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Cultura

A definição de cultura é bem ampla e pode ser desde “a ação,


efeito ou modo usado para tratar a terra ou as plantas; cultivo”
até “o conjunto dos conhecimentos adquiridos”. Para as Ciências
Sociais a definição é mais complexa e tem sido alvo de estudo
principalmente da Antropologia desde o século XIX.
Cultura e a Teoria do Evolucionismo: o século XIX.
Para o antropólogo Edward Burnett Tylor (1832-1917) cultura é o
conjunto complexo de conhecimentos que expressa a totalidade da
vida social humana: crenças, arte, moral, direito e os costumes
adquiridos pelos indivíduos em uma sociedade. Tylor afirmou na sua
obra “Cultura primitiva” que a diversidade cultural dos povos
contemporâneos reflete os diferentes estágios evolutivos, os povos
tribais representariam a escala mais primitiva e o estágio mais
avançado seria alcançado pelos europeus. A Teoria do Evolucionismo
inspirou as ideias racistas do século XIX ao incluir todas as
populações em uma única trajetória humana (dos primitivos aos
evoluídos).
Em 1930 foi publicada a primeira edição da história em quadrinhos do Tintim, um repórter belga
que fez uma expedição ao Congo. Tintim é visto como um ser superior pelos congolenses,
mostrando claramente como a Teoria do evolucionismo se refletiu na cultura, hierarquizando
sociedades e criando imagens preconceituosas no imaginário das pessoas.
Crítica a Teoria evolucionista

Desde o final do século XIX a Antropologia critica a teoria evolucionista que trazia a ideia de progresso
relacionada à hierarquização, além de afirmar que somente as sociedades mais evoluídas possuíam
cultura. O antropólogo Franz Boas foi o pioneiro na modernização do conceito, trazendo uma perspectiva
pluralista das diferentes formas de cultura tornando possível a destruição da hierarquização do termo.
Para Boas existem diferentes manifestações culturais de acordo com a particularidade histórica de cada
processo e compartilhada por todos os indivíduos, sem uma escala hierárquica. Posteriormente a ideia
trazida pelo antropólogo alemão ficaria conhecida como relativismo cultural.
As duas imagens são exemplos da percepção da cultura do outro através do seu olhar, da sua visão de
mundo, exatamente o oposto do que é defendido pela teoria do relativismo cultural.
Padrões culturais: o século XX
O trabalho do antropólogo Boas continuou no século XX através de suas duas alunas Margaret Mead
(1901-1978) e Ruth Benedict (1887-1947) que deram bastante destaque a regularidade das práticas
culturais das diferentes realidades chamadas assim de padrões culturais. Tanto para Ruth quanto para
Margaret a cultura moldava as personalidades em tipos-padrão, ou seja, a diferença nas personalidades
não está vinculada ao caráter biológico mas sim à maneira como a cultura define a educação das crianças
em cada sociedade.
Ainda no século XX a teoria de Boas sofreu críticas dos antropólogos Marvin Harris (1927-2001) e Julian
Steward (1902-1972) considerando que o foco exagerado nas especificidades impedia uma reflexão mais
abrangente da sociedade.
Ainda no século XX, mais precisamente na década de 60, três antropólogos contribuíram ainda mais para
a discussão do que é cultura: David Schneider (1918- 1995), Marshall Sahlins (1930 - ) e Cliford Geertz
(1926-2006). Influenciados pelo término da Segunda Guerra Mundial e as mudanças profundas na
sociedade, os antropólogos criticavam o caráter estático do conceito de cultura, pois essa também sofria
as mudanças da sociedade passando a ser vista como um conjunto de códigos simbólicos, um sistema de
signos e significados criados por um grupo social, conhecer cultura significa então interpretar símbolos,
mitos e ritos.
O século XXI
Desde o final do século XX o termo cultura vem novamente sendo criticado pelos antropólogos pós-
modernistas. Segundo eles o termo cultura é autoritário pois impõem à revelia algumas imagens dos
grupos que são descritos já que alguém sempre fala por eles. Podemos citar como exemplo as imagens
representadas para a comemoração do “dia do índio” em 19 de Abril nas várias escolas do país.

