Monitoring sedation status over time in ICU patients: the reliability and validity
of the Richmond Agitation Sedation Scale (RASS). JAMA; 2003. 289:2983-
2991.
9. Drummond JP. Dor aguda: fisiopatologia, clínica e terapêutica. São Paulo:
Atheneu, 2000.
10. Pasqual MA. Manual de goniometria. 2. ed. Barueri: Manole; 2003. p.1627-6.
11. Moreira D, Alvarez RRA. Utilização dos monofilamentos de Semmes-Weinstein
na avaliação de sensibilidade dos membros superiores de pacientes hansenianos
atendidos no Distrito Federal. Hansenol Int. 1999;24(2):121-8.
12. Linacre JM, Heinemann AW, Wright BF, Granger CV, Hamilton BB. The
structure and stability of the Functional Independence Measure. Arch Phys Med

263
Rehabil. 1994;75:127-32.
13. Katz S, Ford AB, Moskowitz RW, Jackson BA, Jaffe MW. Studies of illness in
the aged – The Index of ADL: a standardized measure of biological and
psychosocial function. JAMA. 1963;185:914-9.
14. Lawton MP, Brody EM. Assessment of older people: self-maintaining and
instrumental activities of daily living. Gerontologist. 1969;9:179-86.
15. Ximenes MA, Côrte BA. Instituições asilares seus fazeres cotidianos: um estudo
de caso. Estudos Interdisciplinares sobre o Envelhecimento. 2007;11:29-52.

264
26 Atuação da terapia ocupacional em caso de
complicações do diabetes melito
Luma Carolina Câmara Gradim

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-PRÁTICA
O diabetes melito (DM) é considerado uma das linhas de cuidado da saúde
pública. O tratamento da pessoa com DM tem como objetivo o controle
metabólico e a prevenção das complicações associadas, levando em
consideração o grau de risco para cada pessoa. A base do tratamento e da
prevenção de complicações consiste no estímulo à adoção de hábitos de vida
mais saudáveis, quase sempre acrescido de tratamento farmacológico.1
Uma das complicações associadas ao DM é a retinopatia diabética. Esta
complicação pode decorrer do mau controle da glicemia e afeta a área dos
olhos, com sintomas que variam de uma mancha escura na visão até cegueira.
Outras complicações que podem estar associadas ao DM são o infarto e o
acidente vascular cerebral (AVC), provocados por problemas
cardiovasculares presentes em pessoas com a doença.1
Nos seres humanos, a compreensão da realidade depende em grande parte
da informação visual. A visão é um dos sentidos em que a integração
sensóriomotora é mais observada, em virtude da associação de movimentos
oculares com o meio, os objetos e o ambiente. A perda da capacidade visual
pode causar problemas psicológicos, sociais, econômicos, funcionais e de
qualidade de vida, além de provocar perda de autoestima, autonomia e
restrições ocupacionais.
A aprendizagem por meio de um sistema visual alterado, embora se
produza mais lentamente ou mesmo adaptada, segue o mesmo processo de
desenvolvimento que um sistema visual normal, sendo fundamental o
estímulo e as adequações diárias durante atividades do cotidiano. A

265
potencialidade de cada indivíduo para aprender a interagir em diferentes
condições, em seu meio familiar ou em seu ambiente social, pode ser
estimulada ou inibida pela atitude das pessoas que o rodeiam e pelos
estímulos recebidos.2
Entretanto, a reformulação da rotina e de novas atividades que realmente
façam sentido frente às mudanças que ocorrem pode ser um processo
desafiador, principalmente para os que já estão na fase da velhice, ou seja, de
alterações ocupacionais naturais. Além disso, com a deficiência visual e as
dificuldades motoras também associadas a um AVC, essa participação pode
ser ainda mais dificultosa. Assim, a terapia ocupacional (TO) considera as
necessidades singulares de cada pessoa e em cada fase do ciclo de vida, a
partir do desenvolvimento de potencialidades por meio de habilidades
pessoais, adequações ambientais, desempenho em atividades de vida diária
(AVD), autoestima e satisfação no viver, considerados pré-requisitos para
uma vida saudável.4

DESCRIÇÃO DO CASO
Sr. Carlos, nascido em 1955 (62 anos no momento do início do
atendimento), casado, aposentado, tem dois filhos, nasceu no interior do
estado de Minas Gerais e mora desde 1990 em São Paulo. Durante toda a sua
adolescência e vida adulta, trabalhou muito, exercendo diversas funções,
como marceneiro, segurança e comerciante. Além disso, sempre gostou de
pescar, ir às missas, ler, caminhar pelo bairro e praticar esportes,
principalmente judô.
No ano de 1976, aos 21 anos de idade, recebeu o diagnóstico de DM.
Continuou trabalhando e fazendo todas as suas atividades normalmente. Uma
vez que tinha uma vida bem ativa, não mudou nada em sua rotina, nem
mesmo a sua alimentação, que sempre foi muito livre. Apenas iniciou o uso
de medicamentos orais para o tratamento da DM.
Em 1999, aos 44 anos, sofreu uma das complicações da diabetes, a
retinopatia diabética, com perda total da visão. Em razão dessa perda, ele se
afastou do trabalho, recebeu todo cuidado e ajuda da esposa e família, mas
continuou realizando outras atividades, como fazer suas caminhadas pelo

266
bairro, ir à padaria ou à lotérica, ajudar na casa, cuidar dos filhos e se cuidar.
O que mudou significativamente foi que, em todas as atividades que realizava
antes, agora necessitava do auxílio de uma bengala.
Sr. Carlos, mesmo com a deficiência visual e o uso da bengala, continuou
fazendo as suas AVD. Aposentou-se, começou a frequentar uma academia
para deficientes visuais, andava sozinho por todo o bairro onde morava,
utilizava transportes públicos e, após a retinopatia, começou a cuidar melhor
da sua alimentação e saúde.
Em 2005, Sr. Carlos estava em um serviço médico quando passou mal.
Sofreu um infarto do miocárdio e logo foi internado e levado para a cirurgia,
onde passou pelo procedimento de cateterismo cardíaco para desobstrução da
via que estava comprometida. Ficou um tempo em observação e logo voltou
para casa.
A rotina pós-internação foi de maior atenção e cuidado à saúde. Diminuiu a
realização de algumas de suas atividades e desempenhava outras com maior
cuidado e sempre em observação, além de utilizar medicamentos e fazer o
acompanhamento médico sempre que possível.
Em 2008, com 53 anos de idade, o Sr. Carlos estava em uma viagem com a
esposa e, ainda no ônibus, teve uma crise de hipoglicemia. Assim que
chegaram na cidade, foi prontamente internado e diagnosticado com acidente
vascular cerebral (AVC) isquêmico. Por isso, teve hemiparesia no lado
esquerdo do corpo. Saiu da internação na cadeira de rodas e começou a fazer
sessões de fisioterapia, com as quais foi melhorando a força e o movimento
do lado esquerdo do corpo e passou a alternar o uso da cadeira de rodas com o
andador.
Em 2011, sofreu uma parada cardíaca enquanto estava deitado em sua
cama. Foi socorrido inicialmente pela esposa e pela irmã, que era enfermeira,
e logo o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) prestou os
primeiros socorros e o levou para o hospital, onde teve mais um quadro de
internação na unidade de terapia intensiva (UTI).
Durante este período de internação, houve muitas intercorrências e
instabilidades do quadro clínico. Sr. Carlos passou por outra cirurgia com
procedimento de passagem de cateteres com evolução para traqueostomia

267
temporária para desobstrução das vias respiratórias; também apresentou um
quadro de pneumonia, além de problemas constantes de alteração na pressão
arterial.
Por todos esses fatores, o tempo de internação para estabilização do quadro
clínico até a alta foi de aproximadamente 3 meses e, por causa da
imobilização no leito durante a internação, apresentou lesões por pressão nas
regiões lombar, cóccix e ísquios, que foram tratadas por um longo período.
Após a internação, no mesmo ano, o Sr. Carlos estava andando na rua e,
sentindo muito mal-estar e dores, sofreu uma queda. Passou por novos
exames médicos e descobriu uma infecção urinária. Fez o tratamento e
melhorou, mas por insegurança e medo de cair novamente, não voltou a andar
ou fazer uso da bengala, apenas da cadeira de rodas.
A partir de 2012, seu quadro de saúde estabilizou. Apresentou alguns
problemas de saúde recorrentes, entretanto, seguia com acompanhamento
médico e exames regulares. Contudo, desde a última internação, Sr. Carlos
deixou de fazer a maior parte de suas atividades e ocupações, não saía mais de
casa, ficava a maior parte do tempo sentado em sua poltrona, fazia uso
contínuo da cadeira de rodas dentro e fora de casa e tornou-se totalmente
dependente da esposa.
Logo, começou a se queixar de muita dor na região lombar e, com a
indicação de profissionais de saúde, reiniciou a fisioterapia. Também, pelo
aumento de crises depressivas e dependência total, buscou a TO.

