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CPTL - CÂMPUS DE TRÊS LAGOAS

[0783] HISTÓRIA – LICENCIATURA

Do “descobrimento” ao presente: as representações indígenas feitas pelos europeus e


seus reflexos na atualidade1

COSTA, Gabrielli Oliveira Rocha2

Introdução: As relações e trocas culturais entre os povos originários e os europeus, é um


estudo que nos acompanha desde o “descobrimento” 3. No entanto, o homem branco é
cotidianamente representado como o protagonista e até herói. Também se encontra uma forte
presença dos Africanos dentro desses estudos, entretanto até a escravidão indígena muito forte
nos primeiros anos da colonização brasileira e massiva na meso-américa e nos Andes tem sua
existência constantemente negada.

Estes povos foram conduzidos ao esquecimento e deixados à parte da nossa história, como
explicita Ronaldo Vainfas em seu texto “Colonização, Miscigenação e Questão Racial: notas
sobre equívocos e tabus da historiografia brasileira”, ao dizer que, com exceção de ser foco da
catequização, mão-de-obra e inspiração para o imaginário europeu, o indígena quase não foi
objeto de estudos dos historiadores.4

Como se explica tal descaso em relação a povos que são parte integrante da nossa cultura, da
onde parte de nossos costumes, alimentação e tantas outras características vieram? Como
tornar invisível um povo que faz parte das nossas raízes? Como podemos negá-los direitos tão
básicos a existência como se faz hoje em dia?

Portanto, entender como foram representados para o mundo e a importância dada aos povos
que já habitavam essas terras antes da chegada europeia é de suma importância, já que essas
representações influenciam a visão atual sobre estas pessoas e principalmente nas suas
presentes condições de vida. Este é o tema a ser discutido nas seguintes páginas sob o viés
cultural que cruza o assunto de forma a se misturarem, com a finalidade de questionar e rever
verdades absolutas.

1
Ensaio realizado como exigência para a disciplina de prática em ensino e pesquisa de história
multiculturalismo, povos indígenas e diversidade, ministrada pela Prof. Dra. Cintia Lima Crescêncio.
2
Graduanda em História na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), campus de Três Lagoas
(CPTL). Email: gabicosta120@gmail.com
3
É usada aspas pois as terras da américa não foram descobertas pelos europeus, já havia povos as habitando
antes de sua chegada.
4
1999, página 9.
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O texto será dividido em tópicos onde no primeiro tentarei definir e historicizar o termo
cultura sob a luz de livros de escritores aclamados dentro deste tema e algumas outras
abordagens em relação a temática. Em seguida conversaremos sobre o imaginário europeu
sobre a América e as representações feitas pelos mesmos após o primeiro contato com os
indígenas, e por último concluirei o desenvolvimento do texto discutindo sobre como e no que
essas representações afetam e influenciam a vida dos povos originários e as nossas na
atualidade.

Cultura

Em “Cultura e Imperialismo” Edward W. Said define cultura em duas frentes sendo elas: 1)
Cultura como, no geral, formas estéticas que servem para o deleite; 2) Cultura como conceito
que inclui elementos de elevação e refinamento, o melhor de cada sociedade no saber e no
conhecimento. Said destaca o perigo da segunda definição ao dizer que isto faz com que as
pessoas venerem sua própria cultura e separem-na do mundo.

Para Peter Burke5 o termo ainda inclui atitudes, mentalidade, valores e que “a ideia de cultura
implica a ideia de tradição de certos tipos de conhecimentos e habilidades legados por uma
geração para a seguinte”.6 Na mesma obra Burke comenta que Edward Thompson 7 chama
cultura de “termo desajeitado” que amontoa as coisas, esconde as distinções e tende a “nos
empurrar para noções excessivamente consensuais de holísticas8”.9

No entanto, para construir um debate mais completo sobre o termo me apropriarei do livro
“Cultura um conceito Antropológico” de Roque de Barros Laraia 10, que ajudará na
historicização do termo, ou seja nos mostrará as fases, definições e mudanças que o vocábulo
sofreu no passar dos anos.

