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(Organizador)
Editora CRV
Curitiba – Brasil
2019
APRESENTAÇÃO
OLHARES SOBRE A
CONTRACULTURA NO BRASIL
Leon Kaminski
Uma outra visão sobre a produção cultural daqueles anos surgiu na aca-
demia, segundo Napolitano (2017), no final da década de 1970 e começo dos
anos 1980, com a publicação de pesquisas abordando as expressões estéticas
da contracultura no cinema, no teatro, na música e na literatura. Destacam-se
as obras de Heloisa Buarque de Hollanda (2004) e Celso Favaretto (1995).
Essa corrente faz crítica à ideia de “vazio cultural”, alegando que, embora
realmente tenha ocorrido um refluxo logo após o AI-5, houve uma produção
cultural significativa, mas de outro viés: marginal e alternativa. Devido ao
seu forte caráter experimental, por valorizar mais a forma do que conteúdo,
a arte surgida após 1968, na esteira do movimento tropicalista, seria mais
transgressora e revolucionária que a arte engajada de esquerda.
Desde então, esta linha interpretativa embasou um grande número de
investigações sobre os movimentos de contracultura no Brasil, especialmente
quando se trata de suas expressões artísticas, objeto de análise mais recorrente
sobre o tema. Em geral, estes estudos tendem a iniciar rechaçando a ideia de
“vazio cultural” e o suposto caráter despolitizado da arte ligada à contracultura.
De certa forma, as disputas político-culturais dos anos setenta permaneceram
no campo historiográfico, representando de maneira dicotômica, em muitos
casos, a produção cultural da época, opondo contracultura e esquerda, embora
as relações entre artistas e estéticas nacional-popular e experimental fossem
muito mais complexas e menos simplistas que a dualidade apontada pelas
duas correntes interpretativas.
Nos últimos anos, no entanto, este quadro tem mudado. Acompanhando
o próprio movimento de expansão do ensino universitário e dos cursos de
pós-graduação, o número de pesquisas sobre temas relacionados à contra-
cultura tem aumentado. Outros fatores, como o distanciamento temporal e o
enfraquecimento da historiografia marxista na esfera acadêmica, contribuem
para esse crescimento quantitativo. A emergência da História Cultural como
campo de investigação colabora decisivamente para essa ampliação. O âmbito
da cultura e suas manifestações deixou aos poucos de ser algo menos nobre
de ser pesquisado, se comparado ao social e ao econômico. Com isso, mudou
não somente em termos quantitativos, mas também qualitativos, com novas
abordagens e temas, incluindo aqueles ligados aos movimentos contraculturais.
Apesar do crescimento, os estudos sobre a contracultura não formam um
campo específico de investigação – e é provável que não venham a constituí-lo,
por conta das características da produção atual. Como pode ser observado no
Banco de Teses da Capes1, as pesquisas sobre o tema se apresentam espalhadas
geograficamente, em diversos estados, programas de pós-graduação e campos
como ela operava uma “inversão de valores”, tornando o que era contestador
e subversivo em discursos conservadores ou conciliadores.
A segunda parte, “Contracultura, Música e Juventude”, inicia com Na
ponta da baioneta: o rock psicodélico, do circuito de bailes aos Woodstocks
brasileiros, de Igor Fernandes Pinheiro. Neste capítulo, é discutido o surgi-
mento da vertente psicodélica do rock no Brasil, assim como as mudanças que
envolveram o gênero, dando especial atenção aos seus espaços de exibição e de
sociabilidade. Observando o fenômeno a partir do Rio de Janeiro e ampliando
o olhar ao contexto nacional, o autor aponta que a mudança no estilo musical
(muitos grupos iniciaram tocando “iê-iê-iê”) esteve acompanhada de modificação
nos tipos de local onde eram realizadas as performances. Dos bailes dançantes
em clubes, as bandas passavam a privilegiar os concertos como um modo de
fruição contemplativo, mais alinhada com a forma de tocar da estética psico-
délica. Em Black Rio: a contracultura negra dos anos 70, Christopher Dunn
analisa a emergência da contracultura negra no Rio de Janeiro através dos bailes
de black music, frequentados principalmente pela juventude trabalhadora da
periferia. O autor apresenta as tensões e o debate político-cultural que envolveu
o movimento Black Rio na década de 1970 e o seu papel para o fortalecimento
da identidade afro em contraposição ao mito da “democracia racial”. Esses dois
capítulos apresentam duas diferentes facetas da contracultura entre os jovens
cariocas. A seção inclui ainda o texto Ecos da Contracultura: juventude, rock
e rebeldia no Recife (1972-1976), de João Carlos de Oliveira Luna, que lança
seu olhar sobre a cena contracultural de Pernambuco, desvelando seus espaços
de sociabilidade, performance, experimentação e trocas artísticas, assim como
esmiúça a discografia produzida pelos seus integrantes.
Na última parte, “Contracultura Fora do Eixo”, reunimos trabalhos que
analisam cenas e experiências surgidas, em sua maioria, distantes do eixo
Rio-São Paulo, demostrando como a contracultura circulou e se manifestou em
diferentes locais do país. No capítulo Entre fardas e superquadras: a poesia
contracultural em Brasília, Tiago Borges do Santos discorre sobre a literatura
escrita no Distrito Federal, cidade planejada há poucos anos inaugurada e
centro do poder ditatorial. As relações entre a produção poética, o cotidiano
e os espaços vividos pelos jovens escritores são exploradas pelo autor em
sua análise. Edwar Castelo Branco e Fábio Castelo Branco Brito, em No bar,
na rua, na grama: comportamentos juvenis, contracultura e sociabilidades
na Teresina dos anos 1970, examinam algumas expressões contraculturais
protagonizadas na capital do Piauí pela “geração Torquato Neto”, em refe-
rência ao papel do poeta tropicalista como mediador entre os jovens locais
e a cultura underground. Em Caldeirão de Santa Cruz, Avalon, Craterdam:
lugares cognitivos da contracultura no interior do Ceará, Roberto Marques
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REFERÊNCIAS