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RIO BRANCO
2014
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AGRADECIMENTOS
Aos professores Dr. José Dourado de Souza e MSc. Geórgia Pereira Lima
por terem aceitado participar da banca de qualificação.
Aos amigos Jorge Neto, Vagner Teles e Marcos Ricardo, com quem dividi
momentos alegres e difíceis.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................................9
CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................58
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo tratar das experiências musicais do Grupo
Capú na cidade de Rio Branco e suas implicações ideológicas, redescobrindo suas
canções e suas atuações no cenário musical acreano. O recorte temporal consiste
na formação e atuação do grupo na cidade durante a década de 1980. Buscamos
compreender em que contexto o Grupo Capú está inserido, discutindo como esteve
configurada a cidade de Rio Branco no período analisado. Procuramos analisar
neste trabalho, como houve a formação musical dos membros do grupo,
compreendendo como houve a identificação com artistas nacionais e internacionais.
Também buscamos identificar nas músicas do grupo a temática que os músicos
imprimiram em suas composições, abordando elementos específicos da realidade
acreana e também elementos mais abrangentes de suas músicas. Além disso,
procuramos traçar um panorama do rock, rediscutindo seu surgimento nos anos
1950, sua emergência no Brasil, afim de situar o Grupo Capú dentro da história do
rock.
ABSTRACT
This work aims to address the musical experiences of Grupo Capú in the city of Rio
Branco and its ideological implications, rediscovering his songs and his
performances in Acre music scene. The time frame is the formation and performance
of the group in the city during the 1980. Nicer understand in what context the Grupo
Capú is located, has been discussing how to set up the city of Rio Branco in the
analyzed period. We analyzed in this study, as there was the musical training of the
group, comprising as was identified with national and international artists. We also try
to identify the songs on the group theme that musicians printed in his compositions,
addressing specific elements of Acre reality and also broader elements of their
music. Additionally, we attempt to give an overview of the rock, revisiting its
emergence in the 1950s, its emergence in Brazil, in order to situate the Grupo Capú
within the history of rock.
INTRODUÇÃO
A migração dos seringais para Rio Branco foi bem acentuada, pois, até o
início de 1970, a população urbana de Rio Branco era de,
aproximadamente, 52.375 habitantes e na área rural era de,
aproximadamente, 78.930 habitantes. No início de 1980 a população urbana
de Rio Branco era de 109.815 habitantes. Esse crescimento se deve ao fato
da migração constante dos seringais para a cidade. (ASSIS, 2002, p. 55)
Aí eu fui, tive que ir pro rio, que minha mãe tava lá em tratamento. E lá
encontrei um primo da minha mãe que me deu um violão de presente. Falei
pra ele que queria fazer e que não sabia tocar e tal e queria aprender que
era pra não pedir pra ninguém pra fazer música pra mim. Aí ele foi e me
ensinou as três primeiras notas musicais que era o Ré, me ensinou o Ré,
fazer Lá e fazer Mi. E com essas três notas eu já comecei a fazer algumas
músicas.4
3
Entrevista realizada no dia 29 de março de 2014
4
Depoimento presente no documentário intitulado “A História do Grupo Capú”, produzido por Mazé
Oliveira.
20
estilo musical que exige pouco recurso técnico e pouco conhecimento sobre
estrutura musical; por outro lado, o rock carrega consigo a característica de se
contrapor as ideias vigentes da sociedade, fazendo com que os jovens possam
extravasar suas angústias e seus descontentamentos.
O Grupo Capú insere-se no campo musical acreano contrapondo-se à
grande parte dos músicos presentes na capital rio-branquense – que tocavam
músicas basicamente influenciados pela Música Popular Brasileira - MPB. De forma
irreverente, o Grupo Capú utilizou-se de elementos ousados durante suas
apresentações nos festivais de músicas nos anos 80.
Os festivais de música popular brasileira que aconteceram em São
Paulo e no Rio de Janeiro desde ano de 1965 até o ano de 1985, exerceram forte
influência nos músicos acreanos bem como na criação dos festivais de músicas do
Acre, principalmente na criação do Festival Acreano de Música Popular, o FAMP.
