Você está na página 1de 233

O CANTO POPULAR BRASILEIRO:

uma análise acústica e interpretativa

Adriana Noronha Piccolo

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO


CENTRO DE LETRAS E ARTES
ESCOLA DE MÚSICA

Orientador: Prof. Dr. Leonardo Fuks

Rio de Janeiro

2006
Adriana Noronha Piccolo

O CANTO POPULAR BRASILEIRO: uma análise acústica e interpretativa

Orientador: Prof. Dr. Leonardo Fuks

Dissertação submetida ao corpo docente da Escola de Música da


Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do grau de Mestre.

Aprovada por:

________________________________
Prof. Dr. Leonardo Fuks

________________________________
Profª. Dra. Elizabeth Travassos

________________________________
Prof. Dr. Samuel Araujo

Rio de Janeiro

2006
Dedico esse trabalho, como tudo
na minha vida, à minha mãe,
Anna Maria.
Razão de tudo que eu sou e
acredito. Exemplo de vida, garra,
companheirismo, amizade,
generosidade.
Amor tão grande que não coube
nesse mundo pequeno.
Onde quer que esteja, a certeza de
que está comigo, sempre.
AGRADECIMENTOS:

Ao Milton Nascimento, Caetano Veloso e Elis Regina (representada por seus filhos
Maria Rita, João Marcelo e Pedro Mariano), três dos maiores artistas da nossa música,
agradeço, antes de tudo, pelo talento, competência e sensibilidade, responsáveis pela
minha escolha profissional, dentre outros momentos muito felizes da minha vida.
Também pela confiança, generosidade e humildade na cessão do material, que nós,
cantores, sabemos o quanto é revelador.
E pelo estímulo responsável à pesquisa na área de canto popular, o que só me faz admirá-
los ainda mais.

À Marilene Gondim e ao Luiz Felipe Mäder (Dida), sem o seu empenho e carinho esse
trabalho não teria o brilho de contar com um material tão especial.

À Edna Franco e William Tardelli, da Universal, pelo profissionalismo, paciência e


gentileza com que sempre me atenderam.

Aos meus amigos do Museu Villa-Lobos, por todo apoio, força, torcida, paciência e
sugestões.

Aos professores Angela Herz, Clara Sandroni, Eliane Sampaio, Felipe Abreu, Marcelo
Rodolfo e Regina Machado, que tanto têm se empenhado em desenvolver um trabalho
sério de pesquisa e transmissão de conhecimento na área do ensino do canto, pela
disponibilidade e atenção que dispensaram em esclarecer as minhas dúvidas.

Ao Samuel Araújo, Elizabeth Travassos, Regina Meirelles, Marta Assumpção, Mirna


Rubim, Maíra Martins e Caio Senna pelas dicas, sugestões, orientações, e à Leila
Pinheiro, Elza Soares, Ney Matogrosso, mais uma vez, pelas entrevistas.

Ao Léo Fuks, pelas milhares de horas e discussões.

À cada um dos meus amigos e familiares por serem meu alicerce, a força que me faz
persistir nos meus raros, mas intensos, momentos de dúvida.

Ao meu pai.

Aos meus irmãos, Tony e Neco, maiores orgulhos da minha vida.

À Carol e ao João, exemplos de doçura e de continuidade de todo esse amor.

À Deus, que me deu isso tudo.


RESUMO

PICCOLO, Adriana Noronha. O canto popular brasileiro: uma análise acústica e


interpretativa. Orientador: Prof. Dr. Leonardo Fuks. Rio de Janeiro: UFRJ / EM, 2006.
Dissertação (Mestrado em Musicologia).

O trabalho tem como objetivos a descrição e a discussão dos processos de


transmissão e aprendizagem do canto popular e do canto lírico.
Discutimos o canto como um fator de identidade cultural, considerando as
questões como tradição e reinvenção, igualdade e diferença, nacionalismo e globalização
como alguns dos elementos formadores dessa identidade. Discutimos o conceito da
técnica vocal e apresentamos os contrastes entre o canto lírico e o canto popular brasileiro
urbano. Fazemos um relato da história da técnica vocal no Brasil e dos seus processos de
transmissão e aprendizagem, a partir do trabalho de Lucy Green sobre o ensino da música
popular e de informações prestadas por cantores consagrados da MPB, tais como Elza
Soares, Leila Pinheiro, Ney Matogrosso, Gal Costa e Maria Bethânia, e por professores
de canto, em entrevistas diretas ou nos meios de comunicação. A situação do ensino
formal é avaliada e descrita, onde apontamos os avanços e as falhas em sua
sistematização. Focalizamos o conceito de ornamentos e efeitos vocais, buscando
descrevê-los pormenorizadamente, relacionando-os com os gestos vocais detectados na
interpretação de três cantores, ícones da música popular brasileira: Elis Regina, Caetano
Veloso e Milton Nascimento.
A partir de dez fonogramas contendo apenas o canal de voz desses intérpretes,
sem acompanhamento instrumental, obtidos com autorização dos próprios ou de seus
representantes legais, fazemos um levantamento exaustivo dos gestos vocais por eles
utilizados, extraindo dados acústicos, perceptivos e estatísticos de suas ocorrências,
identificando, assim, um conjunto de técnicas características na interpretação do canto na
música popular brasileira.
O estudo produz, entre seus resultados, um material multimídia com uma proposta
de treinamento, um produto de interface para a exposição e possível exercício desses
gestos vocais.
ABSTRACT

The present study aimed at the description and discussion of learning processes of
brazilian popular singing, particularly from the MPB (música popular brasileira) genre, as
compared to those in classical singing.
Singing as a factor of cultural identity was addressed, regarding issues of musical
tradition and reinvention, equality and distinction, nationalism and globalization,
presumed as building blocks of said identity.
The concept of vocal technique was discussed, while some contrasting features
between popular-urban and classical singing were established.
Historical data on vocal technique and its transmission processes in Brasil were
presented, departing from the work by Lucy Green and information provided by top
Brazilian singers, such as Elza Soares, Leila Pinheiro, Ney Matogrosso, Gal Costa and
Maria Bethânia, and by influential singing teachers, through direct interviews or articles.
We described and evaluated the present state of formal singing education, where
we tried to point out some progresses and weak points in its implementation.
The concepts of ornaments and vocal effects were focused, as important
distinguishing elements of popular singing, with a tentative detailed description of each
effect and vocal gesture found among the data analysed in three iconic Brazilian singers:
Elis Regina, Milton Nascimento and Caetano Veloso.
Departing from ten phonograms, all of them obtained by special permission and
free of instrumental accompaniment, we detected and measured the occurrences and
features of the ornaments and vocal effects.
The resulting acoustical, perceptive, statistical and singing instructional data
enabled a better characterization of the MPB style of singing.
A multimedia material for audio and analysis display was also produced as a
proposal of a tool for training, research and demonstration of the vocal gestures of
singers.
ANEXOS

Anexo 1 - Entrevistas com cantores e professores de canto popular.....................p.179


1.1 Questionário aplicado aos professores de canto.....................................p.179
1.2 Questionário aplicado aos cantores Elza Soares, Leila Pinheiro e Ney
Matogrosso.......................................................................................................p.180
Anexo 2 – Transcrição de trecho da entrevista concedida por Elizeth Cardoso ao
Programa “Villa-Lobos–Alma Brasileira, Nº 1”, produzida pela Rádio Mec..............p.180
Anexo 3 - Descrição dos gestos vocais detectados nas canções...............................p.181
3.1 Elis Regina.................................................................................................p.181
3.1.1 Black is beautiful..........................................................................p.181
3.1.2 Como nossos pais.........................................................................p.187
3.1.3 Madalena......................................................................................p.192
3.2 Milton Nascimento....................................................................................p.197
3.2.1 Casa aberta..................................................................................p.197
3.2.2. Tristesse.......................................................................................p.198
3.2.3 Vozes do vento..............................................................................p.200
3.2.4 Voa bicho......................................................................................p.202
3.3 Caetano Veloso..........................................................................................p.204
3.3.1 Circuladô de fulô..........................................................................p.204
3.3.2 Fora da ordem..............................................................................p.208
3.3.3 Odara...........................................................................................p.212
Anexo 4 CD
4.1 Exemplos sonoros
Exemplo 1 – Fry
Exemplo 2 – Falsete
Exemplo 3 – Growl
Exemplo 4 – Voz nasal
Exemplo 5 – Voz tensa
Exemplo 6 – Voz gritada
Exemplo 7 – Voz rouca
Exemplo 8 – Voz “suja”
Exemplo 9 – Voz com a laringe abaixada
Exemplo 10 – Voz com ar
Exemplo 11 – Voz “ful”
Exemplo 12 – Voz falada
Exemplo 13 – Inspiração sonora
Exemplo 14 – Expiração sonora durante a emissão
Exemplo 15 – Expiração sonora no final da emissão
Exemplo 16 – Expiração sonora com suspiro
Exemplo 17 – Breque
Exemplo 18 – Variação dinâmica
Exemplo 19 – Acento
Exemplo 20 – Articulação exagerada
Exemplo 21 – Articulação cerrada
Exemplo 22 – Articulação pastosa
Exemplo 23 – Fonema alterado
Exemplo 24 – Vibrato
Exemplo 25 – Portamento
Exemplo 26 – Retardo e apojatura
Exemplo 27 – Antecipação
Exemplo 28 – Nota de passagem
Exemplo 29 – Grupeto
Exemplo 30 – Escapada
Exemplo 31 – Mordente e nota improvisada
Exemplo 32 – Efeitos combinados
Exemplo 33 – Efeitos combinados
Exemplo 34 – Efeitos combinados
Exemplo 35 – Vibrato com nota lisa de Caetano Veloso
Exemplo 36 – Vibrato com nota lisa de Caetano Veloso
Exemplo 37 – Vibrato com nota lisa de Caetano Veloso
Exemplo 38 – Vibrato com nota lisa de Elis Regina
Exemplo 39 – Vibrato com nota lisa de Elis Regina
Exemplo 40 – Vibrato com nota lisa de Elis Regina
Exemplo 41 – Cauda de um vibrato de Milton Nascimento
Exemplo 42 – Cauda de um vibrato de Milton Nascimento
Exemplo 43 – Cauda de um vibrato de Elis Regina
Exemplo 44 – Portamento de Elis Regina
Exemplo 45 – Portamento de Milton Nascimento
Exemplo 46 – Portamento de Milton Nascimento
Exemplo 47 – Portamento de Elis Regina
Exemplo 48 – Portamento de Milton Nascimento
4.2 Arquivos de apresentação
5.2.1 Como nossos pais
5.2.2 Exemplos de vibratos de Caetano Veloso
5.2.3 Exemplos de vibratos de Milton Nascimento
5.2.4 Exemplos de vibratos de Elis Regina
4.3 Gravações originais das músicas analisadas
5.3.1 Black is beautiful
5.3.2 Como nossos pais
5.3.3 Madalena
5.3.4 Casa aberta
5.3.5 Tristesse
5.3.6 Vozes do vento
5.3.7 Voa bicho
5.3.8 Circuladô de fulô
5.3.9 Fora da ordem
5.3.10 Odara
SUMÁRIO

CAPÍTULO 1. A MPB EM PRELÚDIO..........................................................................p.1


1.1 Considerações terminológicas – o canto lírico e o popular.......................p.1
1.1.1 A MPB.............................................................................................p.2
1.2 Questões.........................................................................................................p.3
1.3 Objetivos........................................................................................................p.7
1.4 Revisão da literatura.....................................................................................p.8
1.5 Metodologia.................................................................................................p.10
1.6 Estrutura da dissertação............................................................................p.11

CAPÍTULO 2. O CANTO COMO FATOR DE IDENTIDADE CULTURAL.............p.13


2.1 A nação como construtora de identidade..................................................p.13
2.1.1 Discussões para a definição da música brasileira.....................p.15
2.1.2 As idéias nacionalistas sobre o canto: Primeiro Congresso da
Língua Nacional Cantada.....................................................................p.16
2.1.2.1 A dicção..........................................................................p.17
2.1.2.2 A qualidade vocal (o “timbre”).......................................p.18
2.2 O reconhecimento: a identidade afetiva...................................................p.21
2.3 A identidade coletiva apesar das diferenças individuais.........................p.24
2.4 A diferença como construtora da noção de identidade coletiva.............p.25
2.5 Tradição e inovação....................................................................................p.26
2.6 Globalização e resistência cultural............................................................p.27

CAPÍTULO 3. AS TÉCNICAS VOCAIS E A SUA TRANSMISSÃO.........................p.32


3.1 O canto lírico – um pouco de história.......................................................p.32
3.1.1 A técnica vocal ocidental..............................................................p.32
3.1.2 A técnica vocal no Brasil..............................................................p.34
3.2 O canto popular – transmissão e aprendizagem......................................p.36
3.2.1 Como os músicos populares descrevem sua aprendizagem......p.36
3.2.1.1 O trabalho de L. Green: a aprendizagem do músico
popular.........................................................................................p.36
3.2.1.2 A imitação e a prática como aprendizagem.....................p.37
3.2.1.3 Maria Bethânia e as noites do Rio..................................p.38
3.2.1.4 Gal Costa e a panela........................................................p.39
3.2.1.5 Elza Soares e a lata d’água..............................................p.39
3.2.1.6 Deve-se ensinar o canto popular?....................................p.39
3.2.1.7 A procura pelo ensino formal de canto popular..............p.40
3.2.2 O professor de canto popular e sua formação...........................p.42
3.2.2.1 Quando surgem os primeiros professores........................p.42
3.2.2.2 Alguns perfis dos professores..........................................p.45
3.3 A situação do ensino do canto no Brasil....................................................p.46
3.3.1 Falhas na sistematização do ensino.............................................p.46
3.3.2 Cursos de formação de professores e cantores..........................p.47
3.3.3 A pesquisa como um caminho para a sistematização do ensino do
canto popular.........................................................................................p.49
3.3.4 Iniciativas em busca do conhecimento e de um diálogo
interdisciplinar......................................................................................p.52
3.3.4.1 Grupos de estudos...........................................................p.53
3.3.4.2 Encontros, Congressos, Associações e Sociedades.........p.54
3.3.5 Textos e Publicações....................................................................p.56

CAPÍTULO 4. TÉCNICA VOCAL E ESTILOS DE CANTO......................................p.59


4.1 Técnica vocal: em busca de uma definição...............................................p.59
4.1.1 Alguns objetivos da técnica vocal...............................................p.60
4.1.2 A técnica como busca de um resultado estético.........................p.61
4.1.2.1 Diferentes escolas de canto.............................................p.62
4.1.2.2 A defesa de uma técnica vocal para o canto lírico
brasileiro......................................................................................p.64
4.2 Discussões sobre uma possível técnica para o canto popular..................p.65
4.2.1 A técnica do canto lírico no ensino do canto popular...............p.65
4.2.2 O lírico canta popular, o popular canta lírico...........................p.70
4.2.2.1 Relato de uma experiência pessoal..................................p.72
4.2.3 Algumas dificuldades para a assunção de uma técnica de canto
popular...................................................................................................p.73
4.2.3.1 Aula de técnica vocal ou de canto popular?....................p.74
4.2.3.2 A saúde vocal e a técnica vocal.......................................p.74
4.3 Em busca de uma técnica não alinhada e as características do canto na
MPB....................................................................................................................p.78
4.3.1 Técnicas respiratórias e de “apoio”............................................p.80
4.3.2 Tecnologia - o microfone..............................................................p.80
4.3.3 A interpretação sobre virtuosismo vocal: emoção e improvisação
rítmica....................................................................................................p.81
4.3.4 Personalidade vocal......................................................................p.84
4.3.5 Efeitos interpretativos..................................................................p.85
4.3.5.1 Qualidade vocal...............................................................p.85
4.3.5.1.1 Registros...........................................................p.88
4.3.5.1.1.1 Fry......................................................p.92
4.3.5.1.1.2 Falsete ou voz de cabeça...................p.92
4.3.5.1.2 Growl................................................................p.93
4.3.5.1.3 Voz nasal..........................................................p.93
4.3.5.1.4 Voz tensa..........................................................p.93
4.3.5.1.5 Voz gritada........................................................p.94
4.3.5.1.6 Voz rouca..........................................................p.94
4.3.5.1.7 Voz “suja”.........................................................p.94
4.3.5.1.8 Voz com a laringe abaixada..............................p.94
4.3.5.1.9 Voz com ar........................................................p.95
4.3.5.1.10 Voz “ful” ........................................................p.95
4.3.5.1.11 Voz falada.......................................................p.95
4.3.5.2 Inspiração Sonora............................................................p.95
4.3.5.3 Expiração Sonora.............................................................p.96
4.3.5.4 Breque.............................................................................p.96
4.3.5.5 Variação dinâmica...........................................................p.96
4.3.5.6 Acento..............................................................................p.96
4.3.5.7 Articulação (exagerada, cerrada, pastosa).......................p.97
4.3.5.8 Fonema alterado..............................................................p.97
4.3.6 Improvisação melódica: os ornamentos.................................................p.97
4.3.6.1 Vibrato.............................................................................p.98
4.3.6.2 Portamento.....................................................................p.100
4.3.6.3 A família da apojatura...................................................p.101
4.3.6.3.1 Apojatura........................................................p.101
4.3.6.3.2 Retardo (ou suspensão)...................................p.101
4.3.6.3.3 Antecipação....................................................p.102
4.3.6.3.4 Nota de passagem (ou apojatura de passagem).......
.......................................................................................p.102
4.3.6.3.5 Grupeto...........................................................p.103
4.3.6.3.6 Nota escapada (échappée).............................. p.103
4.3.6.3.7 Mordente.........................................................p.104
4.3.6.4 Nota improvisada...........................................................p.104
4.4 Buscando e definindo parâmetros...........................................................p.104
4.4.1 Parâmetros de análise utilizados por outros autores..............p.105
4.4.2 Parâmetros analíticos escolhidos..............................................p.106
4.4.2.1 Pré-análise.....................................................................p.106
4.4.2.2 Nomes utilizados na literatura.......................................p.106
4.4.2.3 Nomes criados...............................................................p.106
4.4.2.4 Identificação dos recursos pelas diferentes estratégias de
produção....................................................................................p.107
4.4.2.5 Efeitos e ornamentos isolados ou combinados..............p.108
4.4.2.6 Esquema dos parâmetros de análise e categorias..........p.109

CAPÍTULO 5. MATERIAIS E MÉTODOS EMPREGADOS....................................p.111


5.1. Os cantores estudados e seus fonogramas..............................................p.111
5.1.1 A escolha dos intérpretes...........................................................p.111
5.1.2 Solicitação e autorização do canal de voz.................................p.112
5.1.3 A escolha das canções.................................................................p.113
5.1.4 O material obtido.......................................................................p.113
5.1.5 O material analisado..................................................................p.114
5.2 Métodos empregados................................................................................p.114
5.2.1 Edição e segmentação de gravações com solos........................p.115
5.2.2 Análises: freqüência fundamental, extração de curvas de altura,
duração.................................................................................................p.116
5.2.3 Sínteses: alteração de tempo para melhor percepção e
exemplificação......................................................................................p.116

CAPÍTULO 6. ESTUDOS DE CASO: TRÊS CANTORES........................................p.118


6.1 Resultados das análises acústicas a partir dos três cantores................p.118
6.1.1 Intérprete: Elis Regina...............................................................p.118
6.1.1.1 Black is beautiful...........................................................p.118
6.1.1.2 Como nossos pais..........................................................p.119
6.1.1.3 Madalena.......................................................................p.119
6.1.2 Intérprete: Milton Nascimento.................................................p.122
6.1.2.1 Casa aberta...................................................................p.122
6.1.2.2 Tristesse.........................................................................p.122
6.1.2.3 Vozes do vento ..............................................................p.123
6.1.2.4 Voa bicho.......................................................................p.123
6.1.3 Intérprete: Caetano Veloso.......................................................p.125
6.1.3.1 Circuladô de fulô...........................................................p.125
6.1.3.2 Fora da ordem...............................................................p.126
6.1.3.3 Odara.............................................................................p.126
6.2 Comparando os três cantores...................................................................p.129
6.2.1 Efeitos e ornamentos mais utilizados por cada um.................p.130
6.2.2 Semelhanças entre os três cantores...........................................p.130
6.2.3 Diferenças entre os três cantores..............................................p.131
6.3 Efeitos e ornamentos que aparecem combinados...................................p.132
6.4 Algumas características dos vibratos analisados...................................p.133
6.4.1 O vibrato de Caetano Veloso.....................................................p.133
6.4.2 O vibrato de Milton Nascimento...............................................p.135
6.4.3 O vibrato de Elis Regina............................................................p.136
6.5 Algumas características dos portamentos analisados............................p.137
6.6 Características do canto popular observadas nas análises....................p.139
6.6.1 Algumas diferenças entre o vibrato lírico e popular...............p.139
6.6.1.1 Taxa de vibrato..............................................................p.140
6.6.1.2 Extensão do vibrato.......................................................p.141
6.6.1.3 A cauda do vibrato: alteração da taxa do vibrato..........p.141
6.6.1.3.1 Variação da extensão na cauda do vibrato...p.144
6.6.1.4 O vibrato depois de nota lisa.........................................p.144
6.6.1.5 Considerações finais sobre semelhanças e diferenças entre o
vibrato lírico e popular..............................................................p.144
6.6.2 Portamentos................................................................................p.144
6.6.3 Qualidade vocal..........................................................................p.145
6.7 Ilustrações dos efeitos utilizados, nas letras de três canções.................p.146
6.7.1 Legenda dos sinais utilizados....................................................p.146
6.7.2 Intérprete: Elis Regina. Música: Como nossos pais................p.147
6.7.3 Intérprete: Caetano Veloso. Música: Circuladô de fulô.........p.148
6.7.4 Intérprete: Milton Nascimento. Música: Tristesse.................p.149

CAPÍTULO 7. DISCUSSÕES......................................................................................p.150
7.1 Escopo e limitações do estudo..................................................................p.150
7.1.1 Sobre o material analisado........................................................p.150
7.1.1.1 Cantores no laboratório e no estúdio.............................p.150
7.1.1.2 Vantagens na utilização do material livre de instrumentos
...................................................................................................p.151
7.1.1.3 Amostragem..................................................................p.151
7.1.1.4 Cálculos de freqüência das ocorrências.........................p.152
7.1.2 Aspectos perceptivos..................................................................p.153
7.1.2.1 A percepção do vibrato..................................................p.153
7.1.2.2 Quando considerar a existência de um portamento.......p.154
7.2 O contexto – o artista, o espaço e o tempo..............................................p.156
7.2.1 A canção no tempo: o jeito de cantar mudou?........................p.157
7.2.1.1 O artista na época das gravações...................................p.158
7.3 Em busca de uma pedagogia aplicada.....................................................p.159
7.3.1 Pode-se ensinar a fazer ornamentos?.......................................p.159
7.3.2 O sistema notacional pode ser usado?......................................p.159
7.3.2.1 O que dizem os songbooks?..........................................p.160
7.3.2.2 Outras formas de notação: representações gráficas.......p.161
7.3.3 Uma proposta pedagógica.........................................................p.162
7.3.3.1 O material editado.........................................................p.162
7.3.3.2 Interface.........................................................................p.163
7.3.3.3 Propostas de exercícios..................................................p.164
7.3.3.3.1 – O arquivo de apresentação como ferramenta de
estudo.............................................................................p.165
7.3.3.3.2 Audição, experimentação e gravação.............p.165
7.3.3.3.3 Exercícios que prescindem do gravador.........p.166

CAPÍTULO 8. CONCLUSÕES...................................................................................p.167

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................................................p.172

REFERÊNCIAS FONOGRÁFICAS............................................................................p.178
1

CAPÍTULO 1. A MPB EM PRELÚDIO

A música popular brasileira urbana é composta por diversos gêneros e a sua


interpretação é bastante variada. Podemos reconhecer um cantor sertanejo, um cantor de
axé music, um cantor lírico, um cantor evangélico, um cantor de bossa nova e tantos outros.
E o que faz com que possamos reconhecer esses estilos? Sabemos que, numa execução
vocal, estão em jogo dezenas de fatores que interagem e se influenciam entre si, desde as
características da própria canção, do seu arranjo, do gênero musical, da formação
instrumental, do andamento e da elaboração rítmica e melódica, até as interferências do
intérprete, que somará a tudo isso toda uma série de gestos vocais que cada um carrega com
sua própria personalidade interpretativa tais como improvisações rítmicas e melódicas, que
incluem portamentos, apojaturas e vibratos, entre outros, recursos vocais como o uso
respirações e ainda a maneira peculiar de utilização do aparato vocal.

1.1 Considerações terminológicas – o canto lírico e o popular

Antes de entrarmos na apresentação desse trabalho, tecemos algumas considerações


sobre os termos utilizados, para o melhor entendimento do nosso objeto de estudo.
A discussão dos significados de termos como clássico, erudito, popular e folclórico
já foram exaustivamente contemplados por diversos autores (ANDRADE, 1962;
ALVARENGA, 1950; BRANDÃO, 2003; SANDRONI, 2004), e não nos propomos a
discuti-las novamente, a fim de não desviarmos do nosso assunto principal.
Sandroni (2004, p. 26) lembra que a maneira de delimitar estilos de música pode
sofrer variações importantes de um país para outro, mesmo em sociedades culturalmente
próximas. Na França, por exemplo, a música popular francesa corresponderia ao que
chamamos aqui de “música folclórica”.
Da mesma forma, ressaltamos que, no Brasil, utiliza-se termos distintos para fazer
referência ao instrumento ou voz do mesmo estilo musical – clássico, lírico ou erudito, por
um lado, e popular, por outro. Usa-se o estudo do violão clássico ou do violão popular.
Muito raramente, há referências ao estudo do violão erudito. Usa-se o canto lírico ou o
canto popular. Poucos dizem que estudam o canto clássico ou o canto erudito.
Sabemos ainda que, da maneira como são utilizados, esses termos - clássico,
erudito, lírico e popular, para não citarmos o folclórico - não correspondem
2

necessariamente a definição de seus conceitos isoladamente, já que, dentro deles, há uma


enorme gama de outros estilos.
O chamado canto erudito ocidental (em inglês, western classical singing) está
fortemente associado à tradição européia da ópera desde o século XVII, mais comumente
referido no Brasil como “canto lírico”. Entretanto, a utilização do termo “canto lírico” para
designar o canto operístico de uma maneira geral pode parecer imprecisa, já que o termo
operístico “lírico” se refere também a uma maneira de cantar, a uma classificação vocal e
mesmo a um perfil de personagem, que implica em leveza e fluência vocais, contrastando
com o termo “dramático”, por exemplo. Ainda assim, optamos por adotar o termo “canto
lírico” para designar o canto ligado à ópera e ao bel canto de origem italiana, por ser ele o
usado pela maioria dos professores, cantores e estudantes de canto e por ser principalmente
a eles que se referem os tratados e métodos de canto e os diversos estudos relativos aos
diferentes aspectos do canto.
O canto popular, por sua vez, também abrange diversos estilos: o pop, o
rock, o samba, o sertanejo, o jazz, o country, o folk e o gospel, só para citar alguns. Neste
trabalho, ao citarmos o canto popular, estaremos nos referindo ao canto popular brasileiro
urbano, veiculado pelas rádios desde o seu surgimento principalmente no eixo Rio-São
Paulo, associado ao, como veremos pouco preciso, termo MPB.

1.1.1 A MPB

A discussão acerca do significado da sigla “MPB”, por sua vez, poderia render outro
artigo, o que também não é nossa intenção, já que foi discutido com muita propriedade por
diversos autores (MENDES, 2005; PERRONE; DUNN, 2001; SANDRONI, 2004;
ULHÔA, 2003; VIANNA, 2004).
Apesar de sua tradução significar o nome abrangente de música popular brasileira,
a sigla MPB não se aplica a toda e qualquer música popular brasileira. Também não
designa um gênero musical. Empregada desde pelo menos 1960 por Ary Barroso, na
contracapa do LP Bossa Nova, de Carlos Lira (ENCICLOPÉDIA da Música Brasileira,
1998), seu uso ganhou impulso com os Festivais da Canção realizados a partir de 1965 e o
momento político-cultural que o Brasil atravessava naquela época. Por volta de 1966,
entendia-se por MPB (ou MMPB, Moderna Música Popular Brasileira) toda música feita no
Brasil, salvo o rock e os gêneros aparentados (soul, blues etc.) e, em seguida, devido à forte
3

influência desses estilos, passou a representar toda música brasileira que não fosse
eminentemente roqueira, embora pudesse ter influências do pop-rock. Também não
abarcava o samba de raiz, a música brega ou os artistas ligados à velha guarda, “embora
inspirassem reverência ou simpatia aos artistas militantes desta sigla”. Aos poucos, passou
a representar toda música feita no Brasil e cantada em português. (EMB, 1998).
Sandroni (2004, p. 29-31) afirma que a força da noção da MPB entre os anos 1960 e
1980 estava ligada à confluência de três fatores: servia ao mesmo tempo como categoria
analítica (distinguindo-se da música “erudita” - urbana, autoral e mediada, e da
“folclórica”, rural, anônima e não mediada), como opção ideológica (era como uma senha
de identificação político-cultural, que representava um universo de valores e referências
que incluía a “defesa nacional” num período do país marcado pela censura e pelas lutas
democráticas) e como perfil de consumo (como uma “etiqueta mercadológica”). A partir
dos anos 1990, a MPB passa a significar unicamente a adesão a um segmento do mercado
musical composto por grupos sociais de variado recorte e procedência.
Para definirmos a MPB, hoje, devemos considerá-la como um produto da história,
um produto globalizado que, em decorrência da crescente competitividade e acirramento do
mercado, verificada ininterruptamente principalmente a partir do surgimento do rádio no
final da década de 1920, contribuiu para a profissionalização do canto popular.

1.2 Questões

A idéia dessa pesquisa surgiu a partir da minha experiência como cantora,


professora e aluna de canto popular. Há alguns anos atrás, comecei a perceber que, depois
que comecei a ter aulas de canto, passei a ter dificuldades de cantar em público, mesmo o
público reunido informalmente em rodas de violão. Quando cantava com os procedimentos
que aprendia em aula, não me sentia confortável e, quando cantava da maneira que me
sentia à vontade, ganhava depois “pitos” da minha professora, como se tivesse feito “tudo
errado”. Passei a observar que algumas outras colegas que cantavam o repertório popular e
tinham aulas de canto, tinham dificuldades semelhantes. Resolvi, então, na monografia
(PICCOLO, 2003) para conclusão do Curso de Licenciatura em Educação Artística –
Habilitação em Música da Universidade do Rio de Janeiro, investigar a formação do cantor
popular, do professor de canto popular, e como este vem construindo seu método de ensino.
Intitulada “O Canto Popular Brasileiro – a caminho da escola”, e sob orientação do
4

professor Roberto Gnattali, a pesquisa foi feita a partir de entrevistas com três cantores
consagrados da MPB – Elza Soares, Leila Pinheiro e Ney Matogrosso – e seis professores
de canto: um que se utilizava explicitamente da técnica do canto lírico e os outros que
trabalhavam sobre o repertório da música popular.
A partir daquele trabalho, surgiram outras questões que contribuíram de forma
decisiva para a escolha do tema dessa pesquisa.
Vimos que, tal como outras manifestações da cultura popular, a interpretação da
MPB tem sido aprendida e repassada de geração a geração. O cantor popular, na maioria
das vezes, aprende seu ofício ouvindo e imitando. Vale lembrar que ainda persiste uma
crença muito disseminada de que o canto popular, tal como a música popular de um modo
geral, não deve ser ensinado já que o “verdadeiro” artista deve ter o “dom natural”. Já dizia
Noel Rosa, em 1933, na letra da consagrada canção “Feitio de Oração”: “Batuque é um
privilégio / Ninguém aprende samba no colégio”.
Gal Costa, em entrevista ao “Programa do Jô” (TV Globo), veiculada no dia 13 de
dezembro de 2002, disse ter experimentado sonoridades direcionando sua voz para o
interior de grandes panelas, a fim de melhor se ouvir. Ney Matogrosso, Elza Soares e Leila
Pinheiro contaram ter aprendido sozinhos, na prática e desde crianças (PICCOLO, 2003).
Essa forma de aprendizagem vem trazendo resultados que dispensam adjetivos, como
podemos verificar ouvindo esses e tantos outros grandes cantores da nossa música.
Apesar disso, os três cantores entrevistados na referida monografia disseram ter
procurado professores de canto mais tarde, e cada qual por um motivo diferente. Leila
Pinheiro contou que teve problemas de calos nas pregas vocais. Fez o tratamento com uma
fonoaudióloga que a indicou que fizesse um treinamento vocal. Ney Matogrosso disse ter
procurado o professor porque “queria ter mais notas graves”. Elza Soares contou que a todo
momento ouvia falar de professor de canto e, por pura curiosidade, resolver verificar se era
bom. Acabou, segundo ela, sendo dispensada na primeira aula, com a justificativa do
professor de que era ela quem tinha que ensinar para ele a sua técnica.
Constatamos então que, principalmente a partir da década de 1980, intérpretes
consagrados e iniciantes vêm procurando professores de canto popular para aperfeiçoar
suas habilidades e saúde vocal, o que impulsionou – ou foi impulsionado por ele - o
surgimento desses profissionais do ensino.
5

A segunda questão surgiu porque todos os seis professores entrevistados disseram


ter aprendido a técnica da escola lírica de canto e que, intuitivamente, vêm adaptando essa
técnica para ensinar o canto popular 1 . Como não há uma tradição em pesquisa da técnica
popular de canto no país e, menos ainda, de canto popular brasileiro, também não há
especialistas nessa área. Ou seja, não há um treinamento formal para o professor de canto
que considere as especificidades do canto popular brasileiro e, mais especificamente, a
MPB.
Outra questão surgiu, e muito possivelmente é conseqüência da lacuna relatada
acima, ao notarmos que alguns alunos enfrentam dificuldades para adaptar a técnica que
aprendem em aula – a tal técnica adaptada - para o que tentam reproduzir, a partir das suas
referências auditivas que são, em geral, os cantores consagrados da MPB 2 .
Notamos ainda que algumas colocações repetidas de forma sistemática, se não
forem aprofundadas e discutidas, podem gerar mal-entendidos e conseqüências negativas
para o aprendizado. O uso de nomenclaturas distintas para significados iguais e vice-versa,
por exemplo, são comuns em várias áreas de conhecimento. A questão da “técnica” no
canto é uma delas. Há quase um consenso no discurso dos professores de que, como o
aparato vocal é um só, a “técnica” para o seu aprendizado independe do gênero musical.
Ora, se percebemos que o canto popular brasileiro possui características bem diversas do
canto lírico e até de outros cantos populares como o gospel ou o sertanejo, por exemplo, ele
deve ser trabalhado de maneira específica para a reprodução de sua sonoridade.
Acreditamos que, portanto, existe uma técnica 3 específica para a sua execução, que não
pode ser desprezada.
Em outra monografia sobre o ensino do canto popular (CASTRO, 2002), os
professores entrevistados explicaram que ensinam trabalhando “técnicas” de respiração,
postura, equilíbrio, relaxamento, tônus muscular, apoio 4 , abertura de peito, aquecimento,
flexibilidade, percepção, extensão vocal, ataques e cortes, emissão com uniformidade,

1
Para obter mais depoimentos de professores sobre o assunto, ver também Castro (2002).
2
Na verdade, essa questão foi uma das que serviram para definir a escolha do tema da monografia. Ao final, concluímos
que ela pode ser conseqüência da falta de professor treinado para o ensino de canto popular.
3
Técnica é a ”parte material ou o conjunto de processos de uma arte [...]; maneira, jeito ou habilidade especial de executar
ou fazer algo [...]; prática”. (FERREIRA, 1975, p.1371).
4
O termo “apoio”, freqüentemente usado por professores e outros profissionais do canto (e também por instrumentistas de
sopro), é de definição pouco precisa por estar associado a uma combinação de manobras respiratórias, fonatórias e mesmo
articulatórias, no caso da voz. Em termos respiratórios, o “apoio” geralmente implica numa sistemática contração da
musculatura abdominal, expiratória, e na participação antagônica do diafragma, músculo inspiratório.
6

dinâmica, ressonância, articulação, projeção, sustentação. Podemos supor por esses


depoimentos que a tal técnica única defendida pelos professores se refere à adequada
utilização desses recursos. Mesmo assim, não acreditamos que a eficiência naqueles
quesitos definirá uma realização vocal como popular, já que muitos deles, isoladamente,
podem ser utilizados da mesma maneira para produzir sons de variadas características 5 .
Numa outra abordagem para o ensino do canto popular, publicada em estudos
lançados recentemente (LEITE, 2001; GOULART; COOPER, 2000), apresenta-se como
novidade exercícios baseados na estética da música popular brasileira. Representam, sem
dúvida, um passo importante para o reconhecimento e a busca de um ensino voltado para as
especificidades do canto brasileiro, mas não propõem uma técnica de canto popular, já que
o que define a popularidade do canto é a prática interpretativa da canção e, por esse motivo,
não basta que ela obedeça a determinados padrões melódicos, rítmicos ou harmônicos para
que a interpretação esteja de acordo com o seu estilo.
Avaliando apenas esses pontos, poderíamos concluir que os professores acreditam
numa “técnica de canto” comum a todos os estilos. Porém, todos os entrevistados
concordaram que, num determinado momento, haveria uma mudança, uma “bifurcação”,
que dizia respeito à estética de um gênero ou de um estilo musical.
Notamos ainda que, em relação às questões de estilo, alguns professores se
mostraram preocupados com a produção de cantores em série ao se ensinar o canto baseado
na estética da MPB, já que isso poderia dissimular a naturalidade e a personalidade do
intérprete, características marcantes da música popular (PICCOLO, 2003). É de
conhecimento geral, porém, que cada voz é única, pessoal e intransferível, e muitas vezes
comparada a uma impressão digital. Por mais que se imite um cantor, não o substituiremos
jamais. Se fosse fácil criar “clones” de cantores, não haveria o culto e o desejo por uma
nova Elis Regina: ela já teria surgido há muito, considerando as inúmeras cantoras para
quem ela serve de referência. Podemos dar como exemplo da força da sua personalidade a
revelação de sua filha, a cantora Maria Rita, que gerou frisson junto ao público pela
semelhança gestual, interpretativa e de qualidade vocal. Aos poucos, no entanto, vai se
percebendo que, por mais que tenha herdado da mãe características físicas e

5
O som vocal é produzido a partir de uma série de mecanismos simultâneos. Suas particularidades serão alcançadas
principalmente através das ressonâncias e dos registros vocais. Respiração, tônus muscular, dinâmica e outros recursos
citados podem ser usados da mesma maneira por cantores de estilos completamente diferentes.
7

comportamentais, ela possui suas particularidades naquelas três categorias em que tanto se
assemelha, além de apresentar uma série de gestos vocais que aparentemente são próprios.
Podemos ouvir as vozes de Pavarotti e Carreras e perceber a mesma “escola” de canto mas
podemos também reconhecer quem é quem. Em nosso entender, a argumentação de se
buscar um estilo pessoal de interpretação não justifica que se abra mão das características
de um gênero ou estilo musical.
Outra questão que gostaríamos de ressaltar mas que, no entanto, não será objeto de
investigação desta pesquisa por motivos de tempo e de condições instrumentais, é a
preocupação demonstrada pelos professores de canto com a saúde vocal. Percebemos isso
tanto nas entrevistas, como vimos notando em diversas palestras e cursos com professores
de canto. A idéia disseminada pelo senso comum de que “o canto popular faz mal à voz”,
ou melhor, que determinados recursos vocais ou configurações do trato vocal utilizados
pelo canto popular podem ser danosos a ele, parece carregada de preconceito e pode trazer
conseqüências estranhas ao ensino do canto popular. Por vir servindo com mais freqüência
como objeto de estudos acadêmicos e ter iniciado a sistematização de seu ensino há
algumas décadas, a técnica do canto lírico tem sido muitas vezes apontada como a técnica
“certa”, que não causa danos ao trato vocal, e que, aquela que não seguir os seus preceitos,
conseqüentemente, estará “errada” e muito provavelmente poderá trazer conseqüências
irreversíveis ao cantor. Na verdade, não existem estudos sistemáticos e pesquisas médicas
específicas sobre a utilização do trato vocal no canto popular. Há demonstrações empíricas
de cantores populares que têm as vozes alteradas depois de anos de uso. Há hipóteses, mas
não se pode afirmar com precisão o que os levou. Deve-se considerar, dentre muitos outros
aspectos, até mesmo os hábitos e condições de apresentações do cantor popular, que muitas
vezes fumam, bebem, cantam tarde, por muitas horas, em locais barulhentos. Chamamos a
atenção para esse fato porque, sob essa argumentação, alguns aspectos fundamentais e
cararcterísticos da interpretação do canto popular, definidoras até mesmo de seu estilo,
podem estar sendo desprezados em nome de uma pretensa “saúde vocal”.

1.3 Objetivos

Buscamos investigar, a partir da análise de dez canções interpretadas por três


cantores consagrados da música popular brasileira urbana, Elis Regina, Milton Nascimento
e Caetano Veloso, se há indícios de algum tipo de paradigma interpretativo nesse
8

repertório. É possível reconhecer um cantor de MPB? Sua interpretação é peculiar? O que


a torna reconhecível? Tentamos fazer essa avaliação através de três enfoques: o conjunto de
gestos vocais individuais, os gestos vocais comuns entre os três e os gestos vocais
exclusivos na interpretação de cada um. Dessa forma, pretendemos sinalizar a existência de
elementos que possam ser reconhecidos como característicos da interpretação do repertório
conhecido como MPB.
Também discutimos em que medida as características do canto popular vêm sendo
consideradas pelos professores e trabalhadas nas aulas de canto.
Queremos ressaltar que nossa proposta inicial não é apresentar uma nova técnica de
ensino nem propor que se despreze a tradição de transmissão e aprendizagem já utilizadas,
embora os resultados obtidos, quais sejam alguns aspectos da interpretação vocal da música
popular brasileira, podem vir a ser utilizados como subsídios para o desenvolvimento de
métodos de ensino e, conseqüentemente, contemplados em salas de aula.
Procuramos descrever algumas engrenagens do funcionamento de uma prática que
já possui uma “técnica automatizada” para que se possa produzir uma “técnica
sistematizada”, criando um inventário de certos elementos constituintes do fazer musical
baseado na estética da música popular brasileira.
Nosso objetivo é oferecer para pesquisadores, professores, estudantes e cantores
subsídios para discussões no campo do treinamento musical, para que se possa realizar uma
transmissão cada vez mais sistemática e efetiva dessa música.

1.4 Revisão da literatura

As pesquisas sobre as características do canto popular ainda são poucas mas o


interesse e as discussões têm aumentado a cada ano.
Num enfoque mais histórico, ou jornalístico, muitos autores (BRITO, 2005;
CAMPOS, 2005; SEVERIANO; MELLO, 1997; TINHORÃO, 1986) lembram que, desde
o surgimento da música popular urbana no Brasil, sua interpretação vem sofrendo
modificações causadas em grande parte por evoluções tecnológicas e influências externas.
Alguns marcos importantes foram o advento do sistema eletromagnético de gravação de
som, no final da década de 1920, e o surgimento da bossa nova, nos anos de 1960. As
discussões, no entanto, resumem-se a relatos superficiais sobre a influência do bel canto
como referência estética no início do século XX e, depois, na maneira mais cool de
9

interpretar estimulada tanto pelo surgimento do microfone e das novas técnicas de gravação
como pela influência da música americana.
Profissionais do canto também vêm desenvolvendo pesquisas, dentro ou fora da
academia. Regina Machado, professora de canto popular e de “História do Canto na MPB”
da UNICAMP/SP, vem pesquisando a trajetória do canto popular brasileiro e sua
dissertação de mestrado, em andamento, é sobre “a voz na canção brasileira com enfoque
sobre os acontecimentos estéticos e artísticos da Vanguarda Paulista”.
O professor de canto popular Felipe Abreu tem apresentado diversas palestras e
cursos sobre o tema. Em artigos publicados na Revista Backstage (2000) e no volume Ao
Encontro da Palavra Cantada (2001), faz um interessante levantamento, análise e
comparação das principais características do canto popular e do canto lírico.
Na área da fonoaudiologia, Marta Assumpção de Andrada e Silva (2001) pesquisou
as características de emissão do samba carioca, analisando 79 gravações entre 1917 e 1998.
O objetivo foi investigar se há um padrão acústico vocal específico e determinado para cada
gênero musical e assim estabelecer uma tipologia da voz no samba, aplicando
conhecimentos da Fonoaudiologia e da Semiótica aos estudos da voz cantada.
Samuel Araújo, Leonardo Fuks, Ulisses Amaral e Yahn Wagner Ferreira Pinto
(2003) propõem um diálogo interdisciplinar envolvendo a acústica musical, a fisiologia da
voz e a etnomusicologia e, a partir da análise do canto do sambista Elton Medeiros, fazem
uma “investigação das características interpretativas individuais que podem influenciar a
elaboração de uma composição e, até mesmo, a constituição de um gênero”.
As pesquisas sobre o canto popular americano estão bem mais avançadas. Com um
viés antropológico-cultural, Alan Lomax, em 1961, desenvolveu o Cantometrics Project,
com o objetivo de descrever e tipificar performances vocais de músicas folclóricas de modo
que elas pudessem depois ser comparadas de uma cultura para outra. Ele pretendia
relacionar os estilos de canto com as características da estrutura social de cada grupo e com
isso até traçar as principais trilhas da migração humana. A determinado momento chega a
afirmar: “Esperamos que cada estilo possa ser reestabelecido em seu espaço cultural e
comece novamente a desenvolver-se a seu próprio curso, provendo um novo ponto de
reagrupamento para a manutenção da variedade cultural” (LOMAX, 1968, p.9).
10

Pesquisas e métodos de ensino também vêm sendo produzidos sobre uma técnica
muito utilizada nos musicais americanos, o belt 6 . No método “Vocal Power”, desenvolvido
por Elizabeth Howard e Howard Austin (2002), os professores propõem uma base técnica
comum que serviria a todos os estilos vocais, do jazz ao lírico.

