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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ACRE


PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
COORDENAÇÃO DO BACHARELADO EM HISTÓRIA

WEMERSON DE LIMA CUNHA

ROCK N’ ROLL NA AMAZÔNIA: EXPERIÊNCIAS MUSICAIS DO GRUPO CAPÚ


NA CIDADE DE RIO BRANCO

RIO BRANCO
2014
2

WEMERSON DE LIMA CUNHA

ROCK N’ ROLL NA AMAZÔNIA SUL OCIDENTAL: EXPERIÊNCIAS MUSICAIS


DO GRUPO CAPÚ NA CIDADE DE RIO BRANCO

Monografia apresentada como


exigência parcial para obtenção
do título de Bacharel em História
pela Universidade Federal do
Acre – UFAC, sob a orientação
do prof. Dr. Airton Chaves Rocha

RIO BRANCO – ACRE


2014
3

Monografia defendida e aprovada em ________/__________/__________, pela


banca examinadora constituída pelos professores:

________________________________________

Dr. Airton Chaves Rocha

________________________________________

Dr. José Dourado de Souza

________________________________________

MSc Geórgia Pereira Lima


4

AGRADECIMENTOS

Agradeço especialmente aos meus pais Wilson e Antonia, minha


companheira Mayanne e meus irmãos Weuller e Weliton pelo apoio e solidariedade
durante toda a graduação.

Agradeço também ao professor Dr. Airton Chaves Rocha pelo tempo


dedicado e pelas sugestões dadas para que esta monografia se concretizasse.

Aos professores Dr. José Dourado de Souza e MSc. Geórgia Pereira Lima
por terem aceitado participar da banca de qualificação.

Ao entrevistado Clenilson Batista, pelo tempo dedicado ao conceder a


entrevista, e pela confiança depositada.

Aos amigos Jorge Neto, Vagner Teles e Marcos Ricardo, com quem dividi
momentos alegres e difíceis.

Aos colegas de curso Zenilton, Marileide, Janáira, Luana, Tuti, João


Isaque, Ionice, Huendson, Thairini e Raquel pelas agradáveis conversas regadas a
vinho.
5

À minha filha Lavignia, amor da minha vida.

À Mayanne, companheira de todas as horas.

À meus pais, Wilson e Antonia, por nunca desistirem de oferecerem melhores


condições para os filhos.
6

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................................9

CAPÍTULO I: AMAZÔNIA SUL-OCIDENTAL TOCA ROCK....................................16

1.1 O Grupo Capú e a música rock em Rio Branco...................................................18


1.2 Formação dos sujeitos e a identificação com o rock............................................27

CAPÍTULO II: AS MÚSICAS DO GRUPO CAPÚ: ENTRE O REGIONAL E O


UNIVERSAL..............................................................................................................34

2.1 Música Acreana...................................................................................................34


2.2 Música Urbana.....................................................................................................41

CAPÍTULO III: UM PANORAMA DO ROCK NO SÉCULO XX.................................48

3.1 Ruídos que crescem: O surgimento da música rock............................................48


3.2 O rock n’ roll no Brasil..........................................................................................52

CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................58

FONTES E BIBLIOGRAFIA ......................................................................................59


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RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo tratar das experiências musicais do Grupo
Capú na cidade de Rio Branco e suas implicações ideológicas, redescobrindo suas
canções e suas atuações no cenário musical acreano. O recorte temporal consiste
na formação e atuação do grupo na cidade durante a década de 1980. Buscamos
compreender em que contexto o Grupo Capú está inserido, discutindo como esteve
configurada a cidade de Rio Branco no período analisado. Procuramos analisar
neste trabalho, como houve a formação musical dos membros do grupo,
compreendendo como houve a identificação com artistas nacionais e internacionais.
Também buscamos identificar nas músicas do grupo a temática que os músicos
imprimiram em suas composições, abordando elementos específicos da realidade
acreana e também elementos mais abrangentes de suas músicas. Além disso,
procuramos traçar um panorama do rock, rediscutindo seu surgimento nos anos
1950, sua emergência no Brasil, afim de situar o Grupo Capú dentro da história do
rock.

PALAVRAS-CHAVE: Rock, Cidade de Rio Branco, Identidade Cultural.


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ABSTRACT

This work aims to address the musical experiences of Grupo Capú in the city of Rio
Branco and its ideological implications, rediscovering his songs and his
performances in Acre music scene. The time frame is the formation and performance
of the group in the city during the 1980. Nicer understand in what context the Grupo
Capú is located, has been discussing how to set up the city of Rio Branco in the
analyzed period. We analyzed in this study, as there was the musical training of the
group, comprising as was identified with national and international artists. We also try
to identify the songs on the group theme that musicians printed in his compositions,
addressing specific elements of Acre reality and also broader elements of their
music. Additionally, we attempt to give an overview of the rock, revisiting its
emergence in the 1950s, its emergence in Brazil, in order to situate the Grupo Capú
within the history of rock.

KEYWORDS: Rock, City of Rio Branco, Cultural Identity.


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INTRODUÇÃO

O Grupo Capú foi um grupo de rock surgido no final da década de 1970


constituído por três moradores do Bairro da Capoeira1, personificados nas figuras
dos irmãos Clenilson e Clevisson e João Veras. A origem do nome “Capú” faz
referência especificamente ao bairro em que os moravam desde ainda muito jovens.
Ligados historicamente por parentesco e por laços afetivos de amizade e
companheirismo, estes sujeitos já na infância manifestaram grande interesse
exercer alguma atividade relacionada à produção cultural.
O recorte espaço-temporal deste trabalho consiste na atuação do
Grupo Capú ente os anos de 1980 e 1990, fazendo emergir suas canções e suas
apresentações em espaços culturais diversos da capital rio-branquense. Outros
artistas também surgem neste período, e, em menor dedicação, são apresentados
neste trabalho.
Trabalhar com a história da música já pressupõe inevitavelmente um
gosto pessoal. A ideia de trabalhar com o rock nasceu fundamentalmente do
envolvimento que tive ainda muito cedo com a música. Desde a etapa de minha
escolarização básica (o ensino médio) já havia grande interesse de minha parte em
conhecer bandas de rock no cenário nacional e também internacionalmente. Magda
Alves2 afirma que escolher o tema é pensar o objeto e não apenas escolher o
assunto. Neste sentido, foi envolvimento com a música rock que levou-me a
redescobrir a história do rock em Rio Branco através do Grupo Capú dentro do
cenário musical acreano.
Como um pesquisador movido diversas inquietações no tempo presente,
redescobrir o Grupo Capú configura-se em um relevante trabalho social, já que este
grupo representa ainda um elo perdido da cultura musical acreana. Sua existência é
bastante conhecida entre os amantes do rock na cidade de Rio Branco – embora
paradoxalmente percebo uma relativa ausência de informação acerca de seu
trabalho, bem como da difusão de suas músicas em nosso meio social.

1 O Bairro da Capoeira localiza-se próximo ao centro da Cidade de Rio Branco, representado


atualmente por moradores da classe média alta da capital acreana.
2
ALVES, Magda. Como escrever teses e monografias. Rio de Janeiro: Campus, 2003.
10

No âmbito acadêmico, realizo este trabalho no intuito de contribuir com


uma temática relativamente nova, pois ao fazer um levantamento bibliográfico,
constatei uma considerável ausência de conhecimento produzido no que diz respeito
à história da música.
Esta monografia visa redescobrir as experiências do Grupo Capú, seus
integrantes e suas canções no intuito de compreender suas particularidades, bem
como as suas semelhanças com o cenário nacional e/ou mundial, com quais
conjuntos dialogaram e como criaram suas identidades.
Neste trabalho busco identificar como o rock (música de origem
estadunidense e inglesa) tem sua influência absorvida pelo Grupo Capú e, se de
alguma maneira, o grupo transforma a música trazendo elementos específicos da
realidade em que esses sujeitos sociais viveram, além de investigar as suas
angústias.
Procuro analisar como as canções criadas pelo Grupo Capú ajudaram na
construção da identidade destes sujeitos e como estas canções contribuem para a
mudança de suas visões de mundo bem como a suas posturas na forma de
enxergar a realidade.
Pesquiso a formação do Grupo Capú, posicionando-o nas mudanças que
vinha ocorrendo no Brasil e também no estado do Acre e como estas mudanças
ajudaram no desenvolvimento da construção da identidade do presente grupo
durante o período pesquisado. Assim, suas composições, as músicas, suas relações
rítmicas e poéticas com o contexto em que são criadas para um público determinado
se constitui em uma abordagem de fundamental importância neste trabalho.
Ao tratar sobre uma problemática de bastante complexidade na qual
envolve o tema deste trabalho monográfico, vejo que este está ligado a alguns
conceitos e categorias que considero como sendo essenciais para a compreensão
da realidade vivida pelos sujeitos históricos que viveram suas experiências e que
deram sentido as suas visões de mundo. Assim, vejo que ao desenvolver uma
análise sobre um grupo de rock, identifico como sendo de bastante relevância tratar
de um conceito que está intimo e historicamente ligado ao rock – a contracultura.
Para conceituar o fenômeno da contracultura, estou me apropriando do
conceito desenvolvido por Carlos Alberto Messeder Pereira que enxerga a
contracultura como sendo um conjunto de manifestações culturais novas que
floresceram, não só nos Estados Unidos, como em vários outros países,
11

especialmente na Europa e, embora com menor intensidade e repercussão, na


América Latina, e que tinha como característica principal o fato de se opor, de
diferentes maneiras, à cultura vigente e oficializada pelas principais instituições das
sociedades do ocidente. (PEREIRA, 1992, p.08)
Esse movimento constituiu-se historicamente através de um caráter
fortemente libertário, com enorme apelo junto a juventude de camadas médias
urbanas colocando em xeque, frontalmente, alguns valores centrais da cultura
ocidental.
Analisando as canções, as posturas críticas e contraculturais na produção
poético-musical de Renato Russo e Cazuza na década de 1980, a estudiosa Mônica
Nogueira de Assis comenta que
a contracultura foi um movimento de contestação ocorrido na década de
sessenta, que preconizava romper com qualquer padrão institucionalizado,
visando à liberdade de expressão. Desta forma, grupos heterogêneos eram
atraídos por um sentimento empático, que os fazia sentir membros de uma
mesma tribo. (...) Nesse contexto, o rock é o estilo musical que representa a
expressão de uma tribo, caracterizado pelo espírito de contestação e que
tem um forte poder de mobilização de massas. (ASSIS, 2005, p.09)

Surgido nos anos 50, inicialmente com o movimento hippie,


posteriormente com a música rock, uma certa movimentação nas universidades,
viagens de mochila, drogas, orientalismo, a contracultura sempre levou à frente o
caráter contestador, de insatisfação, de experiência, enfim, de uma outra realidade.
Vejo como sendo de fundamental importância neste trabalho discutir
sobre a música rock. Para realizar essa discussão, procuro não escrever uma
história cronológica, mas sim mostrar que o gênero rock foi historicamente criado e
recriado, apresentado e representado de formas diversas e ás vezes até antagônica,
em diferentes épocas e lugares. Paulo Chacon afirma que conceituar rock constitui-
se em uma absurda pretensão, pois trata-se de um termo bastante variado no tempo
e no espaço. (CHACON, 1985, p.05)
O autor comenta que o que se pode afirmar de concreto é que se trata de
uma música agitável e dançante. (CHACON, 1985, p.05) Ao contrário da música
erudita que exige o silêncio e o bom comportamento da plateia, o rock pressupõe a
troca, a integração do conjunto ou do vocalista com o público, no intuito de estimulá-
lo à agitação. Por isso, a reação corpórea é fundamental, caso contrário, não haveria
rock. O rock precisa de liberdade física.
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Além de agitável e corpóreo, o autor afirma que no rock é necessário


cantar. Não importa se o tom ou mesmo a letra estão certos. Daí a pouca
importância de o rockeiro saber ou não inglês. Se não sabe inventa. (CHACON,
1985, p.05)
Dessa forma, rock é, antes de tudo, som. Ao contrário de outras artes que
nos tocam pelo mais racional órgão dos sentidos, que é a visão, a música nos atinge
pelo mais sensível, que é a audição. Nesse sentido, dentro da música, uma nota
distorcida de guitarra parece atingir não só o ouvido e o cérebro, mas cada uma das
células do corpo humano, fazendo o rock um dos ritmos musicais mais agitados que
se conhece nas sociedades modernas.
O rock and roll foi uma das maiores (se não a maior) revolução cultural de
todo o século XX. O rock trouxe novas preocupações ao mundo da música (como
estilo ou performance) e levou as letras a um patamar ainda não explorado. A
principal novidade em termos musicais no rock and roll foi a utilização de um
instrumento que havia nascido pouco antes do que o próprio ritmo, a guitarra
elétrica. As primeiras foram criadas na década de 30 do século XX, sendo a primeira
gravação de um solo de guitarra realizada no ano de 1938, por Eddie Durham,
violonista e trombonista de jazz. Porém, foi somente duas décadas mais tarde, com
o rock and roll, que o instrumento foi utilizado em sua plenitude de recursos.
O rock tem sua origem que remonta a década de 1950 do século
passado, representado na sua maioria por jovens no sul dos Estados Unidos e logo
se espalhou invadindo fronteiras. As raízes do rock estão intimamente ligadas às
classes pobres da sociedade americana, já que este movimento nasceu através da
mistura de três gêneros musicais: do Blues, do Jazz (ambos tocados por negros, na
maioria pobre e sem participação política dentro da sociedade americana), e do
Country (músicas tocadas por pequenos trabalhadores que viviam em áreas rurais).
De um modo geral, no rock, há instrumentos característicos, como:
guitarra, bateria e contrabaixo, podendo ter variações como usar instrumentos
acústicos no lugar de algum deles, ou todos, ou acrescentar outros instrumentos,
dos quais o teclado é mais comum. Inflexão de voz com clareza, cantada, mas sem
muitas “subidas” ao agudo também é uma das características do rock, assim como
as letras sobre problemas percebidos pelos jovens. Ritmicamente, o compasso 4 por
4 dá a levada. É uma música feita por jovens, principalmente de espaço urbano, com
ritmos sincronizados com vocalizações de chamados e respostas. Essa
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característica de chamados e respostas tem sua origem que remontam o blues


negro dos Estados Unidos. É o que assinala Roberto Muggiati:

Gritos acompanhados pela guitarra, (...) ou outros instrumentos pobres e


rudimentares, o ritmo marcado na batida do pé (...), ao fim de cada frase
sobra um tempo livre, que é geralmente preenchido por uma resposta
instrumental. Esse esquema de chamada-e-esposta sobrevive no rock, no
diálogo entre voz e guitarra. (MUGGIATI, 1981, p.09)

Para o historiador Paul Friedlander (FRIEDLANDER, 2008, p.23), o rock


and roll estadunidense se desdobrou basicamente por duas gerações. A primeira
geração é fundamentalmente de influência negra. Tinha como principais
representantes nomes como Fats Domino, Chuck Berry, Little Richard e Bill Haley.
Esses cantores fizeram bastante sucesso no período compreendido entre os anos
de 1953 e 1955, se tornando assim os pioneiros do rock. As músicas destes
cantores, em geral, consistiam em uma síntese dos estilos branco (country) e negro
(blues e rhytm and blues) e dominada por um forte acompanhamento de bateria,
exibia letras que tratavam das experiências de vida dos adolescentes do pós-guerra,
como amor, dança, alusões ao sexo e o próprio rock and roll.
Na segunda geração, Friedlander enfatiza que o rock and roll atingiu
ainda mais sucesso comercial do que a geração de Bill Halley e seus
contemporâneos. Tendo como um dos seus principais representantes o lendário
Elvis Aaron Presley no período posterior ao ano de 1956. Sendo considerada uma
geração de “brancos”, além dos sucessos de Elvis, havia também cantores que se
destacavam bastante, como Everly Brothers, Jerry Lee Lewis e Buddy Holly. Ambas
as gerações foram entusiasticamente abraçada pela juventude da época.
Os objetivos a serem alcançados com a realização a realização da
presente monografia tiveram o sentido de compreender porque o Grupo Capú na
sua forma de fazer música optou pelo estilo rock, quem foram os músicos, o
contexto local, social e histórico em que o citado grupo se inspirou para produzir sua
cultura musical e o contexto histórico externo.
O suporte teórico-metodológico para pensar as problemáticas e o diálogo
com fontes foi definido a partir da seleção e leitura de uma bibliografia sobre o tema
procurando identificar os conceitos trabalhados pelos autores, usando também
trabalhos científicos e outros materiais, isso para definir os conceitos trabalhados
nos capítulos. Conceitos como identidade cultural, experiência musical, identidades
da floresta, cultura “paulista”.
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Como opção metodológica, elaboramos este trabalho priorizando a


entrevista realizada com Clenilson Batista no dia 12 de dezembro de 2013 na
Biblioteca Pública do Acre, por entender que o músico possui uma posição de maior
destaque no grupo, e manteve-se durante a atuação do grupo, como a pessoa que
idealizou as apresentações do conjunto. Através de uma entrevista de história de
vida, buscamos compreender a trajetória do músico durante o período que esteve
atuando no Grupo Capú
Com formação autodidata, na faixa dos sessenta anos de idade e ainda
morador do bairro da Capoeira, nos dias atuais, o músico é vice-presidente da
Cooperativa de Música do Acre. Além de compositor, ocupa-se também como
lendólogo, escritor e ativista cultural.
Também usamos neste trabalho o documentário intitulado “A História do
Grupo Capú”. Produzido no ano de 2008, o documentário foi produzido por Mazé
Oliveira, (esposa de Hermógenes, que teve breve passagem pelo Grupo Capú)
através de um projeto aprovado pela Lei de Incentivo à Cultura do Estado do Acre
administrado pela Fundação Elias Mansour. Neste documentário, observamos que
há uma intencionalidade por parte da produtora em colocar seu esposo como
fundador do grupo, principalmente pelo fato de as falas de Clenilson Batista e João
Veras além de serem breves, são frequentemente interrompidas e dão lugar a voz
de um narrador que privilegia a participação de Hermógenes do grupo. Dessa forma,
utilizar o referido documentário, tivemos o cuidado de confrontá-los com a entrevista
realizada com Clenilson Batista.
Com o músico João Veras, elaboramos uma entrevista via e-mail, uma
vez que não foi possível realizar tal procedimento pessoalmente. Assim, fazemos
uma ressalva: não foi possível fazer análises sobre como o entrevistado se porta em
cada pergunta, mas, em contrapartida, ele pode refletir ou pesquisar em arquivos
pessoais sobre os assuntos abordados, nos dando uma resposta mais concisa.
Formado em Letras e em Direito pela Universidade Federal do Acre, o músico João
Veras com 52 anos nos dias atuais, além de Advogado, é poeta, flautista e
percussionista. Além das entrevistas, foram feitas conversas informais via e-mail
com João Veras, afim de tirar algumas dúvidas que foram surgindo durante a
construção do trabalho.
A presente monografia é composta de três capítulos. No capítulo I
procuramos definir a composição social e musical dos componentes do Grupo Capú,
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além compreender aspectos da história da cidade de Rio Branco de então, e a


opção do grupo pelo rock. Buscamos compreender a proposta musical do grupo,
suas atuações, seus discursos, sua proposta de resistência, além de mostrar a
formação musical dos componentes dentro de uma cidade que está passando por
profundas mudanças.
No segundo capítulo buscamos fazer uma análise de letras de músicas
produzidas pelo grupo, procurando-se compreender as temáticas imprimidas em
suas músicas. Assim, procuramos identificar nas músicas do grupo músicas que
trazer elementos da região, isto é, temas acreanos e também procuramos mostrar
temas mais abrangentes de suas músicas.
E por fim no capítulo III, procuramos situar o Grupo Musical Capú no
contexto nacional dos anos de 1980 e na produção do rock internacional.
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CAPÍTULO I: AMAZÔNIA SUL-OCIDENTAL TOCA ROCK

Neste capítulo inicial se propõe situar no tempo e no espaço a existência


do Grupo Capú, buscando-se mensurar porque o Grupo Capú optou pelo estilo
musical rock, indo na contramão de outros grupos musicais existente na cidade de
Rio Branco no final da década de 1970 e nos 80. Procura-se compreender aspectos
vivenciados na capital do Acre no período de transição da economia baseada no
extrativismo vegetal para a agropecuária.
A partir da década de 1970, o Estado do Acre passou por mudanças
significativas. O governo brasileiro na pessoa do presidente General Garrastazu
Médici, desencadeou o slogan “Integrar para não entregar”. Nesse período, o
governo do Acre promoveu uma política de reocupação do estado. O governador
Francisco Wanderley Dantas buscando implantar a pecuária no estado, fez uma
campanha publicitária no sul e sudeste do Brasil, colocando à venda grande parte
dos seringais acreanos, com o seguinte slogan: “Migre para o Acre, invista no Acre e
exporte pelo pacífico”.
A partir da campanha desencadeada no Brasil, os velhos donos da terra
começaram a vender seus seringais para compradores do centro-sul, atraídos pelos
baixos preços da terra, com pagamentos facilitados pelos governos estadual e
federal.
Assis retrata que “comparando-se, à época, o preço de um hectare de
terra em São Paulo, no Acre era suficiente para comprar 15 hectares”. (ASSIS,
2002, p. 47) Com a compra dos seringais acreanos, um grande problema social
estava prestes a ter início: a briga pela posse de terras dos seringueiros que
moravam nas colocações de seringa com os compradores de terras que chegaram
ao Acre nos anos 70.
Com a venda dos seringais para os investidores do Centro-Sul do Brasil,
foram eles desativados e, a partir daí, passaram a derrubar a floresta para a
implantação da pecuária.
Devido a tais transformações nas terras acreanas, diversas famílias de
seringueiros, agricultores, pescadores migram para a cidade de Rio Branco e lá
constituíram a periferia da capital no Estado. Assis retrata que
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A migração dos seringais para Rio Branco foi bem acentuada, pois, até o
início de 1970, a população urbana de Rio Branco era de,
aproximadamente, 52.375 habitantes e na área rural era de,
aproximadamente, 78.930 habitantes. No início de 1980 a população urbana
de Rio Branco era de 109.815 habitantes. Esse crescimento se deve ao fato
da migração constante dos seringais para a cidade. (ASSIS, 2002, p. 55)

Mesmo sendo o brigados a deixar suas antigas moradias, grande parte de


seringueiros passaram a se organizar principalmente ajudados pela Igreja Católica,
através das CEBs, que divulgava o seu “Catecismo”, o qual informava sobre o que
era o Estatuto da Terra, o INCRA, e como resistir às ameaças de expulsão dos
seringais.
Assim foi caracterizada a luta social dos moradores dos bairros
periféricos, agindo como sujeitos sociais que não se conformavam com o sistema
econômico implantado no estado do Acre, e passaram a organizar-se em
Associações de Moradores, participando do Centro de Defesa dos Direitos Humanos
da Igreja Católica, entidade que garantiu respaldo jurídico a vários pleitos de
desapropriações de áreas de terras urbanas, e posicionando-se contra a violação de
direitos básicos de pessoas que não tinham acesso ao poder judiciário.
Com o processo de ocupação do meio urbano na cidade de Rio Branco,
passaram a surgir conflitos, principalmente com o poder público, como a polícia.
Essa nova população passou cada vez mais a incomodar os habitantes da cidade.
Enquanto que no início dos anos de 1970 foi um processo de ocupação com poucos
casos de violência, nos anos 80, foram anos de extrema violência com incontáveis
números de assassinatos.
A partir do momento em que está sendo implantado um novo sistema de
produção no estado, vão surgindo também novas formas de se produzir arte,
contestando os valores urbanos. Maria do Perpétuo Socorro Calixto Marques retrata
que desde o início da década de 1970
vêm se multiplicando sempre mais os grupos teatrais. Paralelamente, foram
criados alguns programas musicais no rádio, como o Momento Experiência,
os jornais do sul começaram a ser distribuídos nas bancas; surge o Cine
Clube Aquiri; Aparece o jornal Varadouro; estreia o grupo musical Raízes
(CALIXTO MARQUES, 2005, p.31)

Assim como no teatro, a música no Acre teve um período de grande


difusão com os festivais de música. Eles foram espaços de divulgação da produção
musical autoral, que trazia a identidade cultural acreana, marcada por vários estilos
musicais.
18

Em 1980, é realizado em Rio Branco a primeira edição do Festival


Acreano de Música Popular – o FAMP. Com duração até o ano de 1993, as edições
do FAMP contribuíram significativamente para que cantores acreanos pudessem
extravasar seus descontentamentos.
No ano de 1983 aparece no cenário musical acreano o Festival de Praia
do Amapá. Considerado um festival mais livre, onde havia pouca presença da
polícia, neste festival, os músicos se sentiam mais livres em expressar suas ideias, e
passavam a cantar cada vez mais temas relacionados à denúncia, o duro cotidiano
do seringueiro, o canto em defesa da floresta.
Ambos os festivais foram espaços de divulgação da música acreana, que
trazia a pluralidade de estilos musicais. Em um contexto marcado pela luta em
defesa da terra, e da forte perseguição do Governo Militar Brasileiro, os festivais de
música do Acre, além da produção musical, serviam para que se juntassem os
artistas que produziam não só música, mas poesia, informação, ideias,
comportamentos e principalmente opiniões.

1.1 O Grupo Capú e o rock em Rio Branco

Enquanto sujeitos sociais, Clenilson Batista e Clevisson Batista, filhos de


pai nordestino que veio ao Acre em busca de melhores dias, são acreanos crescidos
no Bairro da Capoeira, que nos anos 70 foi um bairro periférico. Os irmãos
cresceram juntamente com diversas outras famílias em meio a dificuldades, assim
como João Veras, também morador do bairro da Capoeira desde criança. Nesse
sentido, grande parte das músicas composta por estes sujeitos refletem o lugar
social ao qual pertencem.
Dessa forma, o Grupo Capú, enquanto grupo musical que expressa suas
ideias através de suas músicas, tem seu posicionamento ideológico voltado para as
resistências, para a denúncia em um contexto de fortes perseguições e
assassinatos. Assim, para o Grupo Capú, fazer música implica em enfrentamento
político, em promover o canto em defesa da floresta, dos seringueiros.
O Grupo Capú fez sua primeira apresentação musical no Festival Acreano
de Música Popular – FAMP no ano de 1980, tendo como integrantes os irmãos
Clenilson e Clevisson e João Veras. Inicialmente, o conjunto fez suas apresentações
auxiliados pela banda-base do FAMP, chamada Banda Tropical, formada pelos
músicos Nilton no teclado, James no violão e Gavião na bateria. Esta banda
19

compunha a base do festival, auxiliando artistas que não dispunham de instrumentos


para as apresentações.
Até o ano de 1982, o Grupo Capú ainda não dispunha de todos os
instrumentos para se apresentarem no FAMP. Dessa forma, nas edições do FAMP
de 1980 e 1981, o conjunto apresentou-se usando como instrumento próprio apenas
um violão, no qual que foi tocado e cantado por Clenilson Batista e com Clevisson
Batista e João Veras nos vocais. A partir do ano de 1982, João Veras passa a usar a
flauta doce e Clevisson Batista toca o contrabaixo nas apresentações do grupo.
Assim, O Grupo Capú, a partir do ano de 1982 passa a se apresentar com Clenilson
Batista como vocalista e violonista, Clevisson Batista tocando contrabaixo e João
Veras tocando flauta doce no grupo.
Em entrevista cedida via e-mail no dia 29 de março de 2014, ao ser
questionado sobre os motivos que levaram o grupo ao optar pela música rock, o
músico João Veras comenta que
o rock (...), é para além da música, uma atitude de vida que pega muito na
faixa etária da juventude em que nos encontrávamos naquele período.
Outra razão é a limitação técnica. Explico. Não éramos experts em
instrumentos e o rock normalmente traz uma simplicidade tanto nos acordes
quanto nos ritmos. 3

Diferentemente de outros ritmos que exigem a música “certinha”, com


versos e ritmos bem elaborados e perfeitamente sincronizados, o rock quebra as
regras do bom comportamento, exigindo do artista apenas a energia e a integração
com o público.
No documentário intitulado “A História do Grupo Capú”, produzido por
Mazé Oliveira, em depoimento, Clenilson Batista narra:

Aí eu fui, tive que ir pro rio, que minha mãe tava lá em tratamento. E lá
encontrei um primo da minha mãe que me deu um violão de presente. Falei
pra ele que queria fazer e que não sabia tocar e tal e queria aprender que
era pra não pedir pra ninguém pra fazer música pra mim. Aí ele foi e me
ensinou as três primeiras notas musicais que era o Ré, me ensinou o Ré,
fazer Lá e fazer Mi. E com essas três notas eu já comecei a fazer algumas
músicas.4

Pode-se perceber tanto no discurso de João Veras quanto no de


Clenilson Batista a simplicidade da música do Grupo Capú. A opção pela música
rock aparece por uma dupla função: por um lado, a música rock aparece como um

3
Entrevista realizada no dia 29 de março de 2014
4
Depoimento presente no documentário intitulado “A História do Grupo Capú”, produzido por Mazé
Oliveira.
20

estilo musical que exige pouco recurso técnico e pouco conhecimento sobre
estrutura musical; por outro lado, o rock carrega consigo a característica de se
contrapor as ideias vigentes da sociedade, fazendo com que os jovens possam
extravasar suas angústias e seus descontentamentos.
O Grupo Capú insere-se no campo musical acreano contrapondo-se à
grande parte dos músicos presentes na capital rio-branquense – que tocavam
músicas basicamente influenciados pela Música Popular Brasileira - MPB. De forma
irreverente, o Grupo Capú utilizou-se de elementos ousados durante suas
apresentações nos festivais de músicas nos anos 80.
Os festivais de música popular brasileira que aconteceram em São
Paulo e no Rio de Janeiro desde ano de 1965 até o ano de 1985, exerceram forte
influência nos músicos acreanos bem como na criação dos festivais de músicas do
Acre, principalmente na criação do Festival Acreano de Música Popular, o FAMP.
Durante a realização dos FAMP’s e de outros festivais como o Festival
de Praia do Amapá nos anos 80, emergiu-se diversos artistas talentosos que tinham
forte influência da MPB como Sérgio Tabuada, Cláudio Roberto, Narciso Augusto,
Dinho Gonçalves, Heloy de Castro, Beto Brasiliense e Pia Vila. Estes artistas,
contribuíram para que no campo da música acreana houvesse uma pluralidade de
estilos musicais, com influências, além da MPB, do forró, do brega, do baião, enfim,
de grande parte das músicas tocadas no rádio, mas sempre criando letras que
refletisse o ambiente vivido no estado acreano.
Dentro do contexto dos festivais de música do Acre em meio aos vários
artistas que tocavam músicas influenciadas pela MBP, o Grupo Capú aparece com
uma proposta musical inteiramente nova. Com um discurso contundente de
transformação social, visual extravagante e com inovador uso da teatralidade nas
apresentações.
O grupo estudado apresenta diversas características de grupos e
cantores de rock do Brasil e algumas bandas britânicas e estadunidenses. No grupo,
há instrumentos característicos do rock, como guitarra, bateria e contrabaixo. No
universo musical do rock ainda podem haver variações de outros instrumentos como
violino, teclado ou saxofone. No Grupo Capú, os integrantes optam pelo uso da
flauta doce.
As músicas compostas pelo Grupo Capú apresentam uma riqueza
peculiar que tinham abordagens das mais variadas. Ainda que, com poucos
21

recursos, como a aparelhagem bastante limitada e sem a presença de todos os


instrumentos para os membros do grupo, onde o Grupo Capú, inicialmente,
apresentou-se com a Banda Tropical – que fazia a banda base do FAMP para
auxiliar os artistas se apresentarem no festival, o Grupo Capú usou-se de bastante
criatividade para as apresentações.
As músicas do Grupo Capú mostravam diversos descontentamentos,
anseios, desilusões, e a luta em defesa da terra, além de temas transcendentais de
forte influência do rock psicodélico de bandas britânicas como Led Zeppelin, Pink
Floyd e Deep Purple.
No que diz respeito às vestes, o grupo usou-se sempre de visuais
extravagantes, de forma que impactasse ao público acreano. Os integrantes sempre
buscavam o uso de elementos como ossos presos ao pescoço, roupas rasgadas e
postura irreverente.
Para o grupo, as apresentações não consistiam em apenas “cantar as
músicas” ao público. Cada apresentação tinha como objetivo impactar o público,
mostrar o novo, ou seja, as apresentações se mostravam como espetáculos. Para
isso, o grupo sempre se utilizavam a teatralização.
Ao analisarmos o espetáculo chamado “A Ressurreição de Raul Seixas”,
no final dos anos 80, o grupo convida o artista Salomão Matos para interpretar na
apresentação o cantor Raul Seixas. Este espetáculo tinha como atração no show a
ressurreição do cantor baiano. Para isso, Salomão Matos fantasiava-se de Raul
Seixas e era colocado em um caixão sobre o centro do palco. Enquanto os músicos
cantavam suas músicas, outros atores convidados vestidos com grandes roupas
brancas, simulavam um ritual de ressurreição frente ao caixão, emitindo vibrações
para que o “corpo” se levantasse, até que, no final da apresentação, o “corpo” de
Raul Seixas se levanta repentinamente do caixão com uma guitarra e canta de
forma enérgica os versos da canção “rock do diabo”.5
O uso de recursos como as artes cênicas demonstram uma considerável
criatividade dos músicos, uma vez que, estes músicos percebem que a identificação
do público com o artista muitas vezes não se restringe apenas a parte sonora ou
musical. O lado visual da apresentação musical enriquece de forma significativa, já

5
Segunda faixa do álbum Novo Aeon, do cantor Raul Seixas lançado em 1975. Esta canção do
cantor baiano por muito tempo foi considerada o hino do rock brasileiro, pois ao mesmo tempo que foi
censurada pela ditadura militar devido ao teor subversivo da canção, foi abraçada por grande parte
dos músicos rockeiros nos anos 80 pela sua crítica aos valores morais da sociedade.
22

que faz com que as músicas apresentadas “ganhe forma”, faz com que a plateia
receptora não apenas ouça, mas também visualize a música.
O grupo aqui analisado neste trabalho embora não tiveram destaque
nacional, fizeram excursões no interior do estado, além de divulgarem suas músicas
em apresentações fora do estado, o que contribuiu significativamente para uma
maior circulação das músicas do grupo no estado acreano, uma vez que, a partir do
momento em que o conjunto ganha a oportunidade de difundir suas músicas fora do
Acre, amplia-se o número de ouvintes, pois passam a valorizar cada vez mais o
trabalho do grupo.
O Grupo Capú participou de eventos importantes fora do Brasil,
divulgando suas mensagens que, através de suas músicas, levaram a outros
ouvintes de vários lugares do mundo, parte da história musical do Acre.
O Grupo Capú participou juntamente com João das Neves 6 do Grupo
Poronga. Nesta ocasião, no ano de 1989, o teatrólogo estava divulgando o seu
trabalho intitulado “Tributo a Chico Mendes”, que acabara de ser assassinado no
ano anterior, em diversos lugares do Brasil. Assim, o Grupo Capú esteve na
inauguração do Parque Chico Mendes, na cidade de São Miguel Paulista. Em
seguida, no mesmo ano, o Grupo Capú participa da Primeira Mostra Internacional de
Teatro, na cidade de Londrina, Paraná.
Outro grande acontecimento que o Grupo Capú participou foi quando,
juntamente com diversos outros artistas acreanos, o conjunto recebe um convite de
acadêmicos ligados a Universidade Federal do Acre para participar da Semana do
Meio Ambiente no ano de 1989, na cidade do Rio de Janeiro. Nesta oportunidade, o
Grupo Capú teve o privilégio de cantar a música acreana em um dos mais
tradicionais espaço cultural do Brasil – o Circo Voador.
Essas experiências de tocar fora do estado Acre trouxeram uma dupla
contribuição para o conjunto. A primeira constitui na oportunidade de levar a sua
mensagem a um público diferenciado, com outra visão de mundo. Dessa forma, a
impressão que esse público tem com a música pode dar um maior impulso no
trabalho do artista. A segunda contribuição liga-se ao fato de que o contato do artista

6
João das Neves é considerado um dos maiores teatrólogos brasileiros. Ganhou forte
reconhecimento devido a seus trabalhos ligados a dramaturgia. Também foi fundador a partir do ano
de 1964, de grupos de teatro ligados a cultura de protesto e resistência.
23

com outra cultura, pode fazer com que o compositor possa inserir outros valores em
suas músicas.
A música e a vida dos músicos do Grupo Capú está mergulhada em um
contexto de várias transformações que o estado passava na década de 1980. Além
disso, as várias mudanças que os anos 80 estava passando havia sido iniciado a
muito tempo atrás, principalmente a partir do início da década de 1970.
Desde os anos 1970, o Estado do Acre passou por mudanças
significativas no cenário político e econômico, que o fez sofrer graves e significativas
transformações que marcou a vida de milhares sujeitos que aqui habitavam.
Maria do Perpétuo Socorro Calixto Marques, estudando a produção
teatral de Rio Branco, retrata que

Até o início dos anos 70 (...), a economia acreana era eminentemente


extrativista e a população vivia exclusivamente da extração do látex.
Naquele momento, o governo local (...) adota a política e assentamento de
famílias do centro sul do país. Nessa perspectiva de reorganização
econômica, as terras acreanas são colocadas à venda e destinadas,
principalmente, a grandes latifundiários que desejavam estender suas
propriedades. (CALIXTO MARQUES, 2005, p. 2005)
A partir do governo de Francisco Wanderley Dantas, (1971-1974), houve
a chamada “invasão dos paulistas” que causou um significativo desequilíbrio na
ainda rural e agrária sociedade acreana, o que em breve período de tempo levou
seringueiros e pecuaristas da região sul e sudeste do Brasil a um grave conflito
direto pela posse da terra. Já bastante sofrida com a falência dos seringais e o
declínio do extrativismo da borracha e castanha, que por muito tempo foi a base de
sustentação da economia acreana, grande parte da população agora tinha de
enfrentar a luta pelas terras do Acre.
Dessa forma, grande parte da população mais pobre, composta
basicamente de ex-seringueiros, pequenos comerciantes e índios, tiveram como seu
principal opositor a figura do “paulista”. De um modo mais geral, este representava
os protagonistas da frente agropecuária, os empresários do Centro Sul do país, que
(apoiados pelo governo dos militares) se apossaram dos territórios tradicionais de
índios e seringueiros. Através da oposição entre os acreanos e os “paulistas”, foi
construída ao longo do movimento de resistência contra a expropriação da terra,
contra a transformação dos seringais em fazendas e contra a derrubada de
seringueiras e castanheiras para a formação de pastos. (MORAIS, 2008, p.108)
24

Nos anos 80, na cidade de Rio Branco, foram anos em que a cidade foi
gradativamente adquirindo espaços bem delimitados, principalmente após a
formação dos bairros periféricos. Assim, este período percebemos o aparecimento
de uma espécie de rivalidade entre bairros da cidade, chegando ao ponto de haver
frequentemente brigas entre moradores em alguns lugares da cidade, como a Praça
Plácido de Castro, localizada no centro de Rio Branco, e algumas boates, como a
danceteria Rock Safari. Essas casas de shows, por diversas vezes, serviam para os
jovens, que se reuniam em grupos de um mesmo bairro, disputarem através de
brigas, ganharem destaque, e consequentemente respeito nos bairros em que
moravam.
Percebemos que a própria ideia de criação do nome “Grupo Capú” está
vinculado aos vários códigos que a cidade rio-branquense possuía. Na cidade de
Rio Branco, após a falência dos seringais acreanos, há a presença de diversos
famílias compostas principalmente de ex-seringueiros saindo das áreas rurais para a
capital, o que em pouco tempo, daria início a formação dos bairros periféricos da
cidade.
Com a cidade se consolidando enquanto território urbano, os bairros
acreanos foram cada vez mais se transformando em áreas territorialmente bem
definidas. Assim, em pouco tempo esses bairros só seriam frequentados por
pessoas que pertencessem ao bairro. Se em determinado bairro, houvesse a
presença de pessoas alheias ao ambiente, este fato seria visto como falta de
respeito, o que frequentemente causava conflitos.
O músico Clenilson Batista, ao comentar os motivos que levaram aos
membros escolherem o nome do grupo, comenta que
(...), essa ideia veio basicamente do João Veras, que a gente tava sentado
e escolhendo, um dos que a gente tinha colocado era “Anjos Negros” e esse
nome já tava quase pegando quando (...) o João Veras disse assim: - mas
pô, porque a gente não põe o apelido, põe o nome do bairro da gente,
“Capoeira”? (...), então “Capú” é o nome do apelido do bairro. 7

Pode-se compreender que o nome dado ao grupo de “Capú” vem da ideia


de rivalidade entre bairros da cidade de Rio Branco, uma vez que, o nome que por
algum tempo já estava prestes a ser adotado pelo grupo seria os “Anjos Negros”.
Diferentemente do nome “Capú”, os “Anjos Negros” constitui um nome que já está
associado ao rock, pois traz a ideia de irreverencia, da fuga dos padrões.

7
Entrevista realizada no dia 12 de dezembro de 2013.
25

Através da escolha do nome do conjunto de “Grupo Capú”, nota-se a


preocupação dos membros em dar uma maior visibilidade ao bairro da Capoeira.
Clenilson demonstra uma certa satisfação ao explicar que:

Aí eu achei legal, porque naquela época tinha essa guerra de bairro, né, era
sempre “ver quem era o melhor bairro”, pô, era legal porque tinha essa
coisa né, tinha esse espírito, é, então é Capú. Aí fechou com Capú. Aí é
como nasce o nome Capú de Capoeira, de bairro da Capoeira. 8
Com as apresentações do Grupo Capú nas diversas localidades da
cidade, cada vez mais os jovens iram se popularizando como os “meninos da
Capoeira”. Ao mesmo tempo em que os jovens iam se destacando no cenário
musical com suas composições, o bairro da Capoeira ganhava uma maior
visibilidade, uma vez que havia uma intensa rivalidade entre diversos bairros da
cidade. O próprio nome do grupo nos traz uma lógica da resistência, da denúncia
frente ao contexto vivido na cidade.
O bairro da Capoeira da década de 1980 foi completamente diferente do
que o bairro dias atuais. Se hoje o bairro é considerado um bairro nobre, próximo ao
centro comercial da cidade, com infraestrutura bem construída, o bairro da Capoeira
de três décadas atrás é visto como o inverso: bairro sem nenhuma infraestrutura,
considerado um bairro periférico, principalmente pelo fato de ser constituído por
moradores com recursos financeiros bastante limitados.
A ideia de periferia associado ao bairro da Capoeira está vinculado não a
ideia de bairro distante do centro da cidade. Periferia está associado a “distância
social” em que está situado. A periferia de Rio Branco, vai se formar, a partir dos
anos 70, bastante próximo ao centro da cidade. O próprio bairro da Capoeira está
localizado a menos de dois quilômetros dos principais prédios que compõe a
administração pública do estado do Acre, como o Palácio, a Assembleia Legislativa
e o Quartel da Polícia Militar do estado do Acre.
Grande parte das atividades culturais produzidas no Acre a partir da
década de 1970 estão mergulhadas dentro dos intensos conflitos entre os paulistas,
“os novos donos” da terra e os seringueiros e índios, os moradores tradicionais da
floresta. Assim, a partir deste conflito, vai emergir no campo da produção cultural
acreana diversas manifestações artísticas que passam a sair em defesa dos
seringueiros e da floresta amazônica.

8
Idem.
26

Podemos observar que o surgimento de diversas atividades culturais em


Rio Branco ocorreram paralelamente a eclosão de conflitos sociais consequentes
das contínuas mudanças socioeconômicas do estado. A pesquisadora Maria do
Perpétuo Socorro Calixto Marques retrata que
entre 1970 a 1988, alguns jovens começaram a se articular e a produzir
trabalhos artísticos que denunciassem a nova realidade e os perigos que
afligiam os moradores. A prática teatral foi um dos instrumentos de que se
serviram os grupos da época. (CALIXTO MARQUES, 2005, p.19)

No campo cultural, nos anos 70 já havia produções musicais em


atividade, principalmente com os conjuntos “Os Bárbaros”, e “Os Mugs”. Estas
bandas tocaram desde os anos 60 em bailes e clubes como Rio Branco, Juventus e
Atlético Acreano, bem como em outras cidades do interior e até mesmo fora do
estado como Porto Velho e Manaus. Fortemente influenciados pelas canções vindas
do Rio de Janeiro, principalmente músicas da Jovem Guarda, cantores como
“Eduardo Araújo” e “Renato e seus Blue Caps”, foram significativos para formação
cultural destes músicos.
Nos anos 70 também temos o surgimento das Escolas de Samba em Rio
Branco. Fortemente influenciados pelos desfiles das Escolas de Samba do Rio de
Janeiro, alguns dos blocos carnavalescos formados nos bairros da cidade tornaram-
se Escolas de Samba. No ano de 1972 começaram a ocorrer disputas entre duas
escolas de grande destaque em Rio Branco: A Escola de Samba Unidos da Cadeia
Velha, que tinha como líder a figura de João Aguiar, que veio do Rio de Janeiro, e a
Escola de Samba Unidos do Bairro Quinze, comandada por Santinho. As disputas,
cujo palco principal era a Avenida Getúlio Vargas, durante as festas de Momo,
estendiam-se às rádios que executavam as músicas de cada uma das escolas e
movimentavam o panorama cultural de Rio Branco.
Outra novidade foi a chegada, ainda que um tanto tardia, da televisão ao
Acre. Isso aconteceu em 1974, ano de Copa do Mundo, promovendo uma ainda
maior integração cultural do Acre ao restante do país e incorporando atividades
consagradas regionalmente como os programas de auditório que rapidamente
passaram a acontecer também na televisão. Porém, lembram alguns saudosistas de
plantão, que a chegada da televisão também provocou uma certa deterioração no
antigo costume das famílias de se reunirem nas calçadas, no fim da tarde, para
conversar e comentar as últimas novidades. O antigo modo de vida acreano parecia
então definitivamente superado.
27

No início dos anos 80, surge o Festival Acreano de Música Popular – o


FAMP. Fortemente influenciado pelos festivais de música que aconteciam
principalmente no Rio de janeiro, ou de outras partes do Brasil, o FAMP trouxe à
tona a oportunidade para que os artistas acreanos mostrassem a criatividade sonora
e poética, explicitando nas músicas o a visão tanto universal quanto regionalista dos
diversos acontecimentos que permeavam na vida do artistas acreanos.
Não podemos descartar também influencias do Festival de Woodstock e
do movimento estudantil que procurava meios para veicular seus protestos contra o
Regime Militar então vigente.
28

1.2 Formação dos sujeitos e a identificação com o rock

Durante a segunda metade do século XX, a mídia contribuiu


significativamente pra a construção do estereótipo do jovem. As músicas feitas por
bandas consideradas internacionais, geralmente originárias dos Estados Unidos e
Inglaterra e cantadas em inglês, fizeram com que os jovens se identificassem com a
letra ou apenas com a sonoridade. Dentro desse contexto de transformações, a
figura do jovem surge como um “novo” consumidor, uma classe que passa, cada vez
mais, a ganhar uma certa autonomia.
O surgimento desta nova visão sobre o que é ser jovem, coincide com o
aparecimento de um novo estilo musical, o rock, tendo ligação direta entre ambos.
Em meados do século XX, percebemos uma nova construção do conceito de jovem.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, novos atores sociais, ainda não
independentes financeiramente de seus pais, passam a contestar a sociedade
construída pelas gerações anteriores, sociedade que os jovens viam como
causadora de guerras como as duas mundiais anteriores e a construção da bomba
atômica. Estes atores são considerados os novos jovens surgindo naquele meado
de século.
Internacionalmente, o rock aparece para os jovens a partir da década de
50. Depois da Segunda Guerra, ocorre uma grande mudança nas relações entre
gerações, que podemos perceber até hoje, oportunizando o clima de surgimento de
rock and roll. Os jovens, antes vistos apenas como um estágio entre a infância e a
idade adulta, a partir do século passado são percebidos como uma faixa etária com
necessidades e características próprias.
Hobsbawm, a esse respeito retrata que:

os acontecimentos políticos mais dramáticos, sobretudo nas décadas de


1970 e 1980, foram as mobilizações da faixa etária que, em países menos
politizados, fazia a fortuna da indústria fonográfica, que tinha de 70% a 80%
de sua produção sobretudo de rock vendida quase inteiramente a clientes
entre idades de catorze e 25. A radicalização política dos anos 60,
antecipada por contingentes menores de dissidentes culturais e
marginalizados sob vários rótulos, foi dessa gente jovem, que se rejeitava o
status de crianças e mesmo de adolescentes (ou seja, adultos ainda não
inteiramente amadurecidos), negando ao mesmo tempo humanidade plena
a qualquer geração acima dos trinta anos de idade, com exceção do guru
ocasional. (HOBSBAWM, 2000, p. 317)
29

Segundo este historiador, este estilo musical está diretamente


relacionado aos processos econômicos de sua época, assim como suas mudanças
no decorrer do século desenvolveram-se inseridos nas mudanças de ordem
econômica.
A identificação do jovem pela música rock transforma-o em integrante
de um grupo construído sob a ideia de arte e de contravenção aos ideais
constituídos pela sociedade. As identidades constituídas nos integrantes do Grupo
Capú não necessariamente teriam ligações com outros músicos acreanos, mas são
identificações com artistas que podem existir em qualquer parte do mundo, ligados
pela música. Os jovens, ao assistirem ou escutarem uma determinada música ou
conjunto, percebem relações com suas próprias experiência ou com o contexto
vivido.
O Grupo Capú foi um grupo que, desde sua primeira apresentação, teve
como principal característica o uso da criatividade para as composições e,
principalmente, suas apresentações, que sempre causavam grande repercussão nos
festivais de música de Rio Branco e também de outros municípios acreanos.
Abraçando um gênero musical que permitisse o diálogo com outras forma de arte,
como a teatralização, o Grupo Capú manteve-se como pioneiros na composição e
apresentação musical de forma autoral na cidade.
A opção do Grupo pelo rock já havia sido delineada já nas atividades
culturais realizadas na infância, com a criação de um pequeno circo pelos jovens
irmãos Clenilson e Clevisson e o amigo João Veras.
É o que Clenilson Batista narra:

(...) quando eu era pequeno, em casa fazia um circo, chamava um monte de


menino pra fazer malabarismo, e eu apresentava o circo e fazia paródia
com as músicas dos compositores acreanos, principalmente Teixeirinha,
avacalhava com as letras dos caras criando outras letras em cima. Então
isso a gente ia fazendo.9
Juntamente com diversas outras crianças, os futuros integrantes do
Grupo Capú desde muito cedo tiveram forte vínculo com a produção cultural. O circo
criado pelos garotos já tinha Clenilson Batista a frente apresentando o malabarismo
e também parodiando cantores acreanos como Teixeirinha, através da inserção de
outra letra em cima das músicas de compositores acreanos.

9
Entrevista realizada no dia 12 de dezembro de 2013.
30

A partir daí, compreende-se então a genialidade e a originalidade


presente no trabalho do grupo. A experiência circense contribuiu significativamente
para a experiência com o ato de cantar de forma bastante talentosa, além da
apresentação de um show, de um espetáculo ao vivo para o rio-branquense. O fato
de o jovem Clenilson Batista apresentador de circo com diversos outros garotos,
além da experiência em criar letras de músicas em cima de outras músicas, se
constituíram em elementos significativos que pode ter conduzido o músico a
liderança do Grupo Capú com toda a sua inovação no campo da música acreana.
Durante os 1970 e parte da década de 1980 teve na cidade de Rio Branco
uma casa noturna onde tocava músicas de vários estilos musicais, inclusive o rock,
onde várias pessoas frequentavam para ouvirem músicas que tocavam em várias
partes do mundo. O nome da casa noturna chamava-se Rock Safari. Esta, foi um
local de grande importância para o contato dos rio-branquenses com outros estilos
musicais e contribuiu significativamente para a influência musical de várias pessoas,
inclusive Clenilson Batista. O músico nos relata:
aí aparece uma chamada Rock Safari, isso na década de 70, que aí eu
começo a ir pra essa Rock Safari, lá tocava de tudo, Deep Purple, Led
Zeppelin, essas coisa toda da década de 60. Tudo que eu curtia tava lá,
Pink Floyd e isso é que me empolgava, e achava, dentro de mim que
aquelas letras eram muito loucas, porque não procurava nem tradução não,
nem ia atrás da tradução, o que me batia bem no ouvido, é isso aí e
acabou-se, quero nem saber o que o cara tá dizendo, por isso que tem
algumas letras da gente que é meia louca, que era essa a impressão que
dava, sempre que partia pra fazer alguma letra tinha esse contexto meio
fora da realidade, às vezes a gente criava outra realidade, criava uma
estrutura, cada música sempre tinha alguma coisa assim.

Através do contato com o rock internacional, através da casa noturna


Rock Safari, pode-se compreender boa parte das influências musicais que o músico
Clenilson Batista teve ao compor algumas canções do Grupo Capú.
Na fala, o músico fez especificou três bandas inglesas que fizeram
impactou grande parte do mundo ao elaborarem uma forma diferente de fazer rock.
Deep Purple, Led Zeppelin e Pink Floyd são consideradas bandas precursoras na
criação do rock Psicodélico e Progressivo. Estes tipos de rock são caracterizados
por serem um tipo de música com alto teor intimista, com temas que exploram a
subjetividade, como a loucura, a obsessão e a alucinações, isto é, por vezes são
músicas que abordam temas fora da realidade, ou em outras dimensões do real.
Muitas vezes, estas músicas possuem longa duração, onde, na maioria das vezes,
passam dos cinco minutos, construídas com harmonias e melodias complexas.
31

Estas características do rock progressivo e do rock psicodélico podem ser


observadas na música Seringal Astral10, composta por Clenilson Batista, na qual a
música possui uma letra relativamente grande, em comparação com outras músicas
do Grupo Capú e, além disso, a música aborda uma temática fora do contexto da
realidade, em outra dimensão do real, denotando a influência das bandas britânicas.
Outro fator que merece ser destacado na formação musical de Clenilson
Batista é o fato de que o músico não teve aulas de teoria musical ou curso de
formação técnica na área da música. O aprendizado veio através de livros e revistas,
que até os dias atuais vendem em bancas de revistas e jornais. Assim, observa-se
uma formação autodidata, em que o maior recurso utilizado para a composição das
músicas consistiu no uso da criatividade.
Em entrevista cedida no dia 13 de dezembro de 2013, o vocalista e
principal compositor do Grupo Capú Clenilson Batista ao ser questionado sobre
como houve a sua identificação com a música rock, o músico comenta:
Eu conheci o rock numa seção matinal no Cine Rio Branco, fui numa seção,
o nome do filme era “O Menino das Garotas” (...). E assisti um cara
cantando que aquilo me deixou extasiado, tinha um gosto de chiclete, tinha
um negócio assim, mas um negócio que mexeu comigo todo. E eu fiquei
louco pra saber quem era aquele cara depois, e pô, quem é, quem é, e a
placa foi-se embora não dava pra ver mais o nome, aí quando eu fui
pesquisando aí chegou um outro filme. Aí eu olhei pro cara do filme era o
menino das garotas, pô, o menino das garotas, aí eu fui ver o nome: Elvis
Presley. Aí começo a escutar Beatles, pô aquela coisa uma atrás da outra,
sempre de sucesso, aí tocava direto nos rádios, e aí era onde eu tava, e
Led Zepellin, aí aparece uma chamada Rock Safari, isso na década de 70,
que aí eu começo a ir pra essa Rock Safari, lá tocava de tudo, Deep Purple,
Led Zeppelin, essas coisa toda da década de 60. Tudo que eu curtia tava lá,
Pink Floyd e isso é que me empolgava, e achava, dentro de mim que
aquelas letras eram muito loucas, porque não procurava nem tradução
não.11

Aqui, pode se compreender que o compositor e vocalista do Grupo


Capú teve sua primeira experiência com a música rock de forma impactante. Dessa
forma, ao escutar a música, há a o ato de “sentir” a música. A música é recebida de
forma intuitiva, uma forma que contém uma variedade de conhecimento sem o
processo de pensamento lógico que acompanha o que nós geralmente chamamos
de entendimento.
Além da forma sensitiva de “ouvir”, o músico também teve a instantânea
identificação pelo sentido da visão. Percebe-se tal identificação quando o músico

10 Esta música será objeto de análise no capítulo II deste trabalho.


11
Entrevista realizada no dia 12 de dezembro de 2013.
32

afirma que “aquilo me deixou extasiado (...), mas um negócio que mexeu comigo
todo”.12 Assim, compreendemos que na música rock, há grande importância tanto na
forma musical quanto na forma visual.
Outro elemento de grande importância que podemos observar na fala de
Clenilson Batista, foi o poder de influência do astro Elvis Presley em todas as partes
do mundo. O astro norte-americano - que participou de trinta e três filmes -, fez o
seu primeiro filme no ano de 1956, intitulado “Love me Tender” e, a partir desde
filme, passou a fazer bastante sucesso também no cinema, influenciando milhares
de pessoas em várias partes do mundo.
Elvis Presley ficou mundialmente conhecido pela maneira como atuava
durante suas apresentações. Apelidado de Elvis The Pelvis, chocou grande parte
das camadas mais conservadoras da sociedade americana, e, por diversas vezes foi
perseguido devido a sua inovadora forma de dançar, “requebrando” os quadris e
usando roupas extravagantes que fugiam os padrões da época que atuava.
Dessa forma, podemos compreender que a influência que Clenilson
Batista teve com o astro Elvis Presley. A forma visual e a forma musical acabou por
ser explicitadas no trabalho do grupo. Ao realizar as apresentações, os músicos
sempre recorreram ao aspecto visual e musical para se diferenciarem dos outros
artistas acreanos. O uso de trajes diferenciados como ossos, roupas rasgadas, e
recursos visuais como pólvora e flashes tornou o Grupo Capú como inovadores na
forma de fazer música no Acre.
O flautista do Grupo Capú João Veras, durante a infância teve uma
formação musical que o fez se aproximar dos instrumentos de sopro. Em entrevista
cedida via e-mail no dia 29 de março de 2014, ao ser questionado sobre como
houve a sua formação musical, o flautista do grupo João Veras comenta:
A minha formação musical se deu na prática e foi muito diversa. Antes do
Capú eu não tocava flauta. Fui corneteiro, por quatro anos, na Fanfarra do
Colégio Acreano, cantor tenor no Coral Santa Cecília dirigido por Elais
Meira e Sandoval dos Anjos e ritmista da Escola de Samba da Cadeia Velha
e de vários blocos carnavalescos.13

Desde muito cedo, ainda na infância, o flautista do Grupo Capú teve


contato com a música e com instrumentos de sopro. O contato do músico com a
corneta trouxe uma considerável experiência, pois desenvolveu no músico uma

12
Idem.
13 Entrevista realizada no dia 29 de março de 2014.
33

sensibilidade em lidar com um instrumento que exige domínio em executar as notas


musicais através da vibração dos lábios.
Durante muito tempo, houve na cidade de Rio Branco, apresentações de
Bandas de Fanfarras de escolas da capital, na qual eram exibidas apresentações
em datas comemorativas, como o feriado de 7 de setembro. As diversas bandas
ensaiavam por meses afim de aprimorar a execução instrumental e a apresentação
pública. Assim, a participação do músico João Veras na Banda de Fanfarra do
Colégio Acreano fez surgir uma dupla experiência: uma pela execução e
aprimoramento do instrumento de sopro; e a outra pela experiência na apresentação
para um público mais numeroso.
Outra grande aspecto que merece ser abordado sobre a formação
musical de João Veras, reside no fato da participação do músico no Coral Santa
Cecília como cantor tenor. O tenor é o tipo de voz presente no canto lírico, que
possui uma faixa de som aguda, cantada por voz masculina. O aprendizado do
músico com este tipo de canto permitiu que levasse para o Grupo Capú uma
preocupação com o aspecto da afinação do conjunto. Embora João Veras não tenha
participado do grupo como vocalista, por vezes atuou como vocal de apoio, dando
um suporte vocal ao vocalista do grupo.
O contato dos integrantes do Grupo Capú com o principal meio de
comunicação no período anterior a década de 1970, o rádio, os colocou em contato
com os grandes sucessos do rock que muito tocaram nas estações de rádio em todo
o Brasil. Estes jovens ouviram e rapidamente se identificaram com a explosão do
rock no cenário mundial, como o lendário Elvis Presley nos Estados Unidos, os
Beatles na Inglaterra e também com cantores brasileiros talentosos como Raul
Seixas e Rita Lee.
Perguntado sobre os motivos que levaram os músicos a optarem pela
música rock, João Veras argumenta que foi
muito pela influência vinda do rádio especialmente com a audição dos
Beatles, Elvis e o pessoal da jovem guarda e Raul Seixas. O Rock também
é, para além da música, uma atitude de vida que pega muito na faixa etária
da juventude em que nos encontrávamos naquele período. 14

É importante ressaltar que o rock tem uma característica bastante


peculiar. Ao contrário de outras artes que nos tocam pelo mais racional órgão dos

14
Idem.
34

sentidos, que é a visão, a música rock nos atinge pelo mais sensível, que é a
audição.
Paulo Chacon afirma que

Ao contrário da música erudita, que exige o silêncio e o bom


comportamento da plateia (...), o rock pressupõe a troca, ou melhor, a
integração do conjunto ou do vocalista com o público, procurando estimulá-
lo a sair de sua convencional passividade perante os fatos. (CHACON,
1985, p.05)

Portanto, no rock não importa saber ou não falar ou cantar inglês, ou


mesmo saber o qual a mensagem que uma determinada uma música está tentando
passar para o ouvinte.
35

CAPÍTULO II: O REGIONAL E O UNIVERSAL: UMA ANÁLISE DAS MUSICAS DO


GRUPO CAPÚ

Neste capítulo, buscamos abordar as temáticas que os membros do Grupo


Capú imprimiram em suas composições musicais. No primeiro momento, analisamos
as músicas que contam aspectos da cidade de Rio Branco. Em seguida, analisamos
músicas mais abrangentes do Grupo Capú. Ao realizarmos a análise, buscamos
mostrar como houve o processo de composição das músicas, resgatando as
inspirações que levaram os músicos ao fazerem as músicas.

2.1 Música Acreana

O Grupo Capú constituiu-se em um conjunto musical acreano que cantava


músicas em português, utilizando-se do compasso composto por uma batida quatro-
por-quatro e com letras compostas a partir de uma experiência rural e ao mesmo
tempo urbana através de uma visão do que é ser um jovem acreano dentro de um
contexto de profundas transformações da sociedade acreana.
A forma estrutural do Grupo Capú é apresentada com Clenilson Batista
como principal compositor e também tocando violão e guitarra, João Veras tocando
flauta doce e Clevisson Batista como compositor e contrabaixista do conjunto.
A formação do Grupo Capú enquanto conjunto sempre manteve-se com
esta estrutura de apresentação. Durante a trajetória do grupo, houve passagens de
diversos músicos que complementava o grupo, principalmente na bateria. Dentre os
músicos, identifica-se o músico Hermógenes que tem passagem pelo grupo a partir
do ano de 1983.
Ao identificar os músicos fizeram parte do Grupo Capú, Clenilson Batista
comenta:
Olha, falar integrantes, passa muita gente por lá, principalmente na bateria,
mas de firme assim, eu o Clevisson é o constante, né, que é a gente que
compõe, é a gente que faz, e João Veras. Esse era o, eu, João Veras,
Clevisson e Hermógenes até 1985. (...), e aí depois a gente teve diversos
caras tocando bateria, assim, de passagem como Jorge Anzol, Ferreti, um
tal de Paulo, (...) o Alcides também tocou.15

Na entrevista realizada com João Veras16, este lembra que além dos
músicos citados, ainda teve uma pequena participação de um músico chamado
Pitico. Este foi convidado pelo grupo para tocar percussão. João Veras ressalta que

15
Entrevista realizada no dia 12 de dezembro de 2013.
16
Entrevista cedida via e-mail no dia 29 de março de 2014.
36

pouco tempo depois Pitico morre, e, em seguida, Hermógenes entra no grupo para
tocar bateria.
Durante as apresentações, o Grupo Capú posicionava-se no palco com
Clenilson Batista no centro do palco, geralmente utilizando uma guitarra ou violão,
em uma posição um pouco mais à frente em relação aos outros integrantes. Ao lado
direito de Clenilson posiciona-se João Veras com a flauta-doce, com um microfone
próximo a altura da boca para captar a melodia do instrumento e também fazendo a
função de backing vocal.17 No lado esquerdo do palco em relação ao vocalista,
localizava-se o integrante Clevisson Batista, tocando contrabaixo e também com
outro microfone fazendo a função de backing vocal e, centralizado, mas localizado
ao fundo do palco fica posicionado o baterista, que por um certo período de tempo
ficou sob responsabilidade de Hermógenes.
No que diz respeito ao público, de um modo geral, durante os festivais de
músicas que aconteciam em Rio Branco, a maioria da plateia era formada por
pessoas que, em geral, tinha um gosto musical voltado para a MPB, ou para
músicas que possuíam letras com uma qualidade poética bem elaborada. Nesse
contexto, o Grupo Capú, com letras e músicas construídas de forma simples,
emergem com a explícita intenção de “quebra” da ideia de música certinha.
O Grupo Capú teve como uma das suas principais propostas musicais a
apresentação de forma irreverente, o desacato para com os padrões musicais
produzidos no período da década de 1980. Devido a isso, o grupo, por bastante
tempo, foi incompreendido pelo público.
O músico Clenilson Batista comenta que
(...) a gente gostava de uma coisa, que era nossa, que a gente gostava
porque dizia que falava da rebeldia, fazia a gente extravasar aquilo que a
gente normalmente tem na adolescência, mas sofria desse preconceito, os
caras não olharam a gente com bons olhos. E aí, o quê que a gente fazia:
normalmente quando todo festival que a gente ia, só pra aprontar. Era
rebeldia mesmo. (...), isso estarrecia um pouco.18

Pode-se perceber que o rompimento com a ideia de música certinha e


bem elaborada não foi compreendida por grande parte do público que assistia os
festivais de música que acontecia no Acre. Muitas vezes os admiradores do trabalho
do grupo se restringia apenas a alguns amigos, parentes e pessoas mais próximas

17
Backing Vocal serve como vocal de apoio, é usado principalmente para aumentar a sonoridade
vocal, e em muitas situações contribui para criar harmonia. Assim, o backing vocal embeleza de
forma significativa uma música, desde que seu tom não ultrapasse a voz principal.
18
Entrevista realizada no dia 12 de dezembro de 2013.
37

aos integrantes do grupo. Tocar a música rock no Acre nos anos 80 ainda consistia
algo que a população acreana ainda não estava habituada a ouvir.
Clenilson Batista acentua que quando começou a fazer composições
musicais em Rio Branco percebeu como estava configurado o contexto musical da
cidade rio-branquense:

A gente fez isso aí, claro, você faz isso, aí vai de encontro a um monte de
coisas que já tão estruturadas, que é a música popular, forró, e aqui tem
uma carga muito forte nordestina. Então, é forró, é brega, e aí a gente entra
com aquela coisa e todo mundo fica meio de cara torcida pra gente. 19

Nesta fala de Clenilson Batista, pode-se compreender que, por optar


por um estilo musical ainda pouco conhecido, o conjunto passou por algumas
dificuldades que muito atrapalhou o surgimento de uma empatia para com o público.
Demonstrando uma postura de bastante clareza na sua proposta
musical, Clenilson Batista argumenta

Parceiro, a gente tem que tocar aquilo que a gente gosta, o que dá vontade,
não importa se é brasileira, se é dos Estados Unidos, seja lá da onde for, é
música pô e se tá no planeta, é do mesmo planeta, então é da onde a gente
vive. Então isso não faz diferença se ´se de lá ou de cá. Gostei e gostei.
Agora eu vou ter preconceito porque ela não é uma música brasileira (...),
acho que isso é meio louco, (...), não fica bem resolvido dentro da cabeça. 20

O rock enquanto manifestação de pensamento teve, durante muito


tempo, associado a transgressão, isto é, um estilo musical que preconiza romper
com as ideias vigentes. Devido ao seu caráter contestador, foi amplamente
abraçado pela juventude. O do ponto de vista social, o jovem é um ser em
desenvolvimento. Por estar em um contínuo conflito interno, muitas vezes acaba por
criar um pensamento divergente do mundo adulto. Antonio Carlos Brandão e Milton
Fernandes comentam que

Os inúmeros movimentos de transformação social, sejam eles radicais ou


utópicos, que as últimas décadas viram surgir, tiveram, como seus principais
articuladores, os jovens. Isso se deve não apenas ao seu poder de
mobilização – que não foi nada pequeno -, mas, principalmente, pela
natureza das ideias que colocaram em circulação, pelo modo como as
veicularam e pelo espaço de intervenção crítica que abriram. (BRANDÃO e
DUARTE, 2004, p.06)
Nesse sentido, o Grupo Capú emerge no cenário musical acreano com
um discurso que possibilitou uma sistematização mais complexa e bem elaborada e
que, por isso, não foi bem compreendido na sua época.

19
Idem.
20
Idem.
38

O Grupo Capú representa um tesouro perdido da cultura musical


acreana, principalmente pela sua riqueza poética e pela sua abrangência temática.
Nesse sentido, suas letras vão abranger temas que vão desde a regionalidade
acreana, até temas transcendentais, de outras dimensões.
Meu Rio

Andando no rio Acre vi


Vi plantação de milho
Vi plantação de cana caiana
Vi melancia, banana comprida e peroá.
Vi um ribeirinho ensinando o seu filho nadar...

Meu rio belo branco


Que tem beleza
Magia e encanto
Quando vem cavaleiro ogum
Vem montado em seu cavalo
Vem lua cheia
Na lua cheia que clareia o rio
De águas barrenta
De belezas mil

Meu rio que não é do Janeiro


Mas que tem futebol o ano inteiro
E a moçada cai no samba quando cheguei
Minha cidade que não é a maravilhosa
Mas que tem lindas garotas e a fonte luminosa
Mas que sofre quando aqui chega o inverno
Pois a 364 de estrada vira inferno

Meu Acre de tantas seringueiras


Terra fértil brasileira
Que me dá todo direito
De canta e bater no peito
Sou latino americano
Meu irmão sou acreano
Pro que der e vier ( 3x)
Se vier...

A música Meu Rio, de autoria de Clenilson Batista e Clevisson Batista


foi composta no ano de 1981 e defendida no Festival Acreano de Música Popular do
mesmo ano. Embora a música não tenha saído vencedora ou tenha ganhado
destaque, já apresenta neste período, uma riqueza poética considerável.
Nesta música, percebemos que o autor faz um relato através de uma
viagem de barco no leito do rio Acre, descrevendo as diversas atividades agrícolas
próximas às margens do rio Acre.
Analisando a música Meu Rio, podemos compreender de forma
significativa o cotidiano urbano da cidade rio-branquense. Os primeiros versos da
música demonstra um certo encantamento do autor para com a riqueza de produção
39

dos ribeirinhos. A descrição de plantações de milho, de cana caiana, de melancia,


de banana comprida e peroá nos dá uma impressão de um Acre rico em belezas
naturais, de terras férteis que demonstra um certo orgulho ao compositor.
Nos versos seguintes da música, o sentimento do compositor para com
as belezas da cidade chega a passar de orgulho para um encantamento,
principalmente nos versos “vi um ribeirinho ensinando o seu filho nadar/meu rio belo
branco que tem beleza magia e encanto”.
Em seguida, o autor nos dá uma descrição de uma cidade que já tem
características urbanas, com suas vidas já influenciadas principalmente pelo rádio
que transmitia principalmente parte da cultura carioca, e a televisão, que chegara no
Acre em 1974. Nos versos “meu rio que não é do Janeiro/mas que tem futebol o ano
inteiro/e a moçada cai no samba quando cheguei”, podemos notar que a partir do
ano de 1970, ano em que a seleção brasileira de futebol ganhava o seu terceiro
título da Copa do Mundo, a mídia brasileira passa a dar um maior destaque no que
diz respeito a cobertura do futebol no Brasil. Fato esse que já estava influenciando o
cotidiano da vida do cidadão rio-branquense.
Outro fator importante a destacar na música, consiste da associação do
futebol com samba, que principalmente a partir da década de 1970 passa a ser
difundido do Rio de Janeiro para todo o Brasil, principalmente através do rádio e a
televisão. A influência do futebol da sociedade rio-branquense se tornou um
acontecimento importante, pois em pouco tempo se tornaria na principal diversão
das crianças nas periferias da cidade.
Mas, embora o autor tenha abordado elementos que o torne em um
sujeito satisfeito e orgulhoso, em um determinado momento da música, o compositor
demonstra uma cidade que tem grandes problemas, principalmente no que diz
respeito ao isolamento.
No início da letra da música, o autor descreve suas impressões acerca
de sua visão através de uma viagem de barco. Assim, podemos compreender uma
cidade que tinha como principal meio de locomoção o transporte fluvial. A cidade
ainda sofria com problemas de transporte terrestre.
Na parte final da música, nos versos “mas que sofre quando aqui
chega o inverno/pois a 364 de estrada vira inferno”, o isolamento do de Rio Branco
com os outros municípios e também com outros estados é ressaltado pelo
compositor, principalmente no inverno, período em que as chuvas na região
40

amazônica se torna mais intensas. A BR 364 que liga o estado do Acre aos outros
estados brasileiros, por muito tempo trazia para os acreanos graves dificuldades. A
falta de asfaltamento na estrada, por vezes, deixava o estado do Acre bastante
limitado no que diz respeito ao transporte terrestre. Dessa forma, por vezes o rio
Acre se tornava o único acesso as demais localidades longe de Rio Branco.
A canção Meu Rio, emerge no cenário musical acreano trazendo uma
exaltação do principal rio do estado acreano, berço de onde a cidade de Rio Branco
nasceu. A música também traz consigo a valorização do estado acreano, que,
embora tivesse passando por sérias dificuldades, dava orgulho e “direito de cantar e
bater no peito”.21
O Retirante

Terra bendita esquecida por Deus


Onde a fome e a seca é o terror dos filhos seus
Onde o sol é bravo e torna um inferno esse chão
Onde os verdes campos é um deserto, é só sertão

Sertão do cabra da peste


Virgulino, o lampião
E de Maria bonita
Que ganhou seu coração
ô ô ô...
(refrão)

Levados pela fome


Come folhas de macambira
Pra proteger seus pés
Usam sandálias de embira

Cantando muitas léguas


Atrás de uma nova vida
Seguiu o retirante acompanhando a arribação
Deixando para trás
O seu pedaço de chão
E segue sonhando com a civilização
(repete refrão)

A música “O Retirante” foi composta pelos irmãos Clenilson Batista e


Clevisson Batista no ano de 1981 para concorrer na segunda edição do Festival
Acreano de Música Popular – o FAMP.
Consideramos que esta é uma música intimista, onde o artista canta
para o mundo sua história, suas origens e suas experiências. “O Retirante” é uma
música que está estritamente ligada a vida dos compositores, pois trata-se de uma

21
Verso que compõe o encerramento da música “Meu Rio”.
41

homenagem ao pai, que nasceu na cidade de Mossoró, no Rio Grande do Norte. O


pai veio para o Acre no período referente ao segundo surto da borracha.
A construção da música foi baseada no livro Vidas Secas, de
Graciliano Ramos. No livro, o romancista alagoano narra a fuga de uma família que,
castigada pela seca, se vê obrigada a migrar para o sul, em busca da cidade grande
e ter uma esperança de vida. Já com o Grupo Capú, os músicos “cantam” a versão
acreana de Vidas Secas.
Na música “O Retirante”, os músicos descrevem com uma rica
construção poética a saga dos nordestinos que fogem do sertão em busca de dias
melhores movidos pelo sentimento de esperança.
A primeira estrofe da música, podemos notar que o autor demonstra
uma preocupação especial em buscar explicar as precárias condições de
sobrevivência que os nordestinos enfrentam, e que é essas condições hostis que
transformará homens, mulheres, famílias, em retirantes. Assim, situações como a
fome, a seca, o sol bravo e o deserto tornam-se elementos cruciais para a migração
dos retirantes.
Após a primeira estrofe vem o refrão da música. Com o intuito de
complementar o sentido da estrofe, no refrão da música “O Retirante”, é descrito que
o sertão é a terra do cabra da peste, do Lampião e de Maria Bonita. Nesse sentido,
mesmo após muitos anos em que Lampião e Maria Bonita foram assassinados pela
polícia em 1938, perdurou até o ano de 1981 a ideia de que todo o sertanejo sente
orgulho de pertencer a mesma terra em que o rei do cangaço viveu. Assim como
Lampião está associado a um herói, um justiceiro, a figura de um habitante do sertão
é vista como um homem forte, bravo e corajoso.
A partir do refrão, o autor elabora através de uma narrativa as várias
dificuldades enfrentadas pelos retirantes, alimentados por folhas de macambiras e
principalmente pela esperança de dias melhores.
Além do pai, a música emerge como uma homenagem não só ao pai
dos irmãos que compuseram a música, mas também a todos os homens e mulheres
que, em busca de sobrevivência e melhores condições de vida saíram da seca e da
pobreza das regiões que compõe o sertão da região nordeste.
42

2.2 Música Urbana

A Revolta dos Urubus

A terra beijando os defuntos


Um beijo gelado
Um beijo profundo
Estão sugando o sangue
Que corre em tuas veias
E não esperneia

E ainda existe mistérios


Ninguém sabe por que
Os urubus invadindo necrotérios
E devorando alguns defuntos velhos
E ainda sobrevoam os cemitérios
E não encontrando nada pra comer
Matam pessoas e esperam a apodrecer

Coisa do Diabo
Coisa do além
Coisa do inferno
Coisa igual não tem

São uru urubus ei ei ei


São uru urubus ei ei ei...

O Grupo Capú tem no ano de 1982 a primeira experiência com a


censura do regime militar após a tentativa de apresentação da música “A Revolta
dos Urubus”, no Festival Acreano de Música Popular do mesmo ano.
A música “A Revolta dos Urubus” apresenta uma temática bem
peculiar, no que diz respeito a sua temática. Esta música estava programada para
ser apresentada no FAMP assim como outra música intitulada “S.O.S”.22
Embora ambas as músicas possuíssem temáticas bastante
contestatórias, principalmente no que diz respeito a política que estava implantada
no país e também ao sofrimento que a população vivia no período, curiosamente
somente a canção “A Revolta dos Urubus” não teve permissão para ser
apresentada.
O músico Clenilson Batista comenta que quando estava prestes a
apresentar a música, em um show em frente ao Palácio Rio Branco:

Aí, a gente, pô, ensaiando a música em cima do palco, aí chega o cara: -


atenção, músicas que não poderão ser tocadas nesse palco: tal, tal, tal, tal e

22
Esta música também será objeto de análise neste mesmo capítulo.
43

“A Revolta dos Urubus”. (...), E S.O.S passou e ninguém entendeu como é


que passou pela censura.23

Clenilson Batista ainda lembra que quando a música foi impedida de


ser apresentada, todo o grupo ainda tentou argumentar que a música se consistia
apenas em uma paródia do filme de um filme de terror. Mas os censores, logo ao
verem o conteúdo da música logo constataram o teor subversivo da música.
A música “A Revolta dos Urubus” de autoria de Clenilson Batista, foi uma
música composta especificamente para mostrar ao público a política do medo e o
terror praticado Regime Militar instaurado no Brasil no dia 1° de abril de 1964. Esta
música se constitui em uma metáfora tendo como comparação o filme “Os
Pássaros”24, dirigido por Alfred Hitchcock.
O filme “Os Pássaros” apresenta uma história em que, numa
determinada cidade começa a aparecer, de repente, pássaros que passam a atacar
a população com bastante violência sem um motivo explicitamente aparente. No
filme não há a presença de um assassino ou vilão, o que faz surgir um medo
psicológico e o medo das dores causadas pelos ataques dos pássaros.
Assim como no filme, em “A Revolta dos Urubus”, o compositor tem o
foco principal o medo psicológico das pessoas de algo que não deveria oferecer
perigo. Assim, os urubus são comparados aos militares que, com sua política
fortemente opressora, passam a atacar a população sem um motivo aparente.
A parte inicial da música demonstra todo o sofrimento que o Brasil
estava passando com a política da ditadura militar. Nos versos “a terra beijando
defuntos/um beijo gelado/um beijo profundo”, o autor denuncia o assassinato de
diversas pessoas que tinham ideias avessas ao regime militar. Mais adiante, nos
versos “estão sugando o sangue/que corre em tuas veias/e não esperneia”,
demonstra que além dos vários assassinatos, a política ditatorial brasileira se
mantém inflexível com a implantação dos Atos Institucionais que estão cada vez
mais suprimindo a liberdade civil dos brasileiros.
No final da música o autor enfatiza que o Brasil está passando por uma
realidade nunca vista antes, uma realidade inimaginável, coisa do diabo, coisa do
além.

23
Entrevista realizada no dia 12 de dezembro de 2013.
24
PASSAROS, Os. Direção de Alfred Hitchcock. Roteiro de Evan Hunter. Produção Universal
Pictures. Distribuição Espaço Filmes. 1963. Duração 119 Minutos.
44

O músico Clenilson Batista demonstra um carinho especial pela música


“A Revolta dos Urubus”, pois em determinados momentos em que não era possível
cantar a canção na sua forma literal, o artista procurava cantar a música de forma
que fosse possível ser apresentada, utilizando o recurso de cantar a música de
forma invertida.

isso é uma das formas que a gente encontrava pra fazer as coisas, (...)
como por exemplo, cantar algumas músicas como se fosse em inglês, como
“A Revolta dos Urubus” cantar ela ao contrário. Você tá disparando ela do
mesmo jeito, só não tá dentro da coisa correta. Essa é uma forma de burlar
e curtir com a cara dos caras. (...), essa era uma saída também bastante
interessante.25

O uso de outros recursos como a inversão na forma de cantar as músicas


demonstra, além da riqueza poética que “A Revolta dos Urubus” possui em sua
composição, apresenta também uma riquíssima criatividade na sua forma de
apresenta-la ao público.

S.O.S.

A espaçonave vai cair, vai cair


Do espaço sideral
E assombra esse povo, esse povo
Que mendiga capital

E então pede socorro nosso povo


Que ainda paga pra nascer (bis)

ê ê ê la lauê, la lauê iê iê iê (bis)


Se lhe imitasse a inflação, a inflação
A vida ia melhorar
Pobre ia ter o que comer, o que comer
Carne, arroz, café e pão

Mas então pede socorro nosso povo


Que hoje vive por viver (bis)

ê ê ê la lauê, la lauê iê iê iê (bis)


Se lhe imitasse o dinheiro americano
A vida ia melhorar
E o Cruzeiro ia ter nome de dinheiro
E o Brasil uma lição

Mas então pede socorro o nosso povo


Que hoje vive de aluguel (bis)

A música intitulada “S.O.S” se constitui em uma das músicas de maior


destaque do Grupo Capú. Composta por Clenilson Batista e Clevisson Batista em

25
Idem.
45

1981, a música foi defendida no FAMP do mesmo ano. Na ocasião, a música foi
premiada com o segundo lugar, o que demonstra um relativo destaque do grupo na
cidade de Rio Branco.
A música foi escolhida pelo grupo para concorrer no FAMP juntamente
com a música “A Revolta dos Urubus”, mas apenas “S.O.S” não foi censurada pelos
militares. Pode-se observar que a não-censura da música demonstra um certo
“afrouxamento” da perseguição por parte dos órgãos repressores.
“S.O.S” foi composta a partir de um evento histórico que ficou
conhecido mundialmente em vários lugares do planeta: o anúncio da NASA de que o
Skylab26 havia saído de órbita e iria cair na terra, o que espalharia medo e terror a
grande parte da população mundial.
Já no título da música, o compositor nos remete a um sinal de
emergência: o anúncio da queda de uma espaçonave traz para o povo brasileiro
uma preocupação adicional além do seu principal assombro: a sobrevivência. O
compositor já nos versos iniciais nos dá um impacto com a realidade em que o país
está vivendo, onde o povo “mendiga capital”.
Além da pobreza, outro grave acontecimento está sendo denunciado
pelo autor. Nos versos “e então pede socorro nosso povo/que ainda paga pra
nascer” é explicitado a alta taxa de impostos que a população está pagando. Mais à
frente, o compositor, tendo como parâmetro o estado norte-americano nos traz uma
dica de que se o Brasil “lhe imitasse a inflação/a vida ia melhorar”. Para o autor, não
seria necessário o Brasil construir espaçonaves, mas somente imitar o dinheiro
americano, fazer com que a moeda brasileira tivesse um maior valor.
É importante ressaltar as graves dificuldades que o Brasil estava
passando no período final da ditadura. O governo do general João Batista
Figueiredo foi marcado por grandes dificuldades de controle da inflação. A economia
mundial entrava em crise aumentando consideravelmente a quebra da economia
brasileira.
“S.O.S”, possui harmonia marcada pelo compasso quatro-por-quatro,
com vocalizações sincronizadas e ao fim das estrofes são cantados os “la lauês”

26
Literalmente “Laboratório Espacial”, foi uma estação espacial norte-americana lançada em órbita no
ano de 1973 para realizar estudos e observações solares. Medindo 36 metros de comprimento e com
peso superior a 90 toneladas, o Skylab saiu de órbita e destruiu-se prematuramente em 1979, caindo
no oceano índico e parte da Austrália. O projeto é considerado uma das grandes trapalhadas da
NASA.
46

característicos do som dos Beatles. O que faz dessa música uma clara produção de
influência dos garotos de Liverpool. Ao mesmo tempo em que é agradável aos
ouvidos com melodia beatlemaníaca, esta música nos permite compreender, ainda
que de forma sucinta, o contexto em que o Brasil estava passando no início dos
anos 80.

Seringal Astral
Somos da via látex
Somos da via látex
E é do, E é do
Seringal, Seringal
Seringal Astral
Seringal Astral
Do Planeta ouryço
Da constelação castanha
Que fica no ramal
No ramal eletrônico
Na colocação astral
Espiritual e Místico
Místico uôôu
Místico uôôu
Somos da via látex
Somos da via látex
E é do, E é do
Seringal, Seringal
Seringal Astral
Seringal Astral
Temos palhoçalab
Na borracholândia
Nossas Sernambi-naves
Na beleza panorâmica
Energia sonora
E borrachas cósmicas
Cósmica Uaaau
Cósmica Uaaau
Somos da via látex
Somos da via látex
E é do, E é do
Seringal, Seringal
Seringal Astral
Seringal Astral
Das estradas de luzes
E porongas fluídicas
Das fontes luminosas
De cores harmônicas
Do bosque da música
Das astrais sinfônicas
47

Sinfônicas Uaaau
Sinfônicas Uaaau
Somos da via látex
Somos da via látex
E é do, E é do
Seringal, Seringal
Seringal Astral
Aqui é do Acre
Aqui é do Acre
Acre iiii
Acre iiii...

Em “Seringal Astral”, a apresentação musical do Grupo Capú passa a


ganhar a concepção de um espetáculo. Aqui, o ato de “cantar” se torna apenas mais
uma das formas de levar a mensagem para o público. A partir do ano de 1985, os
irmãos Clenilson Batista e Clevisson Batista compõe a música “Seringal Astral” e
com esta música, passam a incorporar ao Grupo Capú a teatralização musical.
No ano de 1985, “Seringal Astral” foi apresentada pela primeira vez no
SESC em Rio Branco. Esta música é apresentada ao público através de um
espetáculo intitulado “Jornada Cósmica”, se tornando a primeira ópera-rock exibida
na cidade rio-branquense.
Nesta música, Clenilson Batista parte para uma temática musical
jamais abordada dentre os compositores acreanos, criando uma nova concepção
cosmológica, uma nova dimensão do real. Através de experimentalismos,
adicionando temas fantasiosos, o Grupo Capú convida o público acreano para
conhecer o “Seringal Astral”.
No espetáculo “Jornada Cósmica”, através da música “Seringal Astral”, é
contada a história de uma pessoa que, durante a apresentação da música morre, e
vai parar em uma outra dimensão chamada Seringal Astral. E no momento em que
ela morre, passa a descrever como é o Seringal Astral, através de uma transmissão
chamada “rádio mental”. No espetáculo, o sujeito que morre só pode ressuscitar ao
som de música e com fortes energias cósmicas enviadas pelo público.
Toda a descrição de Seringal Astral é recebida pelo público a partir do
momento “o ente morto” de dentro dessa outra dimensão, passa a transmitir o que é
o Seringal Astral. Este, tem sua localidade dentro da via látex, no planeta Ouryço,
dentro da Constelação Castanha. Nestes versos, podemos perceber a mistura de
elementos regionais, com narrativas indígenas misturados a características
científicas e tecnológicas, onde se chegava através de um ramal eletrônico. Com
48

a música Seringal Astral, podemos perceber a utilização do regional e do universal.


O autor se apropria da linguagem universal do rock e toda a sua filosofia e faz
experimentalismos com a cultura amazônica, onde no seringal astral existem “naves
espaciais feitas de sernambi”.
No documentário intitulado “A História do Grupo Capú”, em
depoimento, Clenilson Batista comenta como surgiu a ideia de criação do espetáculo
“Jornada Cósmica”:
(...), eu entro com uma linha Kardecista e Espírita, aí eu trago a ideia de um
espetáculo chamado “Seringal Astral”, onde as pessoas só entrariam dentro
dele se acreditasse em Deus e tivesse amor no coração. (...), e foi o
momento em que eu tomava então, começava a tomar partido de uma linha
de pensamento, uma linha filosófica, de pensar. E o Seringal Astral, ele vem
com essa ideia de transformação social, mostrar a ideia das coisas.27

O momento de criação do espetáculo de “Jornada Cósmica” foi um


momento crucial na história do Grupo Capú, pois significava para o grupo a tomada
de uma linha de pensamento. Essa linha filosófica incorporada por Clenilson Batista,
também trouxe algumas significativas mudanças no conjunto, pois significou a saída
de João Veras do Grupo Capú.
Enquanto Clenilson Batista incorpora elementos transcendentais para o
grupo, João Veras, por não possuir a mesma linha de pensamento tem sua
participação no grupo interrompida, já que tinha forte influência marxista.
Esta nova concepção idealizada por Clenilson Batista trouxe forte
impacto a todos os músicos do grupo. O que fez com que houvesse brigas e
desentendimentos, principalmente entre os irmãos compositores. Embora Clevisson
Batista tenha escrito a música junto com Clenilson Batista, não houve um consenso
sobre do que se tratava realmente o Seringal Astral.
Posicionado como principal liderança do Grupo Capú, Clenilson Batista
sentiu a necessidade de reinventar a temática musical do grupo, o que seria
compreensível as dificuldades em criar Seringal Astral.

27
A História do Grupo Capú. Documentário. Produzido por Mazé Oliveira.
49

CAPÍTULO III: UM PANORAMA DO ROCK NO SÉCULO XX

Neste capítulo, procuramos traçar um panorama do rock, discutindo sua


história desde o seu surgimento, mostrando os artistas que ganharam maior
destaque. Também mostramos o surgimento do rock no Brasil, identificando suas
características, afim de situar em que contexto o Grupo Capú esteve inserido.

3.1 Ruídos que crescem: O surgimento da música rock

CHACON aponta como uma grande pretensão definir o rock em um


conceito pronto e acabado. Ao contrário, o historiador mostra o rock dentro de um
sentido bastante polimorfo no tempo e no espaço. Dessa forma, o que pretendemos
apresentar neste capítulo é a maneira que o rock vai se recriando no tempo e no
espaço desde o seu surgimento a partir dos anos 50 do século XX.
Desde o seu surgimento, o rock sempre foi associado à um tipo especial
de música. Embora que para um leigo no assunto possa causar bastante
estranheza, o rock não pode ser associado apenas ao ritmo ou a letra. Ao
compreender sua história, podemos perceber que houve uma profunda penetração
em uma parcela cada vez mais significativa da sociedade – principalmente com os
jovens - e se tornou uma maneira de ser, uma ótica da realidade, uma forma de
comportamento.
O historiador Paul Friedlander afirma que em suas origens, o rock é
essencialmente uma música afro-americana. Os ritmos sincronizados, a voz rouca e
sentimental e as vocalizações de chamado-e-resposta características dos
trabalhadores negros eram parte da herança da música africana e tornaram-se os
pilares com os quais o rock foi construído. (FRIEDLANDER, 2008, p.31) Assim
daremos neste capítulo um panorama das raízes musicais do rock, tanto as negras
quanto as brancas.
É o rhythm and blues o principal pilar da música rock tal como
conhecemos hoje. Reprimidos pela sociedade anglo-saxônica e protestante, a mão-
de-obra negra, desde os tempos da escravidão, se refugiava na música e na dança
para dar vazão, pelo corpo, ao protesto que as vias convencionais não permitiam.
Nos anos 30 e 40 do século XX, após seus milhões de mortos, muitos negros
começaram a se perguntar sobre o real valor da vida e sobre o sentido de se
50

defender um modelo de comportamento que levaria multidões ao holocausto. Foram


esses questionamentos alimentados pela guitarra elétrica que iria atrair multidões de
jovens, inicialmente americanos mas logo por todo o mundo ocidental que criaria um
estilo de vida próprio.
Outra importante vertente do rock consiste na música country. Esta
tipologia musical representou a versão branca para o sofrimento dos pequenos
camponeses, na qual estaria ligada à música cowboy do oeste. O country deu
origem a um estilo pouco penetrado pela música negra, mas teve um considerável
peso no interior dos Estados Unidos. As letras cantadas no estilo country tinha na
maioria das vezes características populares de dor, resistência passiva e lamento, e,
por vezes, atingiam um tom bastante crítico e bem mais ativo no que diz respeito ao
protesto.
Para FRIEDLANDER, o rock explodiu no cenário americano em meados
dos anos 50. Inicialmente chamado de rock and roll, esta música se desdobrou em
duas gerações. A primeira, predominantemente negra, era formada por Fats
Domino, Chuck Berry, Little Richard e Bill Haley. Eles conquistaram sucesso nas
paradas populares entre 1953 e 1955, iniciando a escalada como pioneiros do rock.
Sua música, uma síntese dos estilos branco e negro e dominada por um forte
acompanhamento de bateria, exibia letras que celebravam as experiências de vida
dos adolescentes do pós-guerra, como amor, dança, alusões ao sexo e o próprio
rock and roll.
Foi na segunda geração do rock onde o gênero atingiu um grande
sucesso comercial chegando a superar a primeira geração rockeira, tendo como
principal ícone Elvis Presley no começo de 1956. Este grupo predominantemente
branco, teve nomes de grande sucesso como Jerry Lee Lewis, Buddy Holly e The
Everly Brothers. Ao mesmo tempo em que garantiu ao rock and roll uma sucessão
ao trono da música popular como um estilo, foi um pouco menos estridente que os
roqueiros da geração negra, falando muito mais do amor entre os jovens do que
suas angústias.
No início da década de 1960 ocorre uma profunda transformação no rock,
onde este deixa de ser uma música basicamente estadunidense e ganha ares
internacionais chegando também na Inglaterra.
FRIEDLANDER (2008), explica que em terras inglesas os Beatles
trilharam um caminho que nunca tinha sido explorado antes. Sua música e letras os
51

levaram a direções desconhecidas e eles foram seguidos de perto por uma multidão
de outras bandas e artistas musicais. Seu impacto no mundo ocidental foi enorme.
Até então, nenhum rockeiro havia usando cabelos longos na altura dos ombros
antes. Mas não houve apenas mudança estética: nas composições musicais foram
abordadas novas questões culturais e políticas.
O grande sucesso dos Beatles aliado às explosões tecnológicas de
comunicação e marketing, permitiram que os Beatles transmitissem suas
mensagens musicais e culturais e o conteúdo de suas letras para um número muito
maior de pessoas, o que nenhum outro artista havia conseguido antes deles.
Os Beatles criaram um som original que fundia elementos de todas as
raízes musicais do rock and roll. Eles adotaram o formato de duas guitarras, baixo,
bateria, assim como sua visão adolescente de amor, geralmente assexuada. O
manejo das letras de rock lembrava Chuck Berry e as influências vocais eram de
Little Richard e dos Everly Brothers.
Durante todo o ano de 1963 a popularidade dos Beatles cresceu a tal
ponto na Inglaterra que, por volta do fim do mesmo ano o seu público estava
totalmente fora de controle. Este fenômeno seria um pouco mais tarde denominado
de Beatlemania.
Friedlander explica que
Os Beatles, assim como Elvis, foram parte de um momento. Sua
popularidade coincidiu com a grande expansão da tecnologia das
comunicações. [...]. A Beatlemania se desenvolveu nos cinco continentes.
Devido à deificação da banda, assim como seu impacto significativo nas
culturas britânica e americana, o marketing e a subsequente proliferação da
cultura popular ocidental pelo mundo fizeram dos Beatles a força musical
mais poderosa da história. (FRIEDLANDER, 2008, p.148)
Durante o período em que atuavam, os Beatles desenvolveram idéias
musicais de forma original. O material produzido continha uma crescente
complexidade harmônica e rítmica, além de uma instrumentalização bem
diferenciada. O sucesso comercial até então alcançado assegurou a divulgação
dessas idéias para um numeroso público.
Claramente pode-se observar que os Beatles tiveram grande influência
do rock and roll dos anos 50 e com sua contribuição, expandiu as fronteiras do rock.
Se apropriaram do rock clássico e fizeram inovações musicais importantes. Os
temas e as idéias contidas em suas canções refletiam a consciência não só dos
membros da banda, mas também da crescente contracultura da época.
52

Também na década de 60, juntamente com os Beatles, aparece no


cenário inglês outra banda de grande importância para a história do rock: os Rolling
Stones. No início do ano de 1963, enquanto os Beatles já alcançara grande sucesso
de público, os Rolling Stones já estavam começando a fazer suas primeiras
apresentações musicais.
Retirando o seu nome da música Rollin’ Stone, um blues de Muddy
Waters, a banda capitalizou a agressividade e a crueza da música negra americana.
Os Stones se diferenciavam dos demais músicos dos anos 60 principalmente pelo
seu comportamento sexual, com agressividade e crueldade.
No campo musical, a banda reproduziu muito dos atributos estilísticos
da música negra, principalmente pela preferência por músicos de rhythm and blues:
a pronúncia arrastada e emocional, o vocal agressivo e sua presença de palco
sensual e vigorosa.
Durante anos de atuações, os Rolling Stones criaram trabalhos
multifacetados que estão entre os melhores da época. Iniciando seus trabalhos
musicais tratando sobre temas como adolescência e sexualidade, os Stones
também trataram de temas mais abrangentes que chegaram até uma abordagem
introspectiva e social.
No final dos anos 60 e início dos anos 70 do século XX ocorre uma
grande mudança na música rock. Este período é marcado pela expansão rápida de
tamanho e poder da indústria musical. A vendagem de discos alcança pela primeira
vez na história em 1967 a marca de um bilhão de discos e quatro bilhões em 1973,
ultrapassando outras indústrias de entretenimento como o cinema e os esportes.
Com isso, a música rock alcança um patamar de Grande Negócio.
53

3.2 O rock n’ roll no Brasil

O rock chegou ao Brasil através de um veículo de bastante influência no


país: o cinema. “The Blackboard Jungle”, do diretor Richard Brooks, no ano de 1955
foi estreado no Brasil. Batizado de “Sementes da Violência”, este filme trazia como
trilha sonora um grande sucesso gravado um ano antes pelo conjunto Bill Haley and
His Comets. Devido ao seu grande sucesso e a sua forte influência no Brasil, não
demorou muito para que um cantor brasileiro gravasse uma canção de rock and roll
no país. Nora Ney canta a música-trilha em português.
No ano de 1956, o diretor Fred F. Sears lança outro filme que causaria um
considerável impacto em terras brasileiras. Chamado de “rock around the clock” (no
balanço das horas), este musical trazia performances de Bill Haley and His Comets,
Little Richards e The Platers, entre outros. Após este filme, surgiria algo mais do que
apenas versões “aportuguesadas”. Dessa vez, surgiria no ano de 1957 a primeira
canção de rock de cunho nacional. “Rock and roll em Copacabana”, de Miguel
Gustavo, interpretada por Cauby Peixoto.
Transformações como estas, fez com que pouco a pouco o Brasil -
principalmente através das rádios e dos programas de TV - permitisse a entrada e
expansão do Rock and Roll no país. No final da década de 50 já começava a surgir
programas tanto no rádio como na TV dedicando exclusivo espaço para o novo
gênero musical, como o caso do “Clube do Rock” na Tupi, apresentado por Carlos
Imperial e “Os Brotos Comandam” (na Guanabara). Fato este que despertou grande
interesse nas gravadoras que passaram então a correr atrás desse novo estilo
musical.
No ano de 1959 surgem os primeiros astros de rock no Brasil. Os irmãos
Celly e Tony Campelo lançam Estúpido Cupido28, uma versão de Stupid Cupid de
Neil Sedaka. Com este grande sucesso, Celly transforma-se em ícone da juventude
e passa a apresentar o programa “Crush em Hi-Fi” na TV Record de São Paulo.
Após o grande sucesso alcançado pelos irmãos Tony e Celly Campelo, passam a
surgir casa vez mais novos cantores de rock influenciados pelos programas de rádio
e TV. Arthur Dapieve afirma que

28
Esta música causou tanto sucesso entre os brasileiros que daria título a novela de mesmo nome,
de Mário Prata, pela TV Globo no ano de 1976/77.
54

Além dos astros solo, o sucesso dos Campello foi espalhando pelo país
uma constelação de grupelhos, quase todos com nomes em inglês – The
Fevers, The Pops, Renato & Seus Blues Caps, The Clevers (mais tarde Os
Incríveis), The Sputniks. (DAPIEVE, 1995, p.13)
No ano de 1965 acontece um fato que trará implicações fundamentais na
história da música no Brasil. Os clubes de futebol proíbem as transmissões de seus
respectivos jogos na TV nas tardes de domingo. Através deste espaço disponível na
TV, o proprietário da TV Record, Paulo Machado de Carvalho ocupou este horário
vago para transmitir o programa “Jovem Guarda”. Este consistia em um programa de
auditório que tinha como seus principais representantes, astros como Roberto
Carlos, Erasmo Carlos, Wanderléia Salim, Renato & seus Blue Caps, Martinha,
Golden Boys, entre outros.
No final da década de 1960, surge o Tropicalismo. O movimento
tropicalista tinha à frente a dupla Caetano Veloso e Gilberto Gil no qual fizeram uma
releitura da Bossa Nova, incorporando inovações na linguagem, no visual e na
performance. Parece ter sido, do ponto de vista intelectual e mesmo como referência
a questões colocadas pela escola de Frankfurt, um dos mais significativo para a
música brasileira.
O tropicalismo tinha como principal objetivo trabalhar além de uma nova
forma musical, propunha também uma inovação na temática das músicas, o que
consequentemente causaria um rompimento com a Bossa Nova. Assim, não
importava se o movimento estivesse ligado à direita ou à esquerda. Por não ter um
caráter esquerdista ou conservador, o movimento não foi compreendido por grande
parte dos músicos, pois a Tropicália passou a ser fortemente criticada.
O Tropicalismo funcionou como uma espécie de fusão entre rock e a
tradicional MPB. E foi justamente a incorporação das guitarras elétricas à música
popular brasileira, que produziu ema espécie de ódio entre a comunidade roqueira e
os músicos combatentes do estrangeirismo.
Assim, a importância de tal movimento pode ser descrita como uma
reviravolta nos conceitos empregados até então para classificar algo como regional
ou global, tendo em vista que por meio da apropriação de elementos estrangeiros,
somando-se o que vinha de sua própria terra, foi criado algo novo, não se limitando
a uma linha apenas, mas unindo elementos diversos e contraditórios, como a cultura
do consumo e o socialismo, o hippie e o capitalista, o dadaísta e o empresário.
55

Foi nos anos 70 que emergiu no cenário musical brasileiro um dos


melhores músicos e também “pensadores” que surgiu em terras brasileiras – Raul
Seixas. Baiano de Salvador, nasceu em 1945, portanto a quase uma década do
surgimento do rock nos Estados Unidos, e, por isso, desde muito jovem teve contato
e foi influenciado pelo rock.
Raul Seixas foi um músico que além das misturas do rock and roll
cinquentista de Chuck Berry, Little Richard, Elvis Presley e dos anos 60 com Beatles
e Rolling Stones, também sofreu influências de vários músicos brasileiros,
principalmente Luiz Gonzaga. Raul deixou uma contribuição para a música
brasileira, já que o baiano produziu centenas de composições.
Na obra do baiano, pode-se observar uma rica variedade musical que
muitas vezes nos remetem a diversos estilos como o Brega, o Baião, a MPB, a
Jovem Guarda e também ao rock and roll.
Além das variadas temáticas musicais, outra grande qualidade artística no
músico consistia na forma de como a música é cantada. A entonação da voz do
artista modificavam significativamente as músicas de tal forma, que, nos dá um
entendimento prévio da música sem a necessidade de ouvi-las. Algumas músicas
como “Guita”, percebemos um clima místico na música, onde o cantor aparece como
um profeta nos alertando de acontecimentos. Outras músicas, como “Metrô Linha
743”, no qual Raul Seixas assume um papel social de um crítico, cantando através
de falas cotidianas.
Foi durante os anos 70, através de Raul Seixas que começaram a surgir
músicas que tinham uma temática com engajamento político e com crítica ao
capitalismo e a política brasileira. Grande parte das composições de Raul Seixas
foram escritas durante a ditadura. Dessa forma, o cantor viu de perto a crise em que
o Brasil estava mergulhado. Os anos 80 chegaram e as expectativas de um futuro
melhor estavam cada vez mais distante. E foi com pessimismo que o Raul Seixas
saudou a chegada dos anos de 1980:
Anos 80
Hey, anos 80!
Charrete que perdeu o condutor
Hei, anos 80!
Melancolia e promessas de amor
(...)
Pobre país carregador dessa miséria
56

Dividida entre Ipanema


E a empregada do patrão
Varrendo o lixo p’rá debaixo do tapete
Que é supostamente persa
P’rá alegria do ladrão29

Todo esse pessimismo demonstrado na música de Raul Seixas está


vinculado principalmente a vida política do país. A política do governo militar havia
colocado o país em uma profunda crise econômica, principalmente pela alta inflação.
E no período de profunda crise que o país passava que vai surgir uma
espécie de “explosão” do rock nacional. Por todo o país apareceram bandas que se
tornaram rapidamente conhecidas, pois além da sonoridade, traziam em suas letras
respostas ao questionamento dos jovens principalmente naqueles primeiros anos
em que se dava a abertura política, onde o regime militar no Brasil jé se encontrava
em profunda crise e bastante fragilizado. Assim, os rumos da música se constituíam
por meio dessa crise.
Bandas como o Barão Vermelho, Legião Urbana, Ira!, Titãs, Capital
Inicial, RPM, Paralamas do Sucesso, Ultraje a Rigor, Engenheiros do Hawaii e
outras foram não apenas a trilha sonora dessa geração, mas a voz contida em uma
ideologia novamente jovem, de transformação e principalmente, atitude.
O chamado “rock dos anos 80” foi um fenômeno impactante para a
história musical do Brasil, tanto pelas diversas bandas que foram surgindo, quanto
pelo seu teor poético e ao mesmo tempo contestador, que passaram a observar o
país com outros olhos. Diferentemente dos ritmos anteriores, os anos 80 foram
formados por bandas exclusivamente de rock, composta geralmente por jovens que
cantavam seus sentimentos, suas angústias, sempre através de uma experiência
urbana.
Neste período, a MPB passava por um período em que estava ficando
cada vez mais ficando burguesa, com músicas cada vez mais complexas em sua
forma, dando um tom erudito ao estilo, o que foi criando uma antipatia com parte do
público brasileiro, principalmente com os jovens. Diferentemente da MPB que se
preocupara com a forma, o rock produzido nos anos 80 estava cada vez mais se
preocupando com a mensagem, com as letras.

29
Terceira música do álbum “Abre-te Sésamo”, lançado no ano de 1980.
57

Dentro desse contexto, o primeiro grupo a gravar um disco e fazer


sucesso foi o Barão Vermelho. Este conjunto, liderado pelas figuras de Cazuza e
Roberto Frejat, tinha como principal característica a espontaneidade, tão
característica dos jovens. Arthur Dapieve comente que “O Barão Vermelho foi o
primeiro porta-voz de sua geração e, neste sentido, a primeira banda do BRock, o
rock brasileiro que chegou (em grande estilo) ao disco na década de 80.” (DAPIEVE,
1995, p.68)
O grupo Legião Urbana surgiu na cidade de Brasília, com Renato Russo
como vocalista e principal compositor do grupo, além de Dado Villa-Lobos e Marcelo
Bonfá. Dentre todos os grupos surgidos nos anos80, o Legião Urbana foi o conjunto
que melhor produziu músicas politizadas e também construiu temáticas relacionadas
a pesadas críticas a aspectos variados da sociedade brasileira.
Com o primeiro disco lançado em 1985, o Legião Urbana logo ganhou
projeção e, atingindo sucesso rapidamente, o grupo de Renato Russo mudou-se
para o Rio de Janeiro, onde criou uma legião de fãs por todo o Brasil. No ano de
1987, o grupo lançou um disco que trouxe canções que, até os dias atuais é ouvida
entre roqueiros amantes de músicas politizadas. A música era “Que País é Este” e
trazia os versos “Nas favelas, no senado/sujeira pra todo lado/ninguém respeita a
constituição/mas todos acreditam no futuro da nação”.
A estudiosa Mônica Nogueira de Assis, analisando a poesia das canções
de Renato Russo e Cazuza comenta que
toda esta euforia política das letras de “Que País é Este” só fez aumentar a
aura messiânica que rondava a Legião, especialmente Renato Russo. Até
mesmo porque nos shows, entre uma música e outra, Renato fazia
discursos clamando pela conscientização sociopolítica de seu público.
(ASSIS, 2005, p.49)

O grupo Legião Urbana, desde as primeiras apresentações, manteve a


preocupação da postura consciente, pois suas músicas atingiam em grande maioria
jovens. Para Renato Russo, não era apenas mais uma música que ele estava
cantando, mas uma mensagem que precisava ser ouvida aos diversos lugares do
Brasil.
Já o Barão Vermelho compôs músicas que se transformaram em grandes
sucessos, chegando até mesmo a ser reconhecidos por cantores mais reconhecidos
como o caso de Ney Matogrosso, que regravou a música “Pro Dia Nascer Feliz" e
58

Caetano Veloso que incluiu a música “Todo amor que houver nessa vida" em seu
repertório.
Mônica Nogueira de Assis ainda enfatiza que
as letras de Renato Russo e Cazuza era um verdadeiro espelho de suas
próprias personalidades. Mesmo falando de problemas comuns da
sociedade, (...) suas composições revelavam toda a necessidade de
representar o grito urgente de uma geração e de si próprios. Ambos
encontraram no rock o veículo para transmitir suas mensagens, fossem elas
otimistas e esperançosas, ou pessimistas e niilistas. (ASSIS, 2005, p.49)

A vida transgressora de Renato e Cazuza não deixou de ser retratada em


suas letras, uma vez que tudo o que viviam servia de fonte de inspiração para
comporem suas músicas. Assim, temas como drogas, homossexualismo, amor entre
outros são músicas intimistas, onde os artistas mostram ao mundo suas vidas e suas
angústias.
Além de Legião Urbana e Barão Vermelho, emergiram diversos outros
grupos que se distanciavam cada vez mais da MPB e passam a direcionar a
temática de suas músicas para a crítica aos problemas sociais do Brasil.
O BRock era formado por bandas de diferentes partes do país. Formada
por jovens geralmente de classe média, foram influenciadas principalmente pelo
punk rock surgido na Inglaterra. De Brasília, além de Legião Urbana, surgiram outras
bandas de destaque como Capital Inicial e Plebe Rude. Da região sul do Brasil
emergira bandas renomadas como Engenheiros do Hawaii, Nenhum de Nós. Houve
também as diversas bandas oriundas do centro-sul, principalmente de São Paulo e
Rio de Janeiro, como Kid Abelha, Ira!, Titãs, Ultraje a Rigor, Biquíni Cavadão, Os
Paralamas do Sucesso entre outros.
A maior contribuição do rock brasileiro nos anos 80 foi, principalmente
produzir uma música que possuíssem uma temática que nos permitisse fazer uma
reflexão dos problemas sociais existente no Brasil.
59

CONSIDERAÇÔES FINAIS

A redescoberta do Grupo Capú, através de suas atuações durante a


década de 1980 e de suas músicas configuraram em um importante elo que esteve
perdido na História da Música no Acre.
Através da compreensão de suas semelhanças com o rock brasileiro e
também com o rock mundial, percebemos como houve a formação musical do
Grupo, principalmente através do cinema e do rádio, pois foram através destes que
o conjunto acreano dialogaram e criaram uma maneira própria de fazer música na
cidade.
Ao de identificarem com o rock, uma música que mundialmente foi
abraçada pelos jovens, o Grupo Capú transforma o rock, trazendo para o cenário
musical acreano elementos específicos da realidade em que estes sujeitos sociais
viveram, com suas angústias, suas perspectivas de mudanças e seus
descontentamentos.
A criação das músicas do grupo contribuiu significativamente para o
desenvolvimento de uma maneira própria destes sujeitos enxergarem a realidade
em que viveram.
Abraçando o rock, um estilo musical que permitiu a difusão de suas
ideias, o Grupo Capú emerge no cenário musical acreano indo de encontro a outros
músicos acreanos, compuseram grande parte de suas músicas influenciados pela
Música Popular Brasileira. Dessa forma, o conjunto aparece na cidade criando uma
nova maneira de fazer música na capital.
60

FONTES E BIBLIOGRAFIA

ALVES, Magda. Como escrever teses e monografias. Rio de Janeiro: Campus,


2003.

ASSIS, Francisco Pinheiro de. Migrações: Migrantes do Nordeste aos seringais, e


dos seringais à periferia de Rio Branco/Ac (Bairro Taquari). Dissertação de
Mestrado. Universidade Federal de Pernambuco. 2002.

ASSIS, Mônica Nogueira de. Cancioneiro Transgressor: um estudo sobre a poética

da Canção em Renato Russo e Cazuza. Dissertação de Mestrado. Departamento de

Letras. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2005.

BRANDAO, Antônio Carlos e DUARTE, Milton Fernandes. Movimentos Culturais de

Juventude. São Paulo: Moderna, 2004.

CALIXTO MARQUES, Maria do Perpétuo Socorro. A cidade encena a floresta. Rio

Branco: EDUFAC, 2005.

CHACON, Paulo. O que é rock? Coleção Primeiros Passos n 68. Editora Brasiliense.

FRIEDLANDER, Paul. Rock na Roll: Uma História Social. 5ª ed. – Rio de Janeiro:

Record, 2008.

DAPIEVE, Arthur. BRock: o rock brasileiro dos anos 80. Rio de Janeiro: Editora 34,

1995.

HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos – O breve século XX. São Paulo: Companhia

das Letras, 2000.

MORAIS, Maria de Jesus. Acreanidade: Invenção e Reinvenção da Identidade

Acreana. Rio de Janeiro: Universidade Federal Fluminense. Programa de pós-

graduação em Geografia. Doutorado em Geografia.

MUGGIATI, Roberto. Rock, O Grito e o Mito: a música pop como forma de


comunicação e contracultura. Petrópolis: Vozes, 1981.
61

PEREIRA, Carlos Alberto Messeder. O que é contracultura. São Paulo: Brasiliense,


1988.

ENTREVISTAS:

BATISTA, Clenilson. Entrevista concedida no dia 12 de dezembro de 2013.

VERAS, João. Entrevista concedida via e-mail no dia 29 de março de 2014.

DVD

A História do Grupo Capú. Documentário. Produzido por Mazé Oliveira.

FILMES:

PASSAROS, Os. Direção de Alfred Hitchcock. Roteiro de Evan Hunter. Produção


Universal Pictures. Distribuição Espaço Filmes. 1963. Duração 119 Minutos.

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