Existem teorias antigas e persistentes que atribuem capacidades específicas inatas a “raça”,
como bem exemplificado no pensamento de que “os brasileiros herdaram a preguiça dos
negros, a imprevidência dos índios e a luxúria dos portugueses” 11. Mesmo os antropólogos
5
Historiador inglês doutor na universidade de Oxford.
6
“O que é história cultural?”. Página 25. Zahar, 2º edição.
7
Historiador britânico da concepção teórica marxista e é considerado como o maior historiador inglês do século
XX.
8
Holístico ou holista é um adjetivo que classifica alguma coisa relacionada com o holismo, ou seja, que
procura compreender os fenômenos na sua totalidade e globalidade.

9
“O que é história cultural”.. Página 23. Zahar, 2º edição.
10
Antropólogo brasileiro.
11
Laraia, Roque de Barros. “Cultura um conceito Antropológico”. Página 17. RJ, 1993.
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estando convencidos de que as diferenças genéticas não são determinantes das diferenças
culturais, esses pensamentos permanecem permeando o pensamento popular.

De acordo com Felix Keesing12 não existe correlação significativa entre a distribuição dos
caracteres genéticos e a distribuição de comportamentos culturais. Qualquer criança pode ser
educada em qualquer cultura, se for colocada desde o início em uma situação conveniente de
aprendizado, opondo-se assim a teoria do Determinismo Biológico (exemplificado a cima).

Em pelo menos dois dos parágrafos da declaração feita por vários especialistas reunidos em
1950 sob os auspícios da UNESCO, encontra-se um conteúdo que assim como Kessing refuta
o determinismo biológico pelo qual cultura estava subordinado em termos de pensamento
cientifico. No parágrafo 15 b) lê-se que “ As pesquisas científicas revelam que o nível das
aptidões mentais é quase o mesmo em todos os grupos étnicos”. Sendo assim concluí-se que
age-se diferente em decorrência de uma educação diferenciada, processo este nomeado de
endoculturação.

Após as decorrências do determinismo biológico entra em cena o determinismo geográfico


que foi popular do fim do século XIX e início do XX, mas que logo em 1920 começou a ser
refutado por antropólogos. As críticas se baseavam na existência de limitações na influência
geográfica sobre os fatores culturas, além de esta teoria ignorar totalmente a possibilidade e a
comum diversidade cultural contidas em um mesmo espaço físico muito bem exemplificada
por Felix Kessing na seguinte frase:

“Os índios Pueblo e Navajo, do sudoeste americano, ocupam essencialmente o mesmo hábitat, sendo que alguns
índios Pueblo até vivem hoje em "bolsões" dentro da reserva Navajo. Os grupos Pueblo são aldeões, com uma
economia agrícola baseada principalmente no milho. Os Navajo são descendentes de apanhadores de víveres,
elite se alimentavam de castanhas selvagens, sementes de capins e de caça, mais ou menos como os Apache e
outros grupos vizinhos têm feito até os tempos modernos. Mas, obtendo ovinos dos europeus, os Navajo são hoje
mais pastoreadores, vivendo espalhados com seus rebanhos em grupos de famílias. O espírito criador do homem
pode assim envolver três alternativas culturais bem diferentes — apanha de víveres, cultivo, pastoreio — no
mesmo ambiente natural, de sorte que não foram fatores de hábitat que proporcionaram a determinante principal.
Posteriormente, no mesmo habitat, colonizadores americanos tiveram que criar outros sistemas de vida baseados
na pecuária, na agricultura irrigada e na urbanização.”13

Edward Tyler14 conceituou Cultura do modo como utilizado atualmente pela primeira vez,
oficializando uma ideia que era fomentada na mente humana há séculos. Tyler sintetizou os
termos kultur (germânico) e civilization (francês), abrangendo assim em uma única palavra,
12
Antropologista neozelandês.
13
KISSING, Felix, 1961 apud., LARAIA, Roque de Barros. “Cultura um conceito Antropológico”. Página 23.
RJ, 1993.
14
Antropológo britânico.
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(o vocabulário inglês culture), as possibilidades humanas e marcando também o caráter de
aprendizado da cultura.

Locke15, em seu ensaio sobre o entendimento humano, procurou demonstrar que a mente
humana não é nada além de uma caixa vazia dotada de uma capacidade ilimitada de obter
conhecimentos através da intitulada endoculturação. Também refutou ideias correntes da
época de princípios/verdades inatas impressos hereditariamente na mente humana.

