O livro dez lições sobre estudos culturais de Maria Elisa Cevasco - doutora em
Letras pela universidade de São Paulo e professora associada de Estudos Culturais e
literatura em Língua Inglesa na mesma universidade - objetiva elucidar no desenvolver das dez lições, o surgimento dos estudos culturais; as relações desse estudo com estudos literários; suas conquistas teóricas e projeto intelectual, além de incitar um novo modo de ler a alta cultura; utilizando-se principalmente de Raymond Williams, um dos fundadores da disciplina. Desde o século XVI são criadas acepções sobre o significado de cultura. No entanto, a partir do século XVIII a cultura deixa de ser correlacionada à palavra “civilização”; diante dessa dissociação começa a ser compreendida como um substantivo abstrato, que visa determinar um processo de progresso intelectual e espiritual nos estados: pessoal e social. Numa Inglaterra romântica, a cultura, portanto, passa a ter um significado oposto ao de civilização - o caráter mecânico, que começava a se estruturar com a Revolução Industrial, quando a palavra passa a ter uma conotação imperialista. Em contrapartida, a cultura, se transformou na crítica à sociedade em processo acelerado de transformação. A disciplina “Estudos Culturais” se constitui primeiro na Inglaterra a partir da segunda metade do século XX. Nesse momento, o sentido de cultura, parece se concentrar no debate sobre as mudanças de uma sociedade que tenta se reorganizar no segundo pós- guerra. Para um dos principais fundadores, Raymond Williams(1921-1988), pesquisador, crítico e escritor galês, estudou no Trinity College, em Cambridge, onde em 1946, o acadêmico defendeu seu mestrado, iniciando a partir de então uma experiência pioneira na educação de adultos, em classes noturnas direcionadas para as classes trabalhadoras. Além desta experiência na educação, Williams lecionou Dramaturgia em Cambridge, de 1974 a 1983, e atuou como professor-visitante de Ciências Políticas na Universidade de Stanford, em 1973. O estudioso se aposentou em 1983 e instalou-se então na cidade de Saffron Walden, localizada no Distrito de Essex, na Inglaterra. A cultura passa a ser um modo de vida, os meios de comunicação de massa e o desvio do político e econômico para o cultural determinam a nossa “era da cultura”. Já o sentido de cultura referente às artes, reflete-se como crítica sobre a criação, principalmente quando se trata de literatura inglesa.
O entrelaço da cultura com outras esferas, principalmente econômica e política,
e a necessidade do conceito para o uso democrático contribuindo para mudança social, é o germe do projeto cultural na visão de Raymond Williams. É com esse projeto que ocorre a estruturação dos estudos culturais. Três autores são estruturantes para formação da disciplina: Raymond Williams, Richard Hoggart e Edward P. Thompson. A partir de seus respectivos estudos de reconstituição histórica sobre a cultura na tradição inglesa: Culture and Society, 1780-1950; The Uses of Literacy; e The Making of the English Working Class. Williams, o nome mais importante, quando se trata de estudos culturais, propõe uma cultura em comum, pois na sua visão a cultura é de todos, não somente de um grupo específico de pessoas, capazes de incutir significados, por exemplo, às artes. A questão gira em torno de facilitar o acesso de todos ao conhecimento e aos meios de produção cultural; ou seja, o homem comum dando sua versão de cultura, o ponto de vista cultural da classe trabalhadora. Williams, tenta desfazer a dicotomia entre cultura e civilização, e as analogias acerca das oposições: mundo espiritual versus mundo material, grande arte versus arte ordinária. O nascimento da disciplina Estudos Culturais abala, de certa forma, os propósitos do Inglês – um dos estudos mais importantes da Inglaterra dos anos 1920 a 1960. O principal propósito social do estudo da literatura Inglesa nas escolas é o requisito de igualdade material através da distribuição dos bens imateriais, isto é, a repartição da cultura agindo na formação do ser humano e tornando-o mais preparado para resistir às pressões e opressões de uma sociedade em transformação acelerada. Contra essa transformação e como forma de resistência se utilizava a literatura, como própria encarnação dos valores tradicionais de cultura. Esse pensamento remonta a oposição entre civilização e cultura. Nesse sentido, o conceito de cultura atua apenas na esfera do ideal, está separado do materialismo, incitando uma visão idealista e elitista de cultura. Os estudos culturais tentam disseminar uma visão de cultura mais abrangente, contribuinte para uma transformação real da sociedade. Na Inglaterra, no momento de formação dos estudos culturais, outro confronto relevante foi entre cultura de minoria versus cultura comum. O conceito de cultura de minoria, na atual sociedade contemporânea ainda é disseminado, isto é, um pequeno grupo detém o valor cultural. Williams desejava uma cultura inclusiva, mais democrática, empreendendo cultura como modo de vida, daí sua extrema importância na construção da disciplina. O desejo de uma cultura comum, não implica no desrespeito às tradições culturais, muito menos um desapreço pelas artes. Os meios de comunicação seriam o mecanismo para viabilizar a difusão da cultura. Segundo Cevasco, a luta pela cultura em comum fomenta a discussão contra a desigualdade em diferentes esferas e, enseja uma luta por uma sociedade em comum, sem divisão de classes, entre outros aspectos. No entanto, preceitos da cultura de minoria voltam à tona, a partir do momento que as grandes mudanças estruturais não acontecem, de fato. Os estudos culturais começaram como um empreendimento marginal, na tentativa de estabelecer uma educação mais igualitária aos que haviam sido provados da oportunidade de estudar grandes clássicos, ou seja, o projeto dos estudos