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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE


ESCOLA DE MÚSICA
LICENCIATURA PLENA EM MÚSICA

MAÍRA SOARES CABRAL

FORMALIZAÇÃO DO ENSINO DO PANDEIRO BRASILEIRO

NATAL
2010
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MAÍRA SOARES CABRAL

FORMALIZAÇÃO DO ENSINO DO PANDEIRO BRASILEIRO

Monografia apresentada por Maíra Soares


Cabral à Escola de Música da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte como requisito
final à obtenção do título de Licenciado em
Música.

Orientador: Prof. Dr. Francisco Nabuco de A. B.


Neto.

NATAL
2010
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Catalogação da publicação na Fonte.


Biblioteca Setorial da Escola de Música.

C117m Cabral, Maíra Soares.


Formalização do ensino do pandeiro brasileiro / Maíra
Soares Cabral. – Natal, 2010.
54 p.: il.

Orientador: Francisco Nabuco de A. B. Neto.

Monografia (Graduação) – Escola de Música,


Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2010.

1. Educação Musical. 2. Pandeiro. Instrumentos de


Percussão. 3. Ensino do Pandeiro. I. Título.

CDU 78:37
4

MAÍRA SOARES CABRAL

FORMALIZAÇÃO DO ENSINO DO PANDEIRO BRASILEIRO

Monografia apresentada por Maíra Soares Cabral à


Escola de Música da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte como requisito final à obtenção do
título de Licenciado em Música.

Monografia defendida e aprovada em 23 de novembro de 2010

Banca Examinadora:

_____________________________________________
Professor Dr. Francisco Nabuco de Almeida Barreto Neto
UFRN/DEPEC

__________________________________________
Professora Mestra Germanna França da Cunha
UFRN/ESCOLA DE MÚSICA

__________________________________________
Professor Mestre Cleber da Silveira Campos
UFRN/ESCOLA DE MÚSICA
5

Dedico esta monografia com desmedido amor a Phillip. Aquele


que, como eu, nunca se contentou com o fato de a vida ser só
o que podíamos ver que é meu amigo, meu amor, minha
melhor companhia e por onde me estendo noutro corpo, em
resumo, minha completude. Dedico também a todos os
grandes mestres da música que me iluminam e inspiram.
Agradeço à música por me permitir estar dentro dela e ela
dentro de mim.
6

AGRADECIMENTOS

A meu pai, por tudo que fez e faz para melhorar minha vida;

À minha mãe pelo mesmo motivo e por construir meu primeiro pandeiro de lata de
doce e tampinhas de garrafa;

A meu irmão, pelas primeiras notas no contrabaixo que larguei um tempo depois;

A Roderick Fonseca, por me fazer reencontrar com a música;

A Sami Tarik e Dudu Campos, por me apresentarem ao mundo percussivo e me


iniciarem nesse mundo fascinante;

Aos meus amigos percussionistas Kléber Moreira, Eliel Espíndola, Edmilson Drebes,
Aninha Morais, Leandro Claudino, Sushi, Valdo, Diogo, e todos que possivelmente
estou esquecendo, mas que sempre sacrificam seu tempo me ajudando. Aos meus
professores da graduação. Todos, sem exceção, contribuíram muito para minha
formação.

Agradeço especialmente à Lourdinha Lima, Maria Helena, Anderson Mariano,


Atmarama, Álvaro, Danilo Guanais, Agostinho Lima e Estevam. Aos Professores
Manoca e Primata, dos quais não tive o prazer de ser aluna, mas que me ensinam
muitas coisas em nossas conversas.

Ao professor Cléber Campos, por estar somando tanto nesse ano em que se fez
presente na EMUFRN e na minha vida percussiva.

À minha querida e admirável professora Germanna, por ser nossa mestra e amiga e
por nos ensinar não só sobre percussão, mas também sobre como devemos ser.

A todos os músicos com quem já toquei e toco, por me darem a oportunidade de


conhecer e aprender sobre seus universos musicais e através da música
estabelecer elos de amizade.

Aos meus alunos, pois com eles aprendi e continuo aprendendo imensamente.

À Lu pela ajuda com o abstract.

Ao meu orientador nesta monografia, professor Francisco Nabuco, por ter sido
presente, e ter feito sua presença ser tão rica em informações que me serviram não
só para elucidar dúvidas sobre este trabalho, mas também para aumentar meu
conhecimento de mundo sobre diversos assuntos. Por ter sido, além disso, um
amigo, daqueles verdadeiros, que não apenas agradam, mas que também sabem a
hora certa de cobrar de nós algumas atitudes diferentes. Obrigada por tudo;

Agradeço finalmente à Phillip por toda a força e motivação que me deu, e por ter
“segurado todas as pontas” para que eu pudesse me dedicar à resolução e
finalização desse ciclo da minha vida.
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“Consciência que dorme...


Quão diferente serias se dispertasses...
Conhecerias as Sete Sendas da felicidade, brilharia por todas
as partes a luz do teu amor, regozijar-se-iam as aves entre o
mistério de teus bosques, resplandeceria a luz do espírito e,
alegres, os elementais cantariam para ti versos em coro.”

(Samael Aun Weor)


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RESUMO

O presente trabalho apresenta aspectos pontuais referentes à identidade cultural


brasileira e expõe de que maneira a música se insere nesse contexto. Que grau de
relevância ela tem no processo de desenvolvimento dessa identidade e como a
percussão brasileira, e mais especificamente o pandeiro, é produto determinante
nessa conquista. Expõe, sobretudo, a importância da formalização da educação
voltada à percussão e principalmente ao pandeiro, por se tratar do elemento que
acarretará (por conta de toda sua popularidade, nacional e internacional) a
introdução de outros elementos percussivos nesse contexto formal de ensino, afim
de que se crie um fortalecimento dessa identidade cultural para que atinjamos a
internacionalização realmente consolidada da musicalidade brasileira no mundo
todo. Apresenta esse acontecimento como chave essencial para o desenvolvimento
social e econômico do Brasil.

Palavras-chave: Pandeiro. Instrumentos de Percussão. Ensino do Pandeiro.


Educação Musical.
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ABSTRACT

This paper presents some specific aspects related to the Brazilian cultural identity
and exposes how the music fits in this context. What degree of importance it has in
the development of this identity and how the Brazilian percussion, and more
specifically the tambourine, is crucial for this achievement. States, especially the
importance of the formal education mainly focused on the percussion and
tambourine, because it is the element that will lead (on behalf of all its popularity,
national and international) the introduction of other percussive elements in this formal
education context in order to create a strengthening of this cultural identity for us to
attain the internationalization of Brazilian music really consolidated worldwide. It also
presents this event as a key factor for the social and economic development of
Brazil.

Key-words: Tambourine. Percussion Instruments. Teaching Pandeiro. Music


Education. . .
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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO..................................................................................... 11
2 BREVE HISTÓRIA DO PANDEIRO.................................................... 13
2.1 DIFERENTES FORMAS...................................................................... 13
2.2 SUAS ORIGENS................................................................................. 16
3 O PANDEIRO NO BRASIL.................................................................. 19
3.1 O PANDEIRO NO CHORO E NO SAMBA .......................................... 19
3.2 O PANDEIRO NO FORRÓ.................................................................. 22
3.3 A “BATERIA DE BOLSO”..................................................................... 23
4 A INFORMALIDADE DO ENSINO NO BRASIL.................................. 25
5 A FORMALIZAÇÃO DO ENSINO DO PANDEIRO.............................. 30
5.1 CONSIDERANDO DOIS ASPECTOS FUNDAMENTAIS .................... 30
5.2 A FORMALIZAÇÃO DO ENSINO DO PANDEIRO.............................. 31
5.3 A AULA DE PANDEIRO...................................................................... 32
5.4 MÉTODOS DE PANDEIRO COMO ELEMENTOS FORMAIS DE
APRENDIZADO .................................................................................. 34
6 O PANDEIRO E O DESENVOLVIMENTO ......................................... 36
7 FUNDAMENTAÇOES PARA A FORMALIZAÇÃO DO ENSINO DO
PANDEIRO – O QUE FALTA PARA O BRASIL SISTEMATIZAR O
SEU ENSINO?....................................................................................... 45
8 CONCLUSÃO........................................................................................ 50
REFERÊNCIAS.....................................................................................
. 52

PARA PARA
11

1 INTRODUÇÃO

É fato que o Brasil enfrenta desde sua “descoberta” uma forte e lasciva
influência estética oriunda de várias culturas. Os portugueses trouxeram consigo,
invariavelmente, uma forte carga cultural imergida no universo árabe e africano
devido ao processo de invasão e colonização islâmica sofrida por toda a península
ibérica por aproximados 800 anos. Agregado a isso, outro ponto determinante foi a
vinda dos negros escravos para o Brasil, o que causou um encontro com a
musicalidade negra entranhada na miscigenada cultura portuguesa. Todos esses
elementos em conjunto formaram um tipo de sonoridade singular, que ainda em
formação, não possuía forças para abarcar a imposição européia sobre o que de
fato ainda nem amadurecido estava.
Em decorrência desse processo a música tipicamente européia começou a
ser vista como a verdadeira música e como um padrão de qualidade sobrepujando-
se à musicalidade brasileira que ainda dava seus primeiros passos. E foi dentro
desse cenário que o Brasil cresceu, tendo como referencial de qualidade tudo o que
viesse da Europa. Essa visão empregada erroneamente se perpetuou durante
muitos séculos e tomou conta de vários segmentos. Na moda, por exemplo, a
imposição européia, não só no Brasil, mas também em todos os outros países
colonizados, foi tão determinante que em países essencialmente tropicais, nos quais
no verão se beirava os quarenta graus, para estar dentro dos padrões impostos, a
população vestia-se com fraques, casacas, cartolas, golas bufantes, saias de várias
camadas de tecidos e para isso sofriam com o desconforto causado pelo calor
excessivo. Aqui mesmo no Brasil, já num registro mais recente pode-se constatar
que Lampião, que de alguma maneira se fez ícone de uma “nordestinidade”, usava
em sua indumentária tão conhecida elementos oriundos da moda Européia, como
pura seda chinesa, artigo indispensável nas mais finas roupas utilizadas na Europa.
E não só. A arma predileta do famoso cangaceiro era uma Luger nove milímetros de
fabricação alemã e sua bebida preferida não era a cachaça nordestina, mas sim o
uísque escocês White & Horse. Enfim, fatos contundentes como esses revelam a
severa influência européia que sofreu e sofre até hoje o Brasil. No contexto da
música é necessário dizer, embora já seja do conhecimento de todos, que o Brasil
vive até hoje, especialmente no âmbito das academias, sendo mera imitação de um
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padrão imposto há séculos. Não é desmerecimento com relação à música européia,


mas reconhecimento de que dentro desse contexto cabe muito mais do que
simplesmente a música que foi e ainda é produzida por eles.
Não bastando essa forte influência da Europa sobre nosso país, numa história
mais recente, aproximadamente início da década de 50, no pós II Guerra Mundial da
qual os Estado Unidos saíram como vitoriosos, começamos a receber mais
fortemente a influência desse país, que na verdade desde as décadas de 20 e 30 já
faziam bem sucedidas tentativas com a chegada do jazz no Brasil, que influenciou
fortemente uma das principais vertentes da nossa música, a Bossa Nova.
Tendo em vista todas essas influências, o Brasil consolidou-se como um país
multicultural, no entanto, submerso por tantas influências, que não conseguiu
consolidar-se de maneira veemente nem dentro do próprio Brasil, muito menos no
restante do mundo. Nesse contexto, o presente trabalho vem tratar da importância
do fortalecimento da musicalidade brasileira através do seu principal símbolo que é a
percussão e o seu principal instrumento que é o pandeiro. Trata-se da iniciativa de
levar o pandeiro a uma condição formal de ensino, afim de, assim, atrair a inserção
dos demais instrumentos percussivos nessa cadeia. Dessa maneira se fortalecerá a
economia, pois milhares de postos de empregos serão gerados em função desse
crescimento da procura por instrumentos de percussão e pelo próprio ensino
formalizado do instrumento. É inegável a necessidade de se agregar valor
econômico a nossos símbolos para que possamos pensar mais seriamente sobre
eles e mesmo para que consigamos pleitear junto ao poder público esse mesmo
pensamento sobre o assunto. Assim sendo, devemos lançar olhares sobre o
potencial que a musicalidade brasileira tem de alavancar a economia do nosso país
e fomentar seus principais símbolos para que esses produtos possam ser cada vez
mais consumidos tanto nacionalmente como internacionalmente. E não há maneira
mais eficiente de se chegar a esse resultado, do que através da inserção desse
elemento, símbolo da nossa musicalidade, ou seja, o pandeiro, dentro do contexto
da formalização do ensino.
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2 BREVE HISTÓRIA DO PANDEIRO

2.1 DIFERENTES FORMAS

O pandeiro é um instrumento de percussão que tem como ancestral o Adufe


(figura 1), instrumento quadrangular, bimembranofone e que possui entre uma
membrana e outra algumas sementes ou platinelas que servem para enriquecer o
som e está inserido simultaneamente em dois grupos de instrumentos: o grupo dos
Idiofones percutidos, que são instrumentos que através de uma batida entram em
vibração e utilizam essa própria vibração para emitir o som; e no grupo dos
membranofones, que, como o próprio nome já diz, refere-se a instrumentos que têm
em sua estrutura a presença de uma membrana (pele) e utilizam a vibração desta
para produzir o som. Porém, em tempos remotos, também se referiam como sendo
pandeiro, alguns instrumentos que continham em sua estrutura, apenas o fuste (aro)
e as soalhas (hoje mais conhecidas como platinelas) e que não possuíam
membrana. Hoje em dia o instrumento com essas características já não é mais
chamado de pandeiro, mas sim de pandeirola. Além da presença de uma
membrana, o que também diferencia o pandeiro de uma pandeirola é a intensidade
sonora das platinelas. Na pandeirola as platinelas, por estarem em maior quantidade
e possuírem formato menos abaulado que no pandeiro, têm um som mais presente,
até porque nesse instrumento o timbre realmente importante é o das platinelas.

Figura 1: Adufe
Fonte: Google, 2010
14

Há também o pandeiro utilizado nas orquestras e nas quais recebe mais


comumente o nome de Tambourine (Figura 2). Este pandeiro possui também um
número superior de platinelas em relação aos pandeiros usados na música popular,
e, na maioria das peças onde se utiliza o pandeiro sinfônico o som solicitado pelo
compositor é o som provocado pelo movimento destas.

Figura 2: Pandeiro de Orquestra


Fonte: Google, 2010

Há também alguns pandeiros que não possuem em sua estrutura as soalhas.


Esses pandeiros aqui no Brasil são conhecidos como “pandeirões” e são bastante
usados nos festejos de Bumba-meu-boi no Estado do Maranhão. O pandeirão (figura
3) tem seu aro feito com a madeira do tronco do jenipapeiro por se tratar de uma
madeira bastante flexível. Essa madeira é colocada em molho por aproximadamente
dois dias e logo depois vergada até formar um círculo, dando origem ao aro, no qual
é estendida uma pele animal apenas de um lado, e esta, é fixada ao aro com taxas
de sapateiro. Esses pandeirões são assim chamados por possuírem tamanhos
superiores aos pandeiros convencionais, chegando a medir aproximadamente vinte
polegadas e são utilizados nas manifestações do Boi de Matraca (ou sotaque da
Ilha) e Boi da Baixada (ou sotaque de Pindaré) em São Luís do Maranhão.
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Figura 3: Pandeirão
Fonte: Google, 2010.

Nos dias atuais, os pandeiros mais utilizados no samba e choro possuem


dimensões que vão de oito a doze polegadas. O mais difundido e utilizado nos mais
diversos estilos da música popular brasileira é o pandeiro de aproximadamente dez
polegadas com pele de couro. São compostos por um aro estreito de madeira,
plástico ou algum material sintético; por uma membrana, animal ou também
sintética, esticada sobre este aro; por platinelas, que são pequenos discos
abaulados de metal, que são encaixados em pares, junto com abafadores (discos
retos, também de metal, encaixados entre uma platinela e outra), nas fendas
situadas no aro do pandeiro; por um arco de aço ou alumínio que é encaixado por
cima da pele e que serve para prendê-la ao aro e tencioná-la; e, por garras de metal
que prendem o arco ao fuste e dão a possibilidade de regulagem de tensão à pele.
O pandeiro de doze polegadas possui a mesma estrutura do pandeiro de dez
polegadas, porém normalmente a membrana utilizada nesse pandeiro é a
membrana sintética, geralmente de nylon. Há também os pandeiros de dez
polegadas feitos com pele de nylon e tanto esses quanto os de doze polegadas são
muito utilizados no samba e por emboladores de coco. O pandeiro feito com pele
sintética precisa de um aro muito mais resistente e uma maior quantidade de garras
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de metal para segurar a tensão imposta por esse tipo de membrana e, por esse
motivo, torna-se muito mais pesado, o que traz certo desconforto ao executante do
instrumento.
O pandeiro de dez polegadas com pele de couro tornou-se muito popular por
ser, timbristicamente falando, o mais completo dos instrumentos de percussão e, por
conseguinte, o mais versátil dos pandeiros. E, com o desenvolvimento do apuro
técnico de luthieria voltado à fabricação de pandeiros, pode-se obter timbres ainda
mais definidos do instrumento. Os pandeiros de dez polegadas e pele de couro
(fabricados por luthies), hoje em dia, possuem aro de madeiras como cedro e
imbuia, que, por serem mais resistentes, propiciam mais durabilidade ao
instrumento; pele de cabra que possibilita uma maior projeção do som grave e
platinelas feitas com aço inox, bronze fósforo, latão, tinânio, flandres ou chapas de
alumínio, sendo as de latão e bronze fósforo as mais utilizadas quando o intuito é
obter um som mais definido.

2.2 SUAS ORIGENS

Questões sobre sua origem são discutidas por muitos pesquisadores e gera
muitas opiniões diversas, a começar pela origem de seu nome. O nome “pandeiro”
provavelmente tem origem no latim tardio “pandorius” o que já vem a derivar do
grego “pandoûra” ou “pandoriun”. Porém, enquanto a busca pela origem de seu
nome só remonta deste período, a origem do instrumento em si encontra registros
no período neolítico (mais conhecido como idade da pedra polida), no qual o
pandeiro já se mostrava como instrumento bastante difundido e executado na
Europa, Ásia e África. No Egito o pandeiro era utilizado em cerimônias lúgubres
manifestando o luto do povo. O povo israelita, por sua vez, o utilizava de maneira
diversa. O pandeiro era utilizado em sinal de júbilo e representava sempre alguma
coisa muito positiva. Já para o povo do Oriente Médio pré-islâmico o pandeiro era
usado nas duas situações, tanto para a comemoração em momentos festivos,
quanto para cerimônias de luto. Encontram-se registros da existência do pandeiro
em ritos festivos e religiosos na Mesopotâmia, no Egito, na Grécia e em Roma onde
principalmente mulheres tocavam o pandeiro.
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A popularização do pandeiro em toda a Europa (que ocorreu durante a Idade


Média) coincidiu com a invasão e colonização do povo do norte africano (povo esse
que já havia incorporado durante processo de expansão islâmica sobre a África toda
influência social e cultural do povo Árabe) sobre a península Ibérica, logo por eles
batizada de Al-Andalus, no século VIII. Desse momento em diante, e, ao longo do
processo de colonização islâmica sobre a península Ibérica que durou
aproximadamente 800 anos (cujo término se deu em 1492 com a conquista de
Granada por Fernando II de Aragão e Isabel I de Castela) o pandeiro foi sendo cada
vez mais incorporado e identificado com a musicalidade portuguesa.
O Brasil, por sua vez foi apresentado a esse instrumento exatamente através
do processo de colonização portuguesa. O pandeiro no Brasil virou uma grande
mistura de influências culturais. Aqui tivemos a mistura da tradição ibérica
(carregada de misturas devido à colonização islâmica) com a influência rítmica
trazida pelos africanos oriundos, principalmente, da região central do continente
africano (Kongo, Angola, Moçambique, entre outros) o que trouxe ao pandeiro um
imenso leque de possibilidades que até então não se tinha explorado. Os povos
africanos do Norte levaram sua influência árabe à península Ibérica e seu modo de
tocar o pandeiro se misturou, durante o processo de colonização, com o modo
europeu de executar o pandeiro. O legado estético e musical que os africanos do
norte deixaram é bastante diferente do que o que ficou identificável, por senso
comum, como sendo a sonoridade africana. Essa região da África possuía e ainda
possui características muito mais relacionadas à estética musical árabe do que
mesmo o que podemos identificar como a musicalidade afro que se popularizou
mundo afora, e, isso vem inclusive a desmistificar essa idéia muito difundida da
África como sendo um continente culturalmente homogêneo. Trazendo essas duas
vertentes para o âmbito do pandeiro pode-se perceber que a influência africana nos
cercou pelos dois lados. Tanto se fez presente na chegada do pandeiro ao Brasil
através dos portugueses (influenciados pela colonização islâmica na Península
Ibérica), quanto no desenvolvimento do instrumento que foi impulsionado pela
efervescência rítmica trazida pelos africanos que foram arrancados de suas nações
para serem escravizados aqui, e que tinham o batuque como forma de expressão e
afirmação de sua identidade cultural. Pode-se dizer então que foi no Brasil que o
pandeiro pôde ter seu potencial explorado ao máximo quando, encontrando-se com
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a diversidade rítmica dos batuques africanos nas senzalas, teve início o processo de
desenvolvimento da técnica “pandeirística”.
O pandeiro provavelmente se inseriu na roda de batuques dos negros
espontaneamente, assim como vários outros elementos trazidos pelos brancos que
foram incorporados à sua cultura. Os batuqueiros adaptaram o pandeiro que viam
sendo tocado nas festas dos seus senhores à sua realidade musical e isso,
provavelmente, foi a mola propulsora da evolução das possibilidades rítmicas a
serem executadas no instrumento.
Com o surgimento do Choro no final do século XIX o pandeiro atingiu outro
patamar. O pandeiro definitivamente ganhou o status que jamais teve em outra
formação. O Choro, gênero musical derivado do lundu (ritmo criado a partir da
mistura entre os batuques dos escravos Bantos trazidos de Angola e os ritmos
portugueses) e da polca (estilo musical em compasso binário originário na Áustria no
início do século XIX), adotou o pandeiro, depois de certo tempo, como instrumento
indispensável. No início, os grupos de Choro eram compostos apenas por
instrumentos de cordas e sopro, depois o pandeiro se somou a essa formação
adquirindo seu espaço e mesmo patamar de relevância nos grupos. Desde então os
grupos tradicionais de choro (conhecidos como Regionais de Choro) não dispensam
em sua formação o pandeiro. No Choro esse é o principal instrumento de percussão,
tendo em vista a inserção de novos instrumentos, como surdo e tamborim, com o
decorrer do tempo.
O Choro deu origem ao samba que conhecemos hoje e entregou para este o
legado conquistado pelo pandeiro. O samba herdou a formação instrumental do
choro, naturalmente com a inserção de outros instrumentos de percussão, porém em
suas várias vertentes, o pandeiro é colocado em posição de destaque e hoje em dia
é o instrumento que melhor representa esse gênero.
No forró também não é diferente. O pandeiro tem o seu lugar em todas as
formações de grupos de forró e, todos os ritmos compreendidos nessa manifestação
podem ser e são executados nesse instrumento. A tradição do pandeiro no Nordeste
deriva das duplas de emboladores de coco e dos repentistas que se apresentavam
em festas e em feiras livres numa formação reduzida onde o pandeiro muitas vezes
era o único instrumento de percussão e por vezes até o único instrumento.
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3 O PANDEIRO NO BRASIL

O pandeiro, presente nas rodas de batuques dos negros escravos Brasil


afora, pôde se desenvolver em diversas partes desse país. Percebe-se a presença
do mesmo em diversas manifestações musicais, no entanto, sendo explorado de
formas diferentes e incorporado a diferentes formações instrumentais.

A história do Pandeiro no Brasil está em grande parte ligada ao Choro,


estilo de música genuinamente brasileiro surgido no final do século XIX,
resultado da fusão de ritmos europeus e afrobrasileiros. Passaram-se
décadas até o pandeiro conseguir seu lugar definitivo dentro do estilo,
unindo-se posteriormente ao Samba, e hoje está presente na maioria dos
ritmos brasileiros (LACERDA, 2007. p. 7).

No Brasil, o pandeiro evidenciou-se como instrumento de acompanhamento


para vários estilos musicais, desde o chorinho, passando pelos ritmos populares do
interior nordestino (como o cavalo marinho e o coco, por exemplo), até as formações
instrumentais onde o pandeiro é o único instrumento percussivo de base. Essa
diversidade de possibilidades que o pandeiro encontrou durante esse longo período
desde sua chegada ao Brasil até os dias atuais, deve-se muito ao fato dele ter se
tornado um dos instrumentos mais difundidos da percussão popular brasileira no
mundo todo. No presente capítulo veremos os principais ritmos por onde o pandeiro
se desenvolveu, e, como ele se desenvolveu até chegar no pandeiro que
conhecemos hoje, totalmente inserido nas diversas formações instrumentais que
temos conhecimento na indústria fonográfica brasileira.

3.1 O PANDEIRO NO CHORO E NO SAMBA

No chorinho o pandeiro demorou certo tempo para surgir, visto que, no início
esse gênero era integrado apenas por instrumentos de sopro e cordas, e, por esse
motivo, os grupos que representavam esse gênero ficaram conhecidos como grupos
de “pau e corda”, referindo-se a união da flauta de ébano aos instrumentos de corda.
O pandeiro foi incorporado ao choro tendo como principal ofício, segurar a base
rítmica nas formações conhecidas como regionais de choro, que são grupos
compostos por instrumentos de harmonia, percussão (na maioria deles apenas o
20

pandeiro) e instrumento solista que tanto pode ser um instrumento de sopro quanto
de corda. O pandeiro hoje em dia é figura indissociável numa formação mais
tradicionalista de choro. Alguns grupos, com concepções mais modernas do estilo já
incorporaram a bateria como instrumento de base, assumindo o posto que antes era
tão somente do pandeiro. Outros grupos que não fugiram á formação original
utilizam a sonoridade do pandeiro com mais ousadia do que era comum nas
sonoridades mais antigas, exemplos disso são os grupos Murmurando da cidade de
Fortaleza e o grupo Tira Poeira do Rio de Janeiro.
O pandeiro nos antigos grupos de choro (ou até mesmo nos atuais grupos
que conservam a proposta de perpetuar a sonoridade dos antigos) tinha um papel
menos. Ele jamais poderia se sobrepor a qualquer outro instrumento de suporte
harmônico ou de melodia. O soar das platinelas era o único som permitido ao
instrumento, e este jamais poderia fugir a sua condição de condutor rítmico, jamais
se poderia deixar de fazer soar as semicolcheias agudas das platinelas. O som da
pele muito pouco era ouvido, e o tapa (som provocado através de um tapa desferido
sobre a região central do pandeiro) era algo inconcebível na sonoridade do choro
tradicional. Hoje em dia os grupos de choro mais modernos, que conservam a
formação que contempla o pandeiro como instrumento de base requerem do
pandeirista um apuro técnico equivalente ao dos outros músicos, pois mesmo com o
papel de condutor que o pandeirista exerce ele não se restringe mais apenas ao
soar das platinelas, ele deve explorar os demais timbres, agindo no grupo como um
instrumento que dialoga com a melodia e os demais elementos da música de
maneira livre e criativa, claro que sem perder o foco principal da manutenção da
base para todos os instrumentos. Um dos precursores dessa nova forma de se
executar o pandeiro foi o “Jorginho do Pandeiro” que incorporou à sonoridade já
conhecida desse instrumento, elementos novos começando a inserir o timbre grave,
provocado pelo contato entre o polegar (ou dedo médio) com a pele do pandeiro, de
maneira mais veemente. Outra característica pontual na sonoridade peculiar ao
pandeiro de Jorginho e que foi um marco da maneira de executá-lo, foi a idéia de
fazer variações com a disposição do grave na levada padrão do samba/choro. Ele
tirou o grave da sua posição comum (no primeiro e no segundo tempo, sendo o
primeiro tempo fraco ou fechado e o segundo tempo forte ou aberto) e começou a
trazê-lo para o contratempo, ocupando com o grave os espaços que seriam
preenchidos pelo som agudo das platinelas. Essa nova disposição timbrística
21

acomodado na rítmica padrão, na qual se destaca o grave e o tira da marcação


“um/dois” do compasso binário, faz referência a alguns ritmos africanos que têm os
tambores graves como solistas, e foi responsável por um grande rompimento com a
visão do pandeiro como instrumento coadjuvante na formação instrumental do Choro
e mais tarde do Samba. A partir disso o pandeiro começou a ganhar cada vez mais
espaço e às vezes até momentos destinados à improvisação em algumas músicas
executadas pelos grupos.
O samba herdou as formações dos grupos de Choro e incrementou essa
formação com outros elementos percussivos, no entanto, o pandeiro conservou-se à
medida que o tempo passou como um representante inconteste do gênero. No
samba o uso do pandeiro se desenvolveu principalmente por conta da diversidade
de vertentes dentro do próprio samba. Samba de partido alto, samba jongo, samba
chula, samba de roda, o próprio choro, foram sendo adaptados às inúmeras
possibilidades timbrísticas desse instrumento e dessa forma o pandeiro foi sendo
incorporado cada vez mais a esse estilo. No samba, o pandeiro pode caminhar por
outras figurações rítmicas que não só a de semicolcheias. No Samba de Partido
Alto, por exemplo, a figuração rítmica padrão segue a seguinte disposição em dois
compassos que se repetem:

Dessa forma percebe-se, através da disposição rítmica nessa vertente, que,


no samba, o pandeiro pôde explorar outros caminhos métricos já sendo também
acompanhado por outros instrumentos de percussão como o surdo, tan-tan, agogô,
repiques, atabaques, cuíca, entre outros. Muitas vezes não sendo mais o único
instrumento de percussão compondo os grupos, o pandeiro pôde sair dessa
condição de base e explorar mais outras possibilidades como uma espécie de
instrumento “solista de base”, assim como o surdo de corte das escolas de samba,
comportando-se de maneira mais livre do que antes era possível no Choro.
22

Em contrapartida existiam ainda os grupos de formação reduzida nos quais o


pandeiro ainda exercia papel fundamental na sustentação rítmica da música. Ao
pandeirista, integrante desses grupos, incumbia-se a missão de fazer releituras de
todas as vertentes do samba para o pandeiro. Entrava em questão um ponto crucial
que pode diagnosticar as limitações de qualquer músico: a percepção. Cabia a esse
pandeirista ouvir todos os elementos que compunham o ritmo e conseguir trazê-los
para as dimensões do pandeiro com máxima fidelidade ao ritmo original. Assim
sendo teve início essa concepção do pandeiro como “bateria de bolso”, fazendo
alusão inicialmente às baterias das escolas de samba. Hoje em dia, esse termo
pode ser compreendido, também, se referindo à bateria trazida no jazz através dos
americanos e que atualmente é utilizada em todo o mundo em vários estilos
musicais.

3.2 O PANDEIRO NO FORRÓ

Compreende-se o Forró como uma manifestação cultural na qual, entre outras


coisas, existe a música típica de uma região. Falando no âmbito do Nordeste
brasileiro, podemos afirmar que, o baião, o xote, o xaxado, o coco, e o arrastapé
compõem a paisagem sonora dessa região.
O pandeiro no forró deriva da tradição dos emboladores de coco, ou
repentistas que improvisavam seus versos tendo o pandeiro como base rítmica para
seus improvisos. Esses repentistas, que se apresentavam antigamente em feiras
livres e quermesses nas festas de padroeiras de várias cidades, certamente são os
responsáveis pela popularização do pandeiro no Nordeste brasileiro, onde essa
cultura dos repentes ainda persiste.
No baião, xote, xaxado e arrastapé o pandeiro é acompanhado por outros
instrumentos como zabumba, triângulo e agogô, o que lhe permite muito mais
desenvoltura, pois o suporte que o zabumba e o triângulo lhe dão, permite ao
pandeiro ousar muito mais do que se estivesse no papel de base. Nessas formações
de grupo de forró, que hoje em dia são conhecidos como “Pé de serra”, o pandeiro
utilizado geralmente é de pele de nylon, justamente para contrapor o timbre grave do
zabumba. Nesse formato um grande nome que veio a popularizar o pandeiro do
forró foi o Jackson do Pandeiro que fez uma mistura entre elementos do forró e do
23

samba. Jackson era um virtuose no instrumento e mostrou uma série de


possibilidades que antes eram pouco exploradas ou pouco popularizadas. Primeira
coisa: ele misturou a rítmica do coco e baião ao samba. Segundo ponto: assim como
Jorginho fez no pandeiro do samba/choro, Jackson tirou o grave do pandeiro da
marcação do tempo forte no Baião e do Coco. Esses dois ritmos, também binários,
possuem o tempo forte no primeiro tempo, onde comumente se ouve o grave aberto
sempre trazendo a sensação de marcação pra quem ouve. O que Jackson fez foi
tirar o grave dessa disposição padrão do tempo forte e traze-lo pra onde
normalmente se ouve o som das platinelas conduzindo até o tapa, que geralmente
se escuta na quarta semicolcheia do primeiro tempo. Ou seja, assim como Jorginho,
Jackson deu ao pandeiro do forró uma possibilidade sonora que antes não se tinha
idéia, e isso o fez um dos maiores representantes do pandeiro no Brasil.
Não diferente do que ocorreu com o samba, também foram, no forró, num
paralelo com os grupos tradicionais de pé de serra, acontecendo experimentos de
formações reduzidas, nas quais o pandeiro era o único instrumento de percussão,
portanto, ele teria que reproduzir o som dele próprio tentando sintetizar a batida do
zabumba e dessa maneira foi se ampliando a quantidade de ritmos de forró para o
pandeiro. O pandeirista tinha que executar o xote, o xaxado, o próprio baião, e o
arrastapé no pandeiro, o que veio a agregar mais ainda a idéia da bateria de bolso.

3.3 A “BATERIA DE BOLSO”

Essa idéia, hoje em dia bastante difundida, do pandeiro como “bateria de


bolso” se deve a popularização desse instrumento de percussão que é ícone da
musicalidade brasileira. Não foi à toa que o pandeiro tornou-se tão popular, é um
dos instrumentos mais portáteis e versáteis timbristicamente falando que existem em
toda a infinidade de instrumentos da percussão popular.
Uma bateria em sua forma mais simples é compreendida por bumbo (grave),
caixa (médio) e Chimbal (agudo). Incrementando essa bateria poderíamos inserir os
ton-tons para fazerem pequenas inserções de timbres também graves, porém não
tanto quanto o bumbo. Traçando um paralelo entre essa bateria e o pandeiro,
podemos perceber que este possui possibilidades semelhantes só que em tamanho
e timbres diferentes. Com o polegar desferido sobre a margem da pele do pandeiro
24

obtém-se o grave que pode representar, dada as devidas diferenças timbrísticas, o


som do bumbo; na tapa desferida ao centro da pele do pandeiro pode-se obter o
som médio e seco que se aproxima ao da caixa; nas platinelas pode-se obter som
que representaria o chimbal; e por fim, para reproduzir a variação timbrística dos ton-
tons, usa-se o polegar sobre a pele apertando e soltando a mesma podendo
oferecer alterações na afinação.
Essa riqueza timbrística permite que muitos ritmos possam ser executado no
mesmo, bastando apenas que o pandeirista busque conseguir transportar as
características do ritmo em questão para a dimensão do pandeiro. Um exemplo
disso foi o que fez Marcos Suzano, um dos maiores pandeiristas do Brasil, que usa,
em muitos trabalhos, o pandeiro como único instrumento de percussão. Ele foi o
precursor do pandeiro sendo inserido num contexto mais pop da música brasileira, e,
para isso, criou levadas que são como marca registrada da sua maneira de tocar.
Não há pandeirista mais dado às novas sonoridades que não consiga distinguir o
pandeiro de Marcos Suzano, assim como também não há um só que não tenha
ouvido uma de suas “levadas” mais características. No Brasil, com certeza é Marcos
Suzano o principal nome na disseminação dessa nova sonoridade, uma sonoridade
mais “beterística” e pop do pandeiro. Já no Jazz (mais como uma concepção do que
o ritmo propriamente dito), o nome mais representativo da inserção desse
instrumento na música americana é o nova-iorquino Scott Feiner, que no ano de
2001 veio morar no Rio de Janeiro para se aproximar mais do pandeiro. Esse
pandeirista, que é guitarrista de jazz por formação, teve a inteligência de associar
muito bem esses dois elementos, o pandeiro e a concepção jazzística, e hoje em dia
tem um nome bastante difundido. E provavelmente foi o primeiro músico a gravar um
CD de jazz instrumental com o pandeiro substituindo completamente a bateria
comum nas formações desse gênero.
25

4 A INFORMALIDADE DO ENSINO NO BRASIL

O pandeiro foi por muito tempo colocado em uma situação de marginalidade,


assim como tudo que estava direta ou indiretamente ligado à cultura africana que,
por sua vez, já adotara o pandeiro em sua musicalidade. Dessa forma, o pandeiro,
assim como outros instrumentos de percussão popular, não ganhou o espaço de
maneira representativa em academias, conservatórios de música e nem muito
menos era respeitado como sendo um instrumento musical digno de estudos mais
aprofundados.
A partir do Brasil colônia, até o pandeiro começar a ser visto com outros
olhos, foi preciso trilhar longa estrada de extrema subestimação. O pandeiro nessa
época já havia sido completamente abraçado pelos africanos que passaram a usá-lo
com muita propriedade e, diga-se de passagem, muito mais complexamente que ao
estilo europeu, logo, esse instrumento foi ficando muito mais relacionado à cultura
afro-brasileira em formação do que à cultura branca dominante e que foi responsável
pela vinda do pandeiro para o Brasil. Assim sendo, o pandeiro, assim como a
religião, as danças e os ritos africanos, demorou muito tempo para ser retirado da
marginalidade e ainda hoje não se encontra elevado a uma condição melhor.
Devido a todo esse contexto supracitado, não é difícil imaginar que o pandeiro
foi por muito tempo estudado informalmente. Não se sabe bem ao certo como se
dava o processo de ensino-aprendizagem desse instrumento, mas, a tomar por base
o que acontecia até bem pouco tempo em relação ao contexto do ensino, pode-se
dizer que nem existia de fato essa relação de professor/aluno na aprendizagem do
pandeiro.
O pandeiro provavelmente durante esse longo trajeto, até começar a ganhar
caráter formal de ensino por todo país, deve ter trilhado o caminho do autodidatismo,
assim como vários outros instrumentos na música popular. Esse caminho, porém,
até hoje é o mais utilizado por todos, mesmo com a existência de metodologias de
ensino voltadas a esse instrumento. Contudo isso não desintegra por total a figura
de um “mestre”, mesmo que este não esteja participando conscientemente desse
processo de ensino aprendizagem, o que vem a configurar o caráter informal no
ensino do pandeiro.
Antigamente, por exemplo, devido à inexistência da televisão e a escassez de
outros meios de comunicação que diminuíssem as distâncias territoriais de um país
26

tão grande, o papel do mestre provavelmente era assumido por um amigo, por
alguém da família, pelo pandeirista da feira, ou até mesmo pelo músico que tocava
em algum grupo de forró, chorinho, capoeira ou qualquer outra manifestação da
cultura na região. Logo, o referencial desse estudante restringia-se completamente
por conta da dificuldade de acesso a outras informações pandeirísticas, e isso o
fazia discípulo tornando nítida a influência do mestre no seu modo de tocar o
pandeiro. De qualquer maneira a execução instrumental em questão era muito mais
ligada a questões ritualísticas do que mesmo preso a questões musicais, o que
tornava secundária a necessidade de um processo de ensino mais rebuscado.
Assim como os ogãns nos rituais do candomblé, que aprendiam a tocar os
atabaques e o faziam apenas com o intuito de reverenciar orixás e se tornavam
virtuoses naqueles tambores, com os pandeiristas também não era diferente. A eles
era atribuída a missão de disseminar o ritmo característico de sua região, levar a
frente o seu regionalismo musical, manter viva as origens, perpetuar a sonoridade
oriunda de sua ancestralidade, e isso se fazia muito mais importante do que
simplesmente o apuro técnico que hoje em dia é o objetivo da maioria dos
pandeiristas. Na verdade, a questão “tocar tambor” se fez mesmo como que por
necessidade de manutenção da vida daquele povo, é como se fosse uma
respiração. Essa motivação, embora mais rara nos dias atuais, ainda se faz
presente.
Com o transcorrer do tempo novas informações foram chegando, porém o
modelo de aprendizagem autodidata se perpetuou e foi se fortalecendo em paralelo
com as informações recebidas através do processo de desenvolvimento dos meios
de comunicação. Com a chegada do rádio essas distâncias começaram a encurtar,
porém ainda assim existia a barreira visual que é considerável num processo de
aprendizagem informal. Os aspirantes à pandeiristas podiam ouvir nos programas de
rádio outros pandeiristas de outros grupos que não só os de sua cidade ou região e,
dessa maneira, podiam acessar outras sonoridades, outras maneiras de se tocar o
pandeiro. Esse processo de aprendizagem “de ouvido” era um tanto limitado, pois
não se podia ver de que maneira o músico realizara tal efeito ou qual movimento era
necessário para produzir tal ritmo, mas por outro lado essa metodologia trabalhava
muito a percepção auditiva, o que é muito positivo quando tratamos de temas
musicais. Nesse período a aprendizagem se dava à medida que o estudante
aguçasse mais a sua percepção. Este podia ouvir no rádio o pandeirista tocando
27

com o seu grupo musical e tentaria imitá-lo o mais fielmente que conseguisse,
porém essa imitação restringia-se à sonoridade, pois os movimentos utilizados pelo
músico para produzir tal ritmo, por não poderem ser vistos, eram adaptados a seu
modo, respeitando sempre a sonoridade que conseguira captar.
Logo mais, com a chegada e popularização da televisão no Brasil, durante a
década de 50, com o surgimento da PRF3-TV ou mais popularmente conhecida
como TV Tupi, primeira emissora brasileira e com programas brasileiros, foi que as
distâncias entre o estudante informal do pandeiro e as informações foram diminuindo
ainda mais e, logo se podia ver e ouvir os grupos tocando ao vivo em programas de
TV, o que permitia ao estudante ter acesso não só ao som que o músico produzia
em seu instrumento, mas também ver como ele realizara um movimento para
conseguir executá-lo. Nesse momento pode-se dizer que o processo de
aprendizagem era ainda autodidata, mas com referenciais que permitiam a
incorporação de gestual e trejeitos oriundos do músico que foi assistido na TV. Não
que essa influencia não seja principalmente sentida na questão sonora, mas somado
à postura no tocar o pandeiro se tornam ainda mais nítidas as características de
quem o influencia. Por exemplo, nesse momento, muitos grupos de chorinho e
samba podiam se apresentar em programas de TV dessa emissora, logo os
pandeiristas que compunham esses grupos certamente podem ter sido responsáveis
por boa parte das características sonoras e de postura dos pandeiristas que se
formaram na época. Assim como, já na década de 70, ao ver na TV Jackson do
pandeiro ou Nereu do Trio Mocotó, muitos pandeiristas se influenciaram por suas
maneiras peculiares de tocar esse instrumento.
Ao longo desse tempo que ligou a invenção da TV até os dias atuais com toda
essa democratização da informação que vivemos hoje, democratização essa sem
paralelos decorrentes da internet, muitas coisas aconteceram. Continuou se
fortalecendo o ensino mais informal, mas em paralelo com o surgimento de métodos
e a inserção do pandeiro num contexto mais formalizado de ensino. Ademais, hoje
em dia podemos constatar também a existência de outro recurso que tem sido
bastante difundido no universo do ensino musical, que são as vídeos-aula. Elas têm
sido uma opção muito utilizada por estudantes que decidem estudar por conta
própria um instrumento. Esses vídeo-aulas são aulas gravadas em fitas de vídeo ou
DVD, que mostram passo a passo as técnicas do pandeiro e como executar os
ritmos, porém também configura-se como metodologia de ensino informal, pois o
28

professor não pode avaliar o desempenho do seu aluno e nem corrigi-lo caso este
esteja cometendo algum erro de postura ou execução. Esse recurso é
especialmente interessante para os que já têm em mãos os princípios sobre postura
e noções acerca da sonoridade peculiar a cada toque desferido nas diferentes
regiões do pandeiro, pode-se de fato aproveitar as informações contidas nos vídeos
aulas de maneira integral, sem correr o risco de estar pulando etapas tão
importantes. Já para os iniciantes, a maioria das vídeo-aulas não dispõe tempo
necessário ao esclarecimento dessas informações que são tão necessárias na
iniciação ao pandeiro ou a qualquer instrumento.
Hoje em dia, com o advento da Internet, informações sobre o pandeiro têm se
disseminado ainda mais facilmente. Após a revolução provocada pelo You Tube (site
de compartilhamento de vídeos de todos os tipos na internet) qualquer tipo de
informação sobre música, ou sobre qualquer outro tipo de assunto, pode ser
acessado através de vídeos que tanto podem ter sido caseiramente produzidos,
quanto podem também ser fruto de uma rebuscada pesquisa científica. Nesses
vídeos expostos, por vezes informalmente por usuários da internet de diversos
países do mundo, o aluno tanto pode ter acesso à vídeo aulas postadas por esses
usuários como também podem ter acesso à shows e à pequenos vídeos que os
próprios músicos gravam dos seus estudos individuais ou de recitais realizados por
eles mesmos. Essa invenção veio a democratizar ainda mais o acesso ao
conhecimento musical e, mais especificamente voltado a aprendizagem do pandeiro,
agregou muito ao processo que as vezes ocorre sem qualquer referencial, o que é
comum numa aprendizagem autodidata. Não se pode dizer, porém, que esse
recurso vem a suprir toda a necessidade de um estudante do instrumento, haja visto
que, devido à inexistência de critérios de quem administra o site, são postados
vídeos de várias procedências. No site em comento tanto são postados vídeos de
boa qualidade e relevância como também são postados vídeos de amadores e
pessoas que não têm muita propriedade para falar sobre técnicas e as deturpam ou
apenas transmitem suas adaptações sem mostrá-las integralmente. Então, esse
recurso merece certa atenção e sensibilidade do estudante para que este tenha
condições de julgar se a informação está lhe acrescentando positivamente. De
qualquer maneira, tratando da possibilidade de aprendizagem informal, essa
inovação que a internet trouxe consigo, ampliou muito os horizontes do músico
pandeirista e dos demais instrumentistas também.
29

Pode-se perceber então através desse panorama da informalidade do ensino


do pandeiro no Brasil, que esse recurso de aprendizagem é, como tudo que é
inserido na sociedade, produto do meio e do contexto histórico. Percebe-se a
evolução que essa metodologia teve desde o tempo do rádio até os dias atuais com
a massificação da internet e dos demais meios de comunicação, como a televisão,
por exemplo. Graças a essa democratização da informação, o pandeiro pôde, não
só ser estudado com mais facilidade como também se popularizar mundo afora.
Conclui-se então a importância que a democratização das informações teve
na popularização e na aprendizagem do pandeiro, sobretudo num país que valoriza
tanto o autodidatismo. E não é à toa. Certamente, mesmo com o fortalecimento da
música popular nas academias de música e no ensino musical de uma maneira geral
através dos tempos no nosso país, a informalidade ainda será a tônica no ensino
aprendizagem dos instrumentos populares. O termo “pegar de ouvido” ainda será
muito utilizado e ostentado por muitos como sendo algo que determina a qualidade
do músico. Esse entendimento é duvidoso e questionável tendo em vista que num
processo de ensino e aprendizagem todas as informações devem ser bem vindas. E
considerando exclusivamente o contexto da música e o processo de formação do
músico profissional, devemos ter em mente que este deve expor-se à maior
quantidade de vivências de aprendizagens musicais possível para que se torne um
músico completo e apto. Para se formar um bom músico deve-se, com fluidez,
permear pelos meios da informalidade e da formalidade do ensino de música.
30

5 A FORMALIZAÇÃO DO ENSINO DO PANDEIRO

5.1 CONSIDERANDO DOIS ASPECTOS FUNDAMENTAIS

Como foi dito no capítulo anterior, deve-se considerar dois fatores num
processo de ensino aprendizagem no âmbito musical que aspire uma completude.
Um não deve se dissociar do outro em nenhuma circunstância.
a) O fator informalidade que une a percepção auditiva e visual a uma busca por
informações oriundas dos meios de comunicação ou de pessoas do convívio;
b) Fator da formalidade que consiste na aplicação de métodos, na busca por
escolas e professores que possam simplificar e encurtar a distância existente
entre quando ainda se é um aspirante a músico e almeja-se ser o músico
profissional apto a desempenhar qualquer trabalho em qualquer segmento
musical.
É claro que o desenvolvimento técnico também é possível quando se é
autodidata, pois dessa maneira pode-se explorar muito mais a percepção de uma
forma geral. Porém, esse processo tende a demandar mais tempo e acontece sem
referências, além de às vezes limitar as possibilidades de um indivíduo que pretende
estar apto a qualquer trabalho.
Em qualquer processo de aprendizagem é necessária a existência da figura
do professor que acompanha o desenvolvimento do aluno e tem a possibilidade de
sugerir-lhe exercícios bem como intervir em procedimentos inadequados e corrigir
quando for necessário que isso aconteça. Sobretudo, uma das principais atribuições
dadas ao professor de música é a de trabalhar atento e sensível às diferenças
passíveis de acontecer dentro de uma sala de aula. As dificuldades de alguns não
podem ser encaradas como „falta de aptidão‟, sob hipótese alguma. E jamais deve-
se propor a desintegração de um aluno que apresente menos facilidade em realizar
certas atividades como sugere Dalcroze quando se refere a uma criança que não
possui voz boa e bom ouvido “[...] deveria ser removida da classe, como nós
excluiríamos um homem cego de uma aula de tiro, ou um homem sem pernas de
uma aula de ginástica [...]” (DALCROZE, 1967. p. 13).
31

5.2 A FORMALIZAÇÃO

A formalização do ensino do pandeiro começou a ocorrer a partir do momento


em que esse instrumento foi saindo do âmbito subjugado em que vivia e foi se
inserindo nos grandes grupos de música popular no Brasil. Cada vez mais pessoas
despertaram interesse pelo pandeiro, e isso foi trazendo-o das ruas e das feiras para
as escolas de música e, inclusive, foram também surgindo métodos criados por
grandes pandeiristas fomentando ainda mais essa cultura do estudo voltado ao
pandeiro.
O aparecimento de grandes nomes, como Jorginho do Pandeiro, Jackson do
Pandeiro, e atualmente Marcos Suzano, por exemplo, também foi responsável pela
disseminação dessa idéia, já que as pessoas foram percebendo que para explorar o
pandeiro em todas as suas possibilidades, assim como esses grandes músicos
faziam em suas performances virtuosísticas, precisava-se de dedicação e de afinco,
como ocorre para qualquer outro instrumento. É claro que essa dedicação era
sinônimo de muito estudo e prática em torno do pandeiro.
Através dessa mudança de pensamento acerca do instrumento, teve início um
novo momento no que diz respeito ao contexto educacional do mesmo. O
aprendizado que antes ocorria tão somente por observação e audição, e de uma
maneira completamente autônoma, começou a se inserir dentro do contexto mais
formalizado de ensino.
A descoberta de que o pandeiro possuía uma infinidade de sonoridades e que
nele se poderia tocar uma grande diversidade de ritmos, tirou-o completamente
daquele lugar comum ao qual todos o viam como instrumento simples e de fácil
execução, como ainda são vistos, até hoje com subestimação, boa parte dos
instrumentos de percussão. E nessa mudança de pensamentos as pessoas
passaram a procurar, nas escolas de música, professores de pandeiro e, por
conseguinte, as escolas de música começaram a precisar de professores para
atender à demanda crescente. E como numa seqüência natural, pela falta de
material didático para ministrarem suas aulas, os professores começaram a escrever
seus próprios métodos, e dessa maneira foi se estruturando cada vez mais os
aspectos formais de ensino no Brasil.
32

É importante ressaltar, porém, que o ensino formal do pandeiro não


engessou num padrão inflexível esse processo de aprendizagem que é natural num
contexto musical. As aulas não são inteiramente baseadas em métodos escritos por
outros professores. A questão metodológica diz respeito principalmente ao fato de
que o professor deve seguir uma linha de raciocínio que leve em consideração
aspectos padrões de um planejamento de curso normal, que contempla tanto
objetivos gerais e específicos, quanto metodologia de aplicação dos conteúdos.

5.3 A AULA DE PANDEIRO

O professor deve atentar para não transformar a aula de pandeiro numa ação
burocrática, cheia de barreiras nada musicais nas quais os alunos podem esbarrar,
por simplesmente terem dificuldades de executar certo exercício, e se
desestimularem a ponto de desistir. A aula de pandeiro, assim como qualquer aula
de música, deve ser, sobretudo, prática e, no caso de ser uma aula para mais de
uma pessoa, também deve ser inclusiva. Não é aconselhável incentivar um aluno
que se desempenha bem, enquanto critica-se outro que possui mais dificuldades de
absorção. “Qualquer método de ensino de Música deve ter como princípio a inclusão
em seus processos de ensino-aprendizagem de todo aquele que da Música queira
se aproximar” (CIAVATTA, 2009. p. 7).
Na aula de pandeiro devem-se explorar os diferentes timbres do instrumento
deixando bem claro de que maneira deve-se fazê-los soar, mas deixando também
bem claro que adaptações podem ser feitas de acordo com cada pessoa.
Os ritmos, no início, devem ser utilizados como recurso musical de
estudar os timbres, pois do contrário a aula tende a ficar monótona e repetitiva, sem
contar que é importante para o aluno que na primeira aula ele já consiga tocar algum
ritmo, pois a autoconfiança adquirida nesse momento o ajudará no processo de
aprendizagem.
O estudo dos ritmos é um ponto muito importante que deve caminhar em
paralelo com o aperfeiçoamento técnico do aluno de pandeiro iniciante. Enquanto
esse aluno se esmera em conseguir produzir cada vez mais o melhor som possível
no seu instrumento (o que é possível apenas com muita prática), ele deve estar
33

estudando os ritmos, começando com os mais disseminados ritmos brasileiros como


samba, baião e frevo, até ritmos estrangeiros como o funk, o bolero e o drum bass
por exemplo. Essa questão dos ritmos, por conseguinte, pode ser uma ótima mola
propulsora para o estudo de percepção que também ocorre concomitantemente com
os outros. Aí que deve entrar a questão “pegar de ouvido”. Destrinchar o ritmo inteiro
apenas pelo que se escuta numa música qualquer que está tocando no CD. E mais
que isso, conseguir adaptá-lo ao contexto do pandeiro. Para isso precisa-se de uma
boa noção timbrística do instrumento para saber como reproduzir coerentemente o
ritmo que está sendo tocado no CD.
Num paralelo com a percepção, também é interessante que haja algum tipo
de notação, mesmo que essa não se enquadre na notação rítmica tradicional. Isso
no caso do aluno não ter nenhuma noção de leitura rítmica. Pois o que pode garantir
que esse aluno não se esquecerá dos exercícios propostos durante a aula é algum
tipo de registro que também pode ser auditivo (como gravado num MP3 Player por
exemplo), porém, na falta desse recurso, é bom ter a possibilidade de escrever. Se
houver a possibilidade, é de suma importância trabalhar, concomitantemente
também, a leitura rítmica com esse aluno para que ele possa, mais tarde, usufruir
bem melhor da maior parte dos métodos escritos para pandeiro (já que boa parte
deles utiliza a escrita padrão), e mesmo para que este seja preparado para uma
ocasião profissional na qual ele precise estar apto a ler partitura.
No mais o professor deve ser compreensivo e não ter a vaidade de querer
que o seu aluno faça tudo tal e qual ele o ensinou. O importante é a sonoridade final,
e se o aluno não apresenta dificuldades em executar qualquer movimento que foi
proposto, mesmo que este tenha resolvido fazer de outra forma. O professor deve
intervir na questão da postura do aluno e se o mesmo faz movimentos
desnecessários demonstrando pouco apuro técnico. Deve intervir em todo e
qualquer procedimento que venha a atrapalhar o desenvolvimento técnico do próprio
aluno.
O estudo de diferentes técnicas é pressuposto por tudo isso que foi citado
anteriormente. Quando o aluno encontra-se num bom patamar técnico, no qual
muitas dificuldades já não existem mais, no qual ele consegue tocar bem uma boa
quantidade de ritmos e consegue, principalmente, ouvir uma música qualquer e
saber como acompanhá-la, aí sim é uma boa hora de começar a estudar outras
técnicas que vão enriquecer sua sonoridade. Esse estudo pode ocorrer através de
34

métodos mais elaborados e que já não são mais de nível elementar. Tais métodos já
partirão do pressuposto que o aluno já sabe tocar pandeiro e que pretende apenas
se aperfeiçoar e adquirir novas técnicas para atingir novas sonoridades. O
desenvolvimento das técnicas expandidas que levam à novas sonoridades também
pode ocorrer pelo estudo individualizado, pelo simples ato de parar e tentar explorar
a maior quantidade de sons que o instrumento possa oferecer. Parte simplesmente
de abstrair as sonoridades já exploradas e tradicionais, para tentar tocar tudo de
outra forma. Tem de fazer constantes revisitações ao seu próprio modo de tocar o
pandeiro.
Nesse patamar técnico os aspectos não formais do ensino do pandeiro, como
o You Tube, por exemplo, são muito mais funcionais, e esses alunos voltam a utilizá-
los agora muito mais conscientes de como conseguir tal sonoridade e tal
movimentação. Nesse momento já não há mais dúvidas que atrapalhem o processo
de aprendizagem. Mas no início do processo de aprendizagem do instrumento o
papel do professor é essencial para que se criem referências. Nesse sentido
também se deve destacar a importância do professor tocar para que o aluno o veja e
identifique a maneira correta de executar o pandeiro.

5.4 MÉTODOS DE PANDEIRO COMO ELEMENTOS FORMAIS DE APRENDIZADO

No Brasil, hoje em dia, temos alguns métodos de pandeiro bem significativos


publicados. Essas publicações vêm a corroborar uma nova tendência que cresce
invariavelmente, que é realmente a inserção do pandeiro num contexto mais formal
de ensino. Trata-se exatamente de uma tendência, pois o público interessado em
aprender pandeiro usado na música popular brasileira cada vez mais se dá conta de
que o aprendizado pode ir muito mais além do que por mera imitação. Um músico
pode se tornar músico sim sem obter a técnica, mas certamente seu conhecimento
em pouco tempo, limitado, se torna obsoleto. O estudo por conta própria, feito com
dedicação, certamente traz ao músico uma infinidade de possibilidades e
descobertas, mas sem dúvida, ao ter contato com novas visões e novas linguagens
esse processo de aprendizado voltado ao instrumento pode se tornar ilimitado.
A seguir citaremos alguns dos mais relevantes métodos de pandeiro
existentes no Brasil atualmente:
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 Pandeiro Brasileiro Volume I (Luiz Roberto Sampaio e Vitor Camargo Bub);


 Pandeiro Brasileiro Volume II (Luiz Roberto Sampaio e Vitor Camargo
Bub);
 Pandeirada Brasileira (Vina Lacerda);
 Percussão - Ritmos e Grafia Aplicados à Música Brasileira (Sandro Cartier).

Os métodos "Pandeiro Brasileiro Volumes I e II" e "Pandeirada Brasileira"


apresentam a abordagem sobre o aspecto técnico do instrumento, sobre postura,
sobre ritmos e apresentam peças e estudos para solo, duo ou trio de pandeiros.
Ambos acompanham CD de áudio. O método "Percussão - Ritmos e Grafia
Aplicados à Música Brasileira" apresentam os mesmos aspectos dos demais, com
exceção às peças e CD de áudio. O Livro "Pandeirada Brasileira" apresenta outro
aspecto que o difere dos demais, que é o tópico que fala sobre a construção do
pandeiro.
Os quatro métodos citados utilizam a grafia rítmica padrão, com algumas
modificações para a melhor representação dos timbres pandeirísticos, o que
pressupõe como antes mencionado, um pré-conhecimento sobre a notação rítmica
por parte do estudante.
A publicação desses métodos vem a atender uma necessidade geral de todos
os percussionistas: encontrar material didático para o estudo do pandeiro (e da
percussão como um todo), e para os professores, a dificuldade em encontrar
material didático para sistematizar suas aulas. A criação e disseminação desses
métodos são de suma importância para o crescimento da formalização do ensino no
Brasil, uma vez que embora, alguns deles, muito bem escritos e muito
esclarecedores, não são, na maioria dos casos, suficientemente introdutórios, pois
requerem um conhecimento musical pré-existente. Assim sendo, eles não atendem
por si só as necessidades de um iniciante ao instrumento, o que irá acarretar a
procura por um professor que auxilie nesse aprendizado, avalie os progressos e
corrija os equívocos. Dessa maneira teremos claramente um avanço no processo de
sistematização do ensino voltado ao pandeiro.
36

6 O PANDEIRO E O DESENVOLVIMENTO

Indubitavelmente a música, assim como outro elemento da cultura de um


país, é um dos principais elos de transformação e condução desse país para um
patamar mais elevado no qual possa desfrutar do respeito e do reconhecimento
mundial como sendo uma potência. Deve-se compreender, não somente, mas
inclusive, este elemento como um produto, e que, reconhecido como um potencial
disseminador da identidade nacional mundo afora, possa acarretar um processo de
consumo da nossa cultura assim como acontece com os produtos europeus e
americanos que são consumidos no Brasil há séculos. Não se trata de repetir o feito
das grandes potências que vem há tempos impondo sua maneira de vestir, falar,
comer e fazer música. Trata-se principalmente de uma valorização nacional do que é
produzido aqui e com as características essencialmente brasileiras no intuito de
disseminar esse produto nacional pelo mundo inteiro e conquistar através disso um
espaço que o Brasil nunca conseguiu por não entender de fato a importância desse
novo olhar sobre essa temática.
. Não que o fato do Brasil, mesmo com todo potencial que tem, não ter
conseguido ainda se firmar como uma grande potência se deva somente à questão
do reconhecimento nacional da sua própria cultura, mas se pode deduzir que esse
elemento, associado aos outros aspectos já conhecidos que são necessários ao
desenvolvimento, é de capital importância para que esse processo aconteça. Não há
como conceber o desenvolvimento de uma nação sem contemplar os diversos
aspectos do que é produzido nela. Sendo assim, não há como por à margem o
produto cultural de um país (que por sinal, é muito mais do que um simples produto
de exportação) quando o intuito desse país é se tornar uma potência mundial, como
é o caso do Brasil.
Quando compreendermos a importância de valorizar o que é nosso e feito por
nós, teremos um importante avanço do processo da afirmação do Brasil como um
país realmente importante na visão dos outros países do Planeta. Isso, claro, sem
sobrepujar-se frente à importância que teve os outros grandes países no processo
de formação inclusive da nossa cultura, já que esta não é um elemento estático e já
concebido, pois está em franco processo de transformação e agregação de novos
valores.
37

Quando se trata da conquista de reconhecimento mundial por parte de uma


nação através da disseminação da cultura dessa, não se fala apenas da venda de
um produto como o petróleo, por exemplo. Através da conquista cultural de um país
sobre outros se vai muito além. Pode-se mudar a maneira de pensar, de se
comportar, de se vestir, do que ouvir e de falar de toda uma sociedade e, dessa
maneira, os produtos do país conquistador, à reboque, são muito mais facilmente
consumidos pela população.
Os Estados Unidos conseguiram isso reconhecendo no cinema um potencial
veículo propagandista do modo de vida americano como sendo o ideal a ser adotado
por todos em todo o globo. E foi com esse novo olhar, sobre o que até então era
uma mera manifestação artística, que eles construíram o imenso império das
grandes produções cinematográficas, o que ajudou a alavancar parte da economia
norte-americana, e foi com o pretexto de estar fomentando a produção
cinematográfica que, aos poucos, conseguiram difundir pelo mundo todo a idéia do
consumo voraz de seus produtos, firmando cada vez mais os Estados Unidos como
grande potência mundial.
Essa indústria cinematográfica construída não passava de um plano, fruto de
uma magnânima descoberta americana de que através do cinema eles poderiam
fazer em longa escala enormes propagandas (de aproximadamente uma hora e
meia de execução) nas quais eles poderiam veicular um sem número de modelos de
vida a serem seguidos. Toda essa comunicação que foi estabelecida entre a
sociedade e o cinema foi se expandindo de tal maneira que em pouco tempo não se
fazia outra coisa que não fosse uma mera imitação “Hollywoodiana”. Através do
cinema se difundiu o uso de muitos produtos americanos como o McDonald's, a
Coca-cola, a Pepsi, entre outros e dentre eles a música americana também. O Rock,
como gênero musical essencialmente americano e cuja guitarra, como principal
instrumento, passou a ser o símbolo, foi e ainda é maciçamente consumido pelos
jovens de todo o mundo até os dias atuais. Hoje em dia o rock é o gênero musical
mais popular do mundo e em qualquer lugar pode-se ver jovens com suas guitarras
elétricas propagando a musicalidade americana (às vezes pura e em outras
carregada de influências dos seus países) aos quatro ventos.
A própria guitarra elétrica hoje em dia é um dos instrumentos mais populares
do mundo. Esse instrumento musical é estudado no mundo inteiro e está muito bem
colocado dentro das academias de música de vários países. Não obstante, ainda é
38

ensinado dentro dos padrões americanos de ensino da guitarra. Ou seja, os


métodos utilizados para desenvolvimento técnico e estudo de harmonia como
suporte para o acompanhamento e para a improvisação seguem, na maioria das
vezes, o modelo proposto pelas maiores academias de música americanas como a
Juilliard School e a Berklee por exemplo. Tudo isso vem revelar que a influência
cultural dos Estados Unidos sobre os outros países ocorre em vários segmentos, e é
importante ressaltar que isso não é negativo, tendo em vista que seu objetivo de
tornar-se uma potência mundial se cumpriu. Passa a ser negativo, sobretudo quando
o ponto de vista é do país que recebe essa cultura sem questionar de maneira
alguma. No caso específico do Brasil, por exemplo, não há nada de errado no fato
de ter incorporado os elementos oriundos de outras culturas, mas sim o fato de ter
esquecido de enaltecer e explorar o potencial de cada um dos símbolos que são
referências incontestes desse país.
Muitos são os símbolos do Brasil. O futebol, a caipirinha, o samba, as
mulatas, o carnaval, entre outros. O que o faz diferente de outros países é que
aqueles fizeram dos seus símbolos produtos de consumo, exportação e
disseminação de sua cultura; já os símbolos da nossa cultura só são lembrados e
mencionados pelos outros países, porém quase nunca consumidos, com exceção do
futebol que provavelmente foi o único símbolo da nossa cultura entendido de fato
como um potencial produto de exportação e tratado como coisa séria. É importante
lembrar que não inventamos o futebol, mas o assimilamos como produto de
exportação da Inglaterra, maior potência mundial do século XIX e início do século
XX. É uma questão que pode ser pensada em torno do pandeiro. Caso não haja um
ensino sistemático formalizado do instrumento no Brasil, ele poderá ser apropriado
de maneira muito mais eficiente por países com altos níveis de ensino formal
voltados à música como os Estados Unidos e transformar-se num instrumento norte-
americano por excelência, da mesma forma com que o futebol não é visto pelo
mundo como sendo britânico, mas brasileiro. Portanto, podemos perder o pandeiro
como símbolo nacional.
Se ampliássemos esse panorama poderíamos encontrar também na música
símbolos bastante emblemáticos dessa brasilidade. Os ritmos brasileiros delimitam
bem essa originalidade contida na nossa musicalidade e são o fio de corte que
diferem essa musicalidade de tudo o que é produzido em termos de música nos
outros países. Em princípio são as diversas variações do samba que são
39

exatamente a referência sonora do Brasil em qualquer lugar do mundo. Esses ritmos


são o produto do encontro de muitas influências nesse território que foi palco para
tanta miscigenação e agregação de símbolos. O que hoje é conhecido como a
música essencialmente brasileira é alguma coisa quase impossível de mensurar,
haja visto que um país com dimensões continentais e repleto de várias influências
detêm uma riqueza tão grande que poderia ser subestimada caso engessássemos
toda essa musicalidade na fôrma do samba ou de qualquer outro ritmo, mesmo
contemplando, como já mencionado, todas as suas vertentes. Não obstante não se
pode negar que esse gênero da música brasileira é de fato o mais popular no mundo
inteiro. A própria Bossa Nova, que é fruto do encontro do jazz com o samba, tomou
conta do mundo e certamente é uma das grandes referências que se tem de música
brasileira internacionalmente.
Sendo assim, tendo o samba como sua principal referência, a musicalidade
brasileira também pode ser denotada principalmente pelo seu caráter percussivo. De
maneira que quando se pensa em samba lembra-se automaticamente do pandeiro
ou do tamborim, por exemplo. Até mesmo o ritmo tocado no violão de
acompanhamento no samba tem como base os padrões rítmicos da percussão. O
fato é que a música brasileira é percussiva por excelência. Logo, os instrumentos de
percussão, que são o produto de uma herança ibérica, africana e indígena, podem
ser considerados símbolos da musicalidade essencialmente brasileira e que
necessitam ser considerados como elementos importantes para a consolidação de
uma identidade brasileira a ser reconhecida mundialmente. Portanto, esse aspecto
sendo encarado dessa forma pode acarretar no Brasil o mesmo processo que
ocorreu em função do rock‟n roll e da guitarra elétrica nos Estados Unidos. O Brasil
então terá mundo afora um símbolo fortalecido pela aceitação e reconhecimento
local primeiramente, estando assim pronto para “conquistar o mundo”.
Nos dias atuais se falarmos de samba nos Estados Unidos ou Europa, isso
provavelmente incitará uma referência das mais conhecidas: a escola de samba dos
difundidos carnavais do Rio de Janeiro e São Paulo. Em segunda instância,
certamente o pandeiro será lembrado. Certo, isso indica que esses símbolos já
estão de alguma maneira no inconsciente das pessoas fora do nosso país, mas não
é o suficiente. Realmente satisfatório e condizente com o propósito do Brasil se
desenvolver mundialmente será quando a população de lá estudar o samba e se os
seus percussionistas estudarem na academia como tocar o padeiro ou qualquer
40

outro instrumento de percussão brasileiro, assim como acontece nas academias


brasileiras nas quais se aprende guitarra elétrica, piano, violino, e outros
instrumentos que não são inerentes à musicalidade brasileira. Mas certamente isso
não acontece ainda nesses países mais desenvolvidos que exportam sua cultura e
nos empurram “goela abaixo” sua musicalidade que muitas vezes não têm relação
alguma com a realidade na qual nos vemos imersos. Mas ocorrerá num futuro
próximo, pois a exportação do pandeiro pelo mundo em países com alto grau de
ensino formalizado, levará a formação de excelentes pandeiristas (com o tempo,
possivelmente, até melhores do que os existentes no Brasil). É um processo natural,
condizente com as inter-relações culturais.
O nosso país, no entanto, deve atentar tão logo seja possível para essa
questão da verdadeira valorização dos símbolos da nossa cultura, e para os mais
pragmáticos, vale lembrar que isso implica em muita riqueza econômica, para que
esse intento não caia na mesmice dos discursos românticos sobre a valorização da
cultura. Não se trata daquele assunto de “a arte pela arte” pois isso não bastaria
para convencer todos a terem uma drástica mudança de atitude. Sim, é necessário
citar as benéficas atribuições que o Brasil terá caso revisite com outro olhar a
questão dos nossos patrimônios simbólicos até mesmo para conduzir com maior
discernimento as futuras assimilações que possam vir de outras culturas. Certa vez
o escritor Mário de Andrade afirmou: “Todo artista brasileiro que no momento atual
fizer arte brasileira é um ser eficiente com valor humano. O que fizer arte
internacional ou estrangeira, se não for gênio, é um inútil, um nulo. E é uma
reverendíssima besta” (ANDRADE, 1972, p.33). Nessa afirmação taxativa Mário de
Andrade tenta trazer à tona um pensamento nacionalista. Uma nova forma de
compor música brasileira, sem se ver tão apegado à padrões estéticos advindos da
Europa, e sim imbuídos de uma brasilidade, a qual, segundo ele, devia ser bebida
diretamente na fonte, no cerne desses movimento populares que deveriam servir de
inspiração para os compositores brasileiros da época.
Muito se aplica à realidade atual de não reconhecimento que ainda enfrentam
as nossas manifestações populares e nossos símbolos. Ora, certamente em algum
momento será perceptível que não se vai longe repetindo ou imitando modelos
trazidos de fora. Não que devamos fechar as portas e os olhos para o que eles nos
oferecem, mas devemos ter a consciência de que se recebemos deles, devem
também receber de nós e que para isso devemos estar preparados para oferecer.
41

Se nos Estados Unidos as academias de música preparam ótimos


guitarristas de jazz e blues e na Europa formam excelentes concertistas para as
orquestras deles e do restante do mundo, porque que as academias brasileiras não
preparam seus estudantes para tocar música brasileira? Quantos conservatórios
brasileiros e academias de música ensinam aos seus alunos o coco, o frevo ou o
samba? Quantos cursos de percussão popular existem nas universidades
brasileiras? Ou quantos cursos de viola caipira? Certamente existem, mas o número
ainda é tão inexpressivo que esses instrumentos ainda continuam subestimados
pela maior parte da população. Os agentes da sociedade civil e política ainda não se
deram conta de que é através das atitudes inovadoras que se consegue alçar vôos
maiores. Só quando perceberem que indo ao encontro das nossas manifestações
mais intrínsecas é que conseguiremos de fato consolidar uma estética que,
fortalecida, poderá tomar conta de todo o Planeta, é que conseguiremos furar a
barreira da colonização cultural e atingir a emancipação que muitos, insipientes
dessa realidade, nem sequer almejam.
Não se pode aceitar que um aluno de música aqui no Brasil, estudante de um
instrumento qualquer conclua seu curso sabendo tocar peças de Bach e Beethoven,
mas sem saber nada sobre suas origens, sem saber tocar qualquer música do
repertório popular do seu país. E isso é o mínimo: a questão vai mais além. Muitos
dos alunos terminam seus cursos sem entender de que maneira se manifesta a
música no âmbito popular e simplesmente não sabem se comportar ante isso e o
pior, preferem ignorar esse fato.
No caso da percussão popular pode-se dizer, inclusive que, caso essa
ganhasse um novo patamar dentro da sociedade, o Brasil poderia atingir
imensuráveis conquistas. A percussão popular, mesmo estando à margem em
muitos casos e sendo subestimada como é ainda consegue ser um dos símbolos da
nossa cultura. Então podemos deduzir o que acontecerá se ela for colocada em uma
posição de destaque. Se todos esses projetos de ensino de música que existem
Brasil afora contemplarem em cada um deles o ensino da percussão popular assim
como fazem com os instrumentos de cordas, madeiras e metais, poder-se-á
fomentar cada vez mais esses instrumentos e elevá-los, em pouco tempo, a uma
condição de respeito formal. Claro que existem muitos projetos de percussão, mas
poucos são os que pretendem ensinar técnicas e iniciar um estudo aprofundado.
Muitos deles são realizados com a utilização de instrumentos alternativos (produtos
42

reutilizáveis que se tornam instrumentos de percussão). Não desmerecendo esses


trabalhos, mas por uma questão óbvia, não se tem como aprofundar muito sobre a
técnica de um instrumento sem ser no próprio: seria como estudar pandeiro numa
panela. Num primeiro momento ela serviria para se ter noção de movimentação das
mãos, mas continuando o estudo, ficaria difícil aprimorar a técnica do pandeiro sem
conseguir o contato direto com a pele e sem perceber as variações de seus diversos
timbres. Sem contar que muitas vezes, esses projetos são sugeridos com o único
objetivo de “acalmar as crianças”, já que se trata de “instrumentos de bater”, eles
sempre são vistos como um saco de pancadas, onde uma criança cheia de energia
chega e lá se desgasta quase ao esgotamento.
Esses projetos, na maioria dos casos sociais, de percussão de rua, mesmo
utilizando instrumentos convencionais, não têm como objetivo formar um músico
com técnicas aprimoradas. O intuito é de formar pessoas aptas a tocarem cada qual
no seu instrumento dentro daquela formação. Uma coisa bastante interessante e
válida é que, geralmente esses grupos de percussão de rua procuram beber na
fonte do regionalismo e pesquisam bastante os ritmos nativos de sua região e pouco
se utilizam da musicalidade estrangeira. Porém, ainda assim, eles não devem ser
inseridos no contexto formal do ensino de percussão, pois o aprendizado se dá
muito por imitação e infelizmente esse aprendizado informal não tem o mesmo
impacto que se fosse realizado numa instituição de ensino.
Justamente por esse motivo se faz necessário que ande depressa esse
processo de colocação da percussão popular, bem como de outros instrumentos
brasileiros populares, num contexto mais formalizado de ensino. Esse
acontecimento causaria um impacto imenso e aumentaria bastante a aceitação da
percussão e o reconhecimento da mesma como símbolo cultural brasileiro, e assim,
o modo dela ser vista pelas pessoas que, em geral, a acham menos digna que um
piano, um violino, ou violão, por exemplo. Inserido de forma expressiva num
contexto acadêmico certamente as pessoas mudariam essa idéia que para tocar
percussão basta saber “bater dentro do ritmo”.
Restringindo o assunto ao pandeiro, sendo ele o maior símbolo dentre os
instrumentos de percussão popular e tendo em vista que de todos os outros
instrumentos ele já é o mais aceito na sociedade, pode-se deduzir que se este fosse
inserido de uma vez por todas no meio mais formal de ensino, ele
provavelmente alavancaria a introdução de todos os outros instrumentos de
43

percussão consigo. Hoje em dia a procura de pessoas querendo estudar


pandeiro de uma maneira mais sistemática vem crescendo consideravelmente
e isso se comprova com o crescente número de publicações científicas de
métodos para pandeiro, vídeo aulas com pandeiristas de renome e alguns
conservatórios de música que vêm aderindo ao ensino do pandeiro devido à
demanda de interessados nesse instrumento. Boa parte desse processo de
crescimento do interesse em conhecer mais a fundo as técnicas desse
instrumento se deve a esse novo movimento de resgate ao chorinho no Brasil
que já ocorre há algumas décadas. Aproveitando esse novo momento poder-
se-ia inseri-lo de uma vez por todas no meio acadêmico. Não que as
universidades tivessem que abrir um novo curso destinado ao pandeiro, nem
teria muito sentido isso, mas colocá-lo no programa do curso de percussão já
seria um avanço imenso que poderia vir a acarretar a possibilidade de se abrir
um curso de percussão popular posteriormente dentro das instituições que já
não o tenham, como é o caso da Universidade Estadual de Campinas (SP) -
UNICAMP.
Não devemos, entretanto, querer ver essa situação como um fim. Na
verdade, a inserção do pandeiro bem como dos outros instrumentos
populares no ambiente acadêmico serviria para, entre outras coisas, fortalecer
este ícone da musicalidade brasileira, que, aqui no Brasil, sempre caminhou
na dualidade de ser amado por uns e ignorado por outros.
Fortalecer o pandeiro, e com ele a musicalidade brasileira dentro do
nosso país, possibilitará que ele chegue com muito mais força nos países ao
redor ajudando a difundir cada vez mais a nossa cultura e, unido a outros
elementos, um processo semelhante ao que quando nós aceitamos ser
pacificamente “colonizados” pelas potências norte-americanas e européia e
aderimos sem pestanejar a um modo de vida consumista que só favorecia a
venda de seus produtos como se fossem os melhores ou os únicos.
Não se trata, como já foi dito, de realizar o mesmo feito dos outros
países em relação ao Brasil. Trata-se de uma troca, de uma concessão, de
também podermos permear com nossa cultura pelos territórios dos outros
44

assim como fazem no nosso. Pode-se dizer que é uma permuta que vise o
benefício geral e não apenas as vantagens de um país sobre o outro. É como
compôs Gordurinha na canção Chiclete com Banana imortalizada por Jackson
do Pandeiro:

Eu só ponho bip-bop no meu samba quando Tio Sam pegar o tamborim.


Quando ele pegar no pandeiro e no zabumba. Quando ele aprender que o
samba não é rumba. Aí eu vou misturar Miami com Copacabana. Chicletes
eu misturo com banana […]. Mas em compensação eu quero ver um
boogie-woogie de pandeiro e violão. Eu quero ver o Tio Sam de frigideira
numa batucada brasileira (PANDEIRO, 2010).
45

7 FUNDAMENTAÇÕES PARA A FORMALIZAÇÃO DO ENSINO DO PANDEIRO:


O QUE FALTA PARA O BRASIL SISTEMATIZAR O SEU ENSINO?

Já foi dito no capítulo anterior da importância do Brasil reencontrar-se com


sua identidade musical como foi sugerido por Mário de Andrade quando o mesmo
veio implementar um pensamento nacionalista para os novos compositores que
surgiam na época. Esse pensamento pode ser analisado mais genericamente e dele
retirarmos apenas a essência do que era esse pensamento nacionalista. É bom
deixar claro que não se trata de um bairrismo apaixonado e nem de uma execração
ao conteúdo cultural que possamos adquirir de outros países. Fato é que, não há
como criar uma identidade musical brasileira sólida e admirável partindo de
elementos que não dialogam com nosso cotidiano nem com nossas origens. Se a
intenção é, de fato, expor mundo afora trabalhos carregados de autenticidade e
autonomia estética não será mais possível beber em outra fonte que não seja a
nossa.
O Brasil exporta profissionais de todos os seguimentos, e no contexto musical
pode-se dizer que é um país riquíssimo em profissionais capacitados. Se eles são
assim reconhecidos mundo afora, certamente não é por terem tocado jazz nos EUA,
fado em Portugal, tango na Argentina ou flamenco na Espanha. Certamente esses
músicos conseguiram atinar para o fato de que apresentando ao mundo a
musicalidade brasileira é que eles atingiriam seus objetivos. E não há como negar.
Não dá para continuar repetindo o que já há por aí e, o pior, acreditar que isso levará
o Brasil a uma condição melhor do que a que presenciamos. Sim, de fato a cultura
tem o potencial de modificar a visão que os outros têm do nosso país e se não
fizermos nada com esse potencial ou alguma coisa para mudarmos essa situação,
seremos cada vez mais engolidos até o momento em que não se terá mais uma
identidade musical.
Essa identidade é fruto de um sincretismo cultural, que por sinal é denotado
por vários outros aspectos, e que permitiu construir uma original sonoridade, que
hoje em dia é admirada por muitos, e ainda mais poderia ser se toda a população
em junção com o poder público e a iniciativa privada comungassem da mesma
visão. Isso de longe seria a mais importante estratégia para um crescimento
inclusive econômico para o país. Mas ao contrário, percebe-se que há uma
46

supervalorização do estrangeiro. É como se tudo que é de fora fosse melhor do que


o que temos. E é fato, por uma série de fatores, que esses países se desenvolveram
imensamente em vários contextos, na música e nas artes como um todo (também na
indústria, na ciência), e certamente um importante motivo que acarretou todo esse
desenvolvimento, se deve ao fato de ter havido um simples olhar mais inteligente e à
frente do tempo, quando perceberam que os elementos inerentes às suas culturas
eram de fato valorosos, e assim sendo, o exploraram em todas as suas
possibilidades e acreditando de tal maneira nessa idéia, fizeram o mundo inteiro
acreditar. De fato, é com esse propósito que devemos trabalhar nossos patrimônios
simbólicos. Devemos pretender com eles atingir a meta de um dia sermos potência
mundial de fato, e para isso faltam ainda muitos passos.
Vivenciar outras linguagens e outros fazeres musicais, sobretudo conhecer
mais profundamente, ampliar o leque de possibilidades musicais e agregar a uma
maneira já própria outros elementos que podem ser adquiridos no contato com
outras culturas é de suma importância para quem pretende se profissionalizar
musicalmente, no entanto, sem jamais deixar de pronunciar-se brasileiro através da
sua música, isso claro, para o que pretende não ser mais um na multidão. Os
tempos atuais são de busca de originalidade e não de mera repetição do que já foi,
por outros feito em outros lugares do mundo, desprovidos de certa tropicalidade.
No Brasil, a música apresenta-se pronunciadamente percussiva, e é através
da percussão que esse país projeta para o mundo sua musicalidade. Seja através
do pandeiro ou do berimbau, que provavelmente são os elementos percussivos
“abrasileirados” mais difundidos e lembrados mundialmente, é em geral a percussão
o elo que estreita a relação musical do Brasil com o mundo todo (claro que essa
afirmação refere-se a maior parte da população estrangeira e não aos músicos
estrangeiros que, por conhecerem melhor as características musicais específicas de
alguns países, poderiam mencionar outro elemento que não os supracitados). Sendo
assim, não seria impróprio concluir que para evidenciar cada vez mais a música
brasileira pelo mundo, é de suma importância que a percussão seja encarada como
um elemento decisivo na construção de um respeito mundial mais consolidado
acerca da música brasileira. Não que a música brasileira não seja respeitada
mundialmente, ao contrário, aos olhos do mundo somos vistos com muito respeito,
entretanto ainda continuamos estudando nas nossas academias e conservatórios a
música européia e americana. Um exemplo disso no contexto percussivo é o estudo
47

de repertório de marimba, tímpano, caixa clara, etc. Mas eles, alvo algumas
exceções, continuam tão somente apreciando nossa música, por vezes tocando,
mas jamais passando anos de suas vidas dedicando-se a estudar o samba ou o
baião, por exemplo, enquanto que nós, muitas vezes nem temos tempo de conhecer
elementos da nossa musicalidade ocupados em compreender cada vez melhor a
deles.
Essa visão mais apurada sobre questões como essas é o que falta ao poder
público para que atinem para a importância de fomentar iniciativas sérias de ensino
de percussão popular. Ao falar em ensino voltado ao pandeiro brasileiro é bom
deixar claro que se trata de um ensino formal, tal e qual o que se tem voltado para o
violino, ou piano e à própria percussão erudita. A sistematização do ensino voltado à
percussão popular é o que irá tirá-la do contexto em que se encontra. Na verdade,
hoje em dia quando se fala em aula de percussão popular, na maioria dos casos,
ainda se pensa em batucada, em grupos de projetos sociais. Essa visão é muito
deturpada, porém a mais difundida Brasil afora. Pensa-se que o professor de
percussão é um recreador ou um animador que tem por finalidade alegrar as
crianças e fazer com que elas desgastem suas energias “batendo tambor”. Essa
idéia é tão difundida que já é quase um pressuposto quando o assunto é percussão
popular. A imensa maioria dos projetos de ensino de percussão popular realizados
no Brasil tem esse caráter de grupos de percussão, onde todos tocam ao mesmo
tempo sem que haja um estudo aprofundado de técnicas no instrumento. Não que
esse formato seja negativo. Não o é. É apenas uma outra vertente, mas que não
deve ser confundida com ensino formal de percussão popular. A maioria dos
anúncios de escolas que procuram um professor para percussão não explicam bem
que eles querem, na verdade, um organizador de um grupo de percussão, e que na
maioria das vezes nem instrumentos convencionais esse professor irá ter a seu
dispor. Não que o fato de trabalhar com instrumentos alternativos não seja um
processo interessante de formação percussiva, mas essa atividade, pelos motivos
citados, não deve se configurar como um processo de ensino formal. Até por que
nesse processo de aprendizagem, como antes dito, não há o intuito de formar um
percussionista, mas sim um executor de um instrumento específico. Muitas vezes,
inclusive, sem uma técnica bem definida, pois como normalmente a formação é
dada através de naipes de instrumentos, existe sempre aquele que se apóia no
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visinho e muitas vezes nem se dá conta disso ou mesmo de que está tocando
errado, como explica Lucas Ciavatta a respeito da autonomia do aluno:

Tenho dito (e me espantado cada vez mais com a realidade desta


afirmativa) que é possível passar a vida inteira num grupo de percussão e
não ter referências rítmicas precisas; que é possível cantar a vida inteira
num coral e desafinar com incrível freqüência. [...] Depender inteiramente do
outro (o que não deve ser confundido com „contar com o outro‟) é o que
fazem aqueles que tocam ou cantam sempre um pouquinho depois
daqueles que sabem a hora e a nota certas, e por isso podem dar a
impressão (inclusive a si mesmos) de que não erram o ritmo ou a afinação
(CIAVATTA, 2009, p. 15).

A formalização do ensino da percussão passa pela aceitação da mesma


como um instrumento igual a todos os outros, e como tal, requer estudo, dedicação,
concentração e esmero técnico para que possa ser executado. Não que os grupos
de percussão de rua devam ser extintos, de forma alguma, mas devem andar em
paralelo com o aspecto formal do ensino percussivo. Somente essa formalização
trará a percussão brasileira para um patamar, na qual reconhecida, ela possa
representar o país ainda mais fortemente pelo mundo todo.
Essa formalização, restringindo ao âmbito do pandeiro, será também um
avanço muito significativo, visto que, no segmento de ensino da percussão popular
mais difundido hoje em dia, que é o dos grupos de percussão de rua, ele não é (na
maioria das vezes) contemplado; será uma maneira de assegurar a inserção do
pandeiro no contexto do ensino/aprendizagem. Com a implementação do pandeiro
no ensino formalizado, ter-se-á a possibilidade de elevá-lo a um patamar, o qual,
mesmo com a popularidade que há em torno desse instrumento hoje em dia, será
inalcançável caso esse fato não ocorra. A mídia revela a cada dia esse instrumento
como símbolo de brasilidade (principalmente inserida no contexto do samba),
entretanto, como as referências trazidas à reboque pelo samba fora do país, tendem
a ser carnavalizadas, o pandeiro provavelmente, na maioria dos casos poderá ser
confundido com a mesma simbologia da mulata brasileira e da caipirinha. Aquela
conhecida cena do malandro agachado, tocando e rodando o pandeiro na ponta dos
dedos enquanto a mulata samba, provocam certamente um olhar desmerecedor aos
olhos insipientes dos que não conhecem a importância desse instrumento na
formação da identidade musical brasileira de norte a sul do país. Portanto, é de
suma importância que essa visão seja refutada através de acontecimentos sólidos
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ocorridos aqui mesmo no Brasil. O próprio povo brasileiro pode reconhecer, como
elemento de auto-estima nacional o pandeiro como um símbolo, e para isso, assim
como os Estados Unidos fizeram em relação à bateria, o Brasil deve fazer enxergar
e valorizar o potencial do pandeiro, e como processo natural, formalizar o seu
ensino.
50

8 CONCLUSÃO

O caminho percorrido pelo pandeiro até chegar ao Brasil, trouxe a esse


elemento ícone, embaixador da musicalidade brasileira, sobretudo, uma carga de
representações que podem ser atribuídas a várias culturas por todo o mundo.
Porém, foi no Brasil que esse instrumento adquiriu o status de representante de uma
vasta e miscigenada identidade musical, tão grande é sua relevância para a
afirmação e consolidação de uma cultura que já é tão apreciada mundialmente.
Sabe-se que o Brasil e o mundo dialogam culturalmente especialmente
através da música brasileira, e não somente pelo fato da música ser, de todas as
manifestações artísticas, a mais fluida e que mais facilmente permeia por todos os
setores da sociedade, mas muito também se deve à importância que tiveram os
grandes movimentos musicais como a Bossa Nova que, literalmente, quebrou
barreiras anteriormente existentes para com a música brasileira em outros países. E
por detrás desses movimentos, os grandes músicos e compositores que
fortaleceram a cena musical do nosso país e a levaram ao conhecimento do mundo
todo.
No entanto, todo esse reconhecimento adquirido e toda essa abrangência
territorial alcançada por esses movimentos não fez o pensamento político sobre
esse setor se diferenciar e posicionar-se coerentemente com todo o processo de
expansão da música brasileira que ocorria pelo mundo, e assim continua sendo até
hoje. O Brasil, com uma atitude nada protecionista, se abre completamente para
receber elementos externos a nossa cultura, sem antes se lembrar de „organizar a
sua casa‟.
A educação brasileira, até bem pouco tempo, não contemplava seriamente a
música em seu ensino, talvez por não a considerar importante na formação de
indivíduos inteligentes e, portanto decisiva no processo de ascensão social e
econômica do país. Hoje em dia, com a obrigatoriedade da música na escola já
podemos observar um passo importante. Porém, nesse sentido ainda há muito para
ser feito. À medida que o tempo passa é importante que se perceba de que maneira
está sendo implementada a educação musical nas escolas. Não se deve, sobretudo,
querer que um aluno, muitas vezes com pouca predisposição para estudar música,
se interesse em estudar os compositores de música de concerto europeus, sem nem
ao menos serem sensibilizados e levados a conhecerem e se interessarem pela
51

música desenvolvida aqui no Brasil. Sobretudo, não se deve sobrepor em hipótese


alguma a música estrangeira em detrimento da nossa.
Sobre esse ponto, especialmente direcionado a questão educacional, a
presente monografia trata da importância de enaltecer a identidade musical
brasileira como um fator decisivo ao crescimento da nação, tendo por base o
pandeiro, que por ser um instrumento já internacionalmente difundido, deve ser
inserido de uma vez por todas no sistema formal de ensino.
Sabemos a importância que a percussão tem para a identificação da música
brasileira fora do país, e que o pandeiro, sobretudo, tem dentro da percussão
brasileira. Chega-se então à conclusão de que a inserção definitiva do pandeiro no
sistema formalizado de ensino (seja nas escolas, nos conservatórios ou nas
academias), é o que acarretará o reconhecimento do quanto é importante o
elemento percussivo para a consolidação da sonoridade tipicamente brasileira. E à
reboque trará a inserção dos demais instrumentos de percussão para o âmbito
formal do ensino. Esse movimento fortalecerá de tal forma nossa identidade cultural
que, aí sim, poderemos dizer do Brasil um país que almeja e trabalha em prol de
uma liberdade cultural e do seu desenvolvimento enquanto nação. Não se pode ao
certo mensurar a quantidade de atribuições positivas que esse movimento
acarretará, mas pode-se afirmar com plenitude de certeza que é esse o divisor de
águas que levará o nosso país a um patamar sempre desejado de expansão da sua
musicalidade e é exatamente o pandeiro, a chave que abrirá as portas da aceitação
do mundo musical em relação ao Brasil.
Mas para que se chegue a esse objetivo, a maneira mais eficiente é
exatamente a inserção definitiva da percussão popular, começando pelo
Pandeiro Brasileiro, no sistema formal de ensino.
52

REFERÊNCIAS

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elementos musicais. Brasília: Musimed, 1987.

ALMEIDA, Renato. História da música brasileira. Rio de janeiro: F. Briguiet, 1958.

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1972.

ANUNCIAÇÃO, Luiz Almeida da. A percussão dos ritmos brasileiras.. Europa:


EBM/,1989. (Caderno 2: O Pandeiro Estilo Brasileiro).

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