Como é possível ver no exposto até agora, o conceito de cultura foi fragmentado pelas várias
reformulações. A antropologia moderna tem como uma de suas tarefas mais trabalhosas a
reconstrução do vocativo.

Porém, Ruth Benedict16, no livro “O crisântemo e a espada”, redige que a cultura funciona
como uma lente através da qual o homem vê o mundo. A nossa herança cultural nos
condicionou a reagir depreciativamente à sujeitos que agem fora dos padrões aceitos pela
comunidade.

O imaginário e as representações

Iniciemos o tópico com um poema:

“Quando o português chegou

Debaixo duma bruta chuva

Vestiu o índio

Que pena! Fosse uma manhã de sol

O índio tinha despido

O português.”17

Este poema esclarece que a dominação portuguesa não foi ao acaso, um clima diferente não
mudaria a situação, pois as condições e intenções desse grupo não dependiam das condições
climáticas, pensar essa intencionalidade é importante para que se entenda o decorrer deste
tópico.

Antes de comentar sobre como os indígenas foram desenhados para o mundo temos que
compreender o que o homem branco esperava encontrar ao chegar às novas terras. Para tal

15
Jhon Locke (1632-1704),filósofo inglês conhecido como o pai do “liberalismo”, considerado o principal
representante do empirismo britânico e um dos principais teóricos do contrato social.
16
Antropóloga estadounidense.
17
ANDRADE, Oswald de. Erro de português.
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usaremos como base para nossa análise o estudo feito na primeira parte do livro “O diabo e a
terra de santa cruz” de Laura de Mello e Souza18.

O achado das terras não foi apreendido como novidade no começo, já que chamando de índios
os aborígenes procuravam encontrar aqui o que viam nas narrativas de viagem que tanto
instigavam o imaginário europeu, buscavam a confirmação do que já sabiam e relutavam o
reconhecimento daquele que já habitava a região. Todorov 19 faz a seguinte afirmação sobre a
figura de Colombo: “Ele pensa que essas terras são ricas, pois deseja firmemente que o sejam;
sua convicção é sempre anterior à experiência.”

É importante ter em mente que essa era uma época em que ouvir valia mais do que ver, logo
os olhos enxergavam primeiro o que se ouvia. Sendo assim tudo o que se via passava pelo
filtro dos relatos das viagens fantástica à terras longínquas onde habitavam homens
monstruoso. Nesta nova era os pensamentos medievais e aventureiros se uniram.

Tomemos como exemplo “As viagens de Mandiville” que exemplifica bem essa fronteira
extremamente fluida entre real e imaginário. O texto é dividido em duas partes que se
diferenciam bem entre si, a primeira metade é precisa em observações e documentos, bem
diferente da segunda que é largamente imaginária.

Deste modo é observável que foi construído todo um mito, digno de Tolkien 20, sobre as terras
desconhecidas, e é amplamente possível que este imaginário fértil tenha influenciado a visão
de Caminha que encontramos nas cartas direcionadas a coroa. Além disso, destaca-se também
a visão de Frei Vicente de Salvador 21 que associou a visão dessa nova porção de terra as
possessões demoníacas.

Enquanto edenizava-se a natureza, incorporando-a à esfera sagrada e a colocando como a


prova da existência de Deus, o homem natural da terra é demonizado. Mas também notamos
que quase nunca a natureza é dissociada do homem já que a intenção de colonizar é fazer com
que esta tenha uma função corretiva no tocante às mazelas da metrópole.
“Os colonos não colhem, os benefícios vindos da colonização, que frutificam fora, na Europa. Ora,
primeiramente o tom negativo destoa das demais formulações, positivas, onde o Brasil aparece sempre
como devendo cumprir um grande destino, bafejando que é pela generosidade do Criador.” 22

Porém, havia uma outra face dessa edenização da natureza, uma detratora e até mesmo
infernalizada. Não houve uma sequência linear e ordenada entre um movimento e outro. Ao
emergir as especificidades do novo continente a edenização foi ameaçada, a descoberta de
homens e bichos estranhíssimos carimbou essa ameaça, como se aos poucos fossem se
decepcionando com a descoberta.
“A América não era como tinham imaginado; e até os mais entusiastas (dentre os humanistas) tiveram
desde cedo que aceitar o fato de que os habitantes desse mundo idílico podiam ser também viciosos e
belicosos, e às vezes se comiam uns aos outros.” 23