AVALIAÇÃO E INTERVENÇÃO DA TERAPIA OCUPACIONAL


Inicialmente, foi realizada anamnese e avaliação[*] geral de todos os
aspectos funcionais e estruturais do paciente. A avaliação do terapeuta
ocupacional deve se basear em um olhar holístico, considerando as
possibilidades do contexto do atendimento. Essa avaliação é aplicada por
meio da anamnese, com a história da moléstia pregressa, história da doença
atual e queixa principal, relatadas pelo paciente e pela esposa. Durante toda
essa conversa com o paciente, já é possível avaliar todos os fatores que
envolvem uma avaliação pelo terapeuta ocupacional, sendo eles: os papéis
ocupacionais; os contextos cultural, social e econômico; as habilidades,

268
dificuldades e necessidades; o ambiente; a doença e suas manifestações; e a
família.
Após essa avaliação inicial, foram avaliadas as habilidades desempenhadas,
as dificuldades e as necessidades do paciente, tanto verbalizadas quanto
observadas.
As observações da TO foram: paciente sedentário, passa a maior parte do
tempo sentado e, para se deslocar, faz uso da cadeira de rodas. Sente-se
inseguro para deambular, por mais que seja apto a tal. Apresenta negligência
parcial do membro superior esquerdo e episódios esporádicos de insuficiência
respiratória. Queixa-se de muitas dores na região lombar e na articulação do
quadril. Realiza a maioria das AVD com dependência da esposa. O ambiente
domiciliar possui barreiras arquitetônicas que dificultam a mobilidade do Sr.
Carlos dentro de sua própria casa. Além do atendimento da fisioterapia e da
TO, participa 1 vez/semana de uma atividade terapêutica em um projeto
social do bairro, em companhia da esposa.
No contexto da TO, identifica-se que esse idoso apresenta limitações na
realização das atividades de vida diária (AVD), permanecendo com o tempo
ocioso e desorganizado, principalmente pela ausência de habilidades para
executar de forma organizada as atividades do cotidiano. A partir desse
entendimento, por causa da deficiência visual e da limitação motora, a TO
pode assistir esta pessoa, que apresenta um “fazer” desestruturado e, assim,
encontrar meios para desenvolver novas habilidades, fazeres e desempenhos
em AVD.3
A partir disso, foi traçado um plano de intervenção terapêutico com análise
de atividades para, juntamente com o apoio da esposa, estimular habilidades
em tarefas do cotidiano desse idoso. O objetivo era proporcionar satisfação,
autonomia, maior independência, menos ociosidade para o dia a dia e maior
utilização do tempo livre para atividades significativas e interessantes para o
paciente, por meio de habilidades motoras, cognitivas e de mobilidade.
Neste capítulo, serão descritas 4 atividades realizadas com o sr. Carlos:
1. Treino de equilíbrio e adequação postural para mobilidade.
2. Treino de mobilidade em cadeira de rodas, andador e bengala.

269
3. Treino de AVD de escovar os dentes usando membro superior e inferior
esquerdo e direito com independência e autonomia.
4. Leitura via audiobook para lazer, estímulos cognitivos e retomada de atividade
com significado.

O primeiro passo sempre era conversar com o paciente sobre as propostas


de atividades e os objetivos, tornando-o ativo no processo terapêutico.
Os atendimentos eram feitos 2 vezes/semana, com a proposta de realizar as
atividades em lugares e ambientes diferentes da casa. As atividades variavam
de acordo com o ambiente. A cada atendimento, era usado um cômodo
diferente, o qual o paciente deveria explorar, usar funções táteis, cognitivas e
físicas para descrever objetos, estruturas da casa e móveis encontrados.
Em todo início de atendimento, o paciente encontrava-se sentado em sua
poltrona de costume; então, no início de cada atividade, conversava-se sobre
alguns episódios recentes da semana do paciente e realizava-se um breve
alongamento de todas as estruturas do corpo. A conversa estimula habilidades
sociais, de comunicação e cognitivas, enquanto o alongamento ajuda na
percepção de estruturas do corpo, amplitude de movimentos (ADM), alívio de
dores, aumento de flexibilidade, adequação e posicionamento postural.

Atividade 1 – Treino de equilíbrio e adequação postural para mobilidade


Esta atividade foi realizada em ambientes da casa como quarto e sala,
principalmente nos primeiros meses das intervenções, a fim de incentivar o
aprendizado dos exercícios com mecanismos cinestésicos, como: perceber,
controlar e aperfeiçoar a posição do corpo no espaço, e realizar ajustes
posturais em diferentes posições.
Posteriormente, após repetidas práticas, com o aprendizado mais
interiorizado, foi orientada a continuidade de treino diário pelo paciente.
Também foram treinadas habilidades de equilíbrio, como: deixar a base de
apoio mais ampla para maior sustentação e menor possibilidade de perder o
equilíbrio, e movimentos de articulações com mudanças posturais durante os
treinos, buscando o controle postural, que tem influência do sistema
vestibular, tátil e cinestésico, para manter o equilíbrio e a orientação da
gravidade.

270
Tais habilidades são mais limitadas na pessoa com deficiência visual. A
lentidão e o atraso para iniciar o movimento podem ser atribuídos à
impossibilidade de usar a visão como estímulo motor, bem como as menores
oportunidades de exploração do ambiente e menor confiança em suas
capacidades.
Por isso, as atividades foram realizadas seguidas de estímulos
proprioceptivos, auditivos e táteis.

Atividade 2 – Treino de mobilidade em cadeira de rodas, andador e bengala


(Figura 1)
No quarto e na sala da casa, foram realizadas atividades de adequação
postural sentado e em pé, bem como treino de transição da posição sentada
para postura em pé, com descarga de peso em ambos os membros inferiores
(MMII) e auxílio de membros superiores (MMSS).
Para os treinos de deslocamento, foram realizadas adaptações ambientais
dos mobiliários. O treino de cadeira de rodas foi realizado em toda a casa,
com comandos e orientações sobre como conduzir a cadeira, girar para direita
e esquerda, além de realizar manobras gerais, práticas que o Sr. Carlos não
conhecia e não realizava, já que a esposa é quem guiava a cadeira de rodas ou
ele utilizava os pés para conduzir e movimentar a cadeira.
Foi realizado treino gradual do uso de andador primeiro, depois bengala
com um guia vidente e bengala sem o guia. Essas atividades tiveram o apoio
de habilidades auditivas, táteis de referência ao espaço e orientação espaço-
tempo.
No treino de deambular com auxílio de andador e bengala, o Sr. Carlos
demonstrou um andar típico de idoso com deficiência visual, ou seja, balanço
lateral do corpo, com tensões em articulações, protrusão do tronco a fim de se
sentir mais estável e, por causa do AVC, inutilidade da mão esquerda.

271
Figura 1 Imagens de treino em cadeira de rodas, andador e bengala. Fonte: arquivo próprio
da autora.

A partir dos treinos posturais e de equilíbrio, além de estímulos auditivos e


proprioceptivos durante todas as atividades, houve melhora da adequação
postural, no equilíbrio e na diminuição do balanceio corporal.
Além disso, a utilização dos membros do lado esquerdo foi estimulada o
tempo todo, para orientação tátil do espaço e objetos do ambiente, bem como
para equilíbrio postural.

Atividade 3 – Treino de AVD usando membro superior e inferior esquerdo e


direito com independência e autonomia
No banheiro, foi treinada a AVD de escovar os dentes. Anteriormente à
intervenção da TO, pela dificuldade de acesso aos objetos, inadequação dos
designs dos objetos para a atividade e falta de prática, a esposa realizava as
funções de pegar os objetos, passar o creme dental na escova de dente e
entregar para o Sr. Carlos. Então, ele apresentava apenas a função de escovar
os dentes. Além disso, a esposa também pegava a toalha (que ficava em um
suporte perto da porta e longe da pia do banheiro), abria e fechava a torneira
nos momentos necessários e, ao final da atividade, guardava todos os objetos
de volta (Figura 2).

272
Figura 2 Imagens dos suportes de escova de dente e toalha. Fonte: arquivo próprio da
autora.

Foi observada a ação da atividade pela terapeuta ocupacional e, após


coletar os dados de habilidades e necessidades para o desempenho desta
atividade, a profissional propôs o uso de adaptações, fez simulações com
sugestões, ouviu as ideias do paciente com relação aos possíveis novos locais
para os suporte e métodos/design para facilitar a realização da atividade
(Figura 3).