culturais é baseado num principio de solidariedade. Não é de se admirar, portanto, que Williams, Thompsos, entre outros, tenha se interessado pela cultura dos de baixo, numa Inglaterra capitalista, era comum a utilização da cultura – a partir de valores e significados produzidos pelos trabalhadores - como forma de resistência àquela cultura que é imposta. A nova forma de se fazer política, levantada na década de 50, pelo movimento New Left está embutida na base sócio-histórica dos estudos culturais. Um dos objetivos era o de contribuir de forma criativa para a teoria marxista e tentar colocar em prática as teorias de seus trabalhos como historiadores como prática política. A educação disseminada por Williams, nesse momento, agia de certa forma como uma educação de militância, o ensino da classe trabalhadora com o objetivo de concretizar através deles a mudança social, isto é, a disseminação da cultura como campo de batalha e ação social. A New Left baseou o nascimento do pensamento esquerdista Inglês. Assim como o surgimento de uma cultura de esquerda possibilitou a expansão dos estudos culturais. Foi a manipulação da cultura de massa que criou a necessidade de um movimento como a New Left, formado num momento de desintegração de um tipo de marxismo. Algo importante também de ressaltar dentro dos estudos culturais é a interdisciplinaridade presente em sua base. Contudo, a mais importante e reveladora contribuição da nova disciplina foi a visão totalizante da cultura, além do desafio de entender a cultura como primordial no processo de mudança social. O materialismo cultural é baseado na ideia da cultura, não apenas como um efeito da superestrutura, mas como um elemento primordial para organização da sociedade. Essa ideia que permite a cultura como instrumento de modificação da organização social; para Cevasco, a intervenção da cultura na mudança da sociedade vigente sempre busca uma sociedade mais igualitária. Portanto, o materialismo cultural, coloca a cultura no campo real, não no abstrato como os idealistas, e a afirma como força produtiva, logo, se faz impossível no mundo capitalista, em que existe rádios, televisão, separar questões culturais das políticas e econômicas.
Para Cevasco, a interligação entre marxismo e a teoria da cultura ocorre na
medida em que o marxismo se coloca como filosofia do presente histórico e crítica do capitalismo que o determina. Sobre o surgimento dos estudos de cultura no mundo anglo-saxão, três momentos são relevantes: 1930, 1970 e 1990. A primeira década ressaltada ganha importância por F R. Leavis e sua visão do papel da crítica literária e discurso de que as grandes obras devem ser preservadas dos males da civilização; diferente de Leavis os marxistas insistiam em ver a literatura como parte do mundo real. Em 1970, pela invocação do materialismo cultural, considerada a principal contribuição Inglesa para uma teoria marxista relacionada a cultura; isto é, em todas as sociedades, em determinado momento histórico, três formas de estruturação de significados e valores convivem: a dominante, a emergente e a residual. E por último, 1990, para refletir sobre as práticas de estudos culturais ocorridas no Brasil. Momento em que está em alta a visão pós-estruturalista da teoria como prática de desconstrução dos significados, dominado pela mercantilização crescente. Existe um temor entre os críticos, de que os estudos culturais possam ser uma maneira de excluir a alta literatura. Na realidade, os estudos culturais buscam na cultura de massa, os germes de uma resistência social, tentam expandir a cultura através dos meios de comunicação de massa. Nesse sentido, o tempo presente é o momento de expansão da disciplina, que culmina em uma produção mais numerosa e afirma a continuidade dos estudos culturais. Para Williams, o futuro da disciplina consiste em manter a conexão de cultura com o projeto de mudança social. O reconhecimento da disciplina estudos culturais ocorre no brasil no final do século XX, mas precisamente em 1998, quando a associação brasileira de literatura comparada escolhe para o seu congresso bianual o tema “Literatura comparada = Estudos culturais?” o que é interessante para os intelectuais brasileiros consiste na abordagem multidisciplinar e diversificada da nova disciplina. O debate sobre definição de cultura, mencionado anteriormente, incitava uma categoria inclusiva, na qual particularidades ao dissolverem-se e transformavam-se em instâncias maiores se transformando em valores e significados mais gerais, universais. No entanto, nesse novo momento, a cultura, definida por poucos, é substituída por culturas, no plural. Deixa de ser importante uma cultura em comum, para vigorar culturas específicas, de diferentes identidades, das nacionais às regionais. A cultura está ligada a política e a economia, como uma força para mudança social. Pois é por meio da cultura que a política e a economia se articulam. Os estudos culturais estão formados, definitivamente. Seu futuro consiste em abrir os olhos dos trabalhadores, a partir da produção intelectual, para que entendam as pressões que sofrem, tanto pessoais, quanto políticas, com incutir uma tentativa de resistência em busca de uma nova ordem social. Isto é o que Williams chama de: uma jornada de esperança. Sob a ótica materialista, a amplitude de alcance dos estudos culturais, o desejo de Williams, era o de democratizar as produções intelectuais, visando a mudança de perspectiva dos trabalhadores, sobre o papel que exercem na sociedade vivem, levar obras tradicionais à essa população e mudar certos pontos de vista, mudar as formas de ver e viver no mundo.
A Confederação Nagô-Macamba-Malunga dos Abolicionistas: O Movimento Social Abolicionista no Rio de Janeiro e as Ações Políticas de Libertos e Intelectuais Negros na Construção de um Projeto de Nação Para o Pós-Abolição no Brasil