1.5 Metodologia

Na presente pesquisa, a ferramenta metodológica utilizada vai de encontro, de um


modo geral, com a proposta de Philip Tagg (2003) para a análise da música popular e com
o método estruturalista de Claude Lévi-Strauss (1970).
Tagg sugere a criação de uma lista de parâmetros de expressão musical e a
identificação de musemas, que seriam unidades mínimas de expressão que, ao reincidirem,
acabam servindo como um fator de identificação de um objeto. O estabelecimento desses
musemas se daria por meio de comparação entre objetos. Além disso, propõe um teste de
conclusões através de substituição hipotética.
Lévi-Strauss, por sua vez, defendia que o mito “como o resto da linguagem, é
formado por unidades constituintes” que devem ser identificadas, isoladas e relacionadas
com uma ampla rede de significados, possibilitando posterior comparações entre sistemas
de coordenadas variados. Procuramos, com esse trabalho, identificar e descrever algumas
das unidades constituintes da interpretação do canto popular brasileiro.
A pesquisa foi realizada em duas etapas. Na primeira, através da audição de
gravações, identificamos as categorias e os parâmetros a serem analisados: variações de
dinâmica, ornamentos melódicos, o uso da respiração e outros. Depois, partimos para
localizar os nossos musemas, que chamamos de efeitos ou ornamentos, com a respectiva
identificação e descrição.
Na segunda, através de programas de computador, fazemos uma análise acústica de
algumas amostras selecionadas, medindo ou estimando variações de freqüência e duração,
além de número de ciclos, no caso dos vibratos. Também utilizamos gráficos que auxiliam
na compreensão e representação dos ornamentos. Com a combinação dessas análises,
pretendemos reduzir a margem de erro que uma avaliação meramente empírica ou técnica
poderia acarretar.

6
Belt ou Belting – polêmica técnica para canto feminino típica dos musicais da Broadway, em que há a
tentativa de emular o registro de peito numa tessitura mais aguda que a habitual. (ABREU, 2004, p 5)
11

Com todos esses procedimentos utilizados, ao final de cada canção, pudemos


verificar com que freqüência apareceram determinados gestos vocais em cada canção, quais
são suas características e, ainda, comparar com outras canções do mesmo artista e de outros
intérpretes.
Optamos também pela utilização de entrevistas com professores e cantores já que
não há bibliografia específica sobre o surgimento do professor de canto popular no Brasil e
a criação de seu método de ensino. As entrevistas, do tipo focalizada, foram na quase
totalidade realizadas através de conversa pessoal e para a monografia citada (PICCOLO,
2003). Apenas a entrevista com a professora Angela Herz e o esclarecimento de algumas
dúvidas com Felipe Abreu foram efetuadas para esta pesquisa. Somente Leila Pinheiro,
Felipe Abreu e Angela Herz responderam as perguntas através de correio eletrônico. As
mesmas perguntas foram formuladas para todos mas, eventualmente, uma outra questão era
inserida, de acordo com a necessidade verificada.

1.6 Estrutura da dissertação

A dissertação está estruturada da seguinte maneira: neste, que é o primeiro


capítulo, apresentamos as questões, os objetivos, a revisão da literatura, a metodologia e a
estrutura do trabalho. No segundo capítulo, discutimos, a partir de revisão bibliográfica,
como o canto representa um instrumento de identificação de uma comunidade, assim como
acontece com as diversas manifestações artísticas populares. No caso do canto, essa
identificação se dá através não só do repertório e das características da própria canção
brasileira, mas também pela maneira de fazer. Como os cantores criam a sua própria
interpretação, que ressonâncias 7 utilizam, que tipos de vibratos ou outros recursos, o que
priorizam ao interpretar, ou seja, todo esse conjunto de elementos é que vai tornar o canto
peculiar e reconhecível ao nosso grupo cultural. Nesse contexto, apresentamos as principais
discussões que permearam o Primeiro Congresso da Língua Nacional Cantada, num
movimento de defesa de uma técnica vocal para o canto lírico brasileiro.
A partir de revisão bibliográfica e entrevistas com profissionais da área, professores
e intérpretes, fazemos, no terceiro capítulo, uma breve abordagem histórica das principais

7
Ressonância é o fenômeno de reflexo e amplificação do som vocal nas paredes e cavidades do trato vocal.
Os tubos do instrumento começam a desenvolver ondas em resposta a uma outra fonte, o sistema entra em
vibração e as ondas executadas passam a vibrar o ar na mesma freqüência da fonte.
12

técnicas vocais ocidentais, do canto lírico e do canto popular, e de suas transmissões,


considerando as práticas de aprendizagem informal no caso do canto popular e o
surgimento e formação do professor de canto popular na década de 1980, principalmente no
Rio de Janeiro.
No quarto capítulo, intitulado “Técnica vocal e estilos de canto”, discutimos a
relação da técnica vocal com os diferentes estilos de canto, as escolas e seus objetivos.
Apresentamos os objetivos da técnica vocal e consideramos, a partir de entrevistas com
professores de canto, a possibilidade de desenvolvimento de um método de ensino do canto
popular brasileiro, a partir ou não da técnica do canto lírico. Nessa seção, mostramos ainda
como os professores de canto popular vêm criando seus próprios métodos de ensino. Em
outra seção, apresentamos nossa hipótese de existência de características interpretativas
próprias do canto popular brasileiro, o ponto de partida para a sistematização de seu ensino,
e fazemos uma breve definição dos parâmetros identificados nas análises.
No quinto capítulo, apresentamos os materiais e métodos empregados nas
análises, como os programas de edição, de análise e de sínteses assistidas por computador.
Relatamos como se deu a escolha dos intérpretes e de suas canções, a obtenção dos
materiais e a definição de quais parâmetros seriam analisados.
No sexto capitulo, apresentamos os três cantores selecionados e os seus
fonogramas, e, finalmente, descrição dos eventos e os resultados das análises e das sínteses
em cada música.
No sétimo capítulo, discutimos os processos de análise dos dados, o escopo e as
limitações do trabalho, confrontando os resultados com as considerações anteriores e os
depoimentos contidos nas entrevistas. Apresentamos ainda algumas alternativas para uma
pedagogia assisitida por computador. No capítulo final, apresentamos nossas conclusões.
13

CAPÍTULO 2. O CANTO COMO FATOR DE IDENTIDADE CULTURAL

Neste capítulo, discutimos o canto como representação cultural e identitária,


incluindo questões como tradição e reinvenção, identidade e diferença, nacionalismo e
globalização.
Segundo o Ferreira (1975, p. 743), a identidade é a “qualidade de idêntico”, o
“conjunto de caracteres próprios e exclusivos de uma pessoa: nome, idade, estado,
profissão, sexo, defeitos físicos, impressões digitais etc”.
No caso de grupos sociais, a cultura é um instrumento de identidade. Os
comportamentos comuns aos indivíduos de um determinado grupo - a maneira de andar, se
vestir, comer, pensar, falar, as idéias, os hábitos, a culinária, a religião, a música e todas as
representações artísticas - tudo isso faz parte da cultura. São comportamentos adquiridos no
contexto cultural e repassados de geração a geração. Como diz Malinowski (1975, p.43)
A tradição cultural, é claro, tem de ser transmitida de cada geração para a geração
seguinte. Os métodos e mecanismos de caráter educacional devem existir em toda
cultura. A ordem e a lei têm de ser mantidas, uma vez que a cooperação é a
essência de toda a realização cultural. Em toda comunidade devem existir
disposições para a sanção de costumes, ética, leis.
A identidade cultural, portanto, é esse algo comum que nos faz sentir parte de um
grupo, de uma cultura ou de um país.
Diversos autores concordam que não há como dissociar a questão da identificação
do contexto social e cultural. Araújo (2000, p. 42) diz que o termo “identidade” remete a
um conjunto de valores assumidos, de fato ou presumidamente, por uma coletividade ou
sociedade, evocando as noções correlatas de memória compartilhada e de cultura. Já
Brandão (2003, p. 39-40) afirma que “a cultura do folclore [...] é um codificador de
identidade, de reprodução dos símbolos que consagram um modo de vida de classe”.
Apesar de se referir ao folclore, a afirmação do autor se adequa perfeitamente à cultura
popular de maneira geral. Tagg (2003, p. 11), por sua vez, diz que, por ser um modo de
performance e recepção, “a maioria da música tem um caráter intrinsicamente coletivo”.

2.1 A nação como construção de identidade

Um elemento importante que desperta a sensação de identidade é a consciência de


ser parte integrante de uma nação. Stuart Hall (2003, p.47) diz que, com a divisão do
mundo em estados-nação, a cultura de um ou mais povos ou grupos passou a ser associada
14

ao espaço que ocupa – no caso, o país - e chama atenção para a importância da noção de
nação para a consciência de uma identidade: “no mundo moderno, as culturas nacionais em
que nascemos se constituem em uma das principais fontes de identidade cultural”.
A identidade cultural – e, no caso da sociedade moderna, a nacional - vai se
formando na pessoa desde sempre, e ao longo do tempo, independente da sua percepção
sobre essa ocorrência. Nascemos dentro de uma cultura que possui um conjunto de
comportamentos que automaticamente vivenciamos, assimilamos e aprendemos a
reproduzi-los também.
Ernest Renan (1990 apud HALL, 2003, p.58) diz que três coisas constituem o
princípio espiritual da unidade de uma nação: “a posse em comum de um rico legado de
memórias [...], o desejo de viver em conjunto e a vontade de perpetuar, de uma forma
indivisiva, a herança que se recebeu”.
Para Hall (2003, p.49-51), uma cultura nacional é um discurso, um modo de
construir sentidos que influencia e organiza tanto nossas ações quanto a concepção que
temos de nós mesmos. As culturas nacionais, ao produzir sentidos sobre “a nação”, sentidos
com os quais podemos nos identificar, constroem identidades.
Segue-se que a nação não é apenas uma entidade política mas algo que produz
sentidos – um sistema de representação cultural. As pessoas não são apenas
cidadãos/ãs legais de uma nação; elas participam da idéia da nação tal como
representada em sua cultura nacional.
O autor diz ainda que a identidade nacional é muitas vezes simbolicamente baseada
na idéia de um povo ou folk puro, original, mas chama a atenção para o fato de que, “nas
realidades do desenvolvimento nacional, é raramente esse povo (folk) primordial que
persiste ou que exercita o poder” (ibid., p.56).
A cultura brasileira é um bom exemplo da afirmação de Hall. Como país
colonizado, somos fruto dos portugueses colonizadores, dos índios nativos, dos negros
escravos, só para citar alguns, e de toda a combinação dessas raças e suas respectivas
culturas. Mário de Andrade (1962, p.14) nos remete aos primórdios da cultura brasileira
para caracterizar a música brasileira: “os elementos que a vinham formando se lembravam
das bandas de além, muito puros ainda. Eram portugueses e africanos. Inda não eram
brasileiros não”. E afirma que a música brasileira resulta da nossa miscigenação e só se
transforma em música brasileira quando se utiliza de características diversas da nossa
cultura.
15

Sandroni (2001), em seu livro “Feitiço Decente”, faz uma análise da transformação
da batida do samba nos anos 30 e ressalta o fato de que esse gênero, tido como tipicamente
brasileiro, se utilizou de diversas influências características da nossa cultura. O batuque
negro acrescido das origens européias seriam as principais influências para sua formação,
mas o autor coloca as diversas posições dos musicólogos sobre a questão. Vianna (1995
apud SANDRONI, p.113), por exemplo, também baseado na tese de Hobsbawn, diz que
o samba seria assim uma tradição inventada, como fruto do diálogo entre diversos
grupos heterogêneos (negros, ciganos, baianos, cariocas, intelectuais, políticos,
folcloristas, compositores eruditos, franceses, milionários, poetas...) que, cada um
com seus propósitos e à sua maneira, criam ao mesmo tempo a noção de uma
música nacional. O samba, como estilo musical, vai sendo criado
concomitantemente à sua nacionalização.

2.1.1 Discussões para a definição da música brasileira

As discussões sobre o que seria ou não brasileiro na música permearam as


discussões nacionalistas que se intensificaram na virada do século XIX para o XX, no
Brasil, período que seria, segundo Araújo (2000, p. 41), um “marco simultâneo do auge e
decadência de esforços em prol da unidade nacional brasileira, tendo neles a música [...] um
papel destacado”.
A questão da identidade, portanto, tornou-se o centro das discussões sobre o que é
fazer uma arte nacional. O que é ser brasileiro? Como definir se uma música é brasileira?
Dentro desse contexto, Mário de Andrade mais uma vez assumiria papel relevante na
discussão sobre o que definiria o caráter nacional na música e, especialmente, no canto
brasileiro.
Em seu livro Ensaio sobre a música brasileira, onde esboça os rumos para a
sistematização dos estudos musicológicos no Brasil, Andrade (1962, 15-16) apresenta seus
argumentos do que seria uma arte genuinamente nacional: “uma arte nacional não se faz
com escolha discricionária e diletante de elementos: uma arte nacional já está feita na
inconsciência do povo”. E atribui à música popular o locus mais autêntico da nossa
identidade: “A música popular brasileira é a mais completa, mais totalmente nacional, mais
forte criação da nossa raça até agora” (ibid., p.24).
16

2.1.2 As idéias nacionalistas sobre o canto: Primeiro Congresso da Língua Nacional


Cantada

Quase dez anos depois, em 1937, o musicólogo e folclorista idealizou e organizou o


Primeiro Congresso da Língua Nacional Cantada, que reuniu vários profissionais
envolvidos no estudo da voz (cantores, professores, atores, músicos e estudiosos da
fonética) para discutir e lançar propostas, e assim estabelecer as normas, para a execução de
um canto tipicamente brasileiro, o que possibilitaria, na sua concepção, a criação de uma
verdadeira escola de canto brasileira. Para isso, procurou caracterizar a música e o canto
brasileiros.
Mário de Andrade buscou identificar o que seria a maneira nacional de cantar e as
influências que deveriam ser rechaçadas. Os participantes do PCLNC defenderam a
necessidade de se observar a prática musical popular para se construir um método de
ensino, uma verdadeira escola de canto brasileira. Rechaçaram a adoção pura e simples da
técnica do canto lírico para o ensino da música brasileira.
As discussões levantadas no Congresso incluíram a identificação das qualidades
vocais dos diversos povos formadores da nossa cultura; a necessidade de se adaptar a
influência do bel canto europeu, tão presente no nosso canto lírico, à realidade nacional; a
defesa da música brasileira no repertório dos cantores; a adoção de uma única pronúncia
por parte dos cantores; a defesa de uma maior atenção pelos compositores em adequar suas
músicas às especificidades do canto e da língua nacional, entre outras: “o cantor erudito
nacional deve procurar no timbre, na dicção, nas maneiras de entoar e especialmente na
nasalação dos nossos cantores naturais uma maior legitimidade nacional” (ANDRADE,
1965, p.129 apud PEREIRA, p. 107).
Nas palavras de Pereira (2002, p. 108), no Congresso “foi fixado, ‘preto no branco’,
como emitir cada vogal, consoante, grupo vocálico, grupo consonantal, semivogais,
regionalismos e estrangeirismos levando-se em consideração todas as dificuldades do canto
lírico”.
Em outro texto, em que analisa a maneira de entoar do nordestino, Andrade (1962,
p.57) defende que os compositores e cantores atentem para essas características para que
possam fazer uma arte verdadeiramente nacional:
Mas o nordestino possui maneiras expressivas de entoar que não só graduam
seccionadamente o semitom por meio do portamento arrastado da voz, como esta
17

às vezes se apóia positivamente em emissões cujas vibrações não atingem os


graus da escala. São maneiras expressivas de entoar, originais, características e
dum encanto extraordinário. São manifestações nacionais que os nossos
compositores devem de estudar com carinho e das quais, si a gente possuísse
professores de canto com interesse pela coisa nacional, podia muito bem sair uma
escola de canto não digo nova, mas apresentando peculiaridades étnicas de valor
incontestável. Nacional e artístico.
Luiz Heitor (1956, p. 140) também defende a música popular como a mais genuína
manifestação da cultura nacional e faz uma crítica aos compositores que cultivam a música
de escola e que, segundo ele, passam a desdenhar ostensivamente os motivos nacionais:
É provavelmente esse isolamento dos antagonistas que revigora as respectivas
características, tornando indiscutivelmente antinacional a música de escola, e
desassombradamente nossa, ostensivamente popularesca, a que provinha de
compositores menos sisudos, autores de música para dança, para teatros ligeiros
ou para serenatas boêmias.
A crítica a adoção de composições e sonoridades estranhas às práticas brasileiras
estão presentes ainda em outro trecho dos Anais do Congresso:
de fato, a lição contundente desse registro mostra a todos o quanto certas
maneiras de cantar e de compor deformam a coisa nacional [...] Por este exemplo
de diferenciação entre timbre afroianque e afrobrasileiro, se verifica que não
apenas a timbração européa [sic] do belcanto descaracteriza a voz brasileira,
como também as timbrações de qualquer outra maneira racial de cantar [...]
Assim há que prevenir os cantores nacionais quer de canto erudito, quer de rádio
e “naturais”, contra os timbres americanos que da Argentina, da Norteamerica ou
de Cuba nos vêm (DISCOTECA Pública do Departamento de Cultura, 1938,
p.194).
A seguir, selecionamos algumas questões discutidas pelo Congresso citado,
relacionando-as à música popular.

2.1.2.1 A dicção
As resoluções tiradas no Congresso teriam o intuito de fixar para o canto de
concerto e de teatro as normas da dicção em língua nacional, para que “professores,
cantores e compositores pudessem aconselhar-se e libertar-se da mesquinha incongruência,
das soluções improvizadas [sic], dos cacoetes meramente pessoais em que se extraviavam
até agora” (ANAIS do Primeiro Congresso da Língua Nacional Cantada, 1938, p. 3). A
elaboração definitiva das foi feita por uma comissão de três Congressistas designados pelo
Departamento de Cultura: Antenor Nascentes, do Colégio Pedro II, como representante da
filologia; Luis Heitor Correia de Azevedo, da Escola Nacional de Música, como
representante da musicologia; e Mario de Andrade, como representante do Departamento
de Cultura.
18

A justificativa dessa iniciativa era a de que ainda não se havia tratado de


“condicionar a tradição didática do belcanto, que importamos, às exigências dos fonemas
nacionais; e muito menos se cuidou de estabelecer quais destes fonemas poderiam, na
dicção cantada, ser discretamente modificados e afeiçoados às exigências artísticas do
canto” (ANAIS do PCLNC, 1938, p.3). Mário de Andrade dizia que a língua realmente
viva, a que vive pela boca e é irredutível a sinais convencionais, é o que dá o sentido
expressional duma nacionalidade: “A fala de um povo é, porventura, mais que a própria
linguagem, a melhor característica, a mais íntima realidade, senão da sua maneira de
pensar, pelo menos da sua maneira de expressão verbal” (DPDC, 1938, p.189).
A execução desse projeto incluía a criação de gabinetes de fonética experimental
nos institutos oficiais de cultura. Foram aprovadas as seguintes moções: para que o canto
fosse sistematizado em todas as escolas do país; para que os professores de canto lírico e
orfeônico, demais educadores e cantores de música brasileira, dessem toda a sua atenção a
“que o canto erudito nacional se conforme com mais exatidão ao timbre e aos acentos em
que se faz a nossa música popular’; para que os professores, “logo desde os primeiros anos
de estudo do canto, façam os alunos se exercitarem obrigatoriamente também dos fonemas
e na pronúncia da língua nacional”; para “que a música erudita aproveite os bailados
populares do Brasil tendo em vista a sua propagação e tradicionalização em todas as
classes”, dentre outras. O Congresso se declarou favorável às ressonâncias nasais e à
adoção da “pronúncia carioca como língua padrão a ser usada no teatro, na declamação e no
canto eruditos do Brasil (ANAIS do PCLNC, 1938, p.47 e p. 51).

2.1.2.2 A qualidade vocal (o “timbre”)


Algumas considerações sobre o significado do “timbre” são necessárias, antes de
discorrermos sobre as idéias discutidas no PCLNC relativas a esse conceito.
O termo “timbre” vocal é utilizado abundantemente nos textos da época e, embora
persista no discurso de muitos profissionais da voz, é considerado pela acústica musical
como bastante confuso, inespecífico e inconsistente como parâmetro musical, por ser ele
multidimentsional (HELMHOLTZ, 1954; ARAÚJO et al., 2003).
Devido ao “timbre”, dois sons com intensidade e altura iguais poderiam ser
percebidos diferentemente e por inúmeras razões, que não só a estrutura espectral do som
(SUNDBERG, 1987). Através do timbre, poder-se-ia distinguir, por exemplo, a voz de dois
19

cantores, a voz humana do som de um instrumento, o som usado em dois estilos de canto,
duas vogais diferentes ou dois sons emitidos por um mesmo cantor sobre uma mesma
vogal.
“Qualidade vocal” é o termo que tem sido adotado na literatura especializada e é
definida através de dois fatores: o formato e tamanho do trato vocal, dados pela
conformação física de um indivíduo, e a combinação de ajustes no trato vocal e no sistema
respiratório realizados pelo cantor durante a produção do som. (LAVER, 1980, p. 9).
Usaremos, portanto, sempre que possível, o termo “qualidade vocal” no lugar de “timbre”.
Para os participantes do PCLNC, tão importante quanto a dicção era dispensar a
atenção à “qualidade vocal” a ser utilizada, considerado um item definidor do caráter
nacional no canto: “De fato, dicção e timbre demonstram ser caracteres raciais
profundamente predeterminados por funções fisiológicas, e são, por isso, valiosa prova das
relações e diferenciações antropológicas” (DPDC, 1938, p.191).
A arte de dizer, a dicção, não consiste apenas na emissão clara dos fonemas.
Carece não esquecer que não existe fonema sem timbre nem palavra sem
sonoridade racial. Carece não esquecer principalmente que uma palavra com seus
fonemas claramente batidos, muitas vezes se torna mais incompreensível que
outra de prolação mais descuidada, porém dotada do timbre racial que a afeiçoou
(Anais do PCLNC, 1938, p.57).
Ele analisou a sonoridade do canto brasileiro, através de gravações em discos,
identificando algumas vezes a procedência e utilizando os seguintes termos e expressões:
“nasal caipira, tão diverso do carioca e do nordestino”, “nasal afrocaipira, já se afastando
dos caipirismos de entoação e se aproximando do nasal afrocarioca”, “nasal francês, tão
profundamente distinto do nosso”, “nasalação nacional”, “nasal quente, sensual, bem ‘de
morro’”, “voz amulatada”, fonética ameríndia e dos negros, timbre afroianque e
afrobrasileiro, timbração européia do belcanto, “timbres americanos da Argentina, da
América do Norte ou de Cuba”, “metal da voz brasileira”, “timbre da clarineta”, “forte cor
abaritonada das nossas vozes mais caracteristicamente nacionais”, “barítono mais liso”,
“mais clarinetístico”, “às vezes de um tom clarinante de esplêndido nasal”, “quando a voz
se timbra de afrobrasileirismo vocal”, “uma voz ao mesmo tempo tenorizante e
serenamente forte, duma carícia musculosa, sem falsetes nem outras falsificações sexuais.
Nem argentinidades nem norte-americanismos”, “nem tenores nem baixos. Nem barítonos
de belcanto”. (DPDC, 1938).
20

Em alguns momentos procura ir além das qualidades vocais, explicando como


funcionariam: “esses mesmos processos de nasalização em portamentos arrastados são
freqüentes, são de uso sistemático em peças de caipiras e mesmo de negros da região
Minas-São Paulo”, e “as vozes negras do diálogo falado são de grande caráter e de nasal
incisivo, tanto a masculina como a feminina. De resto, freqüentemente a voz negra
feminina se manifesta menos nasal que a masculina”. Cita o Sr. Edison Carneiro, que em
seu estudo sobre as Religiões Negras, afirma que “os negros na Baía, nasalam todas as
palavras nagôs. Mesmo as terminadas em i forte”. (DPDC, 1938, p.203).
Além da influência do índio e do negro na definição da nasalidade característica do
brasileiro, o Congresso ressaltou a influência do Tupi-Guarani: “que as línguas autóctones
desta parte da América, especialmente o Tupi-Guarani, eram muito nasais, parece
indiscutível”. A influência portuguesa para a conformação da qualidade vocal nacional não
parece ser uma unanimidade: “Para o sr. Teodoro Sampaio [...], a nasalação brasileira é um
vício que os Ameríndios exclusivamente nos herdaram. O vício da nasalação, herdado do
índio, leva ainda hoje o Brasileiro a fazer nasais, sons que em vocábulos portugueses
absolutamente não o são”. Em outro trecho dos Anais, consta que “a língua portuguesa se
caracteriza por uma fala de forte constância nasal”.
A característica da qualidade vocal do brasileiro foi atribuída por Mario de Andrade
(1962, p.56) à própria conformação física do brasileiro e das condições climáticas do país:
Quem escutar com atenção nisso um conjunto coral estrangeiro desses que nos
visitam, russos, italianos, alemães e um conjunto brasileiro põe logo reparo numa
diferença grande de timbre. E essa timbração anasalada da voz e do instrumento
brasileiro é natural, é climática de certo, é fisiológica. Não se trata do... efeito
tenorista italiano ou da fatalidade prosódica do francês.
Tão natural que estaria presente na própria natureza. Ilustrativo é o exemplo da
comparação que o sr. Konrad Guenther faz sobre a qualidade do som do bem-te-vi: “o
canto completo “bem-te-vi”, como o seu piado “piã”, apresentam um i nasalizado, [que]
muitas vezes [...] ficava na dúvida, si era o tiranídeo que imitara a entoação dos Brasileiros,
ou estes a daquele” (DPDC, 1938, p.203).
Andrade (1962, p.29) defende que se aproveite todos os elementos que formam a
nossa musicalidade étnica:
si a fonética ameríndia veio provavelmente influir na constância de nasalidade da
língua nacional, não foi menor nesse sentido a contribuição do negro. [...] Os
elementos africanos servem francamente si colhidos no Brasil porque já estão
21

afeiçoados à entidade nacional. Os elementos onde a gente percebe uma tal ou


qual influência portuguesa servem da mesma forma”.
Comentando sobre a crítica que se fazia na época, de que um trecho do Choros nº 5
de Villa-Lobos não era brasileira, o musicólogo (ANDRADE, 1962, p.26) sai em defesa do
compositor: “É também brasileiro não só porque o pode ser como porque sendo inventado
por brasileiro dentro de peça de caráter nacional e não levando a música pra nenhuma outra
raça, é necessariamente brasileiro”. Em outro depoimento, devolve a crítica:
Si a gente aceita como um brasileiro só o excessivo característico cai num
exotismo que é exótico até pra nós. O que faz a riqueza das principais escolas
européias é justamente um caráter nacional incontestável mas na maioria dos
casos indefinível porém. (...) Todo o carater excessivo, e que por ser excessivo é
objetivo e exterior em vez de psicológico, é perigoso (ANDRADE, 1962, p.27).
2.2 O reconhecimento: a identidade afetiva

As afirmativas já citadas como a de que “[o nordestino possui] maneiras expressivas


de entoar, originais, características e dum encanto extraordinário” (ANDRADE, 1962,
p.57) e a de que “certas maneiras de cantar e compor deformam a coisa nacional” (DPDC,
1938, p.194) carregam, respectivamente, um sentimento de identificação e não
identificação que se manifestam em sensações de prazer e repulsa.
Karshner (1971 apud TAGG, 2003, p. 11) afirma que “a música é capaz de
transmitir as identidades afetivas, atitudes e padrões de comportamento de grupos
socialmente definíveis”, lembrando que estudos nessa área são utilizados por rádios norte-
americanas como uma ferramenta para determinar mercados.
E como se dá esse reconhecimento ou o não reconhecimento do algo comum na
música? Lomax (1968, p.12) destaca que “qualquer membro de uma cultura pode
imediatamente sentir que algo está estilisticamente errado sobre um cumprimento, uma
comida, um canto ou uma dança, sem estar apto a explicar o por quê” e que cada um numa
cultura responde com satisfação ou êxtase para o apropriado e com desprezo e
ressentimento para o diferente.
Para Umberto Eco (apud MENDES, 2005, p. 134-135), “a música popular é cultura
de massa; opera, portanto, na faixa da “comunicação persuasiva, pretendendo convencer o
ouvinte com base naquilo que ele já conhece, deseja, quer ouvir. Confirma o ouvinte nas
suas opiniões e convenções”. Ulhôa (2003, p.59) afirma que a “música pode ser
22

compreendida em vários níveis, do reconhecimento de um repertório e estilos específicos (o


cânon rock), ao nível de práticas sociais geográfica e historicamente localizadas”.
Philip Tagg (2003), em sua proposta de análise da música popular, sugere que a
canção possui unidades mínimas de expressão musical – chamado por ele de musemas -
que se repetem em trechos ou em músicas completas, que podem ser identificadas. Assim,
ao ouvir um trecho musical, podemos reconhecê-las como integrando um universo próprio.
A sensação de reconhecimento acontece porque criamos expectativas. Quando
saímos para assistir a um show de rock, esperamos uma série de gestos vocais, visuais e
comportamentais próprios de grupos de rock. Ulhôa (2003, p.52) explica:
Quando ouvimos um trecho musical o relacionamos com nosso próprio repertório
de símbolos musicais, ou seja, relacionamos aquele trecho com outros trechos
musicais com os quais temos familiaridade, e ao significado que aquele repertório
adquiriu no nosso cotidiano cultural.
Esse reconhecimento na maioria das vezes acontece sem que seja percebido.
Hennion (1983 apud ULHÔA, 2003, p.52) diz que o público identifica facilmente o artista
ou grupo que “se destaca na canção como uma figura se destaca numa paisagem ou quadro.
O que está por trás desse artista, no fundo, escondido no arranjo, nem sempre se distingue,
sendo muitas vezes desapercebido”. É por esse motivo que, nesse mesmo artigo, onde
discute os aspectos do rock brasileiro, Ulhôa (2003, p.52) diz:
para compreender por que gostamos de um som ou não, por que o consideramos
bonito ou não, é necessário nos aprofundarmos no processo de análise musical.
Será exatamente essa escuta nas entrelinhas, na percepção dos fragmentos
sonoros que remetem a matrizes culturais de tempos históricos e espaços
geográficos variados, que vai nos ajudar a entender como o rock pode ser
brasileiro.
Assim também é com o canto. Sua interpretação apresenta uma série de gestos
vocais, às vezes mínimos, que se repetem nas músicas de determinado repertório e que são
passíveis de análise e reconhecimento, dos quais veremos alguns no Capítulo 6.
Como exemplo, imaginamos estar de passagem num país distante e ouvirmos ao
longe o som de uma canção brasileira. A sensação será de conforto e reconhecimento. Essa
sensação ganha força ainda maior se a canção estiver sendo interpretada, não por um
intérprete acostumado a um repertório lírico ou mesmo popular americano, mas por um
cantor brasileiro, mergulhado na tradição da nossa música e na sua forma de interpretá-la.
Apesar de diferentes entre si, reconhecemos como nossos os cantadores e repentistas, bem
como os sertanejos e os sambistas. Ou seja, além do reconhecimento da música e do idioma
23

brasileiros, há o reconhecimento na maneira como se faz aquela música: “os povos e suas
músicas não se distinguem tanto pelo que cantam como pela maneira por que cantam”
(DPDC, 1938, p.191). Para Lomax (1968, p.3), “um estilo musical, como outras coisas
humanas, é um padrão de comportamento aprendido, comum aos membros de uma cultura.
Cantar é um ato de comunicação especializado, semelhante à fala, mas mais formalmente
organizado e redundante”.
Dessa forma, na situação mencionada, teríamos pelo menos três motivos para
justificar a sensação de conforto: a própria canção, o idioma e a forma de cantar. Não foi à
toa que Carmem Miranda, ao ser convidada para cantar nos EUA, impôs como condição a
ida do conjunto brasileiro “Bando da Lua” para assegurar o ritmo e o sotaque brasileiros.
Se a identidade traz a sensação de conforto e a diferença causa repulsa, muitas vezes
entram em cena questões valorativas como gosto e beleza. Ainda nas análises de gravações
em discos, Mário de Andrade avalia:
Finalmente na terceira peça [...] há um dueto entre o baixo sr. Perrota Filho
também exclusivamente afeito ao belcanto italiano que o educou, e o
surpreendente “barítono” sr. H. Tapajós. E com este surge um mundo novo, que
no caso, é o novo mundo do Brasil. [...] O sr. H. Tapajós é simplesmente uma
adorável, uma sensata voz masculina brasileira. [...] É a identidade, é o equilíbrio.
Assunto, palavras e timbre derivam agora duma fonte comum, e o prazer é
indizível. Surge aquela “beleza verdadeira” de que falamos atrás. As vozes dos
srs. Marco e Perrota Filho são bonitas, não discutimos. Porém esta boniteza em
texto nacional, nada consegue legitimar e as deformações são tão numerosas e
agressivas que a repulsa é instintiva (DISCOTECA Pública do Departamento de
Cultura, 1938, p.196).
Recentemente, numa palestra sobre as diferenças e semelhanças entre o canto
popular e canto lírico, assistimos a uma renomada professora de canto, com formação da
técnica lírica que assegura dar aula de canto popular, referir-se a uma também conhecida
cantora popular da seguinte maneira: “ela canta muito bem, mas às vezes emite aquele som
nasal que é muito feio!”. De acordo com as suas referências estéticas do que é cantar bem
ou mal, ela avalia que a tal intérprete até que canta bem; porém, aquele nasal, que todos
sabemos ser característico do canto popular, não a agrada. Citando mais uma vez Mário de
Andrade (1962, p.56):
O anasalado emoliente, o rachado discreto são constantes na voz brasileira até
com certo cultivo. Estão nos coros maxixeiros dos cariocas. Permanecem muito
acentuados e originalíssimos na entoação nordestina. [...] E é perfeitamente
ridículo a gente chamar essa peculiaridade da voz nacional, de falsa, de feia, só
porque não concorda com a claridade tradicional da timbração européia.
24

A recíproca é verdadeira: muitos cantores populares não gostam do canto lírico


porque acham sua impostação estranha. Parece a eles estranha porque é diferente da
sonoridade que tão bem conhecem, se identificam e esperam ouvir.

2.3 A identidade coletiva apesar das diferenças individuais

Além das características gerais, dentro de grupos ou nações há também diferenças


entre grupos menores ou indivíduos que a integram. A despeito disto, algo maior as faz
tornar-se parte de um todo. Andrade (1962, p.24) destacou as características unificadoras da
nossa cultura:
Por mais distintos que sejam os documentos regionais, eles manifestam aquele
imperativo étnico pelo qual são facilmente reconhecidos por nós. Isso me comove
bem. Além de possuírem pois a originalidade que os diferença dos estranhos,
possuem a totalidade racial e são todos patrícios.
O filósofo Roger Scruton (1986 apud HALL, 2003, p.48) contrapõe a noção do
indivíduo enquanto autônomo e dotado de características próprias e únicas com a do
indivíduo enquanto integrante de uma coletividade:
A condição de homem (sic) exige que o indivíduo, embora exista e aja como um
ser autônomo, faça isso somente porque ele pode primeiramente identificar a si
mesmo como algo mais amplo – como um membro de uma sociedade, grupo,
classe, estado ou nação, de algum arranjo, ao qual ele pode até não dar um nome,
mas que ele reconhece instintivamente como seu lar.
E Hall (2003, p.59) discute a questão da identidade em termos dos interesses da
nação:
Para dizer de forma simples: não importa quão diferentes seus membros possam
ser em termos de classe, gênero ou raça, uma cultura nacional busca unifica-los
numa identidade cultural, para representá-los todos como pertencendo à mesma e
grande família nacional.
Por outro lado, o autor questiona se a identidade nacional realmente anula e
subordina a diferença cultural, já que diz que a cultura nacional é também uma estrutura de
poder cultural. Explica essa afirmação através de três argumentos. O primeiro, em que diz
que “a maioria das nações consiste de culturas separadas que só foram unificadas por um
longo processo de conquista violenta – isto é, pela supressão forçada da diferença cultural”.
O segundo, que “as nações são sempre compostas de diferentes classes sociais e diferentes
grupos étnicos e de gênero”. E, por último, que “as nações ocidentais modernas foram
também os centros de impérios ou de esferas neo-imperiais de influência, exercendo uma
hegemonia cultural sobre as culturas dos colonizados” (HALL, 2003, p.59-61).
25

Samuel Araújo também chama a atenção para a importância da coletividade na


determinação da identidade e dos mecanismos de escamoteamento das diferenças para a
formação da identidade coletiva: “Enfatizamos aqui o movimento de ocultamento dos
aspectos mais polêmicos ou mesmo impasses de uma formação social que parece
necessário às grandes empreitadas coletivas” (ARAÚJO, 2000, p. 41-42). O exercício de
ocultamento seria, portanto, segundo o autor, “um dos fortes componentes da formação de
uma identidade, justamente por sacrificar ou relevar eventuais dissenções e facilitar a busca
do que é ‘comum’”.
Para Pereira, a tentativa de Andrade de impor uma norma geral para a execução de
uma música nacional “reflete bem a (sua) faceta doutrinária” e a situação vivida pelos
intelectuais da época: “um estado autoritário desejoso de consolidar seu poder...’”
(PEREIRA, 2002, p.103). Lembra que uma das armas ideológicas utilizadas pelos governos
seria infundir na população o sentimento de pertencer a uma grande comunidade unida
pelos mesmos ideais. “No projeto nacionalista de então, nossas diferenças e contradições se
amalgamariam, visando um bem maior”.

2.4 A diferença como construtora da noção de identidade coletiva

Além de ser construída apesar das diferenças individuais, a consciência da


identidade também é construída a partir da noção de diferença.
Percebemos melhor nossas características únicas ao perceber que o outro não é
como nós. Stuart Hall (2003, p.86) cita o exemplo das comunidades black:
o que essas comunidades têm em comum, o que elas representam através da
apreensão da identidade black, não é que elas sejam, cultural, étnica, lingüística
ou mesmo fisicamente, a mesma coisa, mas que elas são vistas e tratadas como “a
mesma coisa” (isto é, não-brancas, como o “outro”) pela cultura dominante. É a
sua exclusão que fornece aquilo que Laclau e Mouffe chamam de “eixo comum
de equivalência” dessa nova identidade.
O autor lembra ainda que, “apesar do fato de que esforços são feitos para dar a essa
identidade black um conteúdo único ou unificado, ela continua a existir como uma
identidade ao longo de uma larga gama de outras diferenças. Pessoas afro-caribenhas e
indianas continuam a manter diferentes tradições culturais”.
Todas essas discussões se encaixam perfeitamente no exemplo do Brasil, um país de
múltiplas culturas, com as características estilísticas dos gêneros musicais e de seus cantos,
como o canto dos repentistas, dos índios, dos evangélicos, dos sertanejos rurais, dos
26

sertanejos urbanos, dos rockeiros, dos cantores de bossa-nova, dos puxadores de samba-
enredo e muitos outros. São todos esses feitos no Brasil, portanto, brasileiros, com sotaques
brasileiros. Mesmo assim, entre eles, encontramos características interpretativas diferentes.
Também entre os intérpretes da música popular brasileira urbana, apesar das
diferenças na maneira de cantar de Ana Carolina e Gal Costa, ou entre Gilberto Gil e João
Gilberto, eles mantém uma unidade, que fica ainda mais evidente se comparados em bloco
com outros cantores brasileiros sertanejos como Zezé de Camargo, Sandy ou Xororó e mais
ainda com Carreras, Pavarotti e Maria Callas.

2.5 Tradição e inovação

E com tantas definições sobre identidade, o que é ou não nacional, característico,


certo ou errado, como fica a inovação? Mesmo ao falar do folclore, que muitos têm como
uma manifestação cultural em que a tradição é característica fundamental da sua existência,
diz Brandão (2003, p.38): “Enquanto resiste a desaparecer e, preservando uma mesma
estrutura básica, a todo momento se modifica”.
“A não ser que queiramos trabalhar com essências puras, o que não é muito
adequado aos casos do homem, da sociedade e da cultura, poderemos concluir
que todas as relações são possíveis e estão sempre articulando-se: a cultura
erudita produz partes (idéias, crenças, saberes, artes, tecnologias, artefatos) que se
tornam populares, que se folclorizam. O popular, que alguns séculos antes terá
sido fração de uma restrita cultura de intelectuais, de novo torna-se erudito,
restrito, próprio às classes dominantes” (ibid., p.74).
Isso acontece porque “o ser humano é basicamente criativo e recriador e os artistas
populares que lidam com o canto, a dança, o artesanato modificam continuamente aquilo
que um dia aprenderam a fazer” [...] “É sempre igual”, dizia um dançador de jongo de São
Luís do Paraitinga, “mas é sempre diferente”. Muitas vezes uma simples adaptação às
condições do momento podem fazer nascer novos hábitos, como a relatada: “o
desaparecimento de alguns materiais de tecnologia e artesanato populares e o aparecimento
de novos podem determinar alterações criativas na feitura de uma colcha” (ibid., p. 39).
Existem as estruturas, os musemas, a essência, o algo em comum. Independente do
nome que se dê, “tudo pode ser modificado, porque o povo dança mas suas danças não têm
regulamento, não são codificadas [...]. Há, contudo, uma certa estrutura que determina
aquela dança, aquela estória, aquela indumentária, aquela cerâmica, e as modificações não
invalidam o modelo” (ibid., p.37).
27

Assim é com o canto popular. É sempre igual mas é sempre diferente. Não tem
códigos nem regulamentos. Tudo pode ser modificado. Há, contudo, uma certa estrutura
que determina aquele canto.
Alguns autores procuraram decifrar até que ponto se pode inovar na música sem
causar o estranhamento. Ulhôa (2003, p.51) coloca a condição: “Para se adotar qualquer
música como própria, é necessário que haja um mínimo de identificação com a novidade”.
Mendes (2005, p. 135) completa: “Há um momento em que, pela resposta (feedback) do
ouvinte, o compositor se cientifica de que tudo vai indo muito bem; e que ele pode, com
segurança, valer-se de sua personalidade já vitoriosa, líder, e impor uma pesquisa nova”.
Augusto de Campos (2005a, p. 181) destaca a importância do previsível e do
imprevisível na mensagem: “A mensagem estética deve possuir uma certa “redundância” (o
inverso da “informação”) que a torne acessível ao ouvinte. Reciprocamente, a transmissão
de elementos demasiado previsíveis é “banal” aos ouvidos do receptor, que não encontra
neles um coeficiente de variedade capaz de interessá-lo. E cita Moles (CAMPOS, 2005a, p.
180): “a oposição às novas idéias artísticas, se não se justifica, explica-se do ponto de vista
da Teoria da Informação. No seu importante estudo Machines à Musique (1957) [....],
Moles acentua que a “mensagem artística” oscila numa dialética “banal/original,
previsível/imprevisível, redundante/informativa”.

2.6 Globalização e resistência cultural

Uma preocupação constante relativa às identidades culturais e nacionais diz respeito


ao fenômeno da globalização. Até que ponto o encurtamento da distância espaço-temporal
afeta a cultura e a noção de identidade? Essa é uma questão antiga. O confronto entre o
progresso e a tradição tem preocupado puristas e provocado discussões. Hall (2003, p.56)
afirma:
O discurso da cultura nacional não é, assim, tão moderno como aparenta ser. Ela
constrói identidades que são colocadas, de modo ambíguo, entre o passado e o
futuro. Ele se equilibra entre a tentação por retornar a glórias passadas e o
impulso por avançar ainda mais em direção à modernidade.
O autor aponta três possíveis conseqüências da globalização sobre as identidades
culturais. A primeira é que “as identidades nacionais estão se desintegrando, como
resultado do crescimento da homogeneização cultural e do “pós-moderno global”.
Poderíamos citar como exemplo as muitas culturas indígenas do Brasil que a cada dia se
28

ocidentalizam, utilizando a língua, o comércio e o mercado de trabalho da cultura dos


brancos.
Pereira exemplifica com o fenômeno da TV Globo no Brasil. O sotaque de seus
integrantes, principalmente dos atores das telenovelas, influencia o falar das localidades
onde é retransmitido. E afirma: “O sonho de Mário de Andrade, uma só pronúncia para as
artes, acabou por realizar-se parcialmente não pela cultura erudita, mas pela cultura de
massa” (PEREIRA, 2002, p.110).
A música popular, e conseqüentemente o seu canto, chega ao Brasil de todas as
partes do mundo através dos rádios, da Internet, da TV, dos discos, das apresentações de
artistas estrangeiros, da “distância” cada dia menor entre os povos. Parafraseando Pereira, o
“sotaque” interpretativo dos cantores estrangeiros influencia o “cantar” das localidades
onde é retransmitido.
A segunda conseqüência apontada por Hall (2003, p.92) é que “as identidades
nacionais e outras identidades “locais” ou particularistas estão sendo reforçadas pela
resistência à globalização”. Como exemplo dessa, cita o ressurgimento do nacionalismo na
Europa Oriental e o crescimento do fundamentalismo. “Existem também fortes tentativas
para se reconstruírem identidades purificadas, para se restaurar a coesão, o “fechamento” e
a Tradição, frente ao hibridismo e à diversidade”.
Segundo o argumento de Kevin Robin, “ao lado da tendência em direção à
homogeneização global, há também uma fascinação com a diferença e com a
mercantilização da etnia e da ‘alteridade’. Há, juntamente com o impacto do ‘global’, um
novo interesse pelo ‘local’ (ROBIN apud HALL, 2003, p.77).
Lomax é outro estudioso que protesta contra a globalização e sai em defesa da
tradição:
Grande governo, educação nacional, redes de informação e um sistema de
marketing mundial destroem as culturas cujas formas não se conformam aquelas
do poder central. Nossa produção em massa e sistema de comunicação ocidental
estão inadvertidamente destruindo as línguas, tradições, [cuisines] e estilos
criativos que deram a cada comunidade e cada localidade um caráter distintivo.
(LOMAX, 1968, p.4)
Brandão diz que estudos de alguns antropólogos têm recentemente demonstrado que
“muitas vezes uma cultura popular tradicional assim é justamente porque há nisso um forte
e dinâmico teor de resistência política às inovações impostas pelo colonizador ou pelas
classes dominantes” (BRANDÃO, 2003, p.40).
29

Hall diz que o colapso dos regimes comunistas na Europa Oriental e da antiga
União Soviética “foram seguidos por um forte revival do nacionalismo étnico, alimentado
por idéias tanto de pureza racial quanto de ortodoxia religiosa” (HALL, 2003, p.93).
No Brasil, além da já relatada tentativa de proteger o canto nacional com os
manifestos de Mário de Andrade e a realização do PCLNC, uma outra tentativa de “defesa”
da cultura nacional foi a Carta do Samba, aprovada no final de 1962, durante o ‘I
Congresso Nacional do Samba”, fato relatado por Sandroni. Com redação do folclorista
Edison Carneiro, a carta dizia que o documento “representava um esforço por coordenar
medidas praticas ... para preservar as características tradicionais do samba” (CARNEIRO
apud SANDRONI, 2001, p.19). Segundo Sandroni, tentava-se definir, através de um termo
técnico, o que seriam as características musicais tradicionais do samba que se queria
preservar.
Outros exemplos da intolerância em relação à invasão da música estrangeira no país
podem ser dados com a reação à Carmem Miranda em sua volta ao Brasil depois de uma
temporada nos EUA, aos movimentos da bossa-nova, da Jovem Guarda e o tropicalista –
com suas guitarras, letras, música e estética – todos considerados “americanizados”, como
uma tentativa de “defesa” da cultura nacional por aqueles que acreditavam que ela deveria
ser “protegida” de influências externas.
O próprio Caetano Veloso, idealizador do movimento tropicalista juntamente com
Gilberto Gil, cujo mote era contestador e propunha a liberdade na forma de se fazer arte,
conta como também caiu na armadilha do preconceito ao sentir por Carmem Miranda uma
sensação mista de orgulho e vergonha. “Em 1957, as gravações que ela fez antes de ir para
os EUA soavam ridículas: ‘Chica chica boom chic’, ‘Cuanto le gusta’ e ‘South American
Way’ eram o oposto do nosso desejo por bom gosto e identidade nacional” (VELOSO,
2001, p.39). Hoje reconhece a grande contribuição que a cantora deu para a nossa música.
“Ela estava sempre presente também porque […] havia qualidade em sua arte. Antes de
tornar-se internacionalmente a falsa baiana […] Carmen Miranda já havia deixado no
Brasil muitas evidências de sua reinvenção do samba” (ibid., p.42).
A terceira conseqüência possível da globalização, é a de que “as identidades
nacionais estão em declínio, mas novas identidades – híbridas – estão tomando seu lugar”
(HALL, 2003, p.69). Como vimos anteriormente no caso da formação do samba tal como o
30

conhecemos hoje, esse fenômeno acontece há séculos no Brasil e no mundo. Sem dúvida, a
migração - entre povos de países distintos no caso da colonização, ou entre povos do
mesmo país como no Brasil, em que constantemente nordestinos vêm principalmente ao
Sudeste em busca de novas oportunidades de vida e trabalho – tem afetado e criado novas
manifestações culturais. “Danças camponesas viajam para a cidade, passam do “populacho”
aos salões quando autores letrados as descobrem e “civilizam”; voltam ao “populacho”,
retornam ao mundo camponês. [...] Um deixa no outro as suas marcas”. (BRANDÃO,
2003, p.75).
Campos sai em defesa da reinvenção, criticando o conservadorismo musical:
Para que haja informação estética, deve haver sempre alguma ruptura com o
código apriorístico do ouvinte, ou, pelo menos, um alargamento imprevisto do
repertório desse código. Mas o hábito e a rotina deformam a sensibilidade,
convertendo, freqüentemente, o conjunto de conhecimentos do receptor num
tabu, em leis “sagradas” e imutáveis (CAMPOS, 2005a, p.181).
Hall ressalta a freqüente associação do caráter ocidental da globalização. Ele lembra
que a globalização é muito desigualmente distribuída ao redor do globo, entre regiões e
entre diferentes estratos da população dentro das regiões, formando o que Doreen Massey
chama de “geometria do poder” da globalização. E que, “uma vez que a direção do fluxo é
desequilibrada, e que continuam a existir relações desiguais de poder cultural entre ‘o
Ocidente’ e ‘o Resto’, pode parecer que a globalização – embora seja, por definição, algo
que afeta o globo inteiro – seja essencialmente um fenômeno ocidental” (HALL, 2003,
p.77-80). Porém, acredita que a globalização está tendo efeitos em toda parte, mesmo que a
“periferia” esteja vivendo esse efeito num ritmo mais lento e desigual.
É, realmente, o que parece, já que o acesso aos meios de comunicação é maior nas
regiões mais ricas e desenvolvidas. Este fato certamente acarreta uma troca mais intensa de
informações e, conseqüentemente, uma maior homogeneização de hábitos e pensamentos.
As novas características interpretativas que surgem a cada dia no Brasil comprovam
esse hibridismo. Os cantores Ana Carolina e Pedro Mariano, para citar exemplos recentes,
trazem na sua maneira de cantar alguns elementos que diferem um pouco de seus
antecessores, lançando mão de melismas e ornamentos melódicos que parecem oriundos da
escola americana de canto popular. Mas apenas essas “inovações” interpretativas não são
suficientes para que os consideremos cantores americanos.
31

Lembramos que, na cultura popular, há espaço para a reinvenção e, por isso mesmo,
é difícil afirmar o que é certo ou errado numa interpretação. Porém, há maneiras de fazer
“consagradas” que causam conforto no ouvinte e, em geral, o que não está em
conformidade com esse padrão pode causar estranhamento. Mas esse desconforto também
nem sempre é negativo. É muito comum que ele acabe se diluindo e aquela novidade passe
a ser adaptada mais tarde, deixando assim de ser diferente. Apesar de todas essas variantes,
é interessante atentar para quando e como se faz a diferença.
32

CAPÍTULO 3. AS TÉCNICAS VOCAIS E A SUA TRANSMISSÃO

Neste capítulo discutimos o ensino do canto popular, formal e não formal.


Utilizamos as entrevistas realizadas para a monografia citada (PICCOLO, 2003) com os
cantores Leila Pinheiro, Elza Soares e Ney Matogrosso, e os professores Eliane Sampaio,
Felipe Abreu, Clara Sandroni e Marcelo Rodolfo, além de utilizarmos referências
bibliográficas e depoimentos colhidos em workshops e cursos freqüentados entre os anos de
2003 e 2004.
Também dividimos o capítulo em algumas seções. Na primeira, fazemos um relato
resumido dos principais eventos que marcaram a consolidação da técnica vocal ocidental.
Na segunda, utilizamos o mesmo procedimento para discutir a chegada da técnica vocal no
Brasil e suas principais influências. Na terceira, discutimos a aprendizagem do canto
popular, mostrando como alguns de nossos cantores populares aprenderam a profissão. Em
seguida, destacamos a opinião de profissionais apontando a utilidade do ensino formal do
canto popular. O professor de canto popular é o assunto da quarta parte, onde procuramos
identificar seu surgimento e sua formação. A técnica que está sendo utilizada para o ensino
do canto popular é abordada na quinta parte. Na última parte, nos dedicamos a apresentar
algumas iniciativas que começam a surgir apontando para uma maior profissionalização do
ensino do canto popular no país.

3.1 O canto lírico – um pouco de história

A história da pedagogia vocal no Brasil foi escrita a partir da importação das


técnicas vocais desenvolvidas na Europa, as primeiras a serem sistematizadas, e concebidas
a partir da estética do canto lírico. Fazemos uma breve revisão histórica do surgimento das
técnicas ocidental e brasileira.

3.1.1 A técnica vocal ocidental

Como mencionamos antes, uma série de métodos e tratados de canto, voltados para
o ensino do canto lírico ocidental, vêm sendo produzidos no mundo, e principalmente na
Europa, pelo menos desde 1562 8 . O impulso para o surgimento de trabalhos escritos sobre
o canto foram, segundo Vidal (2000), o aumento do uso de ornamentações vocais e do

8
O primeiro tratado de canto que se tem conhecimento é o Discorso della Voce e del Modo, d'apparare di
cantar di Garganta, senza maestro, de G.C. Maffei (Napoli, Amato 1562).
33

número de cantoras, respectivamente na primeira e na segunda metade do séc. XVI. De


fato, antes desse século, a maior parte da música secular destinava-se apenas a vozes
masculinas e, a partir de então, as vozes femininas entraram cada vez mais em uso. Na
virada do século XVI para o XVII, o estímulo para a produção de novos trabalhos foi o
surgimento da monodia, o aumento do número de cantores de ópera, a formação e a
expansão do bel canto e a utilização especializada dos ornamentos vocais, que levaram a
um interesse crescente pela elaboração e pelo virtuosismo vocais. (SADIE, 1994, p. 165).
A ópera italiana e seus cantores dominaram o cenário musical por toda a Europa,
com a exceção isolada da França, onde prevaleceu um estilo de canto mais simples, que
enfatizava a dicção verbal em detrimento da beleza sonora. (SADIE, 1994, p. 166). Conde
(1956 apud FÉLIX, 1997, p.34) discorre sobre a primazia da técnica italiana: “Só na Itália
se podia aprender a verdadeira arte do canto, convergindo, para as suas escolas, artistas do
mundo inteiro”. Começam a surgir então as primeiras escolas de canto das quais as duas
mais importantes foram a Escola Bolognesa e a Escola Napolitana, fundada por Niccolo
Porporo, professor dos famosos castrati Caffarelli e Farinelli. (VIDAL, 2000, p. 11).
No início do período romântico (1790/1910), prevaleceu o ideal de vozes mais
amplas, a fim de atender às exigências dos teatros de ópera e das salas de concerto maiores,
construídos à medida que as apresentações públicas de óperas e concertos se difundiam.
Apesar do aumento da influência germânica nas composições para canto e no treinamento
vocal no século XIX, a liderança dos padrões pedagógicos continuaram sendo os ideais e
preferências do modelo italiano. (SADIE, 1994, p. 166)
Além das questões estéticas e artísticas, pesquisas científicas contribuíram para o
desenvolvimento da técnica do canto lírico ocidental. No século XVIII, período em que
novas tendências do pensamento na Europa valorizavam a razão e o conhecimento
científico, pesquisas nas áreas de Acústica, Anatomia e Fisiologia impulsionaram o
aprimoramento da pedagogia vocal e de novas pesquisas na área, quadro que se estendeu
pelo século seguinte. (VIDAL, 2000, p. 11).
A invenção do laringoscópio 9 , em 1855, pelo barítono Manuel Garcia (1805-1906)
foi um marco para o estudo do mecanismo vocal com bases científicas. Até então, como

9
O laringoscópio é um pequeno espelho com haste de comprimento variável, inspirado no dispositivo
utilizado pelos dentistas. Essa pequena “invenção”, atribuída a Manuel Garcia, permitiu a, até então inédita,
visualização da laringe em funcionamento.
34

não se conhecia o funcionamento do aparelho fonador, a imitação era a única base de quase
todas as escolas de canto. Um dos mais influentes professores de canto do seu tempo,
Garcia escreveu quatro obras de referência sobre técnicas de canto 10 .
Na primeira metade do século XX, novos avanços tecnológicos como a
amplificação eletrônica e a fonografia são apontados por Ware (1997 apud VIDAL, 2000,
p. 15) como alguns dos fatores que impulsionaram progressos vocais. Principalmente após
a década de 1940, a expansão da educação nos EUA produziu um grande número de
programas de música em conservatórios, faculdades e universidades. (VIDAL, 2000, p. 16).
Com este ingresso nas Universidades, houve uma demanda de educadores da voz e
referências bibliográficas sobre o assunto.

3.1.2 A técnica vocal no Brasil

A iniciativa do ensino musical no Brasil foi da Igreja. Segundo Vidal (2000, p.19),
“o ensino do canto em nosso país remonta ao período colonial e consta na literatura a
atividade pedagógica e social de “ensinar de graça” os órfãos e pobres, realizada pelo
mestre-de-capela Bartolomeu Pires em 1551”. Podemos supor que essas aulas eram em
grupo e possuíam a função de catequese, não tendo como objetivo, portanto, formar
profissionais de canto.
Novas informações sobre ensino do canto no Brasil referem-se ao século XIX,
somente três séculos depois da referida iniciativa musical da Igreja, quando companhias de
ópera, principalmente italianas, começaram a vir para o país. A presença da escola italiana
foi tão intensa que Félix (1997, p.22) chega a afirmar que “o canto erudito no Brasil foi
introduzido através dos cantores italianos”. O uso constante do termo bel canto, em quase
toda literatura de canto no Brasil é um indício desse fato.
Uma das conseqüências dessas turnês é que “alguns de seus integrantes se fixavam
no Brasil, realizando também o ensino do canto” (FÉLIX, 1997, p.11). Tendo a Itália o
status de “berço da ópera e do bel canto”, esses profissionais eram valorizados por aqueles
que se interessavam pela arte do canto.

10
São elas: Traité complet de l'art du chant, Paris, 1840-1847; Mémoires sur la voix humaine. In: Comptes-
rendus des séances de l’Académie des sciences. Paris, 1841; Observations on the Human Voice. In:
Proceedings of the Royal Society of London, vii (1854–5), p. 399–410; Observations physiologiques sur la
voix humaine. Paris, 1861.
35

Além do ensino formal, que era ainda incipiente, os que não tinham aulas
aprendiam imitando os artistas estrangeiros. É o que constata Job (1909 apud FÉLIX, 1997,
p.13), em artigo publicado na revista Gazeta Artística: “muitos cantores brasileiros
aprendiam, intuitivamente, por imitação, usando como modelo cantores das companhias de
ópera italiana que vinham para o Brasil”. E muitas vezes, segundo o autor, “vinham
companhias com cantores de má qualidade”. Gil de Valadares (1911 apud FÉLIX, 1997,
p.14) reforça, na mesma revista: “Infelizmente o canto artístico (...) é ainda um modo
prático de aprender músicas cantadas, ou a imitação grotesca de cantores de companhias
lyricas”.
Até meados do século XIX, não havia escolas superiores, nem centros de pesquisa
voltadas para o ensino do canto 11 . O ensino da música no Rio de Janeiro era feito em cursos
particulares de alguns professores, como o que o compositor Padre José Maurício Nunes
Garcia (1767-1830) mantinha em sua residência.
Em 1848, foi inaugurado o Conservatório de Música, inicialmente instalado em um
salão do Museu Imperial e, em 1855, anexado à Academia de Belas Artes. Com a
Proclamação da República, em 1889, o Conservatório deu lugar ao Instituto Nacional de
Música 12 .
Entre 1857 e 1865, duas academias buscaram promover a ópera no Brasil,
promovendo concertos e preparando cantores: a Imperial Academia de Música e Ópera
Nacional (1857-1860) e a Ópera Lírica Nacional (1860-1865), no Rio de Janeiro.
Em 1909, Job (1909 apud FÉLIX, 1997, p.14) explicava o fato de não termos uma
escola de canto desenvolvida, como na Europa: “O Brasil é um país novo em relação às
culturas européias que têm, como na Itália, uma tradição mais antiga da música erudita
vocal”.
A partir do séc. XX, como reflexo do que acontecera na Europa no século anterior,
alguns autores começam a defender o ensino de canto com bases científicas. É o que se
pode verificar no trabalho intitulado “A Ciência do Canto”, de 1940, de Moreira (1940
apud FÉLIX, 1997, p.25): “Devemos substituir, enfim, a pedagogia empírica e cega por
uma outra clarividente, controlada por meio de noções rigorosamente científicas. A norma

11
As primeiras escolas superiores foram de Direito, Medicina e Politécnica, e começam a funcionar no Rio de
Janeiro, com a vinda de D. João VI, em 1808. (VIDAL, 2000, p. 19).
12
Informações retiradas do site da Escola de Música da UFRJ.
36

artística é a mesma da velha escola do ‘Bel Canto’, os meios para consegui-la é que
repousam na ciência”.
A dificuldade de se fazer um relato mais detalhado sobre as origens do ensino do
canto no Brasil é a falta de documentação. Félix (1997, p.24) observa que, na bibliografia
do início do século XX, há menções constantes de obras estrangeiras e quase não há
citações de exemplos de cantores brasileiros da época. “Quase não encontramos referência
sobre como era a vida do cantor e quem era o estudante de canto naquele tempo”. Apenas
em 1941 é que aparece pela primeira vez uma citação sobre a prática do canto no Brasil, no
trabalho de Lúcia Lopes de Almeida Noronha, intitulado “A Higiene da Voz do Cantor”.

3.2 O canto popular – transmissão e aprendizagem

3.2.1 Como os músicos populares descrevem seus aprendizados

Quem gosta de cantar, aprende a fazê-lo quase ao mesmo tempo em que aprende a
falar. Naturalmente. É por isso que, para o cantor popular brasileiro profissional, soa tão
fora de propósito a pergunta: “como você aprendeu a cantar?”. Elza Soares questiona:
“aprender a cantar eu acho uma coisa muito estranha...”. Ney Matogrosso faz uma cara de
espanto para depois responder: “cantando”. “Quem sabe, canta, quem canta já nasce
sabendo, a gente não tem que aprender a cantar”, resume Elza (PICCOLO, 2003).
Leila Pinheiro diz: “Tenho gravações cantando com 3 anos, que ilustram meu DVD
e me dão a noção exata do quanto me pareceu fácil desde muito cedo, abrir a boca e
cantar”. “Eu cantava desde criança. Tinha um parque de diversões perto da minha casa, em
Padre Miguel, que tinha um programa de calouros nos fins de semana. E eu me lembro que
eu ia nesse parque e cantava nos fins de semana”, conta Ney (ibid.).

3.2.1.1 O trabalho de L. Green: a aprendizagem do músico popular


No trabalho intitulado How popular musicians learn, Lucy Green (2002, p.2,
tradução nossa) afirma que, para a maioria dos músicos populares, o primeiro meio de obter
conhecimento é através da audição e de atividades como memorização, imitação, prática,
ornamentação, improvisação, arranjo e composição. A autora lembra que a aprendizagem
ocorre nos casos em que a audição é deliberadamente proposital, meramente atenta ou
mesmo distraída: “o processo de aculturação na prática musical depende tanto da
apreciação consciente quanto inconsciente, que são cruciais para a aquisição dos
37

treinamentos de performance”.
Ela diz que o conhecimento estilístico adquirido através de esforços individuais ou
em grupo para imitar gravações fornece as bases para uma atividade criativa.
Green ressalta que as práticas de aprendizagem formal e informal não são
mutuamente exclusivas, sublinhando que “a primeira técnica resultante desse processo de
aprendizagem relativamente inconsciente tende a ser suplementado pela prática pedagógica
convencional apenas depois que os músicos tornam-se profissionais”. (ibid., p.3) Ela
argumenta que o treinamento e o conhecimento adquirido informalmente através de
processos “naturais” e aculturação são verossímeis e devem ser incluídos em classes de
educação formal.
Green apresenta também o conceito da “ideologia da autenticidade”, que carrega em
si a noção do artista que interpreta a música direto da alma sem nenhum treino ou esforço.
Essa noção traz consigo outra idéia muito difundida de que a música popular não precisa do
ensino formal já que “qualquer um” pode fazer, ignorando o fato de que a música popular
pode ter outras formas de aprendizagem, muitas vezes tanto ou mais eficientes que o ensino
formal. Essa idéia tende a desvalorizar o artista popular e sua arte: “assim como nossa
cultura falha em reconhecer que o treinamento formal não é requisito condicional para o
aprendizado musical, essa ideologia da autenticidade pode contribuir para o sentimento de
ignorância expressa por muitos desses músicos”. (ibid., p. 4).
Phillip Tagg (2003, p.38) parece concordar com Green, ao rebater insinuações de
alguns jornais de que a análise da música popular seria irrelevante e desnecessária por sua
natureza e simplicidade:
o ato de analisar a música popular deve ser visto como algo que contra ataca
tendências dissociativas, resiste ao tipo de divisão mental (apartheid) proposto
[...] e quebra os tabus esquizofrênicos que proíbem o contato entre verbal e não-
verbal, explícito e implícito, público e privado, coletivo e individual, trabalho e
entretenimento.
3.2.1.2 A imitação e a prática como aprendizagem
A prática da reprodução do saber pela imitação na música popular, mencionada por
Green, nos remete mais uma vez à análise do folclore realizada por Brandão (2003, p.45-
46), em que encontramos outro ponto em comum com a cultura popular. Ele ressalta a
característica consensualmente aceita sobre o fato folclórico, a de que “se transmite de
pessoa a pessoa, de grupo a grupo e de uma geração a outra, segundo os padrões típicos da
38

reprodução popular do saber, ou seja, oralmente, por imitação direta e sem a organização de
situações formais e eruditas de ensino-e-aprendizagem”.
Clara Sandroni também considera a imitação um meio importante para a
aprendizagem do canto popular:
O cantor popular, em geral, é um autodidata. Ele aprende a cantar em família, no
seu grupo social, se apaixona por determinado cantor, determinada música, e vai
tateando, imitando, cantando até ficar bom. Daí ele começa a adquirir
personalidade vocal própria e talvez tente seguir uma carreira profissional.
(SANDRONI, 1998, p.17).
A autora acredita na existência de uma escola de canto popular brasileiro e ressalta a
importância das referências estéticas representadas pelos intérpretes consagrados na
formação artística dos novos cantores: “Esses grandes intérpretes [Chico Alves ou Aracy
Cortes nos anos 30, Elizete Cardoso e Maysa nos anos 50, João Gilberto no final dos 50 e
começo dos 60, Elis Regina nos anos 70, Milton Nascimento nos anos 80] são a nossa
escola, a escola do canto popular, e nunca vão deixar de ser, da mesma maneira que Caruso
ou Maria Callas foram e serão eternos mestres do canto lírico.” (ibid., p.17).
Como vimos, a imitação, o treinamento e a prática buscam um objetivo que tem a
ver com as nossas referências culturais e musicais. É a partir delas que buscamos as
sonoridades que nos agradam e que tentamos adaptar e reproduzir. Ou seja, tentamos imitar
aquilo ou aquele que achamos bom. Elza Soares afirmou (PICCOLO, 2003) que ouvia as
cantoras de jazz, como Ella Fitzgerald e Sarah Vaughan. Maria Bethânia sempre teve uma
forte influência do teatro em sua carreira, assim como Ney Matogrosso, que começou
fazendo musicais. Leila Pinheiro revela que Elis Regina foi sua mestra maior, assim como
Elizete Cardoso, Maria Bethânia e Nana Caymmi, segundo ela “intérpretes raras e absolutas
na arte do canto e da interpretação até hoje”. Gal Costa foi atrás da sonoridade proposta por
João Gilberto, como veremos a seguir. Mostraremos também um dos processos de
aprendizagem utilizados por Maria Bethânia e Elza Soares.

3.2.1.3 Maria Bethânia e as noites do Rio


Maria Bethânia, no show “Maricotinha”, ocorrido em dezembro de 2002, no
Canecão (Rio de Janeiro), contou que “sua escola” foram as noites em que cantava nas
boates de Copacabana: “Quando cheguei ao Rio para substituir Nara Leão no show
Opinião, fiquei maravilhada com a quantidade de boates e de música boa que se fazia por
lá”. Isso foi no início de 1965. Logo depois, era ela quem fazia os shows. “O público de
39

boate é diferente, vai lá para namorar, e os músicos ficam livres”, disse em tom de
brincadeira. Assim, experimentava todos os tipos de interpretação e sonoridades. “Aprendi
tudo ali”, revelou. (PICCOLO, 2003).

3.2.1.4 Gal Costa e a panela


Gal Costa, em entrevista ao “Programa do Jô” (TV Globo), veiculada no dia 13 de
dezembro de 2002, contou como aprendera a cantar. “Sou totalmente autodidata”. Disse
que escutava muito as grandes cantoras como Dalva de Oliveira e Elizete Cardoso, mas ao
ouvir pela primeira vez João Gilberto, teve “um choque”. Foi quando decidiu: “Tenho que
re-aprender a cantar”. Pegava então uma panela daquelas grandes, de alumínio, ia para o
banheiro, onde tinha bastante reverberação do som, e cantava direcionando o som para
dentro da panela, com um ouvido virado para o seu interior, e o outro para o ambiente, a
fim de ouvir bem o som que produzia. Assim ia experimentando diversas sonoridades e
ressonâncias, e escolhendo aquelas que preferia. (PICCOLO, 2003).

3.2.1.5 Elza Soares e a lata d’água


Com Elza Soares foi diferente. Ao perguntar se já tinha feito algum tipo de
treinamento, ou se estudava em casa, ela respondeu categoricamente: “Nunca. Até hoje não
canto em casa, se você quer saber. Cantava no colo do meu pai, que tocava violão. Mas eu
cantava, não treinava. Treinar eu acho hor-rí-vel! Aí eu sou meio Romário: treinar pra
quê?”. No entanto, no final do depoimento, a cantora afirma: “A Gal aprendeu com a
panela, não é isso? E eu descobri com uma lata na cabeça, então cada um tem sua maneira
de descoberta!”. (PICCOLO, 2003).
Ao cantar com uma lata na cabeça, a cantora muito provavelmente utilizou a
prática, o treinamento, a experimentação, a improvisação e a técnica, tudo isso de forma
inconsciente. O peso em sua cabeça fez com que trabalhasse ao mesmo tempo sua postura,
respiração, controle e independência dos músculos da laringe, aspectos importantes da
técnica vocal e que estão presentes nas aulas de canto. Há professores 13 que propõem
exercícios como o de pousar as mãos sobre a cabeça e pressioná-las para baixo com o
mesmo intuito.
3.2.1.6 Deve-se ensinar o canto popular?

13
A professora Eliane Sampaio, por exemplo, utiliza esse exercício em suas aulas.
40

Como vimos, exemplos geniais de autodidatas brilhantes em nossa música não


faltam. Se tudo é tão perfeito, para que serviria o ensino de canto popular?
Como levantou Green (2002) em sua “ideologia da autenticidade” sobre a qual
comentamos acima, há realmente os que pensam que música popular não se ensina. As duas
idéias de que a música popular não precisa de “nenhum treino ou esforço” e a de que essa
música vem “direto da alma” são comentadas também por Sandroni (2002, p.5)
tem gente que acha que a música popular (...) é uma coisa muito fácil, sem
elaboração, que não se compara com a música de concerto etc. Já de outra parte
tem gente que acha que samba não se aprende na escola, que a música popular
não pode se deixar contaminar pela rigidez acadêmica, pois perderia sua
espontaneidade, sua característica primordial.
A preocupação com a perda de espontaneidade, lembrada por Sandroni, foi
realmente verificada no discurso de alguns professores entrevistados, que receiam que a
“diversidade de estilos” que a interpretação da música popular comporta pudesse ser
homogeneizada pelo ensino. Regina Machado é uma delas: “Acho enriquecedor que se
desenvolvam várias metodologias que ajudem o cantor em sua formação e principalmente
respeitem a natureza de sua voz e sua personalidade artística, para que não se crie ‘cantores
em série’!!” (PICCOLO, 2003).
Em entrevista a CASTRO (2002, p.17), Felipe Abreu diz: "o canto popular na
minha concepção é partir do material vocal original do indivíduo, do seu timbre, e então
construir uma técnica vocal, fisiologicamente saudável, mas baseada no seu timbre". Mais
adiante afirma: "Acho que essa é a diferença maior mesmo, conseguir respeitar e trabalhar a
individualidade tímbrica e musical daquela pessoa, sem deixar que os conceitos de pureza e
linearidade vocal vigorem sobre a expressividade".
Marcelo Rodolfo (PICCOLO, 2003) discorda da idéia de que a sistematização de
uma técnica realmente possa acabar com a naturalidade do cantor. Ao contrário, entende
como técnica “um conjunto de ferramentas que é dado ao aluno para que ele possa dar
vazão, com liberdade, ao seu pensamento criativo”.

3.2.1.7 A procura pelo ensino formal do canto popular


Apesar de não termos encontrado muitas informações de cantores populares que
tivessem tido aulas de canto até os anos de 1980, há algumas referências indicando que essa
prática existia, embora fosse muito rara. Cantor que mais gravou sucessos da MPB durante
os anos de 1902 e 1919, Mário Pinheiro estudou canto lírico e participou do espetáculo de
41

inauguração do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, em 1909 (SEVERIANO; MELLO,


1997, p.18). Cauby Peixoto também mencionou suas aulas de canto durante uma gravação
com o maestro Radamés Gnattali (informação verbal) 14 .
Alguns tiveram aulas de instrumento, e a maioria aprendeu na prática, quase sempre
desde criança. Orlando Silva, por exemplo, não teve nenhuma educação musical formal,
como relata Tinhorão:
Simples trocador de ônibus, o sestroso mulatinho, levado ao rádio por Francisco
Alves, revelaria uma capacidade de improvisação vocal que – considerando sua
ignorância na música – seria julgada quase divinatória pelo cantor italiano Carlo
Buti (TINHORÃO, 1997, p.55).
Dalva de Oliveira aprendeu piano, órgão e canto coral no orfanato Colégio
Tamandaré, aos oito anos. Ainda adolescente, na escola de dança onde trabalhava, após o
serviço costumava cantar e improvisar músicas ao piano. (EMB, 1998).
Linda Batista começou a aprender violão com o cantor Patrício Teixeira, aos dez
anos. Dorival Caymmi nunca estudou música e, aos 16 anos, “já se acompanhava ao violão,
que aprendeu sozinho, tocando num estilo muito pessoal e tornando-se mais tarde um
exímio instrumentista” (ibid.).
Luiz Gonzaga aprendeu a tocar o instrumento com o pai. Desde pequeno tocava em
bailes, forrós e feiras. Dick Farney também iniciou-se no piano com o pai, aprendendo
música erudita ainda criança, e de sua mãe recebeu as primeiras noções de canto (ibid.).
Milton Nascimento tinha uma professora de música em casa, a mãe adotiva Lilia
Silva Campos. Aos quatro anos, ganhou seu primeiro instrumento musical, uma sanfoninha
de dois baixos. Já aos treze anos de idade atuava como crooner ao lado de seu vizinho
Wagner Tiso em um conjunto de baile. Teve aulas de piano com a mãe de Wagner Tiso.
A cantora Marisa Monte estudou piano e violão na infância e canto lírico na
adolescência: “Em 1985 permaneceu dez meses na Itália para estudar canto, mas desistiu do
gênero lírico e passou a cantar música brasileira na noite” (ibid., p.527).
A procura pela aprendizagem formal do canto popular e a preocupação com os
cuidados com a voz parecem estar aumentando a cada dia.
Dos nossos entrevistados, todos tiveram alguma experiência de aprendizado formal.
Leila Pinheiro teve aulas de canto com Vitória Eucanave, Pepê Castro Neves e com Vera
do Canto e Mello. Tem também encontros freqüentes com a fonoaudióloga Ângela de
14
Depoimento prestado pelo professor Roberto Gnattali, em 2001 (PICCOLO, 2003)
42

Castro (Rio de Janeiro), além de se consultar com o Dr. Agrício Crespo (Campinas), “um
dos maiores especialistas em laringe no Brasil”, e com os otorrinolaringologistas Dr.
Marcos Sarvat (Rio de Janeiro) e Dr. Carlos Gregório (São Paulo), segundo ela seus
“salvadores sempre em situações de emergência vocal”. Ney Matogrosso estudou durante
seis anos com a professora Fernanda Gianetti e Elza Soares começou a ter aulas, mas não
deu seqüência. (PICCOLO, 2003).
A constatação de que os cantores entrevistados iniciaram suas práticas através da
aprendizagem informal e mais tarde procuraram aperfeiçoamento através do ensino formal
vai de encontro com a tese de Green (2002, p.3) citada anteriormente de que “a
aprendizagem relativamente inconsciente tende a ser suplementada pela prática pedagógica
convencional apenas depois que os músicos tornam-se profissionais”.

3.2.2 O professor de canto popular e sua formação

Falamos aqui um pouco dos professores de canto popular, quando e como surgiram
e qual a sua formação. Utilizamos as entrevistas realizadas para a monografia citada
(PICCOLO, 2003) com quatro professores de canto popular, sendo três do Rio de Janeiro
(Felipe Abreu, Clara Sandroni e Marcelo Rodolfo) e uma de São Paulo (Regina Machado) e
uma professora de canto lírico do Rio de Janeiro que também dá aulas para cantores
populares (Eliane Sampaio).
Acrescentamos a estas, uma entrevista, mais breve do que as demais, com a
professora de canto popular Angela Herz, realizada através de correio eletrônico para este
trabalho.

3.2.2.1. Quando surgem os primeiros professores


A existência da categoria de professores de canto popular no Brasil é uma realidade
relativamente recente, mas seu franco crescimento é uma unanimidade.
O Rio de Janeiro parece ser o Estado do país em que o movimento é melhor
percebido, seguido de São Paulo. Há poucos anos, Sandroni (2002, p.5) afirmava que
“praticamente não existem (fora do eixo Rio-São Paulo) professores de canto popular” e a
professora da Unicamp (SP), Regina Machado, dizia conhecer apenas alguns professores de
canto popular: “Sei que no Brasil esta é uma escola que ainda está no começo. Porém já
vem se delineando de forma clara e definida” (PICCOLO, 2003).
43

Felipe Abreu (ibid.) confirma o Estado como um centro especialmente pródigo no


ensino do canto popular no Brasil e explica:
isso se deve a várias razões, por exemplo a concentração de todas as grandes
gravadoras e as maiores redes de TV no Rio. Além disso, me parece que a partir
do início dos anos 90, o movimento de interarticulação entre professores de canto
popular, fonos e otorrinos deu especial alavancagem no aperfeiçoamento na
técnica vocal para o canto popular. É hoje um movimento vitorioso, que se repete
pouco em outros estados brasileiros - por enquanto!
O movimento parece ter tomado forma em meados da década de 1980. Regina
Machado começou a dar aulas em 1984. Clara Sandroni começou em 1991 (ibid.):
Também com a maior insegurança, sem saber se eu podia, se devia, mas todo
mundo me pedia muito pra dar aula, e a Clarisse me incentivou, achou que eu já
tava preparada, que eu já estudava há dez anos com ela, que eu podia dar aula.
Mas, em função da minha situação financeira na época, eu resolvi tentar.
Felipe Abreu (ibid.) deu suas primeiras aulas em 1989, aos 29 anos:
Tinha 11 anos de estudos de canto e era muito procurado por jovens cantores,
especialmente cantores de coral, pois também havia feito a preparação vocal de 2
ou 3 corais. As pessoas gostavam das minhas aulas pois eu tratava de repertório e
de uma técnica exclusivamente dedicada ao canto popular.
Como mencionou Abreu, esses profissionais que trabalham em coros ou no
treinamento para espetáculos teatrais são chamados de preparadores vocais. Aulas de
técnica vocal e de preparação vocal eram os termos mais utilizados para as primeiras aulas
de canto popular. Marcelo Rodolfo, por exemplo, deu suas primeiras aulas de canto em
1996, mas ainda não chamava de canto popular. Só começou a ouvir falar em “aula de
canto popular” no final dos anos 1990 para o ano 2000, aqui no Rio, pelo menos (ibid.):
Eu já tinha ouvido falar desse movimento do Felipe Abreu, com um grupo de
estudo de canto mas não sei se era voltado especificamente para o canto popular.
Sabia que era um grupo de estudo da voz. É a partir dos Congressos que se
começa a falar mais publicamente do ensino do canto popular. Havia demanda,
sempre houve essa demanda.
Hoje, assume claramente ser um professor de canto popular e lembra que as pessoas
procuram muito especificamente por isso. E já conhece muitos professores que se auto-
denominam professores de canto popular: “Isso agora é toda hora”.
“Em meados dos anos 90, já havia, sim, as escolas, e eu já sabia que
nessas escolas de música havia professores de canto popular. Era o
Antonio Adolfo, o CIGAM, tinham umas quatro ou cinco escolas., mas
não conhecia essas pessoas. E hoje em dia isso é em cada esquina.”
Clara Sandroni (ibid.) também diz conhecer muitos professores: “Eu,
particularmente conheço bastante. (...). Em 81, sabia que tinha professores pra vários tipos
de cantores. Sabia que tinha aquela professora que dava aula pr’aquele monte de ator...”.
44

Ney Matogrosso fala que sua professora, Fernanda Gianetti, em torno de 1975, dava aulas
de canto para muitos atores, como Marilia Pêra, Marcos Nanini, o Pepe, Zezé Motta, e
quase não tinha cantores como alunos. “Eu era o único cantor (...) Mas eu acho que
ninguém começa estudando canto. Essa é uma preocupação dos atores. Não é uma
preocupação de quem canta. Quem canta, canta. Aí, se por acaso, tem alguma dúvida,
alguma questão, vai lá e faz uma aula”.
Não sabemos o quê desencadeou essa procura pelo aperfeiçoamento por parte dos
cantores populares, mas uma hipótese foi o surgimento dos coros de música popular,
representado pelos grupos Garganta Profunda, Céu da Boca e Coro Come, que começaram
a se utilizar de exercícios de técnica vocal. Felipe Abreu participava de corais desde os 14
anos, quando passou a ter aulas de técnica vocal em grupo em corais de música erudita e
popular. Cita o Coral da Cultura Inglesa (depois Cobra Coral) como o grupo seminal de
música coral popular brasileira, dirigido pelo maestro Marcos Leite. “Este grupo era um
dos raros que tinha um preparador vocal, já naquela época (1978/1981), que acompanhava
todos os ensaios e fazia também um atendimento personalizado” (ibid.).
Clara Sandroni (ibid.) diz que, quando entrou para a UNIRIO, no começo dos anos
80, conheceu vários integrantes do “Coro Come”, dentre eles a cantora e professora Suely
Mesquita, que faziam pesquisas e davam aulas. E conclui: “Acho que a partir dos anos
[19]80, comecei a ouvir falar mais nisso. Talvez já tivesse desde os anos [19]70, mas eu
não sabia porque não tava ligada em música”. Eliane Sampaio conta que a primeira vez que
ouviu falar de professores de canto popular foi nos anos 1970.
Para Regina Machado (ibid.), a procura pelas aulas de canto cresceu muito nos
últimos tempos, “porque as pessoas estão descobrindo a possibilidade de realização artística
através da voz.”. A média de alunos por professor entrevistado varia entre dez e quarenta.
Para Felipe Abreu (ibid.), a procura foi sempre grande, mas aumentou muitíssimo com a
exposição de seu trabalho nos programas da série "Fama", da Rede Globo, no ano passado:
“a minha média anual até 2001 era de 100 pessoas que queriam ter aulas comigo. Ano
passado, foram 282, do Brasil inteiro”, conta.
Outra questão merece ser levantada. Se, por um lado, o aparecimento do rádio
democratizou o mercado para cantores com todos os tipos de voz, aumentou também a
concorrência: “Na época em que o rádio se comercializa, a partir de 1931, ser músico e/ou
45

cantor deixa de ser considerado um passatempo e adquire status de profissão, cada vez com
mais prestígio”. (SANDRONI, 1998, p.51). De lá para cá, essa profissionalização aumenta
a cada dia e a alta competitividade do mercado fonográfico faz crescer a necessidade se
destacar também através do aprimoramento técnico. Para Sandroni (1998, p.17), isso
explica o crescimento pela procura do ensino de canto nos últimos anos:
O cantor popular da atualidade enfrenta um mercado complexo e muito, muito
competitivo (...) Nesse contexto de competitividade o cantor popular percebe que
tem que se preparar e, quebrando o preconceito a respeito do “estudo de canto”,
ele procura cada vez mais o professor de canto popular.
Quanto ao aumento do número de professores, Marcelo Rodolfo (PICCOLO, 2003)
atribui grande responsabilidade à questão econômica. Explica que, por necessidade
financeira, cantores às vezes até sem conhecimento técnico adequado, acabam optando pelo
ensino. Acreditamos que, além desta questão, a demanda de cantores pela aprendizagem é
determinante para o crescimento desse número.

3.2.2.2 Alguns perfis dos professores


Como os outros cantores, nossos professores populares também começaram a cantar
de maneira informal. Regina Machado conta: “Comecei a cantar ainda criança, por volta
dos 7 anos. (...). Nessa época minha realização musical era completamente intuitiva.”. Clara
Sandroni diz: “Eu já sabia cantar, aprendi em casa, cantando com a mamãe, que sempre
cantou.”. E Felipe Abreu: “Comecei a cantar por volta dos 10 anos, Cantava de forma
intuitiva, para apresentar minhas canções nos festivais de colégio.” (PICCOLO, 2003)
Todos os professores entrevistados tiveram aulas de canto lírico. Como vimos antes,
a primeira técnica vocal sistematizada a chegar no Brasil foi a técnica erudita e o canto
popular brasileiro ainda não possui sistematização de ensino. Como o ensino do canto
popular é muito recente no país, acreditamos que a maioria os professores que ensinam hoje
não tiveram aulas de canto popular. Alguns até conseguiram que seus professores fossem
um pouco mais flexíveis ao repertório popular, como é o caso de Clara Sandroni:
Quando decidi seguir a carreira de cantora, em 1981, fiz vestibular pra canto na
UNIRIO, sem me dar conta que era canto erudito. Depois, fui estudar com a
Clarisse Szajnbrum, do Quadro Cervantes, que é uma cantora de música barroca e
renascentista. Ela dizia que tinha voz branca, que se adequava mais ao canto
popular. Estudei com ela durante dezessete anos. (ibid.)
Sandroni conta como via as aulas de canto na época:
os professores ficavam fazendo você cantar lied, árias e coisas assim, estudar pelo
Vaccai, ou estudar musicais americanos, e eu não gostava (...) E a maioria dos
46

meus colegas, Felipe (Abreu), Suely (Mesquita), todos passaram por professores
que davam árias, que davam lieder, não sei talvez eu seja a única pessoa que
estudou 17 anos com uma professora e nunca cantou um lied.
Regina Machado diz que só foi estudar canto formalmente aos 17 anos, com Caio
Ferraz, no Conservatório do Brooklin Paulista, e aprendeu canto lírico. A formação de
Felipe Abreu, que começou aos 18 anos, foi toda com professores de canto lírico:
Fiz um ano de aulas com uma professora de canto lírico, da velha escola italiana.
(...). Logo depois, em 1980, passei a ter aulas com um outro professor de canto
durante uns dois anos. Quando ele foi para os EUA, comecei a ter aulas com a
Maria Lucia Valladão, formada em Paris (École Normale Supérieure de Musique)
e em Londres (Guildhall), e que tinha sido também orientada pelo professor
alemão Walter Grüner. Apesar de ser uma professora com formação
exclusivamente erudita, ela acolhia o repertório de música popular que eu lhe
levava. Estudei com ela durante 7 anos. Já cantando profissionalmente, estudei
com a Carol McDavit, formada pela Manhattan School of Music (escola
americana de canto), durante 6 anos. Também de formação erudita, não excluía a
música popular de suas aulas na parte de repertório. (ibid.)
Marcelo Rodolfo também sempre estudou com professores de canto lírico: “Nunca
tive professor de canto popular, até porque não havia. É muito recente....”. Ele começou a
ter aulas aos 17 anos com um professor na Escola de Música Villa-Lobos, um cantor lírico
do Teatro Municipal. “Depois, quando passei para a Escola de Música da UFRJ fazendo
graduação em regência fui estudar com a Diva Abalada, uma matéria secundária, de canto
lírico também” (ibid.).
Angela Herz disse que nunca teve aulas de canto popular porque quando se
profissionalizou, em 1972, essa possibilidade não existia ou, se existia, ela não tinha
conhecimento.

3.3 A situação do ensino do canto no Brasil

3.3.1 Falhas na sistematização do ensino

O que pudemos verificar é que nem mesmo o ensino do canto lírico é sistematizado
no Brasil. Não há um consenso sobre resultados sonoros almejados nem exatamente
quantas escolas européias existem e o que elas representam. O que temos, no ensino do
canto popular ou lírico, são adaptações de uma técnica importada, que por sua vez também
parece estar longe de um consenso. Os cantores ensinam como aprendem e, de acordo com
suas referências estéticas e o seu gosto pessoal, criam seu próprio método de ensino.
Na década de 1930, Mário de Andrade já dizia que a música artística no Brasil foi
um fenômeno de transplantação. “Por isso, até na primeira década do séc XX, ela mostrou,
47

sobretudo, um espírito subserviente de colônia” (ANDRADE, 1933 apud FÉLIX, 1997,


p.23).
Ware (1997 apud VIDAL, 2000, p.8) reforça essa idéia ao afirmar que a pedagogia
utilizada no canto pode ser considerada uma síntese de métodos e técnicas, com diversas
origens, tomadas ou adaptadas pelos próprios professores.
Félix (1997, p.78) conclui: “Constatamos que todo o processo de aprendizagem de
canto no Brasil é decorrente da assimilação de comportamentos, técnicas e padrões
estéticos vindos de outros países, especialmente da Itália”.
Vidal (2000, p.20) diz que, apesar de o canto e seu estudo terem estado presentes
em nossa cultura durante toda a história do país, ainda não temos uma pedagogia vocal
consistente: “Essa inconsistência se refere à falta de uma política para o ensino-aprendizado
do canto no país [...]”.
Mas a autora verificou também que esta realidade não tem sido unicamente
brasileira. Contribuiu para essa conclusão a análise por ela realizada a partir da tese de
doutorado apresentada por E. Blades-Zeller. Publicada em 1993, em Nova York, pela
Estman School of Music-University of Rochester-Rochester, Zeller procurou esclarecer,
através de entrevistas com dezesseis professores, como os cantores americanos vêm sendo
treinados vocalmente. O resultado mostrou que a inconsistência pedagógica tem se dado em
outros países, persistindo principalmente até a década de oitenta. As causas eram relativas a
discordâncias sobre alguns conceitos fundamentais, como som, ressonância e registros.
Vidal atribui as discordâncias nesses pontos “à sua natureza subjetiva e por tenderem a uma
preferência pessoal por parte dos entrevistados”. (idem, p. 68)
Zeller (1993 apud VIDAL, 2000, p. 20) concluiu que havia nos Estados Unidos,
assim como no Brasil como aponta Félix (1998), lacunas na produção de literatura em
pedagogia vocal, porém mais especificamente com respeito à maneira de organizar e
analisar os dados pesquisados. Encontrou trabalhos que estavam limitados a pesquisas em
práticas de conjuntos e corais, ou o ensino para alunos de ensino elementar e ainda outros
focavam revisões históricas. Nenhum tinha focado propriamente o profissional cantor.

3.3.2 Cursos de formação de professores e cantores

No Brasil, hoje, praticamente não existe curso para formação de professores de


canto. O que há são Bacharelados em Canto, todos baseados na escola erudita. Sandra Félix
48

(1997, p.62) analisou os currículos dos cursos de bacharelado em canto de quatro


universidades, dentre as maiores existentes no Brasil, que são a UFBA, UFRJ, UNESP e
UNIRIO. E verificou que somente duas Escolas de Música, a da UFRJ e a da UFBA
oferecem disciplinas pedagógicas. Em ambas, a maioria das disciplinas pedagógicas são
cursadas na Faculdade de Educação. Na UFBA, “observou-se que, apesar de oferecerem
disciplinas que têm como função o auxílio pedagógico ao ensino de canto, nenhuma delas
tem relação direta com o canto”. (ibid., p.64).
Na UFRJ, a única disciplina sobre pedagogia do canto oferecida na própria Escola
de Música é a ‘Prática de Ensino de Canto’. “Não existem no Brasil cursos especializados
na formação do profissional cantor que queira aperfeiçoar-se no magistério do canto”.
(FÉLIX, 1997, p.81). O resultado, segundo a autora, é que os professores de canto no Brasil
têm sido egressos dos bacharelados em canto, que visam à formação do profissional da
performance.
Preocupada com esta questão da formação do professor, Félix desenvolveu um
trabalho que tem como objetivo “alertar sobre a importância do conhecimento dos
procedimentos pedagógicos por parte do professor de canto, de forma que o mesmo
pudesse transmitir mais efetivamente seus conhecimentos” (ibid., p.3). A autora diz que
mesmo sem haver cursos para essa formação, “a maioria dos cantores no Brasil dedicam-se
ao magistério de canto” (ibid., p.67). “Constata-se assim a importância de se oferecer a
esse profissional opções de uma adequada formação e um direcionamento à pedagogia
vocal no Brasil” (ibid., p.80)
Para Félix, um dos autores que mais defendem a formação do professor de canto no
Brasil é Sylvio Bueno Teixeira (1970 apud FÉLIX, 1997, p.36), que afirma:
Evidentemente, os conservatórios musicais formam cantores. Esses, durante o
tempo que permanecem no estabelecimento, recebem educação vocal relativa ao
seu caso. Não se cogita de dar-lhes conhecimentos básicos para que lecionem,
mais tarde, após o término de seus estudos. Isto nos leva a conjeturar que o
estudo feito não lhes confere habilidade suficiente para que possam formar,
desenvolver e aperfeiçoar a voz cantada de outrem.
No Brasil, o canto popular está mais distante ainda da Universidade. Sandroni
(2002, p.5) confirma: “As universidades não formam cantores populares, muito menos
professores de canto popular”.
De poucos anos para cá, porém, algumas iniciativas apontam para a Universidade.
O aluno que faz a graduação em Música Popular na UNICAMP, em Campinas - SP, por
49

exemplo, já pode escolher o Canto Popular como uma opção de instrumento. Outras duas
faculdades em São Paulo passaram a oferecer a graduação em canto popular: a FASM e a
FMCG (Faculdade de Música Carlos Gomes). No último Congresso da Anppom
(Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música), realizado em 2005, na
UFRJ, foi apresentada a comunicação intitulada “Perspectivas para as licenciaturas na área
de música: concepções do projeto político pedagógico do curso de licenciatura em música
da Universidade Federal da Paraíba”, em que os autores Luis Ricardo Silva Queiroz e
Vanildo Mousinho Marinho discutiam o projeto, então em fase de implantação, que
incluiria no currículo o ensino da música popular, além da erudita, nas modalidades de
canto e instrumentos.
Apesar de estarem fora da Universidade, no Rio de Janeiro as aulas de canto
popular ganham cada vez mais espaço nas aulas particulares e nos cursos de música
privados. Dentre eles, estão o Conservatório de MPB de Curitiba, o CIGAM, a Escola de
Música Antonio Adolfo, o Conservatório Brasileiro de Música, o SENAC, o In Concert,
dentre muitos outros.

3.3.3 A pesquisa como um caminho para a sistematização do ensino do canto popular

Félix (1997, p.71) atenta para o predomínio do ensino não sistematizado: “... Não há
uma consciência por parte dos professores, dos procedimentos pedagógicos que utilizam. O
trabalho desenvolvido ocorre de forma intuitiva”.
Clara Sandroni confirma que tanto a sua aprendizagem como a da professora que a
ensinou foram totalmente intuitivas: “O que eu sei é que de uma forma bem instintiva eu
vou passando pros meus alunos porque a Clarisse assim me passou. E a Clarisse da mesma
maneira, nunca estudou teoria, nunca se imaginou dando aula numa Universidade, ela
sempre trabalhou muito instintivamente” (PICCOLO, 2003, p.78). Sem uma escola que
forme profissionais de ensino do canto, não há como ser diferente.
À medida que um método de ensino para o canto popular é discutido e está sendo
utilizado, há que urgentemente se pensar, estudar e analisar, antes de tudo, a sua prática.
Que música é essa? Que cantor é esse? Que recursos ele usa? De que maneira?
Por que quando a aprendizagem passa a ser realizada também através do ensino
formal, ela passa a ser fruto do conhecimento de quem ensina também. O professor,
portanto, tem a responsabilidade de transmitir um conjunto de idéias sobre o canto popular
50

que esteja de acordo com seu modo de fazer. O fato de que a música popular tem sido
aprendida por meios não formais, não quer dizer que ela não possui características muito
bem definidas. Brandão (2003, p.46) diz que
os produtos da cultura erudita, [...] são formas de cultura que se reproduzem por
meio de agências formais e especializadas de transmissão do saber: a escola, a
universidade, o seminário, o centro de ciência, a confraria de artistas ou
sacerdotes. Há centros controladores da produção desta cultura. Meios de
reprodução de uma cultura de massa que impõem gostos e padrões em dia a
milhões de pessoas.
Os professores de canto popular defendem (PICCOLO, 2003) o estudo e a pesquisa
como base para a formação, tanto do professor quanto do cantor. Felipe Abreu acha que é
absolutamente fundamental que ambos sejam sempre "encharcados" da cultura musical
específica com que lidam: “É preciso dominar o estilo e o gênero que se quer ensinar, seja o
lied ou o reggae. Só é possível produzir-se determinado som vocal se se tem uma
concepção claríssima deste som”. Marcelo Rodolfo concorda e aconselha: “Faça aula com
seu professor, com seus mestres, leia muitos livros, ouça muitos cantores populares,
eruditos, dentro dos populares todas as gamas, do lírico, vai ouvir Wagner, Mozart, música
medieval, ouça tudo. Ouça muito. Porque isso expande seu ouvido e seus horizontes”.
Conhecimentos na área da fisiologia da voz, obviamente, também são
imprescindíveis e amplamente defendidos pelos profissionais envolvidos no assunto: “O
conhecimento científico da voz, sua anatomia e fisiologia, como requisito para lecionar é
ressaltado pela maioria dos autores” (FÉLIX, 1997, p.12). A ênfase dada ao conhecimento
científico também “pode ser visto como uma forma de enfatizar o ensino-aprendizado de
canto por outras vias, tendo não somente a imitação como fator preponderante” (ibid.,
p.13).
Num artigo para a “Revista Brasileira de Música”, Moreira (1938 apud FÉLIX,
1997, p.18) diz que “o mestre do canto para que mereça esse nome necessita conhecer,
previamente, a foniatria, isto é, o tratamento da voz, pondo-se ao corrente dos estudos sobre
a sua formação, emissão e patologia”.
Para Eliane Sampaio (2002, p.21),
A voz e o canto são fenômenos complexos que não dependem só da natural
predisposição física e psíquica do indivíduo. Esses são, antes de qualquer coisa,
ligados a uma cadeia de causa e efeito fisiológicos e psicológicos, no contexto
dos modernos critérios da didática, requerendo a colaboração de vários
especialistas, para serem verdadeiramente realizados com mais clareza e precisão,
da que corriqueiramente acontece.
51

Marcelo Rodolfo (PICCOLO, 2003) recomenda uma formação mais completa dos
professores que inclua alguns conhecimentos em fonoaudiologia e até do canto lírico:
Acho que a situação ideal é que se tenha profissionais com uma base muito mais
ampla. Espero que a formação dos professores de canto seja, um dia, uma
realidade dentro da universidade - independentemente de se tratar de canto lírico
ou popular - e que o estudo da fonoaudiologia faça parte, de forma consistente, da
grade curricular.
A necessidade de um maior tempo de estudo para a formação do cantor, a
importância da formação do professor, a demanda pelo ensino, o mercado de música
popular no Brasil e no mundo, a crescente profissionalização de todos os envolvidos, a
curiosidade dos nossos profissionais - apesar de todas as adversidades -, a necessidade de
um maior aprofundamento em todas as questões relativas à técnica, estilo, ensino-
aprendizagem, tudo isto, ao nosso ver, aponta para a sistematização do ensino do canto
popular e seu ingresso na Universidade.
Sandroni (1998, p.16) é uma das que defendem o curso superior em canto popular:
“imagino que numa Universidade de Música Brasileira, da mesma forma que
instrumentistas, arranjadores e maestros estudariam os gêneros brasileiros (...), os cantores
estudariam os estilos e técnicas de canto referentes a estes gêneros”. Que incluiria o estudo
dos estilos dos cantores brasileiros:
Estudaríamos os estilos de canto de nossos grandes intérpretes como Aracy
Cortes, Francisco Alves, Carmem Miranda, Orlando Silva, Mário Reis, Dalva de
Oliveira, João Gilberto, Elizeth Cardoso, Elis Regina, Milton Nascimento, enfim,
os exemplos não acabam e o assunto é imenso. Os cantos regionais, o
malabarismo das emboladas, as harmonias vocais dos sertanejos, as heranças
culturais européias, africanas, indígenas e muitas outras. (ibid., p.17).
Regina Machado (CASTRO, 2002, p.20) diz:
Então o aluno não só trabalhará a questão da técnica vocal como também entrará
em contato com a trajetória histórica da nossa canção, compreendendo o
desenvolvimento técnico e estético percorrido pela voz na canção brasileira...[...]
e assim irá acordar a memória cultural da nossa história...
Sandroni (1998, p.16) acha que essa realidade está próxima: “Acreditamos que em
breve as demais universidades brasileiras irão se abrir para a realidade do grande mercado
que é a música popular e do quão proveitosa seria a junção desta música (com toda a sua
riqueza e tradição) e o ensino acadêmico”.
Se existe uma escola de canto popular brasileiro, Regina Machado (PICCOLO,
2003) acredita que sim: “venho comprovando isto através de documentos fonográficos,
uma escola que se delineou naturalmente e que cabe a nós organizar estruturalmente”. Clara
52

Sandroni (ibid.) concorda, “no sentido que existe um estilo, uma tradição... Escola não tem.
Essa que é a questão, tem um monte. O estilo de canto brasileiro é a MPB. Porque é a
hegemonia”.
Felipe Abreu (PICCOLO, 2003) diz que formalmente, com método elaborado e
testado, ainda não, mas que, informalmente, existem várias que estão ligadas a
determinados gêneros musicais, “como deve ser!”. Segundo ele, o caminho para se
consolidar uma Escola de Canto popular brasileiro está:
1) na pesquisa permanente e divulgação dos princípios anátomo-fisiológicos da
voz falada e cantada, como a laringologia, a fonoaudiologia e o canto os definem.
2) na aceitação de que sempre co-existirão estéticas distintas no que se refere aos
vários cantos populares brasileiras, e que isso é natural e benfazejo. 3) no dar-se
conta de que o empirismo não pode substituir o conhecimento científico e
técnico. 4) no dar-se conta de que uma metodização da técnica não pode ser um
"gesso" artístico, "mumificando" as experiências e descobertas individuais e de
grupos, no que se refere à estética vocal 5) na idéia de que a técnica vocal existe
para SERVIR à arte vocal, e não é um fim em si mesma 6) no fato de que o
objetivo final de qualquer técnica vocal é salvaguardar a saúde vocal do indivíduo
e dar-lhe as ferramentas para conseguir atingir seus objetivos artísticos. 7) na
percepção de que só haverá uma relativa unificação de métodos em canto popular
quando houver uma demanda acadêmica nesse sentido. (ibid., p. 86)
Nos colocamos ao lado dos professores citados para defender que a escola brasileira
formule o quanto antes a sistematização de seu legado, incluindo o estudo dos gêneros, as
análises das canções, o estudo do repertório e a investigação de todos os recursos
interpretativos utilizados por nossos cantores, transformando esses saberes o quanto antes
em material didático.

3.3.4 Iniciativas em busca do conhecimento e de um diálogo interdisciplinar

O aperfeiçoamento do professor de canto observado de alguns anos para cá, deve-se


ao fato de que alguns profissionais têm partido para iniciativas criativas, escrevendo,
pesquisando e criando círculos de estudos. Felipe Abreu (PICCOLO, 2003) conta que logo
que começou a estudar canto, interessou-se pela parte técnica e anátomo-fisiológica,
passando a ler bastante sobre pedagogia vocal (Appelbaum, Van Christy, Lehmann, Sergius
Kagen, até mesmo Herbert-Caesari) e que, desde 1991, começou a freqüentar
assiduamente congressos, seminários, encontros sobre laringologia, fonoaudiologia e canto,
no Brasil e no exterior: “essa prática foi e ainda é uma das minhas mais importantes fontes
de estímulo ao estudo permanente da voz”:
53

Durante todo esse processo, tenho freqüentado masterclasses e workshops de


diversos professores de canto erudito e popular, das mais diferentes escolas de
canto - Ileana Cotrubas (Romênia), Agnès de Brunhoff (França), Stephen Chun-
Tao Cheng (China), Herman LeRoux (EUA), Elizabeth Howard (EUA), Marvin
Keenze (EUA), William Reilly (EUA), Jo Estill (EUA) etc.

3.3.4.1 Grupos de estudos


Felipe Abreu, "após uns três anos dando aulas, começou a esbarrar em limitações,
especialmente no que dizia respeito à etiologia das disfonias” (CASTRO, 2002, p.16). Foi
quando criou, juntamente com Clara Sandroni, e mais alguns professores, o GEV-RJ
(Grupo de Estudos da Voz):
Em 1991, reuni um grupo de colegas - (...) jovens professores de canto popular
em busca de maior conhecimento de técnica vocal - e alguns regentes e
fonoaudiólogos e fundamos o Grupo de Estudos da Voz do Rio de Janeiro, onde,
durante sete anos, fizemos reuniões semanais para estudar a voz sob todos os seus
aspectos. Tínhamos sempre convidados, especialmente professores de canto,
otorrinos, cirurgiões de cabeça e pescoço, pesquisadores musicais,
etnomusicólogos, fonos, terapeutas e preparadores corporais, engenheiros
acústicos, músicos acompanhadores, regentes etc. (PICCOLO, 2003).
Clara Sandroni (PICCOLO, 2003) conta que o GEV foi criado no mesmo ano em
que começou a dar aulas:

a gente criou o GEV justamente porque existiam vários professores que


davam aulas de canto popular que sentiam que precisavam se embasar
mais. Que não tinham conhecimento médico, não tinham conhecimento de
várias coisas que hoje parecem ridículas pra gente mas que realmente na
época, não tinha a menor idéia.
E juntaram dez, quinze pessoas, fizeram o curso com Roberval Pereira Filho,
fonoaudiólogo que estuda anatomia e fisiologia da voz e a partir daí começaram a estudar
várias coisas. “A gente se reunia todo sábado durante três anos, depois passamos para
encontros quinzenais durante mais dois anos. De quinze passou para dez pessoas e todas
desde o começo foi um grupo bem unido”. Além de Felipe Abreu e Clara Sandroni,
participaram do GEV os professores Suely Mesquita, Cecília Spyer, Gloria Calvente, Ana
Calvente, Marco D’Antonio, Alza Alves e Kaleba Villela. Desde 1996, o grupo passou a se
reunir bem pouco, mas mantêm contato entre si, também através de uma lista de discussão
na Internet, sobre voz, chamada "Preparação Vocal".

é uma lista que existe há uns dois ou três anos, que participam professores
e cantores, basicamente cantores de tudo quanto é parte do Brasil e do
mundo, muita gente do Rio, muitos professores de canto popular,
professores de canto lírico. Tem um arquivo com coisas fantásticas, além
54

de discussões profundas e intermináveis. Três professores respondem. E a


Suely (Mesquita) é coordenadora.
As cantoras Diana Goulart e Malu Cooper e a fonoaudióloga Flávia Azevedo
também criaram um grupo de estudos e pesquisa da voz cantada em 1999, e as duas
primeiras também disponibilizaram uma página na Internet com sugestões de exercícios,
comentários de alunos, professores e cantores, espaço para mandar comentários, links para
diversos centros de estudo da voz e do canto.
Sampaio (2002, p.21) ressalta a importância dessa troca de experiências:
Seriam absolutamente necessárias as ocasiões em que, dentro do âmbito de nossa
associação fossem formados grupos de estudo, onde pudéssemos discutir (PF não
entendam por brigar) o equilíbrio entre o empírico e o racional na administração
de uma técnica aos nossos alunos.
3.3.4.2 Encontros, Congressos, Associações e Sociedades
Sandroni (1998) dá dicas de várias sociedades que congregam médicos, terapeutas e
cantores. Dentre eles a Sociedade Brasileira de Laringologia e Voz (SBLV), que realiza
Congressos desde 1991, congregando otorrinolaringologistas, fonoaudiólogos e cantores,
em São Paulo.
Félix relata a ocorrência anual, desde 1995, de um seminário chamado “Encontro de
Saúde Vocal”, em São Paulo, organizado por Jarbas Taurino, com o propósito de divulgar
as informações mais recentes sobre a voz e o canto. “Dentre os assuntos abordados
destacam-se: respiração, procedimentos pedagógicos no canto lírico, atuação da
fonoaudiologia junto à voz profissional, vivência corporal de antiginástica, a
individualidade do desenvolvimento vocal...” (FÉLIX, 1997, p.57).
Segundo a autora, a partir desses eventos foi lançado o ‘Projeto Voz e Vida’, com o
objetivo de promover o encontro dos profissionais de saúde vocal (fonoaudiólogo,
fisioterapeuta, psicólogo e odontólogo) com os artistas que utilizam a voz para trabalhar
(cantores, professores de canto, maestros e regentes). A idéia inicial deste projeto é oferecer
subsídios científicos aos artistas e fornecer aos profissionais a possibilidade de vivenciar a
expressão vocal. “O ‘Projeto Voz e Vida’ foi lançado oficialmente no dia 3 de outubro de
1997.” (ibid., p.53)
A Associação Brasileira de Canto (ABC), fundada em 1995 por iniciativa de Eliane
Sampaio e Vera do Canto e Mello, durante o I Encontro Brasileiro de Canto, realizou no
ano de 2002 seu “II Congresso Brasileiro de Canto – a Voz no Século XXI”, que reuniu
55

diversos profissionais ligados a essa área, desde professores de canto lírico e popular, até
fonoaudiólogos e cantores. Félix (1997, p.52-53) define:
É uma associação sem fins lucrativos, com a finalidade de encorajar o ensino de
canto e atingir os mais altos graus de arte vocal e a pesquisa em todos os níveis”
(FÉLIX, 1997, p. 52). (...) Promove eventos anuais sobre canto, com profissionais
da área e também de outras que se relacionam direta ou indiretamente com o
canto. Tem também como objetivo desenvolver uma maior integração da classe
do professorado de canto no Brasil, seguindo o modelo da Associação Nacional
de Professores de Canto (NATS) nos Estados Unidos.
Na apresentação da Revista A Voz no século XXI- II Congresso Brasileiro de Canto
(2002), José Hue, então presidente da ABC, resumia o objetivo do encontro: “Esperamos
(...) fomentar o intercâmbio de idéias entre seus participantes e constituir, sem imposição de
verdades absolutas, um diálogo produtivo e interativo entre as áreas pedagógica,
performática e clínica”. E mais:
Esperamos que os esforços na organização desse evento solidifiquem, cada vez
mais, não só a estrutura, como também a relevância da ABC, e que possamos,
através de outros eventos dessa natureza, expandir, dentro do possível, a
conscientização e chamar à responsabilidade de cada um de nós quanto ao
incremento de novos estudos e pesquisas quanto ao bom uso da Voz em todos os
seus aspectos, áreas e setores em nosso país.
A Sociedade de Laringologia promoveu o seu IV Congresso de Laringologia e Voz,
de 2 a 6 de dezembro de 1997. Félix (1997, p.54) diz que no mesmo ano foi realizado o II
Encontro Brasileiro de Canto, contando com vários temas sobre o campo, a exemplo de: ‘A
Fisiologia da Voz no Corpo’ e ‘Canto Lírico e Popular: Uma análise Comparativa’”. O III
Encontro Brasileiro de Canto foi realizado no RJ, em agosto de 2000.
Ao responderem se participavam desses encontros para discussão com outros
profissionais (PICCOLO, 2003), Regina Machado disse que muito raramente participa.
Marcelo Rodolfo revelou que, de grupos de estudos, não. Mas que sempre que toma
conhecimento dos cursos e congressos está presente e que sempre há troca de informações.
Clara Sandroni, Felipe Abreu e Eliane Sampaio também estão sempre participando.
Essa busca por informações e trocas de experiências aponta para uma
profissionalização do ensino e do professor de canto popular. Marcelo Rodolfo (PICCOLO,
2003) acredita que a tendência, pelo menos aqui no Rio, é de uma maior profissionalização:
A minha expectativa é de que isso cada vez mais cresça, que esses Congressos
continuem acontecendo os encontros; mesmo os encontros como o Rio a
Cappella, que trata basicamente de conjuntos vocais, mas que tem essa
preocupação de estar sempre levando profissionais da área do ensino de canto...
Essa profissionalização ..., acho que não vai ter volta, não...
56

3.3.5 Textos e Publicações

VIDAL (2000, p. 2) diz que não há publicações em português sobre técnica do


canto e pedagogia vocal. Existem poucas publicações e estudos disponíveis no mercado
sobre o canto brasileiro, e menos ainda, sobre o canto popular. Pudemos constatar também
que há uma quantidade de material espalhado pelo Brasil, que ainda não foi editado e é de
uso exclusivo do professor que o criou. As reuniões do GEV (Grupo de Estudos da Voz),
por exemplo, resultaram em diversos textos que estão para ser publicados.
Porém, nos últimos anos, algumas publicações têm apontado para o maior interesse
e preocupação nessa área, o que se verifica principalmente nos bancos de teses e
dissertações. Sobre técnica vocal e cuidados com a voz, de um modo geral, a oferta é bem
maior, segundo Clara Sandroni (PICCOLO, 2003): “no Sul, tem manuais brotando em tudo
quanto é canto, em bancas de jornais e em São Paulo tem coisas muito interessantes
também. Os próprios fonoaudiólogos têm publicado, de uns anos pra cá, diversos livros
sobre saúde vocal”.
Os trabalhos voltados para o ensino do canto popular ainda são bem poucos, mas de
dez anos para cá, o interesse pelo assunto e as discussões vêm aumentando e as publicações
também.
Sobre canto popular, podemos lembrar também os já citados livros de Marcos Leite
(2001), que propõe como exercícios vocais melodias inéditas que seguem a estrutura do
método Vaccai (por intervalos de 2ª, 3ª, etc); o de Diana Goulart e Malu Cooper (2000),
que propõem uma série de vocalises com características rítmicas, melódicas e harmônicas
típicas da música brasileira e o de Clara Sandroni (1998) que, como o título revela, contém
dicas, curiosidades e fatos sobre o canto popular. Sandroni (1998) lembra que, nesses
livros, “além de informações básicas, você encontra sugestões de bibliografia”. Além
desses, trabalhos acadêmicos com a temática do canto popular vem sendo realizados
ultimamente, como os de Marta Assumpção de Andrade e Silva (2001), que pesquisou as
características de emissão do samba carioca, Samuel Araújo, Leonardo Fuks, Ulisses
Amaral e Yahn Pinto (2003) que investigaram as características interpretativas do sambista
Elton Medeiros. A professora de canto popular, Angela Herz, disse que vem concedendo
algumas entrevistas sobre o seu método de ensino do canto popular, sendo que três delas
foram solicitadas, nos últimos dois anos, para a Universidade Federal de Mato Grosso.
57

Felipe Abreu aborda de forma mais aprofundada as questões técnicas em suas


publicações, em que analisa as diferenças entre o canto erudito e o canto popular. Para a
Revista Backstage, de agosto de 2000, no artigo intitulado “Características do Canto
Erudito e do Canto Popular Urbano no Ocidente Contemporâneo”, ele chega a fazer uma
tabela de diferenças, dentre as origens, os objetivos estéticos da voz e os aspectos musicais
de cada um. Em outro artigo, “A Questão da Técnica Vocal ou a Busca da Harmonia entre
Música e Palavra” (2001), o autor analisa sete aspectos estilísticos que interferem nas
diferenças técnicas do canto erudito e do popular.
Mesmo assim ainda há muito o quê pesquisar. Para Mônica Salmaso (LEITE, 2001,
s.p.), “o estudo dessa diversidade possui muito pouco (quase nenhum) material didático que
represente a cultura musical que somos, o que faz com que o estudo da música popular
importe métodos do estudo da música erudita ou do jazz americano”. Moura (1998, p.61)
também se mostra inquieto com a atenção dada a nossa música: “a manifestação artística
que melhor propaga o país em todo o mundo é justo a menos agraciada oficialmente por
leis de incentivo, subsídios, reserva de mercado ou quaisquer outras medidas de apoio, em
seu próprio território ou no exterior”. Mônica Salmaso (LEITE, 2001, s.p.) reforça: “A
cultura brasileira, em especial a música, tão importante como produto que nos caracteriza e
como comportamento social, seguindo a maneira brasileira, carece sempre de metodologia
de estudo”.
Se no Brasil, os estudos acadêmicos de música popular e música brasileira ainda são
poucos, na Europa e nos Estados Unidos o interesse pelo tema aumentou
consideravelmente em número e qualidade na última década do século XX. Segundo ,
Charles Perrone e Christopher Dunn (2001, p.6-7), esse impulso aumentou principalmente a
partir dos anos 1950 e 1960, quando jovens especialistas em música popular se ativeram
inicialmente em rock e jazz. Nos anos 1970, o escopo de estudos musicais expandiram para
dar maior consideração as músicas comerciais de massa. Os anos 1980 marcam uma
expansão substancial nos estudos de música popular em geral e da América Latina em
particular, que os autores ilustram lembrando a fundação da Associação Internacional para
o Estudo da Música Popular (IASPM), e o surgimento de publicações como o jornal
semanal Popular Music, o periódico Studies in Latin American Popular Culture, a Latin
American Music Review/Revista de música latino-americana. Nos anos 1990, a publicação
58

de artigos e livros, acadêmicos e jornalísticos, proliferou de forma excepcional, explorando


diversos gêneros, estilos e sistemas de música popular internacional. Nas duas últimas
décadas do século vinte, emergiu um mercado substancial para a chamada “world music”
nos EUA, concentrado especialmente na música popular da África, América Latina e o
Caribe. A freqüência de artigos relevantes na mídia impressa e o número de sites na
Internet relacionados à música popular brasileira fora do país também atestam a amplitude
do interesse.
59

CAPÍTULO 4. TÉCNICA VOCAL E ESTILOS DE CANTO

Aí eu peguei o disco, um LP deste tamanho, quando eu botei a


agulha e escutei, eu dei um grito: ‘Lurdes!!’” (risos) “’vem aqui!!
Olha o quê que aquele homem quer que eu cante!’” (mais risos) “A
gravação em alemão” (gargalhadas) “a cantora cantando em
alemão!!” (e imita com um agudo “uuh” e um forte vibrato) “‘ai,
15
meus Deus do céu, que isso??’”.

Convidada para cantar no Teatro Municipal de São Paulo a Ária da “Bachianas


Brasileiras Nº 5”, de Villa-Lobos, a “divina” Elizeth Cardoso se assustou ao ouvir as
gravações anteriores feitas por sopranos líricas como Bidu Sayão. Disse que não saberia
cantar “daquele jeito”. No que o produtor respondeu: “Eu quero que você cante a
Bachianas [...] como se você tivesse cantando o Feitiço da Vila, o Feitio de oração, um
negócio assim, com a sua voz. Sem colocação...” 16 . Assim, ela topou.
E como seria cantar “do jeito da Elizeth Cardoso”? Podemos reconhecer um cantor
da MPB assim como reconhecemos um cantor lírico, sertanejo, gospel ou mesmo um
cantador da zona rural do Brasil? Será que existe também um jeito próprio de cantar, uma
técnica de canto para interpretar a MPB?
Neste capítulo, discutimos o conceito de técnica vocal e como ela se relaciona com
o estilo e as características das diversas escolas de canto, e mais especificamente com a
escola do canto popular brasileiro.
Através de depoimentos de professores de canto, buscamos investigar quais as
semelhanças e diferenças que detectam entre a técnica do canto lírico e popular e quais as
bases que serviram para a criação de seus métodos de ensino.

4.1 Técnica vocal: em busca de uma definição

Como mencionamos anteriormente, a técnica é definida como a “parte material ou o


conjunto de processos de uma arte [...]; maneira, jeito ou habilidade especial de executar ou
fazer algo [...]; prática” (FERREIRA, 1975, p.1371). A partir dessa definição, podemos
dizer que a “técnica do canto” é o conjunto de processos de se cantar, a maneira, o jeito ou

15
Entrevista de Elizeth Cardoso ao Programa “Villa-Lobos – Alma Brasileira, Nº 1”, produzida pela Rádio
Mec.
16
Idem.
60

a habilidade especial de se cantar. Ou seja, todas as práticas coletivas de que falamos no


Capítulo 2 pressupõem técnicas específicas para serem executadas. Essas técnicas podem
estar descritas em livros, o que é raro, ou presentes apenas na prática.
Assim, quando dizemos que um indivíduo ou um grupo possui uma técnica para
executar algo, significa que possui um jeito peculiar de fazer, mesmo que o próprio nunca
tenha refletido sobre isso. Mesmo que o agente não consiga descrever ou explicar em que
consiste essa técnica, o seu reconhecimento, sua justificativa, sua descrição objetiva, a
definição de regras para execução, sua comprovação e, finalmente, sua reprodução devem
ser passíveis de realização.
Alguns aspectos de algumas técnicas do canto passaram a ser descritos desde pelo
menos o século XVI. Também mencionamos que o primeiro de uma série de métodos e
tratados de canto de que se tem conhecimento foi registrado em 1562, e é de autoria do
matemático, filósofo e médico Giovanni Camillo Maffei 17 . Esses trabalhos de técnica vocal
indicavam os processos para se alcançar a sonoridade e as ornamentações exigidas pelos
padrões estilísticos de sua época, tais como o uso da respiração, postura, esforço vocal,
afinação, sonoridade, apoio, articulação, pronúncia, ressonância, entre outros 18 . E os
padrões aceitos e mesmo recomendados pelos tratados têm sido, em sua grande maioria, os
do canto lírico.
Apenas no final do século XX, com o surgimento de cursos de canto popular,
principalmente nos EUA, inicia-se a produção de trabalhos sobre a técnica vocal para o
canto popular.

4.1.1 Alguns objetivos da técnica vocal

Assim como a técnica de qualquer instrumento musical, a técnica vocal pode ajudar
o profissional a disponibilizar recursos que ele muitas vezes tem, porém não o usa em
conformidade com determinada prática ou técnica, dando o instrumental necessário para
que ele escolha o repertório com muito mais liberdade.
A cantora lírica Celine Imbert afirma que a técnica ajuda a ampliar a extensão vocal,

17
Maffei, G.C. Discorso della Voce e del Modo, d'apparare di cantar di Garganta, senza maestro. Napoli,
Amato 1562.
18
Segundo VIDAL (2000, p.13), o método de Garcia deu atenção especial a fundamentos tais como: postura,
fonação (golpe de glote), centro respiratório, enunciação, uso dos três registros (você di petto, você mista e
voce di testa). “A técnica mais importante que Garcia desenvolveu foi a messa di voce, que era usada para
conectar os registros e desenvolver o controle vocal”.
61

a igualar a voz nos registros graves, médios e agudos e, acima de tudo, a ter consciência do
que se deve fazer para cantar qualquer música, de acordo com o estilo:
Você não vai precisar cantar tudo forte. Mas, quando precisar, vai ter o forte. Não
vai precisar sustentar sempre todas as notas. Mas, quando precisar, vai saber
como fazê-lo. Não vai precisar cantar tudo na região aguda, mas, quando aparecer
uma nota aguda pra cantar, você vai tê-la ‘guardada no bolso’. A técnica vai lhe
dar todos os recursos pra usar quando precisar (LEITE, 2001, s.p.).
Ney Matogrosso (PICCOLO, 2003) disse ter procurado uma professora porque tinha
muita facilidade no registro agudo e muita dificuldade em seus registros médio e grave:
Aí eu fui adquirindo graves que não tinha, e continuo tendo os agudos. Só que eu
vou nos agudos quando eu quero... Antigamente eu ia porque só sabia cantar no
agudo. Agora eu tenho mais instrumental pra decidir a hora que eu vou lá, quando
eu quiser..
A professora de canto popular, Angela Herz (PINTO, 2006), afirma que um dos
ganhos de um trabalho vocal bem orientado é a consciência dos mecanismos da expressão
vocal, seu desenvolvimento e seu domínio, e que, com mais consciência, o cantor se
apossará melhor de suas performances e ousará com mais segurança em todas as suas
buscas, sejam elas de que natureza for. E explica, em entrevista a nós concedida, as
adaptações necessárias para a execução de alguns gêneros populares, que uma boa técnica
vocal pode proporcionar:
Em certos estilos musicais, a flexibilidade e a agilidade são imprescindíveis,
como no caso dos chorinhos, frevos, baiões e emboladas. As canções, geralmente,
demandam a necessidade de fraseados mais longos, com mais dinâmicas e
sustentação. Na bossa-nova e no samba, um modo particular do nosso povo se
utilizar do ritmo define um swing, uma divisão diferente. Para se utilizar bem
dessa capacidade, precisamos trabalhar a leveza e a precisão. O rock, assim como
as canções que envolvem um contexto forte ou de protesto, exigem uma emissão
plena, visceral, e mais uma vez o conhecimento técnico se faz imprescindível, de
forma que o artista não sofra seqüelas de sua interpretação.
4.1.2 A técnica como busca de um resultado estético

E como surge uma determinada técnica? Como se define a maneira de trabalhar


esses itens relacionados nos tais tratados e métodos de canto, como respiração, apoio e o
uso de ornamentos? Se, como vimos, a técnica é o conjunto de processos de uma arte, é a
arte que vai determinar esses processos.
É por isso que as aulas de canto devem ser também o local de discussão ou prática
de universos estéticos e, conseqüentemente, interpretativos. Professora da disciplina
“História do Canto na MPB” do Curso de Bacharelado em Música Popular da UNICAMP,
em Campinas, São Paulo, Regina Machado diz que o ensino do canto popular “é importante
62

não apenas do ponto de vista técnico, para formação do cantor, mas, principalmente no que
concerne à formação do referencial estético e histórico” (PICCOLO, 2003).
O professor de canto popular Felipe Abreu (idem) concorda que, do ponto de vista
técnico, aula de qualquer escola de canto (erudito, lírico, popular, jazz, belt, clássico persa
etc) serve para desenvolver o potencial vocal do indivíduo e adequar aquela técnica às
necessidades estéticas do tipo de canto que se quer realizar.

4.1.2.1 Diferentes escolas de canto 19


Quase todos os envolvidos com a prática do canto se referem, ou já ouviram
referências, às diferentes escolas de canto. Porém, não encontramos uma definição para
“escolas de canto” nos mais importantes léxicos de música. Também não localizamos
nenhum estudo acadêmico sobre o assunto.
Podemos dizer que as “escolas” de canto se caracterizam por possuírem um
conjunto de procedimentos e experiências seguidos por muitos cantores, adquiridos pela
prática cotidiana, por ensinamento ou imitação. Os principais aspectos que diferenciam as
escolas de canto, portanto, são as características de suas sonoridades e os ornamentos por
elas utilizados.
A falta de literatura sobre o assunto se reflete na imprecisão com que os
profissionais envolvidos descrevem as escolas. As características que definem as diferentes
escolas constituem um assunto que, por si só, já é passível de subjetividade pois é fruto da
observação e percepção dos atores envolvidos.
Perguntamos à Eliane Sampaio (PICCOLO, 2003), que é professora de canto lírico
e que também durante anos foi professora de História da Ópera na UNIRIO, se tinha
conhecimento de algum trabalho escrito sobre o assunto. Sampaio citou a tese da cantora
francesa chamada Jacqueline Ott, intitulada “A pedagogia da voz e as técnicas européias de
canto”, em que a autora compara as diferentes escolas européias de canto e fornece
exemplos sonoros musicais gravados. Porém, já no texto explicativo sobre o livro, há a
seguinte revelação: “uma obra apaixonante, mais subjetiva que as outras, escrita de maneira
muito intuitiva”. Ou seja, não é um estudo científico.

19
A “escola” é uma “determinada concepção técnica e estética de arte, seguida por muitos artistas [...];
ensinamento; exemplo, lição [...]; seguidores, imitadores” (FERREIRA, 1975, p. 557)
63

Eliane Sampaio (PICCOLO, 2003, p.44) frisa que a divisão que se faz entre as
escolas de canto é muito limitada, já que dentro de cada uma existem divisões:
Tem a escola italiana que prioriza a voz clara, tem a escola italiana que prioriza a
voz escura, pesada, e tem uma outra escola mais ao Norte – na época que surgiu,
que é ainda uma decorrência da escola do bel canto (época do Barroco), que
procura uma sonoridade mais clara, mais brilhante, menos pesada. Você tem
também uma vertente daquela escola italiana napolitana na Alemanha. São os
cantores wagnerianos que a adotaram, os que cantam Weber e muitas obras
contemporâneas.
Sampaio também não acredita que haja um consenso entre os professores de quais
sejam as características de cada escola. Afirma que a maioria dos professores diz que segue
a escola italiana mas canta diferentemente entre si: “Se um aluno passa de um [professor]
para o outro, começa tudo de novo porque o segundo está fazendo tudo diferente do
primeiro, embora ambos digam que são da escola italiana. Então não existe uma coerência”
(ibid., p.43).
Os professores (ibid.) comentam como entendem as características das escolas.
Regina Machado menciona os exercícios respiratórios e de vocalização oriundos da escola
erudita italiana. Eliane Sampaio refere-se ao som claro, límpido e brilhante da escola
italiana. Felipe Abreu diz que a escola alemã é menos conhecida por ele, mas que utiliza “a
naturalidade, a intimidade e a importância do texto” da escola clássica francesa; a
“precisão” da escola inglesa; o “tipo de apoio respiratório e a claridade vocal da escola
italiana”. Dos estilos populares, afirmou ter lido bastante sobre vocal jazz e o belt, que lhe
trouxeram muitas novidades. A cantora e professora de canto popular Clara Sandroni
explica que nunca estudou profundamente o que é a escola alemã ou a escola italiana:
a gente fala de forma muito simplista que a escola alemã tem uma respiração pra
fora, abrindo as costelas, expandindo o abdômen e mantendo essa expansão na
medida em que o ar sai, em oposição à escola italiana que teria uma tensão
abdominal, na altura do diafragma (ibid., p.44).
No livro “Voz Profissional: O Profissional da Voz”, organizado por FERREIRA
(1995 apud FÉLIX, 1997, p.45), Sandra Morani analisa as características do canto no Brasil
e refere-se à influência das diversas escolas de canto européias:
Temos no Brasil uma linguagem bastante variada de escolas de canto.
Infelizmente não temos uma linha adequada e definida. Por isto, precisamos
adaptar-nos às escolas de canto que se instalaram no país, como as quatro mais
famosas e reconhecidas: russa, francesa, alemã e italiana. Cada uma destas
escolas procurou desenvolver-se e estruturar-se cientificamente, de acordo com as
características de seu povo, levando em conta fatores como estrutura óssea, clima,
alimentação, fonética, cultura etc, criando assim uma linguagem adequada.
64

Quanto à música popular, no Brasil, as referências às escolas de canto são menos


comuns do que no canto lírico, mas sabemos que existem, na prática, as escolas da MPB,
do rock, do samba, do jazz, dos violeiros e cantadores rurais, do sertanejo urbano, do pop,
da MPB, da bossa-nova, entre muitas outras.

4.1.2.2 A defesa de uma técnica vocal para o canto lírico brasileiro


Vários autores protestam, como veremos a seguir, pelo fato de não se desenvolver
uma escola brasileira de canto, baseada nas características da nossa cultura. Referindo-se ao
método de ensino para o canto lírico, Félix diz que:
São praticamente inexistentes, na primeira metade deste século, comentários ou
trabalhos na literatura brasileira de canto que estejam voltados para os
questionamentos dos problemas e dificuldades do canto em nosso país [...] não
existe, como já foi dito, uma pesquisa, uma busca de uma identidade vocal para o
Brasil, assim como houve em outros países, tal qual a Itália, França e Alemanha
(FÉLIX, 1997, p.29).
Ferreira também denuncia a falta de pesquisas sobre o assunto:
Não havendo uma linguagem científica do estudo do canto no país, ficamos sem
uma orientação sábia e correta, sem um corpo docente digno que fale a mesma
linguagem (FERREIRA, 1995 apud FÉLIX, 1997, p.45).
Como vimos no segundo capítulo, a iniciativa do Primeiro Congresso da Língua
Nacional Cantada, em 1937, idealizado e organizado pelo musicólogo Mário de Andrade
mostra que essa preocupação era realmente latente. Reunindo vários profissionais
envolvidos no estudo da voz (cantores, professores, atores, músicos e estudiosos da
fonética), foram discutidas propostas e normas para a criação de uma verdadeira escola de
canto brasileira. As discussões incluíram principalmente a adaptação do bel canto europeu
à realidade da nossa cultura, incluindo o uso de qualidades vocais características, a adoção
de um repertório em língua nacional e a pronúncia da língua nacional.
Nos Anais desse Encontro, Castro critica o fato dos nossos cantores em geral
aprenderem de acordo com o método italiano do bel canto pois, quando vão cantar em
português, cantam como um italiano, resultando uma “arte amaneirada e artificial”. O
motivo seria que, para conservarem a colocação da voz, desnaturam a linguagem:
desde os primeiros passos o futuro cantor é desenraizado de sua terra e os
primeiros exercícios, os exercícios básicos para a impostação da voz, são já feitos
com sonoridades mais italianas que brasileiras, precedidos do estudo da língua
italiana, visando prepara-lo para a opera italiana (CASTRO, 1938, p.433).
Ele defende que se pense na criação de um método vocal baseado na língua
portuguesa “tal qual se fala no Brasil” e que se considere os sons nasais e as formas de
65

emissão dos cantores incultos, que se guiam instintivamente, na emissão, pela pronúncia.
Isso se daria com muito mais simplicidade e de forma natural, já que a pronúncia em nossa
língua já está automatizada e a construção é quase espontânea, tornando-a muito mais fácil
memorizar:
Todo o esforço que se distrai com isso seria aproveitado para melhorar o canto
propriamente dito [...] O Brasil precisa e pode criar a sua escola de canto, formar
nela os seus cantores, abrindo a estes novas, mais duradouras e talvez melhores
possibilidades de concorrência no próprio mercado mundial. (ibid., p.434).
4.2 Discussões sobre uma possível técnica para o canto popular

Como vimos no Capítulo 3, a maioria dos nossos professores de canto popular teve
aulas de canto lírico. Julgamos interessante, então, examinar o que pode haver de comum
ou diferente entre essas técnicas, que aspectos da técnica do canto lírico podem ou não ser
aproveitados para a sistematização da técnica do canto popular e qual a possibilidade de se
utilizar a técnica do canto lírico para se ensinar o canto popular.

4.2.1 A técnica do canto lírico no ensino do canto popular

Independentemente da técnica do canto almejar a sonoridade do canto popular ou


lírico, e de suas inúmeras subdivisões, há uma questão orgânica e fisiológica que é o
instrumento do cantor, e alguns de seus aspectos funcionam da mesma maneira em
qualquer tipo de canto. É até curioso observar que tanto numa aula de canto, como de
teatro, de instrumento, de ginástica, de atletismo ou de ioga, recebemos instruções sobre
respiração, postura, equilíbrio, relaxamento e tônus muscular e muitas vezes de maneira
bem similar. Esses pontos em comum servem de argumento para muitos profissionais na
defesa de uma técnica única de ensino de canto, como detectamos ao perguntar aos
professores se as técnicas de ensino para o canto popular ou lírico seriam iguais.
Clara Sandroni acha que “todo mundo está com essas perguntas na boca já há
alguns anos: E a gente tem algumas pistas, ninguém ainda conseguiu resumir num trabalho,
num artigo, mas basicamente tem milhões de escolas de canto erudito e milhões de
tradições de canto popular” (PICCOLO, 2003, p.49).
Eliane Sampaio afirma:
O organismo humano no Brasil, em Londres, no Japão e na África do Sul é
exatamente igual. Pode se diferenciar do ponto de vista estilístico, da estética de
uma camada da sociedade, de uma região ou de uma nação mas têm que ser
respeitadas as suas funções orgânicas, que são iguais no mundo todo, e se
desenvolver a partir delas (PICCOLO, 2003, p.47).
66

A professora de canto Maria Lucia Valadão declara: "essa divisão feita entre canto
lírico e canto popular, no que se refere às técnicas básicas, é absolutamente artificial, na
realidade essa divisão não existe" (CASTRO, 2002, p.26). E a professora de canto popular
da Unicamp (SP), Regina Machado também acredita que a técnica para qualquer gênero é
apenas uma e diz que não vê por que "...desperdiçar elementos de uma técnica que produz
resultados positivos e que já foi testada durante anos" e que, “tanto para um gênero quanto
para outro, o que importa é nutrir o aluno de habilidades fundamentadas na capacidade de
realização musical, para que ele possa utilizar a voz de maneira criativa orientado pela
sensibilidade e pela capacidade de pensar"(PICCOLO, 2003, p.27).
Para Celine Imbert, a “música erudita e música popular (no caso, a nossa
maravilhosa Música Popular Brasileira) são dois estilos diferentes de música, porém, a
técnica para interpretá-las é a mesma” (LEITE, 2001, s.p.).
Clara Sandroni identifica alguns pontos em comum: “o que a gente ensina pro
cantor popular [e] que o professor de canto lírico [também] ensina pro seu aluno são esses
elementos de respiração, de igualar a voz, de dar volume...” (PICCOLO, 2003, p.50).
Marcos Leite afirma que por ser a “única escola de canto metodizada e muito bem
estruturada”, é natural que os estudantes de canto procurem um profissional da área lírica.
O maestro considera o embasamento técnico oferecido pelo canto lírico “ótima, pois o
processo fisiológico é exatamente o mesmo, tanto para um Pavarotti quanto para uma Elis
Regina: os dois têm um diafragma, que apóia uma coluna de ar, que pressiona as pregas
vocais, produzindo som” (LEITE, 2001, s.p.).
Abreu revelou, em entrevista a nós concedida, que considera a base comum a “boa
postura, eficiência na respiração, no apoio, na articulação, emissão eficiente sem esforço
desnecessário, coordenação pneumo-fono-articulatória, saúde vocal”. Mas ressalta que não
existe uma maneira única de se desenvolver um bom apoio ou uma emissão eficiente sem
esforço e que, mesmo no canto lírico, “as diferenças entre as várias escolas nacionais
tradicionais também dão vazão a polêmicas colossais há séculos”.
Para Angela Herz, a técnica vocal se propõe a desenvolver adequadamente todos os
quesitos necessários para que a fonação dentro da expressão cantada ou falada seja
alcançada (relaxamento, respiração, emissão, utilização das ressonâncias, projeção,
domínio sobre volume, extensão, sustentação, flexibilidade, agilidade e expressividade):
67

“se avaliarmos as demandas no canto lírico e no canto popular, com relação a esses itens,
veremos que ambos estilos necessitam do mesmo trabalho” 20 .
Marcelo Rodolfo e Eliane Sampaio (PICCOLO, 2003) citaram a técnica vocal da
professora e cantora americana Elizabeth Howard, que esteve no Rio de Janeiro, em 2002,
participando do II Congresso Brasileiro de Canto, como um exemplo de técnica que se
adapta bem a ambos os estilos.
Sampaio disse que, pelo que Howard demonstrou, a diferença entre as técnicas é
muito pequena e que talvez ocorra apenas numa pequena diferença na posição da laringe.
Ela aconselha que a laringe desça com uma pequena inclinação anterior. (...) Mas
realiza isto de uma maneira tão impressionante, que ela passa de uma posição pra
outra no meio da palavra, no meio do canto, na mesma frase, na mesma sílaba. E
a sonoridade muda pouco, muda muito pouco, e ela frisa a todo momento que é
‘porque o som passa por trás’, isto é, rente a uma faringe pré-distendida pela
pressão do ar da inspiração e mantida pelo apoio; esta é a única via existente para
o som, exatamente como eu afirmo, tanto para a música popular como para a
clássica/lírica (PICCOLO, 2003, p.72).
Rodolfo explica que Howard partia da mesma base técnica, calcada na técnica do
canto lírico, e ia adaptando aos estilos como o rap, o jazz, o musical, o gospel, a ópera e a
clássica: “foi absolutamente impressionante o que ela mostrou [...], desde isso a cantar
trechos de óperas, dificilíssimos [sic], no tom original, agudíssimos, e com a voz plena”
(ibid., p.72).
Pudemos perceber que, ao mesmo tempo em que defendem a mesma base técnica, a
maioria dos professores destaca que há diferenças entre elas. Marcos Leite lembra que, na
hora de se trabalhar volume e as ressonâncias, cada um opta por um caminho estético, em
função da música que pretende realizar, e alerta: “é nesse momento que observamos um
equívoco por parte de cantores que, não tendo consciência dessas diferenças, cantam a
música brasileira com a sonoridade do bel canto.” (LEITE, 2001, s.p.). Celine Imbert
acredita que a técnica pode ser a mesma “desde que você a encare como um meio de
manter sua saúde vocal, e não como um estilo de canto.” (ibid., s.p.).
A opinião de professora de canto popular Malu Cooper é semelhante: "tem um
determinado momento que eles [o canto lírico e o popular] começam a abrir,
principalmente quando você começa a trabalhar a questão da estética e estilo" (CASTRO,
2002, p.27).

20
A afirmação foi retirada do questionário aplicado à Angela Herz por Rita Cássia Gonçalves Pinto, para sua
monografia (PINTO, 2006), ao qual tivemos acesso.
68

Regina Machado, que afirmara que a técnica para qualquer gênero é apenas uma,
por outro lado considera que há uma diferença na estética da emissão: “no canto popular a
voz está mais próxima do registro da fala, não usamos tantos vibratos, trabalhamos com um
registro mais baixo, a potência não é relevante, a articulação rítmica por vezes é mais
importante que a melódica etc” (PICCOLO, 2003, p. 49).
Felipe Abreu, que publicou alguns textos em que analisa as diferenças entre o canto
lírico e o canto popular, afirma que cada gênero tem suas particularidades e que essas
particularidades são técnicas, musicais e estéticas. Para ele, no tipo de canto de alguma
forma ligado ao bel canto, por exemplo, há um padrão vocal que pode ser observado ao se
ouvir Domingo, Björling e Pavarotti cantando uma ária de ópera. Por mais diferentes que
sejam suas escolas de canto, há entre eles uma inegável qualidade similar: “é preciso
atingir-se uma determinada ‘sonoridade’ para ser considerado um verdadeiro cantor lírico,
que inclui o domínio do legato, um tipo específico de vibrato, a grande projeção, o
equilíbrio ressonantal, a ‘neutralidade’ de vogais etc” (PICCOLO, 2003, p.50). Em 2004,
durante um workshop 21 , Abreu foi bem objetivo na defesa de uma técnica para o canto
popular:
Vocês vão encontrar professores defendendo a existência de uma e só uma
técnica vocal para qualquer estilo ou gênero musical. Minha visão é um
pouco diferente: acredito no trabalho dirigido para desenvolver certos
aspectos técnicos (em especial no que diz respeito à emissão e à
ressonância) que dizem respeito a estilos ou gêneros específicos. Cantar
samba exige uma técnica diversa de cantar rock que exige uma técnica
diferente de cantar sertanejo; e todos eles exigem adaptações técnicas
muito diferentes do canto erudito. (informação verbal).
Marcelo Rodolfo é outro que acredita que deve haver, sim, diferenças técnicas entre
ambas. Acha que as duas são convergentes somente na busca da excelência dentro da sua
estética, e diz: “é claro que cada uma dessas estéticas carrega características muito
particulares, que efetivamente não se misturam. A estética acaba determinando a técnica.
Você pega aquela técnica do canto lírico e adapta para aquela estética. Para os recursos que
são demandados” (ibid., p. 49). E, mesmo em relação à técnica da Elizabeth Howard,
ressaltou que foi possível perceber, quando ela fazia um trecho de uma canção brasileira, a
estética da música americana. “Tem o sotaque, que é muito diferente. Não cantou forte,
nem com a voz super impostada, mas tem uma estética que é diferente”. E fez questão de

21
Workshop oferecido por Felipe Abreu em 31 de janeiro de 2004, na Uni-Rio, intitulado “Técnica vocal para
o canto popular”.
69

frisar que: 1) pessoas como ela são casos muito raros e que 2) ela transitou entre o popular
musical americano e a ópera que têm linguagens muito próximas: “porque são linguagens
de teatro. Esse super pop do cantor americano, sempre cheio de vibrato e vozes grandes, é
uma herança do musical. Que é uma herança do lírico”.
MESQUITA ([199-], p.1) apresenta um discurso semelhante, de que a estética exige
a sistematização de uma técnica, e não o contrário:
As técnicas eruditas, com suas sonoridades próprias, se aplicadas a esse contexto
[da música popular] sem nenhuma adaptação ou acréscimo, não servem.
Produzem sons e fraseados que não se adequam a essa realidade estética. Por
isso, [...] muitos cantores vem se dedicando a tentativas de sistematização de um
novo saber sobre a voz.
Sandroni (PICCOLO, 2003, p.50) reitera a aplicação da técnica em busca de um
resultado estético:
Você vai procurar os instrumentos para chegar àquele seu objetivo, que é cantar
bem uma canção de Tom Jobim. Você tem que respeitar aquele estilo. [...]O estilo
do cara é rock’n roll, bossa nova, é samba, e aí o que a gente sabe? Ah, que a
respiração tem que ser assim, que a “pegada” tem que ser assim, eu gostaria de
ouvir um som dessa maneira...
Em entrevista a nós concedida, Angela Herz diz que a técnica vocal, ao ser
desenvolvida, vai definindo características tímbricas que conduzem a uma estética
específica. E alerta que, se na prática do canto não for possível se valer das características
desenvolvidas, é porque essa técnica não terá servido às pretensões estéticas. É isso que,
acredita, acontece na utilização de uma técnica única para ambos os estilos: “O canto
popular brasileiro não tem nenhuma ou quase nenhuma identificação com a estética
utilizada pelos métodos de canto lírico, embora esses últimos sejam perfeitos na condução
da excelência vocal aplicada aquele tipo de canto”.
Pudemos perceber que precisamos ser cautelosos com as afirmações e suas
interpretações. Se considerássemos apenas a primeira parte dos depoimentos, estaríamos
certos de que é possível usar uma técnica única para ambos os estilos e, acreditando nela,
por que não estudar canto lírico para cantar samba, por exemplo?
A confusão inicial, portanto, parece estar no entendimento do que é a técnica.
Vimos que ela não é apenas um ou dois processos para se realizar uma arte: ela é, sim, um
conjunto de processos. Significa que alguns procedimentos técnicos utilizados no canto
popular brasileiro podem ser semelhantes a outros de qualquer estilo, o que não quer dizer
que essas práticas sejam iguais. Posso ter o cabelo, os olhos e os dentes iguais ao da minha
70

vizinha, porém, ser gorda e ela, magra; ser morena e ela, ruiva; ser alta e ela, baixa... Ora,
repetimos, se na prática o resultado sonoro do canto popular é tão diferente daquele do
canto lírico, algum (ou alguns) processo(s) dessa técnica deve ser diferente e, portanto, a
técnica, entendida como esse conjunto de processos, realmente não pode ser a mesma.

4.2.2 O lírico canta popular, o popular canta lírico...

Mas o que será que acontece com uma pessoa que tenha sido treinada com a técnica
do canto lírico e queira cantar popular ou vice-versa? Perguntamos aos professores se é
possível aos cantores populares e líricos transitarem em ambos os estilos livremente.
Abreu (PICCOLO, 2003, p.68) responde que, em tese, é possível, mas que, na
prática, as provas são decepcionantes: “veja Kiri Te Kanawa cantando Cole Porter,
Domingo cantando Ary Barroso, Elly Ameling cantando Richard Rodgers, Pavarotti
cantando "Maria", Carreras cantando Lloyd Webber, Jessye Norman cantando spirituals”.
No caso do cantor popular cantando o repertório lírico, também cita exemplos que
considera inadequados: “no caso inverso (cantores populares em repertório lírico): veja a
catástrofe que é Michael Bolton cantando Verdi, Streisand cantando Fauré, Chaka Khan
cantando Handel, Aretha Franklin cantando Puccini”. Abreu destaca ainda as semelhanças
entre estilos como uma possibilidade de se adaptar ou não as técnicas:
Um cantor magnífico como Plácido Domingo pode cantar muito bem uma
zarzuela, cuja técnica vocal é assemelhada a do canto erudito; ouvi-lo cantar
tango é menos convincente, porém ainda atraente; porém, ao ouvi-lo cantando
uma balada pop, sabemos imediatamente que algo está “estranho”, “fora de
lugar”. São desenvolvimentos e coordenações musculares distintos, além de
concepções musicais e estéticas muito distintas também. Acho que todo mundo
que já viu um bailarino clássico tentando dançar samba ou hip hop vai entender a
analogia que estou tentando fazer.
Sandroni (PICCOLO, 2003, p.69) devolve a pergunta: “Você já viu um cantor lírico
cantando popular? Você aceita porque ele quer fazer isso. Agora, aquilo é uma coisa
popular? Nunca vai ser”. Ela explica que todo o trabalho técnico que já foi realizado por
aquele cantor acaba se refletindo na sua arte, mesmo inconscientemente:
Porque é que nem você colocar o peso-pesado de Box, e dizer pra ele que ele tem
que lutar que nem um peso leve. É impossível. Ele pode até fingir, mas não tem
jeito, é físico. Ele já respira daquele jeito, ele já emite daquele jeito, ele tem um
formante daquele jeito, mesmo que ele evite, você vai dizer: ‘Ah, olha lá um
cantor lírico cantando popular!’ ou então ‘Olha um cantor popular cantando
lírico!’. É feio? Aí todo o resto é estética, mas que são coisas diferentes, são. Não
adianta querer dizer que não.
Marcelo Rodolfo (ibid., p. 69) acha que transitar em vários estilos pode resultar
71

numa indefinição estética: “no caso do cantor lírico que faz o popular, ele continua com um
pé no lírico, porque o inverso é praticamente impossível”. Ele acredita que pode até haver
uma ou outra exceção como seria o exemplo do André Previn, que em sua opinião é um
excelente pianista clássico e um excelente pianista de jazz: “mas isso é um em um milhão, é
muito difícil”.
Angela Herz (PINTO, 2006) concorda com Rodolfo que é muito difícil essa
adaptação. Diz que até conhece algumas pessoas que conseguiram ou conseguem se
beneficiar do estudo do canto lírico, embora cantando música popular, mas que esse é um
talento tão raro que não pode ter peso dentro da regra geral: “Elas parecem ter uma
capacidade natural para abstrair os benefícios técnicos associados a um formato estético,
transportando-os do estudo do canto lírico para a prática do canto popular. Confesso ignorar
os mecanismos que conduzem a essa elaboração”.
Ao defender a aprendizagem da técnica vocal, Celine Imbert (LEITE, 2001, s.p.)
afirma: “Isto não implica que você vai passar a cantar MPB como se estivesse cantando
uma ária de ópera. Não! Seria horrível, equivocado e de péssimo gosto! Você estaria
cantando fora de estilo. E não é este o objetivo da técnica”.
Conhecemos alguns alunos/cantores que tiveram dificuldades em adaptar a técnica
do canto lírico aprendida em aula para a prática do canto popular. É a essa dificuldade que
Felipe Abreu (PICCOLO, 2003) atribui o crescimento do movimento do ensino do canto
popular no Brasil, um país que, segundo ele, “tem a música popular como sua principal
manifestação artística”:
Muitos cantores populares sentiam que o trabalho da técnica erudita não atendia a
todas as demandas do seu trabalho, como, por exemplo, o cantar suave, ou
soproso, sem prejudicar a coaptação das pregas vocais; o desenvolvimento do
canto “sujo”, sem prejuízos vocais; a relação com o microfone, monitores de
ouvido e monitores de palco; a relação com instrumentos elétricos; a
incorporação de efeitos vocais totalmente estrangeiros à técnica erudita, como a
metalização do timbre, ou a hipernasalidade tão presente em certos gêneros etc.
Tudo isso interfere no canto e na técnica.
Herz (PINTO, 2006) também enfrentou o problema e diz que, em sua prática, tem
encontrado um número realmente muito grande de pessoas que não conseguiram realizar
essa adequação com sucesso: “É justamente pela preservação da estética do canto popular
que necessitamos de técnicas específicas para ele”. Castro (2002) remete a seu próprio
caso, assim como Piccolo (2003), como veremos a seguir.
72

4.2.2.1 Relato de uma experiência pessoal


A questão das diferenças entre as técnicas e a minha dificuldade de adaptação foi o
que me impulsionou para essa pesquisa.
Desde muito pequena, gostava de cantar em rodas de violão. Na adolescência,
resolvi ter aulas de canto porque queria cantar melhor. Comecei a ter aulas na década de
1980, quando se iniciava o movimento em busca de aulas de canto popular. A formação da
minha professora, como a de todos os outros que relacionamos antes, havia sido com uma
professora canto lírico.
Tive cinco anos de aulas e, durante todo esse processo, ao invés de me sentir mais
segura com a minha performance, passei a sentir um certo desconforto. Parecia que, quanto
mais aprendia, menos sabia lidar com a minha voz. Tentava aplicar o que havia treinado
nas aulas e não ficava satisfeita com o resultado. Apesar de ter aprendido a ter um controle
satisfatório em manter a sonoridade única entre os registros, aquela maneira, que agora
aprendera como a “certa”, não me agradava pessoalmente, não era aquele resultado sonoro
que eu queria ouvir.
Ao mesmo tempo, achava que isso acontecia porque ainda não dominava aquela
técnica, porque precisava aprender mais, e que, se seguisse minha intuição, corria o risco de
fazer tudo “errado”, de “causar danos ao meu aparelho fonador” ou de adquirir um calo nas
pregas vocais. Um dilema que parecia insolúvel.
Anos mais tarde, resolvi experimentar a técnica do canto lírico. Pensei, na ocasião:
“todos dizem que é a verdadeira técnica, a mais eficiente, a base para tudo. Se não aprender
dessa vez, desisto”. Mas também não foi lá que encontrei o que estava procurando.
Em 2004, em um workshop realizado por Felipe Abreu do qual participei, ao subir
para interpretar uma canção, a única recomendação que lembro ter ouvido do professor foi:
“cante preferencialmente com a sua voz de peito”. Pensei: “mas é exatamente aquilo que
meus professores anteriores me desaconselharam a fazer, aquilo que diziam que era
‘errado’!”. Entre o espanto e a sensação de desafio, aceitei a recomendação e senti um
enorme conforto e familiaridade com aquele universo sonoro! Claro, sem usar a voz
daquela maneira há anos, “quebrei o registro” no meio da canção, o que me pegou de
surpresa e a quem ouvia. No entanto, a “quebra” foi percebida e explicada por Abreu como
73

um episódio natural: por não ter experimentado antes a cantar aquela música com aquele
registro, eu ainda não sabia onde fazer as passagens.
Senti um misto de alegria e frustração: alegria por perceber que poderia encontrar o
caminho de volta e frustração por ter perdido tanto tempo no caminho que não era
adequado para o que queria, que era cantar a música popular brasileira, tal qual nossos
cantores consagrados o fazem.
Pesquisando sobre o assunto, pude perceber que não estava sozinha. Outras cantoras
experimentaram essa sensação em relação à sua própria performance. A cantora e
professora de canto Gabriela Samy de Castro, em monografia apresentada para conclusão
do curso de Licenciatura em Música (CASTRO, 2002), pela UNI-Rio, citou os comentários
de colegas e amigos que diziam que ela “tinha voz de cantora lírica”. A cantora Rita de
Cássia Gonçalves Pinto (2006) deu depoimento semelhante em sua monografia de final de
curso de Licenciatura em Música da Universidade Federal de Mato Grosso e a professora
de canto Angela Herz também mencionou o seu caso pessoal e o de alguns de seus alunos.

4.2.3 Algumas dificuldades para a assunção de uma técnica de canto popular

A idéia, em parte verdadeira, de que a técnica do canto lírico é “a mais estudada”,


“a mais segura”, “a mais testada”, “a mais desenvolvida” faz com que se torne muito difícil
para os professores abrir mão de seus métodos e pode estar interferindo na assunção de uma
técnica voltada exclusivamente para o canto popular.
Acreditamos que a tendência de se defender uma técnica única – entenda-se a do
canto lírico – (apesar de que, como vimos, de forma contraditória), parece ser conseqüência
de um certo sentimento de inferioridade em relação à “coisa” brasileira, ou melhor, à
“coisa” popular.
Como podemos constatar no texto introdutório dos Anais do Primeiro Congresso da
Língua Nacional: “O bel canto, ou mais exatamente, as diversas escolas do canto europeu
tem sido até agora a única base de estudos, a única fonte de exemplos, a única lei de
conduta do canto erudito nacional”. (DISCOTECA Pública do Departamento de Cultura,
1938, p.191). Mesmo ali, em plena década de 1930, ensaiava-se um questionamento quanto
à adoção da técnica lírica para o ensino de canto lírico brasileiro, mas o peso que isso
representava era tanto que acabava gerando uma série de afirmações contraditórias e muitas
vezes até sem sentido:
74

Podemos, portanto, e devemos, continuar nos mesmos estudos técnicos do


belcanto europeu. Mas si estes estudos encorpam, afirmam e desenvolvem a voz,
não são eles que fazem o próprio canto. Este deriva muito mais do timbre, da
dicção, e de certas constâncias de entoação, que lhes dá o caracter e a beleza
verdadeira. E si usamos no canto brasileiro, o timbre, a dicção e as constâncias de
entoação que nos fornece o belcanto europeu, o canto nacional se desnacionaliza
e se perde. (ibid., p. 192)
4.2.3.1 Aula de técnica vocal ou de canto popular?
Vimos que a técnica do canto lírico não está se adequando às necessidades estéticas
do canto popular. Vimos também que o canto popular deixou de ser uma arte aprendida
apenas na prática: ela tem sido ensinada também. Veremos adiante o quê e como os
professores de canto popular estão ensinando.
Antes, porém, gostaríamos de fazer algumas breves considerações sobre o que
julgamos estar adiando que se assuma a necessidade de se aplicar uma técnica específica
para o ensino do canto popular.
O hábito que muitos professores ainda têm de dizerem que dão aulas de técnica
vocal – ao invés de aulas de canto popular – pode revelar a dificuldade de assumirem uma
posição, conforme mencionado acima.
É curioso observar que quem procura um professor de canto lírico sabe de antemão
que vai estudar árias de óperas ou música de câmara. O aluno que procura um professor de
técnica vocal vai aprender exatamente o que? É difícil não pensar em que tipo de música se
quer cantar.
Esse cenário parece estar mudando como ilustra o episódio recente, ocorrido em
2004, no qual Felipe Abreu abriu seu workshop intitulado “Técnica Vocal para Canto
Popular” com a seguinte frase: “uma das razões pelas quais [esse curso] se chama “Técnica
Vocal para Canto Popular” é que eu acredito, diferentemente de muitos professores, de que
existe um trabalho para o canto popular”. E um pouco adiante afirmou que não acredita em
aula de técnica vocal e sim em aula de canto, já que a aula de canto envolve a parte musical
e estética.
4.2.3.2 A saúde vocal e a técnica vocal
Em nossa pesquisa, pudemos constatar uma grande preocupação por parte dos
professores e de quase todos aqueles que trabalham com a voz de um modo geral em
preservar a saúde vocal de seus alunos – preocupação, aliás compreensível e necessária.
Percebemos isso tanto nas entrevistas, como nas aulas, palestras e cursos que freqüentamos.
75

Mas longe de ser apenas uma preocupação, a saúde vocal parece ser uma questão
que também dificulta o desenvolvimento de um método para o canto popular. Por trás de
conceitos como o jeito “certo” ou “errado” de cantar, argumenta-se que muitos efeitos
vocais utilizados pelo canto popular podem ser danosos ao trato vocal, ao contrário do
canto lírico, “já tão exaustivamente estudado e testado 22 ”.
A canção popular é associada muitas vezes àquela que “não tem técnica”. Bem
freqüentemente ouvimos frases do tipo “o cantor popular faz tudo errado”. Talvez esse seja
um dos motivos pelo qual a saúde vocal é apontada por quase todos os professores como
um dos objetivos do ensino do canto.
A referência à saúde vocal está presente, velada ou explicitamente, no discurso de
praticamente todos os professores de canto ou profissionais da música ligados ao canto.
Para Sandroni (1998, p.17), “em caso de uma voz saudável, a aula de canto popular
pretende preparar o aluno para o melhor uso possível da voz, desenvolvê-la, protegê-la do
desgaste, garantir sua durabilidade e firmar suas características pessoais”. Celine Imbert
(LEITE, 2001, s.p.) ressalta a importância do ensino para esse fim: “Todos nós, cantores
líricos ou de música popular, precisamos cuidar da nossa voz, e só conseguiremos isso com
o estudo de canto, pois através dele adquirimos técnica.”.
Ter uma vida profissional mais longa é, segundo muitos professores, outro objetivo
do estudo de canto. Celine Imbert (LEITE, 2001, s.p.) recomenda:
Se você deseja garantir a saúde das suas cordas vocais pra cantar até os 60, 70
anos de idade, ou ainda para conseguir dar conta de uma grande e fatigante turnê
de shows, você precisa fazer uso da técnica (manutenção vocal), porque, se não,
você vai perder sua voz muito mais cedo do que deveria.
Sandroni (1998, p.17) diz ainda que “muitas vezes o cantor popular só procura o
professor de canto quando está tendo problemas: dificuldades nos agudos, voz cansada, ou
mesmo quando já está com um problema vocal mais sério”.
Sabe-se que o otorrinolaringologista Pedro Bloch tratou Elis Regina. Outras
histórias não oficiais de cantores que apresentaram problemas vocais são ouvidas com
freqüência como as de Marina, Gilberto Gil e Ivan Lins. Leila Pinheiro (PICCOLO, 2003)
disse que procurou primeiro uma fonoaudióloga e depois partiu para as aulas de canto:
pela falta de técnica, fiquei rouca quando fiz meus primeiros shows em Belém e
cheguei a formar um nódulo em uma das cordas vocais, por respirar errado,

22
Nem todos os recursos utilizados pela técnica do canto lírico foram estudados com a profundidade
necessária para se afirmar que podem ser usados com segurança.
76

forçando demais as cordas vocais. Com muitos exercícios propostos por uma
fonoaudióloga e com a ajuda de um bom otorrino, corrigi o calo e a rouquidão
freqüente.
Severiano e Mello (1997, p.88) relatam o ocorrido com Orlando Silva: “Em
conseqüência de uma vida desregrada, logo perdeu a excepcionalidade da voz, declinando
para sempre o seu prestígio”.
A voz límpida e saudável não é de forma alguma condição para a competência ou o
sucesso do cantor popular. Clara Sandroni (PICCOLO, 2003) afirma:
Eu acho que, se a gente consegue passar para o sujeito algumas noções de
proteção vocal, se a gente consegue que esse cara respire relativamente bem,
compreenda que não pode forçar a voz de tal e tal maneira, que tem que ter um
relaxamento de garganta, que consiga agir dessa maneira enquanto está cantando,
digamos que isso aí seria um básico que, se você atingir, já pode ficar satisfeito. E
isso pode demorar. E você pode nunca conseguir também. E isso não significa
que ele não vai ter uma carreira brilhante. No canto popular, o que importa é que
ele tenha empatia com a platéia. Se ele tem empatia com a platéia, está tudo
lindo.
Marcelo Rodolfo (ibid.) lembra que existem certos padrões estéticos adotados no
Brasil que podem ser derivados de problemas vocais, como, por exemplo, a voz rouca. E
que há certos procedimentos tidos como “danosos” que podem ser usados, com cuidado,
como a voz com ar. Sendo um problema vocal, o professor ensinará o aluno a proteger seu
aparelho vocal e assim ele poderá não ter mais a voz rouca. “O professor de canto tem que
estar disponível para oferecer ferramentas para a pessoa se desenvolver. Se o aluno chega
com a voz rouca, isso é um problema. Isso é um defeito. O que pode atender esteticamente.
Mas é um defeito. E isso o professor de canto não pode deixar passar”. Quanto à voz com
ar, diz que ou é decorrente de um problema ou pode levar a um problema. “Porque você
enfraquece as pregas e você acaba criando uma fenda e que mais tarde pode gerar um calo,
ou qualquer outra história”. Mas, quando esse recurso não é decorrente de um problema
vocal, pode ser usado como um recurso: “O sujeito sabe, que a voz tem que estar lá, que as
pregas têm que estar aduzidas, fortalecidas, mas, uma música, um repertório de um
determinado show, que ele não vá se esforçar muito, ele vai usar esse recurso”.
Rodolfo (PICCOLO, 2003) cita o exemplo de Elza Soares, como um caso de estudo
à parte e diz que “é um verdadeiro milagre” estar cantando até hoje. Conta que nos anos 70,
ela tinha uma voz plena e usava aqueles efeitos que usa até hoje. Mas naquele tempo não
tinha acontecido nada. “Agora, você vai fazendo, fazendo, fazendo, no que dá? Ela está
com a voz raspada, com a voz soprada”. Ao mesmo tempo, ressalta que não gostaria que
77

ela cantasse hoje como cantava antes: “porque às vezes, o que a gente chama de defeito se
tornou uma herança musical, aquilo é uma marca da pessoa, é uma impressão digital, é uma
coisa tão pessoal e tão fundamental pra expressão daquela pessoa...” Por outro lado, diz que
ela tem “super agudos, notas que quase você não tem no piano. [...] É um registro que muita
cantora saudável, com a vozinha toda no lugar, não tem”.
Não queremos dizer, de maneira alguma, que o cantor popular deva ter problemas
vocais para melhor se expressar. Queremos destacar que alguns “problemas” podem não ser
“problemas” e sim recursos vocais ou marcas pessoais do intérprete.
Angela Herz (PINTO, 2006) diz que respeita tanto a eficiência do domínio técnico
vocal quanto a necessidade de transgressão de certos estilos que exigem grande esforço
vocal. Conta que teve vários alunos que cantavam em bandas de rock pesado e que quando
a procuraram estavam em condições vocais delicadas, muitas vezes finalizando os shows
sem voz. Com as aulas, passaram a ter mais conscientização vocal, aprenderam a explorar
mais e melhor a flexibilidade e capacidade respiratória e, aos poucos, passaram a cantar
melhor as partes mais confortáveis do repertório, descobrindo um equilíbrio entre a
transgressão da estética musical e a ordem da técnica vocal: “Acredito piamente na técnica
e na segurança que ela nos permite com relação a nossa própria voz”.
Não encontramos estudos sistemáticos e pesquisas fonoaudiológicas que tratem
especificamente das possibilidades de uso saudável das variadas qualidades vocais ou
sonoridades da música popular brasileira. Como vimos, há casos de cantores populares que
têm as vozes alteradas depois de anos de uso. Há hipóteses, mas não se pode afirmar com
precisão o que os levaram a isso. Deve-se considerar, dentre muitos outros aspectos, até
mesmo os hábitos e condições de apresentações do cantor popular, que muitas vezes
fumam, bebem, cantam tarde, por muitas horas, e em locais barulhentos. Herz 23 lembra, por
exemplo, dos intérpretes de escola de samba que cantam naquela estética durante 80
minutos sem parar, além do tempo em que ficam na concentração aquecendo a escola, ou
os cantores de bandas cover que têm que se transformar em vários diferentes a cada noite,
sendo literalmente “jogados”em tonalidades que não são as suas ideais e competindo
igualmente com massas sonoras muito grandes, com dificuldade de retorno, entre outros
problemas.

23
Informação retirada do questionário realizado para monografia de graduação (PINTO, 2006).
78

Por outro lado, há pessoas que cantam durantes décadas, do jeito que se considera
“errado”, sem nenhum problema. Marcelo Rodolfo (PICCOLO, 2003) exemplifica: “Aqui
no Brasil, você vai pro Nordeste, tem o cantador com aquela voz totalmente anasalada. E
ele está cantando errado? Não. Ele chegaria aos 80, 90 anos com a mesma voz. Então ele
tecnicamente está cantando muito bem”.
Gostaríamos de registrar a nossa preocupação de que, sob a justificativa de se
“corrigir defeitos”, alguns aspectos fundamentais e característicos da interpretação do canto
popular, algumas até mesmo definidoras de seu estilo, sejam desprezados em nome de uma
pretensa “saúde vocal”.
Em um caso extremo, imaginemos se resolvêssemos “salvar” as vozes dos tiroleses
exportando professores de canto para as montanhas da Áustria, a fim de ensinar aquele
povo não usar mais a técnica do yodel 24 , pois a alternância de registros vocais pode não
fazer bem aos seus tratos vocais...

4.3 Em busca de uma técnica não alinhada e as características do canto na MPB

Os professores de canto revelaram (PICCOLO, 2003) que vêm adaptando o que


aprenderam – a técnica do canto lírico - para o universo estético da canção que desejam
ensinar, buscando adequar fisiologicamente o organismo do cantor para produzir aquele
resultado acústico almejado, o som que considera mais bonito e os procedimentos que
julgam mais eficientes. A adaptação aconteceu e está acontecendo de forma experimental,
de acordo com as referências estéticas dos professores, de suas pesquisas e de sua própria
experiência profissional, seja cantando ou dando aulas.
A adaptação que os professores de canto popular vêm fazendo da técnica do canto
lírico para o desenvolvimento de um método de canto popular é fundamental já que, como
vimos, o tipo de emissão popular é bem diferente do lírico.
Felipe Abreu (ibid.) explica que as informações que recebeu do canto lírico tinham
que ser “’traduzidas’ para o linguajar do canto popular”. Suas aulas são baseadas em tudo
o que tem pesquisado, lido e ouvido, juntamente com sua experiência profissional como
cantor quase exclusivamente popular – principalmente a MPB, o pop e o jazz –, professor
de canto, preparador vocal, além do contato com outros músicos populares e participações

24
Canto típico do Tirol, na Áustria, e da Suíça, que consiste na passagem rápida da voz de falsete para a voz
de peito e vice-versa.
79

em congressos e seminários, ao longo de 25 anos: “Sou um professor em constante


pesquisa, com o objetivo de atender às necessidades dos cantores que me procuram, da
MPB ao jazz, do rap ao reggae, do samba ao rock etc.”.
Regina Machado (ibid.) pauta seu trabalho em pesquisa que vem desenvolvendo há
alguns anos em que analisa as transformações técnicas e estéticas da Canção Brasileira. Sua
dissertação de mestrado na UNICAMP é sobre a música popular de vanguarda de São
Paulo.
Sabemos que na música popular não há tratados sobre regras de interpretação como
na música clássica barroca. Mas acreditamos que há, sim, como tentaremos demonstrar
nesse trabalho e como pudemos perceber no discurso dos professores, uma gama de
recursos mais utilizada pelo cantor popular brasileiro, um modo de fazer que se estabeleceu
na prática, repassada de geração em geração.
Detectamos alguns gestos vocais utilizados pelos três cantores analisados neste
trabalho. Desses, muitos são considerados ornamentos e são largamente utilizados na
música vocal e instrumental e descritos na literatura da história da música ocidental.
Outros, porém, são utilizados com mais freqüência na música popular, não só brasileira, e
não se encontram ainda definidas na literatura musical como recursos interpretativos.
Dentre eles, estão alguns parâmetros descritos e explicados por fonoaudiólogos, físicos e
outros estudiosos da voz, além daqueles para os quais criamos nomes (vide 4.3.4).
Portanto, esses que não se enquadram na definição clássica de “ornamentos”, estamos
chamando de “efeitos” vocais.
A seguir, discutimos algumas características do canto na música popular brasileira
urbana, mencionadas pelos professores ou detectadas em nossas análises, relacionando-as,
sempre que possível, aos métodos de ensino utilizados pelos professores. Procederemos a
uma breve definição de cada um desses efeitos ou ornamentos buscando, quando possível,
apoio na literatura especializada. Quanto àquelas que não foram ainda objetos de estudos
sistemáticos, nos atemos, sem nenhuma pretensão além do que estimular a discussão, aos
depoimentos contidos em ensaios, artigos e estudos biográficos, juntamente com a nossa
própria percepção sobre o tema. Consideraremos, portanto, em primeiro lugar as definições
consagradas, mas as adaptaremos ao universo encontrado nas análises, quando necessário.
80

Selecionamos e inserimos no CD em anexo um exemplo de cada efeito ou ornamento


detectado nas análises desse trabalho.

4.3.1 Técnicas respiratórias e de “apoio”

A principal diferença mencionada pelos professores entre a técnica para o canto


popular e o lírico relaciona-se aos níveis distintos de se utilizar os mesmos mecanismos de
funcionamento do corpo. Por exemplo, usa-se o mesmo mecanismo de apoio 25 , mas no
canto lírico esse apoio será maior, pois freqüentemente a intensidade do som desejada é
maior. Isto porque, como lembra Sandroni (1998, p.18), “no canto erudito, o canto é
acústico, ou seja, sem amplificação; já no canto popular, a amplificação é necessária e faz
parte do resultado final da voz.”.
Malu Cooper (CASTRO, 2002, p.30) explica que seus exercícios respiratórios são
como no canto lírico, apesar de que a utilização do apoio difere quanto à intensidade, que
varia de acordo com o estilo: “Então, por exemplo, um cantor lírico ou um cantor de rock
vão precisar de muito mais apoio do que um cantor de bossa-nova".
Marcelo Rodolfo (PICCOLO, 2003) concorda:
No final das contas, você vai falar da respiração da mesma maneira: use mais seu
diafragma, expanda-se, abra a sua garganta... Sobre a força... O cantor popular
tem o microfone, o outro não tem. O que você vai dizer pra um cantor lírico é:
abaixe mais sua laringe, expanda mais sua garganta, apóie mais na sua região
intercostal, faça um apoio maior. É tudo muito mais. Mas você vai dizer as
mesmas coisas pra um cantor popular. Mas, no caso do canto lírico, esse esforço
da laringe é muito maior. Por causa do volume e do tipo de som que você espera.
Então, a pressão interna é muito maior.
Mais um ponto levantado por Abreu (2001, p.109):
técnica respiratória e de apoio: o canto lírico necessita de até três vezes mais
capacidade respiratória do que a fala espontânea, para poder atingir grande
volume de voz em frases longas; com o microfone, esta necessidade é muito
atenuada, aproximando-se da espontaneidade do mecanismo respiratório da fala.
4.3.2 Tecnologia - o microfone

No mundo todo e também no Brasil, com o advento do microfone na década de


1920, que passou a ser usado pelos músicos populares, o tipo de emissão que buscava a
potência deixou de ser uma necessidade e novas possibilidades interpretativas foram
surgindo.
Abreu (2001, p.108-109) atribui à evolução tecnológica grande responsabilidade

25
Vide observação sobre o “apoio” na nota de rodapé do Capítulo 1.
81

sobre as transformações na estética do canto e diz que o microfone foi o maior deflagrador
das diferenças estéticas entre o lírico e o popular.
com a criação e difusão de novos instrumentos elétricos e eletrônicos (teclados,
guitarras, órgãos elétricos, sintetizadores, etc), a voz humana passa a apresentar
uma variedade tímbrica ainda maior. Os ‘ruídos’ na voz (as impurezas, a
rouquidão, a soprosidade, os gritos, os sussurros) e nos instrumentos (distorções,
bendings, microfonias, delays, hummings e buzzings) passam a ser incorporados
esteticamente, como representação do caos sonoro das grandes metrópoles,
rompendo de vez com o binômio ’beleza=pureza’.
Portanto, com o canto amplificado, o cantor popular pode usar com mais liberdade
as possibilidades de qualidades vocais e também variações dinâmicas, “que passam a ser
trabalhadas numa gama muito diferente, com fortes abrandados até pianíssimos quase
sussurrados”. (ibid., p.13). O microfone possibilita o uso de recursos interpretativos como o
canto em regiões mais graves, a voz em fry e a voz sussurada, por exemplo, sem o risco de
perder audibilidade.
Abreu (PICCOLO, 2003) diz ainda que uma voz pequena no canto popular não é
um problema, um obstáculo; e o é definitivamente no canto lírico. Para ele, sem o
microfone, nunca teria havido Billie Holiday, Ella Fitzgerald, Bing Crosby, Frank Sinatra,
Elvis Presley, Beatles, Chet Baker, Ray Charles, João Gilberto, Caetano Veloso, Gal Costa
e Zizi Possi. Em outra ocasião, afirma que “com a presença do microfone, ‘não há
necessidade da presença do formante do cantor’; há uma ‘busca de coloquialidade’”.
(CASTRO, 2002, p.13).
Regina Machado (PICCOLO, 2003) também acredita que o microfone define uma
técnica para o canto popular.

4.3.3 A interpretação sobre virtuosismo vocal: emoção e improvisação rítmica

Outro aspecto muito mencionado como característico do canto popular brasileiro é a


maior importância atribuída à interpretação sobre a qualidade da emissão. Nesse sentido, a
escolha pessoal na utilização de recursos variados, como improvisaões rítmicas, melódicas
e de outros gestos vocais, fazem a diferença na interpretação.
Referindo-se à estética da bossa-nova e à interpretação de João Gilberto para a
canção “Desafinado”, de Tom Jobim, Diniz (2001, p.210) afirma que “ser desafinado é
desafiar o universo organizado e pré-conceitual dos sons, é desfiar a voz em sutis
movimentos de dispersão da linha melódica, de alterações harmônicas, de variações
82

rítmicas, timbrísticas e de textura, agregando ao corpo vocal o poder de rasurar a


intocabilidade do objeto”.
O canto na MPB não é virtuosístico, já que esse não é um item mais valorizado
dentro do estilo. O público que consome música popular em geral não atenta tanto para o
fato de o cantor ter ou não homogeneidade na voz ou grande extensão vocal. Se um cantor
tem uma bela voz, ou alcança notas muito agudas ou muito graves, ou tem uma qualidade
vocal interessante, isso vai pesar como mais um dado na avaliação do ouvinte, nunca como
o mais importante. Felipe Abreu (CASTRO, 2002) diz que a tradição da música popular
brasileira “é diferente da norte-americana, vocalmente, pois não busca o virtuosismo vocal
do cantor popular”.
O importante, portanto, é que o intérprete emocione o ouvinte. O texto e a maneira
de dizê-lo são fundamentais, e o intérprete deve estar sempre a seu serviço. Assim, um
cantor que consegue transmitir emoção e verdade no que diz provavelmente será mais
prestigiado do que aquele que possui uma linda voz com grande domínio técnico mas pouca
emoção.
Emoção e estilo são fatores determinantes ainda na definição do que é ser um bom
cantor de música popular brasileira, na avaliação de cantores e professores. Leila Pinheiro
(PICCOLO, 2003) diz: “[ser um bom cantor popular brasileiro] é no mínimo, ter
discernimento pra cantar o que traduza pessoalmente suas emoções e vivência, com estilo
próprio, diferenciado”. Ney Matogrosso (ibid.) completa:
“pra ser um bom cantor, não digo só de música brasileira, você tem que
transmitir as emoções que as palavras induzem. Se você consegue
transmitir para o público as emoções que a palavra gera, você é um bom
cantor. Não adianta você ter uma linda voz se você não se comunicar
através do emocional”.
Ao analisar a interpretação de Caetano Veloso, Diniz (2001, p. 210) conclui que:
A análise da voz em Caetano não deve ser vista somente em seus aspectos
técnicos – afinação, pureza e riqueza na emissão, flexibilidade da extensão. Ela se
liga à confirmação de um universo de incorporações e reinvenções, onde a sua
potência de releitura articula para um outro nível de percepção os fragmentos
rítmicos, os cortes melódicos, os sons que se desatomizam no silêncio, na pausa.
Constatamos o poder imagético de uma voz que contamina e se apropria de uma
canção, transfigurando-a. Não se trata de uma nuance interpretativa ou a marca de
um estilo pessoal.
Na opinião de Herz (PINTO, 2006), sobre todos os aspectos necessários para uma
boa performance da música popular, jamais deve faltar a preocupação com aquela
83

expressão mais genuína, que antecede e sucede qualquer preocupação técnica. Para ela, a
interpretação é fundamental e não está dissociada da técnica:
Acho que a técnica existe para que possamos viabilizar melhor a nossa expressão.
Esta é que é a razão de tanto estudo, tanto empenho. Se parecer existir técnica
sem expressão, certamente alguma coisa deve ter ficado perdida no meio do
caminho. Costumo dizer que “quem pensa técnica, não tem técnica”. Esta foi feita
para ser exaustivamente trabalhada , até que não possa mais ser reconhecida. Um
canto técnico deve, portanto, não parecer, mas ser natural e traduzir sem
dificuldade toda a expressão que o intérprete tenha a transmitir.
Pereira (2002, p. 110) diz que:
Assim como o jeito da nossa voz fala mais sobre nós do que as palavras que
usamos, a atuação do cantor demonstra o grau de sua maturidade, de sua
liberdade interior, de seu conhecimento do mundo e de suas opções. Interpretar
música brasileira passa por esse todo que envolve o cantor: vivência pessoal, arte,
ciência, política e história, entre outros fatores. Desconsiderar uma destas partes
faz a voz ter outros donos.
O texto assume um papel fundamental e, segundo Diniz (2001, p. 212), explica a
presença cada vez mais constante no universo da MPB, nas últimas décadas, de trabalhos
que partem da literatura, uma tradição inaugurada por Vinícius de Moraes nos anos 1960.
Para o autor, música e palavra estão intrinsicamente ligados e tensionados na interpretação
da canção, tendo a voz como o seu grande mediador:
A voz que canta interpenetra dois mundos distintos, unidos em sua gênese, mas
diferencializados em suas linguagens e no seu modo de operação discursiva: a
palavra poética e o som musical. Verificamos a importância do objeto vocal
enquanto tensionador necessário à materialização da canção, concebida como um
jogo de interferências.
Se o texto ocupa um lugar importante no canto popular, não significa que essa
característica seja exclusiva desse estilo de canto. Mignone (1938, p.488) lembra que, por
ser uma música mais intimista e com texto, o canto de câmara também tem como objetivo a
expressão da emoção: “Na música de câmara o canto, quase sempre, é expressão da mais
intima colaboração entre a voz e a palavra. É nesse gênero, a nosso ver, que se deve exigir a
melhor pronúncia da palavra”. Medaglia (2005, p. 83) ressalta a qualidade dos textos na
música de câmara: “Schubert, por exemplo, compositor cuja obra mais importante são os
lieder para canto e piano, usou textos de Goethe e Schiller ao invés de subliteratura. A
mesma coisa ocorre com Bach, que em suas cantatas de câmara recorreu a textos bíblicos,
com Hugo Wolf (textos de Michelangelo, Moerike) e com Ravel (textos de Ronsard e
Villon)”.
84

No canto popular, porém, o intérprete pode lançar mão de recursos como a


improvisação rítmica para enfatizar, através de acentos diversos, a maneira como entende e
sente aquele texto, conferindo singularidade à sua interpretação.
A improvisação é uma característica da oralidade, tão presente na cultura popular:
O povo, aceitando o fato, toma-o para si, considerando-o como seu, e o modifica
e o transforma, dando origem a inúmeras variantes. Assim, uma estória é contada
de várias maneiras, uma cantiga tem trechos diferentes na melodia, os
acontecimentos são alterados e o próprio povo diz: ‘quem conta um conto,
acrescenta um ponto’. (BRANDÃO, 2003, p.37)
Para Felipe Abreu (CASTRO 2002, p.17), no canto popular, as improvisações são
freqüentes e desejáveis e as regras de estilo estão abertas a serem transgredidas em menor
ou maior grau e que, por isso, trabalha predominantemente com seus alunos a parte rítmica,
além da improvisação melódica, a qualidade vocal individual e a originalidade.

4.3.4 Personalidade vocal

Um dos aspectos considerados fundamentais para uma boa interpretação do canto


popular, segundo os professores entrevistados, é o desenvolvimento da personalidade vocal
do cantor, um conjunto de características que faça com que ele seja facilmente reconhecido.
Felipe Abreu acredita ser esse o aspecto mais importante e se refere a ele como uma
marca sonora, uma impressão digital vocal, “pessoal e intransferível”: “é ligar o rádio e
saber em três segundos que se trata da Maria Bethânia, ou do Djavan, ou do Caetano, ou da
Cássia Eller, ou da Mônica Salmaso”. Ressalta que às vezes leva tempo para o cantor
estabelecer a sua marca sonora e sugere que se ouça o primeiro disco do Caetano ou da Gal
“para conferir como a voz ainda está chegando lá, mas já tem aquele caminho que vai se
desenhando” 26 .
O método de ensino de Angela Herz (CASTRO, 2002, p.22) também se baseia na
busca da identidade/personalidade vocal que, segundo ela, seria tanto empregada na voz
falada, quanto na voz cantada.
Como mencionamos antes, numa interpretação vocal, estão em jogo dezenas de
fatores que interagem e se influenciam entre si, desde o próprio gênero musical, as
formações instrumentais, o andamento, a dinâmica, a elaboração rítmica e melódica, todas
as formas de improvisações até a forma de utilização do aparato vocal, dentre muitos

26
Depoimento prestado em outubro de 2006, para esta dissertação.
85

outros. Portanto, acreditamos que a personalidade vocal seja definida por uma gama de
características em conjunto e não a um ou dois aspectos isolados, que inclui a escolha, por
parte do cantor, de sua própria sonoridade.
Abreu reforça nossa afirmação lembrando que a marca sonora por ele defendida não
seria associada apenas à voz, mas também ao estilo musical, estilo pessoal e estético, que
inclui “o repertório, o estilo de cantar e uma estética vocal que possa vir a identificá-lo e
individualizá-lo junto ao grande público” (ABREU, 2004, p.1).

4.3.5 Efeitos interpretativos

Dos gestos vocais detectados em nossas análises, consideramos efeitos vocais os


seguintes recursos interpretativos: a qualidade vocal (incluindo o uso dos diferentes
registros), a inspiração sonora, a expiração sonora, o breque, a variação dinâmica, o acento,
a articulação e o fonema alterado.

4.3.5.1 Qualidade vocal


Como vimos no Capítulo 3, os principais aspectos que diferenciam as escolas de
canto são, além dos ornamentos utilizados, as características de suas sonoridades. Estas
características são o que chamamos de qualidade vocal.
Ieda Russo (1993 apud SANDRONI, 1998, p.31) explica onde se dão essas
alterações:
A mudança constante na forma, na posição e no grau de elasticidade das
estruturas do trato vocal permite combinações acústicas variadas, ou seja,
diferentes ressonâncias, o que resulta na imensa variedade de sons (...) que somos
capazes de produzir. O sistema de ressonância é o principal responsável pela
estética de uma voz, embelezando-a ou não, aumentado a intensidade de
determinados sons e amortecendo outros.
Vimos também que a qualidade vocal é definida pelas diferentes configurações do
trato vocal, incluindo-se as características laríngeas, as supralaríngeas e as velofaríngeas,
além do aparelho respiratório. Assim, a utilização de diferentes registros, da pressão
subglótica e das cavidades nasais, a posição da mandíbula, da língua, dos lábios e da
laringe, todos esses aspectos influem na qualidade vocal.
Como seria a sonoridade do canto popular brasileiro que poderia servir de base para
a criação de um método de ensino?
Abreu afirma (PICCOLO, 2003) que existe um "padrão vocal" para cada um dos
vários gêneros populares - a sonoridade vocal específica do rock, do heavy metal, do belt,
86

do samba, do rap, e assim por diante. Ele diz ainda que (2001) a emissão vocal no canto
popular “não precisa, e em alguns casos, não deve - ser límpida (sem ‘ruídos’) e estável
(sem variações gritantes de timbre e ressonância, com eliminação de ‘defeitos’ e
impurezas)” e que, ao contrário do canto clássico, o cantor popular utiliza uma extrema
variedade de ressonâncias:
“a hiper e a hiponasalidade, a guturalidade, as vogais marcadas, a
metalização do timbre são agora referências estéticas para reconhecermos
imediatamente determinado intérprete (o referencial máximo de sucesso
de um cantor), gênero (a voz adequada para o samba, para o rock ou para o
sertanejo) ou procedência lingüística (a hipernasalidade norte-americana, a
guturalidade carioca, a hiponasalidade britânica).” (ibid., p.109)
A busca dessa variedade tem sido trabalhada por muitos professores em suas aulas.
Maria Lucia Valadão (CASTRO, 2002, p.25) usa a experimentação e diz que “uma das
coisas que são importantes quando a pessoa começa a trabalhar a parte técnica, é se dirigir
para essa exploração das diversas possibilidades da voz, sem nenhum tipo de preconceito".
Em alguns casos excepcionais, propõe “exercícios de exploração de outros timbres, outros
‘tipos de vozes’, sempre com muita cautela, pois em geral teme que não sejam muito
saudáveis".
Malu Cooper (CASTRO, 2002, p. 24) aponta na mesma direção ao dizer que “o
aluno, para desenvolver um controle de sua produção vocal, e poder escolher o tipo de
emissão que quer usar, precisa passar por todo o aparato, conhecer todo esse leque de
possibilidades".
Angela Herz, que criou o “Método Herz de Trabalho Vocal” 27 , explora em seus
exercícios uma grande diversidade de ressonâncias e suas combinações e “acredita que na
medida em que o aluno puder usufruir de suas múltiplas possibilidades, oferecerá à sua
personalidade a chance de optar pela construção que melhor expresse sua individualidade
vocal" (ibid., p. 24).
Já Felipe Abreu (ibid., p.25) discorda desse procedimento: "Nunca trabalho com
uma diversidade tímbrica grande demais num determinado aluno (...) porque a minha
intenção é que, no futuro, o público ligue o rádio e diga "é fulano quem está cantando". Diz
que tenta aproveita o que o cantor tem de natural com o depuramento dessa qualidade

27
O método foi desenvolvido, segundo Herz (informação verbal), a partir de sua experiência de 27 anos de
trabalho, estudo e pesquisa sobre o canto popular. Atualmente, a professora está finalizando um livro, ainda
sem título e editora, apresentando o seu método de trabalho de educação vocal destinado à música popular
brasileira.
87

vocal, que vem com o trabalho, o feedback auditivo (gravar e ouvir a própria voz) e o
tempo. Para este trabalho, perguntamos se ele não trabalha as ressonâncias em suas aulas:
Trabalho as ressonâncias, claro, mas é um trabalho personalizado: pode ser de
equilíbrio ressonantal (controlar a hiper ou hiponasalidade, a voz entubada, a voz
achatada, a voz velada, etc) e pode ser do domínio do colorido vocal (um trabalho
para quem já domina o básico estrutural da técnica, isto é, postura, respiração,
apoio, função glótica sem problemas).
Abreu, que diz priorizar a personalidade vocal no lugar da experimentação de
qualidades vocais, explica, porém, que trabalha a ressonância no sentido da busca de seu
equilíbrio: controlar a hiper ou hiponasalidade, a voz entubada, a voz achatada, a voz
velada etc. (PICCOLO, 2003).
Apesar de utilizar a experimentação das variadas ressonâncias, Angela Herz
(PINTO, 2006) também menciona a importância da personalidade vocal e diz que, para que
ela seja alcançada, a voz/pessoa deve conhecer muito bem seus espaços ressonantais, e
mostrar-se inteira, sem alteração do seu corpo sonoro nas diferentes regiões cantadas.
O método de ensino proposto por Angela Herz teve como ponto de partida a sua
experiência como atriz e como preparadora vocal de atores. Ao buscar identidades vocais
diferenciadas para os diversos personagens, realizou um profundo estudo das ressonâncias,
seus efeitos, as sensações físicas de cada uma, observando em que espaços a energia sonora
vibrava para produzir esta ou aquela qualidade vocal. (CASTRO, 2002)
Herz utiliza exercícios desenvolvidos por ela que trabalham a sonoridade
“abundantemente vocálica e aberta do nosso idioma”, como a própria define, explorando
detalhadamente as ressonâncias que fazem parte da estética da nossa música popular:
“Quando as sonoridades abertas se modificam dentro dos exercícios que proponho, elas
estão sendo intencionalmente tratadas em espaços ressonantais específicos, tratando as
emissões de modo a torná-las mais arredondadas, aquecidas e até mesmo fechadas”.
(PINTO, 2006).
No canto popular brasileiro, efeitos vocais como uma voz rouca, soprosa, anasalada
ou sussurrada, os ataques e finalizações em fry (ver definição em 4.3.5.1.1.1) são muitas
vezes tão apreciados que tornam-se referências estéticas para muitos cantores.
Em geral, usa-se a variação de qualidades vocais como um recurso expressivo. Na
análise da interpretação de Renato Russo para a música Santo Cristo, Ulhôa (2003, p.56-
57), identifica que o estilo vocal suave é reservado para os momentos nos quais o
88

protagonista Santo Cristo mostra seu lado terno e mais fraco. Na trama mais pesada, a voz é
tensa e o volume alto. Quando o personagem é mau caráter, a voz é gutural.
Abreu relaciona o cantar suave, ou soproso; o desenvolvimento do canto “sujo” e a
incorporação de efeitos vocais totalmente estrangeiros à técnica erudita como a metalização
da qualidade vocal, ou a hipernasalidade tão presente em certos gêneros, como alguns
recursos característicos do canto popular. (PICCOLO, 2003)

4.3.5.1.1 Registros
Há duas abordagens principais utilizadas na definição dos registros: uma relativa ao
mecanismo de funcionamento e a outra relativa à percepção dos registros.
Na abordagem perceptiva, a descrição mais comum é que um registro é uma faixa
de freqüência de fonação na qual todas as notas são percebidas com uma qualidade vocal
similar. (SUNDBERG, J., 1987, p.49-50-51). As sonoridades diferentes dos registros
podem ser mais ou menos “mascarados” através da escolha criteriosa de ressonâncias.
Quanto aos mecanismos de funcionamento dos registros, há diferenças no
comportamento muscular e na forma como as pregas vocais vibram nos diferentes registros.
No registro de peito, as pregas vocais estão relaxadas e densas, enquanto que, no falsete, as
cordas estão maximamente esticadas, sob efeito da ação dos músculos cricotiróides.
(SUNDBERG, 1987, p. 52).
O registro é um fenômeno exclusivamente glótico, associado à fonte sonora, à
geração do som na laringe, e resulta de um movimento de ajuste das pregas vocais; ou seja,
não é definido pela ressonância. As mudanças na fonte vocal são responsáveis pelas
variações na qualidade vocal entre os diferentes registros.
Os registros abrangem determinada faixa de freqüências de fonação e, quando se
alterna de uma faixa de freqüência para outra, uma quebra de registro pode ocorrer. Tal
quebra pode ser descrita como uma súbita mudança na freqüência de fonação e na
qualidade vocal.
Apesar disso, as faixas de freqüência de fonação não são subseqüentes, ou seja, não
há uma freqüência definida onde um registro acabe e outro comece. Há uma faixa de
interseção onde os vários registros se sobrepõem. Significa que uma pessoa pode produzir
um som vocal numa mesma freqüência de fonação em diferentes registros ou até em dois
registros combinados. Pesquisas recentes indicam que é possível que alguns ajustes possam
89

coexistir, resultando numa voz mista (KOB, 1999; SUNBERG, 1987; CASTELLENGO,
1986; ROUBEAU, CASTELLENGO, 1993, 1997). Os alcances de sobreposição e as
fronteiras entre os registros variam entre indivíduos. (SUNDBERG, 1987, p.51).
As condições de produção da voz de peito envolvem um esforço vocal, um fluxo de
ar e uma pressão subglótica relativamente maiores do que no falsete. Por outro lado, o
falsete não permite uma produção vocal no mesmo nível de intensidade que o registro de
peito naquela faixa de interseção, o que quer dizer que uma mesma nota em diferentes
registros provavelmente será muito mais intensa na voz de peito.
Não há um consenso na literatura sobre a quantidade de registros femininos e
masculinos e a terminologia utilizada para os vários registros ainda é confusa. Não há
dúvidas, porém, de que há pelo menos dois registros principais para homens e mulheres: o
registro de peito, também chamado de modal, e o registro de cabeça – termo mais
comumente usado para as vozes femininas - ou o falsete, mais comumente usado para as
vozes masculinas. Outros registros muito mencionados são os registros fry (ou basal), que
abrange uma faixa de freqüência de fonação inferior ao do registro de peito, e o registro de
flauta (ou whistle), que abrange uma faixa de freqüência de fonação superior ao do registro
de falsete.
No canto lírico, homens cantam predominantemente com o registro de peito, ou
seja, quase não usam o falsete. No canto popular, os homens, em sua maioria, não só usam
o falsete como não mostram preocupação em ocultar a quebra de registro. Gilberto Gil e
Milton Nascimento são exemplos de cantores que usam o falsete de forma explícita, como
verificamos ao ouvir as gravações de Marina (CAYMMI, 1989), pelo primeiro, e de Ponta
de Areia (NASCIMENTO, 1975), pelo segundo, só para citar alguns.Outros cantores
populares como Zé Renato e Jorge Vercilo usam o falsete e procedem à passagem entre os
registros de forma mais disfarçada.
Abreu acredita que o desenvolvimento do falsete masculino é essencial para
desenvolver um agudo “não-operístico” (e não necessariamente em falsete) para o cantor
popular do sexo masculino.
As mulheres, no canto lírico cantam predominantemente, ou quase exclusivamente,
com a voz de cabeça. Praticamente não usam a “voz de peito”. O repertório é quase sempre
90

composto de melodias em regiões agudas, que só são passíveis de serem alcançadas com a
voz de cabeça.
No canto popular, ao contrário, as mulheres cantam predominantemente, ou quase
exclusivamente, com a voz de peito: quase não usam a voz de cabeça. A predominância do
registro de peito no canto popular poderia explicar a sensação de proximidade com a voz
falada, ressaltada por tantos pesquisadores. E ainda a preferência das cantoras por
tonalidades mais graves para a interpretação da canção, já que não é possível utilizar a voz
de peito em freqüências muito altas, pois acaba ocorrendo a quebra de registro. As
mulheres, em geral, concentram suas notas principalmente entre o Sol2 e o Dó4,
possibilitando a utilização do registro de peito em quase toda a sua extensão.
Quando, eventualmente, lançam mão da voz de cabeça, as cantoras populares
buscam usá-lo de forma discreta e disfarçada. É muito raro percebermos a mudança de
registros nas vozes femininas na MPB e, quando isso acontece, causa uma certa estranheza.
Procura-se manter a configuração muscular no registro de peito até o seu limite e, depois
disso, manter uma sonoridade muito parecida com a do registro de peito, de modo que não
se perceba essa mudança.
Por esse motivo, o registro de cabeça é muitas vezes associado à técnica lírica,
causando resistência a seu uso pelos cantores populares. Sampaio (PICCOLO, 2003)
afirma: “Não é que a música popular não tenha que usar o registro de cabeça [...]. O
problema é que aqui no Brasil os cantores e em especial os maestros não admitem, já vão
logo dizendo que a voz está impostada, que é voz lírica”.
Abreu (PICCOLO, 2003) diz que “a cantora popular tem que trabalhar muito mais a
voz de peito do que a cantora lírica, por razões que são evidentes para qualquer um que
ouça vozes femininas populares e clássicas”. E Angela Herz (PINTO, 2006) pergunta:
“como cantar um samba enredo, se os agudos, diferentemente da emissão em outras
regiões, apresenta-se num falsete frágil e empobrecido?”.
Em relação às passagens entre os registros, verificamos que também são trabalhadas
de maneiras distintas entre o canto popular e o canto lírico.
Um dos objetivos da pedagogia do canto é reduzir ou mesmo eliminar a variação da
qualidade vocal entre os registros. Isso significa que não só a quebra de registro mas
também a mudança de registro claramente audível pode ser eliminada com treinamento. Em
91

tais condições, a diferença entre os registros de um cantor competente será difícil de definir
perceptivamente, embora ela possa, é claro, ainda existir ao nível da laringe. (SUNDBERG,
1987, p.51). Como diz Abreu (2001, p.109): “ a estética clássica busca desenvolver toda a
extensão vocal criando a ilusão de que não existem as chamadas quebras de registro [...],
criando auditivamente a impressão de uma voz timbricamente uniforme do grave ao agudo,
o que requer grande técnica”.
No canto popular, Felipe Abreu (2001, p.109) diz que “o cantor popular vai
possivelmente explorar as diferenças, as quebras entre registros de ‘peito’ e ‘cabeça’, pois
não há o desenvolvimento de uma voz timbristicamente uniforme, em toda a tessitura”.
Sandroni (PICCOLO, 2003) explica, na posição de cantora, como resolveu a
equação entre a igualdade entre os registros exigidos por sua professora, a necessidade de
emitir notas agudas e a sua própria rejeição pela “voz lírica”: “Quando eu descobri esse tal
de falsete, foi uma solução [...], a voz fica diferente, mas e daí? Eu canto ela toda desigual:
quando vai para o agudinho eu deixo o falsete ficar bem levinho, e o resto eu peso...”. A
equação não fechou perfeitamente porque algum processo teve que ser sacrificado, e esse
foi o de igualar os registros: A Clarisse não ia me deixar fazer isso. Eu tinha que dar [a nota
aguda] com a voz plena, [...] a voz tem que estar sempre com muitos harmônicos, e aquele
agudo tem que estar equilibrado perfeitamente e isso não tem nada a ver com a música
popular. Não precisa ser assim.”.
Apesar de a maioria dos professores concordar que no canto popular não é
importante a uniformidade entre os diferentes registros, todos trabalham essa técnica em
sala de aula. Sandroni lembra que a quebra de registros é um dos aspectos presentes em
vários tipos de canto popular no Brasil, mas que ela própria não trabalha essa técnica em
suas aulas. Como ainda não foi devidamente estudado, ninguém a assume como uma
técnica de canto: “Eu não conheço nenhum professor de canto que ensine para os seus
alunos a ter uma voz diferente, que o grave soe de um jeito e o falsete de outro”
(PICCOLO, 2003, p.61).
Portanto, para as vozes masculinas, a diferença entre o canto popular e o canto lírico
quanto à utilização dos registros não é tão perceptível já que em ambos o predomínio é do
uso da voz de peito. A diferença reside no uso, muito eventual, do falsete pelo cantor
popular. Para as vozes femininas, no entanto, essa diferença é bastante perceptível. No
92

canto popular o predomínio do registro de peito é quase total – a passagem é feita em geral
entre o Sol3 e o Dó4 – e no canto lírico o predomínio quase total é do registro de cabeça – a
passagem, quando há, é feita entre o Sol2 e o Dó3.
Isso talvez explique a solução encontrada por Elizeth Cardoso no episódio citado no
início deste capítulo: cantar a Ária das Bachianas, de Villa-Lobos, uma oitava abaixo do
tom original 28 .
Considerando o registro de peito como o de uso predominante no canto popular,
procuramos neste trabalho assinalar apenas as mudanças desse para o registro de cabeça (ou
falsete) ou para o registro basal (ou fry).

4.3.5.1.1.1 Fry
O mecanismo de funcionamento do fry consiste num modo vibratório da prega
vocal, no qual ocorrem ao mesmo tempo vibrações transversais e longitudinais das pregas
vocais, com a presença de subarmônicos bem definidos (FUKS, 1998, 1999).
Na fala normal, tanto homens quanto mulheres algumas vezes terminam frases
numa freqüência de fonação extremamente baixa, de tal forma que podemos perceber cada
pulso vocal individual, como uma rápida série de pulsações. (SUNDBERG, 1987, p.50). É
considerado o registro mais grave, sinônimo de registro basal, que ocorre a freqüências
abaixo do registro de peito. Em inglês, além de vocal fry, é chamado também de glottal fry ,
pulse register e creak voice.
Nas canções analisadas, o fry aparece quase sempre nos inícios ou finais de frases,
em geral com a intenção de demonstrar sensualidade ou sofrimento (vide Ex. sonoro 1, no
CD anexo).

4.3.5.1.1.2 Falsete ou voz de cabeça


O falsete ou a voz de cabeça é um registro de fonação mais leve e agudo que o
registro de peito. Observações estroboscópicas mostram que, no canto em falsete, as
membranas nas extremidades das pregas vocais parecem ser as únicas partes em vibração;
no registro de peito as pregas vocais vibram por inteiro. (SUNDBERG, J., 1987, p. 54)
Acusticamente, o falsete é caracterizado por alguns fatores (LAVER, 1980, p. 119-
120). Um deles é que o primeiro harmônico no som do falsete tende a ser
consideravelmente maior, em torno de 5dB mais forte, do que no registro de peito. Outro

28
Vide transcrição do trecho da entrevista nos Anexos.
93

fator é que a inclinação espectral é mais íngreme no falsete do que na voz de peito,
apresentando uma queda em torno de 20dB por oitava, enquanto que na voz de peito é da
ordem de 12dB por oitava. (MONSEN; ENGEBRETSON, 1977, p. 988 apud LAVER,
1980, p. 120). (vide Ex. sonoro 2, no CD anexo)

4.3.5.1.2 Growl
Efeito vocal muito usado por Louis Armstrong e Elza Soares. A impressão para o
ouvinte é de uma voz rascante (ARAÚJO; FUKS, 2001, p.281) e está sendo usada muita
pressão de ar para a sua produção. Seu mecanismo de produção envolve as vibrações
regulares das pregas vocais em co-oscilação com estruturas supraglóticas, particularmente o
ligamento ariepiglótico, cartilagens aritenóide e epiglote e mesmo das mucosas da faringe
(SAKAKIBARA et al., 2004).
As aritenóides são tensas contra a epiglote e entram em vibração durante a fonação,
perturbando a voz modal. Na análise acústica realizada por Araújo e Fuks (2001) em dois
exemplos com growl, foi identificada a presença de subarmônicos “indicando que neste
efeito as estruturas supraglóticas da epiglote e aritenóide vibram em alguns casos de forma
regular”. Lembram que o efeito é pouco estudado no âmbito da fisiologia vocal,
provavelmente por não ser associado a patologias fonatórias. (vide Ex. sonoro 3, no CD
anexo)

4.3.5.1.3 Voz nasal


A voz nasal se origina de manobras do músculo velofaríngeo, que permite a
comunicação das cavidades nasais com a faringe. Esta comunicação no trato vocal,
portanto, resulta numa modificação sonora relacionada com uma perda de energia em
determinadas freqüências, constituindo na maior parte das vezes um fenômeno de anti-
ressonância (FANT, 1960).
Com freqüência, associa-se a nasalidade a uma característica da voz falada e
cantada do brasileiro, uma vez que, nas línguas ocidentais, os fonemas nasais só existem no
português e no francês. (vide Ex. sonoro 4, no CD anexo)

4.3.5.1.4 Voz tensa


A voz tensa pode ser explicada por ajustes laríngeos que envolvem maior tensão de
adução das pregas vocais, causando perceptivamente a sensação de uma voz “forçada”,
94

limitada. Andrada e Silva (2001, p.47) atribui essa configuração a um encolhimento do tubo
faríngeo. “A voz soa apertada, com presença de harmônicos altos [...]. Normalmente vem
associada a uma articulação “em sorriso” ou cerrada, com tensão de pilares e das paredes da
faringe e presença de nasalidade”. (vide Ex. sonoro 5, no CD anexo)

4.3.5.1.5 Voz gritada


Ocorre possivelmente com vibrações não regulares da prega vocal devido à forte
pressão subglótica. A sensação é de que a voz está arranhando a garganta, apresentando,
junto com a freqüência fundamental, outros ruídos. Vem acompanhada de muito
escapamento de ar. (vide Ex. sonoro 6, no CD anexo)

4.3.5.1.6 Voz rouca


Perceptivamente, a voz apresenta falhas na emissão, soprosidade, presença de sons
graves e pouco brilho. Parece que o cantor se esforça para emitir o som. Nos casos
patológicos de nódulos vocais e edema, as pregas ficam mais pesadas e sua vibração menos
eficiente, requerendo maior consumo de ar. (ANDRADA E SILVA, 2001). (vide Ex.
sonoro 7, no CD anexo)

4.3.5.1.7 Voz “suja”


A voz soa com ruídos, como se acompanhada de muco, tal qual ocorre durante uma
gripe. Para Andrada e Silva (2001, p.44), que chama esse parâmetro de voz áspera, o som é
tenso e grave, mas dependendo do grau de aspereza podemos ter a sensação de uma altura
maior. Geralmente ocorre quando existe uma rigidez na mucosa das pregas vocais ou
quando existe necessidade do uso de musculatura extrínseca da laringe e de pregas
vestibulares. Em inglês é chamado de “roughness”. (vide Ex. sonoro 8, no CD anexo)

4.3.5.1.8 Voz com a laringe abaixada


Com o abaixamento da laringe, ocorre um alongamento do trato vocal, baixando a
freqüência dos formantes e resultando numa qualidade vocal mais “escura”, muito usada
especialmente no canto lírico.
Muitos professores de canto, em suas aulas, sugerem exercícios que simulam o
mecanismo do bocejo para se atingir tal conformação. (vide Ex. sonoro 9, no CD anexo)
95

4.3.5.1.9 Voz com ar


As pregas vocais não estão aduzidas suficientemente e então há o escapamento de
ar. Segundo Sundberg (1987, p.63), “num tipo fonação com ar, a glótis assume uma forma
de Y, então uma abertura triangular permanence mesmo durante a fase quase fechada. Esse
tipo de fonação respiratória é causada por uma falha na contração dos músculos
interaritenoides”. Como um recurso interpretativo, é usado geralmente com a intenção de
demonstrar sensualidade, sofrimento ou zelo. (vide Ex. sonoro 10, no CD anexo)

4.3.5.1.10 Voz “ful”


Essa categoria foi selecionada especificamente para uma qualidade vocal que Elis
Regina utilizou algumas vezes na música “Black is Beautiful”, na sustentação da sílaba
“ful” da palavra inglesa “beautiful”. Pode-se tentar descrever as manobras do trato vocal da
seguinte maneira: há uma alternância de elevação e abaixamento do palato mole, enquanto
a laringe faz o movimento contrário e a língua se recolhe em direção à garganta,
apresentando uma sonoridade que se distingue da utilizada ao longo da canção. Por não ter
encontrado na literatura nenhuma descrição que caracterizasse esse som, “batizamos” essa
qualidade de “ful”. (vide Ex. sonoro 11, no CD anexo)

4.3.5.1.11 Voz falada


Essa qualidade é chamada “voz falada” por possuir características semelhantes a da
voz falada: poucas inflexões e altura grave ou média para grave (ANDRADA E SILVA,
2001, p.45). Em nossas análises, as palavras ou sílabas com a qualidade falada, em geral,
vêm acompanhadas de um acento ou uma articulação exagerada. Quase sempre há uma
interrupção na linha melódica prevalecendo uma queda brusca de freqüência. É muito
utilizada para enfatizar uma determinada palavra ao longo do texto cantado. (vide Ex.
sonoro 12, no CD anexo)

4.3.5.2 Inspiração Sonora


Ruído causado pelo fluxo de ar através do aparelho fonador e da vibração da prega
vocal na inspiração pelo nariz ou pela boca, antes do ataque de uma sílaba. Pudemos
constatar que é usado com freqüência na música popular como um recurso expressivo.
(vide Ex. sonoro 13, no CD anexo)
96

4.3.5.3 Expiração Sonora


Essa categoria, na verdade, inclui três ocorrências. A primeira, durante a emissão,
ocorre quando o fluxo de ar é liberado concomitantemente com a fonação, geralmente
acompanhado de um acento, o que pode estar associado à maior pressão subglótica. (vide
Ex. sonoro 14, no CD anexo). A segunda, na finalização, ocorre quando o fluxo de ar é
liberado ao final da fonação ou após a mesma, possivelmente como conseqüência de um
relaxamento ou abdução das pregas vocais (vide Ex. sonoro 15, no CD anexo). A terceira,
na finalização acompanhada de suspiro, é quase igual à anterior, com um fluxo de ar um
pouco mais intenso, resultando numa sonoridade como a de um suspiro. Vem muitas vezes
acompanhada de um fry ou um gemido. (vide Ex. sonoro 16, no CD anexo)

4.3.5.4 Breque
Ocorre com uma interrupção do fluxo de ar e conseqüentemente do som, provocada
pela adução das pregas vocais. É geralmente seguido por uma expiração sonora, muitas
vezes por um suspiro. Em nossa pesquisa, foi observada na interpretação de Elis Regina.
(vide Ex. sonoro 16 e Ex. sonoro 17, no CD anexo)

4.3.5.5 Variação dinâmica


A dinâmica é um aspecto da expressão musical resultante de variação na intensidade
sonora. No século XX, a dinâmica foi considerada um dos parâmetros fundamentais da
composição. A variação dinâmica é tão natural na interpretação de quase todos os estilos
musicais, que sua presença pode ser naturalmente assumida mesmo não for indicada na
notação. (THIEMEL, 2006). A variação dinâmica é alcançada por meio da pressão
subglótica, que controla a intensidade de fonação e, portanto, o nível sonoro, que depende
da velocidade de fechamento [das pregas vocais]”. (SUNDBERG, J., 1987, p.83).
Consideramos as sílabas ou palavras em que há variações de dinâmica muito perceptíveis
(muito fortes ou muito pianos). (vide Ex. sonoro 18, no CD anexo)

4.3.5.6 Acento
Destaque dado a uma ou mais notas na intepretação, normalmente através de uma
perceptível alteração (normalmente um aumento) de sua intensidade sonora (acento
dinâmico). (THIEMEL, 2006). (vide Ex. sonoro 19, no CD anexo)
97

4.3.5.7 Articulação (exagerada, cerrada, pastosa)


A enunciação com uma articulação clara permite a inteligibilidade dos fonemas e,
conseqüentemente, das palavras. A articulação é obtida a partir dos ajustes motores dos
órgãos fonoarticulatórios para a produção do som. Os modos de articulação são “cerrada”,
“exagerada” e “pastosa”. A articulação é “exagerada” quando há movimentação em excesso
da língua, dos lábios e na abertura de boca. (vide Ex. sonoro 20, no CD anexo). É “cerrada”
quando os dentes estão praticamente ocluídos e há pouca movimentação dos lábios e pouca
abertura da boca. (vide Ex. sonoro 21, no CD anexo). E “pastosa” ocorre quando
percebemos uma lentidão nas mudanças dos pontos de articulação dos fonemas.
(ANDRADA E SILVA, 2001, p.41-42). (vide Ex. sonoro 22, no CD anexo).

4.3.5.8 Fonema alterado


Refere-se à pronúncia do fonema. Pode ocorrer com uma alteração ou uma oclusão
das vogais, numa tentativa de aproximar a pronúncia cantada àquela utilizada na voz falada
coloquial. Pode ser verificada nas palavras “deixe”, cantada como “dêx”, “me esqueça”,
cantada como “mixqueç”, por exemplo. (vide Ex. sonoro 23, no CD anexo)

4.3.6 Improvisação melódica: os ornamentos

Um dos mais importantes aspectos do canto é a maneira como os cantores


interpretam as notas na partitura. A improvisação melódica no canto popular também é
freqüente e os ornamentos são bastante utilizados, mas sempre sem exageros.
Os ornamentos podem ser definidos como efeitos de embelezamento que ocorrem
em tradições de ornamentação livre e proliferaram na música européia no período Barroco.
(KREITNER, 1980).
O registro do uso de ornamentos é muito limitada a tratados de canto escritos e
descrições de vozes. Em termos de adição ou alteração de notas, torna-se um pouco mais
fácil de documentá-los quando compositores e cantores desde o final do século XVI
deixaram exemplos de sua prática. A invenção do gravador de som facilitou a comparação
de estilos de ornamentação recentes. No século XX, no entanto, menos compositores
assumiram ou mesmo desejaram improvisações ritmicas ou melódicas na interpretação.
Quanto à notação, não há nenhuma obrigação artística de executar cada ornamento,
assim como outros elementos da interpretação, da forma como é notado. Pelo contrário, o
98

intérprete possui a liberdade usual do barroco em fazer a interpretação de acordo com seu
próprio gosto e pode, portanto, mudar um ornamento se julgá-lo estilisticamente
inadequado. (ibid.)
De qualquer maneira, nenhuma notação é capaz de mostrar exatamente como um
ornamento soará; as nuances são tão importantes quanto as notas e são muito difíceis de
serem aprendidas a não ser através da audição de boas demonstrações”. (ibid.).
Embora tão comum, é crucial que a opção do intérprete para o uso dos ornamentos
seja exercitada dentro das fronteiras do estilo (ibid.).

4.3.6.1 Vibrato
Ornamento muito utilizado na execução da música vocal e instrumental,
particularmente no repertório operístico do período romântico, o vibrato pode ser
encontrado em descrições da música ocidental desde o período medieval até hoje, mas
parece ter sido aceito como um ornamento desde o primeiro quarto do século XX, quando
seu uso contínuo gradualmente passou a ser uma norma.
Seu uso se tornou tão natural que alguns tratados barrocos (Bernhard, Montéclair)
mencionam como ornamento não apenas o vibrato como o não-vibrato (OWEN; HARRIS,
2006). Por ter uma prática normativa, a notação do vibrato pode parecer redundante.
Apesar de ser definido como um ornamento, seu uso é tão freqüente no canto lírico que
chega a ficar amalgamado à voz, dispensando a necessidade de notação.
Há diversos estudos sobre a natureza do vibrato e sua utilização, principalmente no
que se refere à prática do canto lírico e dos instrumentos de cordas (SEASHORE,
1967; PRAME, 1994, SUNDBERG, 1987).
O vibrato corresponde a uma ondulação aproximadamente periódica na freqüencia
fundamental, geralmente acompanhada de oscilações de amplitude e no espectro. Em
termos perceptivos, corresponde a variações na altura, intensidade e qualidade vocal.
A extensão do vibrato descreve quão longe a freqüência fundamental cresce e
decresce durante um ciclo do vibrato e sua amplitude varia de acordo com a intensidade de
fonação. A taxa de vibrato revela o número de ondulações por segundo. (SUNDBERG,
1987, p.163)
O padrão do vibrato é considerado constante num cantor lírico. Sua extensão
geralmente varia entre um ou dois semitons, o que significa que a freqüência fundamental
99

oscila para cima e para baixo ¼ ou ½ tom, respectivamente. Sundberg (1987, p.164) afirma
que a extensão do vibrato menor ou igual a 0,5 semitom é mais comum em instrumentos de
sopro do que em cantores e maiores que dois semitons “tendem a soar mal”.
Geralmente considerada constante num dado cantor lírico, a média da taxa de
vibrato varia em torno de 6Hz, mas não é impossível de ser alterada, como afirma Sundberg
(ibid.). Para o autor, sempre referindo-se ao canto lírico, geralmente, uma taxa de vibrato
menor que 5,5 ondulações por segundo “soam muito lentas”, e maiores que 7,5 “soam
nervosos”.
Prame (1994, p. 5) evidenciou o fenômeno no qual os vibratos usados no canto
lírico apresentam um aumento na taxa do vibrato em sua finalização em torno de 15%, a
“cauda” do vibrato, o que pode ser considerado um gesto expressivo. A variação média
entre a taxa de vibrato máxima e a mínima é de mais ou menos 8% da média do artista”.
As variações na qualidade vocal se explicam porque as características e o ajuste do
trato vocal favorecem algumas freqüências em detrimento de outras, o que quer dizer que o
trato vocal responde diferentemente a alturas diferentes. Portanto, a alteração na freqüência
fundamental, e em todos os seus harmônicos na mesma proporção, afetam a qualidade do
som.
SUNDBERG (1987, p.165) afirma que, juntamente com o vibrato, tem sido
observadas variações em dois sistemas, ambos dos quais afetam a freqüência de fonação; a
musculatura laríngea (principalmente os músculos cricotiróides) e o sistema
respiratório.
Não há estudos específicos sobre os mecanismos de produção do vibrato. Muitos
acreditam que o vibrato é uma conseqüência natural do treinamento vocal. Sundberg (ibid.,
p.163), que estudou o vibrato operístico ocidental, afirma que o vibrato desenvolve-se mais
ou menos por si mesmo enquanto o treinamento vocal ocorre com sucesso. Recentemente,
alguns métodos de ensino de canto vêm propondo exercícios para a sua produção
(HOWARD; AUSTIN, 2002).
As definições acima citadas referem-se ao vibrato utilizado no canto lírico, já que
também não há estudos sobre as características do vibrato no canto popular brasileiro29 .
Buscaremos usar esse conhecimento clássico como parâmetro para descrever as

29
Sobre as características do vibrato utilizado no canto sertanejo, vide ROSA (2003).
100

características que foram detectadas nos vibratos dos cantores analisados. (vide Ex. sonoro
24, no CD anexo).

4.3.6.2 Portamento
Na prática, os termos glissando e portamento são muitas vezes confundidos. O
glissando é um termo geralmente usado como instrução para executar uma passagem de
uma altura para outra num movimento de deslize rápido. Na voz, violino ou trombone, um
deslize de uma altura para outra é mais prontamente percebido sem distinção entre as notas
intermediárias, um método muitas vezes chamado de portamento. No entanto, o glissando é
mais associado às passagens entre semitons realizados por instrumentos como o piano e a
harpa, que não podem executar um portamento; a voz, a família dos violinos e o trombone
podem produzir ambos os tipos de deslizes, embora o glissando seja mais difícil para eles.
(BOYDEN; STOWELL, 2006).
O termo ‘portamento della voce’ significa ‘transportar a voz’ e define uma
importante técnica vocal para o canto legato estabelecida no início do século XVII. Os
termos port de voix, portar della voce e cercar della nota 30 referem-se a procedimentos
semelhantes e, embora alguns os definissem com peculiaridades, em momentos diversos
foram usados como sinônimos de portamento.
Considerado um elemento essencial para o bem cantar desde cerca do início do
século XX, o abuso de seu uso foi muito criticado. Domenico Corri (The Singer's
Preceptor, 1810) escreveu que ‘o portamento della voce é a perfeição da música vocal’,
permitindo o ‘deslize e mistura de uma nota para outra com delicadeza e expressão’
enquanto que J.F. Schubert considerava o portamento ‘repugnante e insuportável’ quando
realizado no lugar errado. Garcia advertia que usado ‘em excesso, corria o risco de tornar a
execução frágil e lânguida’; porém, a técnica defendida por ele em 1894 de se atingir cada
nota de forma ‘pura’ não tem eco na história recente. Cantores não só conectam notas,
como aproximam notas iniciais em até uma terça ou quarta abaixo da nota escrita, técnica
conhecida também como cercar della nota.
Seashore (1967) afirma que os portamentos são um meio importante de suavizar o
contorno de uma nota por meio de um desvio artístico do ataque ou finalização, assim como
30
No final do século XVIII, o termo ‘cercar della nota’ (compreendido inicialmente como um ornamento de
aproximação ascendente por um intervalo de até uma 4ª) foi algumas vezes usado como sinônimo de
portamento. (HARRIS, 2006).
101

os recursos dinâmicos como o messa de voce, muito utilizado e recomendado pela maior
parte das escolas de canto, que consiste em aumentar ou diminuir gradativamente a
intensidade de uma nota.
Uma notação consistente do portamento e do cercar della nota nunca foi
desenvolvida, em parte porque a prática é tão normativa que a notação seria redundante.
Durante o século XX seu uso declinou radicalmente. O fato de estar sendo muitas
vezes associado com o estilo popular chamado ‘crooning’ tem aumentado as associações
pejorativas para alguns, e por isso atualmente o portamento é largamente rejeitado na
música vocal clássica e na ópera. Esse chamado estilo de canto “puro”, no entanto, não é
baseado na prática vocal dos séculos XVII, XVIII e XIX. (HARRIS, 2006).
Nas canções analisadas, detectamos uma grande incidência de portamentos. (vide Ex.
sonoro 25, no CD anexo).

4.3.6.3 A “família” da apojatura


Em princípio, esse grupo compreende aquelas notas ornamentais que se “apoiam”
na nota seguinte, que é a nota “principal”, esta escrita na notação tradicional. Se a nota
acessória está localizada acima da nota principal, é chamada de apojatura descendente ou
apojatura superior. Se está abaixo da nota principal, é chamada de apojatura ascendente ou
apojatura inferior. Nessa família estão incluídas a nota de retardo, a nota de antecipação, a
nota de passagem e a apojatura simples. Esta última se diferencia das notas de retardo e de
antecipação apenas por não ser uma repetição da nota anterior. (KREITNER, 1980).

4.3.6.3.1 Apojatura
É uma ‘nota apoiada’, normalmente um grau conjunto acima ou abaixo da nota
principal, que se resolve sobre a nota principal. (SADIE, 1994, p. 35). Ver exemplo gráfico
abaixo, juntamente com o exemplo do retardo. (vide Ex. sonoro 26, no CD anexo)
4.3.6.3.2 Retardo (ou suspensão)
Uma configuração dissonante, na qual a nota não harmônica é mantida na mesma
voz do acorde anterior, resolvendo-se por grau conjunto, ascendente ou descendente. (vide
Ex. sonoro 26, no CD anexo). Abaixo, exemplo gráfico do trecho “vou ficar nesta cidade”
da música Como nossos pais, interpretada por Elis Regina:
102

Figura 1 – retardo e apojatura em um trecho da música Como nossos pais.

4.3.6.3.3 Antecipação
Em escrita polifônica, é uma nota não harmônica, não acentuada, que pertence à e é
repetida na harmonia imediatamente seguinte”. (SADIE, 1994, p.32) . Na Figura 2,
exemplo gráfico do trecho “pode pedir”, da música Tristesse, interpretada por Milton
Nascimento, em que ele faz duas antecipações, uma para a sílaba “de” e outra para “dir”
(vide também Ex. sonoro 27, no CD anexo):

Figura 2 – antecipações em um trecho da música Tristesse

4.3.6.3.4 Nota de passagem (ou apojatura de passagem)


Dissonância alcançada e abandonada por grau conjunto na mesma direção,
posicionada sempre em tempo ou parte mais fraca que as notas da harmonia. (Senna, p. 13).
Uma nota de passagem interpolada entre duas notas principais que se encontram a uma
terça de distância, ascendente ou descendente. (KREITNER, 1980, p. 828). (vide Ex.
sonoro 28, no CD anexo). Na Figura 3, exemplo gráfico da palavra “nosso”, do trecho “do
nosso amor”, da música Tristesse, interpretada por Milton Nascimento, em que ele faz um
retardo sucedido por uma nota de passagem:
103

Figura 3 – nota de passagem em um trecho da música Tristesse

4.3.6.3.5 Grupeto
Notas interpoladas entre notas principais, que podem ser idênticas entre si ou
distantes em graus conjuntos. (SADIE, 1994, p. 391). Na Figura 4, exemplo gráfico da
palavra “seu”, do trecho “se cada sonho é seu”, da música Tristesse, interpretada por Milton
Nascimento (vide também Ex. sonoro 29, no CD anexo):

Figura 4 – grupeto em um trecho da música Tristesse

4.3.6.3.6 Nota escapada (échappée)


Nota escapada (échappée) é uma nota não harmônica e sem acentuação numa
resolução harmônica, externa ao intervalo que circunscreve a resolução e alcançada na
direção oposta à da resolução. Na Figura 5, exemplo gráfico da última palavra “pais” da
música Como nossos pais, interpretada por Elis Regina, onde há duas escapadas por salto
ascendente (vide também Ex. sonoro 30, no CD anexo).
104

Figura 5 – escapada em um trecho da música Como nossos pais

4.3.6.3.7 Mordente
Um tipo de ornamento que, na sua forma padrão, consiste numa rápida alternância
entre a nota principal e outra secundária um grau abaixo ou acima. Na Figura 6, exemplo
gráfico do trecho “ficar Odara”, da música Odara, interpretada por Caetano Veloso,
juntamente com o exemplo da nota improvisada (vide também Ex. sonoro 31, no CD
anexo).

4.3.6.4 Nota improvisada


Estamos utilizando esse termo para designar aquelas notas que não fazem parte da
melodia original e que não se encaixam nas definições de grupeto, apojatura, retardo,
escapada ou mordente. Na Figura 6, exemplo gráfico do trecho “ficar Odara”, da música
Odara, interpretada por Caetano Veloso:

Figura 6 – mordente e duas notas improvisadas em um trecho da música Odara

4.4 Buscando e definindo parâmetros

A determinação dos gestos vocais para análise e contabilidade surgiu como


conseqüência das audições das gravações dos três cantores selecionados: três canções
105

interpretadas por Elis Regina, três canções por Caetano Veloso e quatro por Milton
Nascimento, totalizando dez canções.
Apenas a partir das audições é que pudemos definir aqueles efeitos e ornamentos
que se faziam mais perceptíveis e singulares nos cantores. Usamos como referência para a
escolha dos parâmetros os trabalhos de Marta Andrada e Silva (2001), John Laver (1980) e
Alan Lomax (1968), além das entrevistas com os professores de canto.

4.4.1 Parâmetros de análise utilizados por outros autores

Dentre os aspectos da avaliação perceptivo-auditiva da voz cantada de Andrada e


Silva estão o CPFA (coordenação pneumofonoarticulatória), o pitch, o loudness, o ataque
vocal, a ressonância, a articulação, o registro, a tessitura, o brilho, a projeção e a qualidade
vocal usadas por intérpretes do samba. Todos esses aspectos possuem outras
subclassificações, totalizando 51 itens avaliados.
John Laver também faz uma análise interessante e minuciosa das possibilidades de
qualidades da voz falada e utiliza vinte e nove parâmetros isolados e algumas de suas
combinações resultando em quarenta tipos de voz. Ele as divide de acordo com as
configurações supralaringeas – qualidades definidas pelas posições da laringe (levantada ou
abaixada), dos lábios, da lingua, da mandíbula; velofaríngeas – voz nasalada ou denasalada;
laríngeas – separadas em modal, falsete, creak (fry), sussuro (whisper); e ainda as
categorias de voz tensa ou voz relaxada.
Para a tipificação de estilos vocais de diversas culturas, Alan Lomax utiliza trinta e
sete parâmetros analíticos, dentre musicais e etnográficos, nos quais se incluem o
portamento, o melisma, o trêmulo, a agitação glótica (glottal shake), a extensão (register), a
amplitude vocal (vocal width), a nasalização, a rascância (raspiness).
Optamos por utilizar em nossa análise apenas alguns dos termos utilizados pelos
autores supracitados porque nossos objetivos são distintos: procuramos as características
que podem ser consideradas recursos interpretativos a partir de três cantores, enquanto que
a intenção daqueles autores foi traçar uma tipologia da voz cantada ou falada num universo
bem mais abrangente. Por isso mesmo, eles analisaram grandes trechos 31 falados ou

31
Andrada e Silva e Lomax analisam canções inteiras, enquanto Laver analisa a voz numa frase completa.
106

cantados enquanto a nossa análise foi feita em unidades menores, como sílabas ou mesmo
fonemas isolados.

4.4.2 Parâmetros analíticos escolhidos

Como dissemos antes, a escolha dos parâmetros de expressão musical e das


categorias de análise foi feita a partir das audições, onde buscamos identificar os recursos
interpretativos adotados pelos cantores selecionados. Vale ressaltar que essa relação não se
esgota em si mesma já que certamente não compreende todas as possibilidades existentes.
Relacionamos aquelas pudemos identificar na nossa avaliação perceptivo-auditiva.
Os recursos só foram identificados porque de alguma forma se apresentavam como
novidade para a nossa percepção. Se algo soou “diferente” é porque havia uma expectativa,
um padrão esperado na forma de entoar, que não foi correspondida. Essas “novidades”
foram, portanto, considerados como ornamentos ou efeitos expressivos.

4.4.2.1 Pré-análise
O trabalho envolveu uma pré-análise, como um mapeamento, quando batizamos os
efeitos com nomes provisórios, a fim de agrupá-los. Apenas após ouvir as músicas diversas
vezes é que pudemos definir as características que seriam analisadas. Algumas delas foram,
inclusive, num primeiro momento, assinaladas como “não identificadas”, como, por
exemplo, alguns vibratos muito leves e efeitos aos quais nunca havíamos nos referido antes,
como o breque.

4.4.2.2 Nomes utilizados na literatura


Após identificar as ocorrências, buscamos na literatura sobre o assunto descrições
que se adequassem àqueles eventos, a fim de utilizar termos já conhecidos e assim facilitar
a sua compreensão. A maioria pôde ser incluída nesse grupo como o vibrato, o fry, o
falsete, o growl, a voz nasal, a voz falada, a voz tensa, a voz rouca, a voz com a laringe
abaixada, a voz com ar, a articulação (exagerada, cerrada ou pastosa), a variação
dinâmica, e os ornamentos como o portamento, a antecipação, o retardo, a apojatura, o
mordente, a nota de passagem, o grupeto e a escapada por salto ascendente.

4.4.2.3 Nomes criados


Outras ocorrências são fartamente conhecidas, porém, não encontramos suas
descrições nos estudos acadêmicos consultados. Procedemos então a uma “nomeação”
107

desses eventos, que são: a inspiração sonora, a expiração sonora com suas respectivas
categorias referentes à sua localização na sílaba (durante a emissão, no final da emissão e
no final com sussurro), o breque, a voz ful, a voz gritada, a voz “suja”, a nota
improvisada e o fonema alterado.

4.4.2.4 Identificação dos recursos pelas diferentes estratégias de produção


A partir da proposta de Laver (1980), também buscamos classificar os recursos
expressivos de acordo com suas estratégias de produção. A justificativa para o agrupamento
é que ele pode ser utilizado com fins de exemplificação e também, possivelmente, servir à
pedagogia. Submetendo a realidade a um tipo de organização, as estratégias possibilitam,
por exemplo, a criação de grupos de exercícios ou grupo de estudos, que podem depois ser
usados num método de ensino.
Identificamos cinco estratégias diferentes: as que ocorrem com o uso do som
respiratório, com a mudança de qualidade da voz, com manobras de intensidade ou
amplitude, com manobras articulatórias e com manobras melódicas e temporais.
A estratégia do uso do som respiratório, como o próprio nome sugere, é obtido a
partir de configurações do aparelho respiratório e incluem a inspiração sonora, a
expiração sonora e o breque.
A estratégia de mudança da qualidade da voz se faz com o uso de diferentes
registros e a variação dos parâmetros da produção vocal. Os registros são definidos a partir
dos diferentes mecanismos de vibração das pregas vocais, da prega ariepiglótica e dos
músculos cricotiroide e vocal. (SUNDBERG, J., 1987, p. 53). Já que o registro de peito é o
que predomina na interpretação do canto popular, assinalaremos apenas quando houver
alternância para os outros registros detectados, que são o falsete e o fry. A estratégia da
variação dos parâmetros da produção vocal compreende ajustes ao nível da laringe - nos
músculos extrínsecos (que definem a sua altura) e intrínsecos (a sua tensão) - do aparelho
respiratório (que define a pressão subglótica) e ajustes motores do trato vocal (que definem
as ressonâncias), e inclui o growl, a voz nasal, a voz falada, a voz tensa, a voz gritada, a
voz rouca, a voz “suja”, a voz com a laringe abaixada, a voz com ar e a voz ful.
A terceira estratégia, de manobras de intensidade ou amplitude, inclui a variação
dinâmica e o acento que são obtidas a partir da variação da pressão subglótica.
108

A estratégia das manobras articulatórias, a quarta delas, reflete as qualidades


definidas pela posição dos lábios, língua e da mandíbula e incluem a articulação,
subdividida em cerrada, pastosa ou exagerada, e o fonema alterado.
A última estratégia, chamada de manobras melódicas e temporais, se manifesta no
domínio da freqüência fundamental, que é determinada pela variação de tensão
(esticamento) das pregas vocais e, conseqüentemente, da sua espessura.
Fazem parte dessa classificação o vibrato, o portamento e os ornamentos que
podem ser representados na notação musical tradicional como a antecipação, o retardo, a
apojatura, o mordente, o grupeto, a escapada por salto ascendente, a nota de passagem e
a nota improvisada.

4.4.2.5 Efeitos e ornamentos isolados ou combinados


O trabalho de John Laver (1980, p.112) também nos deu o suporte para a
classificação dos gestos vocais de acordo com a possibilidade de ocorrência de forma
isolada ou combinada com outro. O autor utiliza três critérios para classificar os modos de
fonação: os modos de fonação que podem ocorrer sozinhos, como um modo simples; 2) os
modos de fonação que podem ocorrer em combinação com outro modo de fonação; e 3) os
modos de fonação que só podem ocorrer em modos compostos, e nunca como modos
simples, chamados de modos modificadores.
Adaptamos essa classificação de Laver para a seguinte:
1) os efeitos que podem ocorrer em combinação com outro efeito:
o vibrato, o portamento, a variação dinâmica, o acento, o fonema alterado, um dos três
modos de articulação (cerrada, pastosa ou exagerada), a expiração sonora durante a
emissão, um dos oito ornamentos melódicos (a apojatura, o retardo, a antecipação, o
mordente, o grupeto, a nota improvisada, a nota escapada, a nota de passagem), a voz
falada, a voz com ar. A voz de falsete pode ocorrer em combinação com a voz tensa ou da
voz com ar, do fry, da voz nasal, da vox gritada, da voz rouca, da voz suja e da voz com
a laringe abaixada. O breque pode vir acompanhado de uma mudança de qualidade
vocal para o fry ou para a voz falada e costuma vir acompanhado de um portamento e
variação dinâmica.
109

2) os efeitos que só podem ocorrer em modos compostos. O breque ocorre sempre


acompanhado de uma varição dinâmica e de um portamento. A voz gritada ocorre com
expiração sonora e uma forte dinâmica.
3) os efeitos que ocorrem apenas no final de uma sílaba ou fonema. São eles, o breque,
os modos de expiração sonora na finalização ou na finalização acompanhada de
suspiro e o portamento descendente final.
4) os efeitos que ocorrem apenas no ataque de uma sílaba ou fonema.
A inspiração sonora, a apojatura, o retardo, a antecipação.
5) os efeitos que se excluem entre si
A inspiração sonora exclui a antecipação e o retardo porque a primeira pressupõe uma
pausa entre as notas para ocorrer, o que inviabiliza a realização das duas últimas. O
retardo, a antecipação e a apojatura são incompatíveis entre si, mas podem ocorrer
concomitantemente com os outros efeitos do primeiro grupo. O fry e o growl excluem as
outras qualidades vocais. O falsete exclui a voz falada, a voz ful, o fry e o growl. Os
modos de articulação cerrada, exagerada e pastosa excluem-se entre si.

4.4.2.6 Esquema dos parâmetros de análise e categorias


Apresentamos, a seguir, um esquema dos parâmetros de análise e suas respectivas
categorias, separados por mecanismo de funcionamento:
110

SOM MUDANÇA NA MANOBRAS DE MANOBRAS MANOBRAS


RESPIRATÓRIO QUALIDADE INTENSIDADE OU ARTICULATÓRIAS MELÓDICAS E
DA VOZ AMPLITUDE TEMPORAIS
Inspiração Registros Variação dinâmica Articulação
Sonora - Fry - Exagerada
- Falsete ou Voz - Cerrada
de cabeça - Pastosa
Expiração Sonora Variação dos Acento Fonema alterado Ornamentos:
- Durante a parâmetros de - Vibrato
emissão produção vocal - Portamento
- Na finalização - Growl - Antecipação
- Na finalização - Voz nasal - Retardo
acompanhada de - Voz falada - Apojatura
suspiro - Voz tensa - Mordente
- Voz gritada - Escapada
- Voz rouca - Nota de
- Voz “suja” passagem
- Voz com a - Nota
laringe abaixada improvisada
- Voz com ar - Grupeto
- Voz ful
Breque

Quadro 1 - Esquema dos parâmetros e categorias utilizados nas análises


111

CAPÍTULO 5. MATERIAIS E MÉTODOS EMPREGADOS

Os efeitos e ornamentos já relatados, nomeados e descritos no Capítulo 4, foram


selecionados a partir de gravações de três intérpretes consagrados da MPB.
Alguns desses gestos vocais já haviam sido descritos em livros ou artigos
especializados ou sido mencionados nas entrevistas com os professores de canto. Outros
foram identificados e nomeados a partir das gravações, compondo assim um repertório de
efeitos utilizados por cada intérprete.
Numa primeira etapa, identificamos, através da audição das gravações, as categorias
e os parâmetros a serem analisados, que nos pareceram ser característicos do canto popular
brasileiro porque mapeam, pontuam e perfazem a interpretação.
Na segunda etapa, através de programas de computador, fizemos uma análise
acústica de algumas amostras selecionadas, medindo ou estimando variações de freqüência
e duração, além de número de ciclos, no caso dos vibratos.
Ao final de cada canção, contabilizamos os efeitos em cada canção e assim
pudemos verificar com que freqüência apareceram determinados gestos vocais em cada
canção, quais são suas características e ainda comparar com outras canções do mesmo
artista e de outros intérpretes.
Nosso método de análise tem como base alguns pontos da ferramenta metodológica
para a análise da música popular de Philip Tagg (2003). De acordo com a sugestão de Tagg,
realizamos a “lista de parâmetros de expressão musical”, estabelecemos os “musemas”,
realizamos comparações entre objetos e substituições hipotéticas.
A seguir, relatamos com mais detalhes nossa metodologia de trabalho.

5.1. Os cantores estudados e seus fonogramas

Apresentamos, a seguir, o processo de escolha do nosso objeto de estudo - os


intérpretes e as canções a serem analisadas – e de obtenção do material.

5.1.1 A escolha dos intérpretes

Os intérpretes escolhidos como objeto de nossa pesquisa foram três cantores


consagrados, considerados por uma determinada parcela da população como ícones da
música popular brasileira urbana há cerca de quatro décadas: Elis Regina, Caetano Veloso e
Milton Nascimento. Até hoje, são considerados como grandes nomes da nossa música e,
112

por isso mesmo, acreditamos que venham servindo de referência para os cantores da MPB e
influenciando novas gerações de intérpretes.
Apenas a título de ilustração, identificamos, a partir da pesquisa de Severiano e
Mello (1997), que os três também estão entre os cinco cantores mais tocados, entre os anos
de 1965 32 e 1985, período de maior projeção da MPB. Desse grupo, estariam a frente deles
apenas Roberto Carlos, que surge isolado na frente com trinta e oito gravações de sucesso e
Chico Buarque, com dezessete gravações. Milton Nascimento e Caetano Veloso tiveram
dezesseis e quinze gravações, respectivamente. Das mulheres, Elis Regina lidera com
dezoito gravações, com folga sobre a segunda colocada, Gal Costa, que tem doze.
Partimos da idéia de que cada um desses cantores representa uma escola, uma fonte
de padrões, de gestos vocais característicos. Será que, apesar da personalidade vocal de
cada cantor, há entre eles padrões em comum? Acreditamos que, ao detectar o número
máximo de “musemas”, poderemos compará-los e identificar paradigmas. Essa pequena
contribuição poderia ser um incentivo para a investigação, em pesquisas futuras, de
afinidades entre os procedimentos usados por eles e outros cantores.

5.1.2 Solicitação e autorização do canal de voz

A escolha de Milton Nascimento, Caetano Veloso e Elis Regina foi feita não só
pelos motivos apresentados anteriormente, como também por terem sido os que deram mais
pronta resposta ao nosso pedido. Solicitamos uma autorização dos próprios artistas ou
representantes legais para a utilização dos canais de voz de algumas gravações veiculadas
comercialmente para fins de pesquisa. Apenas a partir dessa autorização foi possível a
liberação do material solicitado por parte da gravadora responsável. A utilização do canal
de voz, livre de interferências de outros instrumentos musicais, permitiria que as análises
pudessem ser feitas com muito mais precisão.
Quanto às autorizações, observamos que as dificuldades de acesso muitas vezes
atribuídas aos artistas são, em parte, conseqüência da “barreira” de proteção formada por
seus representantes. A autorização de Caetano Veloso foi quase impossível por causa de
seu produtor que, apesar de se mostrar disposto a ajudar, alegava não conseguir, durante

32
O ano de 1965 marcou o primeiro de uma série de Festivais de Música, eventos que impulsionaram a
carreira desses três cantores, como a de muitos outros intérpretes e compositores, que integrariam o grupo
associado à sigla MPB.
113

seis meses, tocar no assunto com o cantor, já que “ele era muito ocupado”. À primeira
tentativa de contato direto por e-mail, endereço que conseguimos por outras vias que não o
do produtor, Caetano Veloso respondeu prontamente e ainda se disse muito interessado em
conhecer os resultados da nossa pesquisa. Também tentamos a autorização de Gal Costa
mas, após seis meses de insistência, não conseguimos ultrapassar a barreira de sua
empresária que, ao fim desse período, nos sugeriu que desistíssemos, o que realmente
fizemos. Maria Bethânia, também representada por sua empresária, foi muito atenciosa e
acessível mas, depois de solicitar amostras do material dos colegas, acabou negando a
autorização. Entendemos a apreensão em ceder a autorização e por isso mesmo valorizamos
tanto a decisão dos que concordaram em permitir a utilização desse material. Em primeiro
lugar porque essa opção é uma decisão pessoal. Depois, porque quando um cantor faz uma
gravação, em geral se atém ao resultado da sua voz acompanhada de todos os outros
aspectos que compõem uma execução musical, como instrumentos, reverbes e muito mais.
A audição da voz sem todo esse acompanhamento é comparável à exposição de um corpo
sem sua indumentária: todos os detalhes estão ali, expostos, sem disfarces.

5.1.3 A escolha das canções

A escolha das músicas também foi feita em parte pela disponibilidade das
gravadoras. No caso do Milton Nascimento, a pessoa responsável pela liberação legal nos
pediu que selecionássemos músicas do último disco lançado pelo artista, o Pietá (2002).
Procuramos aquelas que nos dessem uma amostra variada de recursos de interpretação.
Quanto aos outros dois artistas – Caetano Veloso e Elis Regina – o critério de escolha foi
entre as mais conhecidas ou as que tivessem muitas ornamentações ou ainda que estas
fossem bem perceptíveis.

5.1.4 O material obtido

Apesar da nossa solicitação de que os materiais fornecidos contivessem apenas o


canal de voz, que na maior parte foi atendida, algumas gravações vieram com vazamento
do som dos instrumentos, ou pela gravação da voz ter ocorrido simultaneamente à dos
instrumentos, ou pela gravação como um todo ter sido feita em show ao vivo. De Elis
Regina, obtivemos Como nossos pais, Black is beautiful, Madalena e Upa, neguinho. A
primeira está totalmente a capela, a segunda com um pouco de vazamento e as duas últimas
114

com bastante interferência. De Caetano Veloso, conseguimos Circuladô de Fulô, Fora da


Ordem, Gente, Odara, Tigresa e Jorge da Capadócia, tendo apenas duas últimas um pouco
de vazamento. De Milton Nascimento, talvez até por serem gravações mais recentes,
vieram todas com as vozes isoladas: Tristesse, Casa Aberta, Voa, bicho e Vozes do Vento.

5.1.5 O material analisado

Tentamos, na medida do possível, um equilíbrio entre a quantidade de material


analisado de cada cantor. Por isso, uma vez obtido todo o material, partimos para a escolha
das que seriam ou não analisadas.
O primeiro critério para a escolha das músicas foi as que estavam com menor
interferência de instrumentos. O segundo, as que julgamos que fossem mais conhecidas do
público, pelos motivos já apresentados.
Escolhemos três músicas de Elis Regina e Caetano Veloso e todas as quatro de
Milton Nascimento. Isso porque as canções obtidas de Milton Nascimento foram gravadas
em duo, trio ou quarteto com outras cantoras, o que reduziu em muito o universo passível
de análise.
De Elis Regina, foram analisadas Como nossos pais, Black is beautiful e Madalena.
De Caetano Veloso, Circuladô de Fulô, Fora da Ordem, e Odara. De Milton Nascimento,
Tristesse, Casa Aberta, Voa, bicho e Vozes do Vento.

5.2 Métodos empregados

Utilizamos para a análise três programas de computador. Todas as manipulações de


som foram feitas com o programa Praat. As edições, com o Cool Edit. Utilizamos o CDex
apenas para converter as gravações do CD em arquivo wave, que foi o primeiro
procedimento. Depois, transformamos o arquivo em mono, utilizando o programa Praat, e
novamente salvamos o arquivo em wave file. Em seguida, abrimos o arquivo no programa
Cool Edit e salvamos como Windows PCM (*.wav), onde finalmente pudemos fazer a
seleção e recorte dos arquivos. A manipulação dos sons, a extração de gráficos de curvas e
a verificação de intensidades e freqüências também foram feitos com o Praat. Explicamos
com detalhes a seguir.
115

5.2.1 Edição e segmentação de gravações com solos

Procedemos, inicialmente, a uma audição para o primeiro contato com os efeitos


utilizados. Nossa preocupação naquele momento era fazer um mapeamento para saber com
que gama de material trabalharíamos e em que nível de profundidade. Selecionamos,
recortamos e salvamos alguns trechos em arquivos próprios. Ao mesmo tempo, verificamos
a letra e a forma da música para indicar a exata localização do efeito, pois numa canção há
repetição de palavras pronunciadas com ornamentos diferentes em cada aparição.
Pretendíamos que os arquivos fossem identificados sem que precisássemos abri-los; por
isso, receberam o nome abrangente do ornamento e mais a localização na música, as duas
informações separadas por hífen. Por exemplo, “1 - efeito – na de Madalena”, indicava que
havia algum efeito na sílaba “na” da primeira palavra Madalena (o “1” que aparece no
início do nome) da canção homônima.
Já com o ouvido familiarizado, começamos a identificar as características que
seriam contempladas.
Percebemos, então, que os arquivos estavam muito pequenos. Para nós, que já
havíamos ouvido dezenas de vezes aquele trecho inserido na canção, ficava fácil perceber
do que estávamos falando. Era, inclusive, mais fácil ouvir apenas aquela sílaba pois não nos
distraíamos com os outros ornamentos contidos na mesma palavra: funcionava como um
zoom. Mas para alguém que ouvisse apenas aquele “micro-som”, ele não significava nada.
De posse dessa nova constatação, procedemos a um novo “recorte” de trechos
relevantes (características e ornamentos), agora um pouco maiores. Os tamanhos, aliás,
foram bem variáveis. Nosso primeiro critério foi separar de acordo com as respirações do
intérprete, para que nada fosse perdido. Porém, em alguns casos, tivemos que recortar antes
para evitar que o arquivo e o seu nome ficassem grandes demais, o que ocasionava
problemas no funcionamento do programa. Esses novos arquivos foram novamente salvos
em arquivos próprios e identificados com o nome do devido ornamento e da sua localização
na música. Assim, o arquivo de nome “1 – gliss asc le - Madalena”, significa que ele
contém um glissando ascendente na sílaba “le” na primeira palavra Madalena (o “1” que
aparece no início do nome) da canção homônima.
Para a obtenção dos resultados, contamos o número de sílabas de cada canção e a
incidência de cada gesto vocal. Pudemos então fazer uma análise de ocorrência mostrando,
116

por exemplo, que Elis Regina utiliza tantos vibratos em tantas sílabas. Ao final,
comparamos a ocorrência dos efeitos e ornamentos entre canções do mesmo intérprete e,
depois ainda, entre os intérpretes.

5.2.2 Análises: freqüência fundamental, extração de curvas de altura, duração

A extração da freqüência fundamental pode ser feita com o programa Praat,


simplesmente escolhendo o arquivo de som (“read from file”) e a opção “Edit”. Essa edição
representa não só a curva da freqüência fundamental, em azul, como de todo o espectro
sonoro, ao longo do tempo. Inserindo o cursor no local desejado da linha azul, o lado
esquerdo da tela fornece a freqüência em Hz, ou em semitons, da freqüência fundamental.
Marcando com o cursor o trecho desejado, verificamos o tempo da ocorrência de
determinado fenômeno.
Com essa opção, analisamos os vibratos e os portamentos. No caso dos vibratos,
para extrair a taxa, verificamos quantos ciclos completos são realizados em determinado
tempo. Para extrair a variação de extensão, verificamos a diferença em hertz ou em
semitons entre o ponto mais alto e o mais baixo de um ciclo completo.
Para analisar o portamento, o procedimento é semelhante. Verificamos a diferença
entre a freqüência do último momento de uma determinada altura para o primeiro momento
da altura seguinte. Depois, verificamos o tempo de duração dessa mudança de altura.
Para a confecção dos gráficos, buscamos uma opção que mostrasse apenas a curva
de alturas da freqüência fundamental, sem os desenhos dos formantes, a fim de que
ficassem mais inteligíveis visualmente. Submetemos o som ao “To manipulation”, “Extract
Pitch Tier” e “Edit”.

5.2.3 Sínteses: alteração de tempo para melhor percepção e exemplificação

As sínteses fazem parte do nosso “teste de conclusões através de substituição


hipotética”, sugerido por Tagg (2003). O programa Praat foi o que utilizamos para fazer
todas as manipulações de som.
Em busca de uma melhor percepção das ocorrências, exemplificação e mesmo a
tentativa de repetição para um possível treinamento, sugerimos a alteração de tempo da
execução do som. Com o Praat, selecionamos um trecho sonoro ou um ornamento,
preparamos para manipulação através da opção “manipulation”, marcamos “editar”. No
117

próprio gráfico gerado, estabelecemos a velocidade desejada com o cursor para finalmente
alterá-la através da opção “add duration point at cursor”.
Através da escuta, percepção e imitação, atenta aos detalhes que a repetição em
velocidade lenta propicia, acreditamos que possa ser uma opção para a aprendizagem.
118

CAPÍTULO 6. ESTUDOS DE CASO: TRÊS CANTORES

Neste capítulo, apresentamos os resultados das audições das gravações, onde


buscamos detectar os recursos interpretativos utilizados pelos cantores. Foi registrado tudo
o que nos “saltou aos ouvidos” e que parecesse expressivo, desde respirações, ornamentos,
mudanças de qualidade vocal, entre outros.
Tentamos, na medida do possível e apenas a título de comentário, sem nenhuma
pretensão analítica, associar o uso de alguns gestos vocais com sua respectiva carga
emocional transmitida pela letra, cientes da imprecisão e subjetividade ainda maior que
essa empreitada carrega.

6.1 Resultados das análises acústicas a partir dos três cantores

Nessa seção, fazemos uma descrição dos eventos ocorridos em cada canção, por
intérprete, procurando associar os efeitos utilizados ao contexto de sua letra.

6.1.1 Intérprete: Elis Regina

Analisamos três canções de Elis Regina: Black is beautiful, Como nossos pais e
Madalena.

6.1.1.1 Black is beautiful (de Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle)


Black is beautiful é uma música que fala da atração de uma mulher por um homem
negro. Ela exalta a doçura de sua beleza, enquanto a contrasta com a feiúra dos brancos, e
explicita seu desejo por “ele” que é “um Deus negro”, e que pode ser “do Congo” ou
“daqui”.
Por ser uma música que joga o tempo todo com a sedução e o desejo, apresenta
muitos recursos interpretativos (são 442 ornamentos e efeitos em 309 sílabas) como
suspiros, variações de dinâmica (67) e uma grande ocorrência de mudanças na qualidade
vocal (67), principalmente em fry que soma 38 ocorrências nos ataques e nas finalizações
de frases, além de onze em ful (uma qualidade vocal percebida apenas nessa canção
interpretada pela cantora), duas em growl, uma gritada, três roucas, uma suja, seis em
laringe abaixada, uma falada e quatro em sussurro.
É nessa canção que aparece nove incidências do breque, um efeito de interrupção
brusca na emissão seguida de respiração, realizada apenas por Elis Regina nessa canção e
na canção Madalena (onde ocorre apenas duas vezes).
119

São 128 portamentos (88 ascendentes, 34 descendentes e seis ascendentes seguidos


de descendentes), 64 vibratos, dezessete mordentes, dezesseis expirações sonoras (oito no
final simples e oito no final em suspiro), quatorze acentos, treze apojaturas, doze
inspirações sonoras, sete antecipações, seis retardos, dezenove notas improvisadas e três
escapadas com salto ascendente. (vide Quadro 2).

6.1.1.2 Como nossos pais (de Belchior)


Composta por Belchior e gravada por Elis Regina no ano de 1976, Como nossos
pais é uma canção irônica que critica a apatia e a postura conservadora dos jovens diante da
vida.
A interpretação de Elis Regina é arrebatadora e repleta de ornamentos e efeitos. São
410 em 543 sílabas. Há um predomínio de variações na dinâmica (217), indo do pianíssimo
ao fortíssimo em 40% das silabas. A qualidade vocal varia 58 vezes, contendo desde a voz
gritada (dezenove), até as vozes falada (dezenove), rouca (seis), fry (três), sussurrada
(duas), suja (quatro), tensa (quatro) e nasal (uma). A inspiração sonora ocorre antes de 39
palavras e a articulação exagerada ocorre em 28 sílabas. São ainda 116 portamentos (32
ascendentes, 66 descendentes e 18 ascendentes seguidos de descendentes), 91 vibratos, 45
expirações sonoras (quinze durante a emissão, dezessete no fim e nove no fim com
suspiro), 23 antecipações com portamento, dezessete acentos e retardos (treze com
portamento), nove notas improvisadas, oito apojaturas, três mordentes e duas escapadas
com salto ascendente. (vide Arquivo de Apresentação 1, no CD em anexo, e Quadro 2,
abaixo).

6.1.1.3 Madalena (de Ivan Lins e Ronaldo Monteiro de Souza)


Madalena fala de um grande amor que possivelmente não é muito bem sucedido e
que traz muita tristeza ao narrador (“o mar é uma gota comparada ao pranto meu”). Talvez
não seja plenamente correspondido ou esteja envolvido num triângulo amoroso (“o que é
meu não se divide, nem tampouco se admite quem do nosso amor duvide”).
Com 475 ornamentos e efeitos num total de 272 sílabas, Madalena, assim como a
outra canção de amor Black is Beautiful, apresenta muita variação de dinâmica (em 128
sílabas) e mudança de qualidade vocal (em 45), principalmente em fry que ocorre em 38
sílabas, seguida de quatro com voz rouca, uma com laringe abaixada e uma voz falada.
120

São 26 expirações sonoras (sete durante a emissão, dez no fim e nove no fim com
suspiro), 25 inspirações sonoras, 145 portamentos, 37 vibratos, 24 fonemas alterados, treze
retardos com portamento, doze apojaturas (sendo nove com portamento), oito antecipações
(sendo sete com portamento), seis mordentes, dois acentos, dois breques e uma nota
improvisada.
A seguir, o quadro com os efeitos e ornamentos utilizados por Elis Regina nas três
canções analisadas:
121

MÚSICA Black is Gestos/ Como Gestos/ Madalena Gestos/ Todas Gestos/


fonemas fonemas fonemas fonemas
Beautiful nossos
Pais
(%) (%) (%) (%)
Total de Total de Total de Total de
GESTOS VOCAIS fonemas: fonemas: fonemas: fonemas:
309 543 272 1124
VIBRATO 64 20,7 91 16,8 37 13,6 192 17,1
PORTAMENTO (total) 128 41,4 116 21,4 145 53,3 389 34,6
PORTAMENTO (ascendente) 91 29,4 41 7,5 81 29,8 213 18,9
PORTAMENTO (descendente) 11 3,5 50 9,2 50 18,4 111 9,8
PORTAMENTO (descendente final) 26 8,4 25 4,6 14 5,1 65 5,8
APOJATURA 13 4,2 6 1,1 12 4,4 31 2,7
RETARDO 6 1,9 17 3,1 13 4,8 36 3,2
ANTECIPAÇÃO 7 2,2 28 5,1 8 2,9 43 3,8
NOTA PASSAGEM 0 0 0 0 0 0 0 0
GRUPETO 0 0 0 0 0 0 0 0
NOTA ESCAPADA 3 0,9 2 0,3 0 0 5 0,4
MORDENTE 17 5,5 3 0,5 6 2,2 26 2,3
NOTA IMPROVISADA 20 6,4 6 1,1 1 0,3 27 2,4
INSPIRAÇÃO SONORA 12 3,9 39 7,2 25 9,2 76 6,7

EXPIRAÇÃO SONORA (total) 16 5,2 45 8,3 26 9,5 87 7,7


EXPIRAÇÃO SONORA (durante) 0 0 15 2,7 7 2,5 22 1,9
EXPIRAÇÃO SONORA (fim) 8 2,6 17 3,1 10 3,7 35 3,1
EXPIRAÇÃO SONORA (fim com
suspiro) 8 2,6 13 2,4 9 3,3 30 2,6
BREQUE 9 2,9 0 0 2 0,7 11 1
VARIAÇÃO DINÂMICA 67 21,7 217 40 128 47,1 412 36,6
ACENTO 14 4,5 17 3,1 2 0,7 33 2,9
ARTICULAÇÃO (total) 0 0 28 5,1 0 0 28 2,5
ARTICULAÇÃO (exagerada) 0 0 28 5,1 0 0 28 2,5
ARTICULAÇÃO (cerrada) 0 0 0 0 0 0 0 0
ARTICULAÇÃO (pastosa) 0 0 0 0 0 0 0 0
FONEMA ALTERADO 0 0 0 0 24 8,8 24 2,1
MUDANÇA DE QUALIDADE
VOCAL (total) 70 22,7 60 11,1 45 16,5 175 15,5
Voz em fry 38 12,3 3 0,5 38 14 79 7,0
Voz em falsete 3 0,9 2 0,3 0 0 5 0,4
Voz em growl 2 0,6 0 0 0 0 2 0,2
Voz nasal 0 0 1 0,2 0 0 1 0,1
Voz tensa 0 0 4 0,7 0 0 4 0,3
Voz gritada 1 0,3 19 3,5 0 0 20 1,8
Voz rouca 3 0,9 6 1,1 4 1,4 13 1,1
Voz suja 1 0,3 4 0,7 0 0 5 0,4
Voz com laringe abaixada 6 1,9 0 0 1 0,3 7 0,6
Voz com ar 4 1,3 2 0,3 0 0 6 0,5
Voz "ful" 11 3,5 0 0 0 0 11 1
Voz falada 1 0,3 19 3,5 2 0,7 22 1,9
TOTAL DE GESTOS VOCAIS 446 144 675 126 474 174 1595 141,9

Quadro 2 – Gestos vocais utilizados por Elis Regina em três canções e razão entre o
número de gestos e o número de fonemas, em percentuais.
122

6.1.2 Intérprete: Milton Nascimento

Analisamos quatro canções de Milton Nascimento: Casa Aberta, Tristesse, Vozes do


Vento e Voa Bicho.

6.1.2.1 Casa Aberta (de Flávio Henrique e Chico Amaral)


A “Casa Aberta” é uma canção alegre, que fala da tambuzada, uma festa em que
todos dançam, num local onde a natureza se destaca. O clima é de informalidade, todos
estão convidados (“a casa [está] aberta”), e Dona Mercês, que já não deve ser tão jovem
pelo tratamento de “dona”, “toca tambor”. Há poucas variações de “clima” e, portanto,
também de ornamentos como intensidade e mudança de qualidade vocal.
Num total de 63 sílabas, há 95 ornamentos, sendo 58 melódicos. O predomínio é
dos portamentos que aparecem 39 vezes, sendo quinze ascendentes, dezoito descendentes e
seis ascendentes seguidos de descendentes ou vice-versa. Além destes, há 26 vibratos, doze
antecipações, duas mudanças de qualidade vocal (voz suja), dois retardos, dois mordentes,
duas notas improvisadas, uma apojatura, um acento, quatro variações de dinâmica, uma
inspiração sonora e três expirações sonoras (todas no fim da emissão). (vide Quadro 3).

6.1.2.2 Tristesse (de Telo Borges e Milton Nascimento)


Tristesse foi gravada em duo por Milton Nascimento e a cantora Maria Rita, o que
fez com que o número de sílabas analisada ficasse bem reduzido. O total de sílabas em solo
do cantor é de 148, incluindo as vocalizações em “humm”.
Como o nome já insinua, é uma canção de amor, triste, que fala de separação e de
saudade. O andamento é mais lento do que o das outras músicas analisadas, interpretadas
por Milton. Essas duas características podem explicar a forte presença de mudanças na
qualidade vocal (38, enquanto em Casa Aberta foram apenas duas), sendo dezoito sujas,
nove fry, nove tensas, uma nasal e uma sussurrada, além de variações dinâmicas (25).
A grande predominância é de vibratos (91), seguida de portamentos (47, sendo
dezessete ascendentes, 22 descendentes e oito ascendentes seguidos de descendentes ou
vice-versa), vinte articulações (dezoito cerradas e uma pastosa), oito expirações sonoras
(cinco durante a emissão e três no fim) e o mesmo número de acentos, sete inspirações
sonoras e cinco fonemas alterados. Os outros ornamentos melódicos somam 22
123

antecipações, nove retardos, seis apojaturas, dois mordentes e notas improvisadas, uma nota
de passagem e um grupeto. (vide Quadro 3).

6.1.2.3 Vozes do vento (de Kiko Continentino e Milton Nascimento)


A canção é uma declaração de amor a uma mulher, talvez sua mãe ou madrinha, que
é motivo de muita alegria e que lhe “ensinou coisas belas” como cantar e viver a poesia.
Como é uma música alegre, num andamento não tão lento, proporcionalmente não
há tantos ornamentos e efeitos como nas outras canções. É a única, inclusive, em que o
número de sílabas analisadas (185) supera o de ornamentos e efeitos detectados (142).
Desses, 69 são portamentos (55 ascendentes, doze descendentes e dois ascendentes
seguidos de descendentes ou vice-versa), 37 vibratos, onze inspirações sonoras, dez
expirações sonoras (cinco durante a emissão e cinco no fim), cinco antecipações (quatro
com portamento) e cinco mudanças de qualidade vocal (duas tensas, duas em falsete, uma
suja), duas variações dinâmicas, duas notas improvisadas e uma apojatura. (vide Quadro 3).

6.1.2.4 Voa bicho (de Telo Borges e Márcio Borges)


Esta também é uma canção alegre, que descreve e compara o vôo e a liberdade de
um pássaro com a do próprio poeta.
Foram analisadas 108 sílabas da canção e detectados 112 ornamentos ou efeitos.
Desses, sessenta são portamentos (quatorze ascendentes, 24 descendentes e 22 ascendentes
seguidos de descendentes ou vice-versa), 21 vibratos, sete inspirações sonoras, seis
antecipações com portamento e o mesmo número de mordentes, três variações dinâmicas e
mudança de qualidade (para fry), duas apojaturas com portamentos, dois retardos com
portamentos, uma nota improvisada e uma expiração sonora.
A seguir, o quadro com os efeitos e ornamentos utilizados por Milton Nascimento
nas quatro canções analisadas:
124

MÚSICA Vozes
Casa Gestos/ Tristesse Gestos/ Voa Gestos/ Gestos/ Gestos/
fonemas fonemas fonemas fonemas
Todas fonemas
Aberta Bicho do
Vento

Total de (%) Total de (%) Total de (%) Total de (%) Total de (%)
GESTOS VOCAIS fonemas: fonemas: fonemas: fonemas: fonemas:
63 153 108 185 509
VIBRATO 26 41,3 91 59,5 21 19,4 37 20 175 34,4
PORTAMENTO (total) 39 61,9 47 30,7 60 55,5 69 37,3 215 42,2
PORTAMENTO (ascendente) 18 28,6 21 13,7 25 23,1 56 30,3 120 23,6
PORTAMENTO (descendente) 19 30,2 25 16,3 33 30,5 12 6,5 89 17,5
PORTAMENTO (descendente final) 2 3,2 1 0,6 2 1,8 1 0,5 6 1,2
APOJATURA 1 1,6 6 3,9 2 1,8 1 0,5 10 2
RETARDO 2 3,2 9 5,9 2 1,8 0 0 13 2,5
ANTECIPAÇÃO 12 19,0 22 14,4 6 5,5 5 2,7 45 8,8
NOTA PASSAGEM 0 0 1 0,6 0 0 0 0 1 0,2
GRUPETO 0 0 1 0,6 0 0 0 0 1 0,2
NOTA ESCAPADA 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
MORDENTE 2 3,2 2 1,3 6 5,5 0 0 10 2
NOTA IMPROVISADA 2 3,2 2 1,3 1 0,9 2 1,1 7 1,4
INSPIRAÇÃO SONORA 1 1,6 7 4,6 7 6,5 11 5,9 26 5,1
EXPIRAÇÃO SONORA (total) 3 4,8 8 5,2 1 0,9 10 5,4 22 4,3
EXPIRAÇÃO SONORA (durante) 0 0 5 3,3 1 0,9 5 2,7 11 2,2
EXPIRAÇÃO SONORA (fim) 3 4,8 3 2 0 0 5 2,7 11 2,2
EXPIRAÇÃO SONORA (fim com
suspiro) 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
BREQUE 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
VARIAÇÃO DINÂMICA 4 6,3 25 16,3 3 2,8 2 1,1 34 6,7
ACENTO 1 1,6 8 5,2 0 0 0 0 9 1,8
ARTICULAÇÃO (total) 0 0 20 13,1 0 0 0 0 20 3,9
ARTICULAÇÃO (exagerada) 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
ARTICULAÇÃO (cerrada) 0 0 18 11,8 0 0 0 0 18 3,5
ARTICULAÇÃO (pastosa) 0 0 2 1,3 0 0 0 0 2 0,4
FONEMA ALTERADO 0 0 5 3,3 0 0 0 0 5 1
MUDANÇA QUALIDADE VOCAL
(total) 2 3,2 38 24,8 3 2,8 5 2,7 48 9,4
Voz em fry 0 0 9 5,9 3 2,8 0 0 12 2,4
Voz em falsete 0 0 0 0 0 0 2 1,1 2 0,4
Voz em growl 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Voz nasal 0 0 1 0,6 0 0 0 0 1 0,2
Voz tensa 0 0 9 5,9 0 0 2 1,1 11 2,2
Voz gritada 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Voz rouca 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Voz suja 2 3,2 18 11,8 0 0 1 0,5 21 4,1
Voz com laringe abaixada 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Voz com ar 0 0 1 0,6 0 0 0 0 1 0,2
Voz "ful" 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Voz falada 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
TOTAL DE GESTOS VOCAIS 95 150,8 292 191 112 103,7 142 76,8 641 126

Quadro 3 – Gestos vocais utilizados por Milton Nascimento em quatro canções e razão
entre o número de gestos e o número de fonemas, em percentuais.
125

6.1.3 Intérprete: Caetano Veloso

Analisamos três canções interpretadas por Caetano Veloso: Circuladô de Fulô, Fora
da Ordem e Odara.

6.1.3.1 Circuladô de Fulô (de Caetano Veloso, sobre texto de Haroldo de Campos)
Circuladô de Fulô foi composta por Caetano Veloso sobre o poema “Circuladô de
Fulô”, do livro Galáxias, de Haroldo de Campos. A letra da canção nos remete à miséria
vivida pelo povo, possivelmente no Nordeste brasileiro, e o espírito de sobrevivência e
esperança, fazendo referência e comparação inclusive com o martírio vivido por Jesus
Cristo na cruz. Há alguns indícios dessa temática nas palavras e expressões utilizadas como
miséria, o sol a pino, o fim de festafeira, a ferrugem, o prego cego na palma da mão ao sol,
o nervo tenso, a magreza, a fome, a venda de cuias por magros cruzeiros, o povo
inventalinguas, o visgo do improviso e na idéia de que, mesmo com todo o sofrimento, no
fim ele acerta, reverte e conserta.
A temática da letra explica a forte presença da qualidade nasal - uma referência ao
sotaque nordestino, além da articulação exagerada e dos fonemas alterados, enfatizando a
letra e o sotaque resultando, em muitos momentos, num canto quase falado.
A canção tem 614 sílabas e 683 ocorrências de efeitos ou ornamentos. O recurso
mais utilizado por Caetano Veloso nessa música é a articulação exagerada, que é utilizada
em 188 sílabas, seguida pelas mudanças na qualidade vocal, que estão presentes em 155
sílabas. Destas, 72 são nasal, dezenove suja, trinta em laringe abaixada, vinte em sussurro,
oito em fry e seis faladas. Os outros efeitos muito usados são o acento (92), seguido dos
portamentos (61), os vibratos (48), os fonemas alterados (46), a inspiração sonora (31) e a
variação dinâmica (29). Com exceção dos portamentos, o intérprete não usa muitos
ornamentos melódicos nessa canção, tendo sido apenas nove retardos, quatro antecipações,
três apojaturas e uma mordente.
Dos 61 portamentos, 45 são ascendentes e dezesseis descendentes. Dos nove
retardos, todos ocorrem com portamento. Das dezesseis expiração sonora, quinze ocorrem
durante a emissão da sílaba e apenas uma após a mesma. (vide Quadro 4).
126

6.1.3.2 Fora da Ordem (de Caetano Veloso)


Composta nos anos 1980, Fora da Ordem faz uma crítica à perda de valores
humanitários acirrado ainda mais pelos efeitos da globalização que, por trás de um pretenso
desenvolvimento, reflete um aumento da desigualdade social dos países mais pobres. O
termo “nova ordem mundial”, foi usado pelo ex-presidente George Bush (1989-1993) para
designar a situação global após o fim da Guerra Fria, e exaltar as vantagens da
globalização, pela ótica dos países desenvolvidos. Porém, sabe-se que a produção e
distribuição de drogas é um dos principais problemas da situação mundial pós-globalização
e o narcotráfico movimenta bilhões de dólares por ano, perdendo apenas para o comércio
mundial de armas, já que numa economia mundial integrada a desregulamentação
financeira facilita a “lavagem” de dinheiro.
O tema dramático e a letra forte, expressiva e realista pode explicar o grande
número de sílabas com acentos e com a articulação exagerada, enfatizando a letra em tom
quase denunciatório.
Foram analisadas 562 sílabas dessa canção, que possuem 442 efeitos ou
ornamentos. Desses, 140 são portamentos, 118 acentos, 53 apresentam articulação
exagerada, quarenta vibratos, dezoito notas improvisadas, dezesseis inspirações sonoras,
onze mordentes, dez fonemas alterados, dez expirações sonoras, sendo nove durante e
apenas após a emissão do fonema, sete variações na dinâmica e sete apojaturas, dois
retardos e uma antecipação.
Dos portamentos, 62 são descendentes, 52 são ascendentes e 26 são ascendentes
seguidos de ascendentes ou vice-versa. Das sete apojaturas, seis ocorrem acompanhadas de
portamentos, assim como os dois retardos e a única antecipação. Há onze mudanças na
qualidade vocal, sendo sete sussurradas e quatro com a laringe abaixada. (vide Quadro 4).

6.1.3.3 Odara (de Caetano Veloso)


A canção Odara, lançada no disco Bicho, de Caetano Veloso, no ano de 1977, tem
uma letra que fala da simples vontade de estar e se sentir bem, que é o significado da
palavra odara, de origem africana. Numa época em que se ensaiava uma abertura política,
foi considerada por alguns como uma trégua dos manifestos ideológicos da esquerda da
época, e por outros como uma alienação burguesa.
127

Em 522 sílabas, o intérprete utiliza 746 efeitos ou ornamentos. Observamos que, por
não ser uma música com conteúdo de protesto ou com alguma força dramática, como as
outras duas, os recursos mais usados são outros, sendo concentrados principalmente nos
ornamentos melódicos. O grande predomínio é dos portamentos seguido dos vibratos, as
mudanças de qualidade vocal, a expiração sonora (45 no fim e 25 durante a emissão).
Não há tantos acentos (são 67 acentos contra 118 de Fora da Ordem e 92 de
Circuladô de Fulô) e nenhum fonema alterado ou alteração de articulação. Por outro lado,
há 238 portamentos contra 201 da soma das outras duas, 103 vibratos contra 88 das soma
das outras, 41 antecipações contra quatro de Circuladô de Fulô e apenas uma de Fora da
Ordem, trinta retardos contra onze da soma das outras duas, 57 mordentes contra doze da
somas das outras duas, e 24 apojaturas contra dez da soma das outras. Das 85 mudanças de
qualidade vocal, 58 são sujas, 26 nasal e há uma alternância para o falsete.
Não é possível afirmar com segurança, mas a alta ocorrência da qualidade suja
parece ser conseqüência de uma gripe ou resfriado, no momento da gravação. É
interessante observar que isso não tirou o mérito nem a qualidade da interpretação, mas
também não foi um empecilho para que ela acontecesse. Também observamos que a
qualidade nasal ocorria quando a freqüência da fundamental era bem alta, parecendo ser um
recurso para sua emissão.
Há também vinte variações na dinâmica, quatro notas improvisadas, três inspirações
sonoras e uma escapada por salto ascendente.
A seguir, o quadro com os efeitos e ornamentos utilizados por Caetano Veloso nas
três canções analisadas:
128

MÚSICA
Gestos/ Gestos/ Gestos/ Gestos/
Circuladô fonemas
Fora da fonemas Odara fonemas Todas fonemas
de Fulô Ordem

Total de (%) Total de (%) Total de (%) Total de (%)


GESTOS VOCAIS fonemas: fonemas: fonemas: fonemas:
614 562 522 1698
VIBRATO 48 7,8 40 7,1 103 19,7 191 11,2
PORTAMENTO (total) 61 9,9 140 24,9 238 45,6 439 25,8
PORTAMENTO (ascendente) 45 7,3 65 11,6 132 25,3 242 14,2
PORTAMENTO (descendente) 10 1,6 69 12,3 103 19,7 182 10,7
PORTAMENTO (descendente final) 6 1 6 1,1 3 0,6 15 0,9
APOJATURA 3 0,5 7 1,2 24 4,6 34 2
RETARDO 9 1,5 2 0,4 30 5,7 41 2,4
ANTECIPAÇÃO 4 0,6 1 0,2 41 7,8 46 2,7
NOTA PASSAGEM 0 0 0 0 0 0 0 0
GRUPETO 0 0 0 0 0 0 0 0
NOTA ESCAPADA 0 0 0 0 1 0,2 1 0,1
MORDENTE 1 0,2 11 2 57 10,9 69 4,1

NOTA IMPROVISADA 0 0 18 3,2 4 0,8 22 1,3

INSPIRAÇÃO SONORA 31 5 16 2,8 3 0,6 50 2,9


EXPIRAÇÃO SONORA (total) 16 2,6 10 1,8 70 13,4 96 5,6
EXPIRAÇÃO SONORA (durante) 15 2,4 9 1,6 25 4,8 49 2,9
EXPIRAÇÃO SONORA (fim) 1 0,2 1 0,2 45 8,6 47 2,8
EXPIRAÇÃO SONORA (fim com suspiro) 0 0 0 0 0 0 0 0
BREQUE 0 0 0 0 0 0 0 0
VARIAÇÃO DINÂMICA 29 4,7 7 1,2 20 3,8 56 3,3
ACENTO 92 15 118 21 67 12,8 277 16,3
ARTICULAÇÃO (total) 188 30,6 53 9,4 0 0 241 14,2
ARTICULAÇÃO (exagerada) 188 30,6 53 9,4 0 0 241 14,2
ARTICULAÇÃO (cerrada) 0 0 0 0 0 0 0 0
ARTICULAÇÃO (pastosa) 0 0 0 0 0 0 0 0
FONEMA ALTERADO 45 7,3 10 1,8 0 0 55 3,2
MUDANÇA QUALIDADE VOCAL
(total) 155 25,2 11 2 85 16,3 251 14,8
Voz em fry 8 1,3 0 0 0 0 8 0,5
Voz em falsete 0 0 0 0 1 0,2 1 0,1
Voz em growl 0 0 0 0 0 0 0 0
Voz nasal 72 11,7 0 0 26 5 98 5,8
Voz tensa 0 0 0 0 0 0 0 0
Voz gritada 0 0 0 0 0 0 0 0
Voz rouca 0 0 0 0 0 0 0 0
Voz suja 19 3,1 0 0 58 11,1 77 4,5
Voz com laringe abaixada 30 4,9 4 0,7 0 0 34 2
Voz com ar 20 3,3 7 1,2 0 0 27 1,6
Voz "ful" 0 0 0 0 0 0 0 0
Voz falada 6 1 0 0 0 0 6 0,3
TOTAL DE GESTOS VOCAIS 682 111,1 444 79 743 142,3 1869 110,1

Quadro 4 – Gestos vocais utilizados por Caetano Veloso em três canções e razão entre
o número de gestos e o número de fonemas, em percentuais.
129

6.2 Comparando os três cantores


A seguir, comparamos os gestos vocais utilizados por cada cantor e a freqüência
com que aparecem na interpretação de cada um.
INTÉRPRETE CAETANO ELIS MILTON TODOS
Gestos/ Gestos/ Gestos/ Gestos/
VELOSO fonemas REGINA fonemas NASCIMENTO fonemas fonemas
GESTOS VOCAIS Total de Total de Total de Total de
fonemas: (%) fonemas: (%) fonemas: (%) fonemas (%)
1698 1124 509 3331
VIBRATO 191 11.2 192 17,1 175 34,4 558 16,9
PORTAMENTO (total) 439 25.8 389 34,6 215 42,2 1043 31,3
PORTAMENTO (ascendente) 242 14,2 213 18,9 120 23,6 575 17,3
PORTAMENTO (descendente) 182 10,7 111 9,9 89 17,5 382 11,5
PORTAMENTO (descendente final) 15 0,9 65 5,8 6 1,2 86 2,6
APOJATURA 34 2 31 2,7 10 2 75 2,2
RETARDO 41 2,4 36 3,2 13 2,5 90 2,7
ANTECIPAÇÃO 46 2,7 43 3,8 45 8,8 134 4,0
NOTA PASSAGEM 0 0 0 0 1 0,2 1 0,03
GRUPETO 0 0 0 0 1 0,2 1 0,03
NOTA ESCAPADA 1 0,1 5 0,4 0 0 6 0,2
MORDENTE 69 4,1 26 2,3 10 2 105 3,1
NOTA IMPROVISADA 22 1,3 27 2,4 7 1,4 56 1,7
INSPIRAÇÃO SONORA 50 2,9 76 6,8 26 5,1 152 4,6
EXPIRAÇÃO SONORA (total) 96 5,6 87 7,7 22 4,3 205 6,1
EXPIRAÇÃO SONORA (durante) 49 2,9 22 2 11 2,2 82 2,5
EXPIRAÇÃO SONORA (fim) 47 2,8 35 3,1 11 2,2 93 2,8
EXPIRAÇÃO SONORA (fim com suspiro) 0 0 30 2,7 0 0 30 0,9
BREQUE 0 0 11 1 0 0 11 0,3

VARIAÇÃO DINÂMICA 56 3,3 412 36,6 34 6,7 502 15,1


ACENTO 277 16.3 33 2,9 9 1,8 319 9,6
ARTICULAÇÃO (total) 241 14.2 28 2,5 20 3,9 289 8,7
ARTICULAÇÃO (exagerada) 241 14,2 28 2,5 0 0 269 8,1
ARTICULAÇÃO (cerrada) 0 0 0 0 18 3,5 18 0,5
ARTICULAÇÃO (pastosa) 0 0 0 0 2 0,4 2 0,1

FONEMA ALTERADO 55 3,2 24 2,1 5 1 84 2,5

MUDANÇA QUALIDADE VOCAL (total) 251 14,8 175 15,6 48 9,4 474 14,2
Voz em fry 8 0,5 79 7 12 2,4 99 3
Voz em falsete 1 0,1 5 0,4 2 0,4 8 0,2
Voz em growl 0 0 2 0,2 0 0 2 0,1
Voz nasal 98 5,8 1 0,1 1 0,2 100 3
Voz tensa 0 0 4 0,4 11 2,2 15 0,4
Voz gritada 0 0 20 1,8 0 0 20 0,6
Voz rouca 0 0 13 1,2 0 0 13 0,4
Voz suja 77 4,5 5 0,4 21 4,1 103 3,1
Voz com laringe abaixada 34 2 7 0,6 0 0 41 1,2
Voz com ar (sussurrada) 27 1,6 6 0,5 1 0,2 34 1
Voz "ful" 0 0 11 1 0 0 11 0,3
Voz falada 6 0,3 22 2 0 0 28 0,8

TOTAL DE GESTOS VOCAIS 1869 110,1 1595 141,9 641 125,9 4105 123,2

Quadro 5 – Gestos vocais utilizados por Caetano Veloso, Elis Regina e Milton
Nascimento em dez canções e razão entre o número de gestos e o número de fonemas,
em percentuais.
130

6.2.1 Efeitos e ornamentos mais utilizados por cada um

Os recursos mais utilizados por Elis Regina são em primeiro lugar a variação
dinâmica e o portamento, seguidos do vibrato e da mudança na qualidade vocal, sendo
que em Black is Beautiful, a variação dinâmica e a qualidade vocal ocorrem na mesma
quantidade de vezes. A inspiração e expiração sonoras também são muito utilizadas pela
cantora.
Milton Nascimento utiliza mais vezes o portamento e o vibrato. Depois desses, os
recursos mais utilizados variam de uma música para outra. A inspiração sonora que é
muito freqüente nas músicas Voa Bicho e Vozes do Vento – estão entre os três mais usados
– não é tanto em Casa Aberta (está entre os sete) e Tristesse (entre os nove). A
antecipação está entre os três mais usados em Casa Aberta, entre os quatro em Voa Bicho
e entre os cinco em Tristesse e Vozes do Vento. A variação dinâmica está entre os quatro
mais usados em Casa Aberta e Tristesse, mas entre os cinco em Voa Bicho e entre os sete
em Vozes do Vento.
Caetano Veloso é o que apresenta maior variação entre os recursos mais utilizados.
Considerando o total das três músicas analisadas, estão entre os primeiros, o portamento, a
articulação, o acento e a mudança de qualidade vocal. No entanto, em Odara não foi
observada nenhuma articulação exagerada, pastosa ou cerrada e o acento aparece em
quinto; em Circuladô de Fulô, o portamento aparece em quarto lugar, e em Fora da
Ordem a qualidade vocal aparece em oitavo. O vibrato, que em Odara é o segundo
recurso mais usado, é o quarto em Fora da Ordem e o quinto em Circuladô de Fulô.

6.2.2 Semelhanças entre os três cantores

Considerando todas as músicas interpretadas pelos cantores, Elis Regina utiliza


efeitos e ornamentos em cerca de 142% das sílabas, contra 125% de Milton Nascimento e
110% de Caetano Veloso. Ou seja, todos utilizam mais de um ornamento ou efeito por
silaba.
Considerando o total de todas as músicas de todos os cantores (3331 sílabas), a
ordem dos mais usados é o portamento que ocorre em quase um terço das sílabas (em
1043, ou 31,3%), o vibrato (em 558 sílabas, ou 16,9%), a variação dinâmica (502 sílabas,
ou 15,1%), a mudança de qualidade vocal (474 sílabas, ou 14,2%), o acento (319 sílabas,
131

ou 9,6%), a articulação exagerada (269 sílabas, ou 8,1%), a expiração sonora (205, ou


6,1%), a inspiração sonora (152 sílabas, ou 4,5%), a antecipação (134 sílabas, ou 4%), o
mordente (105 sílabas, ou 3,1%), o retardo (90 sílabas, ou 2,7%), o fonema alterado (84,
ou 2,5%) e a apojatura (75 sílabas, ou 2,2%).
Considerando que a apojatura, o retardo e a antecipação ocorrem somente no
ataque da sílaba ou fonema, através de sua soma (em 299 sílabas), concluímos que pelo
menos 9% dos ataques apresentam um desses ornamentos.
Já que a inspiração sonora também ocorre apenas antes de palavra ou fonema, a
freqüência de 4,6% - que foi calculada sobre o total de sílabas das canções - poderia ser
aumentada em muito se fossem consideradas apenas as sílabas iniciais das palavras.

6.2.3 Diferenças entre os três cantores

Nas canções analisadas, Elis é a única a utilizar efeitos como a expiração com
suspiro (trinta ocorrências), o breque (onze ocorrências) e a qualidade de voz ful (onze
ocorrências). Milton, por sua vez, é o único a utilizar o grupeto e a nota de passagem.
A nota escapada acompanhada de mudança da qualidade vocal para a voz de
falsete também é um recurso que aparece principalmente na interpretação de Elis, cinco
vezes, contra apenas uma de Caetano Veloso e nenhuma em Milton Nascimento. Os outros
efeitos e ornamentos são utilizados, com maior ou menor freqüência, por todos os
intérpretes.
A inspiração sonora é utilizada por Caetano com menor freqüência (2,9% das
sílabas) do que por Milton (5,1%) e Elis (6,8%).
Caetano Veloso é o que utiliza com maior freqüência o acento e a articulação
exagerada. O acento aparece em 16,3% das sílabas ou fonemas de suas canções, enquanto
que Elis Regina as utiliza em 2,9% e Milton Nascimento em 1,8%. A freqüência de uso da
articulação exagerada em Caetano é de 14,2%, contra 2,5% de Elis Regina e nenhuma de
Milton.
A variação dinâmica é o efeito mais usado por Elis Regina, e está presente em
mais de um terço das canções (36,6% das sílabas ou fonemas). A proporção cai para 6,7% e
3,3%, nas interpretações de Milton Nascimento e Caetano Veloso, respectivamente.
132

O vibrato é utilizado com maior freqüência por Milton Nascimento, que lança mão
desse ornamento em 34,4% das sílabas ou fonemas, contra 17,1% de Elis Regina e 11,2%
de Caetano Veloso.
O portamento é mais utilizado por Milton Nascimento, em 42,2% das sílabas ou
fonemas, seguido de Elis Regina, em 34,6%, e Caetano Veloso, em 25,8%.
A mudança de qualidade vocal é realizada com mais freqüência por Elis Regina
(15,1% das sílabas) e Caetano Veloso (14,7%), embora também esteja presente na
interpretação de Milton Nascimento (9%).

6.3 Efeitos e ornamentos que aparecem combinados

Foi observado que, muitas vezes, uma conjunção de gestos vocais ocorre
simultaneamente.
Uma delas está presente em alguns finais de frase, principalmente na interpretação
de Elis Regina, quando há uma diminuição de intensidade. Juntamente com essa variação
dinâmica ocorre uma queda de freqüência resultando em portamentos, às vezes longos e
de grande amplitude. Essa queda de freqüência chega a um nível que altera a qualidade
vocal, em geral para um fry ou para a voz falada. E, na finalização, pode ocorrer ainda uma
expiração sonora. Algumas vezes, soa como se aquela nota inicial fosse emitida e
“largada”, como num arremesso. Como não há sustentação, a nota acaba por diminuir
intensidade e freqüência (vide Ex. sonoro 32, no CD anexo).
O breque, encontrado apenas nas músicas interpretadas por Elis Regina, muitas
vezes vem seguido de uma expiração sonora, quase sempre com um suspiro. Das nove
ocorrências do breque em Black is beautiful, sete são seguidas de suspiro, e os dois
breques em Madalena estão combinados com o suspiro. (vide Exs. sonoros 16 e 17, no
CD anexo).
A nota escapada muito aguda, que vem combinada com uma mudança da
qualidade vocal para a voz de falsete, é um ornamento já conhecido na música popular e
foi realizada por Caetano Veloso, uma única vez, e por Elis Regina cinco vezes, o que
representa o total das notas escapadas encontradas nas análises. (vide Ex. sonoro 30, no CD
anexo).
É interessante observar também que os portamentos acompanham grande parte das
antecipações, apojaturas e retardos. Das 134 antecipações executadas, noventa ocorrem
133

com portamento (67%). Cinqüenta e cinco das 75 apojaturas encontradas ocorrem


acompanhadas de portamento (73%) e 66 delas são ascendentes. Das noventa ocorrências
do retardo, 71 ocorrem acompanhadas de portamento (79%). (vide Ex. sonoro 33, no CD
anexo)
Há várias sílabas onde ocorre um portamento ascendente seguido de descendente
ou vice-versa. Na canção Fora da Ordem, são 26 desse tipo em 140 portamentos; em
Odara, são 68 em 238; em Como nossos Pais, são dezoito em 116; em Madalena são 56 em
145; em Casa Aberta são seis em 39; em Tristesse são oito em 47; em Voa Bicho são 22
em sessenta. (vide também Ex. sonoro 34, no CD anexo)

6.4 Algumas características dos vibratos analisados

Analisamos dez exemplos de vibratos, dentre os quais alguns que, auditivamente,


percebemos como possuindo alguma característica diferente, ou por serem aparentemente
muito leves ou muito fortes ou irregulares.

6.4.1 O vibrato de Caetano Veloso

Analisamos doze vibratos efetuados por Caetano Veloso. (vide Arquivo de


Apresentação 2). Dez deles possuem uma taxa de vibrato entre 5,1c/s a 6,8 c/s e os outros
dois encontram-se nos extremos, apresentando uma taxa de vibrato bem diferente dos
demais: 4,3 c/s e 8,7 c/s, respectivamente. A diferença, portanto, entre a taxa de vibrato
mais baixa e a mais alta é de 4,4c/s.
Dos doze analisados, em três deles o cantor utiliza o recurso de sustentar a nota sem
vibrato e depois introduzir o vibrato. No primeiro, a nota lisa ocorre durante 0,4s e o
vibrato em outros 1,2s (vide Ex. sonoro 35, no CD anexo). No segundo, a nota sem vibrato
ocupa 0,3s da emissão e o vibrato os outros 1,3s (vide Figura 7, abaixo, e Ex. sonoro 36, no
CD anexo). No último, a nota lisa permanece por 0,5s e o vibrato em 1,8s (vide Ex. sonoro
37, no CD anexo).
134

Figura 7 – Vibrato de Caetano Veloso antecedido por nota lisa e finalizado com diminuição da
taxa e aumento da extensão

Sete vibratos analisados apresentam uma alteração de taxa de vibrato na sua


finalização (vide Figura 7, acima, e a seção 6.6.1.3).
A média de taxa de vibrato de todos os vibratos do cantor analisados é de 6,1 c/s.
As extensões dos vibratos de Caetano Veloso variam bastante. A menor é 0,7st e a
maior é 2,3st (diferença de 1,6st). Oito deles, porém, estão entre 0,7 e 1,4 semitons. A
média do total é 1,4 st.
TAXA DE EXTENSÃO
DURAÇÃO
LOCALIZAÇÃO CANTOR VIBRATO DO VIBRATO
(segundos)
(ciclos p/ segundo) (semitom)
"Deu" (A2 de “Circuladô”) Caetano Veloso 0,5 4,3 1,5
“Pe” (A3 de “Fora da Ordem”) Caetano Veloso 0,6 5,1 2,3
“Jor” (A2 de “Fora da Ordem”) -
Caetano Veloso 1,2 6,2 1,3
nota lisa: 0,4s
"Men" (B3 de “Circuladô”) Caetano Veloso 1 6 1,6
“Car” (primeira vez de “Odara”) Caetano Veloso 0,5 6,1 1,7
“Sol” (B2 de “Circuladô”) - nota
Caetano Veloso 1,3 6,1 0,9
lisa: 0,34s.
“Pi" (B1 de “Circuladô”) - nota lisa:
Caetano Veloso 1,8 6,1 1,3
0,52s
"Dá" (A2 de “Circuladô”) Caetano Veloso 1 6,6 1,4
“Or” (B2 de “Fora da Ordem”) Caetano Veloso 0,4 6,8 1,2
“Sa” (terceira vez de “Odara”) Caetano Veloso 0,3 8,7 0,7
“Sol” (B1 de “Circuladô”) Caetano Veloso 2,1 6,2 1,4
“Rá” (A1 de “Circuladô”) Caetano Veloso 0,9 5,7 1,4
Caetano Veloso Média 1 6,1 1,4

MÉDIA DOS TRÊS CANTORES 1,2 6 1,3

Quadro 6 – Exemplos de vibratos utilizados por Caetano Veloso


135

6.4.2 O vibrato de Milton Nascimento

Analisamos onze vibratos do Milton Nascimento (vide Arquivo de Apresentação 3,


no CD anexo), dos quais nove variam em taxa de vibrato entre 5,3c/s e 6,7c/s e dois
apresentam uma taxa de 7,5c/s. A diferença entre a taxa de vibrato mais baixa e a mais alta
é de 2,2c/s.
Assim como em alguns vibratos do Caetano Veloso, notamos uma mudança na taxa
de vibrato de Milton Nascimento em suas finalizações (vide 6.6.1.3).
A média de taxa de vibrato de todos os vibratos do cantor analisados é, como a de
Caetano Veloso, de 6,1c/s.
Não detectamos, nos vibratos analisados, os ataques em nota lisa seguidos do
vibrato. Todos eles iniciaram-se imediatamente após o ataque do som.
Se forem considerados os valores mais baixo e mais alto, as extensões dos vibratos
de Milton Nascimento variam mais ainda que as de Caetano Veloso: entre 0,5st a 2,9st
(diferença de 2,4st). Porém, oito deles estão entre 0,7st e 1st. A média do total é 1st.

TAXA DE EXTENSÃO
DURAÇÃO
LOCALIZAÇÃO CANTOR VIBRATO DO VIBRATO
(segundos)
(ciclos p/ segundo) (semitom)
“Bor” (A2 de “Casa Aberta”) Milton Nascimento 1,8 5,3 0,7
“Flor” (A2 de “Casa Aberta”) Milton Nascimento 1,1 5,4 1
“Dan” (A2 de “Casa Aberta”) Milton Nascimento 0,5 5,4 0,8
“Ta” (de “festa”, em A2 de “Casa
Milton Nascimento 0,5 5,4 1
Aberta”)
“Gou” (A1 de “Casa Aberta”). Milton Nascimento 0,4 5,7 2,9
“Ro” (de “Ramiro”, em A2 de
Milton Nascimento 1,2 7,5 0,9
“Casa Aberta”)
“Breu” (A1 de “Casa Aberta”) Milton Nascimento 1,9 6,7 0,7
“Mou” (A1 de “Casa Aberta”) Milton Nascimento 0,5 6,4 1,5
“Na” (A2 de “Casa Aberta”). Milton Nascimento 0,6 6,6 0,8
“O” (de “rio”, em A2 de “Casa
Milton Nascimento 0,7 7,5 0,6
Aberta”)
“Do” (de "tudo", no final de “Vozes Milton Nascimento 3,2 5,3 0,5
do Vento”).
Milton Nascimento Média 1,1 6,1 1
MÉDIA DOS TRÊS CANTORES 1,2 6 1,3

Quadro 7 – Exemplos de vibratos utilizados por Milton Nascimento


136

6.4.3 O vibrato de Elis Regina

Analisamos dez vibratos de Elis Regina (vide Quadro 8, abaixo, e Arquivo de


Apresentação 4, no CD anexo). Oito deles têm uma taxa igual ou menor que 6,1c/s, sendo
que a taxa menor é de 5,2c/s. Os outros dois apresentam taxa de vibrato bem maior, de 7c/s
e 7,5c/s. A diferença entre a taxa de vibrato mais baixa e a mais alta é, portanto, de 2,3c/s.
Em três deles, a cantora utiliza o recurso de sustentar a nota sem vibrato e depois de
um tempo introduzir o vibrato. No primeiro, a nota lisa ocorre durante 1,3s e o vibrato em
outros 2,4s (vide Ex. sonoro 38, no CD anexo). No segundo, a nota sem vibrato ocupa 0,6s
da emissão e o vibrato os outros 2,3s (vide Ex. sonoro 39, no CD anexo). No último, a nota
lisa permanece por 0,8s e o vibrato em 1,3s (vide Figura 8, abaixo, e Ex. sonoro 40, no CD
anexo).

Figura 8 – Vibrato de Elis Regina, antecedido por nota lisa e finalizado com aumento da taxa
e diminuição da extensão

Assim como em alguns vibratos do Caetano Veloso e do Milton Nascimento,


notamos uma mudança na taxa de vibrato de Elis Regina em suas finalizações (vide
6.6.1.3).
A média de taxa de vibrato de todos os vibratos da cantora analisados é de 5,9c/s,
um pouco abaixo da média dos outros dois cantores que é de 6,1c/s. Se ainda forem
desconsiderados os dois vibratos que fogem da média-padrão, a média dos outros oito cai
para 5,6c/s.
A extensão dos vibratos de Elis Regina varia entre 0,8st e 2,3st. (diferença de 1,5st).
Seis deles, porém, estão entre 1,3 e 1,7 semitons. A média do total é 1,4st.
137

TAXA DE EXTENSÃO
DURAÇÃO
LOCALIZAÇÃO CANTOR VIBRATO DO VIBRATO
(segundos)
(ciclos p/ segundo) (semitom)
“Ful1” (B1 de “Black is beautiful”) Elis Regina 1,1 5,4 1,5
“Black” (B5 de “Black is beautiful”) Elis Regina 3,1 5,2 1,4
“Black1” (B1 de “Black is
Elis Regina 2,4 5,4 1,2
beautiful”) - nota lisa: 1,3s
“Black5" (B3 de “Black is
Elis Regina 2,3 5,5 1,6
beautiful”) - nota lisa: 0,6s
“Ful4” (B2 de “Black is beautiful”) Elis Regina 2,5 5,4 1,7
“Ful3” (B2 de “Black is beautiful”) Elis Regina 2 6 1
“Ful2” (B1 de “Black is beautiful”) Elis Regina 1,2 5,7 2,3
“Black2” (B1 de “Black is
Elis Regina 1,3 6,1 1,6
beautiful”) - nota lisa: 0,8s
“Cos” (de “Como nossos
Elis Regina 0,3 7 1,5
Pais”).
“A” (de “pessoa”, de “Como
Elis Regina 0,4 7,5 0,8
nossos Pais”)
Elis Regina Média 1,6 5,9 1,4
MÉDIA DOS TRÊS CANTORES 1,2 6 1,3

Quadro 8 – Exemplos de vibratos utilizados por Elis Regina

6.5 Algumas características dos portamentos analisados

Apesar dos portamentos ascendentes serem em maior número nas músicas


analisadas, a proporção entre eles é de 575 ascendentes para 468 descendentes, sendo que,
destes, 382 ocorrem no meio de uma palavra ou frase e 86 no final.
Dos 73 portamentos mais flagrantes, a maioria (52) tem até vinte semitons por
segundo - 23 entre um e cinco semitons por segundo, dezesseis entre seis e dez e treze entre
dezesseis e vinte semitons por segundo. Apenas oito deles tem mais que 26 semitons por
segundo. Nove portamentos apresentaram uma taxa maior que 25 semitons por segundo,
sendo sete deles descendentes que ocorrem na finalização de uma frase ou palavra.
A média dos portamentos analisados é de 3,5 semitom ou pouco menos que dois
tons.
138

Ex. Cantor Trecho Direção Amplitude Tempo Taxa de


(st) (s) portamento
(st/s)
1 Elis Regina black4 (1/6) Asc 2,3 0,2 9,8
2 Elis Regina black4 (2/6) Desc 0,5 0,2 1,9
3 Elis Regina black4 (3/6) Asc 0,9 0,5 1,9
4 Elis Regina black4 (4/6) Desc 1 0,7 1,5
5 Elis Regina black4 (5/6) Asc 1,1 0,5 2,1
6 Elis Regina black4 (6/6) Desc 1,4 0,7 2,1
7 Elis Regina beau 7 Asc 2,2 0,5 4,5
8 Elis Regina black8 (1/4) asc 4,2 0,5 8,4
9 Elis Regina black8 (2/4) desc 1,2 0,5 2,2
10 Elis Regina black8 (3/4) asc 1,3 0,6 2,3
11 Elis Regina black8 (4/4) desc 0,7 0,3 2,2
12 Elis Regina black10 (1/4) asc 1,5 0,2 9,4
13 Elis Regina black10 (2/4) desc 0,3 0,1 2,7
14 Elis Regina black10 (3/4) asc 1 0,4 2,4
15 Elis Regina black10 (4/4) desc 1 0,6 1,8
16 Elis Regina cedo1-cor asc 1,4 0,5 3,1
17 Elis Regina cedo2-cor asc 1,6 0,3 6,3
18 Elis Regina integre2-peu (1/3) desc 0,6 0,3 2
19 Elis Regina integre2-peu (2/3) asc 1,1 0,8 1,2
20 Elis Regina 1 - feito asc 3,8 0,2 17,5
21 Elis Regina 2 - vc q ama desc 6,6 0,2 32,9
22 Elis Regina 2 - passado desc 1,8 0,1 13,7
23 Elis Regina 5 - como asc 2 0,3 5,8
24 Elis Regina pergunta desc 3,3 0,1 23,9
25 Elis Regina quadro desc 1,5 0,4 4,2
26 Elis Regina estou desc 2,6 0,2 10,6
27 Elis Regina abraçar desc 3,9 0,2 16,4
28 Elis Regina vc (me perg) asc 4,4 0,2 19,3
29 Elis Regina dói desc 4,2 0,4 9,5
30 Elis Regina eu (sei) desc 2,3 0,3 8,1
31 Elis Regina metal desc 3,7 0,2 17,5
32 Elis Regina novo desc 4,2 0,4 9,3
33 Elis Regina vento desc 7,7 0,3 25
34 Elis Regina inventando desc 7,6 0,4 20,6
35 Elis Regina irmão desc 5,7 0,3 18,5
36 Elis Regina gota 1 (go) desc 5,3 0,2 23,1
37 Elis Regina mar asc 1,1 0,2 4,8
38 Elis Regina gota desc 10,3 0,4 25,8
39 Elis Regina peito 2 asc 1,1 0,4 2,9
40 Elis Regina Madalena desc 5,7 0,2 23,8
41 Elis Regina ô (Madalena B3) asc 6,1 0,3 21
Elis Regina Média 2,9 0,4 10,3
Quadro 9 – Características de alguns portamentos de Elis Regina
139

Ex. Cantor Trecho Direção Amplitude Tempo Taxa de


(st) (s) portamento
(st/s)
1 Milton Nascimento 1 Mas pra (mas) desc 1,7 0,3 6,1
2 Milton Nascimento 1 Mas pra (pra) desc 5,2 0,3 17,3
3 Milton Nascimento 1 como asc 2,4 0,3 9,1
4 Milton Nascimento forte 1 asc 3,4 0,2 16,1
5 Milton Nascimento Falar asc 6,7 0,3 19,8
6 Milton Nascimento o amor asc 2,6 0,1 17,7
7 Milton Nascimento mas cada (mas) desc 6,4 0,3 20
8 Milton Nascimento mas cada (ca) desc 7,5 0,5 13,6
Milton Nascimento
Média 4,5 0,3 15
Quadro 10 – Características de alguns portamentos de Milton Nascimento

Ex. Cantor Trecho Direção Amplitude Tempo Taxa de


(st) (s) portamento
(st/s)
1 Caetano Veloso fulô 8 desc 3,2 0,3 10,5
2 Caetano Veloso Shamisen desc 6,5 0,2 28,2
3 Caetano Veloso fulô (BA5) desc 1,5 0,3 5,3
4 Caetano Veloso fluis desc 4 0,5 7,3
5 Caetano Veloso caem (A3) desc 2,1 0,4 6
6 Caetano Veloso vem (A3) desc 2,9 0,4 7,3
7 Caetano Veloso cocar desc 2,1 0,3 6,5
Caetano Veloso Média 3,2 0,3 10,2
MÉDIA DOS TRÊS CANTORES 3,2 0,3 11
Quadro 11 – Características de alguns portamentos de Caetano Veloso

6.6 Características do canto popular observadas nas análises

6.6.1 Algumas diferenças entre o vibrato lírico e popular

Na literatura musicológica, o vibrato é um ornamento e todo ornamento é sujeito a


ser avaliado e possivelmente ensinado.
Nas aulas de canto lírico, porém, muito raramente o vibrato é ensinado. Como
vimos antes, acredita-se que ele surge naturalmente como conseqüência do treinamento
vocal. Na prática desse canto, portanto, o vibrato é não só almejado, como imprescindivel
para o canto ser considerado eficiente (vide Cap.4). Seashore (1967, p.35) mostrou através
de gráficos que “o vibrato de altura está presente em cada nota através da música,
independentemente da nota ser longa ou curta, alta ou baixa, fraca ou forte”.
140

Pudemos verificar a partir das audições que, ao contrário do que muitos pensam, o
cantor de MPB também usa o vibrato com bastante freqüência, - não, como observado por
Seashore (ibid.), em todas as notas emitidas - e aprende a fazê-lo por imitação. Notamos
ainda que os vibratos usados pelos intérpretes analisados tem características um pouco
diferentes dos vibratos do canto lírico.

6.6.1.1 Taxa de vibrato


Além da freqüência no uso do vibrato, outra diferença constatada é que, de acordo
com os parâmetros verificados no canto lírico, a taxa de vibrato média varia em torno de
seis ou 6,5 ciclos por segundo (PRAME, 1994; SEASHORE, 1967). Nos vibratos
analisados, porém, as taxas de vibratos variaram entre 4,3c/s e 8,7c/s.
Pudemos verificar que a idéia de que a taxa de vibrato é constante num dado cantor
(SUNDBERG, 1987, p.163) ou de que a média de variação entre a taxa máxima e minima
de um mesmo artista é em torno de 8% da média do artista (PRAME, 1994, p. 5) também
não se aplica aos vibratos dos cantores estudados. Para se ter uma idéia da variação das
taxas de vibratos analisadas, considerando a taxa média (sem considerar a aceleração ou
diminuição da “cauda do vibrato”), a diferença entre a taxa de vibrato mais baixa e a mais
alta em cada cantor variou em 2,3c/s em Elis Regina (5,2c/s, a mínima e 7,5c/s, a máxima),
2,2c/s em Milton Nascimento (5,3c/s, a mínima e 7,5c/s, a máxima) e 4,3c/s em Caetano
Veloso (4,3c/s, a mínima e 8,7c/s, a máxima), resultado que julgamos muito alto para ser
considerado uma constante.
SUNDBERG (1987, p.163) considera que, geralmente, uma taxa de vibrato menor
ou igual que 5,5 ondulações por segundo soam muito lentas, e maiores ou iguais que 7,5
soam nervosos. Muitos vibratos dos três cantores estão nessas faixas de taxa de vibrato e
parecem ser muito bem aceitos por seus ouvintes: dos dez vibratos de Elis Regina, seis
estão entre 5,2 e 5,7c/s; dos onze do Milton Nascimento, seis estão entre 5,3 e 5,7c/s; o que
pode indicar outra diferença na técnica popular desse ornamento.
Encontramos a menor taxa, de 4,3c/s, num vibrato de Caetano Veloso (“Deu”, em
A2 de Circuladô de Fulo. Vide Arquivo de Apresentação 2). A mais baixa taxa de vibrato
encontrada no estudo de Prame foi de 5,0Hz. (PRAME, 1994, p.5). Ele observa, porém, que
a interpretação individual de uma peça por um cantor também pode afetar a taxa de vibrato.
Em Macbeth, de Verdi, Maria Callas apresentou uma taxa mínima de vibrato de 4,1Hz e,
141

no outro extremo, Amelita Galli-Curci apresentou a taxa máxima de 7,9Hz numa gravação
de 1916/1917, o que poderia sugerir as preferências da época e do estilo musical. Por
também poder ser dependente de preferências musicais, Prame conclui que pode não ser
expressivo tentar estabelecer cálculos de médias de taxas de vibrato. (ibid.)

6.6.1.2 Extensão do vibrato


Outro parâmetro aceito no canto lírico é o de que a extensão das ondulações do
vibrato é em torno de um semitom e é razoavelmente constante e regular (SEASHORE,
1967, p. 35). A extensão dos vibratos analisados varia entre 0,5st a 2,9st, ou seja, não é
constante e regular.

6.6.1.3 A cauda do vibrato: alteração da taxa do vibrato


Prame (1994) detectou a “cauda do vibrato” no canto lírico, fenômeno no qual há,
na finalização desse ornamento, uma aceleração em sua taxa em torno de 15%. No entanto,
em vários vibratos analisados neste trabalho, há uma mudança na taxa de vibrato na direção
inversa da que foi observada na tal pesquisa.
Dos doze vibratos de Caetano analisados, sete apresentam variações da taxa de
vibrato em suas finalizações: cinco apresentam uma diminuição de sua taxa (vide Figura 7,
acima e Ex. sonoro 36, no CD anexo) e apenas dois apresentam aceleração (vide Ex. sonoro
35, no CD anexo e Quadro 12, abaixo).
De onze exemplos do Milton Nascimento, seis apresentam variação na finalização,
sendo que em dois deles ocorre uma diminuição na taxa (vide Ex. sonoro 41, no CD anexo)
e, em quatro, um aumento (vide Figura 9 e Quadro 14, abaixo, e Ex. sonoro 42, no CD
anexo).

Figura 9 – Vibrato de Milton Nascimento finalizado com aumento da taxa e diminuição da


extensão
142

Elis Regina apresenta um resultado mais próximo daquele observado por Prame:
dos sete vibratos, seis apresentam variação na finalização, sendo que apenas um apresentou
uma diminuição da taxa, e assim mesmo uma mudança bem sutil – de 5,4c/s para 5c/s (vide
Ex. sonoro 43, no CD anexo e Quadro 13, abaixo) e, os outros cinco apresentaram um
aumento em sua taxa (vide Figura 8, acima e Ex. sonoro 40, no CD anexo).
Prame, porém, não detectou nenhuma diminuição da taxa de vibrato na finalização
de uma nota, e uma das hipóteses apresentadas por ele foi a de que “por uma ou outra
razão, o aumento da taxa de vibrato é mais fácil de ser executada do que sua diminuição”.
(PRAME, 1994, p. 4).
Ex EXTENSÃO
TAXA DE
DURAÇÃO DO
LOCALIZAÇÃO CANTOR VIBRATO
(segundos) VIBRATO
(ciclos p/ segundo)
(semitom)
1 “Jor” (A2 de “Fora da Ordem”) Caetano Veloso 0,7 6,1 0,8
“Jor” (A2 de “Fora da Ordem”) Caetano Veloso 0,5 6,4 1,9
2 "Men" (B3 de “Circuladô”) Caetano Veloso 0,3 6,4 1,2
"Men" (B3 de “Circuladô”) Caetano Veloso 0,7 5,4 2
3 “Sol” (B2 de “Circuladô”) Caetano Veloso 0,9 6,7 0,6
“Sol” (B2 de “Circuladô”) Caetano Veloso 0,4 5,3 1,3
4 “Pi" (B1 de “Circuladô”) Caetano Veloso 0,8 6,2 0,8
“Pi" (B1 de “Circuladô”) Caetano Veloso 1 6 1,8
5 "Dá" (A2 de “Circuladô”) Caetano Veloso 0,6 6,6 0,9
"Dá" (A2 de “Circuladô”) Caetano Veloso 0,4 6,7 2
6 “Sol” (B1 de “Circuladô”) Caetano Veloso 1,4 6.5 1,2
“Sol” (B1 de “Circuladô”) Caetano Veloso 0,7 6 1,7
7 “Rá” (A1 de “Circuladô”) Caetano Veloso 0,5 5,8 1
“Rá” (A1 de “Circuladô”) Caetano Veloso 0,4 5,5 1,8
Caetano Veloso Média 6,1 1,4
MÉDIA GLOBAL 6 1,2

Quadro 12 – Cauda de alguns vibratos de Caetano Veloso: variação da taxa de


vibrato em seu início (fonte preta) e finalização (fonte colorida).
143

Ex TAXA DE
EXTENSÃO
DURAÇÃO VIBRATO
LOCALIZAÇÃO CANTOR DO VIBRATO
(segundos) (ciclos p/
(semitom)
segundo)
1 “Black” (B5 de “Black is beautiful”) Elis Regina 2,3 5,4 1,5
“Black” (B5 de “Black is beautiful”) Elis Regina 0,8 5 1,2
2 “Black1” (B1 de “Black is...”) Elis Regina 1,4 5 1,5
“Black1” (B1 de “Black is ...”) Elis Regina 1 6 0,9
3 “Black5" (B3 de “Black is ...”) Elis Regina 1,3 5,2 1,5
“Black5" (B3 de “Black is ...”) Elis Regina 1 6 1,8
4 “Ful4” (B2 de “Black is beautiful”) Elis Regina 1,7 5,3 1,8
“Ful4” (B2 de “Black is beautiful”) Elis Regina 0,8 6 1,6
5 “Ful3” (B2 de “Black is beautiful”) Elis Regina 1,4 5,7 1,2
“Ful3” (B2 de “Black is beautiful”) Elis Regina 0,6 6,7 0,7
6 “Black2” (B1 de “Black is ...”) Elis Regina 0,9 5,5 1,8
“Black2” (B1 de “Black is ...”) Elis Regina 0,4 8,3 1,4
Elis Regina Média 5.9 1,5
MÉDIA DOS TRÊS CANTORES 6 1,2

Quadro 13 – Cauda de alguns vibratos de Elis Regina: variação da taxa de vibrato em


seu início (fonte preta) e finalização (fonte colorida).

Ex TAXA DE
EXTENSÃO
DURAÇÃO VIBRATO
LOCALIZAÇÃO CANTOR DO VIBRATO
(segundos) (ciclos p/
(semitom)
segundo)
1 “Bor” (A2 de “Casa Aberta”) Milton Nascimento 0,6 5,1 0,7
“Bor” (A2 de “Casa Aberta”) Milton Nascimento 1,2 5,7 0,7
2 “Flor” (A2 de “Casa Aberta”) Milton Nascimento 0,6 5 1,3
“Flor” (A2 de “Casa Aberta”) Milton Nascimento 0,5 6 0,7
3 “Ro” (de “Ramiro”, em A2 de “Casa Milton Nascimento
0,6 6,7 1,3
Aberta”)
“Ro” (de “Ramiro”, em A2 de “Casa Milton Nascimento
0,6 8,3 0,6
Aberta”)
4 “Breu” (A1 de “Casa Aberta”) Milton Nascimento 1,4 7 0,5
“Breu” (A1 de “Casa Aberta”) Milton Nascimento 0,5 5,9 0,9
5 “O” (de “rio”, em A2 de “Casa Milton Nascimento 0,3 8,6 0,5
Aberta”)
“O” (de “rio”, em A2 de “Casa Milton Nascimento 0,3 6,2 0,8
Aberta”)
6 “Do” (de "tudo", no final de “Vozes Milton Nascimento 1,7 5,1 0,5
do Vento”).
“Do” (de "tudo", no final de “Vozes Milton Nascimento 1,5 5,5 0,4
do Vento”).
Milton Nascimento Média 6,2 0,7
MÉDIA DOS TRÊS CANTORES 6 1,2

Quadro 14 – Cauda de alguns vibratos de Milton Nascimento: variação da taxa de


vibrato em seu início (fonte preta) e finalização (fonte colorida).
144

6.6.1.3.1 Variação da extensão na cauda do vibrato


Também observamos uma mudança na extensão do vibrato, enquanto ocorre uma
variação da taxa do vibrato, o que pode também sinalizar uma característica do vibrato
popular. Dos seis vibratos de Milton Nascimento que apresentam variação na finalização,
um permanece com a mesma extensão, três diminuem entre 0,1 e 0,7 semitom e dois
aumentam em 0,3 e 0,4 semitom, sendo que os que apresentam aumento na taxa de vibrato
diminuem a extensão e os que diminuem a taxa aumentam a extensão. Os vibratos de
Caetano Veloso aumentam a extensão no final entre 0,5 e 1,1 semitom, independentemente
de aumentarem ou diminuírem as suas taxas. Cinco vibratos de Elis Regina diminuem a
extensão no final, entre 0,2 e 0,6 semitom e apenas um aumenta em 0,3 semitom. A relação
entre o aumento da taxa e a diminuição da extensão não é constante, mas quase: apenas
dois não apresentam essa relação e os outros quatro que aumentam a taxa diminuem a
extensão. Não encontramos referências a mudanças de extensão de vibratos nos estudos
citados.

6.6.1.4 O vibrato depois de nota lisa


Tanto Caetano Veloso (três vezes em doze) quanto Elis Regina (três vezes em dez)
lançaram mão do recurso de sustentar uma nota sem vibrato e depois introduzir o vibrato,
característica mais comum no canto popular. No canto lírico, esse recurso é usado em peças
de alguns períodos ou de compositores como Mozart.

6.6.1.5 Considerações finais sobre semelhanças e diferenças do vibrato lírico e popular


Apesar de todas as diferenças verificadas, a média da taxa de vibrato de cada cantor
ficou entre 5,9 e 6,2c/s e a média de extensão do vibrato ficou entre um e 1,5 semitons, ou
seja, dentro da definição clássica das características do vibrato lírico.

6.6.2 Portamentos

Vimos que, nas canções analisadas, os portamentos ocorrem em pouco mais de um


terço das sílabas (31,31%). Nas músicas analisadas por Seashore (1967, p.270), ele
encontrou o portamento em 40% das transições entre notas e em 25% dos ataques. O ataque
sem portamento foi observado em apenas 25% dos ataques, o que leva a crer que os
restantes 10% sejam portamentos nas finalizações. Portanto, ele observou portamentos em
145

pelo menos 65% das notas, talvez 75%, número bem superior daquele por nós encontrado,
o que pode indicar uma diferença no uso do portamento no canto lírico e popular.
O fato de que alguns ornamentos da família da apojatura - como a apojatura, o
retardo e a antecipação, muito utilizados pelos cantores da MPB - ocorrem na maior parte
das vezes (72%) combinados com portamentos, talvez possa explicar por que parecem mais
sutis do que os mesmos utilizados por outros estilos de canto, como o evangélico, por
exemplo.
Seashore (1967, p.271) notou que quanto mais longa a nota a ser alcançada, mais
provavelmente ocorre um ataque com portamento. A media de extensão dos portamentos
analisados por Seashore foi de aproximadamente 0,9 de tom. A média dos portamentos por
nós analisados é de 3,5 semitom ou pouco menos que dois tons, número bem maior que o
de Seashore.
Nas músicas analisadas por Seashore (1967, p.270), noventa e sete por cento dos
ataques com portamentos eram ascendentes, e ocorreram principalmente nos inícios de
frases. Nossos números são diferentes. Nas músicas analisadas nesse trabalho, apesar dos
portamentos ascendentes serem em maior número, a diferença entre estes e os descendentes
é bem menor: a proporção é de 575 ascendentes para 468 descendentes, sendo que, destes,
382 ocorrem no meio de uma palavra ou frase e 86 no final.
Essas diferenças podem indicar algumas diferenças na utilização do portamento por
cantores líricos e cantores da MPB.

6.6.3 Qualidade vocal

Entre as 474 mudanças de qualidade vocal, as mais usadas são a voz suja (103
sílabas), a voz nasal (100) e a voz em fry (99 sílabas)
É interessante observar que, enquanto a mudança na qualidade vocal é um recurso
interpretativo muito utilizado no canto popular, ele não é recomendado no canto lírico e,
pelo contrário, é considerada uma característica de uma voz despreparada.
A voz em fry é muito utilizada principalmente para expressar sensualidade ou
sofrimento e aparece quase sempre nos inícios ou finais de frases. Em Black is Beautiful,
por exemplo, que é uma canção que trata da atração de uma mulher por um homem negro,
Elis Regina usa a voz em fry em 38 das setenta mudanças de qualidade vocal. Em
146

Madalena, que discorre sobre um amor não plenamente correspondido, a voz em fry é
usada em 38 das 45 mudanças de qualidade vocal.
A voz gritada é usada também como um recurso para expressar raiva, contundência
ou ênfase por alguma idéia ou palavra. Elis Regina usa dezenove vezes em Como nossos
pais, que é uma canção de protesto contra a apatia e o conservadorismo da juventude da
época.
A voz falada e a voz sussurrada são outros dois efeitos usados para enfatizar uma
palavra ou idéia. A primeira é muito usada também em Como nossos pais, por Elis Regina,
em dezenove das sessenta mudanças de qualidade vocal, e em Circuladô de Fulô, por
Caetano Veloso, em seis das 155 mudanças de qualidade vocal. A segunda é usada vinte
vezes em Circuladô de Fulô, por Caetano Veloso, quando ele se refere à “miséria física”,
sete em Fora da Ordem, quando se refere ao “narcotráfico”, e quatro em Black is beautiful,
na finalização da canção.
Não podemos afirmar com segurança que a voz suja, a voz tensa e a voz rouca
sejam usadas propositalmente como um recurso expressivo, porém, o fato delas serem
permitidas no canto popