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Marcelo Ridenti
Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP). Professor do Departa-
mento de Sociologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Pesquisador
do CNPq. Autor, entre outros livros, de Em busca do povo brasileiro: artistas da
revolução, do CPC à era da TV. Rio de Janeiro: Record, 2000. ridenti@dualtec.com.br
Intelectuais e artistas brasileiros nos anos 1960/70:
“entre a pena e o fuzil”*
Marcelo Ridenti
RESUMO ABSTRACT
Do final dos anos 1950 até a década de Between the late 1950s and the 1970s,
1970, muitos artistas e intelectuais vi- many artists and intellectuals faced a
veram o dilema entre desenvolver sua dilemma: either to develop their specific
ocupação específica ou participar do occupations or to take part in the larger
processo de transformação social mais social change which seemed to herald a
amplo, que parecia anunciar a revolu- revolution in a disturbed political and cul-
ção, num ambiente político e cultural tural context of national and international
conturbado em escala nacional e inter- proportions. In the Brazilian society, such
nacional. Na sociedade brasileira, esse dilemma became that important when one
*
Este artigo baseia-se na co- dilema ganhou tal vulto na época que already talked of a certain left-wing “cul-
municação apresentada no
já se falou em relativa “hegemonia cul- tural hegemony”. At the same time,
Colóquio internacional “Hacia
una historia de los intelec- tural” de esquerda. Ao mesmo tempo, culture industry consolidation has been
tuales en América Latina”, solidificava-se uma indústria cultural, accompanied by the institutionalization of
patrocinado pelo Programa
de História Intelectual do acompanhada da institucionalização de intellectual, artistic and other particular
Centro de Estudos e Investi- campos específicos, intelectuais e artís- fields. Coming from traditional middle clas-
gações da Universidade Na-
ticos. Vindos das classes médias tradi- ses and making up the new middle classes
cional de Quilmes, realizado
em Buenos Aires, em novem- cionais e, especialmente, constituindo that started to rise in the social, political
bro de 2006. É um esboço do parte de novas classes médias que des- scenery, artists and intellectuals would
capítulo em preparação para
a História dos intelectuais na pontavam no cenário social e político, take a prominent place in this historical
América Latina, obra organiza- artistas e intelectuais ocupariam lugar process.
da por Carlos Altamirano e
de destaque nesse processo histórico.
Sérgio Miceli, a ser publicada
pela editora Siglo XXI. Trata- PALAVRAS - CHAVE : artistas e intelectu- KEYWORDS : artists and intellectuals;
se, assim, de um trabalho em ais; revolução brasileira; anos 1960. Brazilian revolution; 1960s.
andamento, embora fundado
em pesquisas que venho de-
senvolvendo nos últimos anos,
que já deram origem a outras
publicações. ℘
1
Ver, por exemplo, GILMAN,
Claudia. Entre la pluma y el
fusil: debates y dilemas del es-
critor revolucionario en Amé- Em toda a América Latina, do final dos anos 1950 até a década de
rica Latina. Buenos Aires: Si- 1970, muitos artistas e intelectuais viveram o dilema “entre a pena e o
glo XXI, 2003.
fuzil”1, isto é, uma “cisão fáustica”2 entre desenvolver sua ocupação es-
2
O termo — inspirado nos di- pecífica ou participar do processo de transformação social mais amplo,
lemas de Fausto, de Goethe
— é de BERMAN, Marshall. que teve seu marco decisivo com a revolução cubana, em 1959. No Bra-
Tudo que é sólido desmancha no sil, em especial, esse dilema ganhou tal vulto que já se falou em relativa
ar. São Paulo: Companhia das
“hegemonia cultural” de esquerda na década de 19603. Florescia um
Letras, 1986.
sentimento de brasilidade ao mesmo tempo romântico e revolucionário.
3
A proposta fundadora nes-
sa direção é de SCHWARZ, Buscava-se, no passado, uma cultura popular cujas raízes dariam sus-
Roberto. Remarques sur la cul- tentação a uma nação moderna, que acabasse com o subdesenvolvimen-
ture et la politique au Brésil,
1964-1969. Les Temps Moder-
to e as desigualdades. Combatia-se o latifúndio; propunha-se a reforma
nes, n. 288, Paris, jul. 1970. agrária; o “povo brasileiro” era glorificado e conclamado a realizar sua
Os anos rebeldes
gentes comunistas nos anos 1930-40 eram “de famílias brasileiras tradi- 7
MICELI, Sérgio. Intelectuais à
brasileira. São Paulo: Compa-
cionais, do Nordeste e do estado do Rio, especialmente”. O dirigente nhia das Letras, 2001, p. 81.
esquerdista típico seria “o jovem intelectualizado de família tradicional 8
RODRIGUES, Leôncio Mar-
decadente dos Estados pobres8”, traço também marcante da maioria dos tins. O PCB: os dirigentes e a
intelectuais e artistas da época. Eles teriam em comum a experiência de organização. In: FAUSTO, Bo-
ris (org.). História geral da civi-
ser desalojados da posição social ocupada até então pelos seus, o que lização brasileira. V. X. São Pau-
lhes daria a possibilidade de enxergar a realidade de outros pontos de lo: Difel, 1981, p. 385.
℘
Artigo recebido em julho de 2007. Aprovado em setembro de 2007.