A primeira imagem é de um mural utilizado no Ensino Infantil de uma escola brasileira para comemorar o
“Dia do Índio” e não reflete a diversidade do nosso povo nativo, contribuindo assim para a noção
autoritária e simplista desses povos.
A utilização da palavra cultura – segundo os pós modernistas- incentiva a propagação de estereótipos,
colaborando para a hierarquização da sociedade, porém como há a necessidade de um conceito para lidar
com as diferenças entre sociedades e grupos, o termo utilizado nesse início de século é identidade. De
acordo com os cientistas sociais o novo conceito é uma ótima ferramenta teórica para pensar a
diversidade.
Alguns defensores do conceito cultura criticam os pós-modernistas alegando que esses estariam se
referindo ao conceito estático utilizado no início do século XX. Assim se a palavra for bem empregada ainda
pode ser um importante instrumento de luta contra os estereótipos.
Em suma, o conceito cultura que nasceu em oposição as narrativas evolucionistas do século XIX, e que
depois foi substituído pela palavra identidade pois seus críticos afirmavam que não dava voz as populações
investigadas, ainda é válido e bastante utilizado na atualidade.
Cultura material e imaterial –
Cultura material é todo tipo de patrimônio cultural concreto e palpável de um determinado povo
que ajuda a identificar e caracterizar o povoado e a história da região.

O traje típico das baianas que vendem acarajé é um exemplo de cultura material.
Patrimônio cultural material - são as obras que são mantidas preservadas propositalmente, pois,
já fazem parte da história e, automaticamente, ao serem avistados são associados com a local em
questão. Como por exemplo o Cais do Valongo no Rio de Janeiro tombado em 2018 que é o único
vestígio material da chegada de escravizados no continente americano
A cultura imaterial é composta pelos elementos não concretos e palpáveis, cujos significados e
representação remetem naturalmente a história de um povo/cidade. Como exemplo temos as crenças
que reforçam a tradição e os costumes locais.

O patrimônio cultural imaterial de uma sociedade é passado de geração a geração, visto que são saberes
e conceitos abstratos, os quais necessitam ser constantemente reproduzidos para que não corram o risco
de desaparecerem.

Os rituais indígenas do Brasil são exemplos da cultura imaterial.


Cultura erudita e popular

A separação entre cultura popular e erudita está relacionada a divisão da sociedade em classes atribuindo
um caráter superior a erudita e inferior a popular. Expressões artísticas como a música erudita europeia, as
artes plásticas, o teatro e a literatura de cunho universal seriam considerados eruditos. As expressões mais
genuínas de um povo são chamadas de cultura popular: mitos, contos, danças, músicas e artesanato. Tal
atribuição é negada por vários cientistas sociais como por exemplo Alfredo Bosi.
Para Alfredo Bosi a cultura não é um produto que se adquire, mas algo que se faz, logo não há sentido em
comparar a cultura popular com a erudita, não devemos utilizar a noção de posse de cultura como
elemento de diferenciação social.
A música clássica faz parte da cultura erudita.
A Literatura de Cordel é um exemplo de cultura popular.
Etnocentrismo: a palavra seria a junção de “éthnos” (raça, povo) e “centrismo” (focado em, no centro de).
A expressão é usada para se referir a uma visão de mundo específica, que considera o seu próprio grupo
(étnico, nacional) mais importante do que os demais, sendo assim o mecanismo principal das teorias
evolucionistas. Um exemplo foi o encontro dos portugueses e indígenas no Brasil após a invasão em 1500,
os nativos foram descritos pelos colonizadores como inferiores, como podemos perceber na carta de Pero
de Magalhães.

“Os índios andam nus sem nenhuma cobertura. Vivem em aldeias com 7 ou 8 casas. Cada casa está cheia de gente e
nela cada um tem sua rede de dormir armada. Não há, entre eles, nenhum Rei, nem Justiça, somente em cada aldeia
tem um principal que é como capitão, ao qual obedecem por vontade e não por força. (...) Este principal tem três ou
quatro mulheres (...) Não adoram coisa alguma nem acreditam que há depois da morte glória para os bons, e pena para
os maus. Assim, vivem bestialmente sem ter conta, nem peso nem medida.” (Pero de Magalhães Gandavo, Tratado da
Terra do Brasil, século XVI)
O etnocentrismo também está relacionado a outras formas de preconceito que, infelizmente, ainda estão
enraizadas em nossa cultura. Podemos achar relações estreitas do etnocentrismo com o racismo, a
xenofobia e a intolerância religiosa. Hoje em dia devemos combater a visão preconceituosa e unilateral
do etnocentrismo. Seu oposto é o relativismo cultural.
Relativismo cultural O
termo – que começou a ser criado por Franz Boas - é o contrário do etnocentrismo e a representa o
pensamento não preconceituoso. Outros cientistas sociais também colaboraram para tal mudança:
Bronislaw Malinowski e Claude Lévi-Strauss. O relativismo cultural é a maleabilidade para entender as
peculiaridades de outras culturas. O ato de relativizar consiste em desprender-se de uma rigidez para
analisar questões baseadas em casos específicos, ou seja, a análise baseia-se em questões relativas a
cada caso. O termo relativismo enfrenta críticas porque para relativizar é imprescindível aceitar tudo o
que cada cultura produz. Todavia alguns costumes nos parecem inaceitáveis ferem os direitos humanos,
como por exemplo as mutilações genitais impostas às mulheres em alguns países islâmicos. Uma solução
para esse impasse seria verificar se o costume oprime um determinado grupo e criticá-lo sim, mas com
base na cultura analisada.
Assimilação - É o processo pelo qual uma determinada cultura absorve as características culturais de uma
outra civilização. Ou seja, quando um determinado povo se relaciona com outra cultura de tal maneira
que acaba perdendo traços culturais próprios, absorvendo elementos do povo ao qual está se
relacionando. Como exemplos temos os povos conquistados pelos romanos na antiguidade que
assimilaram o catolicismo.

O conceito assimilação também é alvo de críticas, alguns autores como Nathan Glazer afirmam que o
termo não trata de grandes grupos. O conceito foi criado nos EUA após a 2ª Guerra Mundial com o
objetivo de fazer possível a existência de um novo homem que surgiria nos EUA. Tal processo porém não
levou em conta a nem a população nativa nem os escravizados.
Culturas híbridas
(...) “entendo por hibridação processos socioculturais nos quais estruturas ou práticas discretas, que
existam de forma separada, se combinam para gerar novas estruturas, objetos e práticas” (CANCLINI,
2015, p. XIX). O
termo cultura híbrida criado pelo antropólogo Néstor Canclini afirma que no mundo globalizado não há
uma cultura pura. Tal processo teria começado no século XIX e se intensificado no XX através do cinema,
televisão e posteriormente a internet. Países dominantes conseguiram impor sua cultura havendo então
uma enorme mistura de expressões, fazendo parte de uma cultura mundial.

Mangá em Português é um exemplo de como as culturas


circulam sem fronteiras.
Apropriação cultural

Outro termo importante e também complexo é “apropriação cultural”. Segundo o antropólogo Rodney
William “apropriação cultural é um mecanismo de opressão por meio do qual um grupo dominante se apodera de uma
cultura inferiorizada, esvaziando de significados suas produções, costumes, tradições e demais elementos. É uma
estratégia de dominação que visa apagar a potência de grupos histórica e sistematicamente inferiorizados, esvaziando
de significados todas as suas produções, como forma de promover seu genocídio simbólico. Apropriação cultural e
racismo são temas imbricados”, ou seja, o elemento específico de uma cultura é utilizado fora do seu contexto
específico, sendo assim esvaziado. Podemos citar como exemplo o uso de turbantes por pessoas brancas como artigo
de moda, esvaziando assim um símbolo de luta.

A apropriação cultural deve ser combatida porque algo característico de uma determinada cultura é esvaziada/
retirado de seu significado, ou seja, os elementos de resistência são transformados em produtos.
Cultura de massa

O termo criado pelos filósofos e sociólogos da Escola de Frankfurt Theodor Adorno e Max Horkheimer é
empregado para significar o processo de produção de bens de consumo (de vários tipos) que alcancem
uma grande parcela da população, com fins fundamentalmente lucrativos e comerciais. A cultura de massa
é um objeto da indústria cultural que será melhor abordado no próximo capítulo sobre cultura e ideologia.
Indústria Cultural

Com base no pensamento marxista Max Horkheimer (1895-1973) e Theodor Adorno (1903-1969)
analisaram a relação entre cultura e ideologia com base no conceito de Indústria cultural. Segundo os
pensadores da importante Escola de Frankfurt, esse novo conceito permitiria explicar a vulgarização da
cultura e a exploração comercial.
O conceito desenvolvido por Adorno e Horkheimer se refere à ideia de produção em massa, que passou a
ser adaptada à produção artística. Algumas empresas passaram a produzir cultura como um produto,
visando somente o lucro. É uma nova concepção de se fazer arte e cultura, utilizando-se técnicas do
sistema capitalista, muito comum nas fábricas e indústrias.

De acordo com a nova lógica da Indústria cultura, músicas, filmes, espetáculos e outras obras, são
desenvolvidos sob a lógica de produção em massa, tendo sendo as mesmas tonalidades, compassos
previamente marcados. O pensamento dominante passa a influenciar o modo como os artistas produzem
e como os telespectadores consomem a cultura. Um quadro ou uma música são reproduzidos de forma
padronizada, mesmo que possuam cores e estilos diferentes.
NY, 5ª Avenida, 21 de Setembro de 2012. Centenas de pessoas esperavam aglomeradas na porta da loja
para ser o 1º comprador da versão mais recente do celular. O homem da foto foi o 1º e comemora sua
felicidade.

A sociedade como um todo passa a ser homogeneizada e a felicidade é colocada nas mãos dos
consumidores mediante a compra de alguma mercadoria ou produto cultural, fortalecendo os valores
capitalistas. A indústria cultural seduz assim a todos, pois cria uma sociedade imaginária, sem conflitos e
sem desigualdade, garantindo assim seu objetivo: lucro e manutenção do pensamento dominante.
Principais características da indústria cultural:
- Finalidade: lucro
- Padronização dos gostos e interesses dos consumidores
- Massificação dos produtos
- Produtos fáceis de serem consumidos
- Homogeneização dos gostos = produtos

Dentro da Indústria Cultural a peça fundamental explorada é a alienação do povo.


Indústria Cultural e cultura de massa

Como explicado anteriormente, a própria indústria trabalha em prol da alienação das pessoas através da
homogeneização dos gostos e interesses pessoais para que os produtos sejam consumidos sem uma
reflexão a seu respeito. E para tal tarefa, de todos os meios de comunicação, a televisão ainda é (talvez em
breve será desbancada pela internet) o mais forte agente de informações e entretenimento

“TV é o meio preferido de 63% dos brasileiros para se informar, e internet de 26%, diz pesquisa
Preferência por TV chega a 89% se levadas em conta as duas principais opções das pessoas. Pesquisa foi
encomendada pela Secretaria de Comunicação do governo e realizada pelo Ibope.”
Os meios de comunicação em massa criaram a ilusão de cada indivíduo possui
liberdade para escolher. Posteriormente, a ilusão de satisfação por consumir
torna o indivíduo cada vez mais inserido num ciclo de consumir e se conformar,
retirando dele sua capacidade crítica.
As duas imagens são exemplos da arte sendo representada como entretenimento.
A Teoria da Indústria cultural de Adorno e Hokerheim também foi alvo de
críticas, principalmente ao que se refere à destruição da nossa capacidade de
discernimento. Walter Benjamin (1886-1940) que era companheiro de trabalho
de Adorno, afirmada que essa nova maneira de fazer cultura poderia ajudar a
desenvolver o conhecimento, a arte que no passado fora restrita a grupos mais
privilegiados agora estaria a disposição de todos, tornando-se algo mais
democrático.

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