Durante a realização dos FAMP’s e de outros festivais como o Festival
de Praia do Amapá nos anos 80, emergiu-se diversos artistas talentosos que tinham
forte influência da MPB como Sérgio Tabuada, Cláudio Roberto, Narciso Augusto,
Dinho Gonçalves, Heloy de Castro, Beto Brasiliense e Pia Vila. Estes artistas,
contribuíram para que no campo da música acreana houvesse uma pluralidade de
estilos musicais, com influências, além da MPB, do forró, do brega, do baião, enfim,
de grande parte das músicas tocadas no rádio, mas sempre criando letras que
refletisse o ambiente vivido no estado acreano.
Dentro do contexto dos festivais de música do Acre em meio aos vários
artistas que tocavam músicas influenciadas pela MBP, o Grupo Capú aparece com
uma proposta musical inteiramente nova. Com um discurso contundente de
transformação social, visual extravagante e com inovador uso da teatralidade nas
apresentações.
O grupo estudado apresenta diversas características de grupos e
cantores de rock do Brasil e algumas bandas britânicas e estadunidenses. No grupo,
há instrumentos característicos do rock, como guitarra, bateria e contrabaixo. No
universo musical do rock ainda podem haver variações de outros instrumentos como
violino, teclado ou saxofone. No Grupo Capú, os integrantes optam pelo uso da
flauta doce.
As músicas compostas pelo Grupo Capú apresentam uma riqueza
peculiar que tinham abordagens das mais variadas. Ainda que, com poucos
21
5
Segunda faixa do álbum Novo Aeon, do cantor Raul Seixas lançado em 1975. Esta canção do
cantor baiano por muito tempo foi considerada o hino do rock brasileiro, pois ao mesmo tempo que foi
censurada pela ditadura militar devido ao teor subversivo da canção, foi abraçada por grande parte
dos músicos rockeiros nos anos 80 pela sua crítica aos valores morais da sociedade.
22
que faz com que as músicas apresentadas “ganhe forma”, faz com que a plateia
receptora não apenas ouça, mas também visualize a música.
O grupo aqui analisado neste trabalho embora não tiveram destaque
nacional, fizeram excursões no interior do estado, além de divulgarem suas músicas
em apresentações fora do estado, o que contribuiu significativamente para uma
maior circulação das músicas do grupo no estado acreano, uma vez que, a partir do
momento em que o conjunto ganha a oportunidade de difundir suas músicas fora do
Acre, amplia-se o número de ouvintes, pois passam a valorizar cada vez mais o
trabalho do grupo.
O Grupo Capú participou de eventos importantes fora do Brasil,
divulgando suas mensagens que, através de suas músicas, levaram a outros
ouvintes de vários lugares do mundo, parte da história musical do Acre.
O Grupo Capú participou juntamente com João das Neves 6 do Grupo
Poronga. Nesta ocasião, no ano de 1989, o teatrólogo estava divulgando o seu
trabalho intitulado “Tributo a Chico Mendes”, que acabara de ser assassinado no
ano anterior, em diversos lugares do Brasil. Assim, o Grupo Capú esteve na
inauguração do Parque Chico Mendes, na cidade de São Miguel Paulista. Em
seguida, no mesmo ano, o Grupo Capú participa da Primeira Mostra Internacional de
Teatro, na cidade de Londrina, Paraná.
Outro grande acontecimento que o Grupo Capú participou foi quando,
juntamente com diversos outros artistas acreanos, o conjunto recebe um convite de
acadêmicos ligados a Universidade Federal do Acre para participar da Semana do
Meio Ambiente no ano de 1989, na cidade do Rio de Janeiro. Nesta oportunidade, o
Grupo Capú teve o privilégio de cantar a música acreana em um dos mais
tradicionais espaço cultural do Brasil – o Circo Voador.
