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À minha avó Tereza

Aos meu pais Joaquim e Marly


e (in memoriam) aos meus avós Roque, Laurindo e Joana
por me ensinarem a amar a vida, a música e a poesia


 v

AGRADECIMENTOS

À Deus por me conceder o privilégio da vida ao lado da música.

Aos meus pais Joaquim e Marly pela vida, pelo exemplo e pela presença amorosa todos os
dias. Aos meus irmãos Gustavo e Renato pelo amor e confiança.

Ao meu marido Rafael, por seu amor, companheirismo, dedicação e paciência.

À Cynthia Borgani por me apresentar novas abordagens para o estudo do canto popular e
pelo incentivo aos primeiros rascunhos deste projeto.

À minha orientadora Mirna Rubim, por acreditar neste trabalho, pelo apoio durante o
processo e por me ensinar, na prática, como chegar mais perto de uma emissão vocal livre.

Ao Departamento de Música da UNIRIO, por aceitar o meu projeto de pesquisa e por todo o
auxílio prestado durante a realização deste mestrado.

Aos professores Lúcia Barrenechea e Silvio Merhy pelas observações valiosas em meu
exame de qualificação.

Às professoras Adriana Kayama e Salomea Gandelman pela leitura atenta e às ricas


contribuições prestadas no exame de defesa. E ao professor Leonardo Fuks (suplente), por
seus comentários precisos sobre meu texto.

Ao programa de Bolsas Capes/REUNI por viabilizar a realização desta pesquisa e por


ampliar as dimensões do meu trabalho ao promover maior integração na universidade.

Aos alunos da disciplina Canto Complementar do 2o semestre de 2008 e 1o semestre de 2009,


pelas contribuições inestimáveis ao meu aprendizado e aos resultados desta pesquisa.

À Luciana Oliveira, minha fonoaudióloga, pelo cuidado eficaz que teve com a minha voz.

Ao violonista e compositor Marco Pereira pela partitura de Sambadalu e pelas dicas valiosas
durante curso de Harmonia na UFRJ, o qual assisti como aluna ouvinte em 2009.

Aos queridos músicos: Fernando Corrêa, por me acompanhar no exame de seleção em 2007;
Thiago Trajano, Glauber Seixas, Marcus Thadeu e Gabriel Menezes por me acompanharem
nos concertos de 2008; e Vitor Gonçalves por me acompanhar nos registros de 2009.

À Escola Portátil de Música, em nome das professoras de canto Amélia Rabello e Anna Paes,
por permitirem o estágio de observação durante suas aulas nos anos 2008 e 2009; e por me
apresentarem a obra inédita Costura de Choro.

Aos meus familiares representados por tia Maria Ângela, primas Mariana e Fátima; e aos
amigos queridos representados por Ana Paula, Paulets e Janá, muito obrigada pelas orações,
pelos esforços de ordem prática, e pela presença amiga durante esta trajetória.


 vi

REZENDE-FERRAZ, Daniela Silva de. A VOZ E O CHORO: Aspectos técnicos vocais e o
repertório de choro cantado como ferramenta de estudo no canto popular. 2010. Dissertação
(Mestrado em Música) – Programa de Pós- Graduação em Música, Centro de Letras e Artes,
Universidade Federal do Estado Rio de Janeiro.

RESUMO

O objetivo desta dissertação é apresentar resultados do processo de estudo técnico vocal de 8


choros nos quais foram analisados aspectos vocais com base na literatura e constatados
elementos relevantes para o ensino-aprendizagem do canto popular em um contexto
acadêmico de ensino de música. Sob fundamentação teórica centrada nos trabalhos do
pedagogo vocal Richard Miller procedeu-se a três etapas. A primeira etapa é descrita no
Capítulo 1 e corresponde a revisão bibliográfica na qual foram selecionados os aspectos
vocais considerados relevantes para o estudo do choro com base nos conceitos de Miller
(1996) e de outros autores citados em nosso referencial teórico. A segunda etapa corresponde
a experiência de estágio docente realizada na Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro (UNIRIO) com 20 alunos de graduação em música matriculados na disciplina Canto
Complementar nos quais foram aplicados os conceitos teóricos obtidos na literatura e os
resultados são explicitados ao longo dos Capítulos 1 e 2. No Capítulo 3 os achados da
literatura somados à experiência de estágio docente constituíram a base do meu próprio
estudo vocal do repertório de 8 choros. Nos anexos I, II, III e IV são apresentados
respectivamente: CD de áudio com o registro de três etapas diferentes do estudo da peça
Choro pro Zé; CD de áudio com a gravação em estúdio da performance vocal de 3 dos 8
choros estudados; cópia de artigo sobre a experiência de estágio docente publicado na revista
acadêmica Fio da Ação – Série Monográfica da UNIRIO; partituras dos 8 choros estudados e
tabelas atualizadas do Alfabeto Fonético Internacional.

Palavras-chave: canto popular; técnica vocal; pedagogia vocal; choro cantado; repertório de
choro.


 vii

REZENDE-FERRAZ, Daniela Silva de. THE VOICE AND THE CHORO – Vocal technique
aspects and the sung choro repertoire as a tool to study vocal Brazilian jazz. 2010. Master
Thesis (Mestrado em Musica) - Programa de Pós- Graduação em Música, Centro de Letras e
Artes, Universidade Federal do Estado Rio de Janeiro.

ABSTRACT

The objective of this dissertation is to present results of the technical study of 8 choros that
were analyzed through vocal technique aspects based on specific literature and found relevant
evidences to the teaching-learning processes of Brazilian jazz vocal studies in an academic
context of music teaching. Based on theoretical work of the vocal pedagogue Richard Miller
we proceeded with three steps. The first step is described in Chapter 1 and corresponds to the
literature review from where we selected the vocal aspects considered relevant to the study of
choros based on concepts of Miller (1996) and other authors mentioned in our theoretical
framework. The second stage corresponds to the teaching assistantship experience held at the
Federal University of Rio de Janeiro State (UNIRIO) with 20 undergraduate music students
enrolled in the class Complementary Singing. The theoretical concepts were applied from the
literature and the results are explained in Chapters 1 and 2. In Chapter 3 findings from the
literature, along with the teaching assistantship experience formed the basis of my own study
of the 8 choros vocal repertoire. Supplements I, II, III and IV are presented respectively:
audio CD with records of three different stages of the study of the song Choro pro Zé; audio
CD with studio recordings of vocal performances of 3 of the 8 choros here selected; copy of
an article on teaching assistantship experience published in the journal Fio da Ação –
Monographic Series of UNIRIO, scores of the 8 choros selected and updated tables of the
International Phonetic Alphabet.

Keywords: 1. popular singing; 2. vocal technique; 3. vocal pedagogy; 4. sung choro; 5. choro
repertoire.


 viii

SUMÁRIO
LISTA DE EXEMPLOS.........................................................................................................xi
LISTA DE FIGURAS............................................................................................................xiii
LISTADE QUADROS...........................................................................................................xiv
INTRODUÇÃO.........................................................................................................................1
Formulação do problema.......................................................................................................1
Objetivo, delimitação e relevância.........................................................................................2
Referencial teórico..................................................................................................................8
Metodologia..........................................................................................................................10
Organização da dissertação.................................................................................................12
CAPÍTULO 1 - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E APLICAÇÃO PRÁTICA.........15
1.1 ATAQUE E FINALIZAÇÃO DO SOM................................................................17
1.1.1 Questões estéticas do ataque e finalização....................................................20
1.1.2 Fisiologia do ataque e finalização..................................................................22
1.1.3 Estudo sistematizado para ataque e finalização...........................................23
1.2 CONTROLE RESPIRATÓRIO E APOIO...........................................................25
1.2.1 Fisiologia da respiração, fonação e apoio......................................................25
1.2.2 Polêmicas sobre respiração e apoio................................................................31
1.2.3 Estudo sistematizado para respiração e apoio .............................................33
1.3 RESSONÂNCIA VOCAL.......................................................................................38
1.3.1 Ressonadores....................................................................................................40
1.3.2 Timbre e ressonância.......................................................................................41
1.3.3 Abertura da cavidade oral durante o canto..................................................45
1.3.4 Impostação vocal.............................................................................................48
1.3.5 Estudo sistematizado de ressonância vocal...................................................49
1.4 ESTUDO DAS VOGAIS E CONSOANTES.........................................................51
1.4.1 Alfabeto Fonético Internacional (AFI) .........................................................51
1.4.2 Formação das vogais.......................................................................................52
1.4.3 Estudo sistematizado para emissão equilibrada das vogais........................56
1.4.4 Consoantes nasais e não-nasais......................................................................58
1.4.5 Função das consoantes nasais e não-nasais...................................................60
1.4.6 Estudo sistematizado a partir das consoantes...............................................67
1.5 AGILIDADE E SUSTENTAÇÃO NO CANTO....................................................71
1.5.1 Agilidade ou sustentação? ..............................................................................71
1.5.2 Agilidade e sustentação...................................................................................76
1.5.3 Estudo sistematizado de agilidade e sustentação..........................................77
1.6 UNIFICAÇÃO DOS REGISTROS........................................................................82
1.6.1 Estudo sistematizado para unificação de registros.......................................85
CAPÍTULO 2 - METODOLOGIA E FERRAMENTAS INTERPRETATIVAS........90
2.1 METODOLOGIA....................................................................................................90
2.1.1 Estágio docente e outras vivências.................................................................90
2.1.2 Critérios para escolha do repertório.............................................................95
2.1.3 Instrumentos de coleta de dados....................................................................97
2.2 FERRAMENTAS INTERPRETATIVAS.............................................................98
2.2.1 O uso do microfone e outras tecnologias.......................................................98
2.2.2 Controle de dinâmica vocal..........................................................................100
2.2.3 Vibrato no canto popular.............................................................................101
2.2.4 Canto saudável..............................................................................................105


 ix

2.2.5 Técnica x arte................................................................................................106
CAPÍTULO 3 - ESTUDO PRÁTICO DO CHORO CANTADO...............................110
3.1 PROCEDIMENTOS PARA EDIÇÃO DAS PARTITURAS...........................112
3.1.1 Tico-tico no fubá............................................................................................112
3.1.2 Apanhei-te Cavaquinho.................................................................................116
3.1.3 Um a Zero.......................................................................................................118
3.1.4 Ingênuo...........................................................................................................120
3.1.5 Rosa.................................................................................................................122
3.1.6 Costura de choro.............................................................................................123
3.2 LEVANTAMENTO DAS DIFICULDADES TÉCNICAS NOS CHOROS...123
3.2.1 Primeira análise.............................................................................................124
3.2.2 Segunda análise..............................................................................................125
3.3 ESTUDO DETALHADO DE TRÊS CHOROS................................................133
3.3.1 Apanhei-te cavaquinho..................................................................................136
3.3.2 Choro pro Zé..................................................................................................139
3.2.3 Sambadalú......................................................................................................142
CONCLUSÃO................................................................................................................146
REFERÊNCIAS............................................................................................................150
Material da Internet...............................................................................................153
Discos.......................................................................................................................153
ANEXOS.........................................................................................................................155
I - CD de áudio com 3 exemplos diferentes do estudo de Choro Pro Zé...................155
II - CD de áudio com gravação resultante de 3 choros estudados pela autora.........155
III - Artigo publicado na Revista Fio da Ação sobre experiência de estágio docente
e Bolsa-REUNI........................................................................................................156
IV - Partituras dos 8 choros estudados e Tabelas atualizadas do AFI.......................170


 x

LISTA DE EXEMPLOS

EXEMPLO 1.1 – Exercícios 1.1 e 1.2 traduzidos de Miller (1996, p. 5) ...........................18


EXEMPLO 1.2 – Exercício 1.3 traduzido de Miller (1996, p. 5) e texto transcrito de
Behlau (2008, vol.I, p. 107)...................................................................................................19
EXEMPLO 1.3 – Exercícios 1.9, 1.12 e 1.25 traduzidos de Miller (1996, p. 12, 13 e 17)..24
EXEMPLO 1.4 – Exercícios 2.9, 2.10 e 2.11 traduzidos de Miller (1996, p. 35)................27
EXEMPLO 1.5 – Exercícios 2.1 e 2.2 traduzidos de Miller (1996, p. 29 e 30)...................33
EXEMPLO 1.6 – Exercício 2.3 traduzido e adaptado de Miller (1996, p. 31).....................35
EXEMPLO 1.7 – Exercício “4 por 4”.................................................................................. 36
EXEMPLO 1.8 – Exercícios 4.2 e 4.6 traduzidos de Miller (1996, p. 62 e 63)
e exercício de fonoterapia.......................................................................................................50
EXEMPLO 1.9 – Exercício de Kayama (1998) para emissão equilibrada das vogais e
exercício 5.1 traduzido de Miller (1996, p. 76).....................................................................57
EXEMPLO 1.10 – Exercícios a partir das peças Com que roupa e Choro por Zé e
exercícios 5.5, 5.7 e 5.9 traduzidos de Miller (1996, p. 77 e 78)............................................58
EXEMPLO 1.11 – Exercícios 6.2 e 6.5 traduzidos de Miller (1996, p. 82 e 84)..................68
EXEMPLO 1.12 – Exercício 6.7 traduzido de Miller (1996, p. 86)
e exercício 1 de Rubim (2008)................................................................................................68
EXEMPLO 1.13 – Exercício 6.9 traduzido e adaptado de Miller (1996, p. 87) e
exercício 2 de Rubim (2008)...................................................................................................69
EXEMPLO 1.14 – Exercícios 3 de Rubim (2008).................................................................69
EXEMPLO 1.15 – Exercício de retenção do [b] (Pinho; Pontes, 2008, p. 61)......................70
EXEMPLO 1.16 – Exercícios 7.30 e 7.32 traduzidos de Miller (1996, p. 104)....................70
EXEMPLO 1.17 – Exercícios 4 e 5 de Rubim (2008)...........................................................71
EXEMPLO 1.18 – Exercícios 7.12 e 7.14 traduzidos de Miller (1996, p. 96 e 97)..............71
EXEMPLO 1.19 – Comparação entre os exercícios propostos por Warenskojold
(2004, p. 165) e Brand (2004, p. 51).......................................................................................74
EXEMPLO 1.20 – Comparação de trechos dos choros com os exercícios de
agilidade 3.14, 3.18, 3.22, 3.23 traduzidos de Miller (1996, p. 45 e 47).................................81
EXEMPLO 1.21 – Comparação do exercício 8.5 traduzido de Miller (1996, p. 110) com
frase longa da valsa Rosa........................................................................................................82
EXEMPLO 1.22 – Exercícios 9.4, 9.5 e 9.8 traduzidos de Miller (1996, p. 127 e 128).......86
EXEMPLO 1.23 – Exercícios 9.19 e 9.20 traduzidos de Miller (1996, p. 131)....................86


 xi

EXEMPLO 1.24 – Exercício 10.29 traduzido de Miller (1996, p. 146) e
exercício 6 de Rubim (2007)..................................................................................................87
EXEMPLO 1.25 – Vocal fry proposto por (Boone & Mcfarlane, 1988
apud Behlau, 2008, vol II, p.463)...........................................................................................88
EXEMPLO 2.1 – Exercício 14.2 traduzido de Miller (1996, p. 191).................................105
EXEMPLO 3.1 – Edições feitas nas partituras de Ingênuo e versão resultante..................122
EXEMPLO 3.2 – Vocalizes de aquecimento em aula com Rubim em (30/03/2009).........135
EXEMPLO 3.3 – Adaptação do exercício 4 de Rubim
(Ver ex. 1.17, p. 69)
para treinamento da dificuldade técnica no compasso 27 em Choro pro Zé........................140
EXEMPLO 3.4 – Mudança de acentuação sugerida por Rubim como possibilidade de
solução para a dificuldade técnica identificada no compasso 27 de Choro pro Zé..............141
EXEMPLO 3.5 – Exercício 13.3 traduzido de Miller (1996, p. 176) e
trecho com nota longa em Sambadalu..................................................................................144


 xii

LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1.1 – Diafragma......................................................................................................30


FIGURA 1.2 – Vogais............................................................................................................53
FIGURA 1.3 – Níveis de projeção vocal................................................................................61


 xiii

LISTA DE QUADROS

QUADRO 1.1 – QUALIDADE DE SONS E ESPAÇOS DO TRATO VOCAL


ASSOCIADOS traduzido de Titze (2005, p. 500)..................................................................45
QUADRO 1.2 – Quociente de Contato (QC%) obtido por EGG (eletroglotografia)
para freqüência e intensidades constantes (Pinho; Pontes, 2008, p. 54).................................63
QUADRO 3.1 – RESULTADOS DA PRIMEIRA ANÁLISE DOS CHOROS..................125
QUADRO 3.2 – INTERVALOS ENTRE PASSAGENS DE REGISTROS OU
NO LIMITE DA EXTENSÃO VOCAL...............................................................................126
QUADRO 3.3 – SEQUENCIAS DE INTERVALOS QUE EXIGEM EMISSÃO VOCAL
EQUILIBRADA PARA ARTICULAÇÃO DAS VOGAIS E CONSOANTES..................128
QUADRO 3.4 – PASSAGENS COM ESCALAS LONGAS E DE TONS INTEIROS.....130
QUADRO 3.5 – ARPEJOS TIDOS COMO TRECHOS DE DIFICULDADE...................132
QUADRO 3.6 – TRECHOS QUE EXIGEM SUSTENÇÃO DE NOTAS OU
FRASES LONGAS...............................................................................................................133


 xiv

INTRODUÇÃO

Formulação do problema

O ensino de canto popular na universidade brasileira é bastante recente tanto que o

primeiro curso de música popular com a opção de instrumento voz surgiu na UNICAMP em

1989. Como aluna da 9a turma deste curso tive a oportunidade de participar de um ambiente

acadêmico em formação. As frequentes alterações da grade curricular durante a minha

graduação demonstravam a preocupação dos docentes em adequar o curso para um melhor

aproveitamento dos alunos. No entanto, a falta de profissionais qualificados em técnica vocal

popular, devido à escassez de graduação nesta área no Brasil, fez com que eu buscasse outras

fontes de estudo na literatura internacional após a conclusão da minha graduação. A partir do

contato com metodologias norte-americanas para o ensino do canto clássico e não-clássico,

tais como o jazz, encontrei novas ferramentas para realizar um estudo mais aprofundado sobre

o canto popular brasileiro.

No início do levantamento bibliográfico para esta pesquisa, foi possível perceber que a

pedagogia vocal no Brasil, até mesmo a orientada para o canto erudito, ainda sofre com a

escassez de publicações em português, razão que nos levou a adotar como referencial teórico

principal os trabalhos publicados pelo conceituado pedagogo vocal professor Richard Miller

(1996). Tendo como base o seu livro The Structure of Singing1 selecionamos oito aspectos

vocais mais relevantes para este estudo e as soluções técnicas propostas por Miller a fim de

validar o uso do repertório de choro cantado como uma ferramenta auxiliar e eficaz no estudo

técnico vocal. Os demais autores consultados em nossa pesquisa são incluídos no item

referencial teórico mais adiante neste trabalho.

1
A Estrutura do Canto – tradução nossa.

1
O interesse em selecionar choros2 como material de estudo para esta pesquisa se deu

após o contato que tivemos com alguns fonogramas realizados por Ademilde Fonseca, cantora

brasileira do Rio Grande do Norte, que com suas interpretações consagrou-se como a “Rainha

do Choro”. Encontramos no material de Ademilde Fonseca a inspiração primeira e as

hipóteses de estudo necessárias para começar esta investigação.

A primeira hipótese que lançamos é que para se cantar choros é preciso um grande

domínio do instrumento vocal e a segunda hipótese é que o estudo sistemático do choro

cantado é uma opção para aquisição de domínio técnico vocal aplicado ao repertório de

música brasileira. Acreditamos que as duas hipóteses sejam complementares entre si e

evidenciamos essa complementaridade com a aplicação de nosso referencial teórico a um

estudo sistemático do repertório de 8 choros pré-selecionados, cujos critérios de inclusão

serão esclarecido na seção Metodologia desta Introdução.

Objetivo, delimitação e relevância

O objetivo desta dissertação é apresentar o resultado do processo de estudo vocal de 8

choros nos quais foram analisados aspectos vocais com base na literatura e constatados

elementos relevantes para o ensino-aprendizagem do canto popular em um contexto

acadêmico de ensino de música. Sob fundamentação teórica centrada nos trabalhos do

pedagogo vocal Richard Miller procedeu-se a três etapas: (1) na revisão bibliográfica

selecionou-se os parâmetros vocais considerados relevantes para o estudo do choro com base

nos conceitos de Miller (1996) e de outros autores como Behlau (2008), Pinho e Pontes

(2008); (2) os conceitos teóricos obtidos na literatura foram explorados durante estágio

docente por 2 semestres com um grupo de 20 alunos da disciplina Canto Complementar da

Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO); e (3) os achados da literatura

2
O termo choro será definido no item Delimitação a seguir

2
somados à experiência de estágio docente constituíram a base do meu próprio estudo vocal do

repertório de 8 choros.

Por se tratar de uma pesquisa na área de Práticas Interpretativas, ao longo do quadro

teórico levantado para fundamentação deste estudo tivemos a preocupação constante em

apresentar, pontualmente, a aplicação didática dos aspectos técnicos vocais estudados, a fim

de contribuir para o enriquecimento da escassa literatura em português sobre o ensino do

canto popular na universidade brasileira.

Quando optamos por realizar um estudo técnico vocal orientado para o canto popular,

deparamo-nos com uma questão inicial que era apresentar uma definição clara do que

compreendemos como canto popular brasileiro.

Neste sentido, a dissertação de mestrado da pesquisadora Regina Machado (2007) A

voz na canção popular brasileira: um estudo sobre a Vanguarda Paulista foi uma excelente

referência para apontar a discussão de canto popular que atendia às nossas expectativas. Sua

pesquisa apresenta uma ótima revisão da história do canto midiatizado; referenciais de

diferentes momentos estéticos do canto popular no Brasil bem como relata uma série de

possibilidades do uso vocal.

Ao realizarmos esse levantamento pontual sobre a voz no Brasil, pretendemos apontar os


elementos que fundamentam uma tradição para o canto popular (...) Com a sedimentação
do samba como gênero musical, fato que ocorreu entre os anos 20 e 30 do século passado,
pudemos verificar que a referência estética para a realização vocal passou a utilizar mais
acentuadamente os parâmetros da fala, produzindo uma emissão vocal mais coloquial e com
menos utilização de vibrato, valorizando a articulação rítmica e a execução do fraseado
musical em detrimento da potência e da dramaticidade, características da seresta e em que se
observavam mais claramente as influências do belcanto sobre a canção popular. (Machado,
2007, p. 21, grifos nossos).

As transformações da execução vocal do cantor popular dos anos 20 e 30 são bem

pontuadas por Machado (2007), mas outras mudanças estilísticas ocorreram até os dias atuais.

Hoje, o universo da canção popular brasileira engloba uma grande variedade de timbres,

qualidades de sons e estéticas múltiplas; e apesar dessa diversidade, Machado (2007)

menciona a existência de uma tradição que define elementos fundamentais do canto popular

3
como o uso acentuado de parâmetros da fala gerando uma emissão vocal mais coloquial e

quase sem vibrato (p. 21). É através desse olhar histórico para a tradição que iniciamos nossa

pesquisa.

Ao assumir esses elementos fundamentais da canção popular brasileira como ponto de

partida, não é pretensão deste trabalho, de forma alguma, atrelar o processo de ensino-

aprendizagem discutido aqui a uma única corrente estética do canto popular brasileiro.

Considerando a existência de uma multiplicidade de estilos no que se compreende como

canção popular brasileira, a primeira preocupação desta pesquisa é apontar caminhos que

viabilizem a capacitação do estudante universitário de canto popular para o uso saudável de

sua voz em qualquer corrente estética musical em que ele pretenda atuar.

No recorte necessário para o desenvolvimento desta pesquisa, optou-se por observar a

voz do cantor sob dois enfoques principais: (1) o da fisiologia vocal, apoiado no referencial

teórico já citado, e (2) a partir deste primeiro, tomou-se a voz como um instrumento possuidor

de sonoridades múltiplas que foram exploradas através da análise crítica dos conceitos

fisiológicos aplicados à prática. Desta maneira, durante o trabalho não serão adotados termos

como certo e errado mas sim termos como adequado e inadequado quando se tratar das

características fundamentais do estilo; e saudável e não saudável levando em conta o

funcionamento fisiológico do aparelho fonador.

Para melhor entendimento das escolhas e procedimentos utilizados nesta pesquisa,

faz-se necessário justificar o choro e sua coerência com o recorte adotado. O leitor pode, por

exemplo, se perguntar: Como é que o choro, um gênero de música brasileira tradicionalmente

instrumental e que possui sua origem do final do século XIX, pode ser uma ferramenta de

estudo vocal que auxilie o desenvolvimento técnico do cantor que pretende fazer um uso livre

de sua voz no século XXI?

4
Em 1936, o primeiro livro de registro da história do choro, escrito por Alexandre

Gonçalves Pinto3, já colocava em discussão a diferença entre o verdadeiro choro dos

primórdios e aquele feito em sua época: “apesar de os choros de hoje não serem como os de

antigamente, pois os verdadeiros choros eram constituídos de flauta, violões e cavaquinhos”

(Pinto, 1978, p.11). Na referida obra também é possível encontrar vários significados

diferentes para a palavra choro num mesmo período histórico, o que dificulta definir

exatamente o que é choro.

Marília T. Barboza da Silva (1986) em seu artigo “Pelos Caminhos do Choro”, dentre

várias fontes, analisa também o livro de Pinto em busca de significados para o termo. Neste

pequeno trecho selecionado de seu artigo, Silva apresenta três possibilidades diferentes para a

definição da palavra choro.

1) A acepção de conjunto está bem documentada por Alexandre: “Indo daqui da Capital, o
competente choro, que eram: Henriquinho de flautim; Lica de bombardão; Galdino de
Cavaquinho; Luiz Brandão, Neco, Alfredo de cavaquinho; Felisberto da flauta”, etc. 2) Está
documentado, também, o fato de que a palavra não designava um gênero musical definido:
“tocava os choros fáceis como fosse: polka, valsa, quadrilha, chotes, mazurka, etc”. 3) Há
ainda no livro de Alexandre o emprego da palavra “choro” no sentido de baile popular, festa
familiar com música. “Nos choros da Cidade Nova, sempre apareciam os poetas, que
variavam as festas com os recitativos” (Silva, 1986, p.22).

Ary Vasconcelos (1999), jornalista, crítico e musicólogo relata ainda uma quarta

definição para o termo choro, que segundo ele, ocorre durante seu desenvolvimento histórico:

Nascido por volta de 1870, ainda como um jeito brasileiro dos conjuntos à base de violões e
cavaquinhos tocarem os gêneros dançantes europeus em voga na época (valsas, polcas,
schottisch e mazurcas), o choro acabaria por se impor como um fascinante gênero
musical...(Vasconcelos, 1988 apud Sève, 1999, p.6).

Henrique Cazes (1998), em acordo com Vasconcelos, diz: “Choro foi primeiro uma

maneira de tocar. Na década de 1910, pelas mãos geniais de Pixinguinha, passou a significar

também um gênero musical de forma definida” (Cazes, 1998, p.19).

No entanto, ao retomar o artigo de Silva (1986), foi verificada a segunda definição de

choro apontada por ela, como a mais adequada ao desenvolvimento dessa pesquisa:

3
O livro O Choro de Alexandre Gonçalves Pinto foi escrito em 1936, mas a edição que tivemos acesso foi
publicada em 1978. Isso explica a contradições de datas citadas no texto e nas referências.

5
Também está vivo ainda o emprego da palavra choro para designar, não um gênero musical
definido, mas um repertório de “músicas de choro” que inclui vários ritmos. Quem vai hoje a
um recital de choro ouvirá uma polca de Calado, uma valsa de Nazareth, uma chótis de
Anacleto ou até mesmo um... choro de Pixinguinha. (Silva, 1986, p.23).

Como não é pretensão deste trabalho aprofundar a discussão sobre o que é realmente o

choro, essa polêmica fica destinada aos musicólogos e para este trabalho será adotada a

definição de choro proposta por Silva como sendo um repertório consagrado, o que neste caso

inclui vários gêneros musicais tradicionalmente executados nas “rodas de choro”4 até os dias

de hoje.

Embora essa definição de choro adotada amplie o leque de possibilidades quanto aos

gêneros da música brasileira que, eventualmente, serão abordados neste trabalho, ela não

responde à ocorrência de outras questões possíveis como, por exemplo, o fato do choro ser

tradicionalmente considerado música instrumental. Esta característica predominante poderia

tornar contraditória a escolha de um repertório de choro para um trabalho com enfoque em

prática vocal. Entretanto, mesmo se o choro fosse considerado somente como música

instrumental, ele, ainda assim, seria um material de pesquisa relevante, posto que neste

trabalho pretende-se observar e estudar a voz como um instrumento, através da compreensão

clara de seu funcionamento e sua utilização prática.

Através de uma leitura cuidadosa do clássico já citado, O Choro de Alexandre

Gonçalves Pinto (1978), nota-se que a voz sempre esteve presente no ambiente onde se

faziam os choros5 como confirma o trecho a seguir: “Aqui neste livro vou tentar descrever

uma modinha, que além de muitas outras, era bastante apreciada nos salões daquele tempo,

onde houvesse um chôro (sic)”. (Pinto, 1978, p.106). A ocorrência da música cantada,

principalmente a modinha, era recorrente nos salões onde se davam as festas:

Nos choros da Cidade Nova, sempre apareciam os poetas, que variavam as festas com os
recitativos (...) Isso era uma brecha, para os cantadores de modinhas, que manhosamente,

4
Encontros de músicos amadores e profissionais que, com instrumentos acústicos, passeiam por vasto repertório
de polcas, valsas, maxixes, sambas etc.
5
Tenha aqui como definição de choro: baile popular, festa familiar com música.

6
recolhidos á (sic) sua modéstia, instigavam os amigos para que “insistissem” que cantassem
(Pinto, 1978, p.118).

Na obra de Pinto que, direta ou indiretamente, registra a identificação das habilidades

de pelo menos 285 chorões6 atuantes, compreendidos entre o período de 1870 a 1935, é

possível destacar dentre os instrumentistas citados, aproximadamente 115 cantores de

modinhas e lundus, os quais em sua maioria, eram também “tocadores de violão”.

Um outro fato que reforça a presença da voz no choro é que, no decorrer da história,

muitos choros passaram a possuir letras originais ou póstumas. E embora as letras para

famosos choros instrumentais tenham gerado polêmica entre músicos e musicólogos, elas

possibilitaram a carreira de alguns intérpretes que optaram por cantar este repertório, como foi

o caso de Ademilde Fonseca, Orlando Silva, Aracy de Almeida, Carmem Miranda, dentre

outros.

O fato da voz estar presente na história do choro é muito interessante para este

trabalho porque, sendo o choro um dos movimentos mais antigos da música popular

brasileira, temos no tratamento do repertório cantado resquícios dos primeiros gêneros

nacionais como as modinhas e os lundus. Junto ao fato do choro carregar consigo a herança

histórica das origens de nossa música, soma-se o caráter instrumental e virtuosístico que ele

possui e isso resulta na combinação perfeita de uma ferramenta rica em recursos para auxiliar

a investigação proposta aqui.

Antes de Ademilde, cantoras como Camem Miranda e Aracy de Almeida já tinham cantado
Choro e samba-choro. A meu ver, o que deu a Ademilde o título de “Rainha do Chorinho” foi
o fato de ter se projetado a partir de gravações com letra de sucessos chorísticos instrumentais.
Isso, fora o domínio técnico para cantar em alta velocidade. (Cazes, 1998, p.184, grifo
nosso).

Não fez parte deste estudo a investigação de como Ademilde Fonseca solucionou as

dificuldades técnicas encontradas nas melodias dos choros que interpretou. O foco principal

deste trabalho foi buscar um caminho de estudo com base no conhecimento aprofundado da

6
Chorões: “músico de ‘choro’, aquele que vivia para compor, tocar e cantar” (Neves, 1977, p.18).

7
pedagogia vocal proposta por Richard Miller (1996). A partir do referencial teórico foi

levantada a sua aplicabilidade aos diferentes desafios trazidos pelo repertório de choro.

Referencial teórico

Na revisão da literatura foi encontrada a dissertação de mestrado da pesquisadora

Adriana Piccolo (2006) que realiza em seu trabalho uma análise acústica e interpretativa do

canto popular brasileiro. Além das pesquisas citadas por Piccolo, foram acrescentadas às

referências trabalhos que apontaram lacunas para grande parte dessa pesquisa: (1) a

dissertação de mestrado da pesquisadora Regina Machado (2007), cujo trabalho apresenta um

estudo analítico das vozes na Vanguarda Paulista dos anos 1980; (2) a dissertação de

mestrado da pesquisadora Maria Consiglia Latorre (2002) que, ao traçar um histórico da voz

na canção brasileira, formata uma proposta de ensino do canto popular a partir da escuta de

épocas e da vivência dessas condutas vocais, além da incorporação de elementos do canto

Werbeck (escola do desvendar da voz)7; e (3) a dissertação de mestrado do pesquisador

Guilherme Hollanda Azevedo (2008), que consiste em um trabalho híbrido na medida em que

realiza um estudo comparativo entre objetivos estéticos da voz no universo do canto erudito e

popular.

A dissertação de mestrado da pesquisadora Mirna Rubim, apesar de já ter sido citada

na revisão da literatura realizada por Piccolo, merece destaque uma vez que se apresenta

como um trabalho pioneiro no campo da pedagogia vocal no Brasil. A pesquisa de Rubim

(2000), assim como os trabalhos de Richard Miller, é fundamentada em conceitos concretos

da fisiologia vocal e por esta razão, apesar de ser direcionada ao desenvolvimento do cantor

7
Pedagogia vocal desenvolvida por Valborg Werbeck-Svärdström que entende o estudo do canto como
libertação e não formação da voz, e associa o processo ao desenvolvimento espiritual, encontrando elementos
comuns na Ciência Espiritual Antroposófica (Rudolf Steiner). “O Canto Weberck não se preocupa apenas com o
resultado final artístico, mas sobretudo com o processo pelo qual se chega a esse resultado, abrindo assim um
espectro de possibilidades na esfera pedagógica, terapêutica e artística. Ele não submete o cantor a um modelo
externo mas faz com que descubra suas possibilidades fisiológicas, sensíveis, mentais e espirituais, levantando
os véus que podem encobrir a voz de cada um.”(idem)

8
erudito, atende essa pesquisa como uma referência essencial de uma proposta de abordagem

emancipatória para o ensino-aprendizagem do canto.

A pesquisa de Rubim (2000), foi embasada no trabalho de Blades-Zeller (1993) que

entrevistou nove pedagogos vocais norte-americanos, inclusive Richard Miller, e, a partir da

análise dessas entrevistas identificou conceitos vocais que foram agrupados em categorias que

nos serviram de sugestão para a organização do Capítulo 1.

Para o desenvolvimento deste trabalho partiu-se da premissa que os fundamentos do

estudo de técnica vocal são semelhantes para cantores populares e eruditos. Entretanto, no

momento em que a técnica é aplicada ao repertório, a utilização dos recursos vocais deve

variar de acordo com o caráter estético da peça e a intenção dos intérpretes. Por causa da

ausência de um discurso uniforme entre os professores de canto o embasamento teórico desta

pesquisa foi concentrado no pensamento do professor Richard Miller (1996) levando em

conta a relevância de seus trabalhos na área do canto e o reconhecimento internacional de sua

carreira.

Miller foi professor de performance vocal durante 42 anos no conservatório de

Oberlin nos Estados Unidos; concomitantemente, por 28 anos ensinou canto na Academia

Internacional de verão da universidade Mozarteum em Salzburg, na Áustria; publicou 8 livros

sobre a voz cantada; e apresentou palestras e deu aulas na Austrália, Canadá, Inglaterra,

França, Alemanha, Nova Zelândia, Noruega, Portugal, Suécia, Suíça, e em 38 estados dos

Estados Unidos.

A proposta de estudo técnico vocal apresentada por Miller, por ser baseada em

conceitos concretos e fundamentada cientificamente na fisiologia vocal, em primeiro lugar

diminui as inconsistências encontradas nos discursos divergentes até o momento e além disso,

contribui para a formação de uma metodologia direcionada também ao canto popular

9
brasileiro na medida em que para Miller “o objetivo da técnica vocal é estabilizar e coordenar

o mecanismo do canto”8 (Miller, 1986, p.xvi).

Outros autores e publicações que complementam os conceitos propostos por Miller

são: (1) Mara Behlau (2008), fonoaudióloga brasileira pioneira em estudos da voz, diretora do

Centro de Estudos da Voz de São Paulo (CEV) com extenso currículo reconhecido e o maior

número de publicações de estudos em sua área; (2) Pinho e Pontes (2008) respectivamente

fonoaudióloga Doutora em Ciências dos Distúrbios da Comunicação Humana pela

Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e médico otorrinolaringologista professor

titular da UNIFESP; (3) Jeannette LoVetri (2009), professora de canto norte americana,

reconhecida nos Estados Unidos e em outros países como especialista no treinamento de

cantores de “música comercial contemporânea” (CCM)9; e (4) uma seleção de publicações do

Journal of Singing10 compreendidas entres os anos 2004 a 2009.

Metodologia

Esse trabalho apresenta uma abordagem qualitativa na medida em que analisa os

fenômenos observados e utiliza-se do método comparativo quando relaciona a literatura

(enfoque bibliográfico) à duas atividades práticas distintas. Dentro dessa linha de raciocínio, a

partir do (1) material levantado na revisão da literatura e em nosso referencial teórico

confrontamos os dados coletados em duas práticas, a saber, (2) a experiência de estágio

docente durante 2 semestres nos anos 2008 e 2009 e (3) meu estudo individual como

intérprete de choros.

As vivências do estágio docente foram associadas aos exercícios vocais coletados de

Miller e aos exercícios vocais realizados em minhas aulas individuais de canto com Rubim. O

8
Technique represents the stabilization of desirable coordination during singing.
9
Contemporary Commercial Music (CCM) - termo criado por LoVetri para denominar cantores de todos os
estilos não clássicos como rock, pop, jazz.
10
Revista do Canto - publicada em Nova York pela Associação Nacional dos Professores de Canto dos Estados
Unidos. (NATS – National Association of Teachers of Singing)

10
conjunto desses saberes foram as bases da minha prática individual, enquanto intérprete-

aluna-professora, no estudo sistemático de 8 choros pré-selecionados para realização desta

pesquisa.

O relato de experiência sobre meu estudo individual, detalhado no Capítulo 3, consiste

em análises para identificação de trechos de dificuldades nas peças e nos procedimentos

didáticos aplicados à seleção de 8 choros de caráter variado sendo eles: 1) Tico-tico no fubá

de Zequinha de Abreu e letra de Aloísio de Oliveira; 2) Apanhei-te cavaquinho de Ernesto

Nazareth e letra de João de Barro; 3) Um a Zero de Pixinguinha e Benedito Lacerda e letra de

Nélson Ângelo; 4) Rosa de Pixinguinha e letra de Otávio de Souza; 5) Ingênuo de

Pixinguinha e Benedito Lacerda e letra de Paulo César Pinheiro; 6) Costura de choro de

Maurício Carrilho e letra de Paulo César Pinheiro; 7) Choro pro Zé de Guinga e letra de Aldir

Blanc e 8) Sambadalu de Marco Pereira.

Os critérios de seleção dos choros foram baseados nos seguintes fatos: (1) o três

primeiros, Tico-tico no fubá, Apanhei-te cavaquinho e Um a Zero, são de choros rápidos que

possibilitam abordar principalmente aspectos relacionados ao ataque e finalização do som,

agilidade no canto, articulação e emissão equilibrada das vogais; (2) os quatro subsequêntes,

Rosa, Ingênuo, Costura de choro e Choro pro Zé, são choros de andamento mais lento que

viabilizam a abordagem principalmente de aspectos como apoio e controle respiratório,

extensão e estabilização da voz, unificação dos registros, sustentação do som e controle de

dinâmica; e (3) o oitavo choro, Sambadalu, apresenta trechos de agilidade e trechos de

melodias com notas longas de forma que pude reunir em uma única peça todos os aspectos

estudados nos choros anteriores.

A partitura de Sambadalu possui quatorze páginas de um arranjo para violão e voz

composto por Marco Pereira para a cantora brasileira Luciana Souza, radicada nos Estados

Unidos. Sambadalu, embora tenha sido composto para voz, não possui letra e o enfoque vocal

11
da peça é completamente instrumental. O alto grau de dificuldade técnica identificado neste

samba-choro11 junto ao fato dele ter sido composto especialmente para a execução vocal

justifica sua presença no repertório de uma pesquisa direcionada a estudar e observar a voz

como um instrumento.

O estudo sistemático de alguns dos choros selecionados para esta pesquisa teve início

anterior ao meu ingresso no Programa de Pós-Graduação em Música (PPGM) da UNIRIO.

Com início em agosto de 2007, fui orientada por Mirna Rubim em aulas particulares de canto

semanais durante o período de 28 meses. Todas as aulas foram gravadas em áudio ou vídeo e

a disponibilidade dessa tecnologia viabilizou o registro de grande parte do meu processo de

estudo com o repertório de choro. A exemplo desta experiência e com o intuito de registrar as

transformações ocorridas na voz, as gravações em áudio de três estágios do estudo de Choro

pro Zé estão disponíveis no Anexo I.

Os aspectos vocais elencados nas questões de estudo desta pesquisa devem ser

observados e cuidados na performance vocal de qualquer peça musical. No entanto, após

realizar a análise interpretativa dos choros selecionados para a esta pesquisa, conforme os

quadros apresentados no capítulo 3, são apontadas passagens específicas em cada um deles

que facilitam ou exigem mais o estudo de uns aspectos vocais do que outros.

Organização da dissertação

Este estudo foi organizado em três capítulos. O Capítulo 1 trata da

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E APLICAÇÃO PRÁTICA em que se apresenta a revisão

da literatura e descreve a abordagem pedagógica de Richard Miller (1996). Com base em 8

aspectos técnicos vocais (ver p. 16) considerados mais relevantes para o estudo dos choros,

11
“...samba-choro que, como o próprio nome já sugere, é o resultado da fusão dos aspectos rítmicos do samba
com a linguagem do choro tradicional”. (PEREIRA, 2007, p.41)

12
procedeu-se a uma discussão dos exercícios propostos por Miller e sua aplicabilidade prática

ao repertório selecionado para esta pesquisa.

O Capítulo 2 trata da METODOLOGIA E FERRAMENTAS INTERPRETATIVAS,

em que são descritos a metodologia adotada para o desenvolvimento desta pesquisa e 4

aspectos interpretativos considerados relevantes durante este estudo sendo eles: o uso de

microfone, o uso do vibrato, o controle de dinâmica e cuidados com a saúde vocal. Ainda no

capítulo 2 é apresentado, brevemente, a experiência da bolsa Capes/REUNI durante estágio

docente, cujos detalhes são encontrados no Anexo III, que traz a cópia do artigo produzido

sobre essa vivência e que foi publicado recentemente na edição especial de lançamento da

revista Fio da Ação – Série Monográfica da UNIRIO com o título: Experiência Inovadora no

Ensino do Canto.

O Capítulo 3, ESTUDO PRÁTICO DO CHORO CANTADO, é dividido em três

partes: (1) apresentação do procedimento utilizado para a edição das partituras dos choros que

não possuíam letra inicialmente; (2) análise interpretativa dos choros na partitura; e (3) o

estudo detalhado de três choros: Apanhei-te cavaquinho como exemplo dos choros de

agilidade, Choro pro Zé como exemplo dos choros de andamento lento, e Sambadalu

exemplificando choros de caráter híbrido apresentando tanto trechos de agilidade e como

trechos de sustentação.

Como mostra final dos resultados obtidos neste estudo de Práticas Interpretativas,

encontra-se em anexo dois CDs de áudio: (I) contém exemplos de três momentos diferentes

do meu estudo individual de Choro pro Zé, e (II) contém gravação da minha interpretação de

3 dos 8 choros estudados ao longo da pesquisa. A gravação do Anexo II foi feita em estúdio

em outubro de 2009 com o intuito de registrar os resultados obtidos e fornecer dados

concretos para a análise crítica quanto a eficácia do estudo realizado no período de dois anos.

13
Fecham este trabalho as CONSIDERAÇÕES FINAIS, as REFERÊNCIAS, e os

ANEXOS I, II, III e IV.

14
CAPÍTULO 1

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E APLICAÇÃO PRÁTICA

Uma vez que o ensino do canto popular nas universidades brasileiras é bastante

recente, a literatura em português sobre este tema, consequentemente, é escassa. As

dissertações de mestrado consultadas tratam principalmente de questões estéticas,

interpretativas ou históricas da canção popular brasileira de forma que a parte destinada à

prática vocal propriamente dita é, geralmente, apenas um tópico complementar. Na maioria

dos trabalhos acadêmicos disponíveis, assuntos como fisiologia vocal e exercícios técnicos

vocais fundamentados na fisiologia são raramente mencionados.

Na dissertação de Latorre (2002), além de orientações interpretativas a partir da escuta

e imitação de referenciais históricos do canto popular brasileiro, e a partir da análise das letras

das canções estudadas, são feitas algumas indicações de exercícios para o treino da respiração

embasadas no canto Werberck12. Semelhante à abordagem de Latorre, no trabalho de Piccolo

(2006) as orientações para a prática vocal limitam-se a sugestões de estudo através da escuta e

imitação. Piccolo realizou um estudo analítico de 10 gravações selecionadas entre três

intérpretes consagrados da Música Popular Brasileira (MPB) e a partir dessa análise catalogou

um grupo de características observadas nas emissões vocais de suas performances que ela

classificou como gestos vocais, nomeando cada um deles.

Machado (2007), através da análise de fonogramas selecionados de produções da

Vanguarda Paulista do início dos anos 1980, apresenta transformações técnicas e estéticas

ocorridas na voz de alguns intérpretes deste período. Os parâmetros de análise vocal

utilizados por ela fundamentam-se principalmente em sua experiência pessoal como

12
Ver nota de rodapé no7, p.10 desta dissertação.

15
professora e aluna de canto e em informações sobre o funcionamento fisiológico da voz

extraídas de trabalhos da área de Fonoaudiologia.

No desenvolvimento deste primeiro capítulo são discutidos oito aspectos vocais que

foram mencionados na introdução (ver p. 12): (1) ataque e finalização, (2) controle

respiratório e apoio, (3) ressonância vocal, (4) emissão das vogais, (5) usos das consoantes

nasais e não-nasais, (6) agilidade vocal, (7) sustentação do som e (8) unificação dos registros.

A partir de Miller (1996); Behlau (2008); e de trabalhos de outros autores citados em nosso

referencial teórico organizamos a apresentação destes oito aspectos selecionados em seis

subitens com objetivo didático explicativo.

Os itens 1.1, 1.2 e 1.3 correspondem respectivamente a (1) ataque e finalização; (2)

controle respiratório e apoio; e (3) ressonância vocal. No item 1.4 foram compilados os

aspectos (4) emissão das vogais e (5) usos das consoantes nasais e não-nasais uma vez que

ambos estão relacionados à articulação e pronúncia do português brasileiro com base na

tabela do Alfabeto Fonético Internacional (AFI)13. Miller, entretanto, organiza as vogais,

consoantes nasais e consoantes não-nasais em três capítulos independentes. No item 1.5, em

razão da complementaridade verificada entre eles, compilamos dois aspectos que também

correspondem a capítulos independentes no livro de Miller, são eles (6) agilidade vocal e (7)

sustentação do som. Por fim, o item 1.6 corresponde ao último aspecto selecionado - (8)

unificação dos registros - que em Miller está divido em dois capítulos, um para a unificação

de registro das vozes masculinas e outro para a unificação de registros das vozes femininas.

Embora os estudos de Miller (1996) sejam, em princípio, destinados ao cantor lírico, a

profundidade com que ele abordou a fisiologia vocal e o funcionamento do aparelho fonador,

fez de seu trabalho uma referência fundamental para qualquer estudo sério sobre a voz que

tenha sido realizado posterior a sua publicação.

13
AFI corresponde ao IPA, ou seja, International Phonetic Alphabet.

16
Com base na experiência de estágio docente realizado durante 2 semestres na UNIRIO

com os 20 alunos da disciplina Canto Complementar e em minha prática individual como

aluna de canto, para cada aspecto selecionado foi incluída uma discussão, correlacionando

cada um deles à sua prática e apresentando correspondências entre as abordagens de Miller,

Behlau e o contexto do canto popular.

1.1 ATAQUE E FINALIZAÇÃO DO SOM

Ataque e finalização são as palavras adotadas para traduzir os termos attack/onset e

release encontrados na literatura norte-americana sobre técnica vocal para descrever o início e

a finalização de um determinado som cantado. Embora existam outras traduções para os três

tipos possíveis de onset e release apresentados por Miller (1996), optou-se neste trabalho

pelos termos correspondentes utilizados na fonoaudiologia brasileira encontrados em Behlau

(2008): hard attack = ataque brusco; soft onset = ataque soproso; balanced onset = ataque

isocrônico; hard release = finalização brusca; soft release = finalização soprosa; balanced

release = finalização isocrônica.

Tanto Behlau (2008) quanto Miller (1996), defendem o ataque isocrônico como sendo

o mais saudável para a fala e o ideal para o canto respectivamente.

Espera-se que um falante utilize na maior parte do tempo o ataque vocal isocrônico (iso =
mesmo, cronos = tempo), também chamado de ataque suave, equilibrado ou normal, no qual a
fase expiratória da respiração coincide com o início da vibração da mucosa das pregas vocais,
o que representa um mecanismo econômico, sem perda de ar ou excesso de tensão e
fisiologicamente equilibrado. (Behlau, 2008 vol. II, p. 106)

Apesar do ataque isocrônico ser considerado a maneira ideal de iniciar a fonação,

Behlau afirma que estudos recentes revelam que este não é o modo mais habitual entre os

indivíduos normais. Por exemplo, principalmente entre as crianças, predomina a ocorrência

do ataque brusco na fala (Behlau, 2008 vol. II, p. 107). Nesta direção, Miller apresenta

benefícios didático-pedagógicos que podem ser adquiridos através de exercícios com os

ataques bruscos e soprosos:

17
Embora, dentre os três tipos de ataque um seja o mais eficiente em termos fisiológicos (o
ataque balanceado) e esteticamente seja o mais agradável para a maioria dos ouvintes, ótimos
benefícios pedagógicos podem ser obtidos através dos outros dois tipos de ataque14 (Miller,
1996, p. 7).

Para exemplificar esses benefícios pedagógicos Miller (1996) sugere àqueles que

normalmente realizam o ataque brusco que pratiquem o exercício 1.1 de seu livro The

Structure of Singing cujo objetivo é estimular ataques levemente soprosos a fim de atingir o

equilíbrio desejado do ataque isocrônico (ver Ex. 1.1, nesta página). Da mesma maneira, aos

indivíduos que apresentam ataque soproso, Miller indica o exercício 1.2 no qual é solicitado

uma sucessão de ataques levemente bruscos também como meio de se encontrar o equilíbrio

(ver Ex. 1.1). É importante ressaltar no exercício 1.2 que a indicação do “uh” corresponde ao

fonema [!] que é o som da vogal /u/ na palavra hut em inglês.

EXERCÍCIO 1.1
Repita a seqüência falada [ha, ha, ha, ha, ha] várias vezes, lentamente e deliberadamente como uma
unidade fraseológica, demorando no [h] aspirado inicial de cada sílaba. É possível perceber quando o
sopro, ao passar pelas pregas vocais, é seguido pelo som que resulta da aproximação das pregas vocais
(isto é, quando o verdadeiro som começa).

EXERCÍCIO 1.2
Repita a seqüência falada “[uh, uh, uh, uh, uh]” várias vezes, lentamente e deliberadamente como uma
unidade fraseológica, demorando no som glótico inicial [!]. É possível perceber o momento exato no
qual a glote é liberada para produzir a fonação.
EXEMPLO 1.1: Exercícios 1.1 e 1.2 traduzidos de The Structure of Singing (Miller, 1996, p. 5).15

Além da correção de desvios ou desequilíbrios de ataque e finalização, os estudantes

de canto podem se beneficiar muito ao experimentarem exercícios que incluem as três

possibilidades de ataques (brusco, soproso e isocrônico). Na busca por conquistar o domínio

do ataque isocrônico, essa experiência de reconhecer, no próprio corpo, os diferentes tipos de

início da fonação pode ampliar a percepção do cantor sobre a sua própria prática vocal.

14
Although one of the three forms of onset is physiologically most efficient (the balanced onset) and
aesthetically pleasing to most, but not all, listeners, pedagogical benefits may derive from the other two.
15
Exercise 1.1 – Repeat the spoken sequence “HA, HA, HA, HA, HA” several times, slowly and deliberately as
a phrase unit, lingering over the initial aspirated [h] of each syllable. It is possible to sense when breath passing
over the vocal folds is followed by sound that results from vocal-fold approximation (that is, when actual tone
commences). Exercise 1.2 - Repeat the spoken sequence “UH, UH, UH, UH, UH” several times, slowly and
deliberately as a phrase unit, lingering over the initial glottal plosive [!]. One can sense the moment at which the
glottis has been sufficiently released to produce phonation.

18
Segundo Miller (1996) o início do som é um momento de grande importância pois poderá

definir a qualidade da emissão e finalização. “Neste ataque controlado está a origem de toda

boa vocalização” 16 (Miller, 1996, p. 5).

Durante o primeiro semestre de 2009, em sessões individuais de fonoterapia, realizei

exercícios práticos para alcançar o ataque isocrônico em minha voz falada. O exercício 1.3,

do livro de Miller, é relativamente semelhante ao exercício que pratiquei em minhas primeiras

sessões como paciente. Entretanto, enquanto o exercício 1.3 de Miller sugere apenas a prática

do ataque isocrônico com o uso da vogal [a], o estudo de ataque nas sessões de fonoterapia foi

realizado com apoio de um texto elaborado pelo Centro de Estudos da Voz (CEV) contendo

110 palavras iniciadas por vogais variadas.

Originalmente o texto do CEV foi desenvolvido para avaliação do índice do ataque

vocal em pacientes (Behlau, 2008 vol. I, p. 107). No entanto, o treinamento prático da leitura

atenta e pausada deste texto se mostrou um excelente exercício de conscientização do ataque

isocrônico.

EXERCÍCIO 1.3
Repita a seqüência falada [a, a, a, a, a] várias vezes, lentamente e deliberadamente como uma unidade
fraseológica, imaginando um curto [h] aspirado antes de cada sílaba mas não permitindo que este seja
audível. Esforce-se por perceber uma sensação subjetiva de que com o começo da frase o processo de
inalação não tenha sido alterado; não deve ocorrer a sensação de expulsão do ar (embora, obviamente,
o fluxo de ar esteja começando), e nenhuma sensação de ar em movimento antes da emissão (Miller,
1996, p. 5).

Trecho do texto para avaliação do índice de ataque vocal


- “Este ano eu adoraria fazer uma viagem para algum lugar exótico e interessante, onde eu possa estar
exposto a novas experiências. Lugares como a Austrália ou a Indonésia me interessam pelos seus
aspectos culturais e humanos, além de suas paisagens atípicas. Outras opções seriam a África do Sul,
a Ásia ou ainda uma Ilha no Oceano Indico. Na America do Sul, além dos Andes tenho muita vontade
de ir a Amazônia” (Behlau, 2008 vol. I, p. 107 – grifos nossos).
EXEMPLO 1.2: Exercício 1.3 traduzido de (Miller, 1996, p. 5)17 e texto transcrito de (Behlau, 2008 vol. I, p.
107)

16
In this regulated onset lies the germ of all good vocalism.
17
Exercise 1.3 – Repeat the spoken sequence “AH, AH, AH, AH, AH” several times, slowly and deliberately as
a phrase unit, imagining a brief [h] before each syllable but not allowing it to take on audibility. Strive for the
subjective felling that with the beginning of the phrase the process of inhalation has not been altered; there

19
Verificamos em nossa prática pedagógica que o estudo isolado da vogal [a] proposto

por Miller foi também de alta eficácia, principalmente considerando o desenvolvimento da

percepção de alunos iniciantes em estudo vocal. O exercício com uma única vogal diminui a

complexidade de estímulos e permite que o estudante se concentre, mais facilmente, em

compreender o que vem a ser um ataque isocrônico. Quando ele adquire domínio em realizar

ataques isocrônicos sucessivos, ainda que com uma única vogal, poderá então, transpor esta

conquista para realização de ataques isocrônicos em outras vogais e consoantes.

1.1.1 Questões estéticas do ataque e finalização

Miller tende esteticamente à Escola Italiana, na qual nem o som do ataque brusco nem

o som do ataque soproso são adotados. No entanto, quando se trata de canto popular

brasileiro, tanto o som do “grunhido” originado no ataque brusco quanto o som do “sussurro”

originado do ataque soproso, podem ter um uso estético interpretativo aceitável ou até

desejável dependendo da canção.

Behlau (2008) observa ainda que os ataques bruscos e soprosos podem ocorrer em

diferentes graus de desvio: discreto, moderado e severo. Considerando a estética do canto

popular brasileiro, e muitas de suas referências históricas consagradas, acredita-se que o uso

de desvios discretos tanto do ataque brusco como opção para imprimir agressividade quanto

do ataque soproso para expressar sensualidade, por exemplo, seja um recurso interpretativo

que não causa grandes danos a saúde vocal. Entretanto, é válido destacar que o mau uso vocal

recorrente e em exagero pode conduzir um indivíduo do desvio discreto ao desvio severo.

“Do mesmo modo que o ataque brusco favorece a hiperfunção de certos músculos

participantes da ação, o ataque soproso pode resultar na hipofunção deste mesmo grupo

muscular”18 (Miller, 1996, p. 3).

should be no sensation of breath expulsion (although, of course, airflow commences), and no sensation of breath
moving before tone.
18
Just as the hard attack produces conditions favorable to hyperfunction on the part of certain muscles, so the
soft onset may result in hypofunction in the same muscle group.

20
Em acordo com Miller, Behlau confirma a presença do ataque brusco como sinal de

uma fonação com tônus excessivo comumente observada entre pessoas disfônicas. Já o ataque

soproso sugere normalmente baixo tônus dos músculos da laringe e pode, até mesmo ser

resultado de alguma paralisia nas pregas vocais (Behlau, 2008 vol. II, p. 106).

Consciente destes dados, em nossa prática pedagógica temos nos preocupado,

primeiramente, em fazer com que os alunos consigam desenvolver a habilidade de realizar o

ataque isocrônico como ponto de partida para o uso saudável da voz. Posteriormente, este

aluno mais consciente de seu aparelho fonador pode aventurar-se em experimentações

interpretativas utilizando diversas sonoridades.

Em artigo recente do Journal of Singing19 o pedagogo Stephen F. Austin apresenta

uma discussão esclarecedora sobre golpe de glote que era adotado por Garcia ainda no século

XIX. Ao apresentar a polêmica em torno do tema, Austin (2005) faz uma revisão de suas

condutas pedagógicas, questionando o que seus alunos teriam perdido até aquele momento

por ele ter escolhido ensinar somente o ataque equilibrado como o mais adequado. Este artigo

concentra-se principalmente em discussões pedagógicas dos professores de canto lírico que

tendem a escolher padrões estéticos mais precisos e delimitados. Embora a discussão a favor

ou contra o golpe de glote não seja um objetivo deste trabalho, é valido destacar a observação

de Vennard (1967) que Austin utiliza para concluir seu artigo.

[Vennard...] disse que sempre esperou até que houvesse uma liberdade fundamental na técnica
antes de introduzir a qualidade agressiva que é necessária para dar o passo ao mundo
profissional. Esta é uma observação profunda. O golpe de glote deve ser utilizado dentro da
estrutura de uma técnica que está livre das tensões externas20 (Austin, 2005, p. 528).

Assim como Vennard (1967), nós defendemos o pressuposto de que o aluno deve

primeiro conquistar uma técnica livre e estável para depois aventurar-se em experimentações

19
Revista do Canto - publicada em Nova York pela Associação Nacional dos Professores de Canto dos Estados
Unidos. (NATS – National Association of Teachers of Singing)
20
[Vennard...] said that he always waited until there was a fundamental freedom in the technique before he
introduced the aggressive quality that is necessary to take the step into the professional world. This is a profound

21
arriscadas, pois o domínio adquirido em uma técnica livre de tensões ajudará o aluno a ser

mais cauteloso, mais auto-consciente do seu instrumento e capaz de fazer escolhas

interpretativas seguras para sua voz.

1.1.2 Fisiologia do ataque e finalização

Vários termos já foram utilizados para descrever o ataque brusco, como por exemplo,

ataque glótico, ataque duro e até “grunhido”. Fisiologicamente, o ataque brusco acontece

quando as pregas vocais são aduzidas com muita força desde a região anterior até as

cartilagens aritenóideas. Esse fechamento firme da glote provoca um aumento na pressão

infraglótica e quando o ar consegue vencer a oclusão das pregas vocais, elas são afastadas

bruscamente e ouve-se um “ruído de soco”, que antecede a emissão sustentada do som

(Behlau, 2008 vol. II, p. 106).

O ataque soproso ou aspirado acontece quando a coaptação das pregas vocais é

insuficiente gerando um triângulo aberto com a base na comissura posterior da laringe. “Este

triângulo intercartilaginoso é também conhecido como o “triângulo do sussurro”21

(Luchsinger e Arnold, 1965, apud Miller, 1996, p. 3).

Segundo Behlau, a ocorrência tanto do ataque brusco quanto do ataque soproso é

comum em indivíduos normais quando passam por situações adversas de comportamento. Por

exemplo, o ataque brusco é comum em “situações de desespero, ansiedade, agressividade ou

no grito” (Behlau, 2008 vol. II, p. 106); e o ataque soproso comum “em situações de susto ou

medo, ou ainda, nas situações de afetividade ou sensualidade.” (Behlau, 2008 vol. II, p. 106).

Quando se trata de música popular ou teatro musical, é comum que os ataques bruscos e

soprosos descritos sejam utilizados como efeito dramático interpretativo para expressar as

observation. The coup de la glotte must be used within the structure of a technique that is free from extraneous
tensions.
21
“whispering triangle”

22
diversas emoções recorrentes do texto da canção e, de certa forma, esta característica

interpretativa é inclusive esperada pelo público.

O professor de canto carioca Felipe Abreu, em seu artigo O papel do preparador

vocal no estúdio de ensaio e de gravação, fala sobre os riscos que alguns gêneros musicais

populares trazem para a voz do cantor. Segundo Abreu, o heavy metal, o rock mais pesado, o

axé, o flamenco, o belting, estão entre os estilos mais importantes que “exigem um

desempenho de grande resistência vocal” (Abreu, 2008, p.124). Aos cantores que optam por

atuar neste grupo que Abreu classificou como canto “de risco”, ele recomenda o auxílio de

um preparador vocal, de um fonoaudiólogo e de um otorrinolaringologista como medidas

preventivas altamente benéficas.

1.1.3 Estudo sistematizado para ataque e finalização

No que concerne ao estudo prático de ataque e finalização Miller (1996) sugere três

grupos de exercícios (ver Ex. 1.3, p. 24), em staccato (sons destacados, não ligados) que são

apresentados de maneira didática e progressiva. Os exercícios do grupo 1 são monofônicos e

adquirem complexidade progressivamente de acordo com a variação das figuras rítmicas

utilizadas. Os exercícios do grupo 2, os quais Miller recomenda fortemente que sejam

praticados antes dos exercícios do grupo 3, apresentam pela primeira vez alguma variação

melódica. A primeira variação melódica observada é descendente. No grupo 3 a variação

melódica aparece de forma ascendente e descendente, sempre nesta ordem, o que é

compreensível para um último estágio de estudo vocal, uma vez que, frequentemente, as

linhas melódicas ascendentes apresentam maior grau de dificuldade técnica para o cantor.

23
EXEMPLO 1.3: Exercícios 1.9, 1.12 e 1.25 transcritos de The Structure of Singing (Miller, 1996, p. 12, 13 e 17)
seguidos de justificativas nossas.

Sobre a finalização do som, após a descrição dos três tipos existentes, Miller sugere

apenas um exercício para observação do que ocorre numa finalização isocrônica. Segundo ele,

“Exercícios exclusivos para a finalização são desnecessários porque, como tem sido

observado, a preparação para o ataque seguinte requer a mesma atenção exigida para a

finalização anterior”22 (Miller, 1996, p. 19).

Miller afirma ainda que o tipo de ataque não determina necessariamente a finalização

do som, entretanto, um ataque instável tende a uma finalização também instável. Na medida

em que Miller adota a finalização isocrônica como a única adequada ao canto artístico, ele

sugere como exercício a observação da gargalhada como forma de perceber ataques e

finalizações sucessivamente isocrônicos. Brown (1996) defende o uso da gargalhada e

também do choro, o que ele chama de sons primais, para o desenvolvimento inicial da voz

(Brown, 1996, p. 1 e 2).

22
Separate exercises for the release are unnecessary because, as has been seen, preparation for succeeding onset
requires giving equal attention to the release.

24
1.2 CONTROLE RESPIRATÓRIO E APOIO

O tema controle respiratório e apoio é um dos mais polêmicos na literatura sobre

ensino do canto e consequentemente o que possui maior quantidade de publicações.

Felizmente, muitas contradições sobre o funcionamento do sistema respiratório têm sido

solucionadas, ou pelo menos minimizadas à luz da fisiologia vocal, principalmente através de

pesquisas médicas e da fonoaudiologia. No entanto, aspectos que não podem ser

completamente mensurados por aparelhos ainda continuam dando margem a discussões.

1.2.1 Fisiologia da respiração, fonação e apoio

O ciclo respiratório é formado basicamente pela inspiração e expiração, e durante a

fonação, ele sofre diversas alterações adquirindo maior complexidade. Entende-se como

fonação a combinação da expiração com o movimento de vibração das pregas vocais gerando

a chamada freqüência fundamental. [A fonação é um...] “ato físico de produção do som por

meio da interação das pregas vocais com a corrente de ar exalada. Os puffs23 de ar são

liberados em freqüência audível (fonte glótica), ressoando nas cavidades supraglóticas do

trato vocal (filtro)” (Aronson, 198524 apud Pinho e Pontes, 2008, p. 8).

Durante a inspiração de um ciclo respiratório normal ocorre um movimento de

expansão corporal que provoca a entrada do ar (pressão intratorácica negativa). Essa expansão

é formada por uma cadeia de reações musculares que inclui diversos músculos torácicos e

abdominais, sendo o diafragma e os intercostais os mais importantes. Na inspiração para o

canto é importante observar principalmente a expansão das costelas como ponto de partida

para o desenvolvimento do controle respiratório eficiente. Segundo Miller (1996), além do

movimento expansivo bem controlado, a inspiração mais adequada ao canto deve ser

23
Puffs – Jatos
24
Aronson A. E. Clinical voice disorders: an interdisciplinary approach, 2 ed. New York: Thieme Verlag, 1985.

25
deliberadamente silenciosa: “O ruído [...] resulta de uma resistência na garganta ao se inspirar

o ar. Acima de tudo, a respiração para o canto deve ser inaudível”25 (Miller, 1996, p. 29).

Alguns princípios e efeitos da física são fundamentais para a compreensão do processo

fonatório como, por exemplo, o efeito Bernoulli: “o aumento da velocidade das partículas de

ar, quando passam pela laringe, reduz a pressão entre as pregas vocais, desencadeando o

efeito de sucção, que aproxima as pregas vocais entre si, seguidas por um retrocesso elástico.”

(Behlau, 2008 vol. I, p.35). No início da fonação, quando as pregas vocais são aduzidas

(aproximadas), a ação dos músculos respiratórios provoca um aumento da pressão de ar

abaixo delas. Uma vez que essa pressão de ar excede a tensão muscular que as mantém

aproximadas, uma brecha de ar escapa através das pregas vocais. Este primeiro jato que

escapa adquire uma velocidade tal que provoca a diminuição de sua pressão interna na glote e

então, pelo princípio de Bernoulli em associação com a ação muscular da laringe, ocorre uma

nova aproximação das pregas vocais, reiniciando todo o processo.

Esta adução intercalada pela passagem de ar produz a vibração das pregas vocais. A

variação de velocidade deste ciclo vibratório é um dos fatores principais que irá definir a

freqüência sonora da fonação (Behlau, 2008 vol. I, p.28).

Miller (1996) confirma a importância do princípio de Bernoulli para a compreensão do

processo fonatório:

Este princípio é da maior importância para se entender o mecanismo da fonação. Na expiração


a velocidade do fluxo de ar aumenta na medida em que ele passa através da constrição da fenda
glótica e as pregas vocais são sugadas uma em direção a outra. A saída de ar implica em uma
súbita queda de pressão, e a “elasticidade do tecido das pregas vocais mais o efeito Bernoulli,
causam o novo encontro das pregas vocais numa postura de adução”26 (Zemlin, 1981, apud
Miller, 1996, p. 23).

25
Noise […] results from resistance of the throat to inspired air… Above all, the breath for singing must be
inaudible
26
This principle is of major importance in understanding the mechanics of phonation. In exhalation, the velocity
of the air stream increases as it passes through the constriction of the glottal chink, results in a sudden decrease
in pressure, and “the elasticity of the vocal-fold tissue, plus the Bernoulli effect, causes the vocal folds to snap
back again into an adducted posture”.

26
Uma vez compreendido o mecanismo da inspiração-fonação, entende-se que o

desenvolvimento técnico de um cantor depende principalmente da sua capacidade de adquirir

uma boa coordenação entre a administração do fluxo de ar e a fonação, conhecida como

coordenação fono-respiratória.

Outro aspecto relevante a ser discutido é a diferença dos tempos respiratórios entre

fala e canto. O comprimento de uma frase durante a fala varia de acordo com as emoções,

refletindo na respiração, que apresenta diversas inspirações e expirações curtas. Em

contrapartida, no canto, a inspiração é curta com fases expiratórias longas de acordo com a

frase musical e o controle expiratório é que será treinado (Behlau, 2008 vol. II, p. 301). Tal

treinamento, associado à colocação de Miller sobre a importância da inspiração silenciosa no

canto, justifica a relevância dos exercícios 2.9 a 2.11 extraídos de seu livro e apresentados no

Exemplo 1.4 que segue.

EXEMPLO 1.4: Exercícios 2.9, 2.10 e 2.11 traduzidos de The Structure of Singing (Miller, 1996, p.35).

27
Esta seqüência de vocalizes, embora pareça muito simples, visa o controle da

inspiração lenta e inaudível até a conquista de uma inspiração rápida e ainda silenciosa em

coordenação com a fonação. Os exercícios do Exemplo 1.4 propostos por Miller foram

aplicados ao grupo de alunos da disciplina Canto Complementar durante estágio docente no

primeiro semestre de 2009 e foi verificado nesta prática que, além de possibilitar ao aluno

direcionar uma ampla atenção ao processo de inspiração, os exercícios também tiveram a

função de trabalhar o ataque equilibrado. Verificou-se ainda que esta prática de observação

sistemática do processo de fonação melhorou a auto-percepção do aluno e permitiu seu

aprimoramento como cantor.

É comum a praticamente todos os métodos de técnica vocal mencionar a necessidade

do uso do apoio durante o canto. Ao mesmo tempo, verifica-se a ocorrência de grandes

polêmicas, dúvidas e discursos contraditórios sobre o que vem a ser o apoio ou appoggio.

Como ele deve ser feito ou onde ele deve ser sentido no corpo?

Richard Miller adota o conceito de appoggio originado na Escola de Canto Antigo

Italiano como modelo para realizar uma emissão vocal livre de tensões desnecessárias e plena

de ressonância:

Appoggio não pode nem de longe ser definido como “apoio de ar”, como é pensado algumas
vezes, porque appoggio inclui fatores de ressonância assim como o controle de ar... A histórica
Escola Italiana não separou os aspectos motores e ressonantais da fonação como outras
pedagogias o fizeram. Appoggio é um sistema para combinar e equilibrar os músculos e órgãos
do tronco e do pescoço, controlando sua relação com os ressonadores supraglóticos, para que
assim nenhuma função exagerada de nenhum deles comprometa o todo27 (Miller, 1996, p. 23).

Embora a técnica do appoggio defendida por Miller seja muitas vezes associada à

técnica de apoio chamada “belly in” (barriga pra dentro), este pedagogo explica, ao ensinar

sua técnica do appoggio, que não se deve orientar o aluno a contrair a área pubiana e muito

27
Appoggio cannot narrowly be defined as “breath support”, as is sometimes thought, because appoggio includes
resonance factors as well as breath management… The historic Italian School did not separate the motor and
resonance facets of phonation as have some other pedagogies. Appoggio is a system for combining and
balancing muscles and organs of the trunk and neck, controlling their relationships to supraglottal resonators, so
that no exaggerated function of any one of them upsets the whole.

28
menos a distender a barriga durante a inspiração ou fonação. O que se busca é uma sensação

de equilíbrio através da tentativa de manter as costelas expandidas durante a expiração.

O principal músculo da inspiração é o diafragma, responsável por diminuir ainda mais

a pressão intrapleural (dentro dos pulmões) viabilizando a entrada do ar. O diafragma, como

pode ser observado na Figura 1.1 a seguir, tem formato de cúpula quando está em repouso.

Durante a inspiração ele sofre uma retificação de sua abóbada, as costelas se expandem e a

caixa torácica aumenta para que o ar entre em conseqüência da pressão intrapleural negativa.

Pode-se induzir o abaixamento do diafragma a um extremo através da inspiração forçada. No

entanto, durante a expiração, o diafragma está relaxado e retornando de forma elástica e

gradual a sua postura côncava inicial.

Em oposição à visão de muitos professores de canto profissionais... o diafragma está relaxado


durante todo o processo fonatório associado ao canto... exceto durante cada inspiração entre
frases, e assim, em nada contribui para o assim chamado “apoio da voz” 28 [grifo do autor]
(Wyke 1974, apud Miller, 1996 p. 262).

Behlau também confirma o relaxamento do diafragma durante a expiração: “...a

expiração é um processo passivo, resultante do relaxamento do diafragma e da elasticidade

das paredes musculares da caixa torácica, o que provoca a expulsão do ar

armazenado”(Behlau, 2008 vol. I, p.32).

Esta observação sobre a passividade do diafragma durante a expiração é uma questão

polêmica entre professores de canto. Segundo Miller, a discussão sobre a quantidade de

controle que se pode imprimir no músculo do diafragma está ainda sem resposta. Ele descreve

que em 1985, pesquisas radiográficas mostraram que o movimento do diafragma durante o

canto tende a variar de uma técnica de respiração para outra. Ele ainda relata que “A subida

diafragmática é consideravelmente mais lenta (e, logo, mais desejável) durante as fases

28
Contrary to the views of many professional teachers of singing… the diaphragm is relaxed during the whole
of the phonatory process associated with singing… except during each interphrase inspiration, and therefore
makes no contribution to the so-called “support of the voice” [Emphasis added].

29
expiratórias do ciclo respiratório quando a técnica do appoggio é utilizada” 29 (Miller, 1996,

p.265).

FIGURA 1.1 - Diafragma (http://singingvoicetraining.com/wp-content/uploads/2008/11/diaphragm.jpg)

Durante o processo fonatório a técnica do appoggio orienta o cantor a manter as

costelas expandidas “como se” ainda estivesse inspirando. É claro que não é possível impedir

completamente o fechamento das costelas, mas através desta prática aponta-se um caminho

para atingir um equilíbrio sem tensões exageradas.

Na técnica do appoggio, o esterno deve inicialmente encontrar-se numa posição


moderadamente alta, então esta posição é sustentada do começo ao fim do ciclo inspiração-
expiração... Ainda que o abdome inferior (região hipogástrica ou pubiana) não distenda, há
uma sensação de conexão muscular do esterno à pélvis. Entretanto, mover o abdome para fora
tanto durante a inspiração quanto durante a execução de uma frase, como alguns cantores são
ensinados a fazer, é algo estranho à técnica do appoggio. Igualmente estranha é a prática de
contrair a área pubiana como um meio de “apoiar” a voz30 (Miller, 1986, p. 24 e 25).

1.2.2 Polêmicas sobre respiração e apoio

As maiores polêmicas no ensino do controle respiratório são observadas na fase

expiratória da respiração, que é o momento em que o cantor deve fazer uso do apoio para

sustentar a saída do ar de forma que a emissão seja a mais estável e contínua possível.

29
Diaphragmatic ascent is considerably slower (and therefore more desirable) during the expiratory phases of the
breath cycle when the appoggio technique is used.
30
In appoggio technique, the sternum must initially find a moderately high position; this position is then retained
throughout the inspiration-expiration cycle… Although the lower abdomen (hypogastric, or pubic, region) does
not distend, there is a feeling of muscular connection from sternum to pelvis. However, to move out the lower
abdomen either during inspiration or during the execution of a phrase, as some singers are taught to do, is
foreign to appoggio technique. Equally alien is the practice of pulling inward on the pubic area as a means of
“supporting” the voice.

30
Segundo Behlau (2008), existem duas correntes principais no ensino da técnica da respiração

que são resumidas nas expressões norte-americanas “belly in” (barriga pra dentro) e “belly

out” (barriga pra fora) que significam respectivamente contrair e expandir a cintura

abdominal durante a expiração.

Apesar das orientações específicas de Miller para o estudo do appoggio buscando um

equilíbrio livre de tensões, a técnica da escola italiana é normalmente associada à técnica da

“barriga pra dentro” enquanto que a técnica da “barriga pra fora” é comumente associada a

escola alemã. Mais importante que o posicionamento a favor ou contra uma delas, é o relato

encontrado em Behlau (2008) sobre um estudo que investigou possíveis diferenças entre as

duas técnicas:

Sundberg (1987) relata um estudo realizado com cantores treinados que executam tarefas com
as duas técnicas, cujos resultados mostram efeitos similares na produção do som, sugerindo
que não é a técnica respiratória utilizada que determina a qualidade do som, mas sim a
influencia de outros fatores [...] (Behlau, 2008 vol. II, p.302)

Neste sentido, uma questão sem resposta exata, comumente trazida pelo aluno logo

nas primeiras aulas é: “Qual é o jeito certo de respirar para o canto?”. Segundo LoVetri, se o

aluno já passou por vários professores de canto essa dúvida pode ser ainda maior. LoVetri

(2009), professora americana se que dedica principalmente ao ensino de canto para intérpretes

de música comercial contemporânea (CCM), como ela mesma denomina seu trabalho,

defende quatro tópicos principais e desconstrói a importância dada aos conceitos “belly in” e

“belly out” para o apoio. Para LoVetri, o fundamental é: (1) Manter o alinhamento postural;

(2) Expandir a parte inferior das costelas e do abdome na inspiração, ao mesmo tempo que a

parte alta do tórax não deve apresentar movimentação; (3) Manter as costelas expandidas

durante a expiração e o abdome pode mexer para fora, para dentro, pra cima, pra baixo ou

ainda qualquer combinação dessas; 4) Adquirir uma boa coordenação para fazer a fase

expiratória mais longa e desenvolver controle da pressão e volume de ar expirado de acordo

com o som desejado (LoVetri, 2009, p. 21).

31
Rubim (2009), sugeriu durante estágio docente que o apoio apresenta uma dinâmica

relacionada ao timbre que se quer obter. Vozes agudas e leves em geral utilizam apoio com

tendência para “belly in” enquanto vozes graves e pesadas tendem ao “belly out”. Isso se dá

por questões acústicas; (a) para que a laringe suba e o trato vocal se encurte para produzir

sons agudos e/ou estridentes o apoio deve tender “para dentro”; (b) nos casos de sons pesados

e escuros, o apoio “para fora” tenderá a abaixar a laringe aumentando o espaço faríngeo.

Resumidamente, os sons agudos e estridentes se comportam como um flautim, delgado e

curto, enquanto sons pesados e escuros se comportam como uma tuba, larga e longa. O apoio

serve para estabelecer essa conexão acústica e obter-se o som desejado, preservando-se a

natureza vocal de cada cantor.

1.2.3 Estudo sistematizado para respiração e apoio

O controle respiratório eficiente para o canto pode ser treinado a partir de exercícios

com e sem fonação. Os exercícios silenciosos tem a função de preparar o cantor para a

posição pré-fonatória mais adequada e podem ser repetidos muitas vezes sem causar fadiga

vocal. Na série de exercícios apresentada por Miller no capítulo 2 de seu livro The Structure

of Singing, oito dos quinze exercícios propostos não possuem fonação. Os exercícios 2.1 e 2.2

(ver Ex. 1.5, p. 33) evidenciam diferenças do processo respiratório quando o indivíduo está

em pé ou deitado e a partir desta conscientização corporal é proposto o treinamento da

posição alta do esterno, desejável à técnica do appoggio como ponto de partida no estudo de

respiração.

32
EXERCÍCIO 2.1
- Levante os braços acima da cabeça. Retorne os braços ao longo do corpo enquanto mantém-se uma
postura relativamente alta do esterno e da caixa torácica. Se o peito não puder ser erguido nesse ponto
a uma posição mais elevada com um impulso do esterno, então a posição torácica básica está muito
alta; se o peito afundar durante a inspiração ou expiração, a postura torácica inicial não estava alta o
suficiente.
- Inspire e expire, facilmente e silenciosamente, garantindo que o esterno não caia e que a caixa
torácica não entre em colapso. A região epigástrica e umbilical, assim como a caixa torácica, movem-
se para fora durante a inspiração. No início da expiração, um leve movimento para dentro é sentido na
região umbilical, mas nem o esterno e nem as costelas devem mudar de posição. O exercício deve ser
feito com a respiração pelo nariz. Depois de fazer vários ciclos de inspiração-expiração pelo nariz, o
mesmo ciclo deve então ser praticado com a respiração feita pela boca. É essencial que o suporte
estrutural (postura) e um trato vocal tranqüilo e silencioso permaneçam estáveis, quer a respiração seja
feita pelo nariz quer seja feita pela boca. Deve haver completo silêncio durante a inspiração e a
expiração.

EXERCICIO 2.2 - Deite sobre uma superfície plana. Certifique-se de que a cabeça não está inclinada
para trás e o queixo elevado (a cabeça e os ombros devem estar alinhados). Normalmente,
dependendo de como a cabeça se posiciona sobre os ombros, é necessário colocar um livro sob a
cabeça para evitar que ela incline para trás. Respire silenciosamente com os lábios entreabertos, a
palma da mão faz uma ponte entre a região epigástrica e umbilical (a área entre o umbigo e o esterno);
observe que a área epigástrico-umbilical se move para fora, mas que a região do abdômen inferior
(área púbica, hipogástrica) não, a não ser que o movimento para fora seja proposital. (por um
momento, mova a parede abdominal inferior para fora; observe o colapso da caixa torácica para dentro
quando se tenta empurrar o abdômen inferior para fora. A falsa impressão de que a distensão do
abdômen inferior faz parte da inspiração se torna evidente de uma vez.) A região peitoral não se eleva
nem cai durante o ciclo respiratório (ou apenas sutilmente), por causa do alinhamento postural do
corpo nesta posição deitada. A entrada do ar é totalmente silenciosa, assim como a saída. Mantendo
esta relação cabeça, pescoço, e ombros levante-se e assuma uma posição “nobre”. Embora o diafragma
não fique exatamente na mesma posição quando se está em pé e deitado, o alinhamento axial do corpo
é semelhante em ambas as posições.
EXEMPLO 1.5: Exercícios 2.1 e 2.2 traduzidos de The Structure of Singing (Miller, 1996, p. 29 e 30)31.

31
Exercise 2.1 – Raise the arms above the head. Return the arms to the sides while retaining the moderately high
posture of the sternum and rib cage. If the chest, at this point, cannot be raised somewhat higher with an upward
thrust of the sternum, the basic thoracic posture is too high; if the chest sinks during either inspiration or
expiration, the initial thoracic posture was not sufficiently high. – Breath in and out, easily, making certain that
the sternum does not fall and that the rib cage does not collapse. The epigastrium and the umbilical region, as
well as the rib cage move outward with inspiration. At commencement of expiration, a slight inward movement
is experienced in the umbilical area, but neither the sternum nor the ribs should change position. The exercise
should be accomplished by breathing through the nose. Following several inspiration-expiration cycles of nose
breathing, the same cycle should then be practiced by breathing through the mouth. It is essential that the
structural support (posture) and the quiescent vocal tract remain unchanged, whether breath is taken through the
nose or through the mouth. There should be complete silence during both inhalation and exhalation. Exercise 2.2
– Recline on a flat surface. Be certain the head is not tilted backward with elevated chin (head and shoulders
should be in line). Usually, depending on how the head sits naturally on the shoulders, it will be necessary to
place a book under the head to avoid backward tilting. Breath quietly through parted lips, the flat hand bridging
the epigastric and umbilical regions (the area between the navel and the sternum). Observe that the epigastric-
umbilical area moves outward but that the lower abdomen (hypogastric, or pubic area) does not, unless
purposely pushed outward. (For a moment, move out the lower abdominal wall; notice the inward collapse of the
rib cage when one thrusts out the lower abdomen. The falseness of low abdominal distention as a part of
inhalation will be apparent at once.) The chest neither rises nor falls during the breath cycle (or only slightly),
because of the postural alignment of the body in this recumbent position. Breath intake is totally quiet, as is

33
O exercício 2.3 tem o objetivo de prolongar o ciclo respiratório tanto da inspiração

quanto da expiração. Embora não haja nenhuma prova conclusiva deste fato, muitos

professores de canto erudito acreditam que este exercício tenha sido praticado diariamente

pelo famoso castrato Farinelli. Sua reputação como possuidor de um controle respiratório

espantoso e sua habilidade de renovação do ar altamente silenciosa e imperceptível são,

geralmente, relacionadas à prática deste exercício (Miller, 1996, p. 31).

Em nossa prática pedagógica verificamos a necessidade de simplificar o exercício 2.3,

reduzindo o tempo de duração de suas etapas, para que ele fosse mais acessível ao nosso

grupo de alunos. No Exemplo 1.6 que segue, é apresentada uma tradução do exercício 2.3

como deve ser feito tradicionalmente e a adaptação que foi utilizada com os alunos.

breath expulsion. Maintaining this relationship of head, neck and shoulders, rise to a “noble” standing position.
Although the diaphragm is not in exactly the same position in standing and lying, the axial alignment of the body
is similar in both positions.

34
EXERCÍCIO 2.3
INSPIRE contando mentalmente de 1 a 5 em tempo moderado, mantendo silêncio absoluto. Marque
um tempo preciso com o estalo dos dedos ou batendo com um lápis em uma superfície. Um
metrônomo pode ser útil. Os lábios devem estar ligeiramente abertos durante as três etapas do
exercício. Deve ocorrer uma expansão completa, mas não forçada, das costelas e dos músculos da área
epigástrico-umbilical e da área lombar.
SUSPENDA o ar sem nenhuma sensação de segurá-lo (a glote se mantém aberta, ação às vezes
chamada de “manobra van den berg” na área da foniatria), sem nenhuma tensão muscular na área do
trato vocal e do tronco. A posição das costelas a da parede abdominal é mantida enquanto conta-se
silenciosamente de 1 a 5 no tempo original.
EXPIRE silenciosamente, mantendo o máximo possível a posição das costelas e do esterno, contando
de 1 a 5. Deve haver uma continuidade rítmica entre as três frases do exercício (inspiração, suspensão,
expiração). Imediatamente após completar o ciclo inspiração, suspensão, expiração contando de 1 a 5,
pratique o ciclo aumentando a contagem de 1 a 6 e assim sucessivamente até atingir a contagem de 9,
10, ou talvez até 12.
O exercício 2.3 pode ser ilustrado assim:
Inspire Suspenda Expire
12345 " 12345 " 12345
123456 " 123456 " 123456
1234567 " 1234567 " 1234567
12345678 " 12345678 " 12345678
etc.
Adaptação de 2.3 para alunos iniciantes:
Inspire Suspenda Expire
123 " 123 " 123
1234 " 1234 " 1234
12345 " 12345 " 12345
somente até 5.
EXEMPLO 1.6: Exercício 2.3 traduzido e adaptado de The Structure of Singing (Miller, 1996, p.31 - grifos
nossos)32

Os exercícios 2.4 a 2.8 são realizados com consoantes sibilantes ou fricativas. O

primeiro exercício desta série sugere que o executante expire durante 40 ou 50 segundos, no

entanto, embora não seja explicitado por Miller, é importante ressaltar que as mulheres,

geralmente, tem capacidade respiratória menor que a dos homens e assim é perfeitamente

32
Exercise 2.3 – Inhale while mentally counting from 1 to 5 at a moderate tempo, maintaining absolute silence.
Keep precise rhythm by tapping a finger or pencil. A metronome also may be helpful. Lips should be parted
throughout the three parts of the exercise. Complete but unforced expansion of the ribs and of the muscles of the
umbilical-epigastric area and of the lumbar area should be realized. – Suspend the breath without any sensation
of holding it (glottis remains open, an action sometimes termed “the Van Den Berg maneuver” in the field of
phoniatrics), without any muscular tension in either the vocal tract or the torso. The position of the rib cage and
the abdominal wall is retained while silently counting from 1 to 5 at the original tempo. – Exhale silently,
maintaining as far as possible the same posture of sternum and rib cage, counting 1 to 5. There should be
rhythmic continuity between the three phases of the exercise (inhalation, suspension, and exhalation).
Immediately following completion of the three-part breath cycle of 1 through 5, move without pause to a cycle

35
natural que elas, ou mesmo homens pouco treinados, comecem este exercício a partir de uma

duração máxima de 30 segundos buscando aumentá-la progressivamente. Segundo Miller,

este exercício, que consiste em inspirar silenciosamente e expirar prolongando a emissão da

consoante [s], vai à essência do controle inspiratório-expiratório e a habilidade para realizar

ciclos respiratórios mais longos é alcançada com a prática diária.

É comum a quase todo professor de canto propor a seus alunos exercícios de

respiração com consoantes sibilantes e fricativas. A exemplo deste fato, durante estágio

docente, realizamos semanalmente um exercício proposto por Rubim que chamamos de “4

por 4” e que segue descrito abaixo.

Após soltar todo ar:


1) Inspirar, silenciosamente, contando-se 4 segundos;
2) Fazer 4 staccati em [s];
3) Expirar todo o ar em [s] contínuo, em 4 segundos;
4) Repetir o exercício aumentando a duração do [s] contínuo progressivamente, da seguinte maneira:
são sempre executados 4 staccati em [s] seguidos de [s] longo que são prolongados de 4 em 4, até
atingir 20 contagens (4 staccati para 4 longos, 4 staccati para 8 longos, e assim sucessivamente);
5) Repetir todo o exercício na ordem inversa diminuindo progressivamente a duração do [s] contínuo
até atingir novamente 4 pulsações;
EXEMPLO 1.7: Exercício “4 por 4”

Os exercícios 2.9 a 2.11 (ver Ex. 1.4, p. 27), sugeridos por Miller, para o treinamento

respiratório, apresentam apenas a fonação monofônica ainda bem simples. Finalizando o

capítulo 2 de seu livro Miller propõe exercícios que são um pouco mais complexos com o

objetivo de treinar a renovação de ar em condições variadas. Neste caso espera-se que o

cantor faça inspirações rápidas e silenciosas entre os staccati seguidos de frases longas ou

nota longa ao final.

Outra ferramenta eficiente que pode auxiliar o treinamento respiratório é o exercício

que chamamos de “expansão corporal lúdica”. Adaptado de exercícios aprendidos com

of 1 through 6, passing through the three successive phases of the exercise; in this fashion, increase the numbers
until 9, 10 or perhaps 12 counts.

36
Latorre (2002) ainda em 199933, esta atividade foi adotada como o primeiro item do

aquecimento vocal nas aulas coletivas da disciplina de Canto Complementar durante estágio

docente. A “expansão corporal lúdica”, descrita a seguir, foi uma forma integrada que

encontramos para preparar voz e corpo para a atividade do canto.

A “expansão corporal lúdica” consiste em um exercício que se utiliza da vibração

labial sonorizada a partir da consoante /b/ (como faz uma criança ao imitar o som de um

carrinho). Inicia-se com a expansão dos braços a partir do centro do corpo e segue-se fazendo

o movimento de “abrir” 3 vezes cada parte do corpo. A lista a seguir descreve cada parte do

corpo a ser “expandida”. A sonorização da vibração labial deve ocorrer, primeiramente, com a

sustentação de uma única nota para cada parte do corpo, partindo da região aguda e

modulando de meio em meio tom para o grave, faz-se a sequência da cabeça até a cintura. A

partir da região das pernas, à exceção dos movimentos da “britadeira” e de “encerar os chão

com as mãos” que devem ser sonorizados levemente com notas longas na região médio/grave

da voz, a sonorização das outras partes é feita com glissandos descendentes sempre sem

ultrapassar os limites da região confortável da extensão vocal.

• Topo da cabeça
• Testa
• Olhos passando atrás das orelhas
• Boca e nariz
• Pescoço
• Peito
• Costelas
• Umbigo (cintura)
• Quadril
• Pernas (como se fosse uma saia)
• “Gola de palhaço no pescoço” – glissando do agudo para o grave
• “Desamarrar o avental” – glissando do agudo para o grave
• “Britadeira” (pulando pelo espaço)
• “Encerar o chão com as mãos” (caminhando pelo espaço)
• “Tirar a roupa suja” (inspirar trazendo os braços pelo centro do
corpo e expirar abrindo os braços)
• “Ducha gelada” (inspirar subindo os braços abertos ao longo do
corpo e expirar descendo os braços pelo centro)
33
Em 1999, ano em que a autora desta dissertação cursava graduação em Música Popular na UNICAMP, Maria
Consiglia Latorre era professora de canto popular na mesma instituição.

37
• “Pendurar roupa no varal e despencar”
• “Subir desenrolando” (a partir da postura invertida com os pés no
chão e a cabeça para baixo) soltar a cabeça, braços, alongar as pernas
(dobrar primeiro o joelho direito, depois o esquerdo), flexionar os
dois joelhos e subir desenrolando e a cabeça é a última que chega.

1.3 RESSONÂNCIA VOCAL

Miller afirma que o sistema de ressonância vocal tem uma relação direta de

interdependência com o sistema articulatório. O aparelho fonador é um filtro que contém as

caixas ressonadoras e também o mecanismo de articulação utilizado para a fala e para o canto.

“Os movimentos da língua, lábios, palato, bochechas e mandíbula alteram as dimensões do

aparelho ressonador (Miller, 1996, p. 281)34” e isso transforma o som laríngeo.

Segundo Miller (1996), as estruturas que compõem o trato vocal são a faringe, a

cavidade bucal e às vezes a cavidade nasal. Behlau (2008), ao definir os elementos que

constituem o sistema de ressonância apresenta mais elementos que Miller e para ela estruturas

como: pulmão, laringe, cavidades nasais e seios paranasais também fazem parte do trato

vocal.

Quando Behlau delimita o que considera por principais ressonadores, ela chega a uma

configuração semelhante à de Miller (1996) composta pelas cavidades da laringe, da faringe,

da boca e do nariz. Lembrando que a cavidade da boca contém lábios, língua, palato,

bochechas e mandíbula, no estudo dos ressonadores verifica-se que o conjunto destas

estruturas responde aos comandos articulatórios da emissão de vogais e consoantes que

conseqüentemente modificam a qualidade do som emitido.

Quando o sistema de ressonâncias de um indivíduo está em equilíbrio, seja na fala ou

no canto, o resultado é uma emissão tão equilibrada que traz ao ouvinte a sensação de ajuste

perfeito. Segundo Behlau, a voz emitida nessas condições ideais parece realmente pertencer

34
The movements of the tongue, lips, palate, cheeks, and mandible alter the dimensions of the resonator tract.

38
ao emissor e não há concentração excessiva de energia em nenhuma região específica do trato

vocal (Behlau, 2008 vol. I, p. 104).

Na formação do som cantado o som fundamental é produzido na prega vocal

(chamada de fonte) e seus diversos harmônicos serão reforçados ou abafados no trato vocal

(chamado de filtro). O trato vocal em seus diversos formatos, alterados pelos articuladores e

paredes, vai permitir que o som adquira diferentes nuances. Neste processo de filtragem do

som ocorre o reforço de alguns harmônicos, que são chamados formantes. Os formantes são

então determinadas frequências do som fundamental que são reforçadas ou “amplificadas” em

partes específicas dos ressonadores e alguns destes formantes podem definir as vogais e

caracterizar o timbre vocal.

Os dois primeiros formantes, conhecidos como F1 e F2 são responsáveis pela

definição das vogais, enquanto o F3 muitas vezes pode ser chamado de “formante do

cantor”35. No entanto, Sundberg afirma que o “formante do cantor” não é sempre o F3.

Segundo ele, esta definição vale para as vozes masculinas em que o “formante do cantor”

localiza-se entre as freqüências 2500Hz à 3.200Hz. Nas vozes de sopranos, por exemplo, o

“formante do cantor” pode ocorrer até na freqüência 4000Hz e por isso ele aponta que o

terceiro, quarto e quinto formantes estão relacionados com o timbre pessoal da voz, o que

inclui a presença ou não de metalização (Sundberg, 1991, p. 49-68).

No caso de cantores eruditos, muitos estudos foram desenvolvidos em torno do F3 por

ele ter sido considerado o responsável pela projeção da voz do intérprete acima do som de

uma orquestra (Gusmão, Campos e Maia, 2010; Behlau, 2008; Kiesgen, 2006; Miller, 1996;

Sundberg, 1981, 1991; etc.). Em razão das prioridades desta pesquisa, este tópico não será

aprofundado e sugere-se que outros pesquisadores cuidem de atualizar as discussões sobre o

formante do cantor.

39
1.3.1 Ressonadores

Embora a avaliação de resposta dos ressonadores apresentada por Behlau seja

claramente relacionada a situações de fala, ainda assim considerou-se relevante apresentar o

que ela pontua quando o foco de ressonância está excessivo em um dos ressonadores (laringe,

cavidade oral e cavidade nasal). Uma vez que a emissão vocal no canto popular em muito se

assemelha à produção da fala, consideramos relevante incluir essa discussão em nossa

pesquisa.

O desequilíbrio gerado na emissão da fala pode ser identificado em seus efeitos

sonoros. Por exemplo, se a ressonância estiver concentrada na laringe o foco de ressonância é

identificado como baixo e a emissão resultante é tensa de forma que a voz parece estar presa

na garganta. Quando o foco de ressonância está exageradamente na faringe, o resultado é de

uma emissão tensa semelhante à da laringe mas, na faringe, o foco de ressonância vertical já

não é tão baixo e observa-se a presença de certa estridência metálica. Quando ocorre esse

retesamento muscular nas duas regiões ao mesmo tempo a ressonância resultante é

denominada laringofaríngica (Behlau, 2008 vol. I, p. 105).

O foco de ressonância concentrado na cavidade oral geralmente recorre em uma

articulação exagerada das frases e a emissão vocal soa artificial. Já o uso excessivo ou

insuficiente das cavidades nasais resulta em um foco de ressonância alto, mas que pode ser

decorrente de patologias como “fissura palatina, insuficiência ou incompetência

velofaríngica” (Behlau, 2008 vol. I, p. 105). Descartada a presença de patologias, a opção por

um foco de ressonância nasal pode ocorrer em situações em que se quer exprimir afetividade

ou sensualidade e também em momentos compensatórios após abuso de foco vertical baixo,

complementa Behlau.

35
O “formante do cantor” corresponde a uma emissão de som mais metalizada e com maior projeção. Num
concerto erudito para voz e orquestra, que historicamente não são amplificados, é este tipo de emissão que
permite que a voz do cantor se destaque acima da orquestra.

40
É possível que Miller considere a cavidade nasal somente às vezes como um

ressonador e não sempre pelo fato de que seu estudo é orientado para a formação do cantor

erudito onde os padrões estéticos, de forma alguma, admitiriam uma emissão rica em

ressonâncias nasais. Miller inclusive sugere para o estudo de ressonância exercícios como o

4.6 (ver Ex. 1.8, p. 50) em que o estudante é levado a identificar qualquer nasalidade

indesejada: “Este é um antigo exercício para checar a presença de uma nasalidade indesejada,

mas é também um excelente recurso para alcançar equilíbrio de ressonância ideal entre a boca

e a faringe”36 (Miller, 1996, p. 63).

A presença de nasalidade na emissão vocal tem como principal fator negativo a

grande redução da projeção da voz pela redução drástica da intensidade de F1 e F2 nessas

vogais (Behlau, 1993, p. 36). Esta discussão merece um estudo detalhado e, portanto,

apontamos aqui uma indicação para pesquisa posterior.

1.3.2 Timbre e ressonância

Miller aponta a confusão entre timbre e ressonância vocal como sendo um equívoco

comum entre os cantores. A dúvida é agravada quando se busca uma definição clara entre a

fonte do som e a sensação do som. Mesmo na pesquisa de Rubim (2000), que apresentou a

opinião de nove dentre os mais renomados professores de canto norte-americanos, fica

evidente a falta de consenso nos seus discursos ao tratarem do tema ressonância. A pesquisa

de Rubim certifica ainda que o ensino deste aspecto vocal, pelo menos nas universidades

norte-americanas que participaram da entrevista, depende bastante das escolhas pessoais de

cada professor responsável.

Mais complexo que a realidade múltipla apresentada por Rubim (2000), Miller (1996)

relata um quadro de orientações pedagógicas controversas e alerta que a falta de um discurso

claro dificulta o processo de aprendizagem do aluno.

36
This exercise is an ancient one for checking on the presence of unwanted nasality, but it is also an excellent

41
As pedagogias vocais não estão em acordo sobre que sensações deveriam ser essas.
“Colocação frontal” é a linha de alguns professores: “coloquem na masque (máscara),” “na
boca,” “na parte superior da mandíbula,” “pra fora e na frente,” “atrás dos olhos,” “dentro dos
sinus37,” “no final do nariz,” “nos lábios,” etc. Outros professores acreditam que o som deveria
ser direcionado posteriormente: “descendo a espinha dorsal,” “No fundo da parede da
garganta,” “na parte de cima do fundo da parede da garganta, e então seguindo por cima em
direção à testa,” “dentro do corpo,” “dentro da metade posterior da cabeça”, etc. 38 (Miller,
1996, p. 61).

Diante da dificuldade que é traduzir precisamente as sensações produzidas pela

emissão do som, conclui-se que a experimentação guiada e livre de pré-determinações

fechadas apresenta-se como uma ferramenta viável. Neste sentido a maioria dos professores

citados por Rubim (2000) orienta seus alunos através de sensações trazidas pelo som mas

fazem também recomendações para estimular a emissão livre de tensões e respeitam o

feedback do aluno. Ainda que alguns professores apresentem discursos levemente vagos ou

divergentes, encontrou-se coerência na amostragem de algumas condutas pedagógicas.

Marvin Keenze, professor da Westminster Choir College, demonstra uma preocupação

maior em entender o que o aluno está sentindo ao invés de induzi-lo a algo que seria o correto

sentir: “[Keenze...] ele não se preocupa com o lugar, mas principalmente com a sensação,

como o aluno a percebe. (Rubim, 2000, p. 79). Na mesma linha, Helen Swank, professora da

Universidade Estadual de Ohio39, estimula seus alunos a construírem seu próprio repertório de

sensações: “[Swank...] utiliza a expressão “sinta como se...” para orientar os alunos a

desenvolver certas sensações vocais de modo que o aluno construa seu sistema de

ressonância” (Rubim, 2000, p. 78). A linguagem de comunicação é muito importante para se

estabelecer um diálogo claro no qual o aluno efetivamente compreenda o que está sendo

device for achieving proper resonance balance between the mouth and the pharynx.
37
Sinus é um termo anatômico que se refere aos seios da face. Merriam-webster online diz que é “a cavity in the
substance of a bone of the skull that usually communicates with the nostrils and contains air” (Disponível em:
<http://www.merriam-webster.com/dictionary/sinus> Acesso em: 15 dez. 2010)
38
Vocal pedagogies are not in agreement as to what this sensation should be. “Forward placement” is the aim of
some teachers: “into the masque (mask),” “into the mouth,” “into the upper jaw,” “out in front,” “behind the
eyes,” “into the sinuses,” “at the end of the nose,” “on the lips,” etc. Other teachers believe the tone should be
directed posteriorly: “down the spine,” “at the back of the throat wall,” “up the back of the throat wall, then over
into the forehead,” “into the body,” “into the back half of the head,” etc.
39
Ohio State University

42
pedido. O uso de imagens e sugestões criativas podem ser ferramentas eficientes desde que

venham acompanhados de sua devida explicação fisiológica.

Tão ou mais importante que entender a diferença entre timbre e ressonância, é a busca

pela construção de um processo de ensino-aprendizagem que vise o desenvolvimento

emancipatório do aluno. Em casos onde não é possível realizar uma investigação com base

em dados científicos, ou mesmo quando os dados científicos parecem ser insuficientes para

descrever uma experiência de forma clara, a opção de considerar o discurso de aluno é sempre

a mais acertada para assegurar o desenvolvimento criativo, livre e sem traumas.

Segundo Miller, a maioria das vezes que um cantor se refere à ressonância, ele está na

verdade falando sobre o timbre porque “diferenças no timbre apresentam sensações de

ressonância em locais correspondentes” 40 (Miller, 1996, p. 57).

O conceito de ressonância em sua acepção mais essencial é um conjunto de “vibrações

harmônicas, em que o efeito de vibração da fonte é aumentado pela vibração sincronizada

(Kirkpatrick, 2009)”41. A ressonância vocal é um evento complexo no qual o som

fundamental produzido pelas pregas vocais é a fonte vibracional que pode ser ampliada e

modificada pelas estruturas que compõem o trato vocal. O timbre, neste caso, pode ser

entendido como o resultado sonoro deste conjunto de vibrações, ou seja, a percepção auditiva

da ressonância. Assim como a ressonância pode variar também o timbre vocal pode ser

modificado.

Um artigo interessante de Ingo Titze (2005) no Journal of Singing42 intitulado Espaço

na garganta e qualidades vocais associadas43 apresenta o timbre como uma qualidade do som

vocal que resulta das alterações dos espaços de ressonância. Esta publicação é uma tentativa

de Titze em mapear algumas qualidades vocais que ele mesmo selecionou relacionadas à

40
Differences in timbre have corresponding location of resonance sensations.
41
Sympathetic vibrations, where the effect of the source vibration is magnified by synchronous vibration
42
Revista do Canto - publicada em Nova York pela Associação Nacional dos Professores de Canto dos Estados
Unidos. (NATS – National Association of Teachers of Singing).

43
variação de espaços no trato vocal. Para isso ele partiu do estudo científico realizado por Jo

Estill e outros pesquisadores44 somado a alguns anos de pesquisa em equipe simulando

qualidades de som em computador45.

Embora as qualidades vocais selecionadas por Titze sejam mais diretamente

relacionadas ao contexto musical norte-americano e à música erudita, ainda assim,

considerou-se relevante traduzir e apresentar a tabela com os resultados de sua pesquisa. Na

descrição de cada uma das qualidades vocais é interessante observar que para Titze a emissão

do bocejo corresponde a postura ideal para o canto erudito devido a sua grande amplitude do

trato vocal. Mais adiante, entretanto, será descrita a posição de Miller radicalmente contra à

qualquer uso do bocejo como referência para a abertura bucal.

Titze aponta as diversas emissões observadas em sua pesquisa: (1) a emissão apertada

ou constrita que corresponde a alguns estilos de rock, alguns cantos de oração árabe, e alguns

cantos do extremo oriente; (2) a emissão de alta estridência com aspecto nasal, conhecida

como twang no meio do Teatro Musical, característica da música country norte-americana e

em alguns casos da ópera chinesa, especialmente nas vozes masculinas; (3) a emissão com

giro, termo utilizado por cantores líricos para classificar uma voz rica de ressonâncias, que no

artigo de Titze não está relacionada a nenhum estilo musical e que ele discorre apenas sobre a

complexidade de sua execução; (4) a emissão do bocejo contém muito das qualidades “escura

e quente” que é a chave para o canto erudito ocidental – segundo ele, esta emissão engloba a

expansão de todo espaço aéreo do trato vocal; e, por fim, (5) a emissão soprosa, que é mais

43
Space in the Throat and Associated Vocal Qualities
44
E. Yanagisawa, L. Mambrino, J. Estill, and D. Talkin, “Supraglottic Contributions to Pitch Raising:
Videoendo-scopic Study with Spectral Analysis,” Annals of Otology, Rhinology, Laryngology 100 (1991): 19-
31. E. Yanagsawa, J. Estill, T. Kmucha, and S. B. Leder, “The Contribution of Aryepiglottic Constriction of
'Ringing' Voice Quality-A Videolaryngoscopic Study with Acoustic Analysis,” Journal of Voice 3 (1989): 342-
50. - apud Titze, 2005, p. 500)
45
I. R. Titze, C. C. Bergan, E. J. Hunter, and B. H. Story, “Source and Filter Adjustments Governing the
Percep-
tion of Vocal Qualities Twang and Yawn,” Logopedics, Phoniatrics, and Vocology 28 (2003): 147-155. C. C.
Bergan, I. R. Titze, and B. H. Story, “The Perception of Two Vocal Qualities in a Synthesized Vocal Utterance:
Ring and Pressed Voice,” Journal of Voice 18, no. 3 (2004): 305-17. - apud Titze, 2005, p. 500 e 501)

44
comum aos vários estilos que se utilizam de microfone, geralmente cantoras do pop norte-

americano se apegam a este tipo de emissão. Titze afirma ainda que cantores clássicos de

Lieder usam a emissão soprosa com cautela (Titze, 2005, p. 499). Para compreender melhor o

Quadro 1.1 o leitor deve saber a definição dos seguintes termos utilizados (Behlau, 2008):

• Glote é o espaço entre as pregas vocais.


• Espaço ventricular é o espaço entre a prega vocal e a prega ventricular.
• Vestíbulo laríngeo é a entrada da laringe.
• Valécula epiglótica é o espaço entre a base de inserção da língua e a epiglote.

Quadro 1.1 QUALIDADE DE SONS E ESPAÇOS DO TRATO VOCAL ASSOCIADOS


Traduzido de Titze (2005, p. 500) - os espaços em branco no quadro não são mencionados pelo autor.
Espaço Posição da
Glote Vestíbulo Valécula
ventricular laringe
emissão apertada estreita estreita
emissão com estreita estreita estreita algumas vezes
“tweng” alta
(anasalada)
emissão com giro estreita ampla geralmente
baixa
emissão do bocejo ampla ampla ampla ampla baixa
emissão soprosa ampla

1.3.3 Abertura da cavidade oral durante o canto

Segundo LoVetri (2009), o tipo de abertura da cavidade oral influencia diretamente a

qualidade do timbre ou “cor do som” na emissão das vogais. Quando a boca é aberta

horizontalmente, como se a abertura contivesse um sorriso, valoriza-se as ressonâncias altas e

a qualidade do timbre é aguda com bastante brilho. Quando a boca é aberta na vertical, a

emissão vocal prioriza as ressonâncias graves e a qualidade do timbre é grave e escuro. Para

LoVetri, uma abertura neutra, em que a boca não está excessivamente nem na horizontal, nem

na vertical, valoriza ressonâncias graves e agudas na mesma medida e o timbre é misto e

equilibrado (LoVetri, 2009, p.12). Essa explicação de caráter empírico relaciona-se ao

45
conceito de chiaroscuro (claro-escuro) da técnica da Escola Italiana, que preconiza um som

redondo com brilho.

Em Miller, a medida da abertura da cavidade oral é discutida de forma mais ampla e

grande parte de sua argumentação gira em torno de explicitar porque estão equivocadas as

práticas pedagógicas baseadas na postura do bocejo como meio de orientar o aluno a uma

abertura ideal e equilibrada.

Miller explica que apesar da postura do bocejo parecer uma posição ideal para o canto,

levando em conta que ela permite uma maior distensão faríngea, este pensamento, segundo

ele, é equivocado. No bocejo a laringe está mais baixa e o véu palatino está mais alto o que

descreve claramente um aumento de espaço na cavidade oral, mas a estrutura toda do trato

vocal está em fase de alongamento, de maneira que fica impossível produzir um som que não

seja distorcido.

Nós não nos submeteríamos a uma atividade física de sustentação com braços e pernas ao
mesmo tempo em que os alongamos. Nem teríamos a intenção de manter longos períodos de
conversação com esta dimensão de expansão oral e faríngea, embora nós possamos
eventualmente fazê-lo entre amigos e pedimos desculpas por isso46 (Miller, 1996, p. 58).

Para Miller, pensar na postura do bocejo para o canto é tão inaceitável que ele

discorda até mesmo de professores de canto que sugerem adaptações da postura do bocejo

antes de indicá-la para uma prática vocal livre. Segundo ele o comando para a abertura de

boca ideal não precisa originar-se na região laringofaríngea ou da orofaringe mas deve sim

surgir de uma inspiração tranqüila, como se o indivíduo inalasse uma fragrância agradável, e

este movimento traria uma sensação de abertura a partir da região nasofaríngea que seria

suficientemente estendida na medida certa para as outras regiões. Neste tipo de atitude

inspiratória:

A posição da língua não se altera (irá alterar-se se o ar for inalado ruidosamente), a mandíbula
não fica pendurada, a laringe não está radicalmente abaixada e o véu palatino não está
radicalmente levantado. Embora as relações de espaço entre os ressonadores tenham sido

46
We would not attempt physical activity of a sustained sort with the arms and legs while also stretching them.
Nor would we aim at this dimension of oral and pharyngeal distention for extent periods of speech, although we
may occasionally lapse among friends, with apologies.

46
alterados em relação ao espaço da “fala normal”, nenhum dos ressonadores principais (boca e
faringe) torna-se subserviente ao outro em sua relação47 (Miller, 1996, p. 58).

Além das vantagens evidenciadas pela citação anterior, Miller ainda destaca que este

jeito de atingir a abertura ideal para o canto evita a ocorrência de tensões desnecessárias,

favorece a abertura das fossas nasais, promove a elevação do véu palatino e o canal de

conexão entre os ressonadores fica aberto e livre.

Ainda sobre a abertura bucal, durante um workshop com LoVetri (2010), pude

observar sua atuação com um aluno que não conseguia abrir muito a boca durante um

vocalize com a vogal [a]. LoVetri se utilizou de uma rolha que o aluno deveria prender entre

os dentes (mordendo levemente a borda curva) de forma que a abertura da boca se mantivesse

estável do começo ao fim do vocalize. O resultado sonoro foi muito melhor que o anterior ao

uso da rolha, quando o aluno apresentava certa tensão maxilar e pequena abertura bucal.

Técnicas semelhantes à utilizada por LoVetri têm sido recomendadas por muitos

professores da Escola Italiana desde o século XVIII como bem observamos em Austin (2006)

que; entretanto, na conclusão de seu artigo sobre abertura bucal e leis da acústica, explica o

seguinte:

“[...] cantores que cantam em estilos que normalmente se utilizam de sistemas de amplificação
são propensos a usar estratégias diferentes daqueles que têm que cantar sobre um grande
número de instrumentos e outras vozes. [...] O que eles mais precisam é soar natural48 (Austin,
2006, p. 215 e 216).

Certamente que casos de tensão exagerada tanto para o excesso quanto para a falta de

abertura bucal implicam diretamente na distorção da qualidade do som vocal e por isso

técnicas como as de LoVetri muitas vezes são bem vindas no processo pedagógico. Mas em

acordo com Austin (2006) acreditamos que para interpretar choros o princípio de soar natural

47
The position of the tongue does not alter (it will, if the breath is grabbed noisily), the jaw does not hang, the
larynx is not radically depressed, and the velum is not rigidly raised. Although spatial relationships among the
resonators now have changed from those of “normal speech,” neither of the chief resonators (mouth and
pharynx) has become subservient to the other in this coupling.
48
singers who sing in styles that typically use amplification systems are likely to use different strategies than
those who have to sing over large numbers of instrument and other voices. […] What they need most is to sound
natural

47
é a atitude mais adequada para a busca de uma abertura de boca que se aproxime da fala. No

caso do choro, entretanto, deve-se considerar as peças de extensão mais ampla, nas quais é

necessário fazer adaptações emprestadas da técnica vocal usada no canto lírico,

principalmente no caso da voz feminina. Com isso não defendemos a sonoridade do canto

lírico em si, mas alguns recursos de ajuste de agudo que podem colaborar para o aumento da

extensão vocal para a execução de certos choros.

1.3.4 Impostação vocal

Para Miller uma boa ressonância está atrelada a um bom controle respiratório. “Tanto

o controle respiratório quanto os fatores de ressonância estão incluídos no termo appoggio;

embora imposto, ou impostazione, refira-se a sensações de colocação, essas sensações não são

consideradas de forma separada do controle respiratório”49 (Miller, 1996, p. 61).

Assim como verificou-se uma busca por equilíbrio no treinamento do controle

respiratório o estudo de ressonância tende ao mesmo caminho de solução buscando equilíbrio

de emissão entre os extremos. Segundo Miller, a técnica do appoggio conduz ao equilíbrio

respiratório sem o uso de tensões desnecessárias como pode ocorrer em outras técnicas que

estimulam o cantor a forçar o abdome para fora ou para dentro. De maneira semelhante, para

o estudo de ressonância, Miller defende a técnica italiana da Impostazione como uma solução

para uma emissão equilibrada de ressonâncias, que se baseia na distribuição adequada do

som, sem abuso de ressonância de máscara, som estridente e alto, e sem abuso de peso com

abaixamento excessivo da laringe.

O equilíbrio da ressonância (colocação) não se encontra na faringe nem tão pouco na boca
como um principal ressonador, mas sim na combinação de ambos. O centro de sensação não
está nem na garganta nem na face. O encaixe ressonantal se torna equilíbrio ressonantal sem
violação funcional ou acústica de uma única parte do trato vocal. Pendurar a mandíbula e
expandir a faringe irá produzir sensações marcantes de abertura da garganta, mas também um
desequilíbrio do tubo ressonador com a queda das frequências altas em algumas vogais; o
conceito de colocação na máscara irá produzir o resultado oposto, um estreitamento do timbre
desnecessário e um aumento dos harmônicos superiores. A técnica do Imposto evita tanto

49
Both breath management and resonance factors are included in the term appoggio; although imposto, or
impostazione, refers to placement sensations, these sensations are not considered apart from breath management.

48
produção vocal pesada, entubada quanto a produção estridente, achatada50 (Miller, 1996, p.
61).

1.3.5 Estudo sistematizado de ressonância vocal

A prática mais comum para o treinamento e estabilização da ressonância vocal são os

exercícios de bocca chiusa, termo que significa boca fechada em italiano. Trata-se de

exercícios que se apóiam na consoante [m] e podem ser também chamados de exercícios de

humming na nomenclatura em inglês.

Entre os seis exercícios propostos por Miller no capítulo 4 sobre ressonância em seu

livro The Structure of Singing, quatro deles apóiam-se no fonema nasal [m] para atingir o

objetivo de estabilizar a ressonância. Os dois exercícios que não se utilizam da consoante [m]

baseiam-se numa prática antiga de tapar as narinas durante a emissão da vogal [!] a fim de

identificar alguma nasalidade indesejada.

Em meu estudo prático sobre ressonância e para aplicação nas aulas individuais

durante estudo de caso, adotei um exercício aprendido em sessão de fonoterapia com Luciana

Oliveira. O exercício da fonoterapia foi escolhido em detrimento aos de Miller porque

constatou-se nele um efeito semelhante e maior facilidade de execução por apresentar apenas

repetição de notas e movimento melódico descendente. O exercício proposto pela

fonoaudióloga consiste de um humming contínuo associado a estalos de língua que lhe

confere uma dupla função. O humming contínuo serve para tonificar e alongar o véu palatino

enquanto os estalos de língua servem ao treinamento dos articuladores que são responsáveis

pela produção dos fonemas consonantais e participam ativamente da execução das palavras

cantadas conforme será discutido a seguir.

50
The resonance balance (placement) relies neither on the pharynx nor on the mouth as chief resonator, but on a
combination of both. Sensation centers neither in the throat nor in the face. Resonator coupling becomes
resonance balancing without functional or acoustic violation of any single part of the vocal tract. Hanging the
jaw and spreading the pharynx will produce marked sensations of openness in the throat, but an imbalance of
resonator tube as the expense of higher frequencies in some vowels; concepts of mask placement will produce
opposite result, unnecessary thinning of the timbre and an increase in upper partials. Imposto technique avoids
both the heavy, dull vocal production and the shrill blatant production.

49
EXEMPLO 1.8: Tradução dos exercícios 4.2 e 4.6 (Miller, 1996, p. 62 e 63)51 e exercício de fonoterapia

51
Exercise 4.2 – Establish the “noble” posture; breathe through the nose as though inhaling the fragrance of a
rose and hum the pattern in several keys of easy range. Be certain that the hum is produced without tension in the
tongue, the velum, or the jaw. Strum the lips lightly and quickly a few times with the forefinger. Unless a distinct
“mum-mum-mum” results, the proper neutral posture of the articulatory mechanism is not present. Exercise 4.6
– Parts of the phrase are sung with the nostrils closed gently by the fingers, other parts without closure of the
nostrils. The singer must be certain that no change in timbre occurs when the nostrils are released in mid-phrase.
Resonance sensations, either with mouth open or closed, or with nostrils occluded or free, remain the same.

50
1.4 ESTUDO DAS VOGAIS E CONSOANTES

1.4.1 Alfabeto Fonético Internacional (AFI52)

O uso do AFI é imprescindível no ensino-aprendizagem de idiomas para o aluno de

canto. Existem sites confiáveis53 que facilitam muito esse estudo pois fornecem as tabelas

atualizadas dos fonemas e disponibilizam exemplos em áudio para a pronúncia de todos os

símbolos. Além disso, o artigo de produção coletiva, realizado para o volume 13 da Revista

acadêmica OPUS, traz atualizações sobre as normas de pronúncia do português brasileiro e

atualização da Tabela de Normas para a Pronúncia do Português Brasileiro no Canto

Erudito (Kayama, Carvalho, Castro, Herr, Rubim, Pádua, Matos, 2007). As tabelas do AFI e a

Tabela de Normas para a Pronúncia do Português Brasileiro no Canto Erudito são

apresentadas no anexo IV.

É comum o quadro de símbolos do AFI passar como algo sem importância para o

cantor popular brasileiro. A grande quantidade de símbolos para representar vogais e

consoantes com as quais ele já está familiarizado e as sutilezas na diferenciação da pronúncia

de cada um dos símbolos podem ser alguns dos elementos desanimadores deste estudo.

Geralmente alunos de graduação em canto popular desprezam o estudo do AFI ou porque

acham muito difícil decorar todas as informações, ou simplesmente porque consideram este

estudo realmente desnecessário. O cantor popular no Brasil, de maneira geral, usa o português

e/ou o inglês e com menos frequência o espanhol e o italiano. Entretanto, não é uma

preocupação comum deste intérprete cantar com uma pronúncia impecável como buscam os

cantores líricos.

Faz parte da formação do cantor lírico, necessariamente, estudar um repertório que

inclui obras em francês, alemão, italiano, espanhol, latim, português e às vezes idiomas ainda

52
IPA – International Phonetic Alphabet. Cópias da versão atualizada em 2005 estão disponíveis em inglês e
espanhol no anexo IV.
53
Exemplificando <http://www.lfsag.unito.it/ipa/index_en.html> e
<http://www.langsci.ucl.ac.uk/ipa/sounds.html>

51
menos comuns. Para o estudo deste repertório vasto e em diferentes línguas o domínio do

código fonético internacional pode resolver o problema de pronúncia adequada sem que o

cantor precise ser falante de todas as línguas que interpreta. É claro que a compreensão de

texto é também fundamental para atender quesitos relacionados à expressividade na

interpretação.

Para os cantores populares brasileiros que pretendem cantar apenas em português

durante toda sua carreira, realmente, a compreensão aprofundada ou mesmo superficial do

AFI poderia até ser considerada irrelevante ou dispensável. Porém, qualquer cantor que se

submeta a um estudo sério de técnica vocal, deveria se interessar pelo estudo das pronúncias

das vogais e consoantes assim como compreender a função que cada fonema pode exercer

durante os exercícios vocais.

Por defender a compreensão dos símbolos fonéticos como uma ferramenta relevante

no estudo do canto, independente do estilo que se pretenda cantar, é apresentado a seguir um

estudo sobre a formação das vogais, de algumas consoantes mais relevantes e seus respectivos

usos no estudo da técnica vocal. No trecho seguinte serão utilizadas barras inclinadas /x/ para

indicar letras e colchetes [x] para indicação de fonemas.

1.4.2 Formação das vogais

Associando nossa prática docente e estudo pessoal a discussões com a orientadora

desta dissertação à luz da literatura temos observado que as vogais com sua configuração

própria do trato vocal podem ser consideradas facilitadoras ou não da produção vocal. Como

as vozes feminina e masculina apresentam características diferentes, especialmente em

relação à sua região de uso (homens cantam uma oitava abaixo das mulheres), é comum a

preferência das mulheres pela vogal [i] (como em ilha) e dos homens pela vogal [a] (como em

mato). Isso acontece principalmente porque os formantes da vogal [a] são naturalmente mais

graves enquanto os formantes da vogal [i] são naturalmente mais agudos. Isso não quer dizer

52
que mulheres não possam cantar a vogal [a] e vice e versa, mas apenas demonstra que as

vogais facilitadoras variam até de acordo com o gênero. No canto popular a vogal [a] é

favorável para o emprego de voz de peito no grave, enquanto no canto lírico ela é mais

favorável para a produção dos agudos e muito inadequada para o registro misto, no qual deve

sofrer um ajuste para [!] (chamado de /a/ escuro como em heart).

Miller descreve detalhadamente o que acontece com o trato vocal durante a emissão

das vogais mais utilizadas no estudo de técnica vocal. A ordem de ocorrência destas vogais de

acordo com o movimento da língua é [i, e, ", a, !, #, o, u ] (ver Fig. 1.2, nesta página). Em [i]

a ponta da língua está na posição mais elevada, abaixa-se um pouco para [e, "], chega ao

extremo oposto mais central e grave quando está em [a] e [!] e o fundo da língua começa

elevar-se em transição para emissão das vogais posteriores [#, o] e, finalmente, a língua atinge

a constrição máxima entre seu dorso e o véu palatino para emissão da vogal [u] (Miller, 1996,

p. 52).

FIGURA 1.2: VOGAIS (frontais, centrais e posteriores/ fechadas, semi-fechadas, semi-abertas e abertas).

As diferenças entre homens e mulheres na preferência por uma ou outra vogal foi

verificada durante estágio docente do qual participei e em minha prática individual pude

vivenciar as vantagens da vogal [i]. A prática de um exercício ensinado por Rubim é melhor

descrita no capítulo 3 desta dissertação, na descrição do processo de estudo da peça Apanhei-

53
te cavaquinho (ver p. 135). Uma vez que percebemos os benefícios de emissão frontalizada

trazidos pelos vocalizes com a vogal [i], Rubim sugeriu que eu estudasse peças inteiras como

Apanhei-te cavaquinho e Tico-tico no Fubá substituindo o texto da canção por /piripiri/, onde

a vogal [i] é levada à sua posição frontalizada com a ajuda das fonemas [p] e [r]. A citação a

seguir reforça a importância de estudos vocais com a vogal [i].

Na vogal [i], o espaço total do ressonador não está diminuído, mas rearranjado. A natureza
acústica da vogal [i], com seu espaço faríngeo considerável, presta um papel muito importante
nos vocalizes direcionados à diferenciação vocal e ao ajuste ressonantal. Por causa da natureza
da forma da cavidade anterior, posição da língua e aumento do espaço faríngeo, a vogal [i] é
útil no desenvolvimento do timbre pleno da voz. Um número considerável de pesquisadores
comentam que a elevação do palato mole é maior em [i] do que em qualquer outra vogal54
(Hirano ET AL., 1966, p. 377 apud Miller, 1996, p 72).

A vogal [e] é muito próxima da vogal [i] e os benefícios trazidos por ela são

semelhantes também. “Tanto no [e] quanto no [i] a elevação e a posição alta da língua

evocam sensações na máscara. A distribuição dos formantes agudos das vogais são os

principais responsáveis por estas sensações”55 (Miller, 1996, p. 72).

Segundo Miller, a razão da preferência de alguns cantores pela vogal [a] se dá porque

ela não constringe o trato vocal. No entanto, seu posicionamento quase neutro é limitado para

o desenvolvimento de outros aspectos vocais importantes. Como Miller se refere ao canto

lírico ele usa frequentemente o fonema [!] que é o /a/ escuro. No caso do Brasil, nós usamos

este [a] mais frontal para o canto popular.

A vocalização baseada somente em [!] não desenvolve os princípios mais exatos da


diferenciação vocal encontrados no canto de vogais frontais e posteriores. Em qualquer técnica
de canto, se outras vogais são de execução menos confortável que a vogal [!], é porque está
faltando flexibilidade articulatória56 (Miller, 1996, p. 71).

54
In the vowel [i], total resonator space has not been diminished, but rearranged. The acoustic nature of the
vowel [i], with its considerable pharyngeal room, plays a significant role in vocalises devoted to vowel
differentiation and to resonance adjustment. Because of the nature of front cavity shape, tongue posture, and
increased pharyngeal room, the vowel [i] is useful in developing the full timbre of the voice. It should be noted
that a number of researchers comment that soft palate elevation is higher in [i] than in any other vowel.
55
With both [i] and [e], the elevation and forward postures of the tongue evoke sensations in the mask. The high
formant distribution of the vowels is mainly responsible for these sensations.
56
Vocalization based solely on [!] does not deal with the more exacting principles of vowel differentiation
encountered in singing both front and back vowels. In any technique of singing, if other vowels are less
comfortable in execution than the vowel [!], articulatory flexibility is lacking.

54
A vogal [#] (como em pó) é considerada a primeira vogal posterior em relação à

posição da língua cujo dorso encontra-se levemente elevado em direção ao véu palatino. O [#]

requer mais arredondamento bucal do que [!] e uma leve protusão labial. “A dimensão oral

para fazer o [#] é menor do que para emitir um [!]”57 (Miller, 1996, p. 73). A presença desta

vogal em vocalizes é muito comum. Por exemplo em Miller [#] é utilizado em alternância

com [e] e às vezes [i] em todos os exercícios do grupo 2 (5.6 a 5.10) no capítulo sobre vogais

em The Structure of Singing.

Outro uso comum da vogal [#], observado em minha experiência prática como aluna

de canto durante muitos anos, é a substituição da vogal [a] por [!] e por [#] em vocalizes

tradicionais na medida em que as modulações progressivas atingem a região mais aguda da

voz.

As vogais [o] (como em pôr) e [u] (como em Itu) são mais posteriores que [#] e

consequentemente imprimem maior constrição da língua. “Ao executar [o], a língua está

abaixada em sua porção anterior; também está presente a elevação da parte posterior da

língua, característica de todas as vogais posteriores”58 (Miller, 1996, p. 73). A vogal a [u] é o

extremo oposto de [i] conforme Figura 1.2 (ver p. 53).

Como foi mencionado anteriormente que articulação e ressonância são aspectos vocais

intimamente interligados, os exercícios técnicos para diferenciação das vogais são também

um estudo de ressonância. Assim como a sugestão do uso alternado de [e] e o [#], Miller

recomenda que este tipo de combinação seja feita entre outras vogais anteriores e posteriores.

“A alternância subseqüente entre vogais anteriores e posteriores é então aplicada usando-se

combinações variadas de vogais e alteração das frequências, com o objetivo de manter a

57
The buccal dimension for [#] is smaller than for [!].
58
In executing [o], the tongue is depressed in its anterior portion; elevation of the posterior part of the tongue,
characteristic of all back vowels, is also present.

55
mesma ressonância vocal”59 (Miller, 1996, p. 76). Observa-se no discurso de Miller que o

canto lírico busca idealmente a equalização do timbre, prática que é pouco comum no canto

popular em geral. Entretanto, uma voz equilibrada, estável e com uma técnica sólida poderá

executar os sons que o cantor idealizar, sem restrições, sem quebras de registro ou

inseguranças no momento da performance.

1.4.3 Estudo sistematizado para emissão equilibrada das vogais

O exercício 5.1 de Miller (ver Ex. 1.9, p. 57) é de fácil aplicação para alunos iniciantes

e acreditamos que seria interessante tê-lo praticado com nosso grupo de alunos durante

estágio docente. Em função da orientação das aulas para outras prioridades, não aplicamos

este exercício especificamente, mas fizemos outros semelhantes, tanto no aquecimento vocal

de alguns atendimentos individuais, como no estudo aplicado ao repertório, fosse a peça um

choro ou outra canção popular.

Durante o aquecimento vocal de atendimentos individuais do estágio docente,

conforme a necessidade se apresentava, aplicamos um exercício aprendido com a professora

Adriana Kayama60 em 1998 que nos trouxe bons resultados quanto à emissão equilibrada das

vogais. Conforme Exemplo 1.9, o exercício de Kayama propõe a emissão ligada de uma única

nota enquanto vocaliza-se a passagem pelas vogais [i, e, a, o, u]. As orientações do exercício

5.1 de Miller quanto ao posicionamento de mandíbula, boca e lábios devem ser seguidas

também no exercício de Kayama.

59
Subsequent alternation between front and back vowel combinations and changing pitch levels, with the aim of
maintaining the same vocal resonance.
60
Adriana Kayama é Professora Doutora da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). É Bacharel em
Composição e Regência pelo Instituto de Artes - UNICAMP (1985) , Mestre pela University of Washington
(1987) e Doutora em Artes Musicais pela University of Washington (1990).

56
EXEMPLO 1.9: Exercício para equilíbrio da emissão das vogais de Kayama e tradução do exercício 5.1 de
(Miller, 1996, p.76)61.

Outro exercício que utilizei em minha prática individual e apliquei aos alunos durante

estágio docente foi o treinamento da coordenação e equilíbrio da emissão a partir da

seqüência das vogais da letra da canção em estudo, retirando todas as consoantes do trecho.

Após o aprendizado da melodia, era proposto aos alunos que vocalizassem a peça utilizando

uma única vogal do começo ao fim, passando por sete sons de vogais comuns à sonoridade do

português brasileiro [i, e, ", a, #, o, u]. Em seguida, o aluno era orientado a fazer um mapa da

seqüência de vogais que ocorriam ao longo da peça. O Exemplo 1.10 a seguir demonstra o

tipo de estudo proposto em comparação com alguns exercícios de Miller.

61
(1) Pronounce these two patterns alternately, at normal speech level, in legato fashion, allowing lips and jaw to
move naturally, without exaggeration. (2) There should be no attempt to hold one position of lips, jaw, tongue,
or mouth. (3) No attempt should be made to differentiate the vowels by excessively mouthing or shaping them.
(4) Observe the limited but discernible movement of the mouth as the vowels are articulated. (5) Increase tempo
so that the vowels must be quickly enunciated, but avoid slurring or transition sounds. The same articulation
occurs, regardless of speed.

57
EXEMPLO 1.10: Exercícios a partir das peças Com que roupa e Choro pro Zé e
exercícios 5.5, 5.7 e 5.9 traduzidos de (Miller, 1996, p. 77 e 78).

1.4.4 Consoantes nasais e não-nasais

Tão ou mais importante que o conhecimento sobre a formação das vogais é a

compreensão das funções que as consoantes podem exercer no treinamento vocal tanto para

desenvolvimento da ressonância quanto para a aquisição de flexibilidade articulatória,

58
condicionamento dos músculos do trato vocal e condicionamento do músculo vocal

propriamente dito.

A classificação articulatória de algumas consoantes em estudos aprofundados da

fonética tradicional, apresentam “flutuações” e contradições em suas definições. Por isso o

foco desta pesquisa se concentrará em três fontes: (1) nas referências de Miller (1996); (2) no

boletim da Associação Brasileira de Canto (ABC) apresentado por Cristófaro Silva (2007) e

respectiva atualização publicada em artigo da revista OPUS pelo grupo de autores Kayama,

Carvalho, Castro, Herr, Rubim, Pádua, Matos (2007); e (3) na tabela internacional do código

AFI.

As consoantes [t] e [d] por exemplo, são classificadas por Miller como

dental/alveolares, a tabela do AFI as define apenas como alveolares e o boletim da ABC

define [t] e [d] como linguodentais. No decorrer de seu texto Miller justifica que quando

cantada, a consoante [d], assemelha-se ao símbolo fonético [d!] que é definido como

dental/alveolar. Em nosso trabalho, para fins de praticidade classificamos as consoantes com

base na tabela AFI, mas analisamos o uso funcional de cada consoante segundo Miller.

As consoantes nasais contínuas (ou fricativas) são: a bilabial [m], a alveolar [n], a

velar [!], e palatal ["]. O artigo de Thaïs Cristófaro Silva (2007) apresenta uma descrição dos

símbolos fonéticos em português a partir da tabela resultante da votação em assembléia do IV

Encontro Brasileiro de Canto que ocorreu em São Paulo em fevereiro de 2005. A partir da

tabela de Silva (2007) e em acordo com a tabela publicada posteriormente pela OPUS (2007)

a palatal ["] é definida como o encontro consonantal |nh| das palavras |minha| e |sonho|.

Representado somente na tabela de Silva (2007) o som da velar [!] é percebido na junção da a

vogal [i] com as consoantes [n] ou [m] em final de sílabas ou palavras como em |inverno|,

|afinco|, |jardim|.

59
As consoantes não-nasais selecionadas para este trabalho em razão de sua

aplicabilidade ao treinamento técnico do cantor são: a alveolar vibrante simples [!] como em

|caro| e |arara|; a alveolar vibrante múltipla [r] como nos encontros consonantais |prisão| e

|Brasil|, mas que no uso pedagógico é treinada a prolongação da sua vibração tanto quanto

possível ou solicitado pelo exercício; a labiodental fricativa sonora [v] e a labiodental

fricativas surda [f]; a bilabial oclusiva sonora [b] e a bilabial oclusiva surda [p]; a alveolar

fricativa sonora [z] e a alveolar fricativa surda [s]; a alveolar oclusiva sonora [d] e a alveolar

oclusiva surda [t]; e oclusiva sonora [g] e da velar oclusiva surda [k].

1.4.5 Função das consoantes nasais e não-nasais

Apresenta-se a seguir algumas funções das consoantes selecionadas para o

treinamento vocal nesta pesquisa. Miller apresenta um número de consoantes ainda maior ao

longo de seu livro e cuidadosamente faz considerações sobre as diferenças de pronúncia do

idioma italiano, tido como referência principal no treinamento de cantores líricos, e do idioma

inglês falado por norte-americanos. Para fins de praticidade, será considerada a pronúncia das

consoantes em português equivalente à pronúncia do italiano levando-se em conta a grande

semelhança entre esses dois idiomas.

As quatros consoantes nasais selecionadas [m, n, ! e "] são eficientes para o

desenvolvimento do equilíbrio de ressonância das vogais que as seguem, entretanto, elas

diferenciam-se quanto ao seu posicionamento na cavidade oral. “Na produção do [m] toda a

extensão da cavidade bucal é utilizada como uma câmara de ressonância”62 (Miller, 1996, p.

81). Para sua produção, a língua deve estar em posição relaxada e portanto vocalizes com o

[m] são eficientes na eliminação de tensões na língua e no véu palatino.

Pinho e Pontes (2008) utilizam os mesmos fonemas nasais citados por Miller

apontando para a consciência da percepção da ressonância e mostram as alterações que

62
In the production of [m] the full length of the buccal cavity is used as a resonating chamber.

60
ocorrem no trato vocal para cada fonema, desde uma emissão mais gutural até a sensação

vibratória mais alta obtida com o uso do [!] com palato elevado. A Figura 1.3 a seguir mostra

a localização dos diversos fonemas consonantais com relação à percepção ressonantal óssea

indicadas por Pinho e Pontes. Sugerimos que se desenvolvam pesquisas mais aprofundadas

sobre o uso das nasais com base em Pinho e Pontes (2008) e sua aplicabilidade na técnica

vocal, tanto no canto popular quanto no canto erudito. Neste trabalho o foco é a proposta de

Miller e sua aplicabilidade, como será discutido a seguir.

FIGURA 1.3 – Representação esquemática dos níveis de projeção vocal


com relação à face, cabeça e pescoço (Pinho; Pontes, 2008, p. 30)

Em exercícios com o [m] os lábios estão fechados levemente e de forma alguma

devem ser apertados gerando tensão. A língua está relaxada com a ponta tocando os incisivos

inferiores e qualquer tentativa de retração da língua deve ser evitada. Durante a produção de

[m] a qualidade de som é nasal e essa nasalidade não deve permanecer quando a boca se abre

para emissão da vogal subsequente tanto nos exercícios quanto na letra de uma canção.

Entretanto, a sensação vibratória distinta que é vivenciada nas regiões da faringe, do nariz, da

boca e do sinus (seios da face) deve ser permanente tanto no [m] quanto nas vogais que o

seguem. Em verdade, a prolongação desta sensação de ressonância é o papel de exercícios

com a consoante [m].

A consoante [n] também tem função de equilibrar ressonâncias em vogais

subsequentes. No entanto, diferente de [m] a sensação de ressonância em [n] “é localizada

61
mais acima, na região da mandíbula superior e dos seios maxilares”63 (Miller, 1996, p. 84). A

implicação mais direta desta diferença é um aumento de sensação de ressonância na máscara

muito relevante no estudo do canto. “Quando um cantor tem dificuldade em vivenciar uma

sensação frontal satisfatória, [n] pode ser uma ferramenta melhor que [m] para adquirir esta

habilidade”64 (Miller, 1996, p. 84). Outra vantagem de [n] é o fato da boca estar semi-aberta

durante sua produção, de maneira que a transição entre consoante e vogal subseqüente é

facilitada, evitando a manutenção da nasalidade e a ocorrência de quebras bruscas por queda

do maxilar durante abertura bucal.

A consoante nasal [!] é produzida numa posição semelhante a oclusiva [g] mas em [!]

a região nasofaríngea permanece aberta. A função pedagógica de [!], assim como [m] e [n], é

também o equilíbrio de ressonâncias, sendo que [!] é semelhante a [n] quanto a prioridade de

sensação de ressonância na máscara. Alguns foneticistas afirmam que a cavidade bucal não

participa da produção do som em [!].

A quarta consoante nasal ["] assim como [n] e [!], prioriza as sensação de ressonância

frontal, sendo que em ["], segundo Miller, pode ser mais concentrada “no centro da máscara,

ou por trás do nariz, dos olhos, ou em alguma área relacionada com o rosto, dependendo da

resposta subjetiva do cantor”65 (Miller, 1996, p. 86).

A vibrante múltipla prolongada [r] é comumente adotada pela maioria dos professores

de canto e ela é realmente fundamental no treinamento técnico vocal. Seu uso adequado é

muito eficiente no relaxamento da língua para viabilizar uma emissão livre. “A vibração de

63
[it] is located higher, in the region of the upper jaw and maxillary sinuses.
64
When singers fail to experience sufficient frontal sensation, [n] may be a better key to its accomplishment than
[m].
65
in the center of the masque, or behind the nose, the eyes, or in some related area of the face, depending on
subjective responses of the singer.

62
ponta de língua é um dos dispositivos técnicos mais importantes para induzir o relaxamento

da língua, em ambas extremidades frontal e hioidal”66 (Miller, 1996, p. 93).

Além da vibrante múltipla prolongada [r] Pinho e Pontes (2008) sugerem vários

exercícios de vibração lingual e labial. Sons fricativos sonoros prolongados também podem

ser utilizados como recurso para o treinamento das trocas de registro, e são muito úteis ao

cantor porque facilitam as passagens. Também sugerem a seguinte hierarquia de utilização

dessa prática em relação ao Quociente de Contato (QC%) que se refere à proporção de

contato entre as pregas vocais que cada prática oferece (ver Quadro 1.2).

Quadro 1.2 – Quociente de Contato (QC%) obtido por EGG (eletroglotografia) para freqüência e
intensidades constantes (Pinho; Pontes, 2008, p. 54)
Fonema ou som sugerido QC Explicação
Vibração de língua /r/ 42,60 Ajuda a relaxar a musculatura lingual com o deslizamento da borda
livre drenando e ativando a circulação das pregas vocais
Vibração de lábio /b/ 47,55 Idem acima e permite acessar regiões mais agudas que a vibração de
língua
Fricativa /v/ de vaca 53,12 Colabora com a adução pela aproximação do músculo vocal e
também trabalha a borda livre
Fricativa /j/ de jato 53,84 Idem acima com mais aproximação
Fricativa /z/ de zebra 56,59 Idem acima com mais aproximação. Maior QC, ou seja, o fonema
que mais colabora para a aproximação das pregas vocais.

Os exercícios de vibração sugeridos no Quadro 1.2 são relevantes pela adequação ao

canto e à fala, principalmente no que se refere à saúde vocal. É possível realizar as vibrações

sem uma afinação precisa ou em vocalizes com alturas definidas. Observe que exercícios com

/v/, /j/ e /z/ colaboram para a aproximação das pregas vocais o que implica no fortalecimento

dos músculos adutores (que fecham as pregas na parte posterior). Esse tipo de exercício

funciona como um “abdominal” vocal local, aumentando a resistência da musculatura e

mantendo a flexibilidade ressonantal.

Quando iniciei meus estudos com Rubim em 2007 eu já tinha muitos anos de estudo

de canto com diversos professores de técnica vocal, e mesmo tendo sido orientada várias

vezes a praticar a vibração de ponta de língua com o [r] prolongado, eu não conseguia fazê-

66
The tongue-point trill is one of the most important of all technical devices for inducing looseness of the tongue
at both its frontal and its hyoidal extremities.

63
lo. Minha língua simplesmente não respondia a este comando e eu, então, fui me dedicando

ao desenvolvimento de outros aspectos técnicos. Após várias aulas com Rubim e sessões de

fonoterapia eu finalmente consegui fazer o prolongamento do [r] vibrado e tive uma melhora

técnica significativa, especialmente no relaxamento maxilar que apresentava uma tensão

constante além do relaxamento lingual.

O [v] auxilia no desenvolvimento do apoio equilibrado e da ressonância frontal. “A

localização física de [v] estimula as sensações na área máscara do rosto”67 (Miller, 1996, p.

96). A consoante [v] assim como [r] é muito especial para o treinamento vocal. Durante meu

estudo dos choros a prática constante de glissandos com [v] foi de extrema importância para o

condicionamento do músculo vocal da mesma maneira que melhorou a estabilidade de

adução. Os resultados foram a melhora significativa da projeção vocal e uma unificação dos

registros mais equilibrada. Uma citação de Pinho e Pontes (2008) justifica os benefícios de

fricativas sonoras como o [v], [z] e [!]:

Exercícios utilizando-se fricativas sonoras prolongadas (“v”, “z”, “j”) produzidas suavemente
e com a laringe baixa parecem auxiliar aumentando a amplitude vibratória da mucosa das
pregas vocais na sua superficialidade, por provável aumento de fluxo e pressão intra-oral
(Pinho; Pontes, 2008, p. 54).

Ainda “na produção de [v], os lábios assumem algo da posição horizontal do sorriso,

evitando qualquer postura vertical bucal”68 (Miller, 1996, p. 96). A postura do sorriso é

eficiente na elevação do véu palatino que no meu caso particular foi diagnosticado como

flácido em primeira seção de avaliação fonoaudiológica: “O seu véu palatino está um pouco

frouxo” (Luciana Oliveira, 2009, sessão I). O trabalho com o [v] entre outros exercícios,

definitivamente, contribuiu para a melhora deste aspecto técnico.

67
The physical location of [v] encourages sensations in the masque area of the face.
68
In the production of [v], the lips assume something of the horizontal smile position, avoiding any vertical
buccal posture.

64
“No canto, é significativo que, na execução de [v] e [z] e de seus companheiros surdos

[f] e [s], a língua não precise sair de sua posição acústica de repouso”69 (Miller, 1996, p. 95 e

96). As fricativas surdas [s] e [f], em especial, são muito utilizadas e conhecidas por sua

capacidade de aumentar a percepção do trabalho abdominal no controle respiratório.

Exercícios em staccato com [s] e [f] são amplamente utilizados por professores de canto.

As consoantes [z] e [s] tem funções semelhantes às [v] e [f], mas como nas primeiras o

fechamento é ainda maior “[z] e [s] são especialmente úteis para corrigir uma qualidade vocal

que apresente quebras e falta de foco”70 (Miller, 1996, p. 98).

A consoante [p] foi bastante utilizada durante o treinamento vocal para estudo dos

choros. Atrelada a vogal [i] o vocalize [pi, pi, pi, pi] de melodia descendente (8, 5, 3, 1) foi

utilizado para trabalhar uma emissão mais frontalizada, estimulando a sensação de produção

do som na direção do palato duro e da cavidade oral ao invés do som gutural (na garganta).

Este exercício proposto por Rubim é semelhante ao 7.14 proposto por Miller (ver Ex. 1.17 e

1.18, p. 70). Durante estágio docente colhemos resultados satisfatório com o uso deste

vocalize no auxílio a alunos que apresentavam dificuldades de projeção do som.

A postura dos lábios durante [b] e [p] permanece na posição central, em repouso, porém
fechados, ocasionando um aumento de pressão de ar na boca […] A liberação súbita dos lábios
muitas vezes traz a percepção de que “som” foi produzido diretamente nos lábios, e isso tem
implicações psicológicas (bem como fisiológicas) para as pessoas cuja atenção tem sido
excessivamente voltada para as áreas da faringe e laringe71 (Miller, 1996, p. 96 e 97).

Um exercício específico a partir da emissão prolongada da consoante [b] é

comumente utilizado na fonoaudiologia promovendo o “abaixamento da laringe, ampliação

da faringe e o aumento da adução glótica (Pinho; Pontes, 2008, p. 61). Segundo Pinho e

Pontes o prolongamento da plosiva sonora [b] “promove maior eficiência adutora,

69
In singing, it is significant that in executing [v] and [z], and their voiceless mates [f] and [s], the tongue need
not to move from its acoustic, at-rest posture.
70
[z] and [s] are especially useful in correcting hollow and unfocused vocal quality.
71
Lip posture during [b] and [p] remains in the central, at-rest position, although occluded, occasioning an
increase of air pressure in the mouth […]The sudden release of the lips often brings the perception that “tone”
has been directly produced at the lips, and this has psychological (as well as physiological) implications for
persons whose attention has been excessively directed toward the pharyngeal and laryngeal areas.

65
provavelmente por aumento da atividade intrínseca da laringe” (Pinho; Pontes, 2008, p. 61).

No item a seguir é exemplificado o exercício de prolongamento do [b] (ver Ex. 1.15, p. 70).

Sobre a consoante [d] (como em dói), ao invés de descrever sua função pedagógica,

Miller alerta para o fato de que “em um [d] mal produzido, há muitas possibilidades para a

tensão vocal, pois as pregas vocais são aproximadas, a porta nasofaríngea está,

provavelmente, fechada, e a elevação da língua impede o escape de ar pela boca”72 (Miller,

1996, p. 100).

A consoante [t] (com em teu) é semelhante à correspondente sonora [d] com a

diferença de que pelo fato de ser surda não promove a aproximação das pregas vocais e então

a tensão de fechamento glótico é menor. Em casos em que a pronúncia de uma palavra com a

consoante [d] se dê com muita pressão glótica, a substituição de [d] por [t] como forma de

exercício pode ser uma solução de alívio de tensão. “Depois de praticar a passagem com [t!]73,

algumas vezes, [d] se torna mais fácil”74 (Miller, 1996, p. 101). Atenção para não usar o som

de /t/ e /d/ palatalizado como em tio e dia que soam /tchiu/ e /djia/ respectivamente, pois esta

pronúncia é muito comum na maioria dos estados brasileiros.

Assim como [t] e [d], [g] (como em gato) também é uma consoante que exige cuidado

em razão do fechamento glótico, porém em [g] o fechamento é total e segundo Miller, essa

mesma característica preocupante é também seu valor pedagógico.

A parte posterior da língua elevada toca o véu palatino e pressiona contra a parte posterior do
palato duro. No entanto, precisamente por causa desta oclusão, [g] traz recompensas para o
cantor./ O ar, quando é finalmente liberado pela paralisação ocasionada pela consoante [g],
explode diretamente na cavidade bucal, produzindo uma condição de abertura do canal entre a
orofaringe e da cavidade oral. A sensação decorrente deste evento é muito distinta e
extremamente útil. Quando um cantor adota habitualmente uma postura velar baixa, com
consequente nasalidade e qualidade de som fraca, o uso de [g] pode ser um antídoto valioso.

72
In a badly produced [d], there are many possibilities for vocal tension, because the vocal folds are
approximated, the port into the nasopharynx is probably closed, and tongue elevation prevents the escape of air
through the mouth.
73
[t!] é uma variação de [t]. No AFI [t] é somente alveolar e [t!] é dental alveolar.
74
After practicing the passage with [t!] a few times, [d] is made easier.

66
Mesmo quando tais falhas não estão presentes, [g] tem grande valor como um condicionador
de equilíbrio de ressonância adequada75 (Miller, 1996, p. 103).

A velar oclusiva surda [k] promove essa mesma sensação de liberação de [g] com a

vantagem de que pode ser utilizada em exercícios sem adução das pregas vocais. Exercícios

com [g] e [k] associados a vogais como os do Exemplo 1.16 (ver p. 70) que foram sugeridos

por Miller, ampliam a consciência de elevação do véu palatino durante o canto e por isso “são

ideais para a eliminação de nasalidade na voz cantada”76 (Miller, 1996, p. 103).

1.4.6 Estudo sistematizado a partir das consoantes

Miller (1996) afirma que o mesmo princípio de resolução de problemas descrito acima

também pode ser aplicado à qualquer dificuldade de dicção que venha a surgir no repertório

vocal. “Se a língua tropeça em alguma combinação de fonemas, os sons podem ser extraídos e

transformados em um exercício”77 (Miller, 1996, p. 105). Isso justifica várias condutas

adotadas no estudo de determinados trechos do repertório de choros selecionados. Além dos

exercícios criados especialmente para o estudo dos choros, os vocalizes seguintes foram

extraídos dos capítulos 6 e 7 de Miller em comparação com alguns exercícios propostos por

Rubim ou coletados da seções de fonoterapia das quais participei.

O Exemplo 1.11 apresenta exercícios propostos por Miller para controle de nasalidade

e ampliação da percepção da ressonância a partir da alternância das consoantes [m] e [n].

75
The elevated back of the tongue touches the velum and presses against the rear portion of the hard palate. Yet,
precisely because of this occlusion, [g] has merit for the singer./ Air, when finally released from the stoppage
involved in the consonant [g], explodes directly into the buccal cavity, producing a condition of openness in the
channel between the oropharynx and the oral cavity. The sensation from that event is very distinct and extremely
useful. When a singer habitually suffers from a lowered velar posture, with resultant nasality and thinness of
quality, the use of [g] can prove to be a valuable antidote. Even when such faults are not present, [g] has great
worth as a conditioner of proper resonance balancing.
76
They are ideal for eliminating nasality in the singing voice.
77
If the tongue stumbles on some phonemic combination, those sounds may be extracted and made into an
exercise.

67
EXEMPLO 1.11: Exercícios 6.2 e 6.5 traduzidos de (Miller, 1996, p. 82 e 84)

A respeito da consoante [!] Miller sugere uma adaptação do exercício de Thomas

Fillebrown (1911, pp. 58-59 apud Miller, 1996, p. 85), famoso até os dias atuais, em que ele

combina os fonemas [!] e [g]. Outro exercício semelhante adotado por Rubim é o uso da

consoante [!] combinada com sua semelhante em posicionamento [g] como é apresentado no

Exemplo 1.12 a seguir ao lado do exercício citado de Miller.

EXEMPLO 1.12: Exercício 6.7 traduzido de (Miller, 1996, p. 86) e exercício 1 de Rubim (2008)

Durante o meu estudo prático nesses dois anos de mestrado a consoante ["] cuja

pronúncia corresponde ao encontro consonantal /nh/ foi trabalhada principalmente através do

exercício /uénha-uénha/78 descrito a seguir. Encontramos no exercício 6.9 de Miller outra

prática interessante em que ora o fonema ["] está no meio da palavra e ora ele aparece no

68
início. A combinação proposta de ["] com a vogal [i] se apresentou inusitada diante de minhas

práticas anteriores que se davam principalmente em combinações de ["] com as vogais [a] e

["].

EXEMPLO 1.13: Exercício 6.9 traduzido e adaptado79 de (Miller, 1996, p. 87) e exercício 2 de Rubim (2008)

O exercício de glissando com a vibração contínua da consoante [r] seguida das vogais

alternadas posterior/frontal/posterior [u], [i], [u] (ver Ex. 1.14) foi proposto por Rubim e fez

parte do grupo de vocalizes utilizados para o aquecimento vocal coletivo durante estágio

docente na disciplina Canto Complementar nos anos de 2008 e 2009.

EXEMPLO 1.14: Exercício 3 de Rubim

O exercício a seguir (ver Ex. 1.15, p. 70) foi uma das práticas em minhas sessões de

fonoterapia com a fonoaudióloga Luciana Oliveira no ano de 2009 com o objetivo de

estimular o abaixamento da laringe e melhorar a adução das pregas vocais.

78
O exercício 2 de Rubim: /uénha,uénha/ foi ensinado a Rubim em 2008 pelo maestro Marcelo Castro, durante
os ensaios do musical A Noviça Rebelde.

69
A retenção da oclusiva bilabial [b] consiste no fechamento dos lábios, preenchimento da cavidade oral com ar
e produção concomitante de sonorização por período curto ou longo (pensar em produzir um /u/ com os lábios
ocluídos)80. A duração da retenção depende das necessidades adutoras (maior duração, maior adução). A vogal
é liberada com suavidade [b+a]. É fundamental certificar-se de que o fechamento velofaríngeo seja completo e
que o som não esteja escapando pelo nariz.
EXEMPLO 1.15: Exercício de retenção de [b] extraído de (Pinho; Pontes; 2008, p. 61)

EXEMPLO 1.16: Exercícios 7.30 e 7.32 traduzidos de (Miller, 1996, p. 104)

A partir da combinação de algumas consoantes nasais e não-nasais com vogais

variadas apresenta-se a seguir exemplos de vocalizes propostos por Rubim (2008) e por

Miller (1996) que foram estudados durante esta pesquisa. O exercício 4 de Rubim, no

Exemplo 1.17 a seguir, foi muito utilizado em minha prática individual para treinar a emissão

vocal mais frontalizada e o exercício 5, também de Rubim, foi adotado para os alunos homens

durante estágio docente a fim de trabalhar a uniformização do som e a emissão equilibrada

das vogais.

79
Na tradução do exercício 6.9 de Miller, não conseguimos reproduzir na partitura a imagem do símbolo ["] e
por isso ele foi substituído por sua representação sonora /nh/
80
Pinho SMR. Tópicos em voz. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 2001. p. 154

70
EXEMPLO 1.17: Exercícios 4 e 5 de Rubim (2008)

O exercício 7.12 de Miller, apresentado no Exemplo 1.18 a seguir, atende ao

treinamento da emissão equilibrada das vogais enquanto o exercício 7.14, também de Miller,

tem função semelhante à do exercício 4 de Rubim.

EXEMPLO 1.18: Exercícios 7.12 e 7.14 traduzidos de (Miller, 1996, p. 96 e 97)

1.5 AGILIDADE E SUSTENTAÇÃO NO CANTO

1.5.1 Agilidade ou sustentação?

Uma coluna permanente do Journal of Singing81 é destinada a responder questões

formuladas por professores de canto a respeito de condutas pedagógicas em relação a aspectos

variados da voz cantada. Em duas edições do final do ano de 2004, Dorothy Warenskojold e

81
Revista do Canto - publicada em Nova York pela Associação Nacional dos Professores de Canto dos Estados
Unidos. (NATS – National Association of Teachers of Singing)

71
Myra J. Brand, foram entrevistadas sobre a seguinte questão: “Por onde começar? Agilidade

ou sustentação?”.

Dorothy Warenskojold é reconhecida por sua carreira de destaque como soprano

principal em renomadas companhias de ópera dos Estados Unidos além de ter sido professora

adjunta da Universidade da Califórnia (UCLA) durante quatorze anos. Myra J. Brand é

professora emérita da Universidade de Western Oregon (WOU) onde ensinou canto e outras

disciplinas relacionadas por trinta e quatro anos. Em 1985 Brand foi premiada como a docente

do ano por sua excelência em ensino na WOU.

Sobre a questão apresentada pelo Journal of Singing, Warenskojold não acredita que

começar um estudo vocal com notas longas e sustentadas seja uma boa opção quando se trata

de alunos iniciantes. Para ela esse tipo de conduta inicial pode causar tensão e

consequentemente perda de qualidade na emissão. Ao invés da prática de notas sustentadas

Warenskojold apresenta cinco exercícios que ela exemplifica ao longo de seu artigo e ainda

sugere alguns vocalizes dos métodos Italianos Vaccai e Lamperti, os quais foram as

referências principais durante sua própria formação.

Brand, por outro lado, defende prontamente o uso de exercícios com uma única nota

sustentada logo na primeira aula. Ao longo da coluna Brand explica várias vantagens de um

exercício específico que aprendeu com Hubert Kockritz, quando ela ainda era uma jovem

professora, durante uma semana de curso de pedagogia vocal na WOU onde Kockritz era

professor visitante do Conservatório de Cincinnati.

O exercício adotado por Brand consiste em sustentar uma única nota numa região

confortável da extensão vocal enquanto pronuncia-se a seqüência de vogais [i, e, !, o , u] sem

realizar movimentos exagerados com o maxilar e mantendo a língua o mais próximo possível

da posição de repouso, relaxada e com a ponta pra frente. Depois de adquirir certo domínio

desta prática ela sugere variar a tonalidade de meio em meio tom para o agudo e para o grave.

72
Segundo Brand este exercício é também um excelente sinalizador de tensões indesejadas, bem

como de falhas no controle respiratório e no ataque equilibrado. Para ela o domínio do

controle respiratório e do ataque equilibrado são fundamentais para a boa execução deste

exercício e no caso do aluno apresentar dificuldades em um desses aspectos, existem

possíveis adaptações que irão solucionar essas lacunas.

Após a leitura das duas entrevistas citadas, foi interessante observar que a adaptação

do exercício sugerido por Brand para resolver problema de falta de ataque equilibrado,

resultou em um exercício bastante semelhante ao Exemplo 5.a de Warenskojold conforme

Exemplo 1.19 deste trabalho (ver p. 74). Embora as duas autoras tenham opiniões divergentes

sobre o uso de exercícios de sustentação com alunos iniciantes, ambas tem condutas

semelhantes na medida em que o problema vocal é trazido pelo aluno. Talvez Warenskojold

introduza os pontos de dificuldade com mais cautela que Brand, mas foi possível perceber que

ambas estão conscientes da importância do domínio do controle respiratório, do ataque

isocrônico, da produção equilibrada das vogais e controle de ressonância estável para obter

sucesso na sustentação de uma nota longa.

Enquanto Brand defende a aquisição de equilíbrio da emissão vocal através de

exercícios de sustentação e o sucesso de sua prática pedagógica confirma que sua conduta

também traz bons resultados, Miller assemelha-se a Warenskojold na medida em que defende

que os exercícios de sustentação não são para os alunos iniciantes.

73
Descrição da adaptação: Se eles (alunos) têm dificuldade em realizar esse desafio (referindo-se ao
exercício original sustentado), deve-se introduzir um exercício que centra a atenção no ataque
inicial. Uma maneira de abordar esta dificuldade é cantar a mesma seqüência de vogais da versão
original, mas com a inserção de um /m/ antes de cada vogal, interrompendo as sílabas com uma
breve respiração entre elas como uma “alegre surpresa”. Isso deve resultar em um canto curto de
sílabas vibrantes - /mi-me-m!-mo mu/82 (Brand, 2004, p. 51).

EXEMPLO 1.19: Comparação dos exercícios propostos por Warenskojold (2004, p. 165) e Brand (2004, p. 51)
(Adotamos a mesma tonalidade e altura para os dois exercícios acima para fins de comparação. Brand, na
verdade, apenas descreve seu exercício e não define uma altura específica para sua execução. Apenas menciona
que deve ser realizado numa região confortável da extensão vocal.)

Nos dois artigos consultados, Warenskojold e Brand praticamente não se pronunciam

sobre a relevância de exercícios de agilidade no estudo do canto e apenas por um breve

momento Brand questiona “Por que começar o treinamento de uma voz com exercícios

expansivos para flexibilidade quando a qualidade do som desejável, que seria aceitável tanto

para o aluno quanto para o professor, ainda não foi determinada?”83 (Brand, 2004, p. 51). A

partir desta pergunta Brand justifica o uso do seu exercício de nota sustentada para a

conquista de uma estabilidade mínima antes de avançar para exercícios mais complexos.

Semelhante a Brand, Miller também acredita que é necessário adquirir uma

estabilidade mínima antes de avançar para exercícios mais complexos, mas para ele, os

exercícios de sustentação fazem parte do grupo de exercícios complexos que ele não

recomenda para cantores iniciantes. “Até que cantores dominem o ataque, a frase curta, a

finalização habilidosa e a capacidade de cantar com agilidade, eles vão enfrentar acúmulo de

82
If they have difficulty accomplishing that challenge, one should introduce an exercise that focuses attention on
the onset it self. One way to approach this is by singing the same vowel sequence mentioned earlier, but
inserting an /m/ before each vowel and disconnecting the syllables with a quick breath between them as though
"happily surprised." This should result in singing short, vibrant syllables - /mi-me-ma-mo-mu/

74
84
tensão e fadiga em frases sustentadas” (Miller, 1996, p. 108). Miller ainda afirma que

qualquer literatura de estudo vocal baseada em exercícios de sustentação é inadequada para

cantores tecnicamente inseguros e que a emissão de um som bem sustentado e estável é o

último teste que se faz para avaliar a habilidade técnica de um cantor (Miller, 1996, p. 108).

Após avaliação cuidadosa da seqüência de exercícios propostos por Miller para treino

de sustentação em comparação com o exercício apresentado por Brand, verificou-se que eles

em nada se assemelham. O vocalize de sustentação proposto por Brand é, na verdade, muito

parecido com o exercício 5.1 de Miller, apresentado no Exemplo 1.9 (ver p. 74) desta

dissertação, que tem como função principal trabalhar a emissão equilibrada das vogais.

Apesar das diferenças evidentes quanto à conduta pedagógica dos três professores de

canto, a observação analítica feita sobre a prática de cada um deles a partir de seus preceitos

teóricos, relativiza, em parte, suas visões divergentes.

Os exercícios de sustentação colaboram para o fortalecimento do TA

(tireoaritenóideo) e dos adutores, principalmente CAL (cricoaritenóideo lateral) e AA

(aritenóideos transverso e oblíquo). Os exercícios de agilidade promovem flexibilidade para o

TA e para o CT (cricotireóideo) (Behlau, 2008 vol. I, p. 7-10). As duas atividades – agilidade

e sustentação – são objetos de grande importância no estudo da técnica vocal. Miller defende,

então, que se deve começar pela flexibilização do sistema antes do desenvolvimento do

mecanismo de peso normalmente associado à sustentação. Quanto a nossa conduta

pedagógica, em acordo com Miller, defendemos que o estudo de agilidade deve anteceder o

de sustentação não apenas pela questão muscular envolvida mas também pelo fato de que os

exercícios de agilidade contribuem para a precisão da afinação, uma vez que desenvolvem a

produção de harmônicos agudos.

83
Why begin the training of a voice with more expansive exercises for flexibility when a desirable tone quality,
one acceptable to both student and teacher, has not yet been established?
84
Until singers master the onset, the brief phrase, and the skillful release, and can sing agilely, they will
experience cumulative strain and fatigue on sustained phrases

75
1.5.2 Agilidade e sustentação

O estudo de agilidade vocal para o cantor popular brasileiro, frequentemente, não

parece ser uma prioridade. O repertório mais comum consiste, muitas vezes, da musicalização

de um texto poético e sua execução ocorre em andamentos moderados o que permite uma

inteligibilidade quase natural por sua proximidade com o andamento da fala. Adriana

Calcanhoto, compositora brasileira, menciona essas características da canção popular em seu

artigo Fábrica da canção “A melodia vem do acento daquela frase falada, ou lida em voz

alta” (Calcanhoto, 2008, p. 44).

Entretanto, no que se refere a um grande número de choros cantados e até mesmo em

alguns sambas mais rápidos, são encontrados desafios melódicos que trazem ao intérprete a

necessidade específica de desenvolvimento da agilidade vocal para executar os fraseados

musicais com maestria.

No capítulo 3 em The Structure of Singing85, além de apresentar um quadro de

exercícios para o desenvolvimento da agilidade vocal, Miller evidencia outros benefícios

decorrentes desta prática. Ele afirma que o estudo de agilidade vocal trabalha diretamente a

musculatura abdominal resultando no aprimoramento do controle respiratório e na melhora da

sustentação de notas longas. É muito importante compreender que “o mesmo controle

epigástrico-umbilical que permite o ataque preciso, o staccato, a pulsação ofegante, e a

execução de velocidade ou passagens de coloraturas também produz o sostenuto (a linha de

sustentação) no canto” 86 (Miller, 1986, p. 40).

Mais adiante no capítulo 8 em The Structure of Singing87 destinado especificamente ao

aspecto sustentação, Miller explica o processo fisiológico que ocorre no aparelho fonador

85
A Estrutura do Canto – tradução nossa.
86
The same umbilical-epigastric control that permits the precise onset, the staccato, the pant, and the execution
of velocity or coloratura passages also produces the sostenuto (The sustained line).
87
Idem 85.

76
durante a emissão de frases longas e sustentadas justificando a complexidade destes trechos

para o cantor e a importância de um bom controle respiratório para sua boa execução.

O problema do canto sustentado é que a ação esfincteriana primitiva, que normalmente


prevalece em atividades pesadas como o levantamento e puxamento de peso, é muitas vezes
transferida para o canto com energia. Durante o canto sustentado e energizado, a laringe é
submetida a uma pressão subglótica. O cantor deve aprender a ser esquizofrênico, ativando a
musculatura respiratória para o trabalho pesado, ao mesmo tempo em que não deve pressionar
a válvula laríngea. Na verdade, a liberdade na glote estará presente na frase longa apenas se a
emissão da respiração for controlada nas regiões epigástrico-umbilical e costal88 (Miller, 1996,
p. 108).

Miller alerta ainda que em função da dificuldade real que existe para produção de um

canto energizado com liberdade na glote alguns cantores tendem a evitar esse desafio optando

por uma emissão mais relaxada e com certo abuso de soprosidade. Outra tendência recorrente

dessa dificuldade pode ser a emissão com excesso de constrição laríngea, muito comum em

alguns estilos de canto popular como os que Abreu (2008) classificou como canto “de risco”

(ver p. 24).

Apesar da estética do canto popular praticamente não ter objeções nem com a emissão

soprosa nem com a emissão que promove a constrição laríngea, é um fato que ambas são

contraproducentes para a sustentação de uma frase longa na melodia, porque todas duas

prejudicam o bom aproveitamento do ar inalado. Na emissão soprosa o ar é desperdiçado

mais rapidamente enquanto que a emissão com excesso de força propicia um colapso com

fechamento da caixa torácica e conseqüente perda do ar que seria utilizado para a fonação.

1.5.3 Estudo sistematizado de agilidade e sustentação

Miller propõe 24 exercícios para aquisição de agilidade que podem ser divididos

didaticamente em dois subgrupos: (1) Grupo dos graus conjuntos – formado pelos

exercícios 3.1 a 3.15, 3.17 e 3.20 (ver Ex. 1.20, p. 81) constituídos por sequências variadas

rítmica e melodicamente com frases ascendentes, descendentes, ascendentes e descendentes

88
The problem in sustained singing is that primitive sphincter action, which ordinarily prevails in such heavy
activities as lifting and pulling, is often carried over into energized singing. During powerful sustained singing,
the larynx is subjected to subglottic pressure. The singer must learn to be schizophrenic, engaging the respiratory
musculature for heavy duty while not pressing the laryngeal valve. Indeed, freedom at the glottis can be present

77
ou vice e versa, combinando agrupamentos a partir de duas notas até escalas de nove notas,

sempre respeitando disposições em graus conjuntos, ou seja, sempre apresentando saltos de

segunda maior ou menor; (2) Grupo dos arpejos e saltos – formado pelos exercícios mais

difíceis deste capítulo, 3.16, 3.18, 3.19 e 3.21 a 3.24 (Miller, 1996, p. 45-47). Miller sugere

que os exercícios 3.21 a 3.24 sejam destinados apenas a cantores avançados tecnicamente;

entretanto, a partir da minha experiência prática com esta série, sugiro que o exercício 3.18

seja acrescentado ao grupo destinado aos cantores mais avançados no estudo técnico vocal.

Com exceção do exercício 3.1 (Miller, 1996, p. 42), que apresenta dois compassos

com staccati de semínimas, todos os outros 23 exercícios são em legato. Segundo Miller, a

flexibilidade adquirida com a prática de passagens melismáticas rápidas é semelhante ao

movimento epigástrico-umbilical treinado no staccati mesmo que sem fonação. No entanto,

nas orientações sobre como realizar os exercícios propostos no capítulo 3 Miller chama a

atenção dos estudantes para que não confundam os fraseados em legato com exercícios de

staccati.

Embora haja uma relação entre o funcionamento das passagens de legato articuladas
adequadamente e a articulação do staccato, qualquer tendência em usar a aspiração como um
artifício de articulação das mudanças de alturas deve ser evitada. O corista amador pode
recorrer à interpolar sílabas “ha-ha-ha-ha” como um meio de executar passagens rápidas
limpas, mas o cantor treinado não89 (Miller, 1996, p. 41).

Em função do domínio técnico mínimo exigido para realização correta destes

exercícios, esta sessão 1.5.3 foi pouco trabalhada com os alunos da disciplina de Canto

Complementar, com os quais foi realizado o estágio docente. Foram trabalhados exercícios

semelhantes que poderiam ser considerados preparatórios para um estudo posterior da

seqüência proposta por Miller. De qualquer forma, alunos que durante as aulas coletivas

in the long phrase only if breath emission is controlled in the epigastric-umbilical and costal regions.
89
Although there is a relationship between the function of properly articulated legato passages and staccato
articulation, all tendency toward aspiration as a device for articulating moving pitches must be avoided. The
amateur chorister may resort to interpolated “ha-ha-ha-ha” syllables as means for achieving clean moving
passages, but the skilled singer may not.

78
optaram por peças que traziam desafios de agilidade, indiretamente, treinaram o controle dos

movimentos melismáticos em legato através do estudo detalhado da peça escolhida.

Os exercícios do capítulo 3 de Miller, embora sejam, em sua maioria, bastante

triádicos e tonais, são diretamente aplicáveis ao estudo técnico necessário para o repertório de

choro. O Exemplo 1.20 a seguir (ver p. 81) mostra a inter-relação entre quatro dos exercícios

mencionados de Miller com quatro trechos melódicos de três choros rápidos que foram

selecionados para esta pesquisa.

O exercício 3.14 (ver Ex. 1.20, p. 81), embora não seja diretamente correspondente à

melodia selecionada de Tico-tico no Fubá, promove o treinamento de uma longa escala,

rápida e ligada do começo ao fim. O exercício 3.18 (ver Ex. 1.20, p. 81) apresenta uma série

de arpejos descendentes. É comum às melodias de choro a presença de arpejos em vários

trechos, ora ascendentes, ora descendentes. Também é muito comum o arpejo de acordes com

7a dominante. No repertório estudado não foi encontrado nenhum trecho com uma seqüência

idêntica à do exercício 3.18 citado, mas justificando a presença de arpejos no repertório de

choros, no Exemplo 1.20 (ver p. 81) é apresentado um trecho de Um a Zero onde identificou-

se um arpejo descendente semelhante ao segundo arpejo do exercício 3.18 de Miller. A

principal diferença entre o exercício e o trecho do choro selecionado é que Um a Zero

apresenta um arpejo descendente seguido de outro ascendente enquanto o exercício 3.18

apresenta uma seqüência de arpejos descendentes.

O exercício 3.22 (ver Ex. 1.20, p. 81) é bem desafiador tecnicamente porque propõe

uma sequência de saltos de oitava a serem realizados apenas com vogais e em andamento

rápido. Encontramos desafio técnico semelhante no trecho inicial de Um a Zero. Apesar de

possuir algumas notas de passagem, este trecho exige destreza do intérprete para realizar dois

saltos de oitava quase em sequência e ainda tentar expressar com clareza o texto da letra

acrescentada ao choro. O exercício 3.23 (ver Ex. 1.20, p. 81) apresenta uma seqüência

79
contrária à da melodia que encontrada em Apanhei-te cavaquinho e, mesmo assim, ele

possibilitou o estudo de saltos variados a partir de uma única nota, e serviu de referência para

a criação de exercícios correspondentes às melodias em estudo.

Segundo orientação de Miller, os exercícios de sustentação propostos por ele não são

recomendáveis para alunos iniciantes, antes que estes conquistem certo conforto pelo menos

com o primeiro grupo dos exercícios prévios de agilidade. Foi constatada em nossa prática

uma melhora considerável na sustentação de frases longas após o estudo de agilidade somado

às práticas do controle respiratório e do repertório de choros rápidos.

No Exemplo 1.21 (ver p. 82) é sugerido o exercício de sustentação 8.5 proposto por

Miller em comparação ao trecho da valsa Rosa de Pixinguinha, que é uma peça com vários

trechos de grande dificuldade de sustentação, especialmente quando se adota um andamento

lento para sua execução. Outro fator que aumentou a dificuldade em Rosa no trecho

selecionado foi a escolha de não interromper a frase melódica após a palavra “nuvens”, nem

mesmo com uma breve respiração, como é comum na maioria das versões encontradas em

gravações. As partituras completas dos choros citados encontram-se no Anexo IV desta

dissertação.

80
EXEMPLO 1.20: Comparação de trechos dos choros com exercícios de agilidade de
(Miller, 1996, p. 45 a 47).

81
EXEMPLO 1.21: Comparação do exercício 8.5 traduzido de (Miller, 1996, p. 110) com frase longa da valsa
Rosa.

1.6 UNIFICAÇÃO DOS REGISTROS

Contrário à conduta didática de LoVetri (2009) que inicia sua abordagem de ensino do

canto a partir da diferenciação e prática dos registros, classificados por ela como sendo peito,

mistura e cabeça, Miller defende que o estudo de registros só deveria iniciar-se depois que os

princípios técnicos vocais básicos estiverem consolidados.

Registro vocal não é o ponto no qual se começa a construir ativamente uma técnica vocal
sistemática: estudos para treino dos registros pertencem a um trabalho técnico avançado. O
controle básico da respiração, a articulação fonética e ressonância equilibradas devem ser
estabelecidos antes que um cantor direcione grande atenção aos registros da voz cantada90
(Miller, 2000, p. 15).

De maneira semelhante às posições antagônicas de Warenskojold e Brand sobre o

início do treinamento vocal a partir de exercícios de sustentação, a oposição na postura

didático-pedagógica entre Miller e LoVetri quanto ao estudo dos registros é também, de certa

forma, relativa.

Em janeiro de 2009, durante curso de formação do módulo I do Somatic Voicework91

criado por LoVetri tive a oportunidade de participar da primeira dinâmica de grupo no qual

ela trabalhou a diferenciação de registros com alunos de canto de diversos níveis de formação.

90
Vocal registration is not the locus at which to begin actively building systematic vocal technique: studies in
registration skill belong to advanced technical work. Basic breath management, phonetic articulation and
resonance balancing must be established before a singer turns extensive attention to the registers of the singing
voice

82
A prática aplicada por LoVetri consistiu basicamente na sensibilização auditiva e corporal

para identificação e emissão dos registros de peito e cabeça separadamente. Em outra prática

de atendimentos individuais, neste mesmo curso, LoVetri sugeriu exercícios de glissandos e

arpejos de tétrades perfeitas para unificação de registros, mas é claro que a desenvoltura de

cada aluno nesses vocalizes se dava em acordo com estágio de desenvolvimento técnico de

cada um.

As orientações de Miller para estudo de registros, por outro lado, traz outro nível de

exigência aos estudantes de canto de maneira que exercícios propostos por ele como o 9.19 e

9.20 (ver Ex. 1.23, p. 86) exigem que o aluno tenha adquirido grande estabilidade laríngea

para executá-los de forma satisfatória. Exercícios como 9.19 e 9.20 de Miller assemelham-se

ao 3.22 (ver Ex. 1.20, p. 81) proposto por ele para aquisição de agilidade, quando se observa a

presença constante de saltos de oitava.

Tanto Miller quanto LoVetri concordam sobre a importância da estabilidade da laringe

para o equilíbrio entre as passagens de registros. Além disso, Miller também alega que “as

nasais contínuas produzem vibração simpática facial como as que são associadas à ação dos

músculos da laringe equilibrada”92 (Miller, 1996, p. 127). Isso justifica o uso de consoantes

nasais associadas a vogais em vocalizes propostos para unificação de registros. Miller ainda

afirma “A zona di passaggio é a chave para uma escala de registros uniforme”93 (Miller,

1996, p. 126).

A zona de passagio corresponde à região de fala projetada, intermediária entre a

primeira e segunda passagens dos registros. Sob orientação de Rubim, dentre outros

vocalizes, foram estudados exercícios com [v] e ["] associados a vogais com o objetivo de

91
Trabalho de voz somático
92
Nasal continuants produce sympathetic facial vibration of the sort associated with the balanced laryngeal
muscle action.
93
The zona de passaggio is the key to evenly registered scale.

83
unificar os registros, mantendo o timbre característico da voz falada desejável para a

interpretação dos choros.

Semelhante a LoVetri (2009), Miller classifica os registros da voz cantada como sendo

voz de peito, voz mista e voz de cabeça. Esses três registros encontram-se na extensão da voz

classificada como registro modal pela fonoaudiologia (Behlau, 2008 vol. I, p. 108). O falsete

está presente na extensão aguda das vozes masculinas e a voz feminina apresenta o registro de

flauta ou apito que não é correspondente ao falsete fisiologicamente como alguns tendem a

imaginar. “As vozes agudas femininas não apresentam um falsete, e sim um apito da laringe,

que não é produzido pela vibração das pregas vocais, mas sim pelo escape de ar entre elas”94

(Zemlin, 1981, p. 216 apud Miller, 1996, p. 132).

Para fins didáticos alguns professores de canto fazem uma equivalência entre o falsete

masculino e a voz de cabeça feminina. Em palestra com LoVetri em março de 2010 ela

justificou que faz uso desta equivalência entre falsete e voz de cabeça especialmente em

cursos breves e com alunos iniciantes para evitar discussões aprofundadas sobre aspectos

fisiológicos que, segundo ela, num primeiro momento, não irão contribuir para o

desenvolvimento técnico do cantor. Rubim concorda com LoVetri que a diferenciação entre

voz de cabeça e falsete não representa mudanças consideráveis nas condutas pedagógicas.

Segundo Rubim, o treinamento para unificação de registros entre voz de peito e cabeça nas

mulheres, e voz de peito, cabeça ou falsete nos homens é basicamente o mesmo. É necessário

distribuir a tonicidade do mecanismo de peso e leveza que perpassa todos os registros. Uma

questão fundamental é jamais forçar um registro mais acima ou abaixo do que ele deve soar,

respeitando obviamente, os gêneros e estilos em que se está cantando. E isso se aplica na

prática desde a ópera até o popular, diz Rubim (2010).

94
High female voices do not exhibit a falsetto, however, but a laryngeal whistle, which is not produced by
vibration of the vocal folds, but by the whistling escape of air from between them

84
Miller entretanto alerta: “Deve ser salientado que a oclusão das pregas vocais não é a

mesma na voz de cabeça e no falsete; a aproximação das pregas vocais é menos completa na

produção do falsete”95 (Miller, 1996, p. 122). Segundo Miller, se o cantor adquire melhora na

adução das pregas durante a prática de exercícios com o falsete, ele fatalmente passa do

registro de falsete para a voz de cabeça plena com mais facilidade.

No canto erudito o uso da voz leve (chamada falsetada por sua sonoridade semelhante

ao falsete) é aceitável como exercício de relaxamento até que se atinja a voz de cabeça plena e

também como um recurso para descansar a voz durante ensaios em que se faz uso deste

recurso apenas para marcar a passagem da peça. Já no canto popular no Brasil, além das

funções terapêuticas, a voz suave ou até mesmo o falsete real podem ser usados esteticamente

como um timbre aceitável durante toda a peça ou como um recurso interpretativo em apenas

um trecho, sem que esta escolha estética seja considerada caricata. Cantores da música

popular brasileira como Gilberto Gil e Milton Nascimento dentre outros são famosos pelo uso

de falsete em várias de suas interpretações.

1.6.1 Estudo sistematizado para unificação de registros

Os exercícios 9.4 a 9.11 (Miller, 1996, p. 127 e 128) constituem o grupo 1 proposto

por Miller para treinamento das vozes masculinas na região grave. Miller orienta, entretanto,

que eles podem ser transpostos para trabalhar a região mais aguda e central da voz. Apesar de

terem como objetivo a unificação de registros, são interessantes também pelo conteúdo

intervalar que apresentam. Com o intuito de trabalhar as passagens dos registros para que

sejam imperceptíveis, em exercícios como o 9.4 e 9.5 (ver Ex. 1.22, p. 86), Miller alterna

segundas maiores e menores no ponto mais agudo do vocalize o que facilita a emissão sem

quebra naquele trecho, mas também não deixa de ser um treinamento melódico auditivo

totalmente prático.

95
It should be pointed out that vocal-fold occlusion is not the same in head and falsetto; vocal fold

85
No exercício 9.8 a seguir, Miller parte de um intervalo de terça descendente e

ascendente e progressivamente amplia a distância entre as notas até atingir um intervalo de

oitava. Embora os exercícios do grupo 1 e grupo 2 do nono capítulo de The Structure of

Singing sejam todos destinados ao treinamento de vozes masculinas, encontrou-se nesta série

ferramentas eficientes mesmo para vozes femininas solucionarem trechos de dificuldades

encontrados nos choros. Os exercícios 9.8, 9.19 e 9.21 (ver Ex. 1.22 e 1.23), em particular,

são diretamente correspondentes aos trechos de dificuldades apresentados no Quadro 3.3 do

capítulo 3 (ver p. 128).

EXEMPLO 1.22: Exercícios 9.4, 9.5 e 9.8 traduzidos de (Miller, 1996, p. 127 e 128)

O exercícios 9.19 a 9.20 pertencem ao grupo 2 para unificação de registros masculinos

e assemelham-se aos exercícios com saltos propostos para aquisição de agilidade (ver Ex.

1.20, p. 81).

EXEMPLO 1.23: Exercícios 9.19 e 9.20 traduzidos de (Miller, 1996, p. 131)

approximation is less complete in the falsetto production.

86
Verificou-se certa semelhança entre os exercícios 10.29 a 10.33 (Miller, 1996, p. 146 e

147), propostos por Miller para unificação de registros nas vozes femininas, com um

exercício específico com a consoantes [v] sugerido por Rubim logo nas primeiras aulas

particulares ministradas em agosto de 2007. Este exercício de glissando foi praticado

regularmente em meu estudo individual nos últimos três anos e também foi um dos vocalizes

propostos aos alunos de Canto Complementar durante o estágio docente. No Exemplo 1.24, a

seguir, é apresentado o exercício 10.29 de Miller e o exercício de glissando em [v] proposto

por Rubim. Também para a unificação de registros foi utilizado o exercício /uénha,uénha/96

com a consoante ["] (ver Ex. 1.13, p. 69).

EXEMPLO 1.24: Exercício 10.29 traduzido de (Miller, 1996, p. 146) e glissando em [v] (Rubim, 2007)

Behlau (2008) divide a extensão vocal em três registros: basal, modal e elevado de

falsete, mas apenas os dois últimos têm uso mais convencional para a voz cantada, conforme

exemplificado anteriormente. O som basal, também conhecido como vocal fry, pode ser

praticado como exercício terapêutico com finalidades diversas e no canto seu uso adequado

pode condicionar a musculatura adutora e ampliar a extensão vocal para cima e para baixo.

Pinho e Pontes (2008) afirmam que na produção do som basal a “atividade do músculo TA é

predominante, principalmente seu compartimento externo, correspondendo ao que chamamos

de fry relaxado (produzido com a laringe baixa)” (Pinho; Pontes; 2008, p. 42 e 43).

96
O exercício /uénha,uénha/ foi ensinado a Rubim em 2008 pelo maestro Marcelo Castro, durante os ensaios do

87
A utilização do som basal como técnica de terapia consiste na emissão prolongada sem esforço, o que deve ser
feito após expiração de quase todo o ar dos pulmões para não criar uma elevada pressão subglótica. As
cavidades supraglóticas devem estar relaxadas, próximas ao ajuste articulatório da vogal /a/. O som basal é
mantido por um longo tempo, o que é facilmente obtido, pois o fluxo de ar necessário é mínimo.
EXEMPLO 1.25: Vocal fry proposto por (Boone & Mcfarlane, 1988 apud Behlau, 2008 vol. II, p. 463).

Raramente o registro basal é utilizado na prática da voz cantada. Entretanto, como

ferramenta para o estudo do samba-choro Sambadalu, o exercício do som basal relaxado (com

a laringe baixa) praticado em sessões de fonoterapia foi responsável por ampliar minha

extensão vocal até o Mi2, nota mais grave da peça, sem o qual não seria possível realizar uma

interpretação precisa.

A seguir, no Capítulo 2, é descrita a metodologia adotada para esta pesquisa no item

2.1 e no item 2.2 são apresentados quatro aspectos relacionados ao canto que foram

classificados como interpretativos. Em 2.2 FERRAMENTAS INTERPRETATIVAS, apenas

um aspecto não foi selecionado de Miller: o subitem 2.2.1 correspondente ao uso do

microfone e outras tecnologias para o qual foram consultados outros autores. Os três aspectos

interpretativos apresentados nos subitens seguintes de 2.2 foram selecionados de Miller

(1996): (2.2.2) controle de dinâmica vocal; (2.2.3) vibrato no canto popular; e (2.2.4) saúde

vocal.

Para o estudo de dinâmica foi tido como referência o capítulo 13 em The Structure of

Singing e claramente este é um aspecto interpretativo muito importante e acessível

principalmente aos intérpretes que já adquiriram uma técnica relativamente estável. O estudo

do vibrato é apresentado por Miller no capítulo 14. Como esta pesquisa é orientada para o

repertório popular, no qual o vibrato não é um elemento obrigatório, considerou-se prudente

classificar o vibrato como um aspecto interpretativo que pode ser utilizado ou não.

Possivelmente, se o conteúdo teórico deste trabalho fosse orientado para treinamento de

cantores líricos, em que a presença do vibrato é quase sempre uma exigência e não uma opção

musical A Noviça Rebelde.

88
estética, o estudo do vibrato estaria localizado no Capítulo 1 junto aos aspectos técnicos da

voz cantada embora possa também ser considerada uma ferramenta interpretativa.

Os comentários sobre a saúde vocal localizam-se no capítulo 17, e encerram o livro de

Miller. Não fizeram parte desta dissertação as discussões apresentadas nos capítulos 11, 12 e

16 e indica-se aqui uma lacuna para pesquisas posteriores. O capítulo 11 - Modificação das

vogais no canto - consiste em uma discussão mais aprofundada sobre o estudo da emissão das

vogais no canto lírico; o capítulo 12 - Extensão vocal e estabilização no canto - corresponde a

uma discussão aprofundada sobre o domínio integrado dos diversos aspectos vocais

apresentados previamente; no capítulo 16 - Atitudes pedagógicas - Miller trata de discussões

estéticas, escolha de timbres e sua relação com a história e o desenvolvimento do canto lírico.

Os três capítulos omitidos apresentam uma discussão que se aplica mais diretamente às

exigências do estudo do canto lírico.

Finalizando o Capítulo 2 dessa dissertação é discutida a importância do estudo de

técnica vocal para o desenvolvimento do canto expressivo, seja ele erudito ou popular. Com

base no capítulo 15 de Miller - Coordenação técnica e comunicação – buscou-se validar a

primeira hipótese desta pesquisa (para se cantar choros com expressividade é preciso um

grande domínio do instrumento vocal). No Capítulo 3 cuidamos da segunda hipótese (o

estudo sistemático do choro cantado é uma opção para aquisição de domínio técnico vocal), a

fim de validar o choro como uma ferramenta eficiente para o desenvolvimento técnico vocal

necessário ao repertório de música brasileira.

89
CAPÍTULO 2

METODOLOGIA E FERRAMENTAS INTERPRETATIVAS

2.1 METODOLOGIA

Este trabalho apresenta uma abordagem qualitativa cujo objetivo principal é analisar

os fenômenos observados durante a pesquisa. Para isso fez-se uso do método comparativo

para relacionar a fundamentação teórica sobre aspectos técnicos da voz com o estudo prático

do repertório de choros. A observação sistemática de um grupo de 20 alunos durante estágio

docente contribuiu para este estudo, otimizando o aproveitamento dos achados teóricos.

A seguir são descritos alguns procedimentos recorrentes do estágio docente e de outras

experiências investigativas que contribuíram para o desenvolvimento da metodologia adotada

para o estudo dos choros, os critérios de seleção do repertório dos 8 choros que foram citados

previamente na introdução são reapresentados e finaliza-se com a descrição dos instrumentos

utilizados para coleta dos dados observados.

2.1.1 Estágio docente e outras vivências

Durante o programa de mestrado, na medida em que fui aprofundando meu contato

com o material de Miller (1996) e ampliando minha capacidade analítica da emissão vocal,

por conta de várias horas de estágio de observação das aulas particulares de Rubim a outros

cantores, adquiri elementos para construir um banco de dados tanto para encontrar soluções

quanto para identificação de novos problemas técnico-vocais.

A bolsa Capes/REUNI, com a qual fui contemplada no segundo semestre de 2008,

trouxe a possibilidade de aplicação dos conceitos que eu vinha investigando em um grupo de

sujeitos ideal. O estágio de 216 horas como professora assistente de Rubim durante o segundo

semestre de 2008 e o primeiro semestre de 2009 foi um divisor de águas em minha

90
capacitação como docente e principalmente em meu estudo individual de intérprete. Como

professora de canto de 20 estudantes de música com perfil vocal heterogêneo tive contato,

semanalmente, com questões vocais que muitas vezes eu nem imaginava que pudessem

existir. A convivência com este material humano possibilitou que eu experimentasse

procedimentos de solução variados e que eu colhesse resultados benéficos trazidos por

exercícios técnicos com base na fisiologia.

Além da pesquisa teórica, sua aplicação prática em estágio docente e o estudo

individual do repertório de choros, outras experiências ocorridas durante o Programa de Pós-

Graduação contribuíram para o desenvolvimento metodológico deste trabalho: (1) estágio de

observação das aulas de canto ministradas pela cantora Amélia Rabello na Escola Portátil de

Música97 (EPM) durante um ano e meio, com início no primeiro semestre de 2008 a junho de

2009; (2) conferência com Jeanne LoVetri na Universidade de Dartmouth nos Estados

Unidos, na qual concluí o Módulo I do seu curso de formação Somatic Voicework98 em

janeiro de 2009; (3) visita ao New England Conservatory (NEC) em Boston, onde participei

de aulas coletivas de práticas interpretativas com outros cantores e tive aulas particulares de

canto e improvisação com Dominique Eade em janeiro de 2009; (4) gravação em estúdio do

meu primeiro CD autoral com 5 faixas, em outubro de 2008 e (5) a gravação em estúdio de

CD e DVD para registro do processo de estudo dos choros em outubro de 2009.

Todas essas atividades tiveram alguma influência durante o desenvolvimento desta

pesquisa. O modelo de aula que foi criado para a disciplina Canto Complementar, por

exemplo, sofreu forte influência do formato observado na Escola Portátil de Música (EPM).

Na EPM as aulas de canto são semanais, coletivas e consistem na apresentação individual de

97
A Escola Portátil de Música, desde a sua criação, tem como um de seus objetivos a realização de oficinas em
espaços diversos, com intuito de expandir e semear o conhecimento musical crítico, através da linguagem do
choro. www.escolaportatil.com.br
98
Trabalho de voz somático.

91
cada aluno interpretando uma peça pré-selecionada seguida por correções e orientações de

Rabello.

Observou-se na EPM que esta atividade prática de fazer os alunos cantarem em

público semanalmente, ou seja, apresentarem-se mediante avaliação de Rabello na frente de

os outros estudantes de canto, tinha a função didático-pedagógica muito interessante de gerar

pressão, semelhante a sensação de aumento de adrenalina que é vivenciada quando se está em

um teste. Ao mesmo tempo, verificou-se que ao longo de alguns meses, esta prática trazia

uma melhora progressiva visível na desenvoltura e na auto-confiança do aluno no palco.

Em acordo com o educador musical Robert Duke (2009) e com as experiências

observadas na EPM adotou-se o mesmo sistema de apresentação ao vivo de um peça por

semana em todas as aulas de Canto Complementar. Duke (2009), ao questionar os sistemas de

ensino e avaliação dos Estados Unidos, afirma que um caminho para melhorar os resultados

no ensino é repensar o sistema de avaliação para que ele ocorra de forma natural e

concomitante ao processo de aprendizagem.

O que estou sugerindo aqui é que a avaliação é uma parte de cada ensaio e de cada aula, que os
alunos têm a oportunidade de demonstrar o que sabem e são capazes de fazer de forma
independente cada vez que estiverem em uma aula. Essas oportunidades não devem ser
elaboradas, demoradas ou onerosas, mas devem ser tão frequentes a ponto de se tornarem uma
parte regular do ensino. Isto significa ouvir (muitas vezes) os alunos numa apresentação
individual durante um ensaio, fazer com que eles usem (muitas vezes) as informações e as
habilidades que eles estão desenvolvendo, aplicando-as de maneira que não foram
explicitamente ensinadas99 (Duke, 2009, p. 61).

As aulas coletivas em Canto Complementar tinham duração de três horas o que

permitiu que nossa programação incluísse outras atividades além da apresentação musical. A

programação das aulas de Canto Complementar constituía-se de três momentos: (1)

apreciação musical (10 minutos), (2) aquecimento vocal coletivo que era também um espaço

99
What I’m suggesting here is that assessment be a part of every rehearsal and every class, that students have
opportunities to demonstrate what they know and are able to do independently every time they meet with you.
These opportunities need not to be elaborate, time consuming, or burdensome, but they should be so frequent as
to become a regular part of instruction. This means hearing students playing alone in rehearsal (often), having
students use the information and skills that they’re working to master by applying them in ways that have not
been explicitly taught (often).

92
de exposição e discussão da fundamentação teórica que estava em investigação (40 minutos);

e (3) finalização com a apresentação individual dos alunos seguida de avaliação feita por

Rubim.

Conforme artigo apresentado no anexo III, no primeiro semestre de 2009, além das

aulas coletivas de Canto Complementar na UNIRIO, eu, como pesquisadora e professora

assistente da disciplina, disponibilizei 9 horas semanais para atendimento individual de 18

alunos matriculados, sendo 30 minutos por aluno, durante 14 semanas. Este atendimento

individual teve como objetivo criar um espaço em que os alunos pudessem tirar dúvidas antes

de apresentarem a peça na aula coletiva e também para que pudessem ouvir as gravações

realizadas em apresentações anteriores.

Esta atividade de ouvir com os alunos, ou simplesmente possibilitar que eles ouvissem

gravações de suas apresentações em aulas anteriores, era semelhante ao meu próprio processo

de estudo técnico vocal quando eu ouvia em casa minhas gravações de aulas particulares com

Rubim. Em verdade, com base nos procedimentos de pesquisa adotados e em minha

experiência profissional como cantora popular, buscou-se desenvolver um formato de curso

para os alunos de Canto Complementar que simulasse as atividades presentes na vida diária

de um cantor profissional. Ao mesmo tempo, esse processo permitiu uma troca muito rica na

medida em que eu pude assistir outros cantores tentando enfrentar os desafios que eu havia

selecionado como metas a serem cumpridas por mim.

Foi solicitado aos alunos que atenderam à disciplina Canto Complementar que

apresentassem pelo menos um choro durante o semestre. A partir da análise das gravações

coletadas dos alunos interpretando peças de um repertório variado, comparadas às suas

interpretações de um choro escolhido, verificou-se que, além do choro funcionar como uma

ferramenta para treinamento de aspectos técnicos vocais, como foi suposto inicialmente, ele

93
também provou ser uma ferramenta eficiente para a identificação de lacunas no

desenvolvimento técnico vocal de um cantor.

Durante estudo preliminar realizado para a produção deste plano de trabalho, as

primeiras observações sobre a prática do repertório de choro cantado possibilitaram a

formulação de duas hipóteses apresentadas na introdução desta dissertação que foram

classificadas como complementares entre si: (1) para se cantar choros é preciso um grande

domínio técnico vocal; e (2) o estudo sistemático do repertório de choros promove a aquisição

de domínio técnico vocal. A experiência em estágio docente evidenciou uma terceira hipótese

que não fora levantada em um primeiro momento.

A partir da análise das gravações dos alunos de Canto Complementar verificou-se que

uma dificuldade técnica que parecia ser mínima em uma canção menos complexa, tornava-se

muito evidente quando este mesmo aluno tentava interpretar um choro. Este fenômeno foi

observado em todos os alunos analisados e as dificuldades técnico-vocais mais recorrentes

eram relacionadas à sustentação do som, controle respiratório e unificação dos registros.

Deste modo, a terceira hipótese relacionada ao uso do repertório de choro como ferramenta no

ensino do canto é que: (3) O repertório de choro cantado funciona como um indicador de

lacunas no desenvolvimento técnico vocal do cantor.

Outro procedimento metodológico desta pesquisa que foi adotado como proposta

didática para os alunos de Canto Complementar foi a tarefa de produzir as partituras das

peças que eles pretendiam cantar, seja a partir da transcrição de uma gravação indicada, ou

realizando edição e transposição de alguma partitura pré-existente.

Como todos os alunos dessa disciplina eram exclusivamente do programa de

graduação em música, o que significa, teoricamente, que são capacitados para produzir uma

partitura musical, a entrega semanal da partitura da peça que seria apresentada em aula era

parte do sistema de avaliação integrada ao qual eles estavam submetidos. O ponto de vista

94
sobre a importância da atividade de transcrição e produção de partituras para os alunos de

canto foi reforçado após visita ao New England Conservatory (NEC), em janeiro 2009.

Como aluna visitante no NEC frequentei algumas aulas e pude observar que a

realização de transcrições era uma prática muito difundida entre todos os estudantes de Jazz,

inclusive os cantores. Uma cantora do 2o ano do mestrado em Jazz no NEC, com a qual tive

contato por alguns dias, mostrou-me o trabalho vocal que estava desenvolvendo a partir de

transcrições dos solos de Charlie Parker100. Na aula de práticas interpretativas cada cantor era

responsável por providenciar as partituras e as indicações de arranjo para os músicos que

iriam acompanhá-lo. Além disso, em aula particular com Dominique Eade, fui orientada que a

transcrição de um CD considerado relevante musicalmente, muitas vezes, é o melhor

professor que se pode ter. Diante destes fatos, justificou-se para os alunos de Canto

Complementar porque a produção da própria partitura fazia parte do processo de ensino-

aprendizagem que adotamos. Em minha prática individual, o processo de edição das partituras

dos 8 choros selecionados, devidamente descrito no Capítulo 3 a seguir, corresponde a uma

parte essencial desta pesquisa.

As experiências de participar de uma conferência101 com LoVetri e de visitar o NEC

ampliaram significativamente as referências bibliográficas desta pesquisa e as gravações em

estúdio, em dois momentos distintos da pesquisa, possibilitaram a produção de um material

em alta definição para uma auto-avaliação detalhada durante o processo.

2.1.2 Critérios para escolha do repertório

Conforme foi descrito na introdução desta pesquisa, os 8 choros escolhidos para este

estudo foram selecionados, de maneira geral, com base no caráter de andamento das peças.

No entanto, seguindo este primeiro critério do andamento foram selecionados inicialmente 16

100
Charlie Parker, saxofonista de Jazz que ao lado do trompetista Dizzy Gillespie foi o criador e a principal voz
instrumental do bebop.
101
Esta conferência mencionada refere-se ao curso de formação do modolo I do Somátic Voice Work ministrado
por LoVetri, durante três dias (18h), em Dartmouth nos Estados Unidos.

95
choros. Um fator fundamental que determinou a escolha de um choro em detrimento de outro

foi a variedade de dificuldades técnicas encontradas somada à adequação da letra com a

melodia do choro. Em acordo com Cazes (1998) o choro Um a zero foi considerado um

exemplo assertivo entre letra e melodia além da enorme quantidade de desafios técnicos

vocais presentes em suas 3 partes.

Quanto às características inerentes ao andamento das peças, observou-se que os choros

rápidos viabilizam o estudo técnico vocal de aspectos relacionados ao ataque e finalização do

som (ver item 1.1, p. 17), agilidade vocal (ver item 1.5, p. 71), articulação e emissão

equilibrada das vogais (ver item 1.4, p. 51); enquanto os choros de andamento mais lento

viabilizam, principalmente, o estudo técnico de aspectos como apoio e controle respiratório

(ver item 1.2, p. 25), extensão, estabilização da voz e unificação dos registros (ver itens 1.4 e

1.6, p. 51 e 82), sustentação do som (ver item 1.5, p. 71) e controle de dinâmica (ver item

2.2.2, p. 100). O oitavo choro selecionado, Sambadalu, tem um caráter híbrido apresentando

trechos de agilidade e com notas longas de forma que foram reunidos em uma única peça

todos os aspectos estudados nos choros anteriores.

Com base nos quadros apresentados no Capítulo 3 a seguir, nos quais são descritos

trechos de dificuldades semelhantes para a maioria dos choros estudados, acredita-se que

todos os aspectos vocais descritos no Capítulo 1 desta pesquisa devam ser observados e

cuidados na performance vocal de qualquer peça musical. Entretanto, foram encontradas

passagens específicas em cada um deles que facilitam ou exigem mais o estudo de uns

aspectos vocais do que outros.

O relato de experiência sobre meu estudo individual, detalhado no Capítulo 3, consiste

em (1) descrição dos procedimentos de edição das partituras e breve levantamento histórico

das peças; (2) apresentação de quadros com a identificação dos trechos de dificuldades

semelhantes encontradas nos choros; e (3) descrição dos procedimentos didáticos aplicados a

96
três choros de caráter variado, sendo eles: Apanhei-te cavaquinho a exemplo dos choros de

agilidade, Choro pro Zé a exemplo dos choros de andamento lento, e Sambadalu

exemplificando choros de caráter instrumental e híbrido.

2.1.3 Instrumentos de coleta de dados

As aulas particulares com Rubim que tiveram início em agosto de 2007 até dezembro

de 2008 foram registradas em vídeo com a câmera filmadora digital (Digital Video Camera

Recorder - DCR-HC26E - SONY). De fevereiro a outubro de 2009 as aulas particulares com

Rubim passaram a ser registradas apenas em áudio por conta da aquisição de um equipamento

de gravação digital de alta fidelidade e clareza (Brilliant Stereo Recording Zoom - H2 -

Handy Recorder). As sessões de fonoterapia no primeiro semestre de 2009 foram gravadas em

vídeo, com a mesma filmadora citada, para registrar os movimentos dos exercícios faciais

realizados em frente ao espelho.

O estágio docente realizado no segundo semestre de 2008 teve registro apenas em

vídeo das apresentações finais dos alunos. Já no estágio docente do primeiro semestre de 2009

todas as aulas coletivas e individuais foram gravadas na íntegra em áudio com equipamento

digital de alta fidelidade e clareza (Brilliant Stereo Recording Zoom - H2 - Handy Recorder)

e, a partir da 8ª semana de estágio docente, como parte complementar do estudo técnico vocal,

as aulas passaram a contar com a utilização de microfones durante as apresentações dos

alunos. Com o propósito de melhor investigar esta experiência do uso dos microfones em sala

de aula, além das gravações em áudio, foram realizadas gravações em vídeo com a câmera

(Digital Video Camera Recorder - DCR-HC26E - SONY) para análise posterior.

O primeiro aspecto interpretativo apresentado no item a seguir surgiu desta prática em

estágio docente somada à minha experiência individual como cantora popular. Saber como

fazer uso do microfone é indispensável quando se pretende atuar com intérprete do repertório

popular. Algumas rodas tradicionais de samba e choro muitas vezes exigem que os cantores

97
se apresentem sem amplificação apropriada, mas segundo relatos dos participantes desse

ambiente102 isso se dá, majoritariamente, devido à ausência dos equipamentos técnicos

apropriados e não por uma escolha estética.

2.2 FERRAMENTAS INTERPRETATIVAS

Apesar da revisão bibliográfica não ter sido focada nos aspectos interpretativos,

considerou-se relevante discorrer sobre algumas questões que surgiram durante minha prática

pessoal e durante o estágio docente realizado com a turma de Canto Complementar nesta

instituição. Foi constatada a importância da discussão de aspectos práticos como: (1) o uso do

microfone e de outras tecnologias no aprendizado do canto; e alguns apontamentos de Miller

que incluem: (2) o controle de dinâmica; (3) o uso do vibrato; (4) a importância do repouso

vocal; e (5) a discussão entre o treinamento técnico vocal e a preservação da expressividade

pois acredita-se que esta discussão seja um elemento essencial em uma pesquisa sobre

performance.

2.2.1 O uso do microfone e outras tecnologias


Além da amplificação do som vocal, o microfone é um equipamento que, através de

uma mesa de equalização, permite a alteração das frequências grave, média e aguda da voz.

Outro recurso comumente acoplado à mesa equalizadora é o reverb103, cuja propriedade é

criar ambientações diferentes da sala real onde o som é produzido. O uso indiscriminado

desses recursos pode resultar em distorções do som vocal, assim como um equipamento de

amplificação de má qualidade, potencialmente, fará o mesmo. Entretanto, de forma alguma, a

equalização adequada de um microfone substitui o treinamento vocal, ou seja, o microfone

102
Durante os anos que freqüentei a Escola Portátil de Choro como aluna e pesquisadora colhi os devidos
depoimentos.
103
A reverberação, ou reverb, é formada quando um som é produzido em um espaço fechado causando um
grande número de ecos sobrepostos seguidos de lenta decadência na medida em que o som é absorvido pelas
paredes e pelo ar. (http://en.wikipedia.org/wiki/Reverb)

98
amplifica as características boas e ruins da produção vocal e portanto não se deve pensar nele

como um equipamento capaz de compensar aspectos vocais não desenvolvidos.

Os microfones normalmente utilizados por cantores solistas em performances ao vivo

são os cardióides. “Com o microfone cardióide, o padrão de entrada (determinado pelo

diafragma) tem o formato de um ‘coração’, onde o som é captado principalmente pela frente

do microfone, um pouco pelos lados, e praticamente nada por trás”104 (Waterman, 2008, p.

93). O microfone cardióide de uso mais comum entre cantores populares é o Shure SM58, o

mesmo utilizado na prática docente na UNIRIO.

A posição mais adequada do microfone durante a performance do canto não deve ser

apontada diretamente para a boca formando um ângulo de 90o porque essa posição “aumenta a

incidência de “pufs”, a sibilância em excesso e o som da sua respiração”105 (Waterman, 2008,

p. 94). O ideal é que o microfone seja apontado de baixo para cima em direção ao lábio

inferior e o queixo, formando um ângulo de 10o a 15o com um plano horizontal imaginário na

altura da abertura bucal.

A escolha da distância adequada entre a boca e o microfone varia de pessoa para

pessoa de acordo com o resultado sonoro que cada uma delas busca. Pessoas que cantam

muito próximo ao microfone geralmente escondem suas expressões faciais por encobrirem a

boca; por outro lado, pessoas que cantam muito distante, dificultam a captação do som. De

maneira geral “se você posiciona sua boca a poucos centímetros de distância do microfone, o

engenheiro de som tem total controle, as pessoas podem ver o seu rosto e você pode se

concentrar apenas no trabalho de fazer um bom show”106 (Waterman, 2008, p. 95). Além de

encontrar a distância ideal, é importante que o intérprete desenvolva a habilidade de manter

104
With the cardioid microphone, the pick-up pattern (determined by the diaphragm) is shaped something like a
‘heart’ that is, sound is picked mainly from the front of the microphone, a little from the sides, and virtually
nothing from behind.
105
Increases popping sounds, excessive sibilance, and the sound of your breath.
106
If you have your mouth a few centimeters away from the microphone, the engineer has full control, people
can see your face and you can concentrate only on the job of doing a good gig

99
essa distância estável do começo ao fim da peça, especialmente se estiver segurando o

microfone nas mãos.

Outro ponto importante sobre o uso do microfone é que o retorno de som seja eficiente

de forma que o cantor possa sempre se ouvir bem. Uma dica primária e essencial em relação

aos monitores de retorno é nunca apontar o microfone diretamente para eles para evitar

microfonias.

Pesquisas mais avançadas sobre os usos dos microfones, suas possibilidades e seu

funcionamento, podem ser realizadas a partir de BARTLETT (1991); HUBER (1988); e

CLIFFORD (1979) entre outros.

O microfone não é, diretamente, uma ferramenta didático-pedagógica no ensino do

canto, mas sim, um recurso para realizar performances ao vivo com o volume de som

amplificado. Ao longo da prática docente verificou-se que o treinamento com microfones nas

aulas melhorou a performance final dos alunos na medida em que eles ficaram mais

familiarizados com o uso do equipamento. Por outro lado, tanto o gravador de áudio de alta

definição quanto a vídeo-filmadora provaram ser equipamentos mais eficientes do que

simples registradores do fazer musical. As gravações e filmagens do processo de

aprendizagem tanto dos alunos durante estágio docente quanto do meu estudo individual

provaram ser ferramentas pedagógicas de alta eficácia no estudo do canto.

De agosto de 2007 a outubro de 2009 todas as aulas de canto com Rubim foram

registradas em áudio ou vídeo. A partir dessas gravações tive a possibilidade de rever e

analisar vários estágios do meu processo de aprendizagem conforme será exemplificado no

capítulo 3.

2.2.2 Controle de dinâmica vocal

Para Miller (1996) o controle da quantidade de som é fundamental para o canto

expressivo e interessante. A maioria dos compositores eruditos, geralmente, já pensa em todo

100
desenho de dinâmica quando está compondo para voz e segundo ele, “os níveis de dinâmica e

o colorido da voz são inseparáveis”107 (Miller, 1996, p. 171).

No texto de Miller percebe-se que a principal discussão em torno deste tema está

relacionada às condutas de ensino do canto. Em casos em que o cantor é treinado para

reproduzir ataques soprosos e até mesmo emissões soprosas, é mais difícil que ele tenha

domínio técnico para cantar um fortíssimo e até mesmo um forte. Cantores treinados para

cantar com excesso de volume o tempo todo também podem encontrar dificuldade na

atividade contrária de cantar um pianíssimo.

No canto popular a presença de indicações de dinâmica adequada é também

responsável pelo sucesso da interpretação. Entretanto, raramente intérpretes do repertório

popular encontram sugestões de dinâmica numa partitura para canto e na verdade, a maioria

dos cantores populares no Brasil nem mesmo se utilizam de partituras para estudar uma peça.

Neste caso é ainda mais natural compreender que a dinâmica no canto popular seja uma

ferramenta altamente intuitiva. É comum que o movimento de dinâmica nas canções

populares sigam a dramaticidade das letras das canções e no choro essa tendência se repete.

Apesar da falta de tradição em executar uma dinâmica escrita no canto popular

brasileiro, os exercícios sugeridos por Miller para treinamento de desenhos de dinâmica se

mostraram eficientes no estudo do repertório dos choros especialmente no estudo de

Sambadalú conforme será exemplificado no Capítulo 3.

2.2.3 Vibrato no canto popular

O vibrato é um recurso estético muito comum a vários estilos de canto, especialmente

no canto erudito. Ele “consiste na modulação repetida de frequência e/ou intensidade [...]

possivelmente, representa a amplificação natural e rítmica de uma oscilação fisiológica, um

contrabalanço muscular entre os músculos tireoaritenóideo e o cricoaritenóideo” (Behlau,

107
Vocal coloration and dynamic level are inseparable.

101
2008 vol. II, p. 309). O vibrato tem em média 5 a 7 ondulações por segundo variando de

aproximadamente meio tom. Sundberg (1995) afirma que “um vibrato com menos de 5

ondulações por segundo parece muito lento” (apud Behlau, 2008 vol. II, p. 310). Miller

(1996) defende uma taxa de vibrato ideal para o canto de qualidade em torno de 6,5

ondulações por segundo (Miller, 1996, p.188).

A presença do vibrato no canto popular não é uma regra e a voz branca, sem vibrato,

não é tão preterida na estética popular como acontece no canto erudito. Em Miller, foram

encontradas várias orientações para a correção do surgimento da indesejável voz sem vibrato,

e seu material se mostra uma fonte de pesquisa muito interessante para pesquisadores que

pretendam se aprofundar em estudos sobre este tema. Nesta pesquisa, como a ausência de

vibrato não é necessariamente uma falha, apresenta-se aqui o que acontece fisiologicamente

na voz sem vibrato e alguns benefícios desse recurso interpretativo.

A ausência de vibrato na voz cantada pode ocorrer tanto por falta de apoio quanto em

decorrência de um apoio muito rígido.

Quando a tensão muscular trava um ajuste laríngeo específico num determinado lugar, o som
tenderá a soar liso, como ocorre ocasionalmente se o “apoio” estiver muito rígido; a ausência
de vibrato pode também ocorrer como resultado de pouco contato entre as pregas vocais e o
fluxo aéreo108 (Miller, 1996, p. 188).

Para Miller a beleza de uma interpretação é completamente ligada a presença de

vibrato durante a execução e além disso ele afirma que o cantor que não tem consciência e

domínio deste recurso, não conhece a própria voz.

Não estar consciente da presença ou ausência do vibrato no som é estar inconsciente da


natureza de sua qualidade vocal. Não faz sentido pedir a um cantor que evita o vibrato para
“fazer um som um pouco mais rico,” para “acrescentar calor,” para “colocar mais harmônicos

108
When muscular tension locks one particular laryngeal adjustment into place, the tone will tend to go
somewhere straight, as occasionally happens if the “support” is too rigid; absence of vibrato may also result from
too little contact between the approximating vocal folds and the airflow.

102
agudos” (uma expressão infeliz), quando o que nós realmente queremos dizer é que está
faltando vibrato109 (Miller, 1996, p. 188 e 189).

Por outro lado, “a emissão da voz falada, coloquial ou profissional não apresenta

vibrato” (Behlau, 2008 vol. II, p. 309) e este fato talvez justifique a ausência de vibrato em

muitas interpretações do repertório de música popular brasileira que buscam uma

proximidade com as características da voz de fala. Porém, segundo Miller, “Uma fala

emocionada ou intensa em geral apresenta vibrato. Por exemplo, um pregador

fundamentalista em um sermão ou oração passional pode vir a usar um padrão de fala

vibrante muito semelhante ao canto”110 (Miller, 1996, p. 190).

Com relação ao repertório de choros, evidentemente, o vibrato pode ser um recurso

interpretativo bastante relevante, especialmente nos choros de andamentos lentos como Rosa

e Ingênuo. Segundo Miller a presença do vibrato saudável é sinal de uma emissão vocal livre

e portanto, supõe-se que a ausência do vibrato, por uma incapacidade de realizá-lo, seja fruto

de algum foco de tensão. Por essa razão, considera-se relevante o desenvolvimento da

habilidade do vibrato a todo cantor que escolheu dedicar-se ao treinamento vocal sério,

mesmo que sua intenção final seja interpretar canções com timbre específico de voz de fala

sem vibrato.

O valor do vibrato como parte do treinamento técnico vocal ultrapassa seu potencial

interpretativo, principalmente, porque a produção de um vibrato saudável é conseqüência de

uma técnica vocal estável. “Mais que qualquer outro aspecto audível do timbre vocal, a taxa

de vibrato é um indicador tanto de uma produção vocal livre quanto ineficiente. Um vibrato

apropriado é sinal de uma voz cantada saudável e bem produzida”111 (Miller, 1996, p.187).

109
To be unaware of the presence or absence of vibrancy in the tone is to be unaware of the nature of one’s vocal
quality. There is a little point in asking the singer devoid of vibrancy to “make the tone a little richer,” to “add
warmth,” to “put in more overtones” (a particularly unfortunate expression), when what we actually mean is that
vibrato is lacking.
110
Emotional or intense speech frequently contains recognizable vibrato. For example, the fundamentalist
preacher, in an impassioned prayer or sermon, may fall into an almost chant-like pattern or vibrated speech.
111
More than any other audible aspect of vocal timbre, vibrato rate is an indicator of either free or inefficient
vocal production. A proper vibrato is a sign of a healthy well-produced singing voice.

103
Além disso uma vez que o cantor adquire a habilidade de realização do vibrato e

consequentemente maior domínio do seu instrumento vocal, ele sempre terá a opção de

utilizá-lo ou não em uma interpretação, podendo assim atender tanto às exigências de padrões

estéticos do mercado quanto à sua escolha pessoal.

Exercícios para aquisição de vibrato

O termo vibrato é utilizado para denominar vários tipos de flutuação do som vocal

sustentado. Miller adota quatro terminologias em acordo com a histórica Escola Italiana sendo

elas: vibrato, oscillazione, tremolo e trillo. A oscillazione ou oscilação corresponde a um

vibrato lento com taxa abaixo de 5 ondulações por segundo e isso ocorre por baixo tônus nas

pregas vocais que pode aparecer em qualquer idade, mas é mais comum em idosos. O tremolo

é um vibrato muito rápido, com taxa entre 8 e 10 ondulações por segundo, que ocorre por

excesso de pressão subglótica e é indicativo de uma hiperfunção. “As características da voz

trêmula são uma visível tensão na área da garganta, posição alta da laringe, tensões na língua

e mandíbula e uma oscilação rápida da língua e da mandíbula”112 (Miller, 1996, p. 193).

O trillo ou trinado é um tipo de vibrato exagerado, raramente desenvolvido em todas

as classificações vocais e utilizado apenas em repertórios específicos do canto erudito, mas de

qualquer forma é válido dizer que diferente do tremolo ele é feito com liberdade laríngea.

Finalmente, o chamado vibrato saudável, é o vibrato que tem a taxa de flutuação entre 6 e 7

ondulações por segundo e além disso permite liberdade laríngea e uma emissão vocal livre.

Para cantores que não conseguem realizar o vibrato saudável Miller recomenda os

exercícios de agilidade (ver Ex. 1.20, p. 81) propostos no capítulo 3 de seu livro como

facilitadores na diminuição desta lacuna e além desses ele sugere o exercício 14.2

exemplificado abaixo.

112
Characteristics of the tremulous voice are visible tension in the throat area, high laryngeal position, tongue
and jaw tensions, and a rapid shaking of tongue and jaw.

104
EXEMPLO 2.1: Exercício 14.2 traduzido de (Miller, 1996, p. 191)

2.2.4 Canto saudável

A bibliografia em português de Behlau (2008) e Pinho (2007) relacionada a vários

aspectos da saúde vocal atende muito bem a curiosidades e dúvidas do cantor. Nesse sentido,

este item nesta pesquisa apenas acrescenta algumas sugestões de Miller relacionadas ao

condicionamento e condutas do cantor em período de performance.

É sabido por inúmeras publicações (Behlau, 2008; Pinho, 2007; Miller 1996; etc.) o

alto risco para o aparelho fonador decorrente do consumo de cigarros e bebida especialmente

para o cantor. Outro fator menos grave mas que também representa risco à saúde vocal é,

principalmente, o abuso por competição sonora. Conversar em ambientes onde existem outros

falantes gerando um burburinho ou competir com sons de amplificados em boates e shows,

que aparentemente é uma atitude pouco nociva, ou até mesmo conversar

descompromissadamente durante trajetos em veículos motorizados, em que o motor do

transporte gera ruído constante, pode ter como conseqüência o desgaste vocal pela tentativa

de se fazer ouvido.

Além disso Miller alerta para a importância de longos momentos de silêncio

especialmente no dia de uma apresentação. Alguns cantores eruditos exageram nas medidas

preventivas de preservação vocal ficando até dois dias sem falar antes de cantar, mas mesmo

para os cantores menos preocupados com o desgaste vocal considerou-se interessante as

sugestões de Miller para evitar competições sonoras e longas conversas ao vivo ou ao telefone

no dia de uma performance.

105
2.2.5 Técnica x arte

A finalidade de todo estudo técnico vocal é estabelecer a comunicação. “Comunicação

no canto depende muito dos aspectos técnicos que às vezes parecem distantes da arte. Por

exemplo, o colorido vocal e a variação dinâmica podem ser integrados a um conjunto

expressivo somente se a facilidade técnica permitir”113 (Miller, 1996, p. 201).

Cantar uma peça do repertório de choro, certamente, não depende exclusivamente dos

aspectos emocionais do intérprete. Um cantor simplesmente não consegue imaginar a beleza

melódica de Choro pro Zé ou de Sambadalú e seguir interpretando com sentimentos

profundos e emocionados se ele não tiver um condicionamento técnico mínimo para realizar

os saltos, os contornos melódicos e os trechos de sustentação de determinadas frases.

Quanto mais eficiente a habilidade técnica, maior será o potencial de expressão artística.
Desenvoltura no canto não é o produto de pura emoção. A habilidade resulta da programação
física, acústica e de respostas emocionais controladas em uma formatação. Técnica e
comunicação constituem a psicologia da performance artística. Elas estão fundidas em uma
mesma ação. [...] O desenvolvimento sequencial do canto artístico é paralelo à patinação
artística, à dança, e à arte de jogar tênis. O patinador profissional, o bailarino e o campeão de
tênis não alcançam seus objetivos, primeiro assumindo a postura emocional de um artista, mas
por aprenderem as ferramentas necessárias que irão libertá-los para a atividade artística114
(Miller, 2000, p. 160).

Tradicionalmente o desenvolvimento técnico dos cantores populares brasileiros se deu

muito mais intuitivamente do que através de um estudo formal. Apenas recentemente, da

década de 1980 pra cá, tem-se notícia de alguns intérpretes conhecidos que buscaram ajuda

profissional para auxiliá-los no treinamento vocal como por exemplo Luciana Souza, Na

Ozzetti, Ney Matogrosso entre outros. Este fato evidencia que não existe apenas o modo

formal para o desenvolvimento de habilidades técnicas do cantor, ou seja, não é necessário

113
Communication in singing is dependent on those very aspects of technique that at times seem most remote
from artistry. For example, vocal coloration and dynamic variation can become integrated into an expressive
whole only if technical facility permits.
114
The more efficient the technical skill, the greater the potential for artistic expression. Skill in singing is not
the product of raw emotion. Skill results from the programming of physical, acoustic, and controlled emotional
responses into one gestalt. Technique and communication comprise the psychology of artistic performance. They
are fused into one action. […] The sequential development of artistic singing parallels that of artistic figure-
skating, artistic dancing, and artistic tennis playing. The professional skater, the ballet dancer and the tennis

106
fazer aulas de canto, faculdade, mestrado, doutorado nem ler dezenas de livros para se obter

respostas satisfatórias com a própria voz. De qualquer forma, quando um intérprete consegue

expressar emoção e convencer o público com a beleza de sua interpretação, isso significa que

ele conseguiu, de alguma forma, unir criatividade e coordenação motora de maneira eficiente

tendo ele consciência deste ato ou não.

A compreensão do sentido do texto da canção é outro aspecto relevante para as

escolhas interpretativas. A presença da poesia nas canções pode ser considerada até mesmo

uma vantagem com relação às peças exclusivamente instrumentais, na medida em que cada

palavra permite maior criatividade expressiva através das imagens e sentimentos específicos

que são gerados no intérprete. Entretanto, deve-se tomar cuidado com os exageros dramáticos

ou emocionais na performance como descreve Miller:

Problemas podem surgir para um cantora se ela, na esperança de alcançar uma comunicação
crível do drama ao qual é convidada a realizar pelo diretor de palco ou preparador vocal,
submergir-se completamente na emoção do texto. Como resultado, vamos encontrá-la aos
prantos ao invés de encontrá-la cantando115 (Miller, 2000, p. 160).

Durante a preparação para a prova de ingresso neste programa de mestrado, ainda no

ano de 2007 em aula com Rubim, tive a experiência de cair aos prantos no meio de uma peça

que interpretava. Foi um momento muito rico do meu aprendizado quando Rubim contou

sobre os conselhos de Grace Bumbry em um Masterclass dado na Universidade de Michigan

em 2003. Bumbry afirmou que um intérprete não pode imprimir toda a verdade de seus

sentimentos em uma interpretação. Assim como o ator não comete um assassinato em cena

quando interpreta um crime passional em uma peça de teatro, o cantor também não poderá

sofrer de verdade, uma vez que a voz refletirá verdadeiramente aquela emoção. O resultado

será o impedimento total da produção vocal. Um estudo detalhado sobre esse assunto pode ser

champion do not reach their goals by first assuming the emotional stance of an artist, but by learning the tools of
the trade that free them for artistic activity
115
Problems may develop for a singer in the hope of achieving believable communication of the drama she is
urged by the stage director or coach to submerge herself completely in the emotion of the text. As a result, we
find her weeping through, rather than singing.

107
encontrado no trabalho de Guse (2009) na dissertação O cantor-ator: um estudo sobre a

atuação cênica do cantor na ópera. Guse discute as principais tendências interpretativas e seu

impacto sobre o cantor lírico na ópera, o que também se aplica ao teatro musical e em

essência pode contribuir para intérpretes do canto popular.

A memória das emoções vivenciadas ao longo da vida podem ser utilizadas como

referências para o desenvolvimento de artifícios convincentes para o público ao mesmo tempo

em que preservam a estabilidade emocional do intérprete. Neste sentido um recurso

importante na busca por veracidade é a habilidade de coordenar as expressões faciais com o

sentido do texto cantado. “O rosto é o principal transmissor da emoção em parceria com as

idéias musicais e textuais. Um rosto inanimado no canto desmente todas as escolhas de timbre

vocal e nuances que o texto possa comunicar”116 (Miller, 1996, p. 202).

Outros pontos que requerem atenção no estabelecimento de uma interpretação crível

são a liberdade sobre o tempo e o domínio do legato. Miller também acrescenta que o corpo

deve estar livre da sincronização rítmica quer com o impulso da pulsação ou movimento da

frase, quer com o movimento físico de obras dramáticas. A necessidade de se movimentar

constantemente não é uma indicação de liberdade, mas sim uma escravidão ao impulso

rítmico.

Em minhas primeiras performances dos choros a marcação rítmica tanto do fraseado

musical quanto através de movimentos corporais ocorriam exageradamente. O processo de

auto-observação através de gravações de áudio e filmagens das performances, como será

exemplificado na apresentação do estudo detalhado de Choro pro Zé no Capítulo 3, trouxe

bons resultados no que concerne à conscientização desse exagero. Posteriormente o

desenvolvimento técnico ao longo dos dois anos de pesquisa e treinamento prático somado ao

116
It is the face that is the chief transmitter of emotion, in partnership with musical and textual ideas. An
unanimated face in singing belies all that vocal timbre and textual nuance may be communicating

108
trabalho de conscientização corporal foram os responsáveis por mudanças mais substanciais

nas minhas interpretações.

Segundo Miller “sem dúvida, o dispositivo mais expressivo, o procedimento

tecnicamente mais eficiente, [e a habilidade mais desejável] no canto é o legato”117 (Miller,

1996, p. 204). Porém, antes de conquistar certa desenvoltura técnica em aspectos vocais

essenciais é muito complicado para um intérprete realizar a manutenção do fluxo contínuo do

legato em um fraseado musical. Para atingir esse objetivo é necessário, primeiramente,

desenvolver competências tais como: (1) o controle de volume da fonte sonora, através do

treinamento respiratório (ver itens 1.1 e 1.2, p. 17 e 25); (2) o controle de ressonâncias para a

emissão de um timbre uniforme e equilibrado (ver itens 1.3 e 1.6, p. 38 e 82); e (3)

habilidades de agilidade, sustentação combinadas a facilidade articulatória, através do estudo

das vogais e consoantes (ver item 1.4 e 1.5, p. 51 e 71). E assim, em acordo com Miller,

acredita-se que o desenvolvimento técnico do cantor seja a chave para o canto com arte, pois

somente uma técnica sólida promoverá a liberdade que o cantor precisa para fazer tal arte.

117
Without doubt, the most expressive device, the most technically efficient procedure, in singing [and the most
commonly wanting ability] is the legato

109
CAPÍTULO 3

ESTUDO PRÁTICO DO CHORO CANTADO

Como intérprete, a escolha pelo repertório de choro se deu inicialmente por um

encantamento pessoal com as melodias das peças deste repertório. As dificuldades técnicas

nas primeiras tentativas de vocalizar Tico-tico no fubá e outras dificuldades que surgiram na

execução dos demais choros, foram responsáveis por grande parte das indagações que

resultaram nesse trabalho. A seguir o leitor encontrará uma descrição detalhada do processo

de estudo que foi desenvolvido para dirimir as questões que se apresentaram durante essa

pesquisa, desde o critério de escolha do repertório até os achados finais.

Conforme descrito na introdução e na metodologia o critério central para a escolha dos

choros estudados nesta pesquisa foi o andamento das peças. As condutas de estudo dos

aspectos vocais confrontados no item 1.5 (ver p. 71) desta pesquisa: “Agilidade ou

sustentação?” são análogas às características que diferem os choros de andamento rápido dos

choros de andamento lento. Em acordo com Miller (1996), que demonstra que o estudo de

exercícios de agilidade promovem melhora em trechos de sustentação, verificou-se em na

prática que o desenvolvimento técnico adquirido na execução dos choros de agilidade trouxe

melhoras significativas para execução estável das melodias dos choros de andamento lento.

Com base nessa complementaridade potencial entre os aspectos de agilidade e

sustentação foram selecionados 3 choros de andamento rápido: Tico-tico no fubá, Apanhei-te

Cavaquinho e Um a Zero; 4 choros de andamento lento: Ingênuo, Rosa (valsa), Costura de

Choro e Choro pro Zé; e o oitavo choro, Samdadalu, que apresenta trechos de agilidade e

sustentação ao longo da peça. Sambadalu foi selecionado também como exemplo de um

choro de caráter completamente instrumental na medida em que não possui letra.

110
Após a seleção dos 8 choros, a etapa seguinte foi encontrar a partitura mais adequada

para o estudo vocal de cada um deles. Em Choro pro Zé, Costura de choro, Sambadalú e até

mesmo em Rosa não houve grandes dificuldades. À exceção de Rosa, as partituras utilizadas

para o estudo dos outros três choros mencionados foram transpostas ou copiadas de edições

autorizadas pelos próprios compositores. A partitura de Rosa foi retirada de uma edição do

livro O Melhor de Pixinguinha118 (Carrasqueira, 1997, p. 116 e 117) e como não foi

identificado nenhum desencontro entre letra e melodia, nem diferenças entre a melodia

apresentada na edição impressa e a que foi gravada originalmente por Orlando Silva em 1937,

foi realizada apenas a transposição desta edição de Carrasqueira (1997) para dar início aos

estudos.

As partituras dos outros quatro choros selecionados: Tico-tico no Fubá, Apanhei-te

Cavaquinho, Um a Zero e Ingênuo foram editadas a partir de critérios específicos que serão

descritos a seguir neste capítulo. No item sobre o processo de edição das partituras encontra-

se um breve histórico sobre cada choro e citação de algumas gravações vocais e instrumentais

mais relevantes de cada um deles.

Resolvida a questão das edições, foram realizadas duas análises de cada choro.

Primeiramente, procedeu-se a uma avaliação mais prática, em que foram identificados:

extensão da peça, tonalidade e andamento. Num segundo momento, ao vocalizar cada uma

das melodias dos choros em estudo, foram destacados e marcados os compassos que

apresentavam os trechos de maior dificuldade. Os resultados das duas análises são

apresentados nos Quadros 3.1 a 3.6 no item 3.2 sobre a análise interpretativa dos choros mais

adiante neste capítulo.

As soluções técnicas para cada um dos choros foram surgindo de diferentes maneiras

na medida em que este estudo foi sendo realizado ao longo de quase três anos. O estudo dos

118
Álbum com 72 obras de Pixinguinha.

111
primeiros choros (Tico-tico no Fubá, Rosa e Choro pro Zé) teve início ainda em 2007, antes

do meu ingresso no programa de mestrado da UNIRIO e neste período, a principal fonte de

soluções eram as aulas particulares com Rubim e as experimentações que eu fazia a partir da

sua orientação.

São incluídos no final do capítulo excertos mais relevantes do meu processo de estudo

em 3 dos 8 choros analisados: Apanhei-te Cavaquinho a exemplo dos choros de agilidade;

Choro pro Zé, exemplificando os choros lentos; e Sambadalú como exemplo de choro sem

letra e de andamento híbrido, apresentando tanto trechos de agilidade quanto trechos de

sustentação. Em Choro pro Zé, especialmente porque o estudo teve início em 2007, existem

exemplos em áudio do período anterior ao meu ingresso no programa de mestrado e durante o

desenvolvimento da pesquisa. No anexo II são apresentadas gravações em estúdio de

Apanhei-te cavaquinho, Choro pro Zé e Sambadalú, realizadas em outubro de 2009.

3.1 PROCEDIMENTOS PARA EDIÇÃO DAS PARTITURAS

Para as partituras que não foram escritas originalmente para voz foram feitas edições

ou adaptações a partir do material impresso coletado em acervos públicos e de gravações de

áudio historicamente relevantes.

Os choros Rosa e Costura de Choro não passaram por processos de edição relevantes

além da simples transposição para a tonalidade adequada à minha extensão vocal. No entanto,

por uma questão de organização, neste item é oferecido um breve histórico que foi levantado

para interpretação destes dois choros. O histórico de Sambadalu e Choro pro Zé será

apresentado no item 3.3 ESTUDO DETALHADO DE TRÊS CHOROS.

3.1.1 Tico-tico no fubá

Muito conhecido em todo Brasil e no exterior, Tico-tico no fubá foi composto por

Zequinha de Abreu em 1917, inicialmente somente como peça instrumental e, em 1931,

ganhou letra de Eurico Barreiros. Amigo de Zequinha de Abreu, o dentista Eurico pediu

112
autorização para colocar versos em Tico-tico no fubá para que sua filha Ely, uma criança na

época, pudesse cantá-lo. Embora nem todas as edições publicadas pelos Irmãos Vitale

tivessem essa letra, ela foi aprendida por uma jovem do Rio Grande do Norte que viria a ser

considerada a “Rainha do Chorinho”. Esta jovem cantora era Ademilde Fonseca que, em

1942, em seu disco de estréia, fez uma das primeiras gravações cantadas de Tico-tico no fubá.

Nesta mesma época nos Estados Unidos, Aloísio de Oliveira compunha uma outra letra que

seria gravada por Carmen Miranda e que entre os anos de 1943 e 1946 entrou em nada menos

que seis filmes em Hollywood.

Para o estudo deste choro foi escolhida a letra de Aloísio de Oliveira, levando-se em

conta alguns aspectos técnicos, como por exemplo, o fato desta letra ser mais percussiva na

combinação das sílabas, o que é mais interessante para o canto de agilidade. Além disso, a

temática desenvolvida por Oliveira é mais cômica, fato que a torna mais adequada ao caráter

do “choro-sapeca”, assim denominado por Zequinha.

A tonalidade original de Tico-tico no fubá é Lá menor. A parte A foi escrita em Lá

menor, a parte B em Lá maior e parte C em Dó maior. Embora sua forma original seja

AABBACCA119, nenhuma das versões cantadas segue este formato. Cada uma das duas

gravações selecionadas para análise apresentam uma forma diferente de arranjar a canção, o

que é perfeitamente aceitável no ambiente de música popular, em que esse tipo de intervenção

acontece o tempo todo, seja por uma opção do intérprete ou por uma decisão do arranjador.

Procedeu-se, a seguir, uma análise de uma versão de Ademilde Fonseca e uma versão de

Carmen Miranda antes de formalizar a versão resultante que foi adotada como base para esse

estudo.

A versão analisada de Ademilde Fonseca é a de 1975, porque a qualidade do som

desta está bem melhor que da primeira gravação de 1942. Deste modo foi possível reconhecer

119
Vide partitura editada por Irmãos Vitale – Copyright 1941.

113
mais claramente as qualidades de Ademilde como intérprete deste gênero. Além disso, nesta

gravação o andamento é ainda mais acelerado que o original (aproximadamente != 128) .

Ademilde Fonseca gravou Tico-tico no fubá em Sol menor e o início de sua versão tem

introdução instrumental feita a partir da segunda metade da parte “B” em Sib maior. Ela

executa duas vezes a parte A seguida pela parte C apenas uma vez. Em seguida ocorre no

arranjo uma inserção cantada das partes A e B de um outro choro chamado Dinorah

(Benedito Lacerda e José Ferreira Ramos /e letra de Darci de Oliveira). Depois desta

“inserção” de outro tema, Ademilde reapresenta a parte A de Tico-tico no fubá para

finalização com breve fraseado instrumental. Após a análise desta gravação foi observado o

seguinte esquema: " B (intro); AAC (tico-tico); AB (Dinorah); A (tico-tico); finalização

instrumental.

A versão de Carmen Miranda, ao que tudo indica120, foi gravada nos Estados Unidos

em 27 de janeiro de 1945. Pode ser encontrada, entre outros relançamentos, no disco The

Brazilian Bombshell, edição norte-americana sem data e sem créditos aos compositores das

músicas e aos músicos que a acompanharam.

A gravação de Carmen está em Sol menor, mesmo tom de Ademilde. O andamento é

somente um pouco mais lento (!= 122) e começa com uma introdução criada a partir da

segunda metade da parte “A”. Após a introdução, Carmen canta a seqüência ACACA, mas

em nenhuma das vezes ela expõe a letra toda conhecida para a parte A, repetindo sempre o

primeiro verso duas vezes e alterando apenas a melodia. Ficam algumas dúvidas sobre essa

questão: Teria Aloísio composto realmente este segundo verso para o tema A? Será que ele só

compôs posteriormente a essa gravação de Carmen? Será que os versos complementares a

esta versão, que chegaram até nós através de uma edição francesa, foram compostos por outra

120
http://www.carmenmiranda.hpg.ig.com.br/grv_284.html

114
pessoa? Como esta pesquisa não se propõe a responder essas perguntas, apontamos esta

lacuna para pesquisas posteriores.

É ainda relevante ressaltar que Carmen faz alterações significativas na melodia da

parte C, diminuindo a tessitura da canção, provavelmente para facilitar a execução da peça.

Ainda sobre a gravação, em seguida ao trecho vocal, é introduzido um trecho instrumental na

qual as partes B e A são expostas, nesta ordem, e a intérprete então reapresenta as partes C e

A para concluir a parte cantada. Neste arranjo, portanto, tem-se o seguinte esquema: " A

(intro); ACACA (vocal); BA (instrumental); CA (vocal); final instrumental.

Para a abordagem desta peça, assim como as intérpretes citadas acima, foi criado um

arranjo final híbrido a partir de duas referências: uma partitura de edição francesa com letra

de Aloísio de Oliveira121, retirada do livro Bossa Nova & Samba (Mellac, 1978), e uma outra

editada por Irmãos Vitale para piano (Abreu, 1941). A partitura que acompanha este trabalho

é portanto uma cópia do resultado do arranjo elaborado em parceria com o pesquisador

Thiago Trajano, que me acompanhou durante a primeira apresentação desta peça em aula de

práticas interpretativas durante o mestrado. Conforme partitura no anexa IV, o arranjo final

que criamos manteve a forma original da peça AABBACCA chegando ao seguinte formato:

" B (intro), AABBACCA (canto) e # A para finalizar.

Apesar de não haver uma letra diretamente composta para a melodia da parte B,

considerando a importância desta melodia na obra e o seu potencial como exercício de técnica

vocal, buscou-se inspiração nos métodos de articulação dos instrumentistas de sopro para

criar uma solução minimamente interessante. Com combinações dos fonemas [t], [d], [r], [k] e

[g] foram criadas articulações duplas, triplas e até múltiplas para cantar os arpejos desta parte.

O resultado sonoro obtido do ruído percussivo dos fonemas consonantais sugeriu que este

arranjo poderia descrever ou ilustrar a “bagunça” que o tico-tico estava a fazer com o fubá.

121
Apesar da dúvida sobre a autenticidade do segundo verso da parte A, optou-se por utilizá-lo considerando sua
adequação à obra como um todo.

115
Além do lado humorístico desta adaptação, essa prática, ou seja a execução da melodia

somente com consoantes, demonstrou posteriormente ser um ótimo exercício de articulação e

agilidade para o estudo das partes A e C que possuem texto.

3.1.2 Apanhei-te Cavaquinho

A edição de Apanhei-te cavaquinho adotada nesta pesquisa foi organizada a partir de

uma partitura instrumental retirada do Songbook Choro (Sève; Souza; e Dininho, 2007) em

contraste com a transcrição da primeira gravação que Ademilde Fonseca fez deste choro em

1943. Depois de definida a versão final, foi feito um arranjo de Apanhei-te cavaquinho com o

baião O Ovo de Hermeto Pascoal. A partitura deste arranjo encontra-se no anexo IV e a

gravação no anexo II.

A idéia inicial para este arranjo surgiu durante os primeiros meses de estudos desta

peça entre março e junho de 2009. Como eu não conseguia cantar os saltos da parte B em alta

velocidade, durante aulas com Rubim foi lançada a hipótese de cantar os saltos somente em

um andamento lento e depois repetir a peça em andamento muito rápido, suprimindo os

saltos. Conforme é descrito no estudo detalhado da peça, após alguns meses de treinamento,

não foi necessário suprimir os saltos. Já a junção de Apanhei-te Cavaquinho ao baião O Ovo

de Hermeto Pascoal foi realizada num segundo momento do estudo, em parceria com o

pianista Vitor Gonçalves. A semelhança rítmica entre as duas peças, o fato de estarem na

mesma tonalidade e o caráter lúdico e técnico análogos viabilizou esta escolha.

A Enciclopédia de Música Brasileira (1977) apresenta Apanhei-te cavaquinho como

uma polca instrumental composta por Ernesto Nazareth em 1915. Gravada por ele em 1930

em um compacto para a gravadora Odeon ao lado do tango Escovando, nesta gravação,

Apanhei-te cavaquinho foi denominado como choro. A partitura instrumental que tivemos

acesso (Sève; Souza; e Dininho, 2007) confere a autoria da peça a Ernesto Nazareth em

116
parceria com Hubaldo, e quanto à classificação de gênero musical também é denominado

choro.

Durante pesquisa sobre a participação de Hubaldo na autoria de Apanhei-te

cavaquinho descobriu-se que o choro de Nazareth ganhou quatro letras póstumas de autores

distintos e Hubaldo Mauricio é um desses autores. As outras letras foram compostas por Darci

de Oliveira, Nara Leão e Paulo Garcia. Como não houve acesso às gravações com as versões

de Hubaldo Maurício e Paulo Garcia não foi possível saber como essas duas letras se

encaixam na melodia do choro. Mas sobre a letra composta por Nara Leão, foi realizada a

transcrição a partir da gravação feita por ela em 1969 no LP Coisas do Mundo. Após estudo

comparativo entre a versão de Nara Leão e Ademilde Fonseca, optou-se pela versão de

Fonseca.

A letra gravada por Ademilde Fonseca foi escrita por Darci de Oliveira, que apesar de

não ter escrito versos para a parte C da peça, ainda assim, ganhou nossa atenção por preservar

um pouco mais a integridade da melodia da parte B, muito eficiente no estudo de agilidade

que foi desenvolvido durante essa pesquisa. Foram necessárias algumas adaptações entre a

versão cantada por Fonseca e o trecho instrumental da parte B, mas a letra de Oliveira

permitiu a manutenção dos saltos que foram suprimidos na versão de Leão. A partir dessa

escolha, optou-se por não cantar a parte C.

O arranjo da gravação de Ademilde Fonseca aqui analisado, primeiramente, apresenta

o choro na íntegra em versão instrumental, alternando-se as partes A, B e C entre os solistas

Altamiro Carrilho na flauta e Luiz Gonzaga no acordeom. O trecho instrumental é tocado na

tonalidade original do choro (Sol maior) e Fonseca apresenta as partes A e B do choro na

tonalidade de Ré maior. Na gravação escolhida para análise, o choro é executado quase o

tempo todo num andamento em torno de (!= 126), e somente ao final Carrilho faz um solo

da parte A em um andamento mais rápido em torno de (!= 138). Vitor Gonçalves e eu

117
desenvolvemos um arranjo para a interpretação deste choro alternando três andamentos,

partindo de um início a capela em (!= 83) para exposição das partes A e B, uma mudança

súbita de andamento para (!= 121) na apresentação do baião O Ovo (ABAB) e a

manutenção deste andamento para apresentação da parte B de Apanhei-te cavaquinho com

aparente conclusão ao final do B. Após breve pausa, piano e voz finalizam com a parte A em

andamento (!= 138), inspirado na finalização de Altamiro Carrilho.

3.1.3 Um a Zero

A edição do choro Um a Zero foi realizada a partir de uma partitura instrumental

encontrada no livro “O Melhor de Pixinguinha”122 (Carrasqueira, 1997, p. 104 e 105) e da

letra de Nelson Ângelo retirada do livro Choro do quintal ao municipal (Cazes,1998, p. 186 e

187). A letra, com versos geniais de Nelson Ângelo para Um a Zero, curiosamente, é uma das

poucas elogiadas por Cazes (2008) que tendenciosamente se posiciona contra o choro

cantado, vide o título de seu artigo para o livro Palavra Cantada: “O choro cantado: Um

século de muitas tentativas e poucos acertos” (Cazes, 2008, p. 171).

O choro Um a Zero foi composto por Pixinguinha em 1919 para homenagear o gol do

jogador da seleção brasileira Arthur Friedenreich, que definiu a vitória do Brasil sobre a

seleção Uruguaia no Campeonato Sul-Americano neste mesmo ano. O colunista do Jornal

Mundo Lusíada, José de Almeida Amaral Jr. afirma em matéria sobre Pixinguinha que,

inicialmente, somente o próprio Pixinguinha era capaz de interpretar este choro: “Durante

anos somente ele tocou esse choro tamanha as dificuldades técnicas para interpretá-lo”

(Amaral Jr, 2007).

Diferente das inúmeras dificuldades técnicas encontradas neste peça, a edição da

partitura final não foi uma tarefa tão trabalhosa uma vez que os versos de Ângelo encaixam-se

quase perfeitamente nas três partes do choro composto por Pixinguinha. Foram necessários

122
Álbum com 72 obras de Pixinguinha

118
pequenos ajustes na distribuição dos versos para ajustar a letra a melodia original. Como não

tivemos acesso a uma edição do choro Um a Zero acompanhado dos versos de Ângelo, em

três pontos da peça, tomei a liberdade de inserir uma sílaba ou criar versos para preencher

trechos instrumentais. A versão final desta adaptação está disponível no anexo IV desta

dissertação.

A primeira intervenção localiza-se no compasso 36 onde foi acrescentado uma

segunda nota dó após a primeira existente na versão original. Na partitura de referência a

primeira nota dó no compasso 36 tinha duração de uma colcheia, mas a fim de criar um som

para a sílaba /ra/ da palavra /primeira/ dividimos o tempo desta colcheia em duas semi-

colcheias, fazendo a mesma nota soar duas vezes.

No compasso 42, foi acrescentado um /ó/ na letra original, antecedendo a frase

|coitada da sua mãe|, para que a sílaba /ta/ da palavra |coitada| caísse no tempo forte sem

deixar lacunas em notas anteriores. A partir de uma lógica contrária à intervenção citada

anteriormente, no compasso 73 uma solução possível é fazer um portamento com a sílaba

/con/ da palavra |desconto| para preencher todas as notas da melodia, mas a minha escolha

interpretativa, neste caso, foi suprimir a nota Dó3 sustenido que ocorre entre dois Rés3123.

A intervenção mais criativas localiza-se entre os compassos 58 a 61. Neste trecho, a

re-exposição do tema traz uma variação da melodia previamente apresentada nos compassos 9

a 12. Os versos de Ângelo que se encaixavam perfeitamente na primeira exposição da parte A

são insuficientes para preencher a quantidade de notas que surgem na variação. Inspirada pelo

texto de Ângelo, criei versos em trocadilhos: /olha lá vai é a bola que rola e enrola, rolando

entre as pernas, lá vai olha a bola direto pro gol/ como uma tentativa de descrever o percurso

da bola que antecede o gol.

123
Ver parênteses na nota Dó3 sustenido que ocorre no compasso 73 da partitura de Um a Zero no anexo IV.

119
Outra intervenção em que houve a criação de um novo verso, se deu no compasso 65

seguido de repetição do mesmo trecho no compasso 81. No compasso 65, a primeira nota

corresponde a conclusão da última frase da parte A; na seqüência, um pequeno fraseado de 5

notas introduz a parte C que se inicia no compasso 66. Em acordo com o caráter introdutório

desta pequena frase, criamos o texto /e o ponteiro/, referindo-se aos ponteiros do relógio que

marcam 40 minutos do segundo tempo, conforme descreve o texto de Ângelo para a parte C

do choro.

As interferências citadas podem ser conferidas em itálico na partitura editada de Um a

Zero que encontra-se no anexo IV desta dissertação.

3.1.4 Ingênuo

O choro Ingênuo, que possui apenas duas partes, característica pouco aceita nos

primórdios da história do choro, é uma composição de Pixinguinha e Benedito Lacerda. Em

consulta informal à Maurício Carrilho, um dos fundadores da Escola Portátil de Música124,

recolhemos a informação de que este choro ficou consagrado em sua versão instrumental com

a gravação de Jacob do Bandolim em seu disco Vibrações lançado em 1967. Posteriormente

foi composta uma letra por Paulo César Pinheiro que tornou-se também consagrada na

gravação vocal realizada por Elizeth Cardoso.

Para este estudo foi realizada uma análise comparativa entre a melodia da partitura

disponibilizada em O Melhor de Pixinguinha125 (Carrasqueira, 1997, p. 56 e 57) e a

transcrição melódica da gravação de Elizeth Cardoso (Cardoso, 1983). A partir dessas

análises chegou-se a uma terceira versão de partitura para a execução vocal. O principal

critério utilizado na adaptação realizada para este trabalho foi preservar ao máximo as

características melódicas da versão instrumental.

124
A Escola Portátil de Música, desde a sua criação, tem como um de seus objetivos a realização de oficinas em
espaços diversos, com intuito de expandir e semear o conhecimento musical crítico, através da linguagem do
choro. www.escolaportatil.com.br
125
Álbum com 72 obras de Pixinguinha

120
A partitura com a versão resultante deste processo de edição é apresentada no anexo

IV. A seguir são apontadas as três primeiras alterações que foram realizadas, demonstrando o

procedimento utilizado e o Exemplo 3.1 apresenta os trechos correspondentes à segunda e

terceira alterações descritas.

Alteração 1 - Na análise comparativa das peças verificou-se logo no compasso 3 da

versão instrumental, após a primeira nota do compasso, a ocorrência de um arpejo de Mi

maior com sétima menor (E7) que teve que ser suprimido na versão com letra por não haver

palavras para este trecho. Mais adiante, no compasso 7, apresenta-se a repetição do mesmo

motivo em outro tom e então a omissão do arpejo mais uma vez é necessária pela ausência de

letra.

Alteração 2 - No compasso 9, embora a expressividade seja impecável, Elizeth altera

a melodia original inserindo saltos de quarta à uma seqüência que deveria ser a repetição de

uma mesma nota. Essa alteração diminui extensão ao término da frase na primeira nota do

compasso 10 e omite o salto subsequente entre a primeira e a segunda nota do compasso 10.

Alteração 3 – Ao final do compasso 10 e em todo o compasso 11, a versão resultante

adota a mesma solução realizada por Elizeth Cardoso. Para que houvesse um encaixe

adequado entre letra e melodia um Si bequadro foi omitido no compasso 10, foi acrescido no

início do compasso 11 um Ré4 e a ligadura entre dois “Lás”3 foi cancelada para manter o Dó4

na melodia.

121
EXEMPLO 3.1: Edições feitas nas partituras de Ingênuo e versão resultante.

3.1.5 Rosa

Classificada como valsa-canção, Pixinguinha compôs Rosa aos 20 anos de idade,

somente como peça instrumental, e ela foi uma das faixas em sua gravação de estréia como

solista e compositor ao lado do choro Sofre porque queres (rotulado como tango)

(Enciclopédia da Música Brasileira, 1977, p. 616). Pixinguinha foi acompanhado pelos

violonistas Donga e Nelson Alves e o ano desta gravação segundo os registros da Casa Edison

foi 1917. Somente mais tarde a valsa ganhou letra de Otávio de Souza e foi gravada por

Orlando Silva em 1937.

Antes de selecionar a partitura para o estudo técnico vocal, foram analisadas duas

gravações de Rosa: a versão instrumental original feita pelo próprio Pixinguinha em 1917 e a

gravação com letra realizada por Orlando Silva em 1937. Na primeira versão instrumental

gravada por Pixinguinha observou-se que Rosa é uma composição em três partes como era

comum aos primeiros choros quase sempre compostos em forma Rondó. No entanto, ao invés

da forma mais recorrente AABBACCA, nesta gravação a disposição das partes é ABBACA.

122
O andamento da versão instrumental é bem acelerado, em torno de (!= 193), e neste caso

destaca-se o virtuosismo da agilidade do instrumentista.

Na versão cantada por Orlando Silva, observou-se a parte C ausente uma vez que

foram feitos versos apenas para as partes A e B. A melodia cantada sofreu algumas alterações

e a forma da valsa nesta gravação ficou sendo ABA. O andamento bem mais lento adotado

por Silva, em torno de (!=103), não deixou de exigir virtuosismo do intérprete. Porém, neste

segundo caso a dificuldade está na execução das frases longas e na grande amplitude vocal

exigida. Na gravação de Orlando Silva é impressionante observar seu domínio técnico e sua

emissão completamente equilibrada. Apesar da grande extensão melódica da canção, o cantor

apresenta total estabilidade vocal.

A partitura adotada para este estudo foi uma cópia feita em computador apenas para

realizar a transposição, mantendo-se os detalhes da edição de referência que foi retirada do

livro O Melhor de Pixinguinha126 (Carrasqueira, 1997, p. 116 e 117).

3.1.6 Costura de choro

Este choro resultou de um poema de Paulo César Pinheiro musicado pelo violonista

Maurício Carrilho em 2008. O poema foi publicado na contracapa da revista Roda de

Choro127 em 1996 intitulado com o mesmo nome da revista. Após ser musicado, o nome da

peça foi modificado porque verificou-se existência anterior de uma música com o mesmo

nome. Foi constatado que este é um choro inédito de Carrilho e Pinheiro até o momento desta

pesquisa.

3.2 LEVANTAMENTO DAS DIFICULDADES TÉCNICAS NOS CHOROS

Como foi mencionado anteriormente, com base nas partituras, foram realizados dois

procedimentos de análise com os 8 choros selecionados para esta pesquisa. Os resultados da

126
Álbum com 72 obras de Pixinguinha.
127
Roda de choro - revista sobre choro editada pelo Egeu Laus e Rodrigo Ferrari desde 1995.

123
primeira análise são apresentados a seguir no Quadro comparativo 3.1. e os resultados da

segunda análise são apresentados nos Quadros 3.2 a 3.6.

A partir da vocalização das melodias, o segundo procedimento de análise consistiu na

organização sistemática de 5 tipos de dificuldades técnicas identificadas em quase todos os

choros. Os quadros 3.2 a 3.6 apresentam os compassos onde localizam-se: (1) saltos entre

passagens de registro; (2) seqüência de saltos variados; (3) escalas longas ou complexas; (4)

arpejos de difícil execução; e (5) frases longas ou notas longas sustentadas.

Embora as soluções de estudo para as dificuldades técnicas em cada um dos choros

tenham surgindo de diferentes maneiras, em função do estudo das 8 peças ter sido realizado

ao longo de quase três anos, esses dois procedimentos de análise citados foram determinantes

para as condutas didáticas adotadas.

3.2.1 Primeira análise

A exceção da escolha do andamento, o procedimento adotado nesta primeira análise

consistiu sempre em identificar a extensão e a tessitura das peças para depois escolher a

tonalidade mais adequada à minha extensão vocal. Esta prática sempre fez parte do meu

processo de estudo individual desde quando eu ainda era uma adolescente, estudante de canto

e violão, em meados dos anos 1993. Porém, neste período minhas ações restringiam-se à

transposição de uma partitura pré-existente ou à simples modulação da harmonia tocada no

violão até encontrar a tonalidade mais adequada para minha voz. Neste segundo caso, eu

raramente sabia a extensão da peça por não ter contato com a partitura ou por não ter um

conhecimento consciente do fraseado melódico.

Como compositora e intérprete, a produção de partituras a partir de transcrições

melódicas e o conceito de que esta prática é uma ferramenta muito relevante no aprendizado

do canto, foi uma atividade que se intensificou somente alguns anos após a minha graduação

em música. Após a minha mudança para São Paulo, em 2004 iniciei aulas de canto e

124
improvisação com a cantora de Jazz norte-americana Cynthia Borgani que me apresentou uma

nova abordagem para o estudo vocal.

No trabalho com Borgani a produção da partitura, a definição da tonalidade a partir da

extensão da peça e a escolha de um andamento adequado compunham as bases do estudo

vocal de qualquer obra. O Quadro 3.1 abaixo apresenta os dados coletados nas partituras do

anexo IV e as escolhas de andamento para execução das peças neste momento atual.

Durante o estudo vocal dos choros, muitas vezes a variação do andamento ocorreu

como uma estratégia didática, especialmente no estudo de trechos de agilidade (ver item 3.3,

p. 133). Mudanças no andamento também podem ocorrer por uma concepção estética do

arranjo como é o caso da interpretação realizada em Apanhei-te Cavaquinho conforme

gravação no anexo II.

QUADRO 3.1: RESULTADOS DA PRIMEIRA ANÁLISE DOS CHOROS


Nome do choro Extensão da peça Tonalidade Andamento
Tico-tico no Fubá duas 8as Lá menor != 130-135
Apanhei-te cavaquinho uma 8 + uma 5a dim.
a
Dó maior != 83/121/138
Um a Zero uma 8a + uma 6aM Ré maior != 115
Ingênuo uma 8a + uma 7am Sib maior != 56
Rosa uma 8a + uma 6am Lá maior != 83
Choro pro Zé duas 8as Fá menor != 50
Costura de choro uma 8a + uma 6aM Sib maior != 52
Sambadalú duas 8as Mi menor != 100

O Quadro 3.1 identifica a primeira relação de semelhança presente em todas as peças

aqui selecionadas. A lista com a extensão das obras confirma que os 8 choros selecionados

para este estudo tem melodias que exigem grande extensão do instrumento vocal.

Considerando que a maioria das pessoas com vozes não trabalhadas tem extensão vocal útil

em torno de uma oitava, nem mesmo Apanhei-te Cavaquinho, que apresenta a menor

extensão da lista, poderia ser executado com clareza por este indivíduo.

3.2.2 Segunda análise

Com base nas edições finais das partituras foram preparados os Quadros 3.2 a 3.6 para

apresentar a relação de semelhança entre os choros estudados e as dificuldades técnicas

125
encontradas em cada um deles. No Quadro 3.2 a seguir verifica-se a ocorrência de saltos a

partir de 5as justas a 8as, ascendentes ou descendentes, identificados como trechos de

dificuldade por dois motivos: (1) localização do intervalo entre passagens de registros ou em

extremos da extensão vocal do intérprete; e (2) alternância de vogais frontais e posteriores na

formação das sílabas correspondentes às notas que compõem o intervalo.

Para as dificuldades técnicas relativas à localização e extensão do intervalo existem

caminhos de solução correspondentes em estudos propostos no item 1.6 (ver p. 82) desta

dissertação que apresenta investigações sobre o aspecto técnico vocal UNIFICAÇÃO DE

REGISTROS. As dificuldades relacionadas à alternância de vogais frontais e posteriores é

trabalhada nos exercícios propostos no item 1.4.3 (ver p. 56) referente ao Estudo

sistematizado para emissão equilibrada das vogais.

Todos os intervalos destacados no Quadro 3.2 contêm a dificuldade técnica relativa a

sua localização na extensão da peça. Já a dificuldade técnica com relação à alternância das

126
vogais pode estar presente ou não no intervalo destacado. A exemplo disso, nos comentários

do Quadro 3.2 sobre a valsa Rosa foi indicado que o intervalo de 5a justa descendente

presente entre os compassos 8/9, 24/25 tem sua execução facilitada quando ocorre entre os

compassos 72/73 uma vez que o encontro vocálico /e, ão/ da palavra |per-dão| é mais

favorável que /u, é/ referente a |Tu és| e /[I], eu/128 referente ao texto |Se Deus|.

A dificuldade técnica dos compassos 1 e 7 de Sambadalu assemelha-se à dificuldade

destacada no intervalo de 5a justa descendente que ocorre entre os compassos 70/71 da valsa

Rosa. Além da alternância das vogais frontal [e] com a posterior [o] na palavra |resplendor| da

letra de Rosa, o maior ponto de dificuldade identificado nestas ocorrências refere-se à

localização da segunda nota do intervalo de 5a justa que, em ambos casos, é muito próxima

ao extremo grave da minha extensão vocal.

No Quadro 3.3, a seguir, são apresentados os compassos em que ocorrem sequências

de intervalos variados ou sequências de intervalos intercalados por arpejos triádicos. A

representação do grau do intervalo é acompanhada das siglas: (d/a) para indicar a ocorrência

do mesmo intervalo descendente/ascendente; (a/d) para ascendente/descendente; (a) para

somente ascendente; e (d) para somente descendente. Os saltos sequenciais intercalados com

arpejos são representados pelo grau do intervalo e a letra maiúscula /T/ representando a tríade

entre eles. No caso do mesmo intervalo se repetir mais de uma vez na seqüencia (a/d) ou

(d/a), foi repetida a utilização de (a) ou (d) de acordo com o número de ocorrências.

128
O símbolo fonético [I] está substituindo a vogal /e/ da palavra |Se| em acordo com a pronúncia do português
brasileiro deste texto.

127
QUADRO 3.3: SEQÜÊNCIAS DE INTERVALOS QUE EXIGEM EMISSÃO VOCAL EQUILIBRADA
PARA A ARTICULAÇÃO DAS VOGAIS E CONSOANTES
Nome do choro Compassos Seqüência Comentários
Tico-tico no fubá 22-25 T, 8J, T, 7M, T, 6M, T 5J, T, Seqüência de
6M, T, 5J, T, 6M intervalos
30-31 8J, T, 7M, T, 6M, T, 5J descendentes
intercalada por arpejos
55-63 5J, T, 5J
de tríades.
57-65 6M, T, 5J
Apanhei-te cavaquinho 16-17; 24-25 6m (d/a/d/a), 7dim (d) Para a seqüencia do
17-18; 25-26 6M (d/a/d/a), 7m (d) compasso 28 (ver Ex.
18-19 6M (d/a/d/a), 7M (d) 1.20 p. 81) desta
dissertação
20-21 6m (d/a/d/a)
22 7m (d), T, 8J (d), 6M (a/d), 6m
(a)
26-27 6M (d/a/d), 6m (a), 6M (d)
28 6m (d), 5J (a/d), 4J (a/d), 3m
(a/d/a)
Um a zero 1-3; 3-5; 50-52; 8J (d), 7m (a/d), 8J (a/d), 6M (a) O trecho do compasso
52-54 46 é semelhante ao do
19; 27 6m (d), T, 6 (d), T compasso 28 em
Apanhei-te
46 5J (a/d), 3m (a), 5dim (d), 3m
cavaquinho.
(a), 6M (d) Os trechos dos
67-69 8J (d), T, 7m (d), T, 6m (d), T, compassos 67-69 e 75-
5J (d), T, 6M (d), T 77 são semelhantes ao
75-77 8J (d), T, 7m (d), T, 6M (d), T, 22-25 e 30-31 de Tico-
5dim (d), T, 6m (d), T tico no fubá.
Ingênuo 60 4J (a/d/a/d)
Rosa 18-19; 82-83 4J (a/d), 6m (a), 3m (d), 5J (a),
3M (d)
Costura de choro 23-25 6m(d), 5J(a), P, 4J(d), 3m(a), P, Adotamos o uso da
6m (d/a), P, 5J (d/a) letra /P/ para
31-33 5J(a), P, 7M(d), 6M(a), P, 8J(d), representar passagens
5J(a), P, 3m(d), 7m(a), P, 5J(d) de 2M ou 2m
descendentes.

Choro pro Zé 14-15 4J (a/d), 6m (a), 3m (d), 5J (a), O trecho em 14-15 é


3M (d) idêntico ao trecho 18-
20-21; 28-29 4J (a/d), 3m (a) 19 e 82-83 de Rosa. A
maior dificuldade dos
21-22; 29-30 4J (a/d), 3M (a)
trechos 20-21 e 28-29
22-23; 30-31 5dim (a/d/a), 5J (d/a/d) é a extensão aguda
onde se dá a
ocorrência.
Sambadalu 6-7 6M(d), 7m(a) Não exemplificamos
111, 159 6m(d), 3m(a), 6M(a) os trechos dos
115, 163 5J(a), 3m(d), 2m(a), 5J(a), compassos 125 e 173
porque correspondem
3M(d)
ao início de 111, 115,
117, 165 5J(a), 3m(d), 2m(a), 5J(a), 117, etc.
3m(d)
119, 167 5J(a), 3m(d), 2m(a), 5J(a),
2M(d)
123, 171 5J(a), 3m(d), 2m(a), 6M(a),
3m(d)
127, 175 7m(a), 2M(d), 3M(d), 3m(a),
2M(d), 5dim(d)

128
Carvalho (1982) apud Rubim (2000) demonstra em seu livro O Processo Didático que

a decupagem de um problema é uma abordagem muito eficiente no estudo técnico de um

trecho complexo.

CARVALHO (1982), discutindo a teoria gestaltista, aponta a seguinte hipótese: quando o


estímulo S é simples, o insight é imediato; se o S é complexo e o educando se encontra em fase
imatura, as primeiras reações ou respostas R serão incorretas, até que surge o insight completo
(Rubim, 2000, p. 27).

Após explicação da relação estímulo-resposta (S-R) Rubim (2000) aponta princípios

adaptados da teoria de Carvalho (1982) que podem facilitar o ensino-aprendizagem do canto.

Para o estudo das seqüência de intervalos fizemos uso do desdobramento proposto por Rubim

(2000) “Se a aprendizagem é complexa, desdobrar seus elementos em sucessivos S

simplificados, obtendo insights imediatos para cada elemento” (p. 28).

O desdobramento das seqüências de intervalos listadas no Quadro 3.3 resultou em S

simplificados semelhantes aos intervalos isolados apresentados no Quadro 3.2. No entanto,

verificou-se na prática que o estudo técnico realizado para solucionar os trechos complexos

do Quadro 3.3 foi mais responsável por trazer melhoras significativas para os trechos do

Quadro 3.2 do que o caminho contrário.

Foi constatado durante estágio docente e em minha prática vocal individual que o

estudo de um trecho musical simples, como por exemplo, o treinamento de um único salto,

muitas vezes, não funcionava como um estudo preparatório para uma seqüência de intervalos

mais complexa. Verificou-se que este fato específico era análogo à uma tendência geral

recorrente no estudo do canto. Durante a experiência prática notou-se que uma dificuldade

técnica simples permanecia por muito mais tempo na execução de uma peça do que uma

dificuldade técnica complexa. Muitas vezes, somente após decupar um trecho de grande

desafio vocal é que se identificava a pequena dificuldade técnica contida nele.

129
Para a solução dos desafios técnicos apontados no Quadro 3.3, primeiramente foi feito

a decupagem das seqüências de intervalos e aos S simplificados foram aplicados exercícios

semelhantes aos indicados para o quadro 3.2. Posteriormente, as seqüências de intervalos

foram reagrupadas e treinadas em vocalizes formulados a partir da frase original, como é

exemplificado no estudo detalhado de Apanhei-te Cavaquinho a seguir.

No Quadro 3.4 são apresentados os compassos de ocorrência de escalas longas ou

complexas que foram identificadas como trechos de dificuldade técnica neste estudo.

Bordaduras ou passagens cromáticas são muito comuns neste repertório dos choros mas isso

não representou um desafio técnico muito grande. Entretanto, os trechos cromáticos mais

longos, como aqueles identificados em Tico-tico no fubá e Apanhei-te cavaquinho, são aqui

selecionados como pontos de dificuldade. Outro fraseado melódico que representou grande

desafio técnico neste estudo dos choros foi a escala de tons inteiros presente na melodia de

Choro pro Zé.

QUADRO 3.4: PASSAGENS COM ESCALAS LONGAS E DE TONS INTEIROS EXIGEM


UNIFICAÇÃO DOS REGISTROS, ESTABILIDADE NA EMISSÃO E ACUIDADE AUDITIVA
Nome do choro Compassos Descrição
Tico-tico no Fubá 34-36 Ponto de dificuldade no cromatismo presente no
compasso 35. (Extensão Lá2 – Fá#4)
68-70 Escala descendente de Sol4 a Dó3. A maior dificuldade é
manter qualidade de fala na emissão do Sol4
Apanhei-te cavaquinho 5-7 Trechos em que é recorrente a execução com imprecisão
13-15 melódica, em especial nos cromatismos dos compassos
6 e 14.
Rosa 58-61 Trechos onde é recorrente a execução com imprecisão
62-64 melódica, em especial na frase do compasso 59 e
cromatismo dos compassos 62 e 63.
Choro pro Zé 17-19 Escala descendente de tons inteiros seguida de variação
ao final (Extensão Mib4 – Fá2).

Para solucionar as dificuldades técnicas dos trechos selecionados no Quadro 3.4 foi

necessário o treinamento de vários aspectos vocais como o estudo do apoio e controle

respiratório descritos no item 1.2 (ver p. 25); treinamento da emissão equilibradas de vogais e

consoantes a partir de exercícios propostos no item 1.4 (ver p. 51); treinamento de exercícios

de agilidade para peças como Apanhei-te Cavaquinho e Tico-tico no fubá (ver Ex. 1.20, p. 81)

130
indicados no item 1.5 (ver p. 71); e estudo para estabilização e unificação dos registros vocais

indicado no item 1.6 (ver p. 82). Além disso, estes trechos exigiram melhora da acuidade

auditiva que foi alcançada através de exercícios tradicionais de percepção musical e de

vocalizes específicos como o exercício 9.20 de Miller, apresentado no Exemplo 1.23 (ver p.

86) desta dissertação. Os desafios da escala de tons inteiros são discutidos no estudo

detalhado de Choro pro Zé a seguir.

O Quadro 3.5 contém arpejos que foram identificados como trechos de dificuldade nos

choros. Os arpejos selecionados são descritos com números que correspondem aos graus do

acorde. Usamos /b/ para representar o abaixamento de " tom em terças, quintas e nonas; o 1

representa a fundamental; M é adicionado às sétimas maiores, o 7 sozinho corresponde a

sétima menor e o 7dim corresponde a sétima diminuta. Em acordes com mais de 4 notas em

que aparecem graus repetidos em alturas diferentes - como no arpejo de acordes diminutos de

Ingênuo e Um a zero - os graus correspondentes à extensão mais grave foram sublinhados.

131
Os estudos dos arpejos selecionados no Quadro 3.5 foram realizados a partir de

adaptações de vocalizes como o exercício 4 de Rubim (2008) (ver Ex. 1.17, p. 71), e os

exercícios 7.14 e 3.18 de Miller (ver Ex. 1.18 e 1.20, p. 71 e 81) que tradicionalmente são

feitos com base em tríades perfeitas (1 3 5 8 5 3 1) ou (8 5 3 1).

Finalizando o item de análise interpretativa dos choros, o Quadro 3.6 apresenta trechos

de frases longas que tanto nos choros de andamento lento quanto nos choros de agilidade

foram identificados como trechos de difícil execução precisa.

132
QUADRO 3.6: TRECHOS QUE EXIGEM ESTUDO DE SUSTENTAÇÃO
PARA REALIZAÇÃO DE FRASES E NOTAS LONGAS
Nome do choro Compassos Descrição
Apanhei-te cavaquinho 0-8; 9-16 A parte A divide-se em dois trechos que devem ser
articulados e ligados do começo ao fim. O aumento do
andamento facilita a quantidade de ar necessária, mas
exige mais agilidade para a articulação clara do texto.
Um a zero 34-40; 41-50; Dentre todos os choros, nestes trechos encontramos
74-82 o maior desafio para o domínio do controle
respiratório
Ingênuo 8-12; 12-16; Trechos de frases longas que se tornam mais difíceis
26-30 porque o andamento é lento.
40 Dificuldade específica de emissão estável da nota
final, porque se localiza numa região muito grave da
extensão.
Rosa 20-24; Trechos de frases longas que se tornam mais difíceis
porque o andamento é lento.
Choro pro Zé 32-36 Dificuldade acentuada por conta de um ritardando que
optamos fazer para a finalização do arranjo
Sambadalu 17; 18; 19-22; Sambadalu é a peça com mais ocorrências de trechos
23-25; 37-39; 40; de sustentação de notas longas. Apresentaremos
41-42; 49-50; etc. explicação detalhada no estudo específico sobre a peça
no item 3.3

Para solucionar os desafios das frases ou notas longas verificou-se a necessidade de

treinamento avançado do ataque e finalização (ver item 1.1, p. 17); apoio e controle

respiratório (ver item 1.2, p. 25) e treinamento da habilidade de sustentação (ver item 1.5, p.

71) que atenderá tanto os desafios das frases com notas longas quanto os trechos de agilidade

selecionados que não possuem pausas para renovar a respiração.

3.3 ESTUDO DETALHADO DE TRÊS CHOROS

A descrição detalhada do estudo técnico vocal de três choros tem como objetivo

principal exemplificar momentos relevantes do processo de aprendizado e do treinamento

técnico vocal que de certa forma foi aplicado aos 8 choros aqui selecionados. A transcrição de

gravações de aulas com Rubim que ocorreram ao longo do Programa de Mestrado constituem

as bases deste relato sobre o estudo detalhado de Apanhei-te Cavaquinho como exemplo dos

choros de agilidade, Choro pro Zé exemplificando os choros de andamento lento e Sambadalú

como exemplo de choro de caráter híbrido e sem letra.

133
A seqüência de aquecimento vocal adotada ao longo dos 28 meses de aula com Rubim

variou de acordo com minha evolução técnica e as necessidades do repertório. Foi transcrito

abaixo a seqüência dos exercícios vocalizados no aquecimento vocal proposto por Rubim

(2009) na aula do dia 30 de março de 2009 que foi também a primeira aula onde se trabalhou

o choro Apanhei-te Cavaquinho.

Nesta aula em especial, após a realização do segundo vocalize, Rubim surpreendeu-se

com minha resposta vocal rápida e eu me senti na obrigação de confessar que tinha aquecido a

voz antes de ir pra aula naquele dia. Rubim aprovou minha atitude e surgiu um diálogo

interessante sobre a importância de alunos mais avançados cuidarem do próprio aquecimento

antes de irem para uma aula de canto: “Depois de um certo nível tem que aquecer antes de ir

pra aula, já chegar na aula pronta” (diz Rubim, 2009). Essa atitude permite que o aluno

aproveite o momento com o professor para tirar dúvidas do repertório ao invés de passar

quase a aula toda tentando estabilizar a emissão vocal. É claro que isso não se aplica a alunos

iniciantes que ainda estão descobrindo como funciona a própria voz e os devidos recursos

para treiná-la.

No terceiro vocalize Rubim sinalizou minha dificuldade em manter a estridência

esperada pelo exercício ao atingir a região aguda: “está subindo pra voz de cabeça” (Rubim,

2009) referindo-se à presença de soprosidade na voz. Na primeira tentativa de corrigir esta

falha busquei manter a qualidade da voz de peito na subida para a região aguda e acabei

imprimindo muito peso na emissão. Novamente Rubim alertou: “Não é no peso, é na

estridência”. Tentei mais uma vez aumentando a nasalidade e no meio da escala houve uma

quebra de passagem de registro e fui interrompida por Rubim mais uma vez “isso é peso, isso

machuca” (Rubim, 2009). Finalmente na quarta vez que realizei o vocalize, depois de ouvir

Rubim exemplificando e de fazer algumas tentativas apenas com o /nha-nha-nha/ suprimindo

a sílaba /ca/ consegui fazer o exercício original de maneira satisfatória, e em seguida Rubim

134
(2009) comenta: “viu, não pode fazer força, quando faz força não vai pra esse buraco”

referindo-se a colocação adequada.

Depois de encontrar a colocação adequada fiz o vocalize com mais facilidade algumas

vezes e questionei: “Não está sem volume agora?” (Rezende, 2009) e Rubim respondeu “é pra

ser assim [...] eu não coloco muito volume mas eu coloco muita ponta” (Rubim, 2009)

referindo-se a emissão com ressonância alta e frontalizada promovida pelo uso correto da

consoante ["] (ver item 1.5, p. 71). A descrição desta passagem da aula com Rubim busca

exemplificar as etapas percorridas entre a compreensão teórica de um conceito e sua aplicação

prática eficiente.

EXEMPLO 3.2: Vocalizes de aquecimento em aula com Rubim em (30/03/2009).

135
3.3.1 Apanhei-te cavaquinho

Ao cantar Apanhei-te Cavaquinho pela primeira vez em aula com Rubim em

(30/03/2009) apresentei dificuldades evidentes na parte B da peça, pois naquele momento eu

não havia estudado o trecho devidamente, o que quer dizer que eu ainda tinha dúvidas sobre

as notas da melodia. A principal dificuldade técnica verificada na parte B de Apanhei-te

Cavaquinho consiste nas sucessivas seqüências de intervalos, conforme é exemplificado no

Quadro 3.3 (ver p. 128). A primeira seqüência identificada [6m (d/a/d/a), 7dim (d)] surge logo

nos primeiros compassos (16-17) e na aula com Rubim, a busca por uma solução técnica

começou por esta frase.

A seguir, é apresentado em formato de citação a transcrição dos diálogos ocorridos

neste momento da aula, enquanto Rubim sugeria soluções para a frase mencionada dos

compassos (16-17). Na transcrição, os trechos destacados em itálico correspondem aos meus

comentários a fim de esclarecer os diálogos e a letra da frase musical é transcritas entre barras

//.

Rubim (tocando os intervalos no piano) O problema está aqui, você não pode sonorizar ela
(referindo-se a nota grave). Você mira ela e não sonoriza.
Rezende (tento cantar o trecho) /hoje cantando o apanhei-te cavaquinho/ (sou interrompida
por Rubim que alerta sobre a afinação estar mais baixa do que está escrito na partitura)
Rubim Ela (a nota grave) está abaixo do que é.
Rezende (treinamos então somente o trecho) /ei-te ca-va-qui-nho/ (tentando manter a leveza
na emissão das notas graves canto a frase umas duas vezes e na verdade percebo que estou em
dúvida sobre qual é o intervalo que deveria cantar. Tento então marcar quais são as notas do
intervalo vocalizando /ta-ra/ e Rubim interrompe me orientando).
Rubim Não, não pode fazer /ta-rá/ (imitando meu movimento facial referindo-se a queda
brusca do maxilar na ida para o grave e em seguida Rubim exemplifica) é /ta-rã/ (utilizando-se
da vogal nasal /ã/ e movimento facial equilibrado para exemplificar que a emissão deve se
manter estável como se a distância do intervalo entre as notas se alongasse na horizontal e
não na vertical com eventual queda do maxilar).
Rezende (tento mais uma vez) /ei-te ca-va-qui-nho/
Rubim É, você não pode descer a face se não você não volta rápido pro ré (Ré4 da melodia. Na
época da aula eu estava estudando a peça na tonalidade de Ré maior. Atualmente canto este
choro em Dó maior).
Rezende Tá
Rubim Faz pra mim oh /pi-pi-pi-pi-pi-pi/ (substituindo toda a frase musical pela sílaba /pi/)
Rezende /pi-pi-pi-pi-pi-pi/ (faço o exercício proposto mas continuo deixando cair a face na
emissão das notas graves)
Rubim (me corrigindo) Oh, é tudo em cima, oh. (demonstrando o movimento facial)
Rezende (faço mais uma tentativa) /pi-pi-pi-pi-pi-pi/
Rubim Isso, mas olha, você está colocando o ré alto e fá baixo.(referindo-se a afinação
inadequada das notas)

136
Rezende (repito o exercício mais uma vez) /pi-pi-pi-pi-pi-pi/
Rubim Isso.
Rezende (animada por conseguir realizar a frase com a sílaba /pi/ experimento cantar o
trecho com a letra) /ei-te-ca-va-qui-nho/
Rubim Isso, você tem o /nha-tcha-ca-va/ (selecionando os fonemas aproximados das
consoantes a serem articuladas Rubim propõe um novo exercício)
Rezende /nha-tcha-ca-va/ (2 vezes)
Rubim Agora faz /nhe-tche-que-ve/ (Sugerindo uma variação do anterior)
Rezende /nhe-tche-que-ve/ (2 vezes)

[...] (Resumindo, Rubim demonstra um erro na emissão do segundo Ré4 que apresentava uma
afinação um pouco mais alta do que a desejada e então conclui explicando o procedimento
adotado)

Rubim Você viu o que é que eu fiz? Eu botei o /pi-pi-pi-pi/ que é uma sílaba só. Depois eu
pego os fonemas consonantais e coloco uma vogal só porque quando troca tudo o cérebro
enlouquece, ele não tem parâmetro.
Rezende Você diminuiu o S, né? (pergunto fazendo referência ao procedimento de ensino-
aprendizagem descrito na dissertação dela e que foi citado anteriormente nesta dissertação na
explicação do Quadro 3.3) Na verdade você está subdividindo o S, não é?
Rubim Exatamente

[...] (Comentamos várias experiências realizadas com esse procedimento e voltando ao estudo
da peça canto a frase inteira do compasso 16 a 19 num andamento um pouco mais lento)

Rezende /hoje cantando o apanhei-te cavaquinho eu fico louca fico quente fico como um
passarinho a cantar/(mas durante a execução desconfio que somente as notas do primeiro
compasso estão corretas e questiono). Mas está tudo certo isso aqui? (referindo-me as notas da
melodia) Ou estou cantando qualquer nota?
Rubim Na hora de decupar, se o seu foco é a posição de ressonância a nota não importa. Claro
que você está buscando acertá-la mas você está focando neste problema aqui (referindo-se a
emissão frontalizada e equilibrada trabalhada com as sílabas /pi-pi-pi-pi/ anteriormente)

[...](Conferimos a melodia com auxílio o teclado e eu canto a frase inteira duas vezes em
andamento mais lento e Rubim fecha com o comentário)

Rubim As decidas estão imprecisas.


Rezende as notas graves?
Rubim Sim, as notas graves.
Rezende (repito a frase mais uma vez num andamento não muito rápido, me dou conta das
imprecisões e comento) É, eu vou ter que estudar esse trecho, na verdade, acho que com /pi-pi-
pi-pi/ (fazendo referência ao exercício realizado com a vogal [i] que em acordo com Miller
(1996) ajuda na realização de uma emissão mais frontalizada) (ver Item 1.4 desta dissertação,
p. 51)
Rubim Claro, porque você vai decupar seus problemas. Problema com nota com essa
variedade enorme de fonemas não anda (afirmando que o desdobramento do estímulo é uma
boa solução).
Rezende Tá. (concordando com Rubim) – (Aula de canto com Rubim, 30/03/2009, RJ).

Na finalização da aula ainda faço um comentário sobre uma passagem de Costura de

choro na qual senti dificuldade semelhante à do trecho que havíamos estudado em Apanhei-te

Cavaquinho. Esta observação foi a origem dos Quadros 3.2 a 3.6 apresentados neste Capítulo

e desenvolvidos quase um ano depois desta aula. Os trechos considerados semelhantes na

137
época encontram-se no Quadro 3.3 (ver p. 128) e correspondem ao compassos (23-25) em

Costura de Choro e (16-19) em Apanhei-te Cavaquinho.

O estudo de Apanhei-te Cavaquinho sob orientação de Rubim continuou por alguns

meses simultaneamente ao estudo de Ingênuo, Costura de Choro e Choro pro Zé. As

dificuldades encontradas na parte B de Apanhei-te Cavaquinho só apresentaram uma melhora

mais consistente nas gravações analisadas de aulas em junho de 2009. Isso se justifica porque

depois de sanadas as dificuldades de emissão equilibrada de uma melodia que apresenta

muitas sequências de saltos diferentes, o novo desafio foi cantá-la com precisão num

andamento bastante rápido.

Acompanhada por Vitor Gonçalves ao piano gravei Apanhei-te Cavaquinho em

outubro de 2009 no estúdio Zaga no Rio de Janeiro. A gravação foi realizada com dois

propósitos: (1) registro do meu processo de estudo dos choros; e (2) produção de portfólio

para candidatura em processo seletivo de doutorado nos Estados Unidos. Pode-se dizer que

essa gravação cumpriu as duas funções às quais se destinava. Primeiramente fui selecionada

para a audição do programa de doutorado (DMA) do New England Conservatory (NEC) em

Boston; e o objetivo de registrar minha evolução no estudo dos choros confirmou, mais uma

vez, que o registro de uma interpretação em áudio de alta qualidade, seguido de uma audição

detalhada, claro, é uma ferramenta muito eficiente no estudo vocal.

A gravação de outubro de 2009 permitiu que eu identificasse que, mesmo com toda a

minha dedicação, a parte A de Apanhei-te Cavaquinho apresentava uma lacuna de precisão na

emissão de dois pequenos trechos (compassos 6 e 14) que apresentam cromatismos

identificados como pontos de dificuldade no Quadro 3.4 (ver p. 130).

A escuta detalhada desta gravação ao lado de Rubim permitiu que eu reconhecesse

essa lacuna antes da audição do doutorado que ocorreu em fevereiro de 2010. Esse fato

permitiu que eu me preparasse melhor para a audição do NEC e durante o mês de janeiro

138
realizei um estudo diário das peças que iria apresentar na audição. Seguindo sugestão de

Dominique Eade, com quem tive aula preparatória para a audição, fiz um arranjo a cappella

criando um pout-pourri com um trecho de Sambadalu, Apanhei-te Cavaquinho e O Ovo.

Nesta segunda fase do meu estudo os compassos 6 e 14 de Apanhei-te Cavaquinho receberam

a devida atenção.

Apesar de não ter sido aprovada no programa de doutorado do NEC, após a audição,

recebi um feedback muito positivo de Dominique Eade a respeito da minha apresentação, uma

vez que ela compunha a banca do exame de performance. Além disso, o reconhecimento

tardio de uma dificuldade técnica pequena, muito mais simples do que outras exaustivamente

investigadas e solucionadas logo nos primeiros meses de estudo, apontou ajustes relevantes

para a abordagem metodológica de estudo do canto que esta pesquisa busca desenvolver.

3.3.2 Choro pro Zé

Choro pro Zé foi composto por Guinga especialmente para o saxofonista Zé Nogueira.

Aldir Blanc escreveu os versos interessantes que completam esta obra. A primeira gravação

deste choro é de 1993 e foi lançada no CD Delírio Carioca pela gravadora Velas. Participam

desta gravação: Lúcia Helena (voz); Guinga (violão); Nico Assumpção (baixo acústico);

Paulo Malaguti (teclados); Zé Nogueira homenageado (sax soprano); e Paulo Sérgio Santos

(sax soprano).

Em minha experiência pessoal, o trecho de maior dificuldade em Choro pro Zé

consiste na escala de tons inteiros que ocorre nos compassos (17-19) conforme foi apontado

no Quadro 3.4 (ver p. 130). Após análise de gravações de aulas com Rubim comparadas à

minha primeira gravação deste choro realizada em aula com Borgani em outubro de 2007,

pude conferir que um ano e meio depois (maio/2009), eu ainda apresentava certa insegurança

na execução da escala de tons inteiros. Somente na gravação de outubro de 2009 este trecho é

interpretado de forma mais segura (ver gravações no anexo I).

139
Outros pontos de dificuldade considerados significativos durante o estudo da peça

foram: a extensão de duas oitavas (Quadro 3.1, ver p. 125); a sequência de saltos localizada

próximo ao extremo agudo da minha extensão vocal, compassos (20-22 e 28-29) (Quadro 3.3,

ver p. 128); e os arpejos do compasso 27, conforme Quadro 3.5 (ver p. 132), que tem sua

dificuldade acentuada pela ocorrência de um intervalo de 3a maior ascendente entre eles.

A transcrição de aula com Rubim no dia 06 de abril de 2009 contém as informações

do relato a seguir. Conforme modelo adotado para apresentação do estudo detalhado de

Apanhei-te Cavaquinho no item anterior 3.3.1, trechos selecionados desta transcrição são

apresentados em formato de citação neste item.

Em um momento de duplo aprendizado (intérprete-professora), quase no fim da aula,

pedi supervisão a Rubim sobre como orientar os alunos no estudo de dois trechos de

dificuldade mais evidente em Choro pro Zé: (1) os arpejos do compasso 27; e (2) a escala de

tons inteiros nos compassos (17-19). Para apontar novas soluções Rubim partiu da minha

prática dos referidos trechos e das dúvidas que eu trazia.

Mostrei uma adaptação do vocalize com a tríade perfeita (8 5 3 1) e a sílaba /pi/ (ver

Ex. 3.2, p. 135) que realizei como proposta de exercício para o trecho do compasso 27.

EXEMPLO 3.3: adaptação do exercício 4 de Rubim (ver Ex. 1.17, p. 71) para treinamento da dificuldade
técnica no compasso 27 em Choro pro Zé.

Diferente da minha proposta, Rubim sugere pensar na sobreposição de terças menores

presente nos arpejos ao invés de pensar na seqüência inteira de quatro notas. Apoiada na idéia

de reagrupamento e no princípio do desdobramento adaptado de Carvalho (1982) apud Rubim

(2000) ela sugere o desmembramento do acorde em unidades menores. “Pensa no

140
agrupamento de duas em duas notas e esquece o intervalo que está entre os arpejos” (Rubim,

2009). O exemplo 3.4 a seguir demonstra essa mudança de acentuação proposta acima.

EXEMPLO 3.4: mudança de acentuação sugerida por Rubim como caminho de solução para trecho
do compasso 27.

Após a explicação e execução do exemplo acima, consultei Rubim sobre dúvidas que

eu tinha a respeito de insistir ou não com os alunos pela compreensão harmônica presente

num trecho de dificuldade. Perguntei a ela se o estudo aprofundado da harmonia facilita ou

cria mais uma dificuldade para o aluno de canto que está treinando trechos como o do

compasso 27.

Rubim você sabe que dependendo da situação você vai fazer uma escolha ou outra. Tem horas
que eu não posso pensar na harmonia e eu tenho que pensar intervalarmente e mapear as
alturas intervalares sinestesicamente. E tem horas que só a harmonia me salva, então não há
uma regra. Então, como professora você prepara as duas opções e dá ao aluno a chance de
escolher.
Rezende (refletindo sobre como escrever a dissertação) Tudo vai ter que entrar como sugestão
de caminho, porque não dá pra afirmar: este é o caminho. Porque o caminho não existe, né?
Cada um recebe a informação de um jeito. Quando eu recebo uma aluna que é baixista, pra ela
pensar em função harmônica é excelente, mas ela tem pouquíssima consciência da própria voz.
Eu parto da vantagem que ela já tem. (Continuo falando exemplificando meu discurso com a
aluna) Você sabe a nota, agora precisamos malhar a sua musculatura para que você seja capaz
de cantar essa nota que você já sabe qual é. (Aula de canto com Rubim, 06/04/2009, RJ).

Ainda na mesma aula, surge a polêmica sobre como estudar a escala de tons inteiros e

mais uma vez Rubim sugere a solução de agrupamento de duas em duas notas com base no

note-grouping (Thurmond, 1981). Na verdade, ela propõe uma solução muito semelhante à

anterior com a única diferença que o fraseado deste trecho é mais longo: “as notas devem ser

acentuadas de duas em duas até que o ouvido se acostume com essa melodia” (Rubim, 2009).

Conversando a respeito dos perigos dessa solução de estudo, Rubim e eu, em acordo com

141
Miller (1996), acreditamos que depois que o aluno tem domínio da relação intervalar presente

nesta melodia ele deve buscar o domínio do legato e liberdade na marcação rítmica, uma vez

que essa acentuação proposta não foi feita por uma escolha estético-interpretativa.

3.2.3 Sambadalú

Sambadalu foi composto por Marco Pereira especialmente para cantora brasileira

Luciana Souza, radicada nos Estados Unidos há mais de 10 anos. A primeira vez que tive

contato com essa peça foi ouvindo a gravação de Luciana Souza no CD Brazilian Duos II

(2005), mas a experiência mais marcante foi quando assisti um show ao vivo no qual ela

interpretou a peça acompanhada por Romero Lubambo. Em 5 de junho de 2007, no Teatro do

SESI em São Paulo, presenciei o depoimento de Souza contando que recebeu a partitura deste

samba-choro, como um presente de Marco Pereira, apenas dois dias antes de realizar a

gravação.

O depoimento de Souza, que poderia se transformar em uma lenda, foi confirmado

pessoalmente por Pereira quando eu assistia suas aulas de harmonia e improvisação como

aluna visitante na UFRJ em agosto de 2009. E eu fiquei ainda mais impressionada com o

depoimento de Souza, quando comecei a estudar a peça e me deparei com uma infinidade de

desafios técnicos. Durante o estudo desenvolvido, além da gravação de Luciana Souza, tive

como referência a gravação instrumental de Marco Pereira e Gabriel Grossi lançada no CD

Afinidades (2005)

Diferente do estudo dos choros descritos anteriormente, as tentativas de vocalizar

Sambadalu, com o devido apoio da partitura cedida pelo compositor (ver anexo IV), só teve

início após a experiência do estágio docente, momento em que eu já estava mais segura com

meu desenvolvimento técnico. Por esta razão meu estudo melódico desta peça foi mais

independente. A primeira aula com Rubim para mostrar meus progressos em Sambadalu foi

em 07 de julho de 2009. A seguir, são descritos os trechos mais relevantes desse encontro.

142
Como a peça foi composta para violão e voz, depois que Pereira me enviou a partitura

por correio eletrônico, iniciei meu estudo com apoio do violão. Não sou exímia violonista,

mas me acompanho tocando harmonias de várias peças que canto e também utilizo o

instrumento para compor. Até hoje não sou capaz de tocar a parte que foi escrita para o violão

em Sambadalu, mas aprendi e memorizei a melodia vocal na íntegra dobrando voz com o

dedilhado ao violão.

A aula descrita a seguir consiste em minha primeira apresentação da peça a Rubim

cantando e tocando a melodia no violão. Nesta data eu já era capaz de tocar e cantar a peça até

o compasso 96, mas Rubim me interrompe logo no compasso 25 para questionar aspectos da

ressonância. Segundo Rubim, o som estava muito preso, como se estivesse “engolido”, muito

provavelmente por causa da grande dificuldade técnica implícita em tocar e cantar uma peça

dessa natureza em sua fase inicial de estudo.

Nesta primeira interrupção Rubim sugere que eu direcione o som para o dente,

referindo-se aos incisivos superiores. Mais precisamente ela estava solicitando que eu

realizasse uma emissão com o foco de ressonância mais frontalizado. Como apresentei

dificuldades imediatamente, optamos por diminuir o andamento do metrônomo de 80 bps.

para 75 bps. e a execução foi facilitada.

Mais adiante foi trabalhado em aula o trecho do compasso 33-37 em que foi

identificada uma quebra de passagem de registro entre peito e cabeça. Para solucionar o

problema desta passagem, não foram adotados exercícios específicos, mas apenas o alerta de

Rubim foi suficiente para que eu fizesse uma mudança no foco de ressonância buscando

estabilidade.

Depois de apresentar o trecho estudado por completo (1-96) Rubim disse: “É isso

mesmo que você está fazendo. Agora é repetir, repetir, repetir” (Rubim, 2009). Durante o

diálogo de finalização da aula, em que eu perguntava sobre a estabilização vocal, ela ainda

143
explica: “A estabilidade facilita o estudo, não é um elemento a mais para complicar. Ela

limita, estabiliza e por isso liberta” (Rubim, 2009).

É importante destacar que neste momento de estudo com Rubim, praticamente não

utilizou-se o momento da aula para fazer aquecimento vocal ou para corrigir notas erradas na

melodia. Quanto mais se aproximava o final do programa de mestrado, mais eu identificava a

conquista de autonomia no estudo das peças. Esse fato, na verdade, significa que a estratégia

defendida por Rubim (2000) de ensino emancipado do canto estava funcionando comigo

também.

Além do trabalho para estabilização da ressonância proposto por Rubim, outro aspecto

aprimorado em Sambadalu, com base em Miller (1996), foi o estudo de dinâmica em alguns

trechos da peça. Porém, da mesma forma que Miller defende que o estudo dos vocalizes de

sustentação devem ser realizados após a aquisição de certo domínio técnico vocal, também os

exercícios de dinâmica propostos por ele exigem certa estabilidade. O Exemplo 3.5 apresenta

o exercício de dinâmica 13.3 de Miller (1996) e sua aplicação em um trecho de sustentação

selecionado de Sambadalu. Em acordo com Miller, o início do estudo de dinâmica somente

foi possível em uma fase mais adiantada do treinamento de Sambadalu e considera-se que

este é um dos aspectos da peça que ainda merece ser mais investigado.

EXEMPLO 3.5: Exercício 13.3 de (Miller, 1996, p. 176) e trecho com nota longa em Sambadalu.

144
Em meados de agosto de 2009 Pereira me forneceu uma partitura MIDI129 de um

arranjo que ele havia feito para um quarteto de violões. A partitura MIDI se demonstrou um

elemento facilitador do meu estudo uma vez que eu conseguia tocá-la no programa de

computador Sibelius em qualquer andamento desejado.

Em setembro de 2009, em parceria com o pianista Vitor Gonçalves, intensifiquei

minha prática de Sambadalu com o objetivo de registrar em estúdio o estágio do processo de

estudo com uma nova instrumentação (piano e voz), e também enriquecer meu portfólio com

a gravação de uma peça instrumental vocal e sem letra. Para escolha das sílabas utilizadas no

scat singing130 transcrevi as sílabas utilizadas por Luciana Souza nos primeiros 100

compassos da sua gravação para ter suas escolhas silábicas como referência e, a partir delas,

criei meu próprio conjunto de vocábulos.

129
Musical Instrument Digital Interface (MIDI) – Interface Digital para Instrumentos Musicais
130
Scat singing é uma técnica de improvisação vocal presente no Jazz que utiliza-se de vocábulos sem formação
de palavras.

145
CONCLUSÃO

Esta pesquisa verificou que a aplicação prática dos conceitos teóricos obtidos na

literatura fundamentada na fisiologia pode otimizar o desenvolvimento individual do

intérprete no estudo vocal de um repertório específico de choros. Embora seja evidente que o

aconselhamento técnico profissional contribua para o aprimoramento de qualquer cantor, nem

todo intérprete procura um professor de canto e, muitas vezes, não é imprescindível que ele o

faça para cantar de maneira satisfatória um repertório de pouca complexidade. No entanto,

aos cantores que aspiram conciliar a carreira de intérprete paralelamente à carreira de

professor de canto, o conhecimento do funcionamento vocal e da fisiologia do aparelho

fonador são ferramentas essenciais.

Para o cantor profissional, seja ele lírico ou popular, defende-se que o

aperfeiçoamento técnico vocal consiste no caminho mais seguro para o seu desenvolvimento.

O conhecimento da fisiologia, como o estudo aqui realizado a partir de Miller (1996), pode

proteger o cantor de causar danos ao seu aparelho vocal, além de ampliar sua percepção para

identificar lacunas de aprendizagem e, principalmente, capacitá-lo com um leque de soluções

técnicas eficazes.

Partindo desta premissa, neste trabalho foram investigados 8 aspectos técnicos vocais

selecionados de Miller (1996), considerados fundamentais no estudo do canto popular. Com

base na bibliografia da fonoaudiologia somada a literatura produzida por outros professores

de canto que ora investigam o funcionamento vocal, ora relatam suas experiências pessoais,

buscou-se ampliar a discussão em cada aspecto selecionado de Miller. O resultado dos

diálogos entre as afirmações de Miller (1996) e as opiniões dos outros autores consultados no

Capítulo 1 permite a visualização de uma ocorrência maior de semelhanças do que diferenças

entre as condutas adotadas no estudo técnico vocal de cantores populares ou líricos.

146
Verificou-se neste estudo que a principal diferença entre o canto popular e o canto lírico está

relacionada à escolhas estéticas e interpretativas de cada estilo e não à preparação do

instrumento. Deste modo, o estudo técnico vocal pode ser muito semelhante para os cantores

das duas áreas.

Outro achado importante desta pesquisa foi a constatação de que existe uma ordem

mais eficaz para a realização dos exercícios técnicos vocais. A partir da prática docente e de

minha experiência pessoal como cantora, foi constatado, por exemplo, que antes de conquistar

uma emissão vocal livre e estável é muito difícil que um intérprete consiga se aprimorar em

outros aspectos interpretativos, tais como o estudo da dinâmica ou do legato. Neste sentido,

aspectos vocais como agilidade e sustentação são amplamente discutidos no item 1.5 do

Capítulo 1 a fim de explicitar porque a execução de uma nota longa pode ser muito mais

difícil que um trecho que exige agilidade vocal.

A utilização do repertório de choros demonstrou que ele é uma ferramenta ainda mais

eficaz para o estudo técnico vocal do que o que foi previsto inicialmente. O estudo do

repertório de 8 choros pré-selecionados, devidamente descrito no Capítulo 3, confirmou as

duas hipóteses iniciais: (1) para se cantar choros é preciso um grande domínio técnico do

instrumento vocal e (2) o estudo sistemático do choro cantado é uma opção para aquisição de

domínio técnico vocal aplicado ao repertório de música brasileira. Entretanto, além de

confirmar as primeiras hipóteses desta pesquisa, a prática deste repertório possibilitou duas

outras constatações: (3) uma dificuldade técnica simples, muitas vezes, pode acompanhar um

intérprete por mais tempo do que um problema complexo, e (4) uma das funções do choro,

como ferramenta de estudo técnico vocal, é evidenciar as lacunas de desenvolvimento técnico

do cantor.

A partir da análise das gravações coletadas durante estágio docente, foi evidenciado

que o aluno que apresentava um rendimento médio/bom na interpretação de uma canção

147
pouco complexa, realizava, muitas vezes, uma performance desastrosa quando tentava

interpretar um choro. Por outro lado, esta ampliação do problema, promovida pelo uso do

repertório do choro, permitiu a busca por soluções destas dificuldades vocais pouco evidentes

durante a execução de um repertório menos complexo. Percebeu-se na prática docente que um

problema técnico simples permanecia por muito tempo na interpretação do aluno, por conta

da sua dificuldade em identificá-lo como uma lacuna no seu desenvolvimento. Neste sentido é

correto afirmar que o choro funciona como uma lente de aumento em cima dos problemas, o

que pode ser muito eficaz no primeiro estágio de desenvolvimento técnico vocal de um

cantor, quando a sua percepção auditiva ainda não está muito apurada para os detalhes da

emissão vocal.

O repertório de choro cantado traz tantos desafios técnicos que raramente um cantor

irá afirmar que consegue cantar tal melodia e ritmo sem um estudo prévio da peça em

questão. O desenvolvimento técnico de um cantor, assim como ocorre com qualquer

instrumentista, vai determinar o tempo de estudo necessário até que a melodia de um choro

possa ser executada com precisão. Ainda é válido ressaltar que, muitas vezes, somente após

resolver os problemas mais difíceis de uma peça é que o intérprete conseguirá localizar

detalhes que ainda precisam ser trabalhados, porém de soluções mais fáceis.

Diante da grande lacuna bibliográfica que existe com relação a este objeto de estudo,

optou-se por enfocar primeiramente a questão da técnica vocal, a fim de atender às demandas

fundamentais de cantores que ingressam no ensino acadêmico de canto popular no Brasil.

Para isso, o estudo de 8 choros cantados foi realizado sob um enfoque predominantemente

melódico, ou seja, em que a primeira preocupação era indicar caminhos para uma emissão

vocal livre e estável. Por conta desta escolha, são apontadas aqui temas para pesquisas

posteriores sob 3 aspectos considerados relevantes no estudo do choro cantado a saber: (1)

estudo rítmico do choro e as possibilidades vocais relacionadas; (2) estudo das harmonias dos

148
choros, linhas de baixo e sua relação com a melodia cantada; e (3) estudo sobre o improviso

instrumental presente no choro e sua relação com às possibilidades do improviso vocal.

149
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Apanhei-te Cavaquinho) São Paulo: CPC-UMES, 2005.

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154
ANEXOS

I - CD de áudio com 3 exemplos diferentes do estudo de Choro Pro Zé.


1. Choro pro Zé em aula com Cynthia Borgani - 11 de outubro de 2007
2. Choro pro Zé em aula com Mirna Rubim - 06 de abril de 2009
3. Choro pro Zé em estúdio com Vitor Gonçalves - 29 de outubro de 2009

Na faixa 1: o violão é um playback gravado por Fernando Corrêa especialmente para este
estudo – São Paulo.
Na faixa 3: piano e voz foram gravados simultaneamente no estúdio Zaga – Rio de Janeiro.

II - CD de áudio com gravação resultante de 3 choros estudados pela autora.


1. Sambadalu em estúdio - 29 de outubro de 2009
2. Apanhei-te Cavaquinho/O Ovo em estúdio - 29 de outubro de 2009
3. Choro pro Zé em estúdio - 29 de outubro de 2009

Todas as faixas foram gravadas por: Vitor Gonçalves (piano) e Daniela Rezende (voz) no
estúdio Zaga – Rio de Janeiro.

155
ANEXO III
Artigo publicado na Revista Fio da Ação
sobre experiência de estágio docente e Bolsa REUNI

156
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ANEXO IV
Partituras dos 8 choros estudados
e Tabelas atualizadas do AFI

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