18
Historiadora e professora universitária brasileira.
19
Tzvetan Todorov foi um filósofo e linguista búlgaro.
20
J.R.R. Tolkien foi um premiado escritor, professore universitário e filosofo, doutor em letras e filologia pela
Universidade de Liégi e Dublin e autor de obras como “O hobbit, Senhor dos anéis e O Silmarillion.
21
Religioso franciscano, conhecido como o pai da historiografia brasileira.
22
1986, pp. 42.
23
J.H, Elliott, The old world and the new – 1492-1650, pp.27.
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Agora, observando o olhar sobre os habitantes das terras, vemos que também os imaginavam
como fantásticos, mas também como monstruosos, os nativos configuravam outro tipo de
humanidade. O homem ocidental se empenhava em confirmar sua normalidade confrontando-
a com a deformidade das raças imaginárias.

Colombo acreditava em monstros, em homens que por seus costumes decaíram da natureza
humana, homens selvagens, antropófagos, de feições disformes e horríveis, seres que causem
dificuldade ao tentar precisar se eram homens ou bestas. No entanto tudo que encontrou foram
homens selvagens e o admira ver homens bem feitos.

Esse imaginário reduziu o natural da terra, chegando a ponto de questionar sua humanidade, é
essa imaginação fértil do europeu que nos leva a segunda metade desse tópico.

“Vivem todos mui descansados sem terem outros pensamentos senão comer, beber e matar
gente, e por isso engordam muito... são mui inconstantes e mutáveis.” O indígena não era
acostumado a trabalhar sem necessidade, então nossa primeira representação desenha a
incompetência dos povos originários para o trabalho sistemático.

Apropriar-me-ei doas artigos “Visão Inaugural do Brasil” de G.Guiucci e “Imagens dos índios
no Brasil no século XVI” de Manuela Carneiro da Cunha para melhor construir argumentos
quanto as representações. Ambos textos têm quase o mesmo objeto de estudo e concordam na
falta de empatia do português, diferindo apenas no grau de intencionalidade que cada autor
enxerga nos europeus a partir de suas fontes.

Sendo assim, os indígenas sobre os quais conversaremos são aqueles dos espaços atribuídos
por Portugal pelo tratado de Tordesilhas, os próprios povos não tinham certeza sobre seus
limites e as visão sobre estes se limita no conhecimento de dois povos e os outros que estes
acusam de barbárie.

Dura um longo tempo a crença sobre a inocência, docilidade e a falta de crenças dos indígenas
mandadas por Colombo. Ao atracar sua nau no litoral brasileiro a primeira impressão de Pero
Vaz de Caminha é a mesma, de que vão todos nus e imberbes. Existia essa ideia de não
domesticação sobre os povos originários que fez Caminha ignorar completamente sua
genialidade, considerando-os bestiais e os vendo como uma tábula rasa.

O retraimento do primeiro contato e colocado como desconhecimento da disciplina e


disciplinar é exatamente a missão do colonizador. O homem branco teve pouco ou nenhum
interesse intelectual, mas muito em dominar. A colonização é contada como o embate entre o
renascentista europeu e o pré-histórico americano.

Descobrir algo era sinônimo de possuir, e o fato de ao avistarem as novas terras terem-nas
nomeado mostra que assim que os europeus pisaram pela primeira vez aqui já se
consideravam donos do território e das riquezas nele contidas. O nativo foi diminuído a objeto
de trabalho, informação e conversão.

A projeção da dicotomia “nós e os outros” para o plano externo é deveras explorado por
Guiucci que desconstrói esse espectro festivo da carta de Caminha e desmascara a hostilidade
fortemente presente que foi escondida por momentos como o do episódio com Diogo Dias,
que exemplifica bem a fala de Peter Burke em “O que é história cultural?”: “Uma aparente
inovação pode mascarar a persistência de uma tradição”.

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A visão que se terá sobre os povos originários por muitos anos é completada por Vespucci
que os caracteriza como pessoas de guerras desinteressadas embora bestiais e de uma
antropofagia de vingança e não alimentar.

A primeira discrição detalhada dos indígenas é feita a partir do sequestro de dois soldados
tupiniquins. A civilização primeira rapta para logo depois redimensionar a semântica de
significação da conduta a fim de legitimar a justiça de seu projeto ideológico e político. Aqui
novamente a nudez é ligada à inocência/demência, o cronista refere-se os indígenas como
tosquiados o que revela o tratamento que “mereciam essa bestas mal agradecidas que fugiam
dos interrogatórios da civilização”.