273
Figura 3 Imagens das adaptações realizadas. Fonte: arquivo próprio da autora.

Com adaptações industrializadas, de baixo custo, fácil acesso e disponíveis


no comércio, a terapeuta ocupacional reestruturou a atividade, colocando as
adaptações (analisadas anteriormente para a execução da atividade) em locais
de fácil acesso, com alcance da escova, pasta de dente e toalha, no qual o Sr.
Carlos pudesse pegar e guardar os objetos e, com treino diário desta AVD,
pôde realizar sozinho esta atividade.
Os suportes da toalha, de escova de dente e creme dental adaptados para o
Sr. Carlos possuem um design que facilita o encaixe e a retirada dos objetos.
Os suportes foram avaliados e analisados para favorecer a busca tátil e o
alcance manual pelo paciente.
Vale ressaltar que o banheiro teve as adaptações realizadas, mas não deixou
de conter o suporte de toalha e o de escova de dente da esposa.

Atividade 4 – Leitura via audiobook para lazer, estímulos cognitivos e


retomada de atividade com significado
Sr. Carlos é um homem que viajou muito pelas regiões do Brasil. Sempre
apresentou muita curiosidade sobre assuntos como política, geografia e
história de seu país. Fazia perguntas e puxava conversa sobre esses temas
sempre que possível, além de contar sobre suas trajetórias pelo Brasil.
Em uma das intervenções, relatou interesse em ler um livro. Então, a
terapeuta ocupacional procurou instituições e os meios mais adequados ao
contexto do paciente para essa atividade.
O paciente utilizava um rádio antigo com entrada para CD, a qual foi
testada e funcionava perfeitamente, sendo necessário apenas um ajuste de
adaptação em um dos botões (play/pause) com relevo em EVA e treino da
atividade.
A Fundação Dorina Nowill para Cegos oferece exemplares de livros em
formato audiobook via CD. O serviço para envio dos CD é todo realizado via
correio sem taxa de pagamento. Após o contato e o cadastro na fundação, ele
recebeu uma lista com mais de 500 exemplares disponíveis e, juntamente com
a TO, selecionou 10 mais interessantes de início.

274
A fundação enviava até 3 CD por vez, e o Sr. Carlos sempre escolhia novos
livros para ouvir. Independentemente do nível de satisfação com o livro,
histórias, personagens e acontecimentos sempre eram usados para
desenvolvimento das habilidades.
A atividade não era realizada junto com a terapeuta. O paciente ouvia os
livros sempre que desejava durante sua rotina diária.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O olhar holístico individualizado da TO no contexto de idosos com
complicações de saúde e o entendimento de avaliar habilidades e
necessidades do paciente em diversos contextos ocupacionais fazem a
diferença em casos como o do Sr. Carlos.
A possibilidade de gerar oferta de facilidades para a esposa, que exercia a
função de cuidadora, melhora sua condição de realizar o cuidado ao seu
marido, ao mesmo tempo em que contribui para a qualidade de vida e saúde
dela. Ainda que este não fosse o objetivo final da intervenção, ele faz parte do
cuidado integral para melhora da participação e desempenho do idoso,
contribuindo para melhora da autonomia do Sr. Carlos e minimizando a
exigência do cuidador informal.
As quedas, para os idosos, podem ser muito graves, dificultando o
envolvimento em atividades de mobilidade. O terapeuta ocupacional deve
saber conduzir, orientar e auxiliar nas intervenções clínicas, melhorando a
segurança com atividades gradativas e a confiança na potencialidade de
realização. Por isso, é preciso que o profissional conheça as funções e as
estruturas do corpo, as habilidades e as dificuldades do paciente e os
estímulos corretos para cada atividade. A falta de conhecimento pode levar a
uma má condução e execução do exercício, ser frustrante para o paciente e
causar maiores complicações ao caso clínico.
Especificamente neste caso de idoso com deficiência visual e paralisia de
membros esquerdos decorrente de AVC, os atendimentos com a TO são
contínuos e progressivos, com adequações de tecnologias assistivas, treinos
em AVDs, prevenção de deformidades, manutenção do estado de saúde e sem
previsão de alta.

275
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Borges DB, Lacerda JT. Ações voltadas ao controle do Diabetes Mellitus na
Atenção Básica: proposta de modelo avaliativo. Saúde Debate.
2018;42(116):162-78.
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vidente e do não vidente. Aberto. 1993;13(60).
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aposentadoria: construção de espaços saudáveis. Mundo Saúde. 2009;33(2):246-
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4. Hahn MS. Promoção de saúde e terapia ocupacional. Rev Cent Estud Terap
Ocup. 1995;1(1):10-3.

* Obs.: durante a avaliação inicial, é possível e aconselhável que o terapeuta ocupacional,


só pela observação, consiga coletar vários dados da avaliação concomitantemente, para não
prolongar o atendimento e cansar o paciente. Por isso, é importante que o terapeuta esteja
sempre atento durante toda a avaliação.

276
27 A terapia ocupacional e a lesão do plexo
braquial
Cristina Yoshie Toyoda
Camila Boarini dos Santos

INTRODUÇÃO
Este capítulo visa a descrever a atuação da terapia ocupacional no contexto
hospitalar com um paciente idoso com lesão do plexo braquial. Este trabalho
foi proposto por alunos do 4º ano de terapia ocupacional e pelas supervisoras
terapeutas ocupacionais. Foi realizado em um ambulatório de um hospital de
uma cidade do interior paulista, a fim de desenvolver ações que permitiram
promover autonomia, independência e qualidade de vida de um idoso com
lesão de plexo braquial.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A lesão do plexo braquial é uma das lesões nervosas mais graves que pode
ocorrer nos membros superiores, pois pode acometer os movimentos e a
sensibilidade de maneira temporária ou permanente.1 O plexo braquial é
formado pelas raízes C5, C6, C7, C8 e T1, podendo também receber
contribuições de C4 e T2. Como tem relação anatômica com as estruturas
móveis do pescoço e do ombro, as forças aplicadas na região contribuem para
sua vulnerabilidade, tais como estiramentos em casos de acidentes de
trânsito.2-4 Importante ressaltar que a ausência de proteção óssea e muscular
na região pode levar à lesão por ferimentos perfurantes na área.3
No Brasil e também em outros países, a incidência correta das lesões de
plexo braquial é desconhecida e o sistema de saúde, no caso brasileiro, é falho
para o tratamento ou referência em tempo hábil.3,4

277
A lesão do plexo braquial pode causar incapacidades e afetar a participação
social e a realização das atividades da pessoa afetada,5,6 pois alguns
movimentos não são realizados em virtude do comprometimento dos nervos,
o que contribui para a dificuldade em realizar diversas atividades, incluindo
as atividades de vida diária (AVD).5
Gonzalez-Más7 refere que há 7 pontos fundamentais para a reabilitação da
lesão do plexo braquial:
1. Alinhamento postural adequado para evitar estiramentos musculares excessivos.
2. Melhora da circulação na área mediante movimentação passiva de todas as
articulações.
3. Manutenção dos limites angulares de todas as articulações.
4. Conscientização passiva do movimento para reconhecimento das sensações
proprioceptivas.
5. Manutenção do potencial dos músculos não afetados que poderão ser
compensatórios das regiões afetadas.
6. Intervenção o mais precoce possível para obtenção da contratura dos músculos
paralisados por meio de técnicas específicas como reeducação neuromuscular,
movimentos reflexos, estabilização, anulação de resistências, busca de ângulos
eficazes de trabalho por meio de atenção e concentração focados nos
movimentos executados.
7. Prevenção de lesões em áreas com perdas sensoriais por meio de orientações
para que o paciente evite queimaduras, ferimentos, pressões na pele etc.

Segundo a Associação Americana de Terapia Ocupacional (AOTA),8 as


AVD são atividades orientadas para o cuidado do próprio corpo e podem ser
chamadas de atividade básica da vida diária (ABVD) e atividades pessoais da
vida diária (APVD). De acordo com Christiansen e Hammecker, são
“fundamentais para viver no mundo social, pois elas permitem a
sobrevivência básica e o bem-estar”.9
As AVD podem ser afetadas nas pessoas com lesão do plexo braquial
porque, em razão de perda de força, alterações de sensibilidade, subluxação
de ombro e dores fortes no membro atingido, ocorre uma dificuldade de
readaptação à nova rotina.5,6
Em virtude das alterações estruturais, funcionais, emocionais e do
comprometimento no desempenho ocupacional que a lesão do plexo braquial
pode causar, o terapeuta ocupacional (TO) é um dos profissionais que pode

278
compor a equipe para o tratamento,10-12 pois a terapia ocupacional é uma área
da saúde que visa à construção ou à reconstrução de hábitos e/ou ocupações
humanas, que não são mais realizadas no dia a dia, mas que o indivíduo
gostaria de realizar.13
O TO verifica se a amplitude de movimento articular disponível possibilita
o desempenho de atividades de cuidados pessoais, atividades produtivas e
vocacionais, de lazer e sociais.6,14 Portanto, o terapeuta examina a amplitude
de movimento (ADM) disponível e determina as limitações que afetam a
função, as que podem produzir deformidade, avalia se há necessidade de uso
de órtese, aparelhos de assistência ou ambos, estabelecendo objetivos para o
tratamento e selecionando as modalidades de tratamento adequadas, como
técnicas de posicionamento e outras estratégias para diminuir as limitações.14
Este profissional é apto a realizar adaptações e/ou modificações no
ambiente, na tarefa ou no método, que objetivam a maximização da
funcionalidade e o maior grau de independência possível no desempenho da
atividade significativa para o indivíduo.6
Desta forma, justifica-se a relevância deste estudo, entendendo que atuação
do TO com este público é imprescindível para a promoção da independência e
autonomia no desempenho das AVD.
Portanto, este capítulo busca relatar a atuação da terapia ocupacional com
um paciente com lesão do plexo braquial em um contexto ambulatorial.

CONTEXTO DA INTERVENÇÃO TERAPÊUTICA


A intervenção ocorreu em um contexto hospitalar com um paciente idoso
com lesão do plexo braquial. As atividades foram realizadas em um
ambulatório localizado em uma cidade de porte médio, no interior do Estado
de São Paulo. O ambulatório situa-se em um hospital, no qual são ofertados
serviços de terapia ocupacional na área de neurologia.
Entre a população atendida no ambulatório, encontram-se pessoas com
acidente vascular cerebral (AVC), esclerose múltipla, traumatismo
craniencefálico, lesão do plexo braquial, entre outras patologias. O hospital
possui convênio com uma universidade pública e recebe estudantes do 4º ano
do curso de graduação em terapia ocupacional, sendo a equipe do ambulatório

279
composta por esses estudantes e pela supervisora; entretanto, o ambulatório
recebe, quando necessário, apoio de médicos, equipe de enfermagem e do
setor de fisioterapia.
Os atendimentos terapêuticos ocupacionais tiveram como finalidade a
reabilitação deste paciente idoso, além da formação dos estudantes para
trabalhar neste contexto e refletir sobre a possibilidade de oferecer o
desenvolvimento das habilidades motoras necessárias nos diferentes contextos
nos quais o paciente está inserido.
É fundamental destacar que as necessidades são singulares a cada paciente,
porém, acredita-se que a experiência apresentada pode ser utilizada como
base para futuras intervenções e implementação de serviços.

DESCRIÇÃO DO CASO E INTERVENÇÃO TERAPÊUTICA


OCUPACIONAL
Fernando tem 64 anos, apresenta diagnóstico de lesão do plexo braquial do
membro superior direito com compressão na medula espinal nos níveis C3-C4
e C6-C7. Reside no interior do Estado de São Paulo com sua esposa.
Em janeiro de 2017, durante o banho, o paciente sofreu uma queda e
quebrou o box de vidro, cujos estilhaços causaram a lesão do plexo braquial
no membro superior direito.
Há 6 meses, realizava atendimento de fisioterapia, 2 vezes/semana, em um
Centro Especializado de Reabilitação II, vinculado a uma universidade
pública, e foi encaminhado para o serviço de terapia ocupacional, onde
recebeu atendimento 1 vez/semana, de julho de 2017 a setembro de 2018.
Em avaliação terapêutica ocupacional, observou-se que Fernando
apresentou dificuldade na ADM do membro superior direito, o que limitava a
realização das atividades e, consequentemente, resultava em dores
musculares, decorrentes do mau posicionamento na realização, além de
sensibilidade diminuída na mão direita.
Fernando é um idoso ativo e independente que, durante a semana, realiza
diversas atividades: participa de um coral para pessoas da terceira idade,
pratica vôlei adaptado, faz sauna, atua como treinador de futebol amador.

280
Após a lesão do plexo braquial, o paciente continuou a realizar todas as
atividades, entretanto, relatou estar com dificuldades na escrita.
Foi aplicada a Medida Canadense de Desempenho Ocupacional (COPM),
um instrumento de medida de resultados capaz de mensurar o efeito de uma
intervenção para um indivíduo. É um teste padronizado que requer métodos
para a pontuação do instrumento e foi construída para ser utilizada por TO. A
COPM é realizada por meio de entrevista semiestruturada, permitindo que o
sujeito identifique qualquer atividade de importância que seja de difícil
execução no contexto de adoecimento, tendo a prática centrada no cliente.15-18
Quando aplicado este instrumento a Fernando, ele atribuiu uma nota 6 para
seu desempenho na atividade de escrita. O paciente relatou ser destro e, por
causa da lesão, apresentou dificuldade para realizar esta atividade. A partir
desta constatação, o plano de intervenções foi estruturado para que o paciente
atingisse melhora no desempenho dessa atividade.
Foi confeccionada uma órtese de termoplástico para posicionamento
funcional do membro superior durante repouso, com necessidade de realizar
alguns ajustes a fim de evitar pontos de pressão e desvio radial.
Os atendimentos foram focados no fortalecimento da musculatura do
membro superior direito, alongamentos, mobilização passiva, flexão e
extensão de punho e dedos, dissociação de dedos, estereognosia, coordenação
motora global, fina e visuomotora e treino da escrita, por meio de um caderno
de caligrafia. Materiais como massa terapêutica, power web, engrossador de
caneta, recursos com diferentes texturas, halteres, thera band, entre outros,
também foram utilizados.
O paciente, ao relatar dificuldade para se enxugar após o banho, recebeu
uma toalha adaptada para auxiliá-lo a ser independente na higiene corporal.
A reavaliação do teste de sensibilidade ocorreu com o uso de
monofilamento de Semmes-Weinstein, um instrumento de avaliação da
sensibilidade tátil feito com um estesiômetro de náilon, que deve ser aplicado
suavemente em cerca de 5 pontos de pressão de mãos e/ou pés de pessoas que
tenham possíveis lesões nos nervos.
Após 9 meses do início do tratamento no ambulatório de terapia
ocupacional, observou-se uma melhora significativa na sensibilidade de

281
Fernando, visto que, na primeira avaliação, o paciente não identificou nenhum
monofilamento e, na segunda avaliação, conseguiu identificar todos eles,
porém, apresentou dificuldade no monofilamento de cor roxa em alguns
pontos da mão, ou seja, dificuldade no reconhecimento de formas e
temperatura. Quando questionado se conseguia diferenciar as temperaturas,
Fernando relatou ter dificuldades para identificar objetos, utensílios etc. que
estivessem com temperatura alterada. Para isto, foi realizado com o paciente a
terapia de banhos de contraste, que lhe possibilitaram voltar a identificar as
temperaturas.
Além da escrita, durante os atendimentos, o paciente apresentou queixa em
relação à atividade de se alimentar, pois estava com dificuldades para cortar
os alimentos. Junto com o programa de intervenção, foram confeccionados
engrossadores universais para que ele pudesse utilizar na caneta e na faca.
Junto a estes recursos, foi proposto novamente um plano de fortalecimento
muscular, visto que, em avaliação com o dinamômetro Jamar, o paciente
apresentou força no membro superior direito de 20 kg e no membro superior
esquerdo (membro não dominante), cerca de 40 kg.
Após isso, Fernando demonstrou-se satisfeito e relatou estar tendo sucesso
na realização das atividades. Sua melhora física e funcional foi comprovada
na apresentação do coral em que participa, durante um evento científico de
terapia ocupacional, ocorrido no corrente ano. O paciente tocava um triângulo
com as duas mãos, fez o acompanhamento rítmico de todas as músicas, sem
aparentar nenhuma dificuldade na execução do instrumento, e demonstrou
estar plenamente inserido no grupo.
Em geral, a atuação do TO na reabilitação com o Fernando, que teve uma
lesão no plexo braquial, possibilitou o desenvolvimento de novas habilidades,
melhorias em atividades já executadas por meio de adaptações, no
desempenho ocupacional, função manual, em suas AVD e funcionalidade,
retornando às suas atividades cotidianas com independência e,
consequentemente, promovendo uma melhor qualidade de vida.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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284
28 Práticas da terapia ocupacional na reabilitação
de membro superior
Rachel Matos

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-PRÁTICA
O cotovelo é uma articulação importante para a independência funcional e,
se não tratada, pode levar à restrição nas atividades básicas de vida diária
(ABVD). Hotchkiss1 mostra a importância para o tratamento do cotovelo a
fim de evitar sua rigidez, pois a baixa mobilidade restringe a habilidade da
mão no espaço e seu uso para o corpo, desabilitando a função do membro
superior.
A maioria das luxações do cotovelo ocorre por queda com a mão em
extensão e a combinação de força axial aplicada em valgo, e a supinação é
transmitida ao cotovelo. Essa combinação de forças produz a ruptura
sequencial das partes moles, que se inicia no ligamento colateral lateral
(LCL), progride para a cápsula anterior e posterior, até chegar ao ligamento
colateral medial (LCM).2
O complexo ligamentar colateral medial possui fibras anteriores mais
esticadas em flexão e extensão, tendo como função estabilizar o cotovelo em
estresse valgo.3 As fibras posteriores são mais esticadas em flexão, sendo um
estabilizador da articulação ulnoumeral. Esporte como lutas e esporte de
arremesso podem lesionar essas estruturas e também estão associados a
fraturas de coronoide e cabeça do rádio. Uma lesão crônica pode evoluir com
dor e dificuldade em segurar peso.
A cabeça do rádio e o processo coronoide são secundários na estabilização
posterolateral do cotovelo, sendo a cabeça do rádio um estabilizador
secundário para resistir ao estresse em valgo.4

285
Segundo Hotchkiss,1 a tríade terrível é a combinação de luxação do
cotovelo, fratura da cabeça do rádio e fratura do processo coronoide
associadas ao deslocamento posterolateral do cotovelo.

DESCRIÇÃO DE UM CASO DE LESÃO COMPLEXA DE


COTOVELO E A ATUAÇÃO DA TERAPIA OCUPACIONAL
Paciente M.T.B.C., sexo feminino, 66 anos, aposentada, com diagnóstico
de fratura do coronoide, ruptura ligamentar e fratura da cabeça do rádio
decorrente de uma luxação do cotovelo direito.
Em 31 de maio de 2018, a paciente sofreu queda da própria altura, sendo
diagnosticada com luxação instável do cotovelo direito e submetida a reparo
ligamentar dos colaterais, fratura do coronoide, além de colocação de prótese
da cabeça do rádio no dia 1 de junho.
Foi colocado inicialmente um fixador externo por causa da gravidade da
lesão e, no dia 20 de junho, foi confeccionada uma órtese articulada. Em 29
de junho, foi retirado o fixador externo (Figura 1).

286
Figura 1 As órteses para cotovelo fornecem estabilidade, reduzem a força de transmissão
para o local da fratura ou tecido lesionado e permitem que tecido ósseo e estruturas
ligamentares cicatrizem. Fonte: arquivo próprio da autora.

Em 4 de julho, foi iniciada a reabilitação, assim como os cuidados para


controle do edema, controle cicatricial e ganho passivo e ativo-assistido do
movimento. Também foi liberada a flexão livre dentro da órtese e extensão –
30°. A equipe iniciou ultrassom pulsado, calor superficial e massagem,
visando a drenagem do edema e relaxamento muscular para ganho passivo de
amplitude de movimento (ADM). Por ser o primeiro contato e pela gravidade
da lesão, a paciente encontrava-se nervosa, assustada e com medo de sentir
dor. Vale ressaltar que, durante a reabilitação, a dor é um fator indesejado,
ainda mais em um pós-operatório recente. Segundo D’Avila,5 exercícios
ativos são iniciados após a 1ª semana, quando a dor e o edema estão mais
controlados.
Após a cirurgia, a movimentação precoce protegida usando exercícios
ativo-assistivos ou assistidos gravitacionais minimiza a formação de

287
aderência intra-articular, melhora a cicatrização da cartilagem e melhora a
hemodinâmica.
Na mesma semana, após uma melhor confiança na terapia, foi possível
iniciar o movimento de overhead (acima da cabeça) com muita cautela,
evitando o estresse varo/valgo. Segundo Morrey, Askew e An,6 o LCM fica
perto do eixo de movimento do cotovelo; o movimento mantendo o antebraço
em supinação com o cotovelo em flexão protege contra o estresse excessivo
até sua cicatrização.

Figura 2 A tensão no bíceps e no braquial cria uma força vetorial posterior que é
neutralizada pelo processo coronoide e pela cabeça do rádio, criando uma força de reação
conjunta. Fonte: Wolff e Hotchkiss, 2006.7

A paciente é instruída a realizar:


1. Movimentação precoce protegida com o antebraço em supino na posição de
overhead com o ombro flexionado em 90° para reduzir os efeitos da gravidade,
minimizando as forças vetoriais posteriores. Na posição de overhead, o tríceps
pode funcionar como um estabilizador e o ombro é mantido em adução e
rotação externa neutra. O braço não pode passar da linha média.
2. Na posição em supino com o ombro em flexão de 90° e o antebraço em
pronação, é iniciado o movimento de supinação e pronação com cuidado.
Durante o segundo exercício, na mesma posição, flexão e extensão são iniciados
com o antebraço em pronação (Figura 3).6

288
Figura 3 A: overhead protegido com flexão do cotovelo e antebraço em neutro; B:
overhead protegido com extensão do cotovelo e pronação do antebraço; C: overhead
protegido com flexão do cotovelo e supinação do antebraço, uma evolução do exercício.
Fonte: arquivo próprio da autora.

Um recurso muito utilizado é a movimentação passiva contínua (continue


passive motion – CPM) (Figura 4),8-10 que tem vantagens fisiológicas, como
oscilação sinusoidal na absorção da pressão intra-articular do hematoma,
controle do edema, remodelação da cartilagem hialina, reorganização das
fibras de colágeno e melhora da atividade metabólica. É um modelo
específico de tratamento com efeito nos estágios de fibroplasia ou durante a
remodelação em pacientes que apresentam limitação, espasmos musculares,

289
dificuldades de aderir ao uso de órteses e às modalidades terapêuticas e para
ganho da ADM.7

Figura 4 Paciente realizando exercícios com CPM. A: Flexão com supinação. B: Extensão
com pronação. Fonte: arquivo próprio da autora.

Semanalmente, a órtese foi ganhando 10° de extensão conforme a


tolerância da paciente, bem como o aumento da ADM na CPM e na
mobilização passiva e ativa-assistida. Fortalecimento de dedos e punho era
realizado desde a 2ª semana de terapia.
Com 6 semanas de pós-operatório (PO), foi iniciada uma isometria suave
de extensão, e com 2 meses, houve uma progressão do fortalecimento
iniciando a pronossupinação e a flexoextensão. Os exercícios foram iniciados
com carga baixa e de maneira excêntrica. Com 2 meses de PO (6 de agosto), a
órtese articulada foi descontinuada.
Em 15 de agosto, foi confeccionada uma órtese progressiva seriada de uso
noturno. Em 14 de setembro, a CPM foi descontinuada. O fortalecimento e o
treino proprioceptivo foram progredindo com a evolução da paciente até sua
alta em 25 de outubro de 2018.

290
Na alta, a paciente apresentava, de acordo com a goniometria, uma flexão
ativa de 120°, extensão passiva de -10 e ativa de -20, supinação e pronação
livres. Por se tratar de uma senhora, ela própria considerou estar com os
resultados satisfatórios para alta.

Figura 5 A: Órtese seriada para extensão de cotovelo. B e C: Amplitude de movimento de


flexão e extensão de cotovelo livres. D e E: Movimento de pronação e supinação do
antebraço. Fonte: Imagens cedidas pelo Dr. Renato Zaidan e arquivo próprio da autora.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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292
29 Projetos de vida na velhice: o acesso à
educação superior
Letícia Lemos Sousa
Grasielle Silveira Tavares
Daniela da Silva Rodrigues

INTRODUÇÃO
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o
Brasil vem passando por uma mudança do perfil da faixa etária da população,
em virtude do aumento da expectativa de vida; consequentemente, há um
crescimento do percentual de pessoas com 60 anos de idade ou mais. Entre
2012 e 2017, a população idosa chegou a 30,2 milhões, um aumento de
18,8%. Para 2060, a estimativa é aumentar para 73 milhões de idosos
brasileiros.1
A velhice, nas últimas décadas, tem se deslocado de espaços privados de
convivência para espaços coletivos, em que o idoso se torna autor, atuando de
forma representativa e cada vez mais participativa na sociedade brasileira,
capaz de gerar novas conquistas, guiadas pela busca do prazer e da satisfação
pessoal. Desta forma, cabe refletir que a experiência de envelhecer é
heterogênea e envolve as vivências pessoais e os contextos sociais e culturais
de uma determinada época e lugar, trazendo distintas percepções e maneiras
de lidar.
No envelhecimento, é comum que as pessoas se deparem com mudanças
nos papéis ocupacionais que lhes dão a identidade para uma convivência
social participativa e inclusiva. Alguns papéis são extintos, outros diminuem
sua complexidade e muitos podem ser construídos. O engajamento em papéis
possibilita troca dos saberes, sentimento de realização pessoal, aumento do
senso de autoeficácia e facilita o enfrentamento de novos desafios diários.2

293
Neste contexto, os projetos de vida são o desejo de transformar o cotidiano,
considerando elementos importantes do passado e do presente, almejando
algo melhor para o futuro. Eles se desenvolvem em uma organização
multidimensional e são atravessados por aspectos objetivos e subjetivos
advindos da experiência e da trajetória de vida pessoal.3 Neste capítulo, será
abordada a temática do idoso no ambiente universitário, fazendo uma
compreensão de como a realização desta ocupação e atividade traz à tona a
construção de projetos de vida na velhice.
De acordo com dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (INEP),4 cada vez mais idosos estão
ingressando no ensino superior, mostrando um aumento crescente do perfil
dos estudantes universitários com 60 anos ou mais, já que em 2016, dos mais
de 8 milhões de vagas oferecidas aos alunos que ingressaram no ensino
superior, 24 mil destes eram pessoas idosas.
Entre os motivos da busca dessa população pelo ensino superior, encontra-
se o desejo por evoluir em níveis de aprendizado, a realização profissional,
pessoal e o respeito social, além de uma perspectiva de futuro, vislumbrando
novas possibilidades ao fazer uma graduação e voltar ao espaço acadêmico
para desenvolver novos papéis ocupacionais.5 Por outro lado, a população
procura envelhecer de uma forma digna e com qualidade, tendo a educação
como estratégia de potencialização de suas capacidades.
Nessa direção, ao ingressar na universidade, o idoso enfrenta uma nova
rotina, a adaptação ao novo ambiente, o estabelecimento de novos vínculos, o
intercâmbio social e cultural, demandando do estudante a exploração de suas
capacidades, sejam elas cognitivas, afetivas e sociais, para responder e
resolver situações vivenciadas diariamente no contexto acadêmico e
desempenhar o seu novo papel: o de ser estudante. Compreende-se papel
ocupacional à luz do modelo de ocupação humana (MOHO)6 de Gary
Kielhofner, em que as ocupações são compostas por contextos (físicos,
sociais, culturais, políticos etc.) que transmitem sentido e significado para os
indivíduos, no qual as intervenções são centradas na pessoa, considerando
seus hábitos, interesses e motivações, suas habilidades e a sua capacidade de
desempenho no sentido de favorecer a participação ocupacional.7-9 Entende-se

294
como desempenho do papel ocupacional a forma com a qual a pessoa
participa de determinada atividade do dia a dia.9
Portanto, a mudança de uma rotina habitual, os impactos nas atividades,
nas ocupações e nos papéis ocupacionais frente ao processo de
envelhecimento tornam-se objeto de atenção e intervenção da terapia
ocupacional.

RELATOS DE CASOS
Os casos analisados neste capítulo buscam mostrar o percurso do ingresso
de idosos estudantes de uma universidade pública e compreender os sentidos
e os significados de situações vividas por meio das narrativas de papéis
ocupacionais desempenhados no ambiente acadêmico. A coleta das narrativas
ocorreu em abril de 2017.

AVALIAÇÃO DA TERAPIA OCUPACIONAL


A escuta coletiva foi feita com um grupo com idade superior a 40 anos e
que já haviam procurado auxílio estudantil para realização e manutenção das
suas atividades na universidade.
Compreender a história e o cotidiano de cada um foi o recurso escolhido
para acessar os sentidos contidos nas vivências produzidas no ambiente
acadêmico. Os seis estudantes, sendo um homem e cinco mulheres, todos
membros de família, com média de idade de 49 anos, variando entre 40 e 58
anos, com filhos, estavam distribuídos entre os cursos de farmácia (1),
fonoaudiologia (1), saúde coletiva (2) e terapia ocupacional (2). No entanto,
apenas dois estavam cursando a graduação, um já havia concluído e três
desistiram dos cursos.
A lista de identificação de papéis ocupacionais (role checklist), versão 1,
validada no Brasil por Cordeiro,10 foi usada para compreender a participação
ou não em papéis ocupacionais no passado, presente e futuro. Esta etapa
possibilitou a construção coletiva de um raciocínio terapêutico ocupacional e
a necessidade de novas reflexões que possam fazer interface entre o
envelhecimento e a necessidade de discussão das políticas educacionais para a
velhice.

295
VIVÊNCIA DAS OCUPAÇÕES
Entre os papéis ocupacionais mais significativos desempenhados por todos
os idosos universitários, encontra-se o papel de estudante. Desempenhar este
papel trouxe para essas pessoas a participação em outras ocupações e
atividades ao longo do tempo, por exemplo, o papel de amigo. Além disso,
todos desempenhavam um papel importante de cuidador, de serviços
domésticos e de membro de família. No ambiente acadêmico, a participação
ocupacional desses estudantes foi prejudicada para três deles. Problemas
encontrados durante os seus desempenhos diários, como os recursos didáticos
utilizados em sala de aula, a ausência de estratégias da universidade para
analisar os recursos tanto individuais, considerando a necessidade de cada
pessoa, quanto do ambiente (físico e organizacional) para favorecer uma
participação ativa desses idosos e a própria falta de organização do cotidiano,
desencadearam a ruptura deste papel ocupacional e de rotinas significativas
para esses três estudantes idosos.
A narrativa coletiva dos três participantes trouxe questionamentos
relacionados à falta de motivação diante das barreiras enfrentadas na
realização das atividades acadêmicas e a perda deste papel de estudante (ápice
do gráfico) realizado dentro de uma rotina significativa, com retorno ao
desempenho de papéis ocupacionais do passado (Figura 1).

296
Figura 1 Narrativa com ruptura do papel ocupacional. Fonte: arquivo próprio da autora.

Figura 2 Narrativa com ruptura e troca de papel ocupacional. Fonte: arquivo próprio da
autora.

No entanto, para um estudante que conseguiu concluir a graduação, notou-


se que, mesmo diante dos desafios provocados pelas novas experiências
vividas no contexto universitário, ele manteve a participação de forma ativa, o
que permitiu a reconstrução de novos papéis ocupacionais dentro de rotinas
significativas com a ruptura do papel ocupacional de estudante (ápice do
gráfico), mas acrescido da troca de papel ou retorno para alguns deles, como o
de trabalhador (Figura 2). Este papel foi inicialmente identificado pelos
estudantes idosos como uma ocupação a ser desempenhada no futuro. Desta
forma, observa-se que o fato de que concluir a graduação produz um sentido à
existência humana que contribui para o desejo de projetos de vida futuros. Os
demais estudantes permanecem cursando a sua graduação.
Diante disso, indaga-se sobre o acesso dessa parcela da população a um
envelhecer digno e com qualidade, nos vários âmbitos da vida, considerando a
educação como uma estratégia de potencialização de vida.
Questionam-se aqui as políticas de acesso e manutenção à universidade em
termos do ensino superior, para além da iniciativa das chamadas

297
universidades abertas à terceira idade, pois acredita-se que a educação é uma
importante estratégia de superação da marginalização do indivíduo frente à
velhice, fornecendo ao idoso, conhecedor dos seus direitos, subsídios para
intervir na construção de políticas públicas que favoreçam um processo do
envelhecimento ativo e socialmente participativo.11

INTERVENÇÃO DA TERAPIA OCUPACIONAL


Na qualidade de trazerem sentido à existência humana e comprometerem a
pessoa em ações cotidianas em busca de objetivos, os projetos de vida
colaboram com vivências mais positivas, gerando bem-estar, para além do
prazer pessoal e egocêntrico. No processo de envelhecimento, os projetos de
vida ganham contornos singulares ao manter objetivos na busca de realização
pessoal, social e contribuição com a sociedade de uma forma geral. Nessa
direção, a intervenção da terapia ocupacional foi construída a partir de um
raciocínio terapêutico centrado na pessoa, por meio de sua narrativa, na busca
de sentido e de uma perspectiva de futuro e de novos fazeres significativos.
Tais projetos discutiam desde o engajamento no mercado de trabalho, onde os
estudantes idosos desempenhariam a ocupação de trabalhador, com diferentes
desafios e adaptação a uma nova rotina, até a ressignificação de papéis
ocupacionais antes realizados por eles, considerando a interação com os
contextos sociais, culturais, ambientais, dentre outros.
A participação em papéis ocupacionais, como estudante e amigo, foi vista
como algo que oferecia sentido à vida dos idosos. Tais papéis foram
compreendidos pelos estudantes idosos como significativos para si mesmos e
retratavam o modo como eles poderiam impactar o mundo para além de si.12
Compreende-se, portanto, que o bem-estar manifesta-se de forma complexa
nos projetos de vida dos idosos, logo que se assume na ideia de geratividade,
no que se quer deixar para o mundo, e também de uma forma bastante
concreta, no modo como as ações, decisões e aspirações cotidianas são
realizadas. Sendo assim, a intervenção da terapia ocupacional voltava-se para
facilitar a participação ativa do idoso em seu processo de vivência de novos
papéis. Conforme menciona De Las Heras De Pablo,9 novas relações sociais
entre estudantes e docentes resultam em um aprendizado mútuo das
particularidades do papel. Além disso, enfrentar novos desafios no papel de

298
estudante universitário demanda também aprendizados de novas habilidades
para o desempenho em atividades, novas regras e novas tecnologias.
Cabe ressaltar que as dimensões do ambiente, sejam elas físicas, sociais,
culturais e/ou organizacionais/gestão, influenciaram diretamente na
participação dos idosos estudantes, em sua motivação e na sua capacidade de
desempenho. Sendo assim, as intervenções da terapia ocupacional focaram
em identificar tanto os recursos pessoais quanto os do ambiente que deveriam
ser fortalecidos para superar as limitações ou restrições de participação
ocupacional do estudante. Dentre os recursos ambientais, destacam-se:
negociação de um tempo maior para a realização das provas e entrega de
trabalhos; estruturação diferenciada frente à didática apresentada pelo
professor; e relação de apoio e suporte assistencial.
No que se refere aos aspectos pessoais, de a pessoa se achar capaz de
envolver-se, planejar e cumprir prazos em relação às atividades universitárias,
o foco foi: reorganização da rotina para conciliar os papéis ocupacionais e
facilitar o engajamento quanto ao uso de tecnologias, por exemplo. Com isso,
foi possível perceber que os estudantes criavam estratégias para conseguirem
enfrentar os obstáculos presentes durante a graduação, para acompanhar o
prazo das atividades e para envolver-se com os demais colegas.
Nessa perspectiva, vislumbrar-se como sujeito de desejo e de potência é um
desafio necessário de ser enfrentado pessoal e coletivamente. A
autorrealização pode ser compreendida como uma forma de sucesso
intrínseco individual em seu estado máximo de desenvolvimento humano,
sendo esta uma forte motivação para a estruturação do cotidiano rumo a um
nível mais avançado de satisfação.13
É visível que o desempenho de papéis no ambiente acadêmico exige um
resgate da identidade por meio da compreensão do lugar social ocupado e da
integração de uma biografia que une passado e presente e possibilita a
construção de projetos futuros.14
Por fim, a intervenção pautada nos pressupostos teóricos do MOHO
possibilitou o olhar da terapia ocupacional para uma prática centrada na
pessoa em interação com os seus contextos sociais, culturais, físicos e
políticos, no sentido de potencializar a participação ocupacional dos

299
estudantes universitários frente a suas limitações e desafios no ambiente
acadêmico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A heterogeneidade das vivências da velhice, especificamente no ensino
superior, para os estudantes, esteve presente não apenas no local de estudo,
mas no ambiente acadêmico como um todo, revelando ricas relações sociais e
de diversidades, nas quais as trocas intergeracionais contribuíram muito para
o potencial de trocas afetivas e de conhecimento entre as gerações e
determinaram condições facilitadoras para a manutenção dos estudantes neste
espaço.
Ao escutar as histórias de vida, por meio das narrativas ocupacionais,
questionou-se o quanto o ambiente acadêmico contribuiu para a ampliação da
rede de suporte social, trazendo o papel de amigo ou mesmo o de estudante
para as vivências atuais, uma vez que a rede tem um aumento em sua
estrutura, mas não em sua funcionalidade, pois os vínculos mais fortes
continuavam sendo mantidos fora da universidade.
A vivência do contexto universitário revelada no cotidiano dos estudantes
mostrou uma dificuldade na organização de sua rotina diária, o que afetava
diretamente o seu desempenho nas atividades universitárias, desencadeando,
em alguns casos, o abandono da graduação. Tal contexto é composto por uma
rotina de escolhas, na qual o estudante opta desde as matérias que irá cursar
no semestre até as atividades complementares que serão realizadas ao longo
do tempo de sua graduação. Portanto, esse cotidiano torna-se um pouco
cansativo e incerto para estudantes universitários que possuem uma idade
superior, por motivos destacados como o uso da tecnologia, tempo para a
realização das atividades e a conciliação entre os papéis ocupacionais
desempenhados simultaneamente.
As ocupações e as atividades humanas são fundamentais para a ampliação
do viver, promovem um campo de aquisições e habilitações e potencializam a
inclusão sociocultural.15 Caracterizam-se como uma importante forma de
expressão da singularidade e fonte do significado da vida humana. A velhice
neste sentido deixa de ser uma fase cronológica e passa a constituir-se em

300
atitude para fazer a vida recriar-se a cada momento. Ao abordar as ocupações
e as atividades humanas, refere-se a questões muito mais complexas do que
meramente o preenchimento do tempo vazio, mas sim a uma construção de
atividades e ocupações que envolvem o desejo e a motivação pelo fazer.
Dessa forma, é necessário pensar as diretrizes pedagógicas do sistema
educacional, assim como as singularidades das experiências tecidas no fio da
história de vida pessoal, para que o espaço da educação superior possa ser um
local digno dos projetos de vida na velhice.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Número de idosos cresce
18% em 5 anos e ultrapassa 30 milhões em 2017. Agência IBGE Notícias. Rio
de Janeiro, 1/10/2018.
2. Christiansen C, Backman C, Little B, Nguyen A. Occupations and well-being: a
study of personal projects. American Journal of Occupational Therapy.
1998;53(1):91-100.
3. Marcelino MQS, Catao MFF, Lima CMP. Representações sociais do projeto de
vida entre adolescentes no ensino médio. Psicol Cienc Prof. 2009;29(3):544-57.
4. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP).
Resumo técnico: censo da educação superior 2016. Brasília: INEP; 2018. 97p.
5. Reis SMAO, Meira AMT, Moitinho CR. História de vida e idosos no ensino
superior: percursos inesperados de longevidade escolar. Rev Exitus.
2018;8(3):340-69.
6. Forsyth K, Salamy M, Simon S, Kielhofner G. Manual del Usuario del
Evaluación de las Habilidades de Comunicación e Interacción (ACIS). Versión
4.0. The Model of Human Occupation Clearinghouse Department of
Occupational Therapy College of Applied Health Sciences, 2018.
7. Kielhofner G. O modelo de ocupação humana – parte II – Ontogênese da
perspectiva de adaptação temporal. Rev Ter Ocup Univ São Paulo.
1990;1(2):114-23.
8. Taylor RR. (org.). Kielhofner’s model of human occupation. 5. ed. Philadelphia:
Wolters Kluwer; 2017. 321p.
9. De Las Heras De Pablo CG. Modelo de ocupación humana. España: Sintesis;
2015. 280p.

301
10. Cordeiro JR. Validade transcultural da lista de papéis ocupacionais para
portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) no Brasil.
Dissertação (Mestrado em Ciências Médicas). São Paulo: Programa de Pós-
graduação em Reabilitação da Universidade Federal de São Paulo/Escola
Paulista de Medicina; 2005. 111p.
11. Oliveira RC, Scortegagna PA, Oliveira FS. Mudanças sociais e saberes: o papel
da educação na terceira idade. Rev Bras Ciên Env Humano. 2009;6(3):382-92.
12. Bronk KC. Purpose in life: a critical component of optimal youth development.
Dordrecht: Springer; 2014. 175p.
13. Araújo R, Leal R. O trabalho como recurso de auto-realização. In: Encontro de
Gestão de Pessoas e Relações de Trabalho, 2, 2009, Curitiba. Anais. Curitiba:
EnGPR, p. 1-1, 2009.
14. Tiveron RM. A terapia ocupacional no campo da gerontologia: uma contribuição
para revisão de projetos de vida. Dissertação (Mestrado em Gerontologia). São
Paulo: Pontifícia Universidade Católica; 2008.
15. Castro ED, Lima EMFA, Brunello MIB. Atividades humanas e terapia
ocupacional. In: De Carlo MMRP, Bartalotti CC. (org.). Terapia ocupacional no
Brasil: fundamentos e perspectivas. São Paulo: Plexus; 2001. p.41-59.

302
Siglas

AB: atenção básica


ABVD: atividade básica da vida diária
ADM: amplitude de movimento
AET: análise ergonômica do trabalho
APT: análise psicodinâmica do trabalho
AFF: abordagem focada na família
AIVD: atividade instrumental de vida diária
AOTA: American Occupational Therapy Association
APAE: Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais
APVD: atividades pessoais da vida diária
AVD: atividades de vida diária
BPC/LOAS: Benefício de Prestação Continuada/Lei Orgânica da
Assistência Social
BPI: Inventário Breve de Dor (Brief Pain Index)
CA: comunicação alternativa
CAA: comunicação aumentada e alternativa
CAPS: Centro de Atenção Psicossocial
Coffito: Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional
COPM: Medida Canadense de Desempenho Ocupacional (Canadian
Occupational Performance Measure)
DASH: Disabilities of the Arm, Shoulder and Hand
DP: doença de Parkinson
EEG: eletroencefalograma

303
ELA: esclerose lateral amiotrófica
ICC: insuficiência cardíaca congestiva
ILPI: instituição de longa permanência para idosos
IOT: intubação orotraqueal
IRA: insuficiência renal aguda
IRpA: insuficiência respiratória aguda
LCL: ligamento colateral lateral
LCM: ligamento colateral medial
MEEM: miniexame do estado mental
MIF: medida da independência funcional
MMII: membros inferiores
MMSS: membros superiores
MOHO: modelo da ocupação humana (model of human occupation)
NB: núcleos da base
PBE: prática baseada em evidências
PEDI: Inventário de Avaliação Pediátrica de Incapacidade – versão
brasileira adaptada (Pediatric Evaluation of Disability Inventory)
PIC: prática integrativa e complementar
PNPIC: Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares
PTS: projeto terapêutico singular
QNSO: Questionário Nórdico de Sintomas Osteomusculares
QRP: quadros de referência primários
QRA: quadro de referência aplicado
RAPS: Rede de Atenção Psicossocial
SCEBS: Questionário de Regulação Emocional Cognitiva (Somatic,
Cognition, Emotion, Behavior and Social)
SFA: School Function Assessment
SNC: sistema nervoso central

304
SUS: Sistema Único de Saúde
TA: tecnologia assistiva
TIC: tecnologias de informação e comunicação
TO: terapia ocupacional/terapeuta ocupacional (de acordo com a
especificação de cada capítulo)
TQT: traqueostomia
UPA: unidade de pronto atendimento
UTI: unidade de terapia intensiva
UTIN: unidade de terapia intensiva neonatal

305
Glossário

Adaptação ocupacional no MOHO: construto de uma identidade


ocupacional positiva e a realização de competência ocupacional ao
longo do tempo no contexto do ambiente da pessoa.

Artrose: doença articular crônico-degenerativa que causa desgaste da


cartilagem, principalmente das articulações que sustentam o peso do
corpo.

Boardmaker: programa de computador desenvolvido para a criação de


pranchas de comunicação alternativa, utilizando os Picture
Communication Symbols e várias ferramentas que permitem a
construção de recursos de comunicação personalizados.

Competência ocupacional no MOHO: nível no qual alguém mantém


um padrão de participação ocupacional que reflete a sua identidade
ocupacional. Enquanto a identidade tem a ver com o significado
subjetivo da vida ocupacional de alguém, a competência tem a ver
com colocar a identidade em ação de forma contínua.

Desempenho ocupacional no MOHO: o desempenho ocupacional


abrange fazer uma tarefa relacionada à participação em uma área
importante da vida.

Ecolalia: repetição mecânica de palavras e/ou frases ouvidas.

Ecomapa: diagrama que permite registrar redes sociais de suporte a


partir das narrativas e da história de vida do entrevistado,
registrando os tipos de relações e inter-relações estabelecidas e que

306
oferecem suporte cotidiano e apoio social. Foi criado por Hartman
para uso de assistentes sociais. Sugere-se também pesquisa do Prof.
Ricardo Lopes Correa. O caráter do registro colaborativo a partir
das narrativas e percepção do sujeito de sua rede social de apoio é
um instrumento útil no início e no decorrer do processo em terapia
ocupacional.

Escala de Barthel modificada: instrumento que avalia o nível de


independência para atividades básicas de vida.

Feedback: resposta à determinada ação ou atitude.

Gerenciamento comunicativo: AIVD que consiste em enviar, receber e


interpretar uma informação usando uma variedade de sistemas e
equipamentos, dentre eles os sistemas de CAA.

Habilidades ocupacionais no MOHO: as habilidades são ações


direcionadas para uma meta que a pessoa realiza durante a execução
da tarefa. Elas abrangem as habilidades motoras, processuais e de
comunicação e interação.

Identidade ocupacional no MOHO: é uma definição complexa do Eu e


inclui papéis ocupacionais, relacionamentos, valores, autoconceito,
desejos pessoais e metas. A participação em ocupações ajuda a criar
a identidade.

Participação ocupacional no MOHO: engajamento no trabalho, em


brincadeiras ou nas atividades de vida diária que fazem parte do
contexto sociocultural de alguém, os quais são desejados e/ou
necessários para o bem-estar.

População negra: composta pelo conjunto de pessoas autodeclaradas


pretas e pardas.

307
Práticas antirracistas: práticas críticas e atentas que se oponham ao
racismo e à desigualdade racial que atinge a população negra.

Queda: “evento não intencional que resulta em mudança da posição do


indivíduo para mesmo nível ou nível mais baixo”.

Raça: termo utilizado a partir de uma concepção sociológica, como


uma construção social.

Racismo: conjunto de ideias que legitima e inferioriza a população


negra.

Recovery ou recuperação pessoal: de acordo com o Guia para


Profissionais da Saúde Mental e nos trabalhos de Cecilia Villares
orientando serviços de saúde mental e configurando as ações na
Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de
Esquizofrenia (ABRE), trata-se de um conceito baseado na
experiência vivida por pessoas com doença mental; seu significado
difere da recuperação clínica.

Vocalização: emissão de sons da voz; vocalizar algo.

308
Índice
Apresentação 24
Introdução 26
Seção I – PRÁTICAS DA TERAPIA OCUPACIONAL EM
28
SAÚDE DO TRABALHADOR
01. Intervenção terapêutica ocupacional ambulatorial com bebê pré-
29
termo
Lucieny Almohalha 29
02. Práticas da terapia ocupacional no contexto escolar/educacional 40
Carolina Cangemi Gregorutti 40
Maewa Martina Gomes da Silva e Souza 40
03. Intervenção da terapia ocupacional no contexto escolar em um
50
caso de paralisia cerebral
Camila Câmara Marques 50
Luma Carolina Câmara Gradim 50
04. Alice no país das maravilhas – uma experiência do uso da
56
comunicação alternativa com criança do espectro autista
Jacqueline Denubila Costa 56
05. Práticas de terapia ocupacional e contexto sociocultural: caso de
65
uma menina negra
Sofia Martins 65
Magno Nunes Farias 65
Seção II – PRÁTICAS DA TERAPIA OCUPACIONAL
72
NA FASE ADULTA
06. Prática centrada no cliente: modelo de ocupação humana e
73
formulação ocupacional
Daniel Marinho Cezar da Cruz 73
07. Práticas da terapia ocupacional em saúde do trabalhador 87
Ana Paula Pelegrini Ratier 87
08. Paradesporto: da reabilitação ao alto rendimento – cliente com
96
lesão medular
Heitor Vaselechen Rodrigues Teixeira 96
09. Doença de Kienböck em atleta de alto rendimento de polo
105
aquático: estudo de caso
Carla Valle Franca Tamanaga 105

309
Beatriz Bagatini 105
10. Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e
114
Saúde e o modelo HAAT de tecnologia assistiva
Erika Teixeira 114
11. Intervenção terapêutica ocupacional em paciente com doença
124
neuromuscular
Paulo Rogério de Oliveira 124
12. Práticas da terapia ocupacional na reabilitação da mão: um caso
134
de rizartrose
Rachel Matos 134
13. Intervenção da terapia ocupacional na doença de Crohn: um caso
144
de superação, amor e esperança
Tamara Neves Finarde 144
14. Terapia ocupacional na assistência à pessoa com síndrome do
153
encarceramento
Marília Bense Othero 153
15. Reflexões sobre a terapia ocupacional psicossocial a partir do
166
projeto terapêutico singular
Erika Renata Trevisan 166
Daniela Tonizza de Almeida 166
16. Terapia ocupacional e saúde mental 175
Solange Tedesco 175
17. Terapia ocupacional em saúde mental: um caso clínico-político 182
Luciana Togni de Lima e Silva Surjus 182
Ellen Cristina Ricci 182
18. A utilização da auriculoterapia na dor e na ansiedade 193
José Henrique da Silva Cunha 193
19. Reiki e desempenho ocupacional 200
Luana de Castro Sampaio Próspero 200
20. Uma prática na reabilitação física voltada a trabalhadores com dor
206
crônica em coluna
Débora Couto de Melo Carrijo 206
André Fortini Propheta 206
Paulo Vinicius Mendes Braga 206
Seção III – PRÁTICAS DA TERAPIA OCUPACIONAL
216
NA VELHICE

310
21. Intervenção da terapia ocupacional no consultório: 217
protagonizando a história de uma idosa
Francine de Castro Alves Victal 217
22. Ações e reflexões em gerontologia: um estudo de caso 227
Maria Helena Morgani de Almeida 227
Catarina Isabel da Conceição Batista Joaquim 227
Ana Filipa Nunes de Matos 227
Marina Picazzio Perez Batista 227
23. Terapia ocupacional na doença de Parkinson 235
Andressa Chodur 235
24. Prática da terapia ocupacional em neurologia 243
Rafael Eras-Garcia 243
25. Atuação da terapia ocupacional com idoso traqueostomizado
255
grave em uma unidade de terapia intensiva
Janaína Moreno Garcia 255
26. Atuação da terapia ocupacional em caso de complicações do
265
diabetes melito
Luma Carolina Câmara Gradim 265
27. A terapia ocupacional e a lesão do plexo braquial 277
Cristina Yoshie Toyoda 277
Camila Boarini dos Santos 277
28. Práticas da terapia ocupacional na reabilitação de membro
285
superior
Rachel Matos 285
29. Projetos de vida na velhice: o acesso à educação superior 293
Letícia Lemos Sousa 293
Grasielle Silveira Tavares 293
Daniela da Silva Rodrigues 293
Siglas 303
Glossário 306

311

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