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CENTRO UNIVERSIT́RIO ADVENTISTA DE S̃O PAULO

CAMPUS ENGENHEIRO COELHO


CURSO DE LICENCIATURA EM MÚSICA

GABRIEL MAGALHÃES BEZERRA

BANDA EXPERIMENTAL:
Formação e Desenvolvimento de Repertório

ENGENHEIRO COELHO
2016
2

GABRIEL MAGALHÃES BEZERRA

BANDA EXPERIMENTAL:
Formação e Desenvolvimento de Repertório

Trabalho de Conclusão de Curso do Centro


Universitário Adventista de São Paulo do
curso de Música, sob orientação do prof. Ms.
Gerson Stencel Arrais.

ENGENHEIRO COELHO
2016
3

APROVAÇÃO

Trabalho de Conclusão de Curso do Centro Universitário Adventista de São Paulo,


do curso de Música apresentado e aprovado em 06 de novembro de 2016.

______________________________________________
Gerson Stencel Arrais

_____________________________________________
4

Dedicatória

Aos meus pais que sempre me incentivaram a minha jornada na música.


Desde o momento que iniciei os estudos em piano quando criança até o ingresso na
faculdade, sempre me apoiaram.
A todos os professores de música que me ensinaram o real significado da
música, que hoje serve de auxilio na minha jornada musical.
5

Agradecimentos

Agradeço a todos os professores faculdade que sempre estiveram dispostos


em ajudar em vários momentos.
Específico um agradecimento especial ao meu orientador e amigo Gerson
Arrais, que forneceu dicas importantes para a execução desse trabalho.
Aos colegas de classe, que compartilhavam seus conhecimentos e
experiências na música.
A toda minha família e amigos próximos que me apoiaram na minha jornada
musical.
E sou grato a Deus por ter me dado sabedoria e direcionamento nos meus
estudos e na minha vida.
6

Lista de tabelas

Tabela 1: Repertório para bandas até 1950 ............................................................ 20


Tabela 2: Instrumentos que compõe uma banda .................................................... 21
Tabela 3: Extensão dos instrumentos por níveis de dificuldade ............................. 33

Lista de figuras

Figura 1: Aclamação de Dom João VI, por J. Debret ................................................ 17


Figura 2: Banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro .................................... 19
Figura 3: Luiz G. e Humberto T., Asa Branca ........................................................... 34
Figura 4: Twila Paris, We Will Glorify ........................................................................ 35
Figura 5: Roberto Carlos, Como é Grande o Meu Amor por Você ........................... 35
Figura 6: Hans Zimmer, Honor Theme ..................................................................... 36
7

Lista De Exemplos Musicais

Exemplo 1 - Villa-Lobos, Choros nº 10, p. 01, compasso 3: representação do


pássaro Azulão da Mata........................................................................................ p. 23

Exemplo 2 - Sergei Prokofiev, Peter and the Wolf, Op.67, p. 04, compasso 23:
representação do pássaro pelas flautas .............................................................. p. 23

Exemplo 3 - Sergei Prokofiev, Peter and the Wolf, Op.6, p. 17, em 14: representação
do gato pelo clarinete ............................................................................................p. 24

Exemplo 4 - Sergei Prokofiev, Peter and the Wolf, Op.6, p. 18, em 18: representação
do avô pelo fagote ............................................................................................... p. 24

Exemplo 5 - Igor Stravinsky, The Rite of Spring, p. 12, em 13: uso percussivo das
trompas................................................................................................................ p. 26

Exemplo 6 - Carl Maria von Weber, Der Freischütz, Op.76, p. 66: trompas com
motivo percussivo ............................................................................................... p. 27
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Resumo

Este trabalho parte da seguinte problemática: a falta de repertório para bandas


iniciantes. Boa parte do repertório para bandas é composta por dobrados e marchas
militares, que requer um músico de nível intermediário no mínimo para executá-las,
e um músico de nível iniciante pouca terá domínio para executar essas peças. A
partir desse quadro, surgiu o interesse em desenvolver esse trabalho. Através de
pesquisa bibliográfica, apresento a história e o desenvolvimento das bandas no
Brasil e no exterior, e sua importância na sociedade. Em seguida trago informações
gerais dos instrumentos que compõem uma banda, como o timbre característico de
cada naipe e qual a sua função dentro da banda. Apresento um breve capítulo
abordando o cenário atual na produção de repertório para bandas, assim como a
realidade das bandas nos Estados Unidos e no Brasil. Baseado em manuais e
artigos sobre orquestração, apresento dicas que o orquestrador precisa ter ao
escrever para uma banda iniciante, detalhes como tonalidade da peça e a tessitura
de cada instrumento. Ao final proponho um repertório de música brasileira, sacra e
tema de filme, elaborado e arranjado por mim para bandas iniciantes. Este trabalho
tem como objetivo prover material para bandas iniciantes, auxiliando também no
desenvolvimento do músico.

Palavras-chave: Banda Jovem; Banda Sinfônica; Repertório; Educação Musical;


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Abstract

This work stems out of the following problem: a lack of repertoire brazilian music for
beginning bands. A good portion of the repertoire for bands is made up of military
marches and doubled rhythms, which requires an intermediate level musician at the
very least to be able to play them. A musician who is a beginner will have little
domain of his or her instrument to perform these pieces. The interest in developing
this work stemmed from this framework. Through literary research, I present the
history and development of bands in Brazil and abroad, as well as their importance to
society. Then, I bring general information about the instruments that make up a band,
such as each timbre and its place within the band. I present a brief chapter
addressing the current situation of bands in the United States and in Brazil. Based on
manuals and articles on orchestration, I present tips that the arranger must use in
order to write for a beginning band; details such as the key of a specific piece and the
range of each instrument. At the end, I propose a repertoire made up of Brazilian
music, sacred pieces and film themes that have been elaborated and arranged by
me specifically for beginning bands. The goal of this work is to provide materials for
beginning bands, thus helping in the development of the musician.

Keywords: Youth Band, Symphonic Band, Repertoire, Music Education


10

Sumário

1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 11
2 METODOLOGIA .................................................................................................. 12
3 DESENVOLVIMENTO ......................................................................................... 13
3.1 Breve Histórico das Bandas Militares e Civis ................................................... 13
3.2 Formação e Prática no Brasil ........................................................................... 15
3.3 Instrumentos que Constituem uma Banda ........................................................ 21
3.3.1 Madeiras ........................................................................................................ 22
3.3.2 Metais ............................................................................................................ 24
3.3.3 Percussão ...................................................................................................... 28
3.4 Obras para Bandas e Cenário atual ................................................................. 29
3.5 Níveis de Dificuldade ........................................................................................ 31
3.6 Arranjos ............................................................................................................ 34
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 37
5 REFERÊNCIAS ................................................................................................... 38
6 ANEXOS .............................................................................................................. 41
11

1 Introdução

O papel que as bandas desempenham na sociedade ́ de grande importância


para enriquecimento da cultura, como também incentivo ao ensino da música.
Almeida (2010) complementa o quão importante ́ o trabalho do ensino musical
coletivo:

No contexto coletivo, o ensino musical proporciona a interã̧o dos


estudantes desenvolvendo aspectos de cooperã̧o e socializã̧o,
aĺm de provocar baixa evas̃o. Os aspectos t́cnico-musicais
tamb́m s̃o potencializados no ensino grupal, pois esta metodologia
contribui, tamb́m, para o desenvolvimento da afinã̧o instrumental,
uma vez que a viv̂ncia de tocar em grupo favorece o aprimoramento
da percep̧̃o, visto que os alunos est̃o em contato sonoro uns com
os outros, fazendo com que a percep̧̃o musical auxilie no
desenvolvimento de uma melhor emiss̃o sonora (ALMEIDA, 2010,
p. 35).

Porém existe uma realidade no meio das bandas jovens: falta de repertório
para músicos iniciantes no repertório brasileiro. A maioria do repertório para bandas
é de origem americana, e o nível das peças requer um músico de nível intermediário
no mínimo para executar.
O interesse por esse tema surgiu quando um professor amigo apresentou
essa situação numa das nossas conversas, e que seria de notório valor desenvolver
um trabalho nessa área. Com isso, através de várias leituras sobre o assunto e
opiniões de professores da faculdade, determinei o seguinte trabalho: propor um
repertório para banda iniciante.
O objetivo desse trabalho é de prover músicas para bandas iniciantes, em que
seus componentes tenham o domínio de executar, além de contribuir para produção
de repertório de música brasileira.
12

2 Metodologia

Através de levantamento bibliográfico, trago nesse trabalho a história das


bandas em seu início e desenvolvimento no continente europeu e nos Estados
Unidos. Assim como o surgimento da mesma no Brasil desde a formação de
pequenas bandas nas fazendas na época do período colonial, até a vinda da corte
portuguesa ao Brasil, oficializando e estruturando as bandas de música da época.
Também é apresentado os instrumentos que compõe uma banda, não
entrando muito em detalhes de cada um, mas sim as características gerais de cada
naipe.
Ao final desse trabalho, apresento um repertório de música brasileira, sacra e
tema de filme, que atende desde o nível um de dificuldade até o nível quatro. Os
arranjos podem ser simples aos olhos de músicos profissionais, mas esse repertório
busca fornecer material a grupos iniciantes que não possuem nível para executar
peças que requer técnica e experiência.
13

3.1 Breve histórico das bandas militares e civis

Banda pode ser definida como um grupo de instrumentos de sopros e


acompanhada de percussão (ANDRADE, 1989: 44). Diferente das grandes
orquestras que possuí uma gama maior de instrumentos, na banda também há
grupos pequenos ou grandes.

A banda ́ som. Música. Melodia. ́ o ritmo cadenciado das marchas


e dobrados, ou o breque gostoso de sambas e maxixes, ou ainda o
embalo dolente das valsas. E que compassa o coração da gente
para segui-la pelas ruas, ou nos chama para praça. E ao som das
harmonias criadas por aqueles instrumentos às vezes um pouco
desafinados, manejados por mãos duras e calejadas, somos
transportados para um espaço mágico, onde as pessoas sorriem, se
integram, aplaudem e se emocionam. (GRANJA, 1984: 79-80).

Dentre elas existem bandas para fanfarra, marcial, de coreto, e outros. Todas
essas formações estiveram presentes no Brasil e ainda é uma prática musical usada
em várias regiões do país. Sua contribuição além de enriquecimento musical para a
nação, também serve a atividades de entretenimento no âmbito geral, além de
atividades religiosas e cívicas (COSTA, 2011; 242).
As bandas se apresentavam em festas promovidas pela família real e
imperial, desde casamentos e aniversários, e além de eventos do estado como
aclamações, celebrações cívicas-políticas.
O que levou a banda se desenvolver e obter sucesso no Brasil, é fruto das
bandas militares que obteve estrutura e grande apoio por parte da família real, que
ao vir para o Rio de Janeira em 1808, a prática de música em formato de um grupo
formado por sopros e percussão começou a ser vista como caráter simbólico
representando a nação, e de infraestrutura.
Antes de vermos a história das bandas no Brasil, é preciso olhar seu trajeto e
desenvolvimento no velho continente, a Europa.
Segundo Camus (1976), a banda militar tinha entre suas funções quatro: a)
desenvolver o espírito de corpo e o moral da tropa, b) auxiliar nas tarefas de campo,
c) prover com música cerimônias militares e d) prover com música atividades sociais
e recreativas.

Na Europa, a banda de sopros e percuss̃o ́ descendente dos


grupos ‘altos’ ou ‘fortes’ do peŕodo medieval e dos civic waiters, ou
Stadtpfeifer, que geralmente se apresentavam ao ar-livre e por isso
usavam instrumentos de metal muito sonoros e percuss̃o. As
14

bandas eram freq̈entemente ḿveis, tinham um apelo popular (elas


executavam formas mais ligeiras de música, freq̈entemente para
uma audîncia ño paga; desta maneira elas tamb́m serviram como
importante ferramenta de propaganda, ou ao menos ajudavam em
promover um fervor nacionalista ou patrítico), e eram
freq̈entemente associadas com tarefas civis e militares e, por isso,
uniformizadas. A orquestra, por outro lado, ́ descendente dos
instrumentos ‘baixos’ ou ‘suaves’ (cordas e instrumentos de sopro
mais suaves), que se apresentavam em ambientes fechados. Era
originalmente associada com a igreja ou ̀ nobreza e,
posteriormente, a concertos formais de música mais ‘séria’ ou
sofisticada para audîncias pagantes (POLK, [2001], p. inum.,
tradução Binder).1

A instrumentação moderna teve início na França por Jean Baptiste Lully


(1632-1687), no reinado de Luís XIV (1638-1715). Os instrumentos usados na corte
eram formados pela família dos oboés, substituindo as charamelas 2 e baixões do
modelo alemão. Essa formação ficou conhecida como por Alta-Kapelle, ou Alta
Musique. Sendo muito popular na Europa entre os séculos XIV a XVI. Naquele tempo
as bandas serviam exclusivamente aos reis, nobres e igrejas. Não era vista como
algo popular como existe hoje (BINDER, 2006: p. 15).
Com a popularização das bandas, os instrumentos foram aperfeiçoados tendo
a adaptação das válvulas nos metais, tornando-os mais fáceis de executar. E outro
ponto que contribui para essa popularização, foi a nova forma de produção em larga
escala desses instrumentos, deixando a indústria da manufatura rara.
Na Inglaterra, que vivia o aumento da população nas grandes cidades, surgiu
uma nova forma de comunidade e assim fazer música. Tendo um movimento
conhecido como brass band, típica formação inglesa da segunda metade do século
XIX, a população mais carente tinha agora acesso a música mais fácil que antes,
pois era visto como algo da elite.

1In Europe the wind and percussion band is descended from the ‘high’ or ‘loud’ groups of the medieval
period and from the civic waits or the Stadtpfeifer, who generally performed outdoors and therefore
used predominantly loud brass and percussion instruments. Bands were often mobile, had a
vernacular appeal (they usually performed lighter forms of music, often to a non- paying audience; as
such they have also served as useful propaganda tools, or at least assisted in promoting nationalistic
or patriotic fervour), and were often associated with specific military or civic duties and were thus
uniformed. The Orchestra, on the other hand, is descended from the medieval ‘low’ or ‘soft’
instruments (strings and softer wind instruments), and usually plays indoors. It was originally
associated with the church or the nobility, and later with formal concerts of more ‘serious’ and
sophisticated music for which audiences paid.
2 Choromela ou charamela ́ um termo de origem francesa – chalumeus que se designa a um

instrumento de sopro. “O termo „choromelleyro‟ ou „charamelleyro‟ abrangia ño ś os tocadores de


chararamela (instrumentos de palha dupla, de sons estridentes do qual descendem o obó e o
fagote), mas tamb́m de outros instrumentos de sopro” (KIEFER, 1977: 14-15).
15

Com isso, as bandas começaram a se espalhar pelo resto da Europa, com


vários grupos que acompanhavam regimentos militares para participarem ativamente
nos eventos promovidos. Com o movimento Nacionalista, houve a necessidade de
criação de hinos que promovessem o tal movimento, foi então que a banda ganhou
mais espaço, onde em determinadas cidades criou-se corporações que serviam a
eventos promovidos pela corte e a igreja. Consequência de todos esses movimentos,
prática das bandas deixou de ser vista apenas como entretenimento, mas como
parte da cultura de um povo (COSTA, 2011; 243)

3.2 Formação e prática de bandas no Brasil

Além das bandas terem presença nas grandes cidades, também ganharam
espaço em lugares distantes das cidades, as fazendas. As fazendas eram
localizadas distantes das cidades tendo uma grande quantidade de moradores que
acabavam não tendo contato constante com a cidade. Assim, os senhores da
fazenda acabam criando suas bandas como atividade para a comunidade que ali
vivia (TINHOR̃O, 1972).
A música era executada pelos próprios moradores das fazendas e até mesmo
escravos integravam o grupo. Eles eram responsáveis por animarem as festas que
contava com um repertório vasto e instrumentação simples. Trombetas, charamelas,
sacabuxas3 e marimbas4 eram a instrumentação comum da época.

Na verdade, possuir um grupo de músicos numa fazenda, além de


preencher o vazio de existência cultural, tendo em vista a distância
das cidades - onde as igrejas e, a partir do fim de 1700, as primeiras
casas de ópera, já atendiam, bem ou mal, a essa necessidade -
passou com o tempo a valer tamb́m por uma ruidosa demonstrã̧o
de poder pessoal (TINHOR̃O, 1972: 75).

O grupo de “banda de barbeiros” também trouxe sua contribuição para o


desenvolvimento das bandas no Brasil no século XIX. Eram chamados de barbeiros
e muitos eram filhos de escravos ou libertos, tendo nenhum incentivo financeiro para
produzirem música para a população. Em Memórias de um Sargento de Milícias,
Manuel Antônio de Almeida faz a seguinte descrição sobre os barbeiros:

3Instrumento de sopro de metal, precursor do trombone de vara (ANDRADE: 1989, 466).


4 Instrumento de percuss̃o de origem africana, com traves ou arcos de madeira sobre os quais s̃o
apoiados teclas de madeira e caba̧a (ANDRADE, 1989: 308).
16

Ño havia festa em que se passasse sem isso; era coisa reputada,
quase t̃o essencial como o serm̃o; o que valia, poŕm ́ que nada
havia mais fácil de arranjar-se; meia-dúzia de aprendizes ou oficiais
de barbeiros, ordinariamente negros, armados, este com um pistom
desafinado, aquele com uma trompa diabolicamente rouca formavam
uma orquestra desconcertada, poŕm, estrondosa, que fazia as
deĺcias dos que ño cabiam ou ño queriam estar dentro da igreja
(ALMEIDA, 1965; 88).

Eles tiveram papel fundamental no desenvolvimento da música popular para


os brancos e negros, tendo sido influenciadores do choro, samba e outros gêneros.
Somente em 1808 as bandas no Brasil tomaram um ar mais profissional
seguindo o modelo europeu, devido ao fato da corte real agora residir no Brasil. Com
a instalação da família real no Rio de Janeiro, houve mudanças significativas em
todos os aspectos da sociedade da época, desde a estrutura das cidades até o
comportamento da população (Cf. MONTEIRO, 2008).
De acordo com o relato do cronista Luís Gonçalves dos Santos, em 1818,
quando D. João foi aclamado rei com o título de D. João VI, durante sua cerimônia
houve um acompanhamento por uma banda dos regimentos da corte que
acompanhou o programa inteiro.

Atraídos aos quadros militares pela sua rara qualificação, músicos


civis vestiram a farda e passaram a fazer parte do corpo de tropa,
passando a comportarem- se como simples funcionários contratados,
aos quais recebiam pagamentos na base de soldo de oficial
(TINHOR̃O, 1998; 140).

Agora as bandas militares formadas a partir do século XIX, tomaram frente


das antigas bandas do interior, os músicos tocadores de charamelas, caixas e
trombetas do período colonial que funcionaram até a chegada da corte em 1808
(TINHOR̃O,1998: 139).
17

Figura 1: Aclamação de Dom João VI, por J. Debret.

Fonte: BINDER, 2006, p. 60

Binder diz:

[...] após a chegada da Corte, as bandas dos regimentos de linha


passaram a ser frequentemente solicitadas a comparecer as festas,
da família real. “Este processo acompanhava novas formas da cultura
aristocrática europeia, compartilhada pela oficialidade luso-brasileira
[...]” (BINDER, 2006: 125).

Segundo o autor, o aprimoramento das bandas ocorreu devido a necessidade


de atender as regalias e solenizar as festas da família real.
Em 1831 é criado a Guarda Nacional5, e então é organizados concertos para
os públicos com bandas devidamente uniformizadas com repertório variadas desde
marchas, hinos, canções populares e música erudita. Com isso, os concertos
promovidos pelos regimentos se tornaram uma atividade de entretenimento ao
público, “suas apresentações eram uma das poucas oportunidades da população
ouvir música instrumental de qualquer estilo. Aos poucos, o público começou a
mesclar tais ĝneros com os dobrados e as marchas, mais ao seu grado” (DINIZ,
2007: 55).
O trabalho de músico profissional agora começa a ser visto com outros olhos
pelos próprios músicos da época. Agora eles encontram a oportunidade de poderem

5 A Guarda Nacional foi uma força paramilitar organizada por lei no Brasil durante o período
regencial, em agosto de 1831, para servir de "sentinela da constituição jurada", e desmobilizada em
setembro de 1922.
18

fazer música e terem rendimento financeiro ao participarem de festas, levando o


surgimento de bandas civis.
De acordo com Vicente Salles, é visto a contribuição das bandas militares
para a formação das bandas civis na seguinte passagem:

O grande impulso dado ̀ formã̧o das bandas militares no Brasil


comȩou como vimos, com a transmigrã̧o da Corte portuguesa
para o Rio de Janeiro. Em Portugal, a banda de música comȩou a se
modernizar somente em 1814, quando soldados regressaram da
Guerra Peninsular, trazendo brilhantes bandas de música, onde
predominavam executantes contratados, especialmente espanh́is e
alem̃es. A banda de música militar claramente apreciada em bases
orĝnicas na metŕpole, em 1814 fornecia o modelo para a formã̧o
das bandas civis (SALLES, 1985: 20).

A partir daí, houve um salto no número de bandas civis nos centros urbanos,
assim como as bandas militares. Com a guerra do Paraguai (1864-1870), soldados
voltaram com espírito militar mais pulsante trazendo esse teor para dentro das
bandas civis. Foi observado que as bandas civis as vezes eram tão parecidas com
as bandas militares devido ao fato dos músicos civis marcharem idênticos aos civis.
O repertório também foi outro item de troca entre esses dois grupos, onde a música
popular teve a sua vez. (CARVALHO, 2009: 40).
Na primeira metade do século XIX, as bandas tiveram papel mais ativo no
povo deixando a música mais acessível ao grande público. Vale destacar aqui a
criação da banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro em 1896, grupo fundado
e regido por Anacleto de Medeiros (1866-1907), negro e filho de escrava liberta, fez
dessa banda a mais famosa da época tocando em vários eventos e até participando
de gravações da Casa Edison no Rio de Janeiro.
19

Figura 2: Banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro.

Fonte: Jornal do Brasil e Revista da Semana. Ed. III, janeiro de 1902.

O repertório escrito para banda até o ano de 1950 era pouco em nível
mundial, “[...] havia poucas fontes onde houvesse um tratamento orquestral na
instrumentação e mesmo uma preocupação em destacar o grupo como um meio de
expressão artística de conotação sinfônica.” (JARDIM, 2008; 16). O material que
tinha disponível era o seguinte:
20

Compositor Obra Ano


Felix Mendelsohn-Bartholdi Abertura para Sopros Op. 24 1824
Hector Berlioz Sinfonia Fúnebre e Triunfal 1840
Richard Wagner Trauersinfonie 1848
Gustav Mahler Um Mitternarcht 1902
Georges Enesco Dixtuor, Op. 14 1906
Gustav Holst Primeira Suite em Eb, Op. 28, no 1 1909
Gustav Holst Segunda Súte em F, Op. 28, no 2 1911
Florent Schmitt Dionysiaques, Op. 62, n. 1 1913
Percy Grainger Irish Tune from County Derry 1918
Igor Stravinsky Sinfonias para Instrumentos de Sopros 1920
Ralph Vaugham-Williams English Folk Song Suite 1923
Ralph Vaugham-Williams Sea Songs 1923
Ralph Vaugham-Williams Toccata Marziale 1924
Gordon Jacob William Byrd Suite 1924
Gordon Jacob An Original Suite 1924
Gustav Holst Fugue ̀ la Gigue 1928
Gustav Holst Hammersmith 1931
Ottorino Respighi Huntingtower Ballad 1932
Percy Grainger Lads of Wamphray 1935
Percy Grainger Lincolnshire Posy 1936
Arthur Honegger La Marche sur la Bastille 1936
Sergei Prokofiev Athletic Festival March 1937
Ralph V.-Williams Flourish for Wind Band 1939
Nikolai Miaskovsky Sinfonia n. 19 em Eb 1939
William Schuman Newsreel 1939
Morton Gold Jericho 1940
Roy Harris Cimaron Overture 1941
Paul Creston Legend 1942
Samuel Barber Comando March 1943
Alfred Reed Russian Christmas Music 1944
Arnold Scḧenberg Tema eVariã̧es Op.43ª 1943
Darius Milhaud Súte Francesa, Op. 248 1944
21

Robert Russell Bennett Suite of Old American Dances 1947


Virgil Thomson A Solemn Music 1949
Vincent Persichetti Divertimento para Banda, Op. 42ª 1950
William Schuman George Washignton Bridge 1950
Paul Hindemith Sinfonia em Bb 1950
Fonte: JARDIM, 2008, p. 16
Tabela 1: Repertório para bandas até 1950.

3.3 Instrumentos que constituem uma banda

Os instrumentos que constituem uma banda são divididos em três famílias:


Madeiras, metais e percussão.
Abaixo uma tabela com a instrumentação de uma banda mais convencional
nos dias de hoje.

MADEIRA METAIS PERCUSSÃO


Flauta – 1 ou 2 vozes Trompa F – 2 a 4 vozes Caixa
Piccolo (flatim) Trompete Bb – 2 a 3 vozes Prato
Oboé – 1 ou 2 vozes Trombone – 2 a 3 vozes Bumbo
Clarinete Bb – 3 vozes Trombone baixo Tambor
Clarinete Eb (requinta) Bombardino (euphonium) Xilofone (bells)
Clarone Tuba Tímpano
Fagote – 1 ou 2 vozes Tamborim
Contra Fagote Chocalho
Sax Soprano Pandeiro
Sax Alto – 1 ou 2 vozes Triângulo
Sax Tenor
Sax Barítono

Tabela 2: Instrumentos que compõe uma banda.

O intuito de apresentar essas informações, não é de entrar muito no mérito de


informações referente a cada instrumento como a sua história e outros detalhes, mas
sim trazer informações de como esse instrumento está inserido na banda.
22

Entre os instrumentos de sopros, vários são transpositores6 e outros são


transpositores de oitavas sendo estes a seguir: Picollo que soa uma oitava a cima do
que esta escrito; clarinete em Bb e clarinet em Eb, assim como o Clarone que soa
uma oitava a baixo; Sax soprano em Bb, sax alto em Eb, sax tenor em Bb e sax
barítono em Eb; Trompa que soa uma quinta justa baixo; trompete em Bb que soa
uma segunda maior abaixo de dó; Bombardino em Bb escrito em clave de sol;
Glockenspiel que soa duas oitava a cima do que esta escrito.

3.3.1 Madeiras

É nítida a característica que uma banda sinfônica tem em relação à orquestra


sinfônica, em dois pontos: 1) não haver o naipe das cordas, violino, viola, cello e
contra-baixo; e 2) o repertório ser na maioria constituído por peças transcritas de
concertos para orquestra. Outra diferença, é o fato da banda envolver a família
inteira dos saxofones, instrumento que fora criado por Adolphe Sax no ano de 1840.
O sax se tornou popular nas bandas militares europeias a partir de 1846, e a partir
daí ganhou mais popularidade nos Estados Unidos com o surgimento do jazz.7
Na orquestra as cordas desenvolvem o papel de massa sonora em grande
intensidade devido ao número grande de instrumentos em cada naipe. Já “[...]na
banda sinfônica são as madeiras, constituídas principalmente pelos instrumentos de
palheta (clarinetas e saxofones), combinadas com outros instrumentos, [...]”
(NASCIMENTO, 2012, p. 5) desenvolvem a função de massa e peso harmônico.
Um assunto existe por meio da família das madeiras, é o fato de compositores
do período barroco, romântico, contemporâneo e compositores brasileiros apoiarem
e outros não o emprego da linha melódica dada apenas à um instrumento, ou um
uníssono duplicado por dois timbres diferentes. Segundo Prout (2003, p. 29) e
Korsakov (1971, p. 55), o uso de duplicar a melodia não é satisfatória pois cada
instrumento envolvido, o resultado será menos expressivo.

Melodias solo com caráter expressivo foram encontradas no Choros


nº 10 (em L) e na Śrie Brasileira (no ińcio do movimento Sesta na

6Instrumento transpositor tem o som real emitido diferente da nota escrita.


7Jazz é uma manifestação artistica que surgiu em New Orleans, New York e Chicago no inicio do
século XX. A sonoridade do jazz possuí traços da tradição afro-americana, com pulsação marcada
em swing e uso de improvisação, chamada e resposta, polirritimia e forma sincopada.
23

rede); em que os compositores preferiram seguir a linha da ño-


duplicã̧o, [...] (LUCAS, 2011, p. 42).

Isso é algo que pode ser gerenciado pelo arranjador quando estiver
escrevendo, ele sabendo o nível de performance de cada instrumentista, poderá
colocar solos ou não para determinado instrumento. Caso o arranjador queira
duplicar a melodia, pode apropriar de técnicas de dobramento de instrumentos de
diferentes timbres, mas que somados fornecem uma ótima sonoridade.
O tratamento que os compositores e orquestradores dão às madeiras, é
observado certa semelhança com a escrita das cordas em momentos em quando
toda a orquestra executa um trecho. Flautas e picollos normalmente dobrando os
violinos; clarinetes dobrando violas assim como violino II; fagote dobrando cello.
Uma característica que as madeiras possuem que os metais e cordas não
tem, é o som carregado de inúmeras representações, especialmente a voz humana e
também de animais. Exemplo visto em Choros nº 10 (exemplo 1) de Villa-Lobos,
onde são encontrados trechos melódicos que represente o som do pássaro. Em
Pedro e o Lobo de Sergei Prokofiev onde as flautas (exemplo 2) representam o som
dos pássaros, o gato representado pelo clarinete (exemplo 3), o avô de Pedro
representado pelo fagote (exemplo 04) devido ao seu som grave e aveludado.

Vide os exemplos a seguir:

Exemplo 1 – Villa-Lobos, Choros nº 10, p. 01, compasso 3: representação do pássaro Azulão


da Mata

Exemplo 2 – Sergei Prokofiev, Peter and the Wolf, Op.67, p. 04, compasso 23:
representação do pássaro pelas flautas.
24

Exemplo 3 – Sergei Prokofiev, Peter and the Wolf, Op.6, p. 17, em 14: representação do gato
pelo clarinete

Exemplo 4 – Sergei Prokofiev, Peter and the Wolf, Op.6, p. 18, em 18: representação do avô
pelo fagote

“Na função melódica dada às madeiras, observa-se uma ampla utilização dos
registros tanto graves quanto mais agudos possíveis.” (LUCAS, 2011, p. 39). Tal
observação é resultado de que as madeiras são instrumento mais maleáveis e
dinâmicos para executar movimentos mais rápidos. Desde o fagote até o flautim,
fazer escalas em movimento ascendente e descendente em andamento rápido, é um
exercício que flui de maneira mais natural que se fosse fazer em outros instrumentos
da família dos metais, como o trombone e a tuba.
Tirando a flauta e flautim (picollo), que sua física é caracterizada por um
orifício onde o instrumentista sopra através deste, os restantes são divididos em dois
grupos: palheta simples, e palheta dupla. A palheta consiste numa lamina de madeira
ou de plástico, que fica acoplado a boquilha do instrumento, onde o instrumentista
sopra por meia dessa palheta que irá vibrar com a passagem de ar.
Os instrumentos de palheta simples são: clarinete, requinta, clarone, sax
soprano, sax alto, sax tenor, sax barítono, sax baixo e alguns tipo de gaita-de-foles.
Já os de palheta dupla são: oboé, corne-inglês, fagote, contra-fagote, gaita-de-foles.

3.3.2 Metais

A história do desenvolvimento dos metais é marcada por grandes avanços,


exemplo à trompa criada há centenas de anos onde caçadores usavam como forma
de comunicação dentro das florestas, os primeiros instrumentos não dispunham de
registros como os de hoje. Por isso as notas disponíveis nos primeiros trompetes, por
exemplo, eram os sons harmônicos. O trompete de hoje dispõe de três pistões e o
25

trompete picolo8 possui um pisto adicional que abaixa a frequência de vibração


emitida em cinco semitons. Com esses avanços na produção desses instrumentos, o
compositor passar a ter uma caixa de ferramentas, contando com “Passagens
cromáticas, melhor afinação, ampliação das extensões e melhor execução por parte
do instrumentista facilitaram essa exploração.” (LUCAS, 2011, p. 36)
A família dos metais acaba dando um destaque que nem as cordas ou
madeiras podem dar, o de trabalhar função percussiva. Korsakov (1971) observa o
seguinte:

[...] as frases e motivos em forma de fanfarra s̃o as que mais


conv̂m ao caráter e timbre dos instrumentos de metais. [...] Depois
das melodias puramente em forma de fanfarras, as que melhor
conv̂m ao timbre dos metais s̃o as melodias diat̂nicas ño
modulantes, de caráter triunfal ou provocador, em modo maior;
sombrio e fúnebre, em modo menor. [...] As melodias que tem
elementos cromáticos ou enarm̂nicos conv̂m infinitamente mesmo
ao caráter dos metais. Contudo, seu uso ño ́ raro, sobretudo na
música de Wagner [...] e nos compositores veristas da Itália. [...] Em
geral, a paix̃o e a cordialidade s̃o os sentimentos que menos
encontram sua adequada express̃o no timbre dos metais (p.62-63).

É nítida essa ocorrência em várias obras, como: na Sagração à Primavera


(exemplo 05) de Stravinsky, trompas com caráter percussivo; em Der Freishütz
(exemplo 06) de von Weber no Ato 2, as trompas fazem com o tímpano.

Observe os exemplos abaixo:

8 Trompete Piccolo - É menor do que as outras trombetas e possui sonoridade uma oitava acima das
demais. É geralmente sintonizado em si bemol Ele tem quatro pistões, embora existam modelos com
três pistões. O quarto pistão desempenha o papel de transposição e redução de 5 semitons.
26

Exemplo 5 – Igor Stravinsky, The Rite of Spring, p. 12, em 13: uso percussivo das trompas
27

Exemplo 6 – Carl Maria von Weber, Der Freischütz, Op.76, p. 66: trompas com motivo percussivo
28

Um detalhe que permeia sobre os metais, é o equilíbrio sonoro quando há


vários instrumentos executando uma peça onde há dinâmica de mƒ ou acima disso.
Um clarinete e um trombone executando juntos, o trombone acaba cobrindo o som
do clarinete. A dica dos tratados de orquestração sobre o assunto (RIMSKY-
KORSAKOV, 1971; PISTON, 1984), é de usar duas trompas para equilibrar com um
trompete ou um trombone. Assim também vale atenção por parte do arranjador ao
escrever para os metais, onde tiver trechos que todos tocam, colocar dinâmicas
abaixo para não cobrir as madeiras
Além da escrita, é necessário que o instrumentista também use o bom senso
ao tocar, ainda mais quando se trata de uma banda iniciante, o regente deve estar
conscientizando o grupo a se ouvir como um todo.

3.3.3 Percussão

Provável que os instrumentos de percussão sejam uns dos primeiros que o


homem produziu. Em vários sítios arqueológicos, foram encontrados tambores feitos
de madeira e pele de animal, assim como pinturas de povos antigos retratando festas
com a presença de tambores.
Os tratados pouco trazem informações que abrangem todos os instrumentos
de percussão, pois antes do século do XX a presença de instrumento de percussão
em orquestra era bem rara. Segundo Adler (1989), a percussão possui quatro
funções importantes dentro da orquestra: primeiro, simular música marcial ou
regional; segundo, enfatizar acentos rítmicos; terceiro, reforçar um clímax; e quarto,
colorir notas e dobrar com outros instrumentos.

Instrumentos neste grupo, assim como trîngulo, castanhola,


pequenos sinos, pandeiro, rute ou vareta (Rute. Alem.), caixa-clara ou
tambor militar, pratos, bombo, e gongo chin̂s ño executam
nenhuma parte harm̂nica ou meĺdica na orquestra, e podem
somente ser considerados como instrumentos ornamentais puros e
simples. Eles ño possuem significado musical intrínseco e são
apenas mencionados de passagem9 (Rimsky-Korsakov, 1922, p.32).

9 Rimsky-Korsakov, Nikolay. Principles Of Orchestration: With Musical Examples Drawn From His
Own Works In Two Volumes Bound As One. Dover: Dover Publications, 1964, p.32. “Instruments in
this group, such as triangle, castanets, little bells, tambourine, switch or rod (Rute. Germ.), side or
military drum, cymbals, bass drum, and chinese gong do not take any harmonic or melodic part in the
orchestra, and can only be considered as ornamental instruments pure and simple. They have no
intrinsic musical meaning, and are just mentioned by the way.”
29

Os instrumentos de percussão são divididos em dois grupos: de altura definida


e indefinida. Instrumento de altura definida mais conhecido é o tímpano, que
segundo Berlioz é o mais importante no naipe da percussão. Um fato histórico do
tímpano é sobre a quantidade de tambores usados nas orquestras, que era dois
tambores até que um timpanista da Ópera de Paris acrescentar um terceiro tambor.

Por muitos anos, compositores lamentavam sobre a impossibilidade


de utilizar os tímpanos em acordes onde nenhum dos dois tons
estivesse presente, por causa da ausência de uma terceira nota.
Eles nunca se perguntaram se um timpanista não poderia manipular
três tímpanos. Afinal, um belo dia eles se aventuraram a introduzir
esta corajosa inovação depois do timpanista da ópera de Paris ter
mostrado que isto não era nem um pouco difícil.10

Além do tímpano outros instrumentos de percussão definida são muito usados


nas orquestras e bandas, os de teclado que engloba o xilofone, marimba, vibrafone
e o glockenspien. Tais instrumentos fornecem ao arranjador um leque de
sonoridades podendo colocar dobras de linhas melódicas que os sopros estão
tocando, dando mais brilho a melodia.
Instrumentos de altura indefinida são aqueles que suas notas não são
identificáveis, e fazem parte desse grupo: caixa, bombo, prato, triângulo e outros.
Vários autores descrevem esses instrumentos como ornamentais usados para
darem ênfase rítmica ou reforço no clímax.

3.4 Obras para bandas e cenário atual

Boa parte do repertório brasileiro para bandas é composta por dobrados,


valsas e marchas militares. Sendo assim, os regentes encontram certas dificuldades
para ter acesso a tais obras devido a maioria estar disperso e não terem registro.
“[...]constata-se que muitos mestres nunca tiveram uma preocupação com a
identificação ou catalogação de seus trabalhos [...]” (LIMA, 1999; 39). Parte desses
materiais é encontrada em sites de editoras assim como em lojas, também em

10 Berlioz, Hector; Strauss, Richard. Treatise on Instrumentation. Traduzido por Theodore Front. New
York: Edwin F. Kalmus, 1948, p.371. “For many years composers complained about the impossibility
of using the kettledrums in chords in wich neither of their two tones appeared, because of a lack of a
third tone. They had never ask themselves whether one kettledrummer might not be able to
manipulate three kettledrums. At last, one fine day they ventured to introduce this bold innovation after
the kettledrummer os the Paris Opera had shown that this was not difficult at all.”
30

portais de downloads mantidos pelas secretárias de cultura de estados e também a


Fundação Nacional das Artes – FUNARTE desenvolveu uma coleção de partituras
contendo várias valsas, dobrados, sambas, choros de vários compositores
brasileiros.
Apesar de haver obras disponíveis ao público, a quantidade de material e
diversidade de estilos musicais e níveis de dificuldade não há no Brasil, mas sim nos
Estados Unidos. “
Devido a essa situação, bandas brasileiras acabam adotando repertório norte-
americano por haverem uma infinidade de obras e fácil acesso. A produção
americana para bandas escolares e militares começou a crescer na década de 1930,
contando com a contribuição de vários compositores renomados como: Vincent
Persichetti, Paul Hindemith, Sergei Prokofiev, Arnold Schoenberg e Darius Milhaud.
“Se o legado sinf̂nico da Europa ́ a tradicional orquestra sinfônica, [...], a
contribuição norte-americana nessa área será a estruturação de diversas formações
para instrumentos de sopro, [...] “(LIMA, 1999; 43).
Além da contribuição desses compositores também é observado outra
situação na realidade americana: as bandas escolares. É oferecido ao aluno desde o
ingresso na escola duas atividades musicais: coral ou banda sinfônica da escola.
Ambos os grupos participam ativamente nas atividades promovidas pela escola,
assim como em eventos externos: esportivos, festivais, congressos e peças teatrais.
Entre vários festivais e congressos de músicas, destaco um que realizado
anualmente na cidade de Chicago. A conferência mundial Midwest Clinic11.
Esse evento e outros contam com a participação de bandas escolares em
concertos, que além de serem palco de apresentação, também é uma forma de
divulgação de como funciona a educação musical nas escolas.
Toda essa cena que acontece lá acaba influenciando na produção e no
repertório de bandas brasileiras por ter uma infinidade músicas para diferentes níveis
e estilo, dando valor mais ao repertório internacional.
Por outro lado, existem compositores e arranjadores brasileiros que compõem
obras para grupos instrumentais, assim como. Ronaldo Mirando, Amaral Vieira,
Edmundo Villani, Lelo Nazário, Roberto Sion, Almeida Prado e outros mais fazem
parte desse time, contribuindo para o crescimento de materiais produzidos no Brasil.

11Midwest Clinic é uma conferência de educação musical realizada anualmente há 60 anos em


Chicago, cujo programação inclui: feira de exibições, palestras, oficinas, concertos. midwestclinic.org
31

3.5 Níveis de dificuldade

É preciso haver cuidado por parte do regente ao escolher um repertório para


seu grupo, analisando cada música, deve observar o grau de dificuldade de cada
instrumento e verificar se o instrumentista tem condição ou não de executar a peça.
Estar atento a: tonalidade, andamento, a parte rítmica, dificuldades especificas de
um naipe, tessitura, articulações, tempo de duração, tempo de estudo para a
apresentação.
Desses fatores apresentados, os mais importantes são a tonalidade, tessitura,
e o ńvel de dificuldade da pȩa. “Quanto ̀ tessitura, tanto nas cordas quanto nos
sopros, quanto mais agudo tocarem maiores deverão ser os cuidados com afinação
e qualidade sonora” (REAL, 2003; 27). É percebido nos instrumentistas iniciantes
que ao tocarem peças que tenham tessitura aguda, afinação deixa a desejar, por
isso recomendo que procure peças que não exijam tanto do aluno nesse primeiro
momento.
A partir da década de 1940 nos Estados Unidos, foram criados métodos de
ensino coletivo com o objetivo de nortearam o aprendizado do aluno no grupo ou em
individual. Grandes educadores musicais criaram esses métodos que tiveram
sucesso ao relacionar a formação técnico-musical ao ensino da música. (SOTELO,
2008; 37).
Nesse mesmo momento foi criada uma tabela com paramentos de
classificação contendo informações técnicas de cada instrumento.

Impulsionados por esse salto de qualidade artística, técnica e


musical, grandes editores mundiais que já atuavam com parâmetros
de classificação começaram a patrocinar a profissionalização da
composição de obras originais e arranjos para os níveis iniciantes
(SOTELO, 2008; 38).

A tabela estabelece seis níveis de classificação do repertório: 1 o mais


iniciante e 6 o mais avançado. Outra tabela vai mais além, o Complete catalog of
educational orchestral music – Luck’s Music Library, USA, traz três graus com três
níveis em cada: Grau Fácil: níveis 1, 2, 3; Grau Médio: níveis 4, 5, 6; Grau Difícil:
níveis 7, 8, 9.
Agora veremos algumas dicas que esses catálogos trazem, especialmente o
último catalogo de seis níveis.
32

Métrica: compassos simples (2/4. 3/4, 4/4 e outros) são indicados para os
níveis 1 e 2. Já compasso composto, é recomendável para o nível 3 em diante.
Armadura de clave e tonalidade: esse item é de extrema importância e deve
ser observado pelo regente devido a natureza dos instrumentos de sopro, por isso,
as músicas devem ter de 1 a 5 bemóis distribuídos em cada nível. Sustenidos a
partir do ńvel 4. “[...] a escolha das tonalidades deve favorecer as mais fáceis, o
suficiente para permitir que os alunos se concentrem em tocar afinado, com
musicalidade e boa sonoridade.” (REAL, p 32, 2003)
Andamento, tempo: os andamentos mais lentos e intermediários são
recomendáveis para os níveis iniciais, já andamentos rápidos nos níveis avançados.
“́ muito importante notar que a relã̧o entre a forma de compasso e andamentos
mais rápidos pode tornar determinadas passagens muito mais difíceis que o seu
nível básico, o que aumenta o nível técnico da obra.” (SOTELO, p 40, 2008).
Figuras: a progressão de figuras de maior duração para a mais curta, vão
sendo aplicadas a cada nível, e está atrelado ao andamento da peça assim como
ritmo.
Ritmo: introdução de ritmos com síncopes podem ser aplicados a partir do
nível 2 em diante, mas com bastante cuidado. “Este ́ um fator essencial a ser
considerado pelo compositor e arranjador brasileiro, tendo em vista a diversidade do
uso destes elementos rítmicos na música brasileira.” (SOTELO, p 41, 2008). As
sincopes estão
Dinâmicas: elas vão sendo adicionadas a cada nível alcançado, porém requer
cuidado ao aplicar dinâmicas contrastantes numa mesma peça, como o pp e o ƒƒ,
que exigem um nível técnico mais avançado.
Duração da obra: segundo Sotelo (2008), três fatores estão relacionados a
esse item: 1. Capacidade de realização técnica do músico; 2. Concentração musical
e 3. Resistência física do músico. A música pode ser compatível ao nível do
instrumentista tendo domínio de todas as melodias e ritmos presentes, mas se for
uma peça muito longa, poderá prejudicar o resultado sonoro. Além de que esses
fatores estão ligados a elaboração de concertos, que necessita de peças que se
enquadre na duração do concerto.
Tessitura: instrumentos que tem seu brilho nas regiões agudas ou graves, as
notas extremas vão sendo adicionadas a cada nível.
33

Veja a tabela abaixo:

Fonte: SOTELO, 2008, p. 50.


Tabela 3: Extensão dos instrumentos por níveis de dificuldade.
34

3.6 Arranjos

Neste capítulo será discorrido análises dos arranjos elaborados por mim,
levando em consideração os seguintes itens: tonalidade, tessitura e figuras rítmicas.
Música: Asa Branca
Compositor: Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Figura 3: Luiz G. e Humberto T., Asa Branca

É observada nesse trecho dos metais a tessitura que esta de acordo com a
tabela do capítulo anterior, a tonalidade que está em si bemol, e as figuras rítmicas
que não é complexo.

Música: We Will Glorify


Compositor: Twila Paris
35

Figura 4: Twila Paris, We Will Glorify

A tonalidade presente nessa música é si bemol tendo modulação para mi


bemol e finalizando em fá, todas fáceis de serem tocadas. Em relação a tessitura já
podemos ver adição de notas novas, especialmente o clarinete que agora passa a
tocar si 3 em diante.

Música: Como é Grande o Meu Amor por Você


Compositor: Roberto Carlos

Figura 7: Roberto Carlos, Como é Grande o Meu Amor por Você


36

Nesse trecho podemos observar vários instrumentos desenvolvendo o papel


rítmico enquanto as flautas fazem a melodia, e clarinetes desenvolvendo uma
segunda linha melódica.

Música: Honor, tema do seriado “The Pacific”


Compositor: Hans Zimmer

Figura 6: Hans Zimmer, Honor Theme.

Observamos nesse trecho a alteração da fórmula de compasso, está em 4/4,


depois 3/4, 5/4, e retorna ao 4/4. Além dos clarinetes estarem tocando em uníssono,
devido ao caráter da peça que é solene.
37

4 Considerações finais

O papel que as bandas desempenham na sociedade ́ de grande import̂ncia


para enriquecimento da cultura de um lugar, desde seu surgimento no Brasil elas
desempenharam forte papel da cultura brasileira. Mais ainda, as bandas
contribuíram para o aprendizado musical revelando músicos compositores, maestros
e instrumentistas (COSTA, 2011).
Vemos a importância que o líder de banda deve ter ao escolher o repertório
para seu grupo, pois o que mantêm a banda em cena é tocar. Preparar um
repertório para um concerto de final de ano ou para um evento festivo faz com que a
banda esteja ativa, além de incentivar os músicos a continuarem estudando e obter
bons resultados.
O regente deve levar em consideração o nível de cada músico, qual o
propósito de cada música no trabalho em banda, e assim procurar o
desenvolvimento igualitário do seu grupo. O repertório precisa animar e não
desmotivar o músico.
É importante que o compositor e arranjador esteja informado a respeito do
nível de dificuldade da banda que irá executar sua obra, além de ter conhecimento
dos tratados de orquestração e catálogos de classificação de níveis de dificuldades
de cada instrumento, como a tabela apresentada nesse trabalho (SOTELO, 2008).
Apesar de existir desfalques no repertório brasileiro para bandas, obras que
abrangem todos os níveis de dificuldades técnicas são raras. Por isso, esse trabalho
tem como objetivo poder contribuir para o crescimento do repertório para bandas
iniciantes.
Em anexo, disponho um repertório com músicas brasileiras, sacras e
internacionais, que foram elaboradas baseadas nas informações coletadas nos
catálogos de classificação de níveis de dificuldade. Tal repertório agrega valor a este
trabalho por conter músicas conhecidas pela maioria.
38

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6) ANEXOS

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