Essas experiências de tocar fora do estado Acre trouxeram uma dupla
contribuição para o conjunto. A primeira constitui na oportunidade de levar a sua
mensagem a um público diferenciado, com outra visão de mundo. Dessa forma, a
impressão que esse público tem com a música pode dar um maior impulso no
trabalho do artista. A segunda contribuição liga-se ao fato de que o contato do artista
6
João das Neves é considerado um dos maiores teatrólogos brasileiros. Ganhou forte
reconhecimento devido a seus trabalhos ligados a dramaturgia. Também foi fundador a partir do ano
de 1964, de grupos de teatro ligados a cultura de protesto e resistência.
23
com outra cultura, pode fazer com que o compositor possa inserir outros valores em
suas músicas.
A música e a vida dos músicos do Grupo Capú está mergulhada em um
contexto de várias transformações que o estado passava na década de 1980. Além
disso, as várias mudanças que os anos 80 estava passando havia sido iniciado a
muito tempo atrás, principalmente a partir do início da década de 1970.
Desde os anos 1970, o Estado do Acre passou por mudanças
significativas no cenário político e econômico, que o fez sofrer graves e significativas
transformações que marcou a vida de milhares sujeitos que aqui habitavam.
Maria do Perpétuo Socorro Calixto Marques, estudando a produção
teatral de Rio Branco, retrata que
Nos anos 80, na cidade de Rio Branco, foram anos em que a cidade foi
gradativamente adquirindo espaços bem delimitados, principalmente após a
formação dos bairros periféricos. Assim, este período percebemos o aparecimento
de uma espécie de rivalidade entre bairros da cidade, chegando ao ponto de haver
frequentemente brigas entre moradores em alguns lugares da cidade, como a Praça
Plácido de Castro, localizada no centro de Rio Branco, e algumas boates, como a
danceteria Rock Safari. Essas casas de shows, por diversas vezes, serviam para os
jovens, que se reuniam em grupos de um mesmo bairro, disputarem através de
brigas, ganharem destaque, e consequentemente respeito nos bairros em que
moravam.
Percebemos que a própria ideia de criação do nome “Grupo Capú” está
vinculado aos vários códigos que a cidade rio-branquense possuía. Na cidade de
Rio Branco, após a falência dos seringais acreanos, há a presença de diversos
famílias compostas principalmente de ex-seringueiros saindo das áreas rurais para a
capital, o que em pouco tempo, daria início a formação dos bairros periféricos da
cidade.
Com a cidade se consolidando enquanto território urbano, os bairros
acreanos foram cada vez mais se transformando em áreas territorialmente bem
definidas. Assim, em pouco tempo esses bairros só seriam frequentados por
pessoas que pertencessem ao bairro. Se em determinado bairro, houvesse a
presença de pessoas alheias ao ambiente, este fato seria visto como falta de
respeito, o que frequentemente causava conflitos.
O músico Clenilson Batista, ao comentar os motivos que levaram aos
membros escolherem o nome do grupo, comenta que
(...), essa ideia veio basicamente do João Veras, que a gente tava sentado
e escolhendo, um dos que a gente tinha colocado era “Anjos Negros” e esse
nome já tava quase pegando quando (...) o João Veras disse assim: - mas
pô, porque a gente não põe o apelido, põe o nome do bairro da gente,
“Capoeira”? (...), então “Capú” é o nome do apelido do bairro. 7
7
Entrevista realizada no dia 12 de dezembro de 2013.
25
Aí eu achei legal, porque naquela época tinha essa guerra de bairro, né, era
sempre “ver quem era o melhor bairro”, pô, era legal porque tinha essa
coisa né, tinha esse espírito, é, então é Capú. Aí fechou com Capú. Aí é
como nasce o nome Capú de Capoeira, de bairro da Capoeira. 8
Com as apresentações do Grupo Capú nas diversas localidades da
cidade, cada vez mais os jovens iram se popularizando como os “meninos da
Capoeira”. Ao mesmo tempo em que os jovens iam se destacando no cenário
musical com suas composições, o bairro da Capoeira ganhava uma maior
visibilidade, uma vez que havia uma intensa rivalidade entre diversos bairros da
cidade. O próprio nome do grupo nos traz uma lógica da resistência, da denúncia
frente ao contexto vivido na cidade.