O cronista acha assombroso ao ver que os sequestrados não se dirigem ao capitão e não fazem
cortesia alguma, os tupiniquins foram considerados do mesmo nível dos degredados
condenados a morte. Laraia diz em seu livro que “o modo de ver o mundo, as apreciações de
ordem moral e valorativa, os comportamentos sociais e mesmo as posturas corporais são
assim produtos de uma herança cultural, ou seja, o resultado da operação de uma determinada
cultura”, é exatamente essa leitura que faltou ao cronista ao se ofender com a reação dos
indígenas a extrema hierarquização encontrada dentro da nau.
“O etnocentrismo, de fato, é um fenômeno universal. É comum a crença de que a própria sociedade é o
centro da humanidade, ou mesmo a sua única expressão. As autode-nominações de diferentes grupos
refletem este ponto de vista. Os Cheyene, índios das planícies norte-americanas, se autodenominavam
"os entes humanos"; os Akuáwa, grupo Tupi do Sul do Pará, consideram-se "os homens"; os esquimós
também se denominam "os homens"; da mesma forma que os Navajo se intitulavam "o povo". Os
australianos chamavam as roupas de "peles de fantasmas", pois não acreditavam que os ingleses fossem
parte da humanidade; e os nossos Xavante acreditam que o seu território tribal está situado bem no
centro do mundo. É comum assim a crença no povo eleito, predestinado por seres sobrenaturais para ser
superior aos demais. Tais crenças contêm o germe do racismo, da intolerância, e, frequentemente, são
utilizadas para justificar a violência praticada contra os outros.” 24

O etnocentrismo europeu fica explicito quando admitem que os habitantes da américa não
possuíam fé, lei e rei por não possuírem em sua língua as letras F, L e R. Em momento algum
foi considerada a possibilidade de uma pronuncia de som diferente para essas mesmas
palavras.

O comportamento etnocêntrico também resulta em apreciações negativas de padrões culturais


de outros povos, práticas desses outros sistemas são catalogados como absurdos, deprimentes
e imorais. Coloco aqui como exemplo a choque europeu com a sexualidade indígena pelo fato
de práticas comuns serem considerado pecado lá. Até a limpeza deles foi posta como barbárie
e ignorância, o cronista animaliza sistematicamente o nativo admitindo que por serem limpos
não possuíssem casas.

Havia discussões sobre o que fazer com o outro que não pela ética, mas sim pela preocupação
da efetividade da estratégia de dominação. O outro não era capaz de ensinar, pois era
primitivo e pré-histórico. Faltava ao europeu a capacidade e enxergar o indígena que foi
encaixado na imagem europeia e todo o resto foram ignorado.

A dominação não foi um caminho natural e muito menos pacífico, cada representação feita
pelo europeu, várias delas absurdas, as críticas que justificam a dominação são embebidas em
intencionalidade, não foi apenas falta de empatia, foi intencional.

24
1986, pp.75.
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Os reflexos na atualidade

No livro “A chegada do estranho” José de Souza diz que a conquista se tornou um sistema,
um modo vida. “A conquista se tornou a impossibilidade de mudar a situação dos países
latino-americanos”.25 Nesse primeiro capítulo ele discute principalmente sobre a negativação
da antropofagia e seu real significado.

O canibalismo ritual, para os povos que o praticavam, era uma forma de reconhecer a
humanidade do inimigo, ao comê-los os vencedores se apropriariam simbolicamente de sua
força e humanidade. Os indígenas da conquista não eram canibais por falta de humanidade
como criaram os conquistadores, era justamente o oposto, no entanto “os brancos, ao longo
dos séculos, têm interpretado o canibalismo indígena do ponto de vista da cultura da morte, de
que são portadores”.26

Mas com os mesmo olhos que os europeus olharam para os povos antropofágicos, outros
povos como, por exemplo os tapirapé, olham para a nossa prática de sepultar nossos mortos
no cemitério e a vêm como desrespeitosa, um sinal de abandono e incultura.

Todas as representações mostradas acima chegam a nós nos dias de hoje como uma série de
estereótipos e mentiras que interferem negativamente na realidade desses povos. Lilian Brandt
compilou afirmações que disseminam o discurso anti-indígena com argumentos falsos, ou seja
mentiras sobre os povos originários. Comentaremos sobre algum deles a seguir.

A primeira mentira é a crença de que os indígenas estão diminuindo em número e que em


breve não existirão mais. O problema geral dessa afirmação é a desinformação, acreditamos
que os índios estão gradualmente deixando de existir mesmo que os dados digam o contrário,
a consequência é que aos poucos paramos de pensar na situação deles, e assim é mais fácil
justificar a falta de seus direitos e nenhum respeito com suas vidas.

Brandt também cita a falácia de que os indígenas estão perdendo sua cultura, essa afirmação
resume comentários como “índio que usa celular não é mais índio”, em suma mudam a etnia
dos indígenas por usarem das mesmas facilidades que nos são dadas como naturais. Deixasse
de ser brasileiro por comer sushi ou por usar roupas importadas?

25
1993, pp.15.
26
1993, pp.18.
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A última mentira listada por Brandt que comentaremos é a de que os índios têm muitos
privilégios. Essa ideia é acompanhada pela de que todo índio recebe um salário do governo ao
nascer, a surpresa das pessoas que acreditam nisso ao descobrirem que não é verdade é
palpável. Ao contrário do que muito brasileiros acreditam não existem muitas vantagens sobre
ser indígena atualmente, o que realmente existe é coragem.

“No início do século XVII, o primeiro historiador brasileiro nascido na colônia, um franciscano que se
chamava Frei Vicente de Salvador, escreveu uma história do Brasil, cem anos após o início da ocupação
portuguesa do atual território brasileiro. Num certo momento conta a luta dos portugueses contra os
índios Potiguara e com orgulho narra que os portugueses enfiavam os prisioneiros indígenas nos
canhões para dispará-los contra os índios que ainda resistiam. Era um orgulho cristão, a fé contra a falta
de fé. Frei Vicente morreu há mais de trezentos anos, mas os índios Potiguara lutam ainda na Baía da
Traição, na Paraíba. É, provavelmente a mais longa história de conflito entre um povo indígena da
América e os conquistadores. Frei Vicente do Salvador está morto, mas os índios estão ainda vivos,
anunciando, como povo, que não querem morrer”.27

Sobre todas as mentiras, desrespeito cultural e de direitos, está a luta desses povos que mesmo
não possuindo suas próprias terras verdadeiramente, se renovam e não desistem assim como
os Xokó que não sabe que língua falavam seus ancestrais mas que através da toré (uma dança
típica) renasceram mesmo com poucas dezenas de pessoas.

Considerações finais

Deste modo, vimos o caminho cursado para obtermos o significado que o termo cultura tem
nos dias de hoje, e que as principais justificativas para a violência e dominação foram
colocados sobre a cultura.

Analisamos o contexto da chegada europeia, todo o imaginário que fez o homem branco
chegar a essas terras a procura de algo que já acreditavam saber, o quanto essa visão fantástica
interferiu nas relações entre os dois povos e em como os indígenas foram representados nos
espaços onde não estavam.

Debatemos sobre os reflexos que ainda carregamos pesarosamente durante os dias atuais, no
quanto essas representações bestiais ainda prejudicam a vida dessa população crescente no
país e finalizamos com o mais importante: a resistência dessas pessoas que começou com a
tomada da consciência do que a grande narrativa da civilização deixou de fora ou tornou

27
1993, pp.17.
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invisível e a luta diária que enfrentam em busca de se recriarem e manter suas raízes, sua
cultura.

Referencias bibliográficas

MARTINS, José de Souza. “A Chegada do Estranho”. São Paulo: Hucitec, 1993.

LARAIA, Roque de Barros. “Cultura: um Conceito Antropológico”. Rio de Janeiro:


Zahar, 1986.

BURKE, Peter. “O que é História Cultural”. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.

SAID, Edward. “Cultura e Imperialismo”. São Paulo: Companhia das letras, 2011.

CUNHA, Manuela Carneiro da. “Imagens de Índios no Brasil: O Século XVI”. 1990.

GUIUCCI, G. “Visão Inaugural do Brasil”.

SOUZA, Laura de Mello e. “ O Diabo na Terra de Santa Cruz”. São Paulo: Companhia
das letras, 1986.

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