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PONTIFICIA UNIVERSIDE CATÓLICA DE GOIÁS

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA


ESCOLA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES E HUMANIDADES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU
MESTRADO EM HISTÓRIA
FÁBIO DE SOUSA NETO

RESUMO DESCRITIVO: DEZ LIÇÕES SOBRE OS ESTUDOS CULTURAIS

GOIÂNIA
2019
FÁBIO DE SOUSA NETO

RESUMO DESCRITIVO: DEZ LIÇÕES SOBRE OS ESTUDOS CULTURAIS

Resumo apresentado ao Programa de Pós-Graduação


Stricto Sensu em História Cultural para obtenção de
nota na disciplina História e Estudos Culturais,
ministrada pelas professoras Dra. Thais Alves
Marinho e Sibele Aparecida Viana.

GOIÂNIA
2019
CEVASCO, M.E. Dez lições sobre os Estudos culturais. 2. ed. São Paulo: Boitempo,
2008. Capítulos 2, 4, 6, 11.

Propomos apresentar aqui preliminarmente os principais pontos da obra, Dez


lições sobre os Estudos Culturais de Maria Eliza Cevasco. Para tanto, seria preciso
recorrer ao texto integral tendo em vista os propósitos deste resumo em apresentar o
objeto, objetivos, hipótese e metodologia empregada pela autora. Sendo assim, verifica-
se que quanto ao objeto, trata-se de construir a gênese e o desdobramento dos Estudos
Culturais. O objetivo é anunciado na introdução onde se verifica que; visa mostrar “como
os estudos culturais surgiram em um determinado ambiente sócio-histórico, suas relações
com os estudos literários, suas principais conquistas teóricas e seu projeto intelectual”
(CEVASCO, 2008, p. 7). A hipótese sustentada é que a disciplina de Estudos Culturais
surge em razão de inquietações intelectuais resultantes de uma nova configuração sócio-
histórica. Quanto a metodologia a autora se debruça sobre as principais obras ou pesquisas
germinais privilegiando a obra de Raymond Williams, The uses of Literacy (1957) e no
contexto brasileiro, os autores Antônio Cândido e Roberto Schwarz.
Como sugerido, iniciamos essas considerações a partir do capítulo dois, “O tema
cultura e sociedade”. Aqui, a autora apresenta os significados de cultura lembrando que
seria uma categoria muito cara às ciências humanas a partir da década de 1950, e que
muito embora tenha antecedentes históricos, o ponto de partida seria a Inglaterra na
segunda metade do século XX. Antes, cultura ou civilização possuiriam funções
descritivas e normativas, entre o que era e o que deveria ser. No entanto, na radicalização
das mudanças no bojo da revolução industrial, percebe-se que o projeto
desenvolvimentista não poderia ser indicado, ainda mais, ao considerar no século IX, o
período imperialista em sua ênfase binária, civilização e barbárie. O desdobramento
seguinte foi outra ressignificação, cuja aplicação se daria como crítica às transformações
em curso. A autora pontua que as mudanças conceituais acompanham as transformações
sociais e revelam a historicidade dessas mudanças.
Seria exatamente nessa relação, que surge os debates em torno da cultura a partir
de 1950 na Inglaterra, na reorganização de uma Europa após a segunda grande guerra.
Seria nesse momento que outra mudança semântica ocorreria, passando do significado de
cultura como distinção social para um sentido antropológico, como modo de vida. Além
disso, Raymond Williams se destaca como o pioneiro dos estudos culturais percebendo
no período, o predomínio dos meios de comunicação de massas e um deslocamento das
tensões do político e econômico para o cultural, mas sobretudo, identificada ainda na
década de1950 uma interpenetração entre o político econômico e o cultural.
A autora passa agora a mapear as discussões sobre a cultura, tomando como ponto
de partida os livros, Culture and Society, 1780-1950 (1958) de Raymond Williams, The
uses of Literacy (1957) de Richard Hoggart e The Making of the Inglish Working Class
(1963) de E. P. Thompson. Na esteira de Williams todos estes autores tomados em
conjunto dão o tom da nova disciplina os Estudos Culturais denunciando a linguagem
aparentemente inocente da tradição britânica em Arnold e Leavis. Neste ponto Cevasco
anuncia a visão de Williams de cultura e sociedade, uma cultura em comum, de todos,
onde não haveria uma classe especial criadora de significados e valores, ou seja, em
oposição a uma visão burguesa de cultura anuncia uma cultura não individualista, em
comum, da solidariedade associada à classe trabalhadora.
Portanto, este seria o ponto de vista que une os três notáveis representantes dessa
nova tradição, Hoggart, Williams e Thompson. Este último, além de membro da New
Laft, provocou uma ruptura no modo como se fazia a história inglesa, recuperando a
“história vinda de baixo”. Os outros dois, vinham da classe trabalhadora, sendo Hoggart
o fundador da Centro de Estudos Culturais Contemporâneo (CCCS) cujo estudo pioneiro
se debruçou sobre os impactos da cultura de massas sobre a classe trabalhadora urbana,
contudo, não teria o mesmo impacto de Williams em seu The Uses of Literacy, diferindo
de Hoggart por seu ranço arnoldiano e dicotômico entre cultura e civilização.
Portanto, Cevasco conclui que a partir de 1960 insinua-se outra virada semântica
do conceito de cultura, dessa vez articulada as mudanças profundas do período. O mote
agora seria a diferença em detrimento do universalismo, onde Cultura em maiúsculo é
substituído por culturas no plural, além disso, acentua-se o cultural como campo em
disputa, o cultural se torna político.
Na terceira lição apresentada por Cevasco, “Contrapontos teóricos, cultura de
minoria versus cultura em comum”, a autora retoma o confronto entre duas concepções
de cultura no bojo da criação dos estudos culturais na Inglaterra. Primeiro retoma Arnold
em sua visão crítica e salvacionista da cultura, onde as classes médias são vulgares, os
aristocratas, bárbaros e os trabalhadores brutos e degradados. Não é sem razão que Arnold
sustentava uma educação humanística como forma de salvar a civilização. Dessa forma,
como pontua a autora, Leavis faria o mesmo durante a década de 1930 sob os processos
acelerados de industrialização e desenvolvimento tecnológico, onde aos literatos e a
literatura cabia a salvação da degradada civilização, ou seja, uma cultura de minoria ganha
contornos elitista e autoritário.
Tal proposta se mostra no pós segunda-guerra, algo irrealizável tendo em vista as
atrocidades cometidas por mentes eruditas e na impossibilidade utópica da literatura. Eis
então a proposta de Williams em que ao invés de uma cultura de minoria uma visão
intervencionista capaz de demolir as hierarquias culturais em que todos tivessem acesso
as realizações culturais. De outro modo, ao contrário da tradição arnoldiana explicitada
em Leavis, Hoggart, e Eliot em que a cultura estaria além do âmbito social, portanto,
deveria ser preservada enquanto passado no presente, Williams percebe que a cultura se
encontra na vida e depende da produção de significados do presente através da linguagem,
dos meios de comunicação que podem ao mesmo tempo potencializar e desespecializar o
acesso à cultura. Haveria, portanto, certa democratização da cultura, uma vez que defende
que a construção de uma cultura comum só seria possível dando a todos a possibilidade
de produzir cultura em detrimento de um grupo específico cuja produção seria consumida
por todos os outros. Outro ponto, desta vez em sintonia com Leavis, seria o papel central
da educação, admitindo a cultura como um campo de batalha, todavia, Williams seria
lúcido quanto ao idealismo salvacionista da cultura, admitindo dessa forma, as
complexidades das sociedades contemporâneas.
Por fim, Cevasco analisa os resultados da luta política levada a cabo pelos Estudos
Culturais, concluindo que não houve o acerto desejado, ou seja, não houve a
implementação da cultura comum, tão pouco de uma sociedade socializada, pelo
contrário, assiste-se, mesmo nos debates culturais o reaparecimento de elementos da
cultura de minoria em plena era da internet, prova disso, seria a verificação da existência
de defensores da cultura de minoria que rejeitam as mudanças ou produções de novos
cânones literários. Além disso, verifica-se os mesmos princípios elitistas nas discussões
sobre as novas tecnologias da comunicação, cujos conteúdos são por vezes considerados
lixo cultural, recomendando uma fuga para os museus e teatros. A problemática se coloca
ante as indagações sobre as razões dessas produções e seu consumo e não as novas
tecnologias em si mesmas.
No capítulo seguinte, “Formações intelectuais: a nova esquerda”, Cevasco aborda
o surgimento de importantes intelectuais alinhados a princípio à esquerda britânica e as
mais proeminentes universidades como Oxford e Cambridge. Entre os principais nomes
destacam-se os historiadores, Christopher Hill, Eric Hobsbawm, Victor Kiernan, Hilton,
Samuel, e E. P. Thompson. A virada do marxismo economicista ficara evidente na
abordagem desses historiadores, sobretudo ao considerarem escrever a história do ponto
de vista do povo, de seu modo de vida, esperanças, hábitos e cultura, essa seria a gênese
do marxismo cultural ou dos estudos culturais. O passo definitivo se deu com o
surgimento da Nova Esquerda com a crise de 1956 no desencantamento com o regime
soviético tendo em vista as atrocidades stalinistas, as novas configurações geopolíticas
com a perda da hegemonia britânica e o enfraquecimento da esquerda.
Diante das novas situações históricas e políticas, a New Laft se articula como
importante espaço de atuação política, produzindo novas lideranças intelectuais que se
dedicam aos estudos da cultura em detrimento das antigas abordagens econômicas. As
mudanças sociais desejadas eram defendidas agora no plano da cultura. A explicação para
tal deslocamento já fora anunciada com o clima de desencantamento com a esquerda tanto
no plano soviético quanto britânico. A autora discorre sobre o desenvolvimento da Nova
Esquerda, seus quadros intelectuais, seus novos objetos, sua inclinação ao cultural, suas
publicações até a New Laft Review em 1960 com Stuart Hall. Além disso, pontua sobre a
importância de Raimond Williams até sua morte em 1988 e a revisitação das produções
marxistas no bojo da década de 1970.
Por último, discorre sobre os impactos da New Laft considerando o movimento
como o solo histórico da floração de um instigante pensamento da esquerda na Grã-
Bretanha” (CEVASCO, 2008, p. 92). Um novo marxismo que se configura como
República das letras, de intelectuais, ou marxismo ocidental, mas que não deixa de
influenciar as políticas do Labour Party bem como a atmosfera intelectual e a
democratização do acesso ao ensino superior. O culturalismo surge como contraponto do
velho discurso marxista onde a cultura era dissociada do ser social e da realidade onde se
desenvolve a vida. Além disso, desvela-se que os meios de comunicação de massa são
instituição política mesmo em países mais democráticos. Estava dado o horizonte das
lutas e políticas culturais, tudo isso levado em consideração pelos Estudos Culturais. Os
limites da disciplina também se evidenciam em sua ênfase culturalista esquecendo por
vezes do campo do político como esfera de deliberação.
O último capítulo aqui em apreço, se intitula “Estudos Culturais no Brasil”, neste
ponto, Cevasco, empreende um esforço para captar as contribuições da disciplina no
contexto brasileiro. Haveria, no entanto, uma ressalva, algumas formas de estudos
culturais se desenvolveu no Brasil em período anterior a sua institucionalização pelo
mundo. Entretanto, a data inaugural em termos institucionais recua a data de 1998 com o
congresso da Associação Brasileira Literatura Comparada (ABRALIC), cujo tema fora
“Literatura Comparada: Estudos Culturais”. A principal discussão girava em torno de
duas perspectivas críticas em relação a literatura, conforme o crítico Raúl Antelo, a dos
politeístas e monoteístas. Evidentemente, essa última, seria identificada naquela tradição
elitista e autoritária leavisiana ou arnoldiana onde a literatura era concebida como
‘absoluta, eterna e atemporal’ (ANTELO, apud CEVASCO, p.174). Assim como no caso
Inglês, os estudos culturais no contexto brasileiro refletiam seu viés político e a ligação
da cultura com a realidade social.
O ambiente acadêmico de desenvolvimento dos estudos culturais no Brasil fora a
Universidade de São Paulo (USP), algo estranho em razão de sua origem elitista. Além
disso desenvolveu-se aqui, algo parecido com o contexto britânico, certo engajamento
intelectual a partir de uma nova esquerda encabeçada por Salles Gomes e Antônio
Cândido, quanto a data, ela recua em tempos anteriores a New Laft e mesmo a Raymond
Williams com a publicação da revista Clima, em 1941, ou seja antes do marco Inglês e
do desencantamento com o stalinismo em 1957. A autora identifica também a formação
de uma tradição brasileira tendo como referências três grandes obras e autores: Casa
grande e Senzala (1933) de Gilberto Freyre, Raízes do Brasil (1936) de Sérgio Buarque
de Holanda, e Formação do Brasil Contemporâneo (1942) de Caio Prado Júnior. Ressalta-
se também entre outras, a própria obra de Cândido, Formação da literatura brasileira
(1959), cuja obra aborda a relação cultura-sociedade a partir da literatura nacional.
Esse clima propiciou a segunda geração de estudos cultuais brasileiros
desenvolver críticas parecidas com a New Laft, contudo, com a distinção da
informalidade. Entre os intelectuais de variadas áreas oriundos da USP destacam-se;
Roberto Schwarz, Paul Singer, Arthur Giannotti, Fernando Novaes, Ruth Cardoso, Otávio
Ianni e Fernando Henrique Cardoso. A tradição produzia suas críticas a partir de baixo,
ou seja, privilegiavam o caipira, o negro, o imigrante e a religião popular.
Cevasco conclui, retomando a obra de Roberto Schwarz, Duas meninas. A leitura
crítica do autor da conta de como os estudos culturais no brasil lidam com o tema literatura
e sociedade ou cultura e sociedade. Nela, Schwarz analisa duas obras literárias Dom
Casmurro (1889) de Machado de Assis, e um diário da mesma época de uma menina
baiana, Helena Morley publicado em 1942. O que faz o autor, seria apresentar as relações
entre a alta literatura e literatura não canônica, uma leitura teórica a contrapelo de uma
ótica de classe. Cevasco conclui aproximando a crítica brasileira com a britânica em
termos de uma tradição que entende a cultura como imiscuída a vida social, em comum
portanto o marxismo cultural.

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