O bairro da Capoeira da década de 1980 foi completamente diferente do
que o bairro dias atuais. Se hoje o bairro é considerado um bairro nobre, próximo ao
centro comercial da cidade, com infraestrutura bem construída, o bairro da Capoeira
de três décadas atrás é visto como o inverso: bairro sem nenhuma infraestrutura,
considerado um bairro periférico, principalmente pelo fato de ser constituído por
moradores com recursos financeiros bastante limitados.
A ideia de periferia associado ao bairro da Capoeira está vinculado não a
ideia de bairro distante do centro da cidade. Periferia está associado a “distância
social” em que está situado. A periferia de Rio Branco, vai se formar, a partir dos
anos 70, bastante próximo ao centro da cidade. O próprio bairro da Capoeira está
localizado a menos de dois quilômetros dos principais prédios que compõe a
administração pública do estado do Acre, como o Palácio, a Assembleia Legislativa
e o Quartel da Polícia Militar do estado do Acre.
Grande parte das atividades culturais produzidas no Acre a partir da
década de 1970 estão mergulhadas dentro dos intensos conflitos entre os paulistas,
“os novos donos” da terra e os seringueiros e índios, os moradores tradicionais da
floresta. Assim, a partir deste conflito, vai emergir no campo da produção cultural
acreana diversas manifestações artísticas que passam a sair em defesa dos
seringueiros e da floresta amazônica.
8
Idem.
26
9
Entrevista realizada no dia 12 de dezembro de 2013.
30
afirma que “aquilo me deixou extasiado (...), mas um negócio que mexeu comigo
todo”.12 Assim, compreendemos que na música rock, há grande importância tanto na
forma musical quanto na forma visual.
Outro elemento de grande importância que podemos observar na fala de
Clenilson Batista, foi o poder de influência do astro Elvis Presley em todas as partes
do mundo. O astro norte-americano - que participou de trinta e três filmes -, fez o
seu primeiro filme no ano de 1956, intitulado “Love me Tender” e, a partir desde
filme, passou a fazer bastante sucesso também no cinema, influenciando milhares
de pessoas em várias partes do mundo.
Elvis Presley ficou mundialmente conhecido pela maneira como atuava
durante suas apresentações. Apelidado de Elvis The Pelvis, chocou grande parte
das camadas mais conservadoras da sociedade americana, e, por diversas vezes foi
perseguido devido a sua inovadora forma de dançar, “requebrando” os quadris e
usando roupas extravagantes que fugiam os padrões da época que atuava.
Dessa forma, podemos compreender que a influência que Clenilson
Batista teve com o astro Elvis Presley. A forma visual e a forma musical acabou por
ser explicitadas no trabalho do grupo. Ao realizar as apresentações, os músicos
sempre recorreram ao aspecto visual e musical para se diferenciarem dos outros
artistas acreanos. O uso de trajes diferenciados como ossos, roupas rasgadas, e
recursos visuais como pólvora e flashes tornou o Grupo Capú como inovadores na
forma de fazer música no Acre.
O flautista do Grupo Capú João Veras, durante a infância teve uma
formação musical que o fez se aproximar dos instrumentos de sopro. Em entrevista
cedida via e-mail no dia 29 de março de 2014, ao ser questionado sobre como
houve a sua formação musical, o flautista do grupo João Veras comenta:
A minha formação musical se deu na prática e foi muito diversa. Antes do
Capú eu não tocava flauta. Fui corneteiro, por quatro anos, na Fanfarra do
Colégio Acreano, cantor tenor no Coral Santa Cecília dirigido por Elais
Meira e Sandoval dos Anjos e ritmista da Escola de Samba da Cadeia Velha
e de vários blocos carnavalescos.13
12
Idem.
13 Entrevista realizada no dia 29 de março de 2014.
33
14
Idem.
34
sentidos, que é a visão, a música rock nos atinge pelo mais sensível, que é a
audição.
Paulo Chacon afirma que
Na entrevista realizada com João Veras16, este lembra que além dos
músicos citados, ainda teve uma pequena participação de um músico chamado
Pitico. Este foi convidado pelo grupo para tocar percussão. João Veras ressalta que
15
Entrevista realizada no dia 12 de dezembro de 2013.
16
Entrevista cedida via e-mail no dia 29 de março de 2014.
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pouco tempo depois Pitico morre, e, em seguida, Hermógenes entra no grupo para
tocar bateria.
Durante as apresentações, o Grupo Capú posicionava-se no palco com
Clenilson Batista no centro do palco, geralmente utilizando uma guitarra ou violão,
em uma posição um pouco mais à frente em relação aos outros integrantes. Ao lado
direito de Clenilson posiciona-se João Veras com a flauta-doce, com um microfone
próximo a altura da boca para captar a melodia do instrumento e também fazendo a
função de backing vocal.17 No lado esquerdo do palco em relação ao vocalista,
localizava-se o integrante Clevisson Batista, tocando contrabaixo e também com
outro microfone fazendo a função de backing vocal e, centralizado, mas localizado
ao fundo do palco fica posicionado o baterista, que por um certo período de tempo
ficou sob responsabilidade de Hermógenes.
No que diz respeito ao público, de um modo geral, durante os festivais de
músicas que aconteciam em Rio Branco, a maioria da plateia era formada por
pessoas que, em geral, tinha um gosto musical voltado para a MPB, ou para
músicas que possuíam letras com uma qualidade poética bem elaborada. Nesse
contexto, o Grupo Capú, com letras e músicas construídas de forma simples,
emergem com a explícita intenção de “quebra” da ideia de música certinha.
O Grupo Capú teve como uma das suas principais propostas musicais a
apresentação de forma irreverente, o desacato para com os padrões musicais
produzidos no período da década de 1980. Devido a isso, o grupo, por bastante
tempo, foi incompreendido pelo público.
O músico Clenilson Batista comenta que
(...) a gente gostava de uma coisa, que era nossa, que a gente gostava
porque dizia que falava da rebeldia, fazia a gente extravasar aquilo que a
gente normalmente tem na adolescência, mas sofria desse preconceito, os
caras não olharam a gente com bons olhos. E aí, o quê que a gente fazia:
normalmente quando todo festival que a gente ia, só pra aprontar. Era
rebeldia mesmo. (...), isso estarrecia um pouco.18
17
Backing Vocal serve como vocal de apoio, é usado principalmente para aumentar a sonoridade
vocal, e em muitas situações contribui para criar harmonia. Assim, o backing vocal embeleza de
forma significativa uma música, desde que seu tom não ultrapasse a voz principal.
18
Entrevista realizada no dia 12 de dezembro de 2013.
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aos integrantes do grupo. Tocar a música rock no Acre nos anos 80 ainda consistia
algo que a população acreana ainda não estava habituada a ouvir.
Clenilson Batista acentua que quando começou a fazer composições
musicais em Rio Branco percebeu como estava configurado o contexto musical da
cidade rio-branquense:
A gente fez isso aí, claro, você faz isso, aí vai de encontro a um monte de
coisas que já tão estruturadas, que é a música popular, forró, e aqui tem
uma carga muito forte nordestina. Então, é forró, é brega, e aí a gente entra
com aquela coisa e todo mundo fica meio de cara torcida pra gente. 19
Parceiro, a gente tem que tocar aquilo que a gente gosta, o que dá vontade,
não importa se é brasileira, se é dos Estados Unidos, seja lá da onde for, é
música pô e se tá no planeta, é do mesmo planeta, então é da onde a gente
vive. Então isso não faz diferença se ´se de lá ou de cá. Gostei e gostei.
Agora eu vou ter preconceito porque ela não é uma música brasileira (...),
acho que isso é meio louco, (...), não fica bem resolvido dentro da cabeça. 20
19
Idem.
20
Idem.
