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FACULDADE SANTA MARCELINA

LUÍSA CAMPELO DE FREITAS

UM OLHAR VIOLONÍSTICO:
Raphael Rabello e as músicas Luiza e Passarim de Tom Jobim

SÃO PAULO
2019
LUÍSA CAMPELO DE FREITAS

UM OLHAR VIOLONÍSTICO:
Raphael Rabello e as músicas Luiza e Passarim de Tom Jobim

Monografia apresentada à Disciplina Trabalho de


Conclusão de Curso da Faculdade Santa Marcelina,
como requisito parcial para obtenção do título de
Bacharel em Música com Habilitação em instrumento
Popular - Guitarra.

Orientadora: Prof. Msª Andrea Paula Pcherzky

SÃO PAULO
2019
LUÍSA CAMPELO DE FREITAS

UM OLHAR VIOLONÍSTICO:
Raphael Rabello e as músicas Luiza e Passarim de Tom Jobim

Monografia apresentada à Disciplina Trabalho de


Conclusão de Curso da Faculdade Santa Marcelina,
como requisito parcial para obtenção do título de
Bacharel em Música com Habilitação em instrumento
Popular - Guitarra.

COMISSÃO JULGADORA

_________________________________________
Prof. Msª Andrea Paula Pichersky
Faculdade Santa Marcelina

_________________________________________
Prof. Dr. Sidney José Molina Júnior
Faculdade Santa Marcelina

São Paulo, 18 de dezembro de 2019


AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus professores, que ao longo destes 5 anos me abriram os


olhos para a vastidão do mundo da música, transmitiram conhecimentos, me
instigaram a curiosidade e a vontade de me aprofundar no estudo musical e me
forneceram ferramentas para isso. Agradeço especialmente ao professor Leonardo
Martinelli pelo apoio com os materiais de estética musical e indicação de bibliografia
e aos professores Matheus Bitondi e Fernando Corrêa pelos conselhos na
elaboração do projeto deste trabalho. Agradeço às professoras Adriana Lopes
Cunha Moreira e Susana Cecília Igayara por estarem sempre disponíveis e pelos
apontamentos sobre escrita acadêmica. Agradeço ao Sidney Molina por aceitar o
convite de integrar a banca avaliadora, por sua leitura cuidadosa e por todas as
recomendações e discussões que me proporcionou. À Paola Pichersky pela
confiança depositada neste ano de trabalho e pelos apontamentos durante o
desenvolvimento da pesquisa.
Agradeço a todos os meus amigos que me apoiaram e incentivaram. Em
especial ao Kaio Fávaro, por estar ao meu lado em todos os momentos da
graduação. Agradeço ao Lucas Maggieri por ter acompanhado de perto o
desenvolvimento do trabalho, lendo, discutindo conceitos, me aconselhando e
sendo sempre um ponto de apoio. Obrigada por todas as ajudas, por me incentivar,
me motivar, e dividir comigo cada momento, bom ou mau. Agradeço ao Vinícius
Penteado pelo auxílio com o trabalho, com sugestões, trocas e risadas necessárias.
Agradeço à Laíne Mororó por ser sempre tão prestativa e ter ajudado tanto com os
materiais de referência utilizados. Agradeço ao Marcio Giachetta por ter me
disponibilizado o encarte do disco Todos os Tons. Agradeço ao Oto Marques por
também ter contribuído com materiais de referência. Agradeço à Luciana Rabello
pelo contato que pude estabelecer e com a sua gentileza e incentivo a este trabalho.
Agradeço todos os músicos que pude conhecer nestes 5 anos pelos aprendizados,
vivências, troca de experiências – enfim, por dividirmos essa caminhada juntos.
Especialmente agradeço minha mãe, Eliana Riva Campelo, por todo o apoio
e ajuda na construção deste sonho.
FREITAS, Luísa Campelo. UM OLHAR VIOLONÍSTICO: Raphael Rabello e as
músicas Luiza e Passarim de Tom Jobim. 2019. 81 f.. Trabalho de Conclusão de
Curso (Graduação em Música) – Faculdade Santa Marcelina, São Paulo, 2019.

RESUMO

Este trabalho propõe uma análise da interpretação de Raphael Rabello de duas


músicas de Tom Jobim (Luiza e Passarim), visando identificar as saídas
encontradas pelo intérprete para adaptar as peças (escritas originalmente para
piano e voz) para o violão, e quais elementos de outros estilos foram incorporados
nas músicas, sem descaracterizá-las. O trabalho busca compreender as influências
de Raphael Rabello, trazendo-o para o âmbito da discussão acadêmica,
identificando o espaço de liberdade de criação e expressão artística e de que modo
isso se manifestou nas gravações analisadas do disco Todos Os Tons, de 1992.
Para a compreensão das interpretações, analisaremos as gravações deste álbum
comparando-as com partituras e gravações de Jobim. Relacionaremos os
elementos identificados com aspectos idiomáticos do violão. Para uma análise mais
profunda, contextualizaremos o compositor e o intérprete e os fatores envolvidos na
composição das músicas em questão, no desenvolvimento do álbum e na
concepção dos arranjos. Discutiremos brevemente termos referentes às atividades
musicais em questão, tais como arranjo, transcrição e composição, abrindo espaço
para discussões estéticas sobre estes conceitos, alavancadas por questões
levantadas pela crítica musical em torno dos dois músicos. Mostraremos que o
material referencial teórico para este repertório possui deficiências, e proporemos
uma maneira híbrida de análise a partir da bibliografia.

Palavras-chave: Raphael Rabello; Tom Jobim; violão; arranjo.


ABSTRACT

This research study proposes an analysis of the interpretation by Raphael Rabello of


two compositions of Tom Jobim (Luiza and Passarim). The objective is to identify the
solutions found by the interpreter to adapt the pieces (originally written for piano and
voice) to be played on the guitar, and which elements from other styles were
integrated in the compositions without losing their main characteristics. This study
seeks to understand the influences of Raphael Rabello, bringing him to the scope of
the academic discussion, identifying the room for creative freedom and artistic
expression and how these aspects can be seen in these recordings from the album
Todos Os Tons (1992). To understand his interpretations, we will evaluate the
recordings of this album compared to the musical scores and recordings made by
Jobim. The elements identified as denoting guitar idiomatic aspects will be related.
For a deeper analysis we will contextualize both the composer and the interpreter as
well as some factors involved in these compositions concerning the process of the
album and the conception of the arrangements. We will briefly discuss terminologies
referring to musical activities as arrangement, transcription and composition.
Providing us with the possibility to go through aesthetical discussions over these
concepts, issues brought about in critical reviews of music concerning these two
musicians will be also observed. We will demonstrate that the theoretical reference
material for this repertory presents inadequacies and therefore we propose a hybrid
analysis method based on the bibliography.

Key words: Raphael Rabello; Tom Jobim; acoustic guitar; arrangement.


Índice de Ilustrações

Índice de imagens

Figura 1 - Tom Jobim .............................................................................................. 22


Figura 2 - Tessitura do piano .................................................................................. 43
Figura 3 - Accordatura e tessitura do violão ............................................................ 43
Figura 4 - Partitura de Luiza do Songbook de Chediak ........................................... 60
Figura 5 - Introdução de Luiza (excerto da partitura) .............................................. 61
Figura 6 - Introdução de Luiza feita por Raphael Rabello no disco Todos os Tons,
transcrita em som real ............................................................................................ 62
Figura 7 - Trecho da transcrição da introdução de Luiza na interpretação de Raphael
Rabello, com um destaque em cores para cada uma das vozes ............................ 63
Figura 8 - Partitura de Passarim com as seções indicadas, página 1 ..................... 67
Figura 9 - Partitura de Passarim com as seções indicadas, página 2 ..................... 68
Figura 10 - Partitura de Passarim com as seções indicadas, página 3 ................... 69
Figura 11 - Partitura de Passarim com as seções indicadas, página 4 ................... 70
Figura 12 - Partitura de Passarim com as seções indicadas, página 5 ................... 71
Figura 13 - Partitura de Passarim com as seções indicadas, página 6 ................... 72

Índice de tabelas

Tabela 1 - Descrição áudio minutada - Luiza (áudio de referência: Deezer). Tempo


total: 2'24'' ............................................................................................................... 57
Tabela 2 - Descrição de áudio minutada - Passarim (áudio de referência: Deezer).
Tempo total: 4’40” ................................................................................................... 57
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 9
1.1. ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO ................................................................................ 11
2. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICO-BIOGRÁFICA ..................................................... 13
2.1. RAPHAEL RABELLO .................................................................................................... 13
2.2. TOM JOBIM .................................................................................................................. 20
2.3. AS MÚSICAS ................................................................................................................ 27
2.4. TODOS OS TONS ........................................................................................................ 30
3. ARRANJO E INTERPRETAÇÃO .................................................................................... 35
4. ASPECTOS ESPECÍFICOS DO VIOLÃO ....................................................................... 41
4.1. TONALIDADE ............................................................................................................... 44
4.2. REGIÕES DO BRAÇO E SUAS SONORIDADES ....................................................... 46
4.3. HARMÔNICOS ............................................................................................................. 47
4.4. DEMAIS CONSIDERAÇÕES ..................................................................................... 488
5. REFERENCIAL TEÓRICO .............................................................................................. 50
6. DISCUSSÕES .................................................................................................................. 53
6.1. DESCRIÇÃO DOS ÁUDIOS ......................................................................................... 57
6.2. ANÁLISES ..................................................................................................................... 58
6.2.1. Luiza....................................................................................................................... 59
6.2.2. Passarim ................................................................................................................ 66
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 76
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 788
9

1. INTRODUÇÃO

Tom Jobim e Raphael Rabello são figuras bastante híbridas no que diz
respeito à formação musical. Foram inovadores dentro de seu nicho de atuação,
abrindo caminho para novas formas de pensar e tocar. Ambos tiveram aulas com
grandes mestres (Jobim com Koellreutter1, Rabello com Meira2 e Turíbio Santos), e
em especial conviveram intimamente e foram muito influenciados por Radamés
Gnattali, um dos músicos que estabeleceu diálogos entre o erudito e o popular,
influenciando fortemente as gerações seguintes.
Apesar de inicialmente ligados a diferentes tradições dentro da música
brasileira, ambos se dedicaram a estudar música de maneira ampla e utilizaram o
conhecimento adquirido como caminho para expandir a compreensão, suas técnicas
e o fazer musical, com uma preocupação de atingir a maior quantidade possível de
pessoas. Tom Jobim marca a música brasileira ao encabeçar o movimento da Bossa
Nova, contribuindo com o enriquecimento da harmonia e com novas tendências
melódicas (CABRAL in CHEDIAK, 1994a, p. 16). Além disso, eleva a música
brasileira a um nível de reconhecimento e estima internacional muito maior,
influenciando também o Jazz, através de seu conhecimento de música erudita, em
especial Chopin, Villa-Lobos e Debussy (CHEDIAK, 1994a; JOBIM, P., 2000).
Raphael Rabello por sua vez “redimensionou o choro com harmonias modernas,
inserindo elementos da música flamenca, concebendo uma estética harmoniosa e
significativa, no âmbito até então, tradicional” (SILVA, 2010, p. 14), além de todas as
inovações técnicas no instrumento que abriram possibilidades para todos os
violonistas que vieram depois dele. Já em seu primeiro LP (Rafael Sete Cordas),
Rabello dava sinais de que seria um marco no violão brasileiro, pois já trazia
inovações como: o uso de cordas de nylon (numa tradição em que só se usava
cordas de aço); a não utilização de dedeira (como se fazia antes na escola de seu

1
Hans Joachim Koellreutter (1915-2005) foi um professor de música alemão que viveu e foi
naturalizado no Brasil, ensinou e influenciou diversos artistas no país. Trouxe o dodecafonismo e a
harmonia funcional para o Brasil e criou o movimento Música Viva, entre outras atividades. Defendia
que a formação intelectual e artística deveria ocorrer em contextos multidisciplinares. (BRITO in
MATEIRO; ILARI, 2016, p. 141; JOBIM, P., 2000, p. 25).
2
Jayme Thomás Florence, mais conhecido como Meira, foi violonista e professor de violão, nascido
em Pernambuco em 1909. “Diferentemente da maior parte dos chorões de sua geração, Meira tinha
intensa atividade didática, tendo colaborado para a formação de sentenas de violonistas, como Baden
Powell e Raphael Rabello” (CAZES, 1998, p. 68).
10

mestre Dino 7 Cordas); e a elevação do violão sete cordas ao patamar de


instrumento solista improvisador, e não apenas na função de acompanhador como
era antes (NOBILE, 2018, p. 116). Rabello também dialogou com a tradição erudita,
através dos métodos de ensino de seus mestres e de algumas experiências como
músico, em especial com a Camerata Carioca. Marcos César Silva nos mostra um
pouco de sua aproximação com o estudo erudito com Meira:

Meira começa a ensinar Rabello por métodos clássicos da literatura


universal do violão, explorando compositores como Francisco Tárrega,
Agustín Barrios, etc. A primeira música que Meira o ensinou, foi o Choro da
Saudade, de Barríos, conforme conta o próprio Rabello no Programa Ensaio
da TV Cultura. É importante mencionar que, além do estudo de peças do
violão erudito, Meira, também orientava os alunos a tocar os
encadeamentos harmônicos em qualquer tonalidade, fomentando o choro
que sedimentaria a formação de Rabello. (SILVA, 2010, p. 3)

No fim da vida, Jobim e Rabello estiveram juntos em estúdio gravando um


disco de Rabello totalmente dedicado à obra de Tom Jobim, intitulado Todos os
Tons. A aproximação entre Tom Jobim e Raphael Rabello mostrou-se um campo
fértil de análise e reflexão. Neste trabalho, serão discutidos alguns aspectos deste
disco (e em especial sobre as músicas Luiza e Passarim), seu contexto histórico, a
maneira como foi desenvolvido, uma breve discussão estética sobre a atividade de
arranjador, compositor e intérprete, e uma análise propriamente dita do trabalho
realizado com as músicas no disco.
O álbum Todos os Tons foi lançado em 1992 pela BMG Ariola em CD.
Segundo as informações do encarte, o disco foi gravado em 48 canais nos estúdios
da BMG Ariola no Rio de Janeiro entre janeiro de 1991 e janeiro de 1992. A direção
musical foi do próprio Raphael Rabello e a direção artística foi feita por Miguel
Plopschi. Foi gravado e mixado por Mario Jorge Bruno e masterizado por Luigi
Hoffer. Foi um sucesso de vendas para a categoria de música instrumental, de modo
que algumas gravadoras passaram a se interessar mais por esse ramo
mercadológico após Todos os Tons (NOBILE, 2018). Segundo a estruturação da
trajetória de Rabello proposta por Luís Fabiano Borges (2008, p. 114), este disco
11

pertence à segunda fase do instrumentista, mais especificamente ao segundo


momento da segunda fase3.
Raphael Rabello, apesar de toda sua atuação e contribuição na música
brasileira, ainda é um músico muito pouco estudado 4. Com este trabalho, espera-se
contribuir com o estudo da música popular e deste instrumentista, trazendo-o para o
espaço das discussões acadêmicas e incentivando novas gerações de músicos a
conhecerem sua obra.

1.1. ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

Para estabelecer um panorama geral dos músicos envolvidos e do que o


disco representa para cada um e para a música brasileira, iniciaremos por uma
contextualização histórico-biográfica de Rabello, Jobim e do disco Todos os Tons.
Será dado um enfoque maior nas duas músicas selecionadas (Luiza e Passarim),
aprofundando a relação de Jobim com a concepção das duas canções. Seguiremos
o pensamento de Koellreutter de que o estudo musical não deve se restringir apenas
a elementos técnicos musicais, pois aspectos extra-musicais agregam
conhecimentos benéficos aos intérpretes e aos pensadores da música (BRITO in
MATEIRO; ILARI, 2016), de modo que utilizaremos a pesquisa sobre aspectos
pessoais dos dois músicos para auxiliar na compreensão das obras analisadas.
No capítulo seguinte levantaremos alguns conceitos-chave para este trabalho:
arranjo, transcrição, composição e interpretação, buscando abrir reflexões sobre o
papel do intérprete e o espaço criativo ao se arranjar uma música, contrastando
opiniões de diferentes autores e sugerindo definições que se adequem ao material
trabalhado. No quarto capítulo apresento os aspectos específicos do violão que

3
O autor indica a segunda fase começando em seu primeiro LP solo (Rafael Sete Cordas) e este
segundo momento desta segunda fase é o reflexo da incorporação da linguagem de Radamés
Gnattali, Garoto e de elementos técnicos do violão flamenco.
4
Durante a pesquisa conseguimos ter acesso a 4 trabalhos acadêmicos com enfoque musical sobre
sua obra, a saber: Trajetória estilística do choro: o idiomatismo do violão de sete cordas, da
consolidação a Raphael Rabello (BORGES, L. 2008), Características do acompanhamento de
Raphael Rabello: análise comparativa de dois fonogramas (MATARAZZO, 2018), Odeon de Ernesto
Nazareth: Interpretação, arranjo e improvisação de Raphael Rabello (NUNES, 2007) e O Violão do
Brasil no Século XX: O Legado de Raphael Rabello (SILVA, 2010). Alguns outros trabalhos foram
encontrados, porém com enfoque majoritariamente biográfico, como O Violão de Raphael Rabello
(BORGES, P., 2010) e a própria biografia de apoio, Raphael Rabello: O Violão em Erupção (NOBILE,
2018).
12

devem ser considerados antes de desenvolver uma peça para este instrumento ou
uma análise, utilizando principalmente o livro The study of orchestration de Samuel
Adler e a tese de mestrado de Fanuel Lima Júnior (A elaboração de arranjos de
canções populares para violão solo) como referenciais teóricos. Em seguida
discutiremos os métodos de análise que serão utilizados neste trabalho. A ausência
de uma metodologia que englobe todos os aspectos pertinentes às duas músicas
não favorece o uso de uma linha única de análise, de modo que consideraremos
pontos pertinentes de diferentes autores: Douglass Green (Form In Tonal Music),
Arnold Schönberg (Fundamentos da composição musical), Paulo de Tarso Salles
(Análise musical: etapas) e Dirk Stederoth (Sound, groove, performance: Categorias
de realização estético--musical para caracterizar a música popular). Por fim, algumas
características de Rabello enquanto intérprete e arranjador serão pontuadas, e
apresentaremos as músicas, discutindo algumas escolhas específicas de cada
arranjo. Contaremos com apoio de partituras e de áudios para a análise.
13

2. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICO-BIOGRÁFICA

2.1. RAPHAEL RABELLO

Rafael Rabello5 nasceu em 31 de outubro de 1962 em Petrópolis, no Rio de


Janeiro. Descendente de espanhóis, filho caçula de uma família grande que
incentivava a vivência musical dos filhos, sua carreira começou cedo e durou pouco,
porém foi muito intensa (NOBILE, 2018). Sua maneira de tocar tornou-se referência
do violão no Brasil. Apesar de ter grande importância, fala-se pouco de sua vida e
obra, e só recentemente (em 2018) ganhou uma biografia, escrita por Lucas Nobile
(Raphael Rabello: O Violão em Erupção). Portanto consideramos importante
apresentar um pouco de quem foi este violonista antes de analisar suas obras.
Apesar de ter se destacado como virtuose no violão, tanto solista quanto
acompanhador, Rabello também foi compositor, arranjador e participou inclusive
como regente em discos (NOBILE, 2018). Frequentou desde cedo rodas de choro no
Rio de Janeiro e foi um dos responsáveis por manter viva a tradição do choro.
Em sua família a música era elemento cotidiano. “O repertório de música
popular brasileira, com choro, samba, valsas e gêneros do Nordeste, presente na
casa da família Rabello desde os tempos de Petrópolis com o avô José de Queiroz
Baptista, também foi determinante para a formação do artista” (NOBILE, 2018, p.
289). Seu avô ensinou muito de música aos netos, mas Raphael, por ser o mais
novo, não chegou a ter aulas diretamente com ele. Rabello começou estudando
sozinho, explorando o violão e buscando os acordes por conta própria. Depois,
acompanhado da irmã Luciana Rabello, passava tardes ouvindo discos e tentando
tocá-los. Essa prática trouxe uma intimidade e fluência muito grande, e Rabello a
completou com o estudo de técnicas e repertórios clássicos com os mestres Meira e,
posteriormente, Turíbio Santos. Meira foi professor de muitos violonistas importantes
no Brasil, como Baden Powell. Utilizava métodos de violão como o de Tárrega, o

5
Nascido Rafael Baptista Rabello, o músico adotou o nome artístico com [ph] em determinado
momento da carreira e assim será referenciado neste trabalho, por ser o nome artístico utilizado no
disco aqui analisado.
14

Gran Método Completo Para Guitarra Aguado Sinópoli e La Escuela de la Guitarra


(de Mario Rodriguez Arenas) (BITTAR apud NOBILE, 2018, p. 54). Ainda sobre as
aulas de Meira, Nobile narra:

[...] um treino puxado de percepção, de harmonia, de contraponto, de ritmo,


de dinâmica e de repertório - que não contava apenas como choros, mas
com sambas, polcas, valsas, boleros, frevos, mazurcas e os mais variados
gêneros. [...] Ali, aprendiam-se contracantos, baixos obrigatórios, solos,
modulações, harmonizações de improviso, transposições de tonalidades,
levadas rítmicas. Não eram ensinamentos só para o instrumento, eram
aulas de música. (NOBILE, 2018, p. 55)

Este relato nos mostra que a formação de Rabello foi além do


desenvolvimento técnico única e exclusivamente, trazendo uma concepção mais
global da música. Essa abordagem mais completa influenciou muito sua maneira de
lidar com o próprio instrumento e com a atividade profissional. Ele se desenvolveu
numa geração de jovens músicos que “queriam estudar os fundamentos musicais,
entender os ‘comos’ e os ‘porquês’ de tocarem aquilo. Rafael era um dos frutos
daquele movimento” (NOBILE, 2018, p. 129). Havia sempre uma curiosidade em se
aprofundar nos materiais.

Turíbio Santos também foi crucial nesta formação. Insistiu bastante no


aprimoramento da leitura (habilidade pouco trabalhada nas rodas de choro). Rabello,
antes de Turíbio, lia bem cifras. “Turíbio então começou a passar para o violonista
de sete cordas os mesmos exercícios de leitura de partituras que indicava para seus
alunos no Conservatório Brasileiro de Música” (NOBILE, 2018, p. 90). Além disso fez
aulas de harmonia com o húngaro radicado no Brasil Ian Guest (NOBILE, 2018, p.
238). Portanto, apesar de não ter frequentado uma instituição de ensino de música
formal, seu estudo abarcou os materiais desta tradição.

Seu primeiro grupo foi Os Carioquinhas e surgiu em 1977. No início da


década de 1970 o Choro ganhava novamente espaço entre os jovens, em especial
através da influência dos Novos Baianos (CAZES, 1998, p. 147). O grupo dos irmãos
Rabello teve grande importância nessa retomada do Choro e sua formação era:
“Rafael Rabello no sete cordas, Maurício Carrilho no violão, Luciana Rabello no
cavaquinho, Celso Silva no clarinete, Paulo do Bandolim e Mário na percussão.”
15

(CAZES, 1998, p. 150). Para Cazes, “O mais fulgurante talento da geração de


chorões surgida nos anos 1970 foi indiscutivelmente Rafael Rabello” (CAZES, 1998,
p. 152).

Rabello então passou a tocar acompanhando Copinha, importante flautista


que já havia participado de discos como Coisas (1965) de Moacir Santos, Os afro-
sambas (1966) de Baden Powell e Vinícius de Moraes e Canção do amor demais de
Elizeth Cardoso. Copinha se impressionara com a maturidade e habilidade do jovem
violonista durante as turnês do Projeto Pixinguinha, com Turíbio Santos, e ficou mais
impressionado ainda ao ver o resultado do primeiro disco d’Os Carioquinhas. Além
de convidá-lo para integrar seu conjunto, apresentou Rabello ao amigo Radamés
Gnattali (NOBILE, 2018). Neste ponto a história destes dois músicos se cruzam, e é
importante compreender o que representa Radamés Gnattali no desenvolvimento de
Raphael Rabello e estabelecer um panorama geral de sua atuação na música
brasileira. Sobre ele, Nobile diz:

Radamés foi um dos autores mais profícuos no campo da chamada música


erudita, além, claro, de ter revolucionado o popular com suas composições
e, principalmente, com seus arranjos e orquestrações. Embora fizesse
distinções entre os gêneros, foi um experimentador, um pioneiro e um
apontador de caminhos ao mostrar o quão líquidas e rarefeitas eram as
fronteiras entre o erudito e o popular, e que misturar a sofisticação e a
complexidade de um com o balanço e o tempero do outro, mais do que
bem-vindo, era inevitável, era bonito, era necessário. (NOBILE, 2018, p.
134)

Gnattali indicou muitos caminhos e o incentivou a estudar e se aprofundar na


música. Rabello teve uma convivência bastante próxima com ele, que definiria anos
mais tarde como a relação mais importante da sua vida (NOBILE, 2018, p. 136). Em
1977, no primeiro encontro dos dois, promovido por Copinha, Radamés lhe
perguntou se sabia ler partitura. Como sua resposta foi insatisfatória, Raphael ouviu
do maestro: “Então tem que estudar. Estuda uns três anos e a gente se encontra, aí
eu vou gravar com você” (GNATTALI apud NOBILE, 2018, p. 120). Isto esclareceu
pontos cruciais para o jovem violonista:
16

Rafael compreendeu que deveria estudar a fundo não apenas seu


instrumento, mas a música como um todo. Mais do que isso, que era
preciso ouvir de tudo e que da mesma forma que o músico popular não
deveria se ater somente ao popular, o chamado erudito não podia se limitar
apenas à técnica apurada de concertista. (NOBILE, 2018, p.137)

Como muitos de seus conselhos foram seguidos por Raphael e outros jovens
músicos, Radamés também se inspirou através do convívio com essa geração
interessada:

Depois de um longo período sem praticamente ter para quem escrever


arranjos de música popular, já que os chorões veteranos em geral tocavam
apenas de ouvido, Radamés via naquela juventude de intérpretes
capacitados para ler e tocar as complexas obras que ele “canetaria”. Entre
eles, Raphael Rabello, um moleque de apenas 19 anos - 56 a menos que o
maestro! -, e que, como os instrumentistas de sua geração, chegava com
uma mentalidade bem mais aberta do que os chorões mais antigos,
podendo assim assimilar o quanto Radamés havia derrubado todas as
fronteiras entre as chamadas músicas popular e erudita. (NOBILE, 2018, p.
129)

Gnattali compôs muitas obras para esta nova geração de chorões e integrou
um grupo com alguns deles, a Camerata Carioca. O grupo surgiu em 1979 com uma
proposta ambiciosa: fazer uma nova versão da Suíte Retratos de Gnattali, composta
originalmente para Jacob do Bandolim e orquestra nos dez anos da morte de Jacob,
com a formação tradicional de um regional de Choro. A ideia de Joel Nascimento
exigia chorões que tivessem uma boa leitura musical, o que o fez buscar muitos dos
membros do conjunto Os Carioquinhas - entre eles Raphael e sua irmã Luciana.
Após shows deste Tributo a Jacob do Bandolim em capitais do país, o grupo foi
nomeado Camerata Carioca, e, sendo uma camerata, Radamés declarou que
escreveria arranjos também de concertos clássicos para o grupo incorporar em seu
repertório (CAZES, 1998). Com isso, foram incluídas algumas obras de Vivaldi junto
ao repertório de Choro.

A Camerata Carioca é, para Cazes (1998) o marco da chegada do Choro no


Teatro Municipal, ou seja, o reconhecimento e abertura de portas para a cultura
popular dentro de espaços tradicionalmente mais elitistas. A Camerata Carioca era o
típico grupo fora dos estilos pré-determinados: “Erudita demais para tocar em shows
17

de música popular e popular demais para ser convidada a apresentações e séries de


concerto” (CAZES, 1998, p. 175). Neste grupo vemos a influência da pluralidade
estilística de Gnattali influenciando músicos jovens ligados ao choro.

Rabello esteve presente no surgimento do grupo, porém algum tempo depois


foi substituído por Luiz Otávio Braga (que já havia passado pelo grupo durante o
Tributo a Jacob do Bandolim) devido à dificuldade de conciliar sua agenda - os
irmãos Rabello vinham recebendo diversos convites para gravações e shows
(inclusive no exterior) e saíram do grupo. Até 1982, com 20 anos, Rabello já havia
gravado faixas em LPs de Chico Buarque, João Bosco, Dona Ivone Lara, Elizeth
Cardoso, Ivan Lins, Elza Soares e muitos outros 6, além de ter assinado os arranjos
de alguns discos. Apesar de ter sua renda advinda fundamentalmente das
gravações como acompanhador, Rabello também vinha estudando o violão
enquanto instrumento solista, e em 1980 fez sua primeira apresentação oficial em
público como solista (NOBILE, 2018, p. 127).

A saída da Camerata Carioca não o distanciou de Gnattali. Em 1982 o


maestro o convidou para gravar um disco em duo de piano e violão. Radamés havia
escrito para Garoto o Concertino nº2 para violão e orquestra, e, identificando em
Raphael um músico capaz de encarar a dificuldade técnica que esta peça exigia,
decidiu arranjá-la para a formação em duo. A iniciativa resultou em um disco em
homenagem à Garoto, inteiramente arranjado para a dupla Gnattali e Rabello - “o
primeiro disco brasileiro a apresentar um duo de violão sete cordas e piano como
solistas” (NOBILE, 2018, p. 132).

A partir desta experiência, Rabello foi aprofundando seu estudo técnico para
dedicar-se a este repertório. Nobile aponta:

Pela primeira vez, um violonista que fora gestado musicalmente num berço
popular - o do choro, o do samba e o da seresta -, e que vinha estudando
posterior e seriamente para aprimorar sua técnica de concertista, dedicava-
se aquele repertório com uma visão ao mesmo tempo mais ampla e mais
aprofundada. (NOBILE, 2018, p. 138)

6
O livro de Nobile (2018) listou todas as participações de Rabello em discos de outros artistas.
18

Seu entusiasmo levou Gnattali a mostrar-lhe seus manuscritos originais,


explicando apontamentos e correções feitas durante o processo composicional. Na
ocasião da comemoração dos 80 anos do maestro, em 1985, foi feito um concerto
comemorativo no Teatro Municipal do Rio de Janeiro com o Quinteto Radamés.
Rabello participou como um dos solistas convidados pelo homenageado, executando
o Concerto nº1 para violão e orquestra. “Por fim, a estreia do garoto no Municipal
não poderia ter sido mais bem-sucedida [...] ele tinha apenas 22 anos” (NOBILE,
2018, p. 139-140). O jovem músico foi muito aplaudido. Neste mesmo ano,
entretanto, declarou em entrevista para o Jornal do Brasil: “No Brasil, há muito
preconceito contra músico popular que se atreve a tocar clássico” (RABELLO, R.
apud NOBILE, 2018, p. 140).

Rabello tinha em sua música uma junção de estilos que refletia não somente
seu estudo, mas também os repertórios que escutava. Tárik de Souza no Jornal do
Brasil em 1987 chamou atenção para os discos que Rabello costumava ouvir, que
incluíam David Bowie, Prince, Miles Davis, Wes Montgomery, Django Reinhardt e
Chick Corea (SOUZA apud NOBILE, 2018). Estas influências diversas, que contam
com execuções musicais com técnicas muito particulares, mostram um
instrumentista que não se limitava a uma bolha cultural. Um dos estilos que mais o
fascinou e envolveu foi o flamenco, muito influenciado pelo amigo Paco de Lucía
(inclusive foi um dos convidados no disco Todos os Tons). Após o contato com o
instrumentista espanhol, Rabello incorporou muitos elementos técnicos do flamenco,
entretanto esse fascínio pela música flamenca e a intimidade com este repertório já
o acompanhavam desde a infância:

Rabello já tinha tido contato com a riquíssima escola espanhola de violão.


Seu avô, José de Queiroz Baptista, além de estudar o método de Francisco
Tárrega, ouvia com frequência obras interpretadas por Andrés Segovia. [...]
ainda na infância Rafael tomou contato com algumas peças clássicas do
violão espanhol, por intermédio de seu cunhado Rick Ventura. Jayme
Florence, o Meira, também utilizava métodos espanhóis nas aulas para o
jovem aprendiz. Ao longo de sua formação, Rafael devorou o repertório de
choro, de samba, de valsas brasileiras e serestas - sem deixar de se
interessar em ouvir e tocar composições como “Capricho Árabe”,
“Recuerdos de la Alhambra”, “Danza Mora”, “Gran Vals”, por interpretações
de Francisco Tárrega, de Andrés Segovia, de Isaac Albéniz, de John
Williams, de Narciso Yepes, entre outros. Em 1993, por exemplo, quando
participou do programa Ensaio, dirigido por Fernando Faro na TV Cultura,
após tocar um pequeno trecho da primeira composição que fez quando
19

tinha entre 10 e 11 anos, Rafael disse que “tentava imitar aqueles violões do
Tárrega”. (NOBILE, 2018, p. 161-162)

Sua versatilidade estilística e abertura para diferentes gêneros possibilitaram


uma ampla atuação, garantindo seu sustento através do violão. Ao longo de sua vida
estabeleceu parcerias com artistas de diversos estilos. Para dimensionar
minimamente, trabalhou com artistas como: Ney Matogrosso, Paulo Moura, Nelson
Gonçalves, Armandinho, Joel Nascimento, Ivan Lins, João Bosco, Beth Carvalho,
Waldir Azevedo, Elizeth Cardoso, Jair Rodrigues, Clara Nunes, Altamiro Carrilho,
Luiz Melodia, Jamelão, Chico Buarque, Copinha, Martinho da Vila, Toquinho,
Gonzaguinha, Paulinho da Viola, Olivia Hime, Zé Ramalho, Moraes Moreira,
Amelinha, Nana Caymmi, Elza Soares, Wagner Tiso, Maria Bethânia, Hermeto
Pascoal, Leila Pinheiro, Henrique Cazes, Cazuza, Joyce, Mart’nália, Leci Brandão,
Gal Costa, Adriana Calcanhoto, Angélica, Paul Simon, Zeca Pagodinho, Leo
Gandelman, Fagner, Ângela Maria, Cauby Peixoto, Neguinho da Beija-Flor, Caetano
Veloso, Marisa Monte e Gilberto Gil, para citar alguns (NOBILE, 2018).

Para que pudesse ter tal versatilidade, não era só necessária uma abertura
pessoal, mas também técnica, e Raphael buscou aprender com diversos mestres,
sem se limitar a uma única escola:

Depois de esmiuçar e decodificar o violão de Dino 7 Cordas, a virtude de


Raphael foi não se limitar a seguir apenas a escola criada por aquele
grande referencial. Estudioso obstinado, ele foi descobrir que o violão tinha
uma trajetória riquíssima, construída por inúmeras mãos. Assim, em seu
instrumento ele carregou um pouco de cada um que havia contribuído para
escrever aquela história, no Brasil e no mundo. João Pernambuco, Django
Reinhardt, Garoto, Andrés Segovia, Quincas Laranjeira, Francisco Tárrega,
Satyro Bilhar, Augustín Barrios, Baden Powell, Paco de Lucía, Dilermando
Reis, Luiz Bonfá, Laurindo Almeida, Américo Jacomino (o Canhoto),
Paulinho Nogueira, Cesar Faria e, claro, Dino 7 Cordas e Jayme Florence, o
Meira. Todos fermentaram no caldeirão de Raphael Rabello, que soube
processar aquele sem-fim de informações e construir sua própria
personalidade musical.

Não apenas os violonistas foram determinantes para a construção daquela


identidade. Compositores e nomes ligados a outros instrumentos também
contribuíram de maneira importante, como Radamés Gnattali, Pixinguinha,
Ernesto Nazareth, Jacob do Bandolim e os autores clássicos, principalmente
Mozart, considerado um ‘mito’ por Raphael. Outra figura marcante para
Rabello foi Heitor Villa-Lobos (NOBILE, 2018, p. 288-289)
20

Seus últimos anos de vida foram tensos e intensos, em decorrência de


problemas de saúde (que serão comentados mais a fundo no subcapítulo 2.4).
Raphael Rabello morreu em 1995, aos 32 anos, em decorrência de uma parada
cardiorrespiratória (NOBILE, 2018, p. 280), porém sua produção musical ultrapassa
em muito seu tempo de vida: em seus últimos anos foram tantos projetos e tantas
gravações que seu último disco só foi lançado 10 anos após sua morte. Foram 6
discos póstumos no total. Seu legado nos proporciona centenas de gravações de
alto nível em diversos gêneros e estilos.

O que se sabe é que em menos de duas décadas - de 1976, ano de sua


estreia profissional, até 1995, data de seu falecimento - ele lançou dezenove
discos e atuou em mais de seiscentas faixas de álbuns de grandes artistas,
além de seis CDs póstumos. (NOBILE, 2018, p. 285)

Interessante destacar que seu primeiro disco (Os Carioquinhas no choro) foi
lançado em 1977 (Rabello tinha apenas 15 anos), logo no ano seguinte da sua
estreia profissional. Além dos diversos registros em áudio, há gravações de vídeos
caseiros com Rabello tocando e algumas participações em programas de TV. Como
parte de seu legado, foi fundada em 1998 a Escola Brasileira de Choro Raphael
Rabello em Brasília (NOBILE, 2018, p. 300). Rabello foi muito reconhecido em vida
por músicos no Brasil e no exterior. Paco de Lucía disse em entrevista “Rafael é um
dos melhores guitarristas, é o melhor de seu país” (NOBILE, 2018, p. 153); “Baden
[Powell] disse a Paulinho [da Viola]: ‘Olha, eu queria te dizer outra coisa: violão aí no
Brasil só tem o Rafael’” (NOBILE, 2018, p. 155). Por todo seu trabalho, manter sua
memória viva é uma homenagem justa e necessária. Sua obra ainda representa um
campo vasto de pesquisa musical.

2.2. TOM JOBIM

Tom Jobim foi pianista, arranjador e compositor, além de cantar e tocar violão.
Suas músicas alcançaram fama nacional e internacional ainda quando jovem e é
reconhecido até hoje como um dos grandes expoentes da música brasileira.
21

Fazendo uma breve biografia7, nasceu em 25 de janeiro de 1927 no bairro da Tijuca,


no Rio de Janeiro. Em 1941 começou a estudar piano com Hans Joachim
Koellreutter e em 1947 começou a trabalhar como pianista em bares e boates
cariocas8. Em 1952 foi contratado pela Rádio Continental como arranjador e em
poucos meses começou a gravar suas próprias canções e a obter sucesso através
delas. A parceria com Vinícius de Morais surge em 1956, quando Tom Jobim foi
indicado para ajudar na composição das músicas de Orfeu da Conceição, “e em
pouco tempo estava consolidada uma das mais importantes duplas de compositores
já formada em toda a história da música popular brasileira” (CABRAL in CHEDIAK,
1990b, p. 10). Nos anos que se seguiram, sua importância no cenário da música
brasileira cresceu exponencialmente. Foi uma peça chave no surgimento e na
popularização da Bossa Nova, que em menos de uma década já seria um fenômeno
musical reconhecido internacionalmente. No livro A Canção no Tempo - 85 anos de
músicas brasileiras, o marco utilizado pelos autores para dividir o volume 1 do
volume 2 é justamente a Bossa Nova, mais especificamente o samba Chega de
Saudade, gravado em 1958 por Elizeth Cardoso, de autoria de Tom Jobim e Vinícius
de Moraes. Na primeira imagem do livro, temos Jobim ao violão com a seguinte
legenda: “Principal responsável pela modernização da canção brasileira, o
compositor, pianista e arranjador Antônio Carlos Jobim é a grande figura de nossa
música popular na segunda metade do século” (SEVERIANO; MELLO, 1998, p. 21).

7
As informações biográficas foram retiradas do site http://portal.jobim.org/jobim e dos livros de Sérgio
Cabral indicados nas referências.
8
Tocava no Clube da Chave (CABRAL in CHEDIAK, 1990c, p. 10).
22

Figura 1 - Tom Jobim

Fonte: SEVERIANO; MELLO (1998, p. 21)

Outros autores e músicos brasileiros também associam Tom Jobim ao marco


inicial da Bossa Nova, como Caetano Veloso e Almir Chediak: “Para mim, o núcleo
da Bossa Nova é formado pela personalidade artística de João Gilberto e pela
23

exuberância criativa do músico e compositor Antônio Carlos Jobim” (VELOSO apud


CHEDIAK, 1990a, p. 22).

Se alguém quiser estabelecer o dia exato em que nasceu a Bossa Nova, há


muitos a sua escolha. Pode ser indicado, por exemplo, aquele dia em que o
crítico e historiador Lúcio Rangel apresentou Antônio Carlos Jobim a
Vinicius de Moraes, num bar do Centro do Rio de Janeiro, para que o
primeiro criasse as melodias da peça Orfeu da Conceição, escrita por
Vinicius. Pode ser também aquele em que Tom Jobim telefonou para
Aloysio de Oliveira, então diretor artístico da gravadora Odeon, convidando-
o para ir à sua casa a fim de conhecer um “baiano que canta diferente”,
chamado João Gilberto. Ou quando o mesmo João Gilberto tocou violão na
gravação Chega de saudade, por Elizeth Cardoso, no LP Canção do amor
demais. Pode ainda escolher o dia em que Tom Jobim, escrevendo na
contracapa do LP Chega de saudade, apresentou João Gilberto como “um
baiano bossa-nova de 27 anos”. Também não seria absurdo apontar o dia
em que Tom Jobim e Newton Mendonça compuseram Desafinado, cuja letra
dizia que “isso é Bossa Nova, isso é muito natural”. (CHEDIAK, 1994a, p.
14)

Estes chamados “marcos” na verdade nada mais são do que as resultantes


de um processo de transformação que estava ocorrendo na música brasileira no
cenário carioca desde a década de 40. Porém Chediak aponta: “Quando a Bossa
Nova explodiu, com as primeiras gravações de João Gilberto, o nome de Antônio
Carlos Jobim estava na frente, como autor das obras mais significativas e como
arranjador dos primeiros discos com a nova música” (CHEDIAK, 1990c, p. 12), de
modo que a Bossa Nova e Tom Jobim são elementos indissociáveis.
A Bossa Nova teve um papel fundamental na emancipação da cultura
brasileira no cenário internacional. O Women’s Wear Daily, em ocasião de uma visita
de Jobim aos Estados Unidos em turnê com a Nova Banda, destacou que “a bossa
nova convenceu os norte-americanos de que o Brasil produzia algo mais do que
grãos de café” (CABRAL, 1997, p. 381), mostrando que a Bossa Nova foi realmente
um divisor de águas. Ronaldo Bôscoli em entrevista pontuou que a Bossa Nova foi o
primeiro movimento musical brasileiro a prestigiar os jovens (BÔSCOLI in
CHEDIAK,1990c, p. 22), alinhando-se com outros movimentos musicais que vinham
se fortalecendo nos Estados Unidos e na Europa, tal como o Rock.
Jobim é uma potência da música brasileira: “Das 10 músicas brasileiras mais
gravadas, cinco são de sua autoria: Garota de Ipanema, Samba de uma nota só,
Corcovado, A felicidade e Desafinado, cada uma com mais de 100 gravações, sendo
24

que Garota de Ipanema já teve mais de 300” (CABRAL in CHEDIAK, 1990c, p. 10)9.
Sua carreira foi também um reflexo do próprio momento político do Brasil, que vivia
um período desenvolvimentista com Juscelino Kubitschek. O próprio Jobim em
entrevista explica:

O fato é que a música brasileira ia em direção a algo novo, na direção do


progresso, daquilo que Juscelino fazia, quando o Brasil começou a fabricar
automóveis, construir estradas, tinha a Petrobrás com “o petróleo é nosso”,
aquela coisa toda. (JOBIM, T. in CHEDIAK, 1990c, p. 18)

Seu primeiro disco assinando como intérprete saiu em 1964, gravado nos
Estados Unidos, intitulado Antônio Carlos Jobim, the composer of Desafinado, plays,
título bastante sugestivo, que mostra que seu trabalho como compositor foi a
alavanca para sua carreira como intérprete. Suas obras foram tocadas por diversos
intérpretes renomados no mundo inteiro, incluindo nomes como Frank Sinatra e Ella
Fitzgerald, para não falar de Elis Regina10. O antológico disco Getz / Gilberto
lançado em 1964 (de Stan Getz e João Gilberto) trazia apenas composições de
Jobim, e, além de ganhar 4 Grammys, ficou 96 semanas nas paradas de sucesso,
chegando ao segundo lugar de vendas e execuções, atrás apenas dos Beatles. O
disco Francis Albert Sinatra and Antônio Carlos Jobim também alcançou a mesma
marca de vendas e execuções em 1967.
A amizade e parceria com Chico Buarque surgiu em 1966, destacando-se em
sua carreira e na música brasileira como um todo. A década de 60 foi marcada por
muitos discos, muitas canções de sucesso e projetos no exterior. Ganhou o Festival
da Canção em 1968.
A década de 70 foi igualmente recheada de discos. Em 1970 lançou dois
álbuns: Stone Flower e Tide, sendo este segundo instrumental e com toques
orquestrais, numa linguagem bastante jazzística. Tom Jobim em muitos momentos
se aproximou da música orquestral e erudita - o exemplo mais forte disto é a peça
encomendada Sinfonia da Alvorada de 1960, mas também a música Lenda de 1954,
e mesmo na sua maneira de compor algumas peças populares, com toques da

9
Vale destacar que estes números que impressionam já estão bastante desatualizados, por terem
sido recolhidos 29 anos antes do desenvolvimento desta pesquisa – hoje o número de gravações é
ainda mais elevado do que os dados apresentados por Chediak.
10
Tom Jobim foi o compositor mais gravado por Elis Regina, com um total de 24 músicas diferentes
(KFOURI apud CABRAL, 1997, p. 314)
25

tradição erudita. Para ele, muito influenciado pelo seu professor Koellreutter 11, não
existiam fronteiras rígidas entre o erudito e o popular (JOBIM, P., 2000, p. 26). Em
1972 compõe Águas de Março e em 1973 lança no Brasil o disco Matita Perê. Elis &
Tom é de 1974, só para citar alguns exemplos de sua intensa atividade.
Também na década de 70 Jobim passa a adotar uma postura mais firme
quanto a questões ecológicas, que muitas vezes serviam inclusive de inspiração
para suas músicas e discos. Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello identificam
que o lançamento de Águas de Março e Matita Perê marcam o início de “uma
intensificação em sua obra do uso de temas ligados à natureza” (SEVERIANO,
MELLO, 1998, p. 170). Essas temáticas se tornam recorrentes na obra de Jobim,
vide Urubu, em homenagem ao pássaro que Jobim dizia que “é a nossa águia”
(Jobim, T. apud CABRAL, 1997, p. 330), fazendo referência ao símbolo do
nacionalismo estadunidense. Muitas músicas e discos levam nome de animais e
elementos da natureza, ou se relacionam diretamente com a fauna e flora brasileira.
Na música Correnteza por exemplo recriou toda a paisagem natural através da
canção de amor, narrando o movimento do rio, de flores, frutas, pássaros, do clima,
do céu, e até de como o barro fica marcado pela passagem do gado. Tal criação
imagética é também feita de certo modo em Águas de Março ao descrever a
natureza brasileira no final do verão. Ao adaptar esta letra para o inglês, relatou que
a dificuldade não estava apenas em traduzir as palavras, mas sim em fazer
compreender as imagens criadas poeticamente, fato que o levou a abandonar a
fidelidade ao texto em português, recriando-o para que as imagens pudessem ser
mais impactantes e mais facilmente assimiladas na cultura estadunidense (CABRAL,
1997, p. 303).
Toda sua vida foi marcada por dezenas de homenagens e reconhecimentos
ao seu trabalho, apesar de ter sempre denunciado a resistência do mercado
nacional para a música brasileira (os músicos brasileiros eram mais reconhecidos no
exterior e as rádios nacionais tocavam programação estrangeira o dia inteiro12).

11
A influência do pensamento de Koellreutter em Tom Jobim não se faz tão presente em aspectos
especificamente musicais, mas sim enquanto concepção de arte de modo geral. Jobim fez pouco uso
das tradições musicais contemporâneas trazidas ao Brasil pelo professor alemão, entretanto a
filosofia de ensino e pensamento musical de Koellreutter encontra diversos paralelos na obra de
Jobim, que apresentava uma erudição para além do campo musical exclusivamente, propondo
interações e diálogos com outras áreas do conhecimento, mostrando um estudo e aprofundamento
pessoal amplo, tal qual recomendava seu mestre.
12
CABRAL, 1997.
26

Em 1981 escreveu a primeira das canções tratadas neste trabalho: Luiza. Em


1984, Tom Jobim formou a Banda Nova com os músicos Paulo Jobim, Danilo
Caymmi, Sebastião Neto, Jaques Morelenbaum, Paulo Braga e as cantoras Ana
Jobim, Elizabeth Jobim, Paula Morelenbaum, Maúcha Adnet e Simone Caymmi, com
a qual apresentou-se nos palcos do mundo inteiro, incluindo Japão, Europa e EUA.
Esta banda foi bastante determinante no modo de compor de Tom Jobim nos seus
últimos 10 anos de vida. Por ser uma formação grande, com músicos de alto nível e
bastante íntimos de Jobim, as composições tornaram-se mais complexas, com
arranjos mais definidos para cada composição (em oposição aos standards de
Bossa Nova e Brazilian Jazz, este último com muita liberdade de improvisação). No
volume 5 do Cancioneiro Jobim temos alguns relatos que ressaltam o novo caráter
que a formação da Banda Nova proporcionou às músicas:

Sustentados por 26 instrumentos de cordas e seis de sopro, Tom e a Banda


restauram o charme da Bossa Nova nos anos 1980, retomam alguns temas
presentes em trabalhos anteriores, como as canções de amor e louvor com
nomes de mulher (“Bebel”, “Luiza”, “Gabriela” - pela primeira vez gravada
por inteiro, como uma espécie de suíte, contendo até citações de “Boto”)
[...]. (JOBIM, P., 2001, p. 17)

Recebeu em 1990 o título de Doutor Honoris Causa da Universidade do Rio


de Janeiro, recebeu honrarias da Ordem do Rio Branco e foi nomeado presidente do
Conselho Diretor da Universidade Livre de Música, atual Escola Municipal de Música
do Estado de São Paulo Tom Jobim (EMESP Tom Jobim). Jobim foi homenageado
com o tema do carnaval da Mangueira em 1992, que inspirou a música Piano na
Mangueira, feita em agradecimento à escola, com parceria de Chico Buarque como
letrista. Apesar de não ter ganhado, o desfile foi aplaudido do início ao fim, o que
Sérgio Cabral chamou de “uma consagração popular” (CABRAL, 1997, p. 420).
Muito ligado a questões de ecologia desde sempre, em 1992 Jobim fez um concerto
na Eco 92 (ou Rio 92), conferência ambiental de grande importância internacional.
Fez diversos eventos com a Rainforest Foundation, entre outras parcerias em defesa
dos índios, das florestas e dos animais. Em 1993 recebeu o título de Doutor Honoris
Causa também pela Universidade Nova de Lisboa.
Seus últimos anos tiveram uma rotina de shows intensa, com diversos
compromissos internacionais. Faleceu aos 67 anos em 8 de dezembro de 1994 em
Nova Iorque, 3 dias antes do lançamento oficial do disco Antônio Brasileiro.
27

2.3. AS MÚSICAS

As duas músicas que serão analisadas a fundo neste trabalho são de


momentos distintos da carreira de Tom Jobim, e não fazem parte do seu repertório
típico de Bossa Nova, sendo interessante analisar mais atentamente o contexto do
momento da concepção de cada uma destas obras. Ambas foram compostas a partir
de propostas da TV Globo para trilhas sonoras: Luiza foi composta para a novela
Brilhante (usada inclusive como tema de abertura), que foi ao ar entre 1981 e 82, e
Passarim foi composta para a minissérie O Tempo e o Vento de 1985.
Luiza foi gravada pela primeira vez com Tom Jobim cantando e tocando solo
para o tema da novela. Depois foi gravada no disco Edu & Tom Tom & Edu.

Tom foi convidado por Aloísio de Oliveira para tocar piano no clássico Pra
dizer adeus (Edu Lobo e Torquato Neto) do long-play que Edu Lobo ia
começar a gravar com a participação de vários músicos e cantores. Mas
não deu outra. No estúdio, após criar uma nova introdução em Pra dizer
adeus, Tom pediu para participar da faixa Canção do amanhecer (Edu Lobo
e Vinícius de Morais). Aloísio de Oliveira, com a experiência de quem
produzira os discos de Miúcha, propôs que o LP fosse dividido entre Edu
Lobo e Antônio Carlos Jobim. Saiu um disco antológico, não só pela
qualidade das músicas e da apresentação de cada uma, mas também pela
perfeita identidade entre dois criadores de gerações diferentes que se
admiravam mutuamente. (CABRAL, 1997, p. 357)

Em 1985, no ano seguinte ao surgimento da Banda Nova, foi convidado para


fazer a trilha sonora da minissérie O Tempo e o Vento da Rede Globo, inspirada na
obra de Érico Veríssimo. Nesta trilha, aparece pela primeira vez a música Passarim,
ainda com o nome O Tempo e o Vento (Passarim). Dois anos depois, a música é
oficializada com o nome de Passarim, em um disco de nome homônimo, gravado
com a Banda Nova.

Para Tom, pôr música numa minissérie baseada na obra de Érico Verissimo
foi mais que uma honra, foi um reencontro com suas raízes gaúchas, uma
homenagem indireta a seu pai, que, por sinal, os Verissimo haviam
conhecido em Porto Alegre. Gravada em março de 1985, no estúdio da Som
Livre, com Tom ao piano e a Banda Nova, Zé Renato, Kleiton e Kledir e o
Conjunto Farroupilha nos vocais, a trilha de O tempo e o vento tinha ao todo
seis temas: “Passarim”, “Chanson pour Michelle”, “Bangzália”, e mais três
(“Um certo capitão Rodrigo”, “Senhora Dona Bibiana”, e “Rodrigo, meu
capitão”). (JOBIM, P., 2001, p. 12-13).
28

Para a compreensão do que significou essa trilha sonora para Jobim, é


preciso ter o olhar voltado para sua família. Antônio Carlos Jobim é filho de Nilza
Brasileiro de Almeida Jobim e Jorge de Oliveira Jobim. Os pais viveram muito pouco
tempo juntos, separando-se quando o filho ainda era bebê. A convivência de Tom
com o pai foi, portanto, algo que deixou poucas memórias. “‘Um dia’, contou a Luiz
Carlos Lisboa, ‘vi mamãe chorando e meu avô me chamou para conversar. Tinha
oito anos e entendi logo o principal: papai havia morrido. Não senti nada, mal o
conhecia’” (CABRAL, 1987, p. 44). Apesar de ter poucos sentimentos pelo pai, pela
falta de convívio, Tom sempre se interessou pelas origens da família Jobim no Rio
Grande do Sul. Jorge de Oliveira Jobim, gaúcho de São Gabriel, nascido em 23 de
abril de 1889, foi escritor e diplomata (CABRAL, 1997, p. 13).

A figura do pai desconhecido fascinava Antônio Carlos Jobim. Cada


descoberta de um texto assinado por Jorge Jobim ou mesmo de um
episódio vivido por ele constituía para Tom um passo importante para a
montagem de um quebra-cabeça que parecia ser a integridade da própria
alma. “Sérgio Buarque de Holanda me deu uma carta do meu pai escrita
para ele. Isso é um conforto para quem, como eu, não teve pai”, disse Tom
numa entrevista de 1980. (CABRAL, 1997, p. 13)

Jobim só obteve informações sobre sua linhagem paterna depois de adulto.


Através de um primo de seu pai recebeu informações sobre a morte dele e também
sobre as origens da família, por exemplo que “o sobrenome Jobim era uma
adaptação portuguesa de Joubin, da família dos seus ancestrais franceses que
desembarcaram no Rio Grande do Sul no século XVIII” (CABRAL, 1997, p. 16)

Quanto a Jorge Jobim, recolheu informações isoladas, como, por exemplo,


a de que ele escrevera, em 1925, a letra de uma marcha em homenagem
ao Grêmio Porto-alegrense, cuja melodia era de autoria de Radamés
Gnattali. Tal informação o emocionou muito, pois, como veremos adiante,
não haveria qualquer exagero na afirmação de que Radamés foi outro pai -
o pai musical - de Antônio Carlos Jobim. O fracasso do casamento de Nilza
e Jorge causava-lhe tal sensação de desconforto que só na década de 1970
ele falaria abertamente sobre o assunto. (CABRAL, 1997, p. 16-17)

A partir dessas informações é possível traçar a importância para Jobim dessa


experiência de criar uma trilha sonora para um livro que narra a cultura gaúcha: há o
fator geográfico que aproxima Um certo capitão Rodrigo da genealogia de Jobim, há
o agravante da aproximação pessoal entre a família Jobim e a família Veríssimo no
29

sul do país, e por fim há uma coincidência na própria personalidade de Jorge Jobim
com Rodrigo: a figura do típico galanteador mulherengo.

Segundo depoimento do escritor Érico Veríssimo ao jornalista Tarso de


Castro, Jorge “não era bem-visto nas famílias de filhas moças de Porto
Alegre. Tem uma delas, rica, que até hoje esconde manuscritos dele”. Com
a jovem Nilza, porém, a situação foi diferente. “Meu pai não conseguiu
suportar a beleza de minha mãe”, diagnosticou Tom. Iolanda, irmã de Nilza,
revelou que Jorge não permitia sequer que a esposa fosse à praia com o
menino (era “morbidamente ciumento”). (CABRAL, 1997, p. 19)

Passarim, entretanto, já vinha sendo trabalhada desde antes do convite da


Globo. Iniciou-se, na verdade, com um convite do diretor Marco Altberg para que
Jobim desenvolvesse uma trilha sonora para um filme baseado no romance Trilogia
do assombro, o terceiro livro de Helena Jobim, sua querida irmã. Tom começou a
compor Bolero e Passarim, e dizia que Passarim era “a cara de Helena” (JOBIM, T.
apud CABRAL, 1997, p. 377). Mas o filme não se concretizou, e Jobim continuou
desenvolvendo-a para a trilha de O tempo e o vento. De todo modo, as origens de
sua família serviram direta ou indiretamente de inspiração para o desenvolvimento
desta composição.
Sobre a gravação desta trilha sonora Cabral descreve:

As músicas foram gravadas em março de 1985, no estúdio da Som Livre, e


apresentadas por Tom Jobim no piano e a Nova Banda, agora reforçada
pelo violoncelo de Jacques Morelenbaum. Nos vocais, Nana Caymmi, Zé
Renato, Kleiton e Kledir, o Conjunto Farroupilha e um coro integrado por
Ana, Beth, Paulinho Jobim e Simone Caymmi. Os arranjos ficaram por conta
de Dori Caymmi, Paulo Jobim e Jacques Morelenbaum. Além de Passarim,
Tom compôs Chanson pour Michelle, Bengzália, Cavaleiro monge, O rio da
minha aldeia, Um certo capitão Rodrigo, Senhora dona Balbina e Rodrigo,
meu capitão (CABRAL, 1997, p. 379-380)

A versão definitiva desta canção, entretanto, viria somente alguns anos


depois, com o disco Passarim, que renderia inclusive o primeiro Disco de Ouro da
carreira de Jobim.

Passarim. Parecia coisa de Guimarães Rosa - e era, ao menos no nome.


Suas raízes se perdiam na infância de todos nós, naquelas parlendas em
que o cão corre atrás do gato, o gato atrás do rato - do rato e do passarinho.
“Cadê o fogo, a água apagou/ E cadê a água, o boi bebeu/ Cadê o amor, o
gato comeu…”. “Passarim” seria a primeira faixa e também o título do
primeiro disco de Tom e a Banda Nova: uma produção familiar, coordenada
por Paulo Jobim e Jaques Morelenbaum (que também cuidaram dos
arranjos), com fotos de Ana Jobim, design gráfico de Elianne Canetti Jobim
e trazendo na capa uma pintura de Beth Jobim. Gravado entre novembro de
30

1986 e março de 1987, em dois estúdios cariocas (Polygram e


Transamérica), Passarim foi mixado em abril, em Nova York, sob as vistas
de Jaques e Tom. [...] daria ao maestro o seu primeiro Disco de Ouro.
(JOBIM, P., 2001, p. 17)

2.4. TODOS OS TONS

“Raphael é o maior violonista do Brasil, este disco é um


acontecimento, é formidável”, comemorou Tom em
entrevista ao Jornal do Brasil (NOBILE, 2018, p. 230)

Todos Os Tons é um álbum bastante particular, por diversos motivos. O disco


levou mais de uma década para se concretizar e é uma homenagem a um dos
grandes nomes da nossa música. Por sua vez, Tom Jobim considerava Rabello um
dos maiores violonistas brasileiros de todos os tempos (NOBILE, 2018, p. 224). Ele
encerra, portanto, um ciclo de mútuo respeito e admiração, em que Jobim atuou
fornecendo suas partituras originais, aconselhando-o nos arranjos e até mesmo
tocando piano na faixa Garoto. Em seu livro, Nobile conta como se deram os
contatos e os auxílios: “Tom entregou fitas e partituras de músicas suas para o
jovem seguidor. [...] Era algo para poucos, e o violonista havia conquistado aquela
confiança por merecimento” (NOBILE, 2018, p. 230). Apesar do grande fluxo de
produção em estúdio de Rabello (nos seus 32 anos de vida foi capaz de gravar mais
de 600 faixas como participações em discos de diversos artistas), era comum que
seus discos fossem resultados de um longo processo de amadurecimento pessoal.
Desde o início de sua carreira foi assim: alguns levaram 2 anos, alguns 4 ou 5, e
Todos os Tons foi seu processo mais longo, também por conta das muitas
adversidades que ocorreram desde a sua concepção até sua realização em 1992
pela BMG Ariola. Mas a espera trouxe bons frutos: “Todos os Tons vendeu 20 mil
cópias [...] muito acima da média para um álbum instrumental na época” (NOBILE,
2018, p. 234).

Raphael e Tom se conheceram em 1979, apresentados por um


intermediário profundamente admirado pelos dois: Radamés Gnattali. Era
época do surgimento da Camerata Carioca, que naquele ano gravaria o LP
Tributo a Jacob do Bandolim. Naquele período, Radamés, Tom, Raphael e
31

outros músicos se encontravam com frequência para um chopinho de fim de


tarde (NOBILE, 2018, p. 228)

Como não poderia deixar de ser, a música era assunto recorrente naquelas
reuniões de botequim. Naquele contato informal, Raphael pediu a Tom que
ele passasse a partitura de “Garoto”, de autoria do pianista e gravada pelo
próprio Jobim com o título de “Choro” em seu disco Stone Flower, de 1970.
Ali, no Lucas, os dois conversaram despretensiosamente pela primeira vez
sobre o projeto de um dia gravar temas de Tom em arranjos para violão.
Três anos depois, quando gravou “Garoto”, o choro-homenagem de Jobim
ao genial Aníbal Augusto Sardinha, em seu primeiro LP solo, Raphael
contou com o auxílio luxuoso do compositor na transcrição da música do
piano para o violão sete cordas. (NOBILE, 2018, p. 229)

Este foi o primeiro contato estabelecido entre os dois músicos, e que seria o
início de uma colaboração de longa data, não só com Tom Jobim, mas também com
seu filho, Paulo Jobim, que também era violonista e conhecia as músicas muito bem
(tanto que foi o responsável pela organização das composições de seu pai no
Cancioneiro Jobim e no acervo online do Instituto Antônio Carlos Jobim, ambas com
sua obra completa). Como Jobim tinha muitos compromissos internacionais, e às
vezes passava longos períodos nos Estados Unidos, Paulo se tornou um importante
aliado de Rabello em seu projeto.

Com a viagem do compositor, Raphael mergulhou na transcrição de


algumas daquelas obras do piano para o violão, trocando figurinhas com
alguém mais do que indicado para tal bate-bola, o filho de Tom e também
violonista Paulo Jobim. Assim que voltou dos Estados Unidos, o pianista se
juntou aos dois e logo algumas músicas começaram a tomar forma.
Satisfeito com o resultado, Rabello resolveu “testá-las” diante do público, e
já em fevereiro de 1989, no projeto Brahma Extra, tocou “Luiza”, em arranjo
solo, e “Samba do Avião”, acompanhado por Dininho, no contrabaixo
“mariachi”. (NOBILE, 2018, p. 230)

Porém nem só por perfeccionismo o disco levou tanto tempo para se


concretizar:

Dez anos depois de a semente daquele projeto ser lançada, quando tudo
começava finalmente a se desenrolar de forma mais veloz, o imponderável
deu as caras. Cinquenta dias após a mídia noticiar que o disco seria
32

gravado e lançado em poucos meses, Raphael Rabello sofreu o


preocupante acidente em um táxi no Leblon. (NOBILE, 2018, p. 230)

Um dos acontecimentos responsáveis pelo adiamento deste projeto foi o


acidente de carro sofrido por Rabello. Pela gravidade do acidente, não era certo nem
ao menos se o violonista poderia voltar a tocar algum dia. Felizmente, ele se
recuperou e em poucos meses voltou à atividade profissional - porém retornou com
outros compromissos que não este seu disco solo: um disco com Elizeth Cardoso,
uma parceria com Ney Matogrosso e um disco com Dino 7 Cordas, seu mestre.
Não bastasse o acidente de carro, em 1992 (durante as gravações do disco
Todos os Tons) Rabello fez um exame que o atestou positivo para o vírus HIV,
causador da Aids (NOBILE, 2018, p. 269). Após esta descoberta, que na época
significava que a morte viria em pouco tempo, a maneira como Rabello lidou com a
vida e com a música mudou drasticamente: ao invés de seus longos e criteriosos
processos, ele passa a gravar tudo o mais rápido possível, numa literal corrida
contra o tempo, tanto pelo desejo de fazer coisas que ainda não tinha tido tempo de
realizar quanto pela preocupação de deixar uma fonte de sustento considerável para
suas duas filhas, através das vendas e dos direitos autorais. A maneira como
Rabello desenvolveu os discos seguintes foi radicalmente diferente do modo deste
disco e seus antecessores. Todos Os Tons é o ápice do seu processo de
amadurecimento: a nenhum outro, antes ou depois, foi dedicado o mesmo tempo de
preparação dos arranjos, de escolha dos músicos e de elaboração do projeto como
um todo. Tom Jobim, no período que antecedeu as gravações deste disco, estava
numa fase importante, de grande dedicação a cada trabalho, e de elaborações
bastante refinadas às suas composições e arranjos, acompanhado pela Banda
Nova. Como Tom Jobim participou ativa e intensamente no disco inteiro, vemos que
o resultado final é uma peça muito bem-acabada e zelada nos menores detalhes por
ambos, compositor e intérprete.

Para efeito de comparação, entre 1982 e 1991 Rabello gravou e lançou oito
álbuns. Já Tom fez menos da metade disso, embora devesse se considerar
que aquelas produções, por suas características, consumissem mais tempo
mesmo. Eram duas trilhas, uma para o filme Gabriela (dirigido por Bruno
Barreto e inspirado no romance de Jorge Amado), de 1983, e outra para a
minissérie O Tempo e o Vento lançada pela TV Globo em 1985. Além delas,
33

o compositor dedicou boa parte de seu tempo a mais um disco memorável


em sua carreira, Passarim, de 1987. (NOBILE, 2018, p. 229)

Duas vezes ele entraria num estúdio em 1991. Em nenhuma delas para
gravar um disco seu. No álbum Todos os Tons, com o melhor do compositor
recriado pelo violão de Raphael Rabello, Tom o acompanhou ao piano no
choro ‘Garoto’ - justamente a música que, dez anos antes, ensinara a
Raphael a transcrever para violão. (JOBIM, P., 2001, p. 20)

As participações no disco foram diversas, intencionalmente. O disco contou


com “variadas formações instrumentais em cada uma das músicas para buscar um
colorido diferente entre as faixas. Para isso, Raphael cercou-se de alguns dos
maiores instrumentistas do país naquele momento” (NOBILE, 2018, p. 231). Na
primeira faixa, Samba do Avião, observa-se uma grande influência flamenca com a
participação de Paco de Lucía. Além dele, nesta faixa temos Marçalzinho na
percussão, Paulinho Braga na bateria e Dininho no baixo 5 cordas. Em Samba de
Uma Nota Só foi acompanhado por Dininho novamente e Ivan Conti (mais conhecido
como Mamão) na bateria. Passarim, a única faixa cujo arranjo foi feito não só por
Rabello, mas sim em parceria com Paulo Jobim, manteve a mesma formação da
faixa anterior. Retrato em Branco e Preto contou com Jaques Morelenbaum no
violoncelo e no piano Luiz Avelar. Modinha foi feita por Rabello em violão solo.
Garota de Ipanema teve Luizão Maia no baixo de cinco cordas e Wilson das Neves
na bateria. Anos Dourados mistura duas formações já vistas antes, com Dininho no
baixo 5 cordas e Luiz Avelar na bateria. Já na faixa Garoto o pianista é o próprio
Tom Jobim, atuando junto com Leo Gandelman no saxofone, Wilson das Neves na
bateria e Nico Assumpção no baixo 6 cordas. Pois É foi gravada com Nico
Assumpção novamente e Paulo Moura no sax-alto (com quem Rabello gravaria
depois o disco Dois Irmãos). E encerra o disco com outra faixa solo, Luiza.13
A decisão de diversificar os músicos e buscar arranjos com características
diferentes entre as faixas não foi à toa. Rabello, que ao longo de seus 20 anos de
carreira tocou com músicos de diversos estilos (tanto da música brasileira quanto
nomes internacionais), queria mostrar que sua musicalidade estava além do nicho
no qual iniciou sua carreira e sua fama. “Muito da sonoridade do LP tinha a ver com
sua época. Rabello também não queria carregar nos ombros o rótulo de ser um
músico tradicionalista, de ser classificado injustamente pelo público em geral como
‘velho’ e unicamente ligado ao choro” (NOBILE, 2018, p. 234)
13
As informações sobre as participações foram retiradas do próprio encarte do álbum.
34

O sucesso de vendas também não foi à toa. Tom Jobim já era um cancionista
aclamado pelo público geral - suas músicas eram trilhas sonoras de novelas e
minisséries na Globo, um dos canais mais influentes da televisão brasileira. Um
disco inteiramente dedicado à sua obra tem potencial de atrair um público que não
costuma consumir música instrumental, por conta de músicas de sucesso (como
Garota de Ipanema), especialmente as trilhas consagradas (como Luiza). Mas o fato
é que as vendas, acima da média deste gênero, abriram mais espaço nas
gravadoras para novos discos de música instrumental. Com este disco, Rabello
conseguiu atrair mais público, popularizar sua música, ter um retorno financeiro
interessante, e ainda deixou para outros músicos do ramo instrumental uma abertura
um pouco mais favorável com as gravadoras.
Com esse breve panorama sobre a circunstância do álbum, pode-se
compreender o caráter único no qual se desenvolveu o projeto: um disco
colaborativo, com ativa participação do compositor, com explorações sonoras e
técnicas do intérprete, de participações diversas, contribuindo para diferentes
sonoridades entre as faixas, com um resultado de vendas surpreendentemente
positivo para um disco instrumental no mercado nacional, fruto de anos de
dedicação, que não encontraria paralelo em nada que o violonista havia feito ou viria
a realizar no seu tempo de vida restante.
35

3. ARRANJO E INTERPRETAÇÃO

Sendo uma arte do tempo, a música depende da ação humana para existir, e
só pode existir de fato no momento de sua execução. A música só sobrevive para
além do momento de execução através de formas de grafia (e, a partir do início do
século passado, também por gravação de áudio) que conservam sua essência até o
momento em que outra pessoa a faça reviver na sua natureza temporal, executando-
a novamente (FUBINI, 2008). Através da escrita e dos recursos tecnológicos de
gravação estabelecemos uma comunicação entre passado, presente e futuro: pode-
se executar uma música escrita 500 anos atrás e escrever uma peça que poderá ser
tocada daqui a 100 anos. Porém essa comunicação não é totalmente controlada; a
partitura acaba sendo apenas uma guia para os executantes do que o compositor
desejava que soasse, de modo que duas interpretações de uma mesma música não
são nunca plenamente iguais.
Por conta das suas particularidades, a música é também essencialmente
colaborativa. Há mais de uma pessoa atuando no momento em que uma música é
tocada; podemos ter envolvidos, numa única música, compositor, intérprete, técnico
de som, copista, além de relações indiretas, por exemplo a pessoa que construiu o
instrumento que está sendo tocado. Cada um que participa neste processo que
transforma a música idealizada em sons deixa inevitavelmente uma marca pessoal
no resultado sonoro daquela música, em maior ou menor grau. Vamos buscar neste
capítulo compreender diferentes visões sobre algumas destas funções, mais
especificamente compositor, arranjador e intérprete.
Tradicionalmente, considera-se o compositor como o início do processo. Dele
parte a ideia inicial da composição, que pode ser desenvolvida com ou sem a ajuda
de outros parceiros. Na música popular, é muito comum o processo de criações
coletivas, onde, a partir de uma ideia inicial (melódica, harmônica, de condução ou
de letra), desenvolve-se conjuntamente o restante da música. Uma composição
também pode partir de um tema, motivo ou estilema 14 já pré-existente. Para ilustrar

14
Segundo o dicionário Michaelis, estilema é o “Termo usado para designar um traço central de estilo
e que indica uma constante estilística que se impõe como padrão recorrente” (MICHAELIS
DICIONÁRIO BRASILEIRO DA LÍNGUA PORTUGUESA, 2019)
36

este caso onde o conceito é relativizado, as Bachianas Brasileiras de Villa-Lobos,


por exemplo, são inspiradas em Bach, sendo que seus pontos de partida
composicionais vão “desde alusões ingênuas até releituras sofisticadas de estruturas
bachianas” (DUDEQUE, 2009). Tanto Radamés quanto Darius Milhaud utilizam
motivos do Corta-Jaca (Gaúcho) de Chiquinha Gonzaga em composições
(respectivamente o quarto movimento da suíte Retratos e O boi no telhado).
Exemplos como esses mostram como a tarefa de definir o que é composição e o que
é arranjo é complicada, repleta de linhas tênues e intersecções. Mas apesar das
nuances aqui mostradas, podemos simplificar com a definição de que composição é
“a criação de uma obra original em música” (HORTA, 1985, p. 83)
O intérprete é o que transformará a ideia em som efetivamente. Ele recebe
uma composição já consideravelmente arquitetada, definida e a executa. O
Dicionário Grove de música diz que a interpretação “dá vida sempre renovada à
experiência musical” (SADIE, 1994, p. 460). Enrico Fubini discute a figura do
intérprete em seu livro Estética da Música, mostrando que, apesar da atividade
criativa do compositor, o intérprete é o responsável pela música em si, uma vez em
que a partitura nada mais é do que um esboço, incapaz de traduzir plenamente e
indiscutivelmente a musicalidade presente na peça. Dessa forma, o intérprete
também tem necessariamente uma participação na criatividade da criação musical.

[...] o intérprete - maestro ou executante - disputa, às vezes, o mérito da


criatividade com o próprio compositor e, seja como for, é uma figura dotada
de autonomia e de grande relevo artístico. Como se sabe, ao intérprete
cabe-lhe ler a partitura, mas quem tiver a mínima experiência que seja do
que implica a interpretação musical sabe bem que se trata de uma arte
ambígua e subtil15, em que não é de todo claro qual é a fronteira entre
executar o que está escrito na partitura e recriar com a sua personalidade o
que existe apenas nos andamentos da partitura. (FUBINI, 2008, p. 50, grifo
do autor)

O arranjador pode assumir diversas funções, visto que há diversas propostas


diferentes do que ele pode fazer. Em música erudita e popular especialmente a
tarefa do arranjador apresenta atuações bastante distintas. Por conta do material de
referência utilizado neste trabalho, focaremos na função do arranjador tal como ela
se apresenta mais usualmente no campo da música popular.

15
O livro é uma edição portuguesa anterior ao prazo de implementação do Acordo Ortográfico da
Língua Portuguesa - algumas palavras estão grafadas segundo a antiga tradição do português de
Portugal, podendo causar certo estranhamento ao leitor, porém as citações foram mantidas tal como
estão nesta edição do livro.
37

Um arranjador pode elaborar mais profundamente uma ideia composicional e


adicionar elementos, pode retirar elementos (fazendo uma versão mais “compacta”,
por exemplo para uma formação menor, ou de menor dificuldade técnica), pode
modificar a proposta inicial de andamento, caráter, instrumentação - enfim, é um
campo bastante vasto de atuação.

[...] a tarefa de arranjar tem assumido significados tão diferentes ao Iongo


da história da música que ora ela é confundida com a própria atividade
composicional, ora seus significados são tão díspares que o arranjo chega a
ser confundido com transcrição ou vice-versa. (LIMA JÚNIOR, 2003, p. 13)

É preciso então entender as definições de cada um destes termos,


explicitando o que será compreendido por arranjo e transcrição. Visto que estas
atividades têm significados distintos - e por vezes contrastantes - em cada período e
em diferentes autores, estabeleceremos uma definição que será seguida neste
trabalho a fim de padronizar o entendimento das discussões levantadas.
Para ilustrar estas diferentes visões, Fanuel Lima Júnior compara e discute as
definições presentes no Dicionário Grove de música e no Dicionário de Música,
editorado por Luiz Paulo Horta, da editora Zahar. O primeiro define arranjo como "a
reelaboração ou adaptação de uma composição, normalmente para uma
combinação sonora diferente do original" (SADIE, 1994, p. 43). Na segunda fonte, a
definição apresentada para arranjo é a "adaptação de composição para um
instrumento ou grupo de instrumentos diferente do pretendido pelo compositor. Uma
transcrição é um arranjo feito usualmente com maior cuidado" (HORTA, 1985, p.
22, grifo do autor). Sobre esta segunda definição, Lima Júnior tece uma reflexão de
que, ao considerar o arranjo uma transcrição feita com menos “cuidado”, revela-se
um certo preconceito em relação ao que se considera arranjo, o que o autor
considera um equívoco conceitual (LIMA JÚNIOR, 2003, p. 14).
O autor Frank Koonce em seu livro Playing Bach on the Guitar apresenta um
posicionamento próximo, porém menos problemático na questão levantada por Lima
Júnior na definição do Dicionário de Música:

Transcrições, estritamente falando, são mais fiéis ao original, enquanto


arranjos são mais interpretativos. Por exemplo, a maioria das edições
modernas para violão dos trabalhos de Bach para alaúde são tão próximos
do original que podem ser chamados de transcrições, enquanto a maior
38

parte das edições para violão das peças para violino e violoncelo seria
melhor descrita como arranjo, por conta das notas adicionadas e
reconstrução subjetiva do original. (KOONCE, 2013, p. 1, tradução da
autora)16

Neste trecho, o autor pontua que de fato transcrições são mais fiéis ao
original, enquanto os arranjos são mais interpretativos (e não “menos cuidadosos”
como na definição do Dicionário de Música). Esta definição será o nosso guia para
distinguir estes conceitos neste trabalho.
É comum que um compositor que tenha uma música composta para uma
formação mais simples peça a um arranjador que orquestre sua música: que
adicione um ou mais naipes de instrumentos que refinem a sonoridade e somem em
conteúdo tímbrico. Rogério Duprat17 foi um dos grandes arranjadores de música
popular no Brasil nesse ramo. No trabalho de Lima Júnior esta função de
orquestrador de um arranjador não é discutida em seu levantamento, o que nos
mostra que delimitar as funções e atuações possíveis de um arranjador é de fato
uma tarefa complexa e extensa. Tendo isso em vista, faremos um breve panorama
de alguns aspectos mais pertinentes às análises propostas neste trabalho, sem
pretensões de aprofundar demais ou concluir algo sobre o assunto.
Lima Júnior divide o modo de trabalhar com arranjos em duas principais
vertentes. Na primeira, busca-se preservar as características originais de melodia,
harmonia e ritmo e na segunda a intenção é justamente transformar o material
original através de técnicas de variação em alguns elementos da música (LIMA
JÚNIOR, 2003, p. 24).

Ao arranjador cabe as tarefas de escolha da obra ou fragmento de obra


para a realização do arranjo, avaliação do instrumento ou grupo de
instrumentos a serem utilizados como meio de expressão, planejamento
formal para a concepção do arranjo, escolha de tonalidade adequada aos
meios escolhidos, adequação do material harmônico enquanto linguagem a
ser explorada, definição das funções desempenhadas por cada um dos
instrumentos de acordo com suas características idiomáticas, além de todas

16
“Transcriptions, strictly speaking, are more faithful to the original, while arrangements are more
interpretive. For example, most modern guitar editions of Bach’s lute works are close enough to the
original that they may be called transcriptions, whereas most guitar editions of Bach’s violin and cello
works might better be called arrangements because of added notes and subjective reconstruction of
the original.”
17
Rogério Duprat (1932-2006) participou do Movimento Música Nova, foi à Darmstadt em 1962
estudar com Boulez, Stockhausen e Pousseur (junto de Gilberto Mendes, Willy Corrêa de Oliveira e
outros). Fez arranjos icônicos, como de Domingo no Parque (Gilberto Gil), Construção (Chico
Buarque), além de estar intimamente ligado ao Tropicalismo (JARDIM, 2016).
39

as técnicas empregadas para a "composição" do arranjo, técnicas estas


oriundas da atividade composicional. (LIMA JÚNIOR, 2003, p. 20)18

Lima Júnior pontua que quase todas as etapas criativas presentes na


composição de uma peça encontram-se também presentes na elaboração de
arranjos (excetuando-se apenas a concepção da ideia primária da peça, a
“prerrogativa”) de modo que um arranjador não é necessariamente um mero
transcritor, e sim um artista que tem liberdade para utilizar-se de sua personalidade
e explorar sua criatividade na sua atividade de uma forma muito próxima da
atividade composicional, apesar de comumente subvalorizado. Comparando
arranjador e compositor, Lima Júnior escreve:

Ambos têm que lidar com questões tais como planejamento formal,
tratamento textural, uso de técnicas de variação, exploração adequada do
meio escolhido, etc., com a mesma proficiência. O compositor quando varia,
também pratica a arte de arranjar a partir de uma ideia inicial que nesse
caso, foi concebida por ele próprio. (LIMA JÚNIOR, 2003, p. 18)

Neste trecho, o autor expressa uma posição que valoriza bastante o


arranjador, destacando que ambos os processos criativos têm elementos
semelhantes e modos de trabalhar equivalentes.
Gil Jardim apresenta um ponto de vista semelhante, e em seu artigo O arranjo
como estrutura e tecido do discurso musical também divide os arranjos musicais de
canções em duas categorias: “arranjos convencionais” e “arranjos autorais”
(JARDIM, 2016, p. 48). Na primeira categoria estão os arranjos que “atendem às
demandas do tipo mudança do meio de expressão - ato de escrever para
instrumentos disponíveis em dada ocasião - ou mesmo adaptações ou reduções
funcionais de algum arranjo já existente” (JARDIM, 2016, p. 48) ou de adaptação
para um perfil sonoro voltado a um público-alvo específico. Ele resume: “São os
trabalhos realizados sem que o arranjador tenha a preocupação de interferir em
parâmetros composicionais da obra musical” (JARDIM, 2016, p. 48). A segunda
categoria de arranjos engloba os casos em que o arranjador é mais determinante na
apreensão perceptiva da canção, o que pode acontecer por duas razões: a primeira
porque o arranjo trouxe elementos de relevância suficiente para contribuir
estruturalmente para o discurso musical; a segunda porque caracterizou de forma

18
Neste trecho fica bastante evidente a postura contrária e crítica de Lima Júnior em relação às
definições presentes no Dicionário de Música de Horta.
40

contundente o conjunto de informações presentes na canção - e neste caso o


arranjo passa a ser “informação indissociável de determinada canção” (JARDIM,
2016, p. 49).
Jardim aponta que o arranjador é uma personagem importante da produção
musical que, entretanto, não recebe muitas vezes o reconhecimento do público pela
sua função, sendo uma personagem importante, porém “invisível”. Szendy sobre
este assunto diz: “O arranjador é alguém que assina suas próprias escutas de uma
obra musical” (SZENDY apud JARDIM, 2016), portanto, que também imprime
bastante personalidade na resultante sonora.
Na visão de Lima Júnior, a produção variada e vasta de arranjos de canções
populares para violão é positiva e benéfica, pois aproxima diferentes linguagens do
violão, abrange o repertório e enriquece o estudo:

É importante observar que, a parte as mais variadas motivações, toda essa


produção vem a contribuir efetivamente de duas maneiras na atuação do
violonista: a primeira seria a ampliação do repertório para o estudo do
instrumento e a segunda seria a aproximação estabelecida entre as
linguagens erudito e popular, já que o grosso do repertório violonístico
conduz o estudante quase que naturalmente a um repertório de cunho mais
acadêmico, o que significa compreender que os programas das escolas
privilegiam ou contemplam, no mais das vezes a formação já
tradicionalmente conhecida como violão erudito. (LIMA JÚNIOR, 2003, p.
32)

Com isso, foi possível estabelecer um quadro geral sobre a atividade do


arranjador (sem contudo esgotar o assunto). Concluímos que os conceitos
abordados são mais gradações de uma mesma atividade artística do que definições
de processos diferentes de fato, e por se embasarem em elementos quantitativos
subjetivos (e não absolutos) torna-se muito difícil estabelecer definições definitivas e
universais. Com estas reflexões podemos ir adiante nas discussões e levantamentos
que se seguem tendo estes princípios como base.
41

4. ASPECTOS ESPECÍFICOS DO VIOLÃO

Cada instrumento possui características particulares, especialmente em


relação a aspectos técnicos, timbres, extensão e outras possibilidades da produção
sonora (além de fatores históricos envolvidos nas diferentes tradições). Ao se
adaptar uma música de um instrumento para outro, nem sempre se pode manter
tudo como era originalmente, e muitas vezes é necessário fazer escolhas para
priorizar um ou outro aspecto musical. Em compensação, possibilita a inserção de
novos elementos e recursos idiomáticos específicos na peça. Ao compor uma
música para um instrumento específico, ter em mente suas características faz muita
diferença pois permite que o compositor tenha capacidade de definir aspectos da
execução e da sonoridade que serão gerados: o nível de dificuldade técnica que ele
exigirá (em muitos casos os arranjos são escritos para músicos específicos ou para
alunos de determinado nível, principalmente no caso de estudos), as possibilidades
de fraseado do instrumento, os efeitos tímbricos que poderão ser utilizados, entre
outros aspectos musicais.
Comparando diretamente o violão e o piano, por exemplo, temos uma
tessitura parcialmente comum, porém com executabilidades distintas, exigindo
soluções diferentes. Enquanto no piano temos disponíveis os 10 dedos, e cada mão
pode estar numa mesma região ou em regiões distintas, no violão não se pode ter
mais de 6 notas simultâneas (ou 7, no caso do violão 7 cordas), a disposição das
notas nos acordes é limitada pela accordatura do instrumento, e também é limitada
pelo alcance da abertura da mão esquerda. Para contornar estas condições
anatômicas, o violão apropria-se do uso de cordas soltas, harmônicos e algumas
outras técnicas expandidas.
A executabilidade e a visualidade destes dois instrumentos são muito
diferentes. No piano as duas mãos atuam de maneira semelhante. No violão, cada
mão tem uma função específica: a mão esquerda seleciona as notas e a mão direita
é a responsável por fazê-las de fato soar; essa diferenciação corresponde a
processos distintos no cérebro. A diferença na estruturação da disposição das notas
em cada um destes instrumentos também afeta muito a maneira de lidar com o
42

pensamento musical: no violão é possível pensar tanto horizontalmente quanto


verticalmente. As casas alteram em semitons as alturas executadas, porém as
mesmas notas podem ser encontradas nas outras cordas em outras casas, de modo
que o estudo para o domínio do braço todo do instrumento acompanha ainda o
estudo das diferentes possibilidades de digitação de escalas e arpejos e formação
de acordes. A disposição das notas em um acorde e a escolha de eventuais
dissonâncias acrescentadas podem variar conforme a região do braço e a tessitura
utilizadas, e a condução de vozes no violão funciona de maneira diferente do que no
piano, pois pode ser necessário modificar toda a digitação de um acorde para inserir
uma outra nota. Algumas montagens de acordes são inviáveis, ou muito
desconfortáveis, dificultando a fluência do encadeamento.
Além disso, a tessitura do piano é um pouco mais abrangente do que a do
violão: segundo Adler, enquanto o piano tem 7 oitavas e mais uma terça - indo do Lá
0 a Dó 7 (ADLER, 2002, p. 470) - o violão abrange 3 oitavas - do Mi 1 ao Mi 4
(ADLER, 2002, p. 102). Esta sua indicação, entretanto, é bastante restritiva, uma vez
em que considera apenas até a décima segunda casa do violão. Lima Júnior
apresenta outra tessitura, que consideraremos neste trabalho: "A tessitura do violão
é de três oitavas e uma quinta, abrangendo as notas a partir do Mi 1 (som real), até
o Si 4 (som real)." (LIMA JÚNIOR, 2003, p.46)19. O violão possui também o recurso
dos harmônicos, que estende seu alcance no agudo.

19
Há pequenas divergências sobre o alcance agudo do violão, pois pode variar conforme o
instrumento, e também porque alguns autores consideram apenas o mais agudo que o violão pode de
fato utilizar de maneira funcional e com fluência, como é o caso de Samuel Adler (neste caso
específico, sua funcionalidade dentro do contexto orquestral).
43

Figura 2 - Tessitura do piano

Fonte: ADLER (2002, p. 470)

Figura 3 - Accordatura e tessitura do violão20

Fonte: ADLER (2002, p. 102)

No caso do violão 7 cordas, adiciona-se uma corda mais grave, afinada


tradicionalmente em dó ou ré (MARTIN, 1983 apud ZACZÉSKI et. al, 2017, p. 2).
Deste modo, se uma peça para piano explora tessituras que estão fora da tessitura
do violão, o arranjador precisará adequar estes trechos ao novo instrumento.
Também é necessário considerar que diferentes regiões do braço do violão
soam de maneira distinta, apesar de produzirem a mesma frequência em Hertz (por
exemplo um Lá na sexta corda na casa cinco e o mesmo Lá com a quinta corda
solta). O timbre e a projeção do som são aspectos importantes a serem

20
Foi mantida aqui a exemplificação de Adler pela facilidade do recurso visual utilizado pelo autor –
porém consideraremos um alcance maior no agudo do que o apresentado nesta figura.
44

considerados ao criar um arranjo, e eventualmente a digitação desejada é


especificada na partitura. É aconselhável portanto que o arranjador conheça as
minúcias do instrumento, fazendo escolhas conscientes.

A título de comparação, tome-se, por exemplo, uma situação em que uma


mesma obra seja arranjada em duas versões, a primeira para piano solo e a
segunda para violão solo. O que vai distinguir uma versão de outra e
justamente a exploração e uso daqueles elementos que definem cada um
dos instrumentos. Poderíamos definir esse processo como o grau de
idiomatização presente na realização do arranjo. O arranjador vai
caracterizar melhor o instrumento utilizado na medida em que souber
explorar e utilizar os recursos e propriedades que o instrumento oferece.
(LIMA JÚNIOR, 2003, p. 27)

É importante destacar que a adaptação pode ser mais fiel ao original ou mais
inovadora, dependendo da intenção do arranjador, sem que isso signifique
necessariamente uma adaptação “melhor” ou “pior” (conforme discutido no capítulo
3).
Para compreender melhor as escolhas que precisam ser tomadas pelo
arranjador que transcreve para o violão, utilizou-se como principal referencial a
dissertação de mestrado A elaboração de arranjos de canções populares para violão
solo de Fanuel Maciel de Lima Júnior defendida na UNICAMP. Apresentaremos
alguns tópicos levantados pelo autor e outros que serão relevantes em nossas
análises.

4.1. TONALIDADE

Lima Júnior (2003, p. 36) defende que um dos aspectos determinantes para o
bom resultado do arranjo é a escolha de uma tonalidade adequada à tessitura da
melodia, considerando a região que se deseja explorar e que melhor caracterize o
gênero da obra pelo acompanhamento. "Em primeiro lugar, poder-se-ia afirmar que
há uma preferência por tonalidades nas quais as funções harmônicas principais
utilizem o maior número possível de cordas soltas” (LIMA JÚNIOR, 2003, p. 44-45),
sugerindo portanto que as tonalidades de Mi (maior e menor), Lá (maior e menor), e
Ré (maior e menor) são muito exploradas (por terem suas fundamentais e
dominantes ou subdominantes disponíveis em cordas soltas). Outras tonalidades
45

indicadas pelo autor são Sol maior, Dó maior e Si menor, pois permitem o uso de
recursos idiomáticos violonísticos sem impor um grau de dificuldade técnica muito
elevado para o instrumentista.
Um dos aspectos que o autor compreende como dificuldade técnica está
relacionado ao uso de muitos acordes formados por pestanas. Esta dificuldade
gerada pelas pestanas é, primeiramente, por exigir maior resistência física do
instrumentista. Além disso, o uso de pestanas limita a fluência da digitação e da
realização do arranjo, restringindo a liberdade textural e de tessitura (LIMA JÚNIOR,
2003, p. 45).
Importante considerar que a tonalidade também está associada a tessitura da
obra original e do que se pretende explorar no arranjo. “Quanto a tessitura da obra, é
necessário adaptá-la aos recursos expressivos do violão, seja em termos de região,
seja em termos da própria tonalidade escolhida” (LIMA JÚNIOR, 2003, p. 46), de
modo a atingir a textura desejada.
Além da dificuldade técnica destacada pelo autor também convêm considerar
que a ressonância do instrumento como um todo muda com o uso de cordas soltas,
e isso não é algo que pode ser alterado pelo domínio técnico do intérprete. Com
cordas soltas o tampo do instrumento vibra mais e o violão produz mais harmônicos,
de modo que a escolha por estas tonalidades indicadas pelo autor pode ser também
por questões puramente tímbricas.
Um bom exemplo de adaptações de tonalidades ao se arranjar ou transcrever
músicas para o violão está nas obras de Johann Sebastian Bach. Koonce trabalhou
com adaptação da obra de Bach para violão e alaúde, e mostra que o próprio
compositor modificava aspectos de suas composições ao desenvolver as peças para
outro instrumento: “Quando Bach reutilizava suas próprias composições, entretanto,
ele não transferia simplesmente a mesma música de um instrumento para outro; ao
invés disso a modificava considerando os pontos fortes e fracos do novo
instrumento."21 (KOONCE, 2013, p. 1, tradução da autora). Aqui vemos que muitas
vezes se dá preferência para o que cada instrumento pode expressar, e não tanto
para uma prerrogativa inicial do compositor, que adapta sua ideia para cada situação
(e nesse sentido podemos associar diretamente este processo com o caso da

21
“When Bach recycled his own compositions, however, he did not simply transfer the same music
from one instrument to another; instead, he modified it by taking into account the strengths and
weaknesses of the new instrument.”
46

tradução da letra de Águas de Março para o inglês, apresentada no capítulo 2.2


deste trabalho).
Para ilustrar, podemos citar aqui as suítes BWV995 (originalmente escrita em
Sol menor e que para violão e alaúde foi transcrita em Lá menor) e BWV997
(originalmente em Dó menor, transcrita para Lá menor), o prelúdio, fuga e allegro
BWV998 (originalmente em Mi bemol maior, transcrita para Ré maior), e também as
fugas BWV1000 e 1001 (originalmente em Sol menor e transcritas em Lá menor) 22.

4.2. REGIÕES DO BRAÇO E SUAS SONORIDADES

O violão pode, genericamente, ser dividido entre região grave (entre o Mi 1 da


sexta corda até o Sol 2 da terceira corda solta), região média (entre o Sol 2 da
terceira corda solta e o Lá 3, da primeira corda na quinta casa) e região aguda (entre
o Lá 3 até Si 423) (LIMA JÚNIOR, 2003, p. 47).24
O violão é bastante utilizado como acompanhamento para voz e outros
instrumentos melódicos, porém pode ter função de um instrumento independente,
executando simultaneamente melodia e acompanhamento. Sua tessitura
consideravelmente extensa permite explorações de diferentes sonoridades e efeitos.
Por conta de sua riqueza de harmônicos (além de maior facilidade para a execução),
utiliza-se muito para a melodia principal a região entre o Si 3 da segunda corda solta
até o Mi 4 da primeira corda (na casa 12) (Ibidem, p. 48). No caso de arranjos com
textura homofônica ou de melodia acompanhada, torna-se mais importante restringir
a melodia a esta região indicada, pois “uma realização de arranjo com a utilização
dessa textura, terá, necessariamente, baixo, acompanhamento e melodia, nesta
ordem, do grave para o agudo” (Ibidem, p. 49). Em alguns casos, a melodia é tocada
na região grave, e nestas situações o acompanhamento é deslocado para a região
aguda para manter a funcionalidade do arranjo (Ibidem, p. 49). Podemos ressaltar
que no extremo agudo (acima do Mi 4, da casa 12 da primeira corda) a textura

22
Estas partituras podem ser encontradas no livro The Solo Lute Works of Johann Sebastian Bach:
edited for guitar by Frank Koonce (KOONCE, 1989).
23
Demais notas alcançadas através de harmônicos também são incluídas como região aguda.
24
A região aguda do violão não é de fato uma tessitura considerada aguda, mas mantivemos a
nomenclatura padrão para organizar a tessitura do violão dentro de seu próprio alcance, e não em
comparação com outros instrumentos
47

polifônica é menos explorada, por conta de oferecer pouca comodidade para a mão
esquerda (especialmente em instrumentos que não possuem o recorte inferior no
corpo do instrumento) e pelo fato de que as notas são sustentadas por menos tempo
nesta região extremo aguda (Ibidem, p. 47).

4.3. HARMÔNICOS

O uso de harmônicos é um recurso utilizado como expansão técnica nas


guitarras clássicas desde o século XVIII (ROMÃO, 2012, p. 1298). Sobre eles,
Romão escreve:

[...] harmônicos naturais são realizados com as cordas “soltas” e a mão


esquerda resvalando a corda sobre os trastes que estão indicados na
partitura; para a realização de harmônicos “oitavados” (preferimos este
termo ao invés de “artificiais”) é necessário que a mão esquerda “prenda” a
nota no diapasão e a direita produza o som harmônico pinçando a corda
com os dedos indicador e anular. (ROMÃO, 2012, p. 1298)

Adler diz que harmônicos, e especialmente os harmônicos naturais, são muito


efetivos no violão, porém são por vezes quase inaudíveis sem amplificação (ADLER,
2002, p. 102). Esse aspecto pode ser contornado na gravação, com o uso de
microfones e o processo de mixagem. Adler aponta também que harmônicos são
melhor aproveitados em peças solos ou em combinações instrumentais mais
suaves, como violão e voz ou pequenos grupos de sopros (ADLER, 2002, p. 102),
pois formações instrumentais maiores facilmente encobririam os harmônicos do
violão com os demais sons.
Este é um recurso que o piano não tem. Entretanto, o piano favorece a
ressonância da série harmônica de suas cordas, especialmente quando se usa o
pedal de sustentação25. Este pedal (que visualmente é o mais à direita) cancela a
ação dos abafadores, fazendo com que as cordas continuem vibrando mesmo após
o pianista tirar o dedo da tecla (ADLER, 2002, p. 470). Isso faz com que cada nota
continue ressoando, promovendo a interação entre as diferentes séries harmônicas
advindas das notas tocadas durante a pressão no pedal de sustentação. Deste

25
Também chamado de pedal damper ou de pedal de sustain.
48

modo, o piano não é capaz de executar diretamente um comando de produção de


harmônicos, mas pode alcançá-los indiretamente através deste processo.

4.4. DEMAIS CONSIDERAÇÕES

Vale destacar que o piano e o violão têm ainda outra característica em


comum: ambos não são capazes de realizar crescendos numa nota após tocá-la.
Este aspecto faz muita diferença na interpretação, especialmente quando
comparados por exemplo com instrumentos de sopros ou voz, em que variações de
dinâmica durante a execução das notas são utilizadas como recursos expressivos.
Isso ocorre porque o som do violão e do piano possuem um ataque, e o tempo que o
som soará é somente devido ao ataque e sua ressonância, enquanto na voz ou
instrumentos de sopro o som é continuamente cultivado pelo fluxo de ar. O uso do
pedal de sustentação pode minimizar o decaimento das notas no piano, mas não
anula e nem reverte este aspecto da ressonância: a nota só diminui de volume e
intensidade após o ataque. Interpretações instrumentais de canções com solistas
como o piano e o violão precisam sempre adequar as dinâmicas e a duração das
notas pensando neste aspecto físico das ondas sonoras produzidas.
Associando ao material deste trabalho, Rabello ao adaptar canções escritas
originalmente para piano e voz precisa resolver em sua interpretação tanto as
diferenças idiomáticas apresentadas em relação a técnicas vocais (como as notas
longas com eventuais crescendos) quanto em relação ao piano (como a tessitura e
as possibilidades de combinações de notas em diferentes regiões).
No violão é possível mudar a afinação do instrumento, proporcionando
“efeitos de sustentação de acordes e timbres bem diferentes do habitual ao
instrumento” (ROMÃO, 2012, p. 1298). A indicação desta alteração na accordatura é
chamada de scordatura. Em algumas peças é pedido para o intérprete afinar em
outro tom até mesmo entre movimentos de uma mesma peça, principalmente
alterando a sexta corda. Este recurso é utilizado por exemplo no Romancero Gitano
de Mario Castelnuovo-Tedesco. Tal opção não é viável no piano. No violão, o uso de
scordatura leva o violonista a novas possibilidades de exploração de timbres e
também pode proporcionar novos shapes de acordes e dedilhados, modificando o
49

pensamento motor do intérprete. Este recurso pode ser usado para resolver
problemas listados nos itens anteriores como tonalidade e tessitura da peça.
No violão também é possível pedir ao intérprete que explore sons
percussivos, percutindo o tampo ou o diapasão do violão. Esta técnica pode ser
combinada com o uso de harmônicos, gerando o que é chamado de tâmbora:
“Percutir com o dorso do polegar direito sobre os trastes indicados (12º, 16º),
obtendo uma fusão entre harmônicos e percussão” (ROMÃO, 2012, p. 1301). O
próprio Rabello utiliza elementos percussivos no violão na primeira faixa do Todos os
Tons, Samba do Avião, no início da introdução. Outro exemplo auditivo que pode
auxiliar o leitor a compreender estes efeitos percussivos no violão é o último
movimento (Crótalo) do Romancero Gitano, de Mario Castelnuovo-Tedesco. Na
segunda seção deste movimento, o compositor pede que o violonista toque as notas
batendo a mão direita no rastilho.
Uma das técnicas flamencas que foram identificadas em nossas análises foi o
trêmolo, que, segundo Emílio Pujol, é “um procedimento que permite a continuidade
de um desenho melódico mediante a repetição regular e rápida de cada nota”
(PUJOL, 1956 apud STEFAN, 2012). Esta técnica é utilizada não só no flamenco,
mas também no violão clássico, porém a digitação é levemente diferente em cada
uma destas escolas: na técnica clássica, o polegar toca as notas graves e executa-
se o trêmolo utilizando os dedos anelar, médio e indicador (nesta ordem), enquanto
na técnica flamenca, inclui-se uma nota adicional tocada com o indicador
(STIMPSON, 1993 apud STEFAN, 2012). Existem diversas técnicas estendidas
flamencas, porém este trabalho não se voltará para lista-las e exemplifica-las, visto
que existem outros trabalhos acadêmicos com este enfoque que poderão fornecer
ao leitor um panorama mais completo e aprofundado.
50

5. REFERENCIAL TEÓRICO

Curioso notar que recentemente têm surgido diversas propostas sobre análise
de música popular. A música popular tem gradativamente conquistado espaço nas
discussões acadêmicas. Nota-se, no entanto, que nem sempre os recursos
tradicionais de análise, empregados na música erudita, são úteis ou pertinentes à
análise de outras expressões musicais. Com isso, autores têm proposto métodos
alternativos de análise para a música popular.
Dirk Stederoth propõe um paralelo entre música popular e erudita ao
comparar tonalidade, rítmica/métrica e composição com groove, sound e
performance respectivamente, numa proposta de análise voltada para a música pop.
Porém Rabello e Jobim não são do universo pop nem tampouco eruditos, de
modo que, para a análise proposta, é preciso encontrar uma linha de raciocínio
ainda além destas duas. Alguns elementos de uma e de outra são pertinentes,
porém a interação dos fatores (musicais e contextuais) são bastante particulares a
estes grandes nichos. Na comparação elaborada por Stederoth a música erudita é
associada à compreensão e a música pop à vivência (2017, p. 173). É indispensável
destacar, portanto, que tanto Rabello quanto Jobim se dedicaram ao estudo formal
da música desde cedo e ambos tinham também uma vivência preciosa da cena
cultural carioca - Jobim com todo o movimento de surgimento da Bossa Nova e sua
vivência dos bares e boates cariocas (com destaque para o Beco das Garrafas) e
Rabello com sua participação intensa em rodas de choro desde muito jovem
(conforme apresentado no capítulo 2). É, portanto, um quadro que, ao mesmo tempo
em que encontra correspondência em ambas, não se enquadra em nenhuma das
categorias musicais propostas por Stederoth. O autor por exemplo afirma que
“complexidade harmônica e tonal não pode de modo algum ser vista como uma
marca registrada da música pop” (STEDEROTH, 2017, p. 177) 26. Tom Jobim possui
em suas músicas um desenvolvimento harmônico refinado, que trouxe a admiração
26
Podemos perceber aqui também um posicionamento levemente tendencioso sobre a música pop
deste autor – reforçando que a música popular de modo geral (mesmo nos autores que se propõe a
estudá-la em profundidade) ainda é bastante marcada por tentativas de padronizações, buscando
encaixá-las em métodos e fórmulas, deixando pouca margem para a pluralidade das manifestações
culturais populares.
51

dos jazzistas mundo a fora (vide Samba de Uma Nota Só, em que a canção consiste
em contrastar variações harmônicas em uma mesma nota, baseando a obra na ideia
de como essa interação harmônica modifica a escuta). Neste sentido, Tom Jobim se
mostra fora do objeto de estudo trabalhado por Stederoth, não podendo ser
analisado apenas através destes seus métodos.
Isso mostra que o campo de análise em música popular ainda é muito vasto e
oferece diversos caminhos a serem traçados. Tal como na música erudita, em que a
música do século XX e do final do romantismo passaram a exigir novas explicações
para os aspectos composicionais e interpretativos, também a música popular tem
uma dimensão e uma diversidade que pede aos acadêmicos um aprofundamento e
um olhar mais consciente da sua complexidade.
Portanto, dadas as limitações dos materiais, será feita uma combinação de
referenciais teóricos que possam tentar contemplar os aspectos diversos e
complexos que compõem músicas como as que nos propomos a analisar neste
trabalho. Na questão formal e motívica utilizaremos conceitos de Douglass Green
(Form in tonal music: an introduction to analysis) e de Arnold Schoenberg
(Fundamentos da composição musical). Alguns termos específicos serão pontuados
ao longo das análises, conforme a desambiguação se fizer necessária ou pertinente
ao bom entendimento dos apontamentos, e os demais conceitos apenas seguirão as
definições propostas por estes autores (tais como tema e motivo). Comentaremos
brevemente sobre a espacialidade dos áudios, conforme sugere Stederoth. Para a
elaboração do processo de análise, utilizamos alguns procedimentos sugeridos por
Paulo de Tarso Salles (Análise musical: etapas).
Salles defende que a análise musical precedida de investigação bibliográfica
favorece a compreensão de elementos da peça. O autor recomenda a leitura de
críticas, de relatos históricos (sobre o período histórico e sobre o compositor), da
contracapa do álbum, de outras análises, e também a investigação acerca do
contexto da composição, por exemplo se a peça foi escrita para alguém ou para
alguma função específica. Estes elementos extra-musicais, apresentados nos
capítulos anteriores, mostraram-se importantes para uma compreensão mais ampla
das interpretações analisadas.
Green também será utilizado como referência para a concepção de análise.
Este autor propõe que a análise seja mais concentrada na escuta do que na música
escrita, de modo que a partitura seja apenas um apoio e não o foco. A ausência de
52

uma transcrição completa da execução de Rabello alinha os materiais disponíveis


com esta proposta, mas também a própria associação de Stederoth de "vivência"
com música popular sugere que para repertórios fora da tradição da música de
concerto é recomendável que a vivência direcione para a compreensão, e não o
contrário. Deste modo, a escuta será preponderante em nossas análises, e
elementos escritos serão trazidos de modo a complementar as discussões.
53

6. DISCUSSÕES

A música de Tom é popular na forma, mas a técnica de


composição e harmonização é erudita. Tom é um
arquiteto musical (RABELLO, R. apud CABRAL, 1997, p.
421)

A primeira dificuldade que encontramos para analisar performances de


Raphael Rabello é que ele não escrevia o que tocava. Apesar de ser arranjador, e
de escrever muitas vezes para outros músicos, sua interpretação pessoal era mais
livre, bastante baseada na improvisação. Estudava por um bom tempo cada música
e desenvolvia um olhar pessoal para as peças, sem entretanto escrever ou criar uma
versão definitiva fixa: dificilmente se encontra execuções iguais de uma mesma
música (RABELLO, L., 2019).
Curiosamente, essa característica de ter suas músicas em eterna
transformação também é presente em Tom Jobim. Cabral aponta que “eram raras as
composições de Tom Jobim consideradas prontas e acabadas. Ele quase sempre
descobria uma novidade harmônica cada vez que tocava uma música” (CABRAL,
1997, p. 435). Deste modo, as inovações propostas por Rabello em seu álbum
Todos os Tons mostram-se bastante condizentes com a ótica que o próprio
compositor tinha das músicas - especialmente considerando que os arranjos do
disco foram elaborados “com apoio do próprio Tom [...] porque não queria mudar o
caráter de sua música, deixando-a na linguagem do violão” (SILVA, 2010, p.7).
Entretanto, não mudar o caráter geral da peça é um conceito complexo e dúbio, pois
manter o “caráter” pode significar uma compreensão mais ampla e geral ou pode
significar a fidelidade de diversas características que foram de fato alteradas -
através da inserção de elementos da técnica flamenca, por exemplo. Esta mistura
inusitada trouxe diversas críticas sobre sua interpretação neste disco (SILVA, 2010,
p.15), também encontradas em Nobile:

Com o título Todos os Tons, o disco não mostrava nem Tom Jobim nem o
verdadeiro Raphael Rabello, ainda que fosse bem cuidado, bem produzido.
Na tentativa de revelar diferentes aspectos da obra do compositor, o
protagonista acabou usando “percussão caribenha, bongôs, baterias de
jazz, tamborins, congas, cuícas, tabas indianas”. Aquilo, claramente, não
tinha nada de jobiniano. Se havia algum quê de neonacionalismo, ele era
totalmente “flex” e irremediavelmente pop. (NOBILE, 2018, p. 234)
54

Neste trecho de Nobile vemos um julgamento bastante forte sobre a estética


proposta para o álbum. Mostra-se uma expectativa do que é o “verdadeiro Raphael
Rabello” e o “verdadeiro” Jobim, o que não deixa de ser um modo de enquadrar os
artistas em nichos musicais e restringi-los a se manterem dentro de suas atividades
musicais. Esta frase mostra uma expectativa do que o intérprete “deve” fazer, que se
aproxima da visão problemática de arranjo e transcrição de Horta apresentada no
capítulo 3.
Apesar da crítica feita, o próprio Nobile mostra que a intenção de Rabello era
sair da sua zona de conforto, explorar novas técnicas e ir além do que se esperava
dele musicalmente: “Muito da sonoridade do LP tinha a ver com sua época. Rabello
também não queria carregar nos ombros o rótulo de ser um músico tradicionalista,
de ser classificado injustamente pelo público em geral como ‘velho’ e unicamente
ligado ao choro” (NOBILE, 2018, p. 234). Podemos ver que, se Rabello temia ser
taxado como “um músico tradicionalista”, com este álbum ele definitivamente
conseguiu se estabelecer de outro modo, direcionando as críticas para o extremo
oposto, pela sua ousadia de propor novas misturas. Rabello em entrevista para O
Globo em 1987 havia declarado:

Quero fazer música nacional, como o Paco faz a música flamenca, sem
qualquer ranço de xenofobia, mas com o apuro técnico que confunde o
popular e o erudito, rompe fronteiras e deixa confusos os críticos. Quem
seria capaz de classificar Piazzolla? (RABELLO, R. apud NOBILE, 2018, p.
163)

Nesta fala Rabello mostra-se um músico bastante ambicioso esteticamente,


desejando proporcionar interpretações que desafiam o senso comum mercadológico
de categorização de estilos, propondo novas escutas sem deixar de lado o
refinamento técnico. Mais do que isso, Rabello disse em entrevista: “Não quero tocar
para violonista, quero tocar para roqueiro” (RABELLO, R. apud NOBILE, 2018, p.
148), mostrando um desejo intenso de ir além de seu nicho restrito de público - e
pela alta vendagem de Todos os Tons podemos dizer que de certo modo ele estava
se aproximando deste desejo de ampliar seu público alvo.
Jobim já havia percebido o posicionamento conservador da crítica musical no
Brasil. Em 1984, durante uma entrevista na Itália, o compositor declarou:
55

A primeira coisa que a gente deve fazer é preparar-se para sofrer a crítica
dos que descobrem e condenam as influências que a gente sofreu. Num
país que se construiu recebendo todas as influências, num país que
importou o índio da Indonésia, o português de Portugal, o negro da África, o
holandês, o italiano, o polonês, o alemão, e, recentemente, o japonês, os
críticos não toleram e condenam todas as influências. (JOBIM, T. apud
CABRAL, 1997, p. 374)

Cabral também reforça este caráter da nossa música: “A música brasileira


deve a sua vitalidade à marcante mistura de estilos europeus e africanos, e ninguém
faz esta mistura melhor do que Jobim” (CABRAL, 1997, p. 381-382)27. Portanto se a
música de Jobim em essência está aberta a mistura de elementos estilísticos de
diversas culturas, a decisão de Rabello de incorporar influências flamencas em suas
interpretações neste disco é totalmente pertinente com o caráter geral da música de
Jobim, ainda que altere elementos pontuais da composição original.
Raphael a partir do momento em que conheceu pessoalmente Paco de Lucía
dedicou-se ao estudo técnico do flamenco, incorporando elementos deste gênero à
sua maneira de tocar.

[...] o violonista passou a utilizar técnicas como a alzapúa (movimentos do


polegar da mão direita para baixo e para cima numa mesma corda), o
rasgueado, os golpes no tampo do violão e o picado (escala rápida tocada
geralmente com os dedos indicador e médio da mão direita). Rafael também
absorveu o rigor técnico, a “pegada”, a expressividade e a emotividade
inerentes ao flamenco. (NOBILE, 2018 p. 162)

Estas técnicas foram aparecendo em seu repertório a partir dos anos 1980: a
técnica do alzapúa aparece em sua execução de Lamentos do Morro, com os
movimentos do polegar da mão direita na corda Ré; utilizando golpes no tampo em
Desvairada; “Em ‘Graúna’, por sua vez, divisões e fraseados do violonista
explicitavam pontos em comum entre as músicas da região da Andaluzia e do
Nordeste brasileiro, ambos com forte influência secular exercida pelos mouros”
(NOBILE, 2018, p. 166). Rabello passou a notar semelhanças culturais das músicas
de Brasil e Espanha, e decidiu incorporar o espírito do flamenco, além da técnica, ao
tocar música brasileira: “Durante esse tempo venho estudando a guitarra clássica e

27
Não é pertinente a este trabalho discutir quem “melhor” executa esta mescla de influências na
nossa música, mas a mistura de elementos se faz de fato presente e é relevante para nossas
discussões. Assumiremos apenas que a música brasileira apresenta a mistura de elementos
africanos e europeus e que Tom Jobim se utiliza desta interação.
56

a flamenca para dar ao violão brasileiro uma técnica mais extrovertida, mais
agressiva” (RABELLO, R. apud NOBILE, 2018, p. 168). Apesar desta incorporação
do flamenco ter iniciado na década de 80, foi na década seguinte que se intensificou:
“Os efeitos desta fusão são encontrados em diversos discos do músico, sobretudo
no ‘Todos os Tons’ 1992, que reúne música de Tom Jobim” (SILVA, 2010, p.15).
No trabalho de Silva (2010), transcrições de peças solo interpretadas por
Rabello já haviam revelado a constante coexistência de elementos tradicionais e
não-tradicionais, tanto em composições próprias quanto em arranjos:

Algumas peças foram concebidas dentro de um universo musical híbrido


enquanto outras mantiveram características predominantemente
tradicionais, e outras ainda trouxeram elementos não-tradicionais
pontualmente. Sob uma perspectiva ampla, destacamos que tal hibridez
refletia um processo de transformação de uma cultura musical de uma
geração que estava buscando novas referências musicais. (BORGES apud
SILVA, 2010, p.19)

As duas músicas que serão trabalhadas em detalhe aqui são destacadas por
Silva (2010) como arranjos de referência para violonistas e demais arranjadores,
sendo portanto importante compreender quais elementos relevantes elas
apresentam. Luciana Rabello defende que “todo grande intérprete é um co-autor”
(RABELLO, L. apud SILVA, 2010, p. 18). Como irmã do violonista, ela acompanhou
de perto muitas vezes ao longo da vida sua atividade criativa, e relata que suas
criações vinham muito da execução. Isso facilita que, mesmo em arranjos
elaborados, haja uma naturalidade para a execução do instrumentista, pois a
concepção da interpretação vinha atrelada ao fazer musical, e não unicamente a um
exercício cerebral de elaboração.

Não escrevia, apesar de saber escrever música muito bem, porque não
tinha sentido escrever pra ele mesmo tocar. Tocava horas e horas seguidas
todos os dias. Passava a maior parte do dia com o violão na mão. Tocar pra
ele era como falar, respirar. Criava todo o tempo, portanto. E era tocando
que vinham as idéias. (RABELLO, L. apud SILVA, 2010, p. 19)

Apesar do álbum todo ter elementos muito interessantes para análise,


abordaremos apenas alguns utilizados nas faixas Passarim e Luiza. Para nortear a
escuta, montamos a descrição dos áudios com a minutagem dos acontecimentos, de
modo a auxiliar o leitor a compreender o desenvolvimento de cada faixa e
acompanhar os apontamentos feitos em cada uma das músicas. O referencial para a
57

minutagem foi feito com base no álbum Todos os Tons disponibilizado na plataforma
Deezer. Em outras plataformas, poderá ocorrer variações na minutagem28.

6.1. DESCRIÇÃO DOS ÁUDIOS

Tabela 1 - Descrição áudio minutada - Luiza (áudio de referência: Deezer). Tempo total: 2'24''

0'00'' - 0'11'' Introdução

0'12'' - 1'01'' Tema seção A

1'01'' - 1'04'' Transição com desenho melódico ascendente

1'05'' - 1'54" Tema seção A’

1'55" - 2'24" Coda mudando o caráter e a textura

Fonte: elaboração da autora

Tabela 2 - Descrição de áudio minutada - Passarim (áudio de referência: Deezer). Tempo total: 4’40”

0’00” - 0’20”

0’20” - 0”28” Introdução Citação de motivos

0’28” 0 0’49” Variação e desenvolvimento motívica

0’49” - 1’34” Tema (ACBD) Variações na melodia

1’34” - 1’45” Interlúdio (E) Tal como na versão de Jobim

1’45” - 2’34” Reexposição tema Tal como na versão de Jobim


(ABCD)

2’34” - 2’44” Reexposição do interlúdio Mudança na forma


(E)

28
No link do YouTube https://www.youtube.com/watch?v=NiPc4aGFCdw a minutagem de Luiza
equivale a encontrada no Deezer, e no link https://www.youtube.com/watch?v=N-zFtxOQMGk temos
Passarim com a minutagem também equivalente ao Deezer (consideramos minutagens equivalentes
aquelas que apresentaram variações inferiores a 2 segundos).
58

2’44” - 2’59” Seção A

2’59” - 3’11” Seção B Improviso

3’11” - 3’23” Seção C’ Seção C em outra tonalidade, tal


como na versão de Jobim

3’23” - 3’30” Seção D’ Seção D em outra tonalidade, tal


como na versão de Jobim

3’30” - 3’42” Seção A” Seção A inteira em outra tonalidade


(mudança formal em relação a
Jobim)

3’42” - 4’40” Improviso, acabando em


fade out

Fonte: elaborada pela autora

6.2. ANÁLISES

A partir da descrição das duas faixas, podemos traçar os primeiros aspectos


de nossa análise. Rabello adiciona sua personalidade, alterando muitos elementos.
Na comparação destas duas peças específicas, podemos ver diferentes explorações
de formações (uma para violão solo e outra acompanhado por bateria e baixo) e
também diferentes tratamentos formais. Em Luiza, Rabello faz sua própria
introdução e faz uma coda um pouco mais a seu estilo, mas mantém fielmente sua
forma original. Já Passarim é modificada em diversos pontos, acrescentando uma
grande introdução que não existia e uma seção de improviso de aproximadamente
um minuto na coda, que também é inovação sua. Além disso, ele modifica o
conteúdo formal, expondo o interlúdio mais uma vez, adicionando seções de
improviso dentro do tema e variando a melodia logo na sua primeira exposição
completa. Essa comparação mostra que de fato para cada música foi criada uma
atmosfera única, não seguindo um padrão ou fórmula fixa para desenvolvimento dos
arranjos ou adaptações das canções.
59

6.2.1. Luiza

A música segue exatamente a mesma forma feita no disco Edu & Tom Tom &
Edu (de 1981). Analisando pelo referencial de Green, podemos dizer que Luiza é
uma música em forma única (one-part). Não serão aprofundadas aqui análises sobre
as composições em si, pois o foco deste trabalho são os aspectos interpretativos de
Rabello, porém sobre este tópico específico convém especificarmos o conceito de
forma única.
Green (1979) define forma única como músicas que não são divisíveis - não
há cadências fortes e conclusivas exceto no final e não há um contraste
diferenciando partes distintas da música. Em alguns casos de peças de forma única,
não se consegue afirmar com certeza a tonalidade em questão até o momento da
cadência final. A forma única pode ter repetições: o autor cita o exemplo do Prelúdio
Op. 28 n. 2 de Chopin que apresenta a forma única estruturada em três seções
(AA’A”)29. A ideia de forma única em seções é baseada em uma estrutura linear,
sem contraste de tonalidade, estrutura, textura ou nenhum outro parâmetro musical,
que pode entretanto ter uma ou mais repetições, com pequenas variações na
reexposição.
Este é precisamente o caso de Luiza. Esta canção não é estruturada em
versos e refrões, e a própria letra constrói também uma ideia contínua. O final do
tema A conecta diretamente com a repetição A’, configurando não uma quebra
contrastante, mas sim um movimento natural 30. Não significa que a música seja
estática ou não seja elaborada, mas sim que este desenvolvimento se dá de maneira
contínua e linear. Deste modo, qualquer alteração na continuidade do tema
quebraria de fato com a fluidez da canção. Rabello manteve esta ideia musical tal
como foi proposta por Jobim. Os únicos espaços para alterações são a introdução

29
Para Green, formas AA’ podem em alguns casos representar formas binárias contínuas, entretanto
para esta categorização consta uma diferenciação acentuada pelo design antes da repetição - ou
seja, a retomada do início da peça configura uma quebra clara da estrutura.
30
De modo geral, o método de análise proposto por Green é mais focado no que é apreendido
através escuta do que pela leitura de uma partitura - e esta foi uma das razões para a escolha para
este livro nas análises deste trabalho. Algumas ideias podem soar vagas ou sujeitas a interpretações
pessoais, mas isto se dá pelo fato de Green propor uma análise sobretudo auditiva, e, portanto,
bastante sensorial e não puramente racional ou matemática.
60

(0’00”), a transição entre A e A’ (1’01”), e a coda da música (1’55”). As três seções


de fato foram exploradas pelo intérprete, cada uma à sua maneira.
Quanto ao aspecto harmônico, a peça de Jobim é em Dó menor, e a última
cadência resolve em Dó maior, seguindo o modelo de Green de que as músicas com
forma única só apresentam uma cadência forte e conclusiva no final da música, e
sem rupturas bruscas harmônicas - a peça conta com algumas polarizações (como o
uso de um Dó dominante antes do Fá no quarto sistema da partitura de Chediak),
mas não modulações. Todos os temas são desenvolvidos de fato embasados no Dó
menor.

Figura 4 - Partitura de Luiza do Songbook de Chediak

Fonte: Chediak, 1990d, p. 91


61

Convém notar que há uma diferenciação entre a escrita de Chediak e a de


Paulo Jobim nesta música. O Cancioneiro Jobim propõe uma forma de fato contínua,
sem interrupções, repetições ou quebras. Chediak por sua vez propõe uma forma
com ritornello, mudando a letra da melodia em comum (vide Figura 4). A forma
proposta no Cancioneiro sugere uma forma única sem seccionamentos (A),
enquanto a leitura de Chediak direciona a análise para uma forma única bi-
seccionada (A II A’). De todo modo, pelo aspecto de design da composição, as duas
partituras podem ser utilizadas para concluir esta característica de forma única,
apesar da diferenciação seccional.
Na introdução de Rabello, vemos uma apresentação diferente do que é
proposto na partitura. Curiosamente, a gravação do disco Edu & Tom Tom & Edu
também não corresponde plenamente ao que foi escrito para o Cancioneiro Jobim.
Importante lembrar então que Jobim era aberto a modificar suas composições ao
longo do tempo, sem existir uma “versão definitiva” (conforme apresentamos no
início deste capítulo), e que o projeto de montar um livro com sua obra completa
ocorreu anos após a gravação do disco que estamos considerando como referência
auditiva da obra. Podemos inferir então que a própria concepção da música Luiza
por parte de Jobim já era ligeiramente diferente no momento da gravação do disco
Todos os Tons se comparada ao momento da gravação de Edu & Tom Tom & Edu,
11 anos antes.
Podemos contrapor aqui a introdução escrita no Cancioneiro Jobim com o que
foi executado por Rabello no disco de 1992:

Figura 5 - Introdução de Luiza (excerto da partitura)

Fonte: JOBIM, P. (2001, p. 120)


62

Figura 6 - Introdução de Luiza feita por Raphael Rabello no disco Todos os Tons, transcrita em som
real31

Fonte: Transcrição da autora

No Songbook de Chediak a introdução da música não foi transcrita, por isso


utilizaremos aqui apenas estes dois materiais (além dos referenciais sonoros).
Rabello faz uma introdução mais longa comparada à partitura do Cancioneiro
Jobim. Entretanto, se nos guiarmos pela gravação do disco Edu & Tom Tom & Edu,
veremos que há uma introdução no piano ainda mais longa, que inclusive cita
motivos do tema. A gravação de Edu Lobo e Tom Jobim é iniciada com acordes
blocados, seguidos de um arpejo ascendente de Sol dominante, indo da nota Sol 4
até o Si 6 (arpejando tônica, terça maior, quinta justa e sétima menor sobrepondo
oitavas), que conecta no Dó 7, desencadeando um movimento descendente vindo
da região aguda até a região central do piano. O arpejo descendente tocado é de Dó
menor com quarta justa e sétima menor, indo de Dó 7 até voltar ao Sol 4 - de onde o
movimento anterior havia iniciado. Desta forma, Jobim explora a tessitura do piano
até a última oitava e contrapõe uma massa sonora maior (com os acordes blocados
apresentados inicialmente) com um gestual que explora mais a leveza (os arpejos).
Na sequência, Jobim cita o motivo melódico desenvolvido no trecho da música em
que aparece um acorde meio diminuto (que, na letra, corresponde ao trecho “escuta
agora a canção que eu fiz”, compassos 16 a 18 da partitura do Cancioneiro Jobim,
ou ao final do terceiro sistema na partitura do Chediak), depois executa um desenho
melódico bem semelhante ao que Rabello também faz nos compassos 5 e 6: duas
vozes caminhando em movimento contrário, uma em direção à outra por

31
A transcrição foi feita tal como soa (e não escrita oitava acima como usualmente é feito para violão)
para padronizar a leitura em relação ao piano e à voz, simplificando a compreensão e comparação.
Escolhemos escrever também em dois pentagramas (escrita utilizada algumas vezes para violão)
para facilitar a visualidade da sobreposição dos harmônicos (reduzindo a necessidade de linhas
suplementares) e a comparação com a partitura de referência do Cancioneiro Jobim.
63

movimentos cromáticos, chegando em notas a 4 semitons de distância das notas de


partida.

Figura 7 - Trecho da transcrição da introdução de Luiza na interpretação de Raphael Rabello, com


destaque em cores para cada uma das vozes

Fonte: Elaborado pela autora

Na imagem podemos ver a primeira voz em vermelho, em movimento


cromático descendente, e a segunda voz em azul, em movimento cromático
ascendente (e a ressonância pedal mantida em preto). A primeira voz inicia em Si
natural e termina em Sol natural, enquanto a segunda voz parte de Si natural e
termina em Ré sustenido. Na execução de Rabello este motivo aparece sobreposto
à ressonância harmônica construída no início da introdução. Na execução de Jobim,
podemos identificar este mesmo desenho melódico (iniciando, entretanto, na voz em
movimento ascendente) também apoiado em uma ressonância, no caso no pedal do
piano, que manteve soando o acorde executado imediatamente antes deste motivo
cromático. Este mesmo acorde é tocado novamente em piano após a terceira nota
da voz inferior, reforçando o preenchimento harmônico vertical.
Rabello em sua versão inicia sobrepondo a nota Si em diferentes oitavas de
maneira ascendente, utilizando harmônicos (representados pelas notas vazadas
com losangos), um recurso expressivo bastante característico do violão e dos
instrumentos de corda em geral, aproveitando a ressonância dos harmônicos para
criar uma textura montada com a sobreposição dessas notas. O uso destes
harmônicos no início da música e em formação solo favorece um destaque para este
tipo de som, que, conforme apontado por Adler, possui menos projeção e tende a
ser menos efetivo em formações instrumentais mais densas. Além disso, estes
64

harmônicos sobrepostos se mantêm como pedal para a construção da frase


seguinte. Podemos interpretar este uso da ressonância dos harmônicos como uma
tradução idiomática do pedal de sustentação do piano, que está presente na
introdução da gravação do álbum Edu & Tom Tom & Edu, em que a melodia
apresentada a partir dos 6 segundos32 é construída em cima da ressonância dos
acordes tocados anteriormente. Os arpejos desenvolvidos por Jobim também não
poderiam ser plenamente executados pelo violão, uma vez que eles são iniciados já
na região que corresponderia ao agudo do instrumento, e explora duas oitavas e
meia – o violão teria que transpor algumas oitavas abaixo e utilizar quase toda a
extensão do braço para tentar produzir um desenho melódico semelhante. Rabello
então não dialoga com este excerto em particular da introdução de Jobim, que é
suprimido em sua versão, sem tentar recriar um paralelo.
Já na introdução vemos também a presença de um accelerando e um
ritardando, dando mais movimento e expressividade à frase, recurso também
utilizado por Jobim no piano na introdução da gravação em 1981. Ambos inserem
uma fermata antes da melodia do tema, distinguindo a introdução da melodia
principal. Através destes elementos, vemos que Rabello em sua interpretação
dialoga desde a introdução com elementos que estavam presentes na gravação de
Jobim no disco Edu & Tom Tom & Edu, de modo que não abandona a concepção de
Jobim e nem tampouco se restringe a ela, ou seja, os novos elementos estilísticos e
idiomáticos trazidos por Rabello criam novas sonoridades sem entretanto ignorar as
características gerais da canção.
No tema, apesar de não alterar a forma e nem a melodia, ele inclui
ornamentos e explora texturas. Aos 25 segundos, por exemplo, Rabello explora o
uso de notas duplas ao invés do contraponto entre melodia e acordes que vinha
sendo utilizado. Aos 31 segundos, os acordes são dedilhados, dando também um
preenchimento diferente. O baixo, que estava tocando notas longas no primeiro
tempo do compasso, dando preenchimento na região grave, passa aos 56 segundos
a apresentar uma melodia em contracanto, dialogando diretamente com a melodia
principal. Podemos relacionar este uso de notas duplas com a versão de Jobim, pois
neste trecho (na frase “te esquecer Luiza”, compasso 18 do Cancioneiro Jobim e
início do quarto sistema da partitura de Chediak), Jobim dobra a melodia com Edu

32
Referência de minutagem: https://www.youtube.com/watch?v=m_dZQPZQEBk
65

Lobo, de modo que provavelmente foi uma maneira que Rabello encontrou para
referenciar esta sobreposição de vozes no violão. Também na gravação com piano e
voz, Jobim inclui no compasso 12 (a partir da palavra “firmamento”) um contracanto
passivo vocal – bem próximo ao trecho em que Rabello muda a textura do
acompanhamento na sua versão. Deste modo, podemos ver que Rabello dialoga
com detalhes interpretativos de Jobim e Edu Lobo em sua gravação.
Podemos também destacar a pequena transição a partir de 1'01, em que o
intérprete desenvolve uma frase que consegue conectar o espaço entre a exposição
do tema, através de uma melodia ascendente, diretamente com a reexposição
temática em 1'04", de modo que a última nota da seção de transição já se apresenta
também como a primeira nota do tema que será reapresentado – ou seja, utiliza uma
nota de elisão. Com isso, o intérprete funde o acompanhamento e a melodia em uma
linha fluente. Por se tratar de um arranjo para violão solo, Rabello precisa englobar
as duas funções, e a escolha de criar esta elisão conecta duas ideias que, em
princípio, são distintas, fornecendo maior coesão para a música em sua
horizontalidade.
Na reexposição muitas soluções são reaproveitadas. Em 1'29" o intérprete
volta a fazer uso de notas duplas no desenho melódico descendente, até 1'31"
acompanhadas também por um baixo no violão, e depois em solo. A coda é
estilizada por Rabello incluindo elementos flamencos. O violonista inicia a coda
mudando o caráter e a textura, porém mantendo essencialmente o contorno
melódico da coda da música. A partir de 1'47" utiliza escalas e frases que
ornamentam com um caráter tipicamente flamenco. De 1'55" em diante, o aspecto
flamenco aparece principalmente pelo uso de trêmolo. O final da melodia, feita
originalmente valorizando notas longas na palavra “Luiza”, aparece aqui sendo
tocado com esta técnica de trêmolo, rearticulando cada nota várias vezes,
mantendo-a soando, contornando a característica do violão de não sustentar notas
longas (por conta do seu decaimento). Esta é uma solução encontrada por Rabello
para resolver a questão levantada no capítulo 4.4. ao comparar violão e piano com
voz. Após 2'09 a melodia já foi encerrada e Rabello passa a improvisar em cima de
motivos e acordes flamencos.
Importante apontar que Rabello altera a tonalidade da música de Dó menor
para Mi menor, ou seja, modula a música para uma terça maior acima. Aqui vemos
uma aplicação do conceito abordado por Lima Júnior sobre escolha de tonalidade: O
66

autor escreve que Mi menor é uma tonalidade muito utilizada no violão por conta da
facilidade de poder utilizar cordas soltas, e não coloca Dó menor como uma boa
tonalidade (ver capítulo 4.1). Ao escolher transpor a música para Mi menor, o
intérprete conseguiu a possibilidade de explorar em cordas soltas: o Mi (tônica)
grave e agudo na sexta e primeira cordas, respectivamente; o Lá (subdominante) na
quinta corda; o Si (dominante) na segunda corda; e ainda o Sol (terça menor) na
terceira corda.
Além disso, podemos destacar que, por conta de ser uma execução solo, o
violonista apresenta muita liberdade com o tempo, fazendo uso de rubatos e
fermatas, como a fermata feita no trecho aos 36 segundos da música, logo antes da
parte que na letra corresponderia à frase “pra te esquecer Luiza” (compasso 18 do
Cancioneiro Jobim e início do quarto sistema da partitura de Chediak), e o trecho da
introdução mostrado com variação na ideia de pulsação.
A música não explora variações no panorama sonoro. Talvez pela própria
formação (em violão solo), tenha sido decidido que seria mais interessante
proporcionar uma sonoridade em estéreo, de modo que o violão preencha o
panorama sonoro completamente, dando ao ouvinte a sensação de um som que
completa o espaço.

6.2.2. Passarim

Um dos elementos que se destaca nesta interpretação é que Rabello altera a


forma originalmente feita por Jobim, diferentemente do que vemos em Luiza. Para
melhor compreensão deste aspecto, vamos esclarecer o que está sendo definido
como cada seção e comparar os desenvolvimentos formais. Será indicado na
partitura do Cancioneiro Jobim pela facilidade de associação tanto com a partitura
quanto com a letra. Seguiremos um modelo de seção de ensaios utilizando letras do
alfabeto para indicar cada trecho.
67

Figura 8 - Partitura de Passarim com as seções indicadas, página 1

Fonte: JOBIM, P. (2001, p. 78), com marcações da autora em vermelho


68

Figura 9 - Partitura de Passarim com as seções indicadas, página 2

Fonte: JOBIM, P. (2001, p. 79), com marcações da autora em vermelho


69

Figura 10 - Partitura de Passarim com as seções indicadas, página 3

Fonte: JOBIM, P. (2001, p. 80), com marcações da autora em vermelho


70

Figura 11 - Partitura de Passarim com as seções indicadas, página 4

Fonte: JOBIM, P. (2001, p. 81), com marcações da autora em vermelho


71

Figura 12 - Partitura de Passarim com as seções indicadas, página 5

Fonte: JOBIM, P. (2001, p. 82), com marcações da autora em vermelho


72

Figura 13 - Partitura de Passarim com as seções indicadas, página 6

Fonte: JOBIM, P. (2001, p. 83), com marcações da autora em vermelho


73

Como podemos ver pela partitura indicada, a interpretação de Jobim no disco


Passarim utiliza a seguinte forma:

ABCDE ABCD ABC’D’A’

Por sua vez, a forma desenvolvida por Rabello configura-se da seguinte


maneira:

Introdução / introdução citando o tema / “tema de engano”,


continuando a improvisar utilizando motivos do tema /
tema variado: ABCDE / ABCDE / A / improviso na seção B / C’ D’ /
A” (A modulado, porém seção a toda) / improviso em fade out

O arranjo de Rabello é mais aberto à improvisação e variações temáticas. Ele


estende a execução da música e inclui também um interlúdio a mais, de modo que a
volta para o A seguinte leva não para o tema B, mas para uma seção improvisatória
no encadeamento harmônico do tema B. Assim como no original, Rabello realiza a
modulação, porém o que na versão de Jobim configura-se como uma coda (A’), na
versão de Rabello é executada de fato como a seção A na íntegra, porém modulada,
levando a uma nova seção de improviso, já sem tanto rigor formal quanto aparecera
na introdução, acabando a música em fade out, bem diferente do final em Jobim,
que é bem demarcado. Podemos considerar que uma das possíveis razões para
esta alteração seja a formação proposta em cada álbum. Pela maior quantidade de
instrumentos e vozes, Jobim pôde criar sonoridades diferentes, inclusive
adicionando mais tensões e abrindo notas em oitavas diferentes entre os
instrumentos e as vozes. A formação utilizada por Rabello limitaria a abertura de
acordes, já que só contaria com um violão e um baixo para acontecimentos
harmônicos. Além disto, as vozes contam com uma capacidade de sustentar as
notas com energia por mais tempo do que o violão, cujas notas estão sujeitas a um
decaimento natural de energia e volume com o tempo. O violão também não
consegue crescer após o ataque de uma nota, somente decrescer. Deste modo, o
final proposto por Jobim, com notas longas, não teria o mesmo efeito no violão, de
74

modo que o intérprete abandona o final escrito pelo compositor e parte para uma
solução diferente, explorando a improvisação.
Ao citar o tema na introdução, Rabello usa o mesmo recurso que
identificamos em Jobim na introdução de Luiza. No tema, Rabello expõe o tema com
bastante liberdade, sugerindo variações rítmicas desde a primeira exposição. Na
seção que identificamos com a letra B, Rabello faz notas em staccato com ataques
fortes, dando ênfase nos contratempos, proporcionando uma sonoridade swingada.
O silêncio nos demais instrumentos no início desta parte B proporciona ainda mais
destaque para a melodia do violão. Essa liberdade interpretativa sugere que sua
gravação se dispõe a ser uma gravação que propõe uma intertextualidade com a
gravação de Jobim, de modo que, se o ouvinte tiver o referencial da melodia original,
sua variação seja um elemento de destaque durante a escuta. Na gravação de
Jobim explora-se muito a abertura de vozes, e por vezes, em tessituras bastante
contrastantes. Rabello então cria um paralelo com esta sonoridade executando
diversos trechos da melodia com notas duplas, como neste próprio B. A liberdade na
seção B atinge seu ápice na terceira exposição do tema, em que o intérprete utiliza a
seção para improvisar em cima da harmonia, baseando-se em motivos da
composição.
Novamente, a coda é a seção em que mais se destacam os elementos
flamencos. Entretanto, este elemento aparece menos intensamente do que em
Luiza. O primeiro gestual ascendente da coda sugere um diálogo com o flamenco
(em 3’42” da gravação33), e só voltam a aparecer fraseados com aspectos flamencos
em 3’57, utilizando escalas típicas, técnicas de dedilhados característicos (4’00”).
Porém estas técnicas aparecem diluídas em improvisações que caminham pelo
contexto da canção, até mesmo citando motivos que lembram desenhos melódicos
da canção de Jobim (como em 4’06”).
Deste modo, podemos ver que mesmo a exploração das técnicas flamencas
não foi feita de uma única maneira no álbum, de modo que cada faixa recebeu, além
de um desenvolvimento formal pensado para cada música, a inserção de estilemas
através de um olhar aprofundado nos elementos presentes em cada canção - não foi
realizada de maneira uniforme, o que torna o álbum menos previsível para o ouvinte.

33
Conforme a minutagem do Deezer apresentada na Tabela 2.
75

Nesta música, temos uma leve exploração da espacialidade. Fica mais nítido
esse uso do panorama na bateria, em que os pratos em alguns momentos soam
totalmente na lateral, como se a fonte sonora estivesse a 90º para a esquerda do
ouvinte34. O violão nesta faixa acaba soando levemente à direita do ouvinte (porém
ainda bem próximo do centro), e tendendo para a esquerda ouve-se o reverb deste
instrumento. A primeira vez que é possível notar esse panorama bastante aberto é
aos 37 segundos, na primeira vez que o baterista usa o prato.

34
Considerando o 0º referencial como a direção em frente ao ouvinte, como na linha do nariz.
76

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

As discussões levantadas neste trabalho mostraram-se um campo fértil de


pesquisa e análise. Termos como “composição”, “arranjo”, “transcrição” não
possuem uma definição única plenamente aceita no meio musical, mas a reflexão
sobre seus significados é importante nesta área do conhecimento, seja na pesquisa
ou na prática musical cotidiana. Este trabalho propôs alguns esclarecimentos
baseados na bibliografia consultada e no que a autora acredita serem mais
adequadas, conforme as reflexões apresentadas.
O estudo sobre as particularidades do violão mostrou-se uma parte
importante para a compreensão de aspectos alterados nos arranjos por Rabello. Do
mesmo modo, entender quem são os músicos envolvidos no álbum, o contexto em
que surgiram as composições, e como foi o desenvolvimento do processo criativo e
das gravações trouxe um novo panorama para reflexões sobre o aspecto humano
por trás da obra artística completa - foram parte importante da pesquisa, pois
trouxeram um novo olhar mais sensível sobre o objeto musical analisado. Este
trabalho pôde também identificar algumas lacunas existentes e propor algumas
alternativas para a insuficiência de materiais teóricos plenamente adequados para a
análise destes repertórios fora da tradição europeia de música erudita e do jazz
estadunidense. O campo da pesquisa musical no Brasil oferece muitas
possibilidades de atuação, e são importantes na consolidação de nossa memória.
As análises apresentadas aqui de modo algum englobam tudo que há para
ser discutido nas interpretações de Rabello. Pudemos identificar elementos
idiomáticos, estilemas e intertextualidade, porém são apenas o início de um
processo a ser levado ainda adiante. Buscamos destacar algumas escolhas do
intérprete como menções ao significado do texto original, pois, apesar de não ser
nosso foco, é inevitável considerar que ambas as músicas analisadas foram
concebidas enquanto canções. Estabelecemos paralelos com a bibliografia para
justificar parte das escolhas realizadas pelo intérprete, embasando certas escolhas
para demonstrar que mesmo dentro do campo do estilo e da individualidade é
benéfico o conhecimento do instrumento e a reflexão acerca das obras de
referências. Espera-se que este trabalho possa também auxiliar intérpretes a
77

compreender processos criativos e diálogos intertextuais, inspirando-os a explorar


expressões artísticas individuais em suas práticas musicais.
78

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79

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