38
amazônica se torna mais intensas. A BR 364 que liga o estado do Acre aos outros
estados brasileiros, por muito tempo trazia para os acreanos graves dificuldades. A
falta de asfaltamento na estrada, por vezes, deixava o estado do Acre bastante
limitado no que diz respeito ao transporte terrestre. Dessa forma, por vezes o rio
Acre se tornava o único acesso as demais localidades longe de Rio Branco.
A canção Meu Rio, emerge no cenário musical acreano trazendo uma
exaltação do principal rio do estado acreano, berço de onde a cidade de Rio Branco
nasceu. A música também traz consigo a valorização do estado acreano, que,
embora tivesse passando por sérias dificuldades, dava orgulho e “direito de cantar e
bater no peito”.21
O Retirante
21
Verso que compõe o encerramento da música “Meu Rio”.
41
Coisa do Diabo
Coisa do além
Coisa do inferno
Coisa igual não tem
22
Esta música também será objeto de análise neste mesmo capítulo.
43
23
Entrevista realizada no dia 12 de dezembro de 2013.
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PASSAROS, Os. Direção de Alfred Hitchcock. Roteiro de Evan Hunter. Produção Universal
Pictures. Distribuição Espaço Filmes. 1963. Duração 119 Minutos.
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isso é uma das formas que a gente encontrava pra fazer as coisas, (...)
como por exemplo, cantar algumas músicas como se fosse em inglês, como
“A Revolta dos Urubus” cantar ela ao contrário. Você tá disparando ela do
mesmo jeito, só não tá dentro da coisa correta. Essa é uma forma de burlar
e curtir com a cara dos caras. (...), essa era uma saída também bastante
interessante.25
S.O.S.
25
Idem.
45
1981, a música foi defendida no FAMP do mesmo ano. Na ocasião, a música foi
premiada com o segundo lugar, o que demonstra um relativo destaque do grupo na
cidade de Rio Branco.
A música foi escolhida pelo grupo para concorrer no FAMP juntamente
com a música “A Revolta dos Urubus”, mas apenas “S.O.S” não foi censurada pelos
militares. Pode-se observar que a não-censura da música demonstra um certo
“afrouxamento” da perseguição por parte dos órgãos repressores.
“S.O.S” foi composta a partir de um evento histórico que ficou
conhecido mundialmente em vários lugares do planeta: o anúncio da NASA de que o
Skylab26 havia saído de órbita e iria cair na terra, o que espalharia medo e terror a
grande parte da população mundial.
Já no título da música, o compositor nos remete a um sinal de
emergência: o anúncio da queda de uma espaçonave traz para o povo brasileiro
uma preocupação adicional além do seu principal assombro: a sobrevivência. O
compositor já nos versos iniciais nos dá um impacto com a realidade em que o país
está vivendo, onde o povo “mendiga capital”.
Além da pobreza, outro grave acontecimento está sendo denunciado
pelo autor. Nos versos “e então pede socorro nosso povo/que ainda paga pra
nascer” é explicitado a alta taxa de impostos que a população está pagando. Mais à
frente, o compositor, tendo como parâmetro o estado norte-americano nos traz uma
dica de que se o Brasil “lhe imitasse a inflação/a vida ia melhorar”. Para o autor, não
seria necessário o Brasil construir espaçonaves, mas somente imitar o dinheiro
americano, fazer com que a moeda brasileira tivesse um maior valor.
É importante ressaltar as graves dificuldades que o Brasil estava
passando no período final da ditadura. O governo do general João Batista
Figueiredo foi marcado por grandes dificuldades de controle da inflação. A economia
mundial entrava em crise aumentando consideravelmente a quebra da economia
brasileira.
“S.O.S”, possui harmonia marcada pelo compasso quatro-por-quatro,
com vocalizações sincronizadas e ao fim das estrofes são cantados os “la lauês”
26
Literalmente “Laboratório Espacial”, foi uma estação espacial norte-americana lançada em órbita no
ano de 1973 para realizar estudos e observações solares. Medindo 36 metros de comprimento e com
peso superior a 90 toneladas, o Skylab saiu de órbita e destruiu-se prematuramente em 1979, caindo
no oceano índico e parte da Austrália. O projeto é considerado uma das grandes trapalhadas da
NASA.
46
característicos do som dos Beatles. O que faz dessa música uma clara produção de
influência dos garotos de Liverpool. Ao mesmo tempo em que é agradável aos
ouvidos com melodia beatlemaníaca, esta música nos permite compreender, ainda
que de forma sucinta, o contexto em que o Brasil estava passando no início dos
anos 80.
Seringal Astral
Somos da via látex
Somos da via látex
E é do, E é do
Seringal, Seringal
Seringal Astral
Seringal Astral
Do Planeta ouryço
Da constelação castanha
Que fica no ramal
No ramal eletrônico
Na colocação astral
Espiritual e Místico
Místico uôôu
Místico uôôu
Somos da via látex
Somos da via látex
E é do, E é do
Seringal, Seringal
Seringal Astral
Seringal Astral
Temos palhoçalab
Na borracholândia
Nossas Sernambi-naves
Na beleza panorâmica
Energia sonora
E borrachas cósmicas
Cósmica Uaaau
Cósmica Uaaau
Somos da via látex
Somos da via látex
E é do, E é do
Seringal, Seringal
Seringal Astral
Seringal Astral
Das estradas de luzes
E porongas fluídicas
Das fontes luminosas
De cores harmônicas
Do bosque da música
Das astrais sinfônicas
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Sinfônicas Uaaau
Sinfônicas Uaaau
Somos da via látex
Somos da via látex
E é do, E é do
Seringal, Seringal
Seringal Astral
Aqui é do Acre
Aqui é do Acre
Acre iiii
Acre iiii...
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A História do Grupo Capú. Documentário. Produzido por Mazé Oliveira.
49
levaram a direções desconhecidas e eles foram seguidos de perto por uma multidão
de outras bandas e artistas musicais. Seu impacto no mundo ocidental foi enorme.
Até então, nenhum rockeiro havia usando cabelos longos na altura dos ombros
antes. Mas não houve apenas mudança estética: nas composições musicais foram
abordadas novas questões culturais e políticas.
O grande sucesso dos Beatles aliado às explosões tecnológicas de
comunicação e marketing, permitiram que os Beatles transmitissem suas
mensagens musicais e culturais e o conteúdo de suas letras para um número muito
maior de pessoas, o que nenhum outro artista havia conseguido antes deles.
Os Beatles criaram um som original que fundia elementos de todas as
raízes musicais do rock and roll. Eles adotaram o formato de duas guitarras, baixo,
bateria, assim como sua visão adolescente de amor, geralmente assexuada. O
manejo das letras de rock lembrava Chuck Berry e as influências vocais eram de
Little Richard e dos Everly Brothers.
Durante todo o ano de 1963 a popularidade dos Beatles cresceu a tal
ponto na Inglaterra que, por volta do fim do mesmo ano o seu público estava
totalmente fora de controle. Este fenômeno seria um pouco mais tarde denominado
de Beatlemania.
Friedlander explica que
Os Beatles, assim como Elvis, foram parte de um momento. Sua
popularidade coincidiu com a grande expansão da tecnologia das
comunicações. [...]. A Beatlemania se desenvolveu nos cinco continentes.
Devido à deificação da banda, assim como seu impacto significativo nas
culturas britânica e americana, o marketing e a subsequente proliferação da
cultura popular ocidental pelo mundo fizeram dos Beatles a força musical
mais poderosa da história. (FRIEDLANDER, 2008, p.148)
Durante o período em que atuavam, os Beatles desenvolveram idéias
musicais de forma original. O material produzido continha uma crescente
complexidade harmônica e rítmica, além de uma instrumentalização bem
diferenciada. O sucesso comercial até então alcançado assegurou a divulgação
dessas idéias para um numeroso público.
Claramente pode-se observar que os Beatles tiveram grande influência
do rock and roll dos anos 50 e com sua contribuição, expandiu as fronteiras do rock.
Se apropriaram do rock clássico e fizeram inovações musicais importantes. Os
temas e as idéias contidas em suas canções refletiam a consciência não só dos
membros da banda, mas também da crescente contracultura da época.
52
28
Esta música causou tanto sucesso entre os brasileiros que daria título a novela de mesmo nome,
de Mário Prata, pela TV Globo no ano de 1976/77.
54
Além dos astros solo, o sucesso dos Campello foi espalhando pelo país
uma constelação de grupelhos, quase todos com nomes em inglês – The
Fevers, The Pops, Renato & Seus Blues Caps, The Clevers (mais tarde Os
Incríveis), The Sputniks. (DAPIEVE, 1995, p.13)
No ano de 1965 acontece um fato que trará implicações fundamentais na
história da música no Brasil. Os clubes de futebol proíbem as transmissões de seus
respectivos jogos na TV nas tardes de domingo. Através deste espaço disponível na
TV, o proprietário da TV Record, Paulo Machado de Carvalho ocupou este horário
vago para transmitir o programa “Jovem Guarda”. Este consistia em um programa de
auditório que tinha como seus principais representantes, astros como Roberto
Carlos, Erasmo Carlos, Wanderléia Salim, Renato & seus Blue Caps, Martinha,
Golden Boys, entre outros.
No final da década de 1960, surge o Tropicalismo. O movimento
tropicalista tinha à frente a dupla Caetano Veloso e Gilberto Gil no qual fizeram uma
releitura da Bossa Nova, incorporando inovações na linguagem, no visual e na
performance. Parece ter sido, do ponto de vista intelectual e mesmo como referência
a questões colocadas pela escola de Frankfurt, um dos mais significativo para a
música brasileira.
O tropicalismo tinha como principal objetivo trabalhar além de uma nova
forma musical, propunha também uma inovação na temática das músicas, o que
consequentemente causaria um rompimento com a Bossa Nova. Assim, não
importava se o movimento estivesse ligado à direita ou à esquerda. Por não ter um
caráter esquerdista ou conservador, o movimento não foi compreendido por grande
parte dos músicos, pois a Tropicália passou a ser fortemente criticada.
O Tropicalismo funcionou como uma espécie de fusão entre rock e a
tradicional MPB. E foi justamente a incorporação das guitarras elétricas à música
popular brasileira, que produziu ema espécie de ódio entre a comunidade roqueira e
os músicos combatentes do estrangeirismo.
Assim, a importância de tal movimento pode ser descrita como uma
reviravolta nos conceitos empregados até então para classificar algo como regional
ou global, tendo em vista que por meio da apropriação de elementos estrangeiros,
somando-se o que vinha de sua própria terra, foi criado algo novo, não se limitando
a uma linha apenas, mas unindo elementos diversos e contraditórios, como a cultura
do consumo e o socialismo, o hippie e o capitalista, o dadaísta e o empresário.
55
29
Terceira música do álbum “Abre-te Sésamo”, lançado no ano de 1980.
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Caetano Veloso que incluiu a música “Todo amor que houver nessa vida" em seu
repertório.
Mônica Nogueira de Assis ainda enfatiza que
as letras de Renato Russo e Cazuza era um verdadeiro espelho de suas
próprias personalidades. Mesmo falando de problemas comuns da
sociedade, (...) suas composições revelavam toda a necessidade de
representar o grito urgente de uma geração e de si próprios. Ambos
encontraram no rock o veículo para transmitir suas mensagens, fossem elas
otimistas e esperançosas, ou pessimistas e niilistas. (ASSIS, 2005, p.49)
CONSIDERAÇÔES FINAIS
FONTES E BIBLIOGRAFIA
CHACON, Paulo. O que é rock? Coleção Primeiros Passos n 68. Editora Brasiliense.
FRIEDLANDER, Paul. Rock na Roll: Uma História Social. 5ª ed. – Rio de Janeiro:
Record, 2008.
DAPIEVE, Arthur. BRock: o rock brasileiro dos anos 80. Rio de Janeiro: Editora 34,
1995.
HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos – O breve século XX. São Paulo: Companhia
ENTREVISTAS:
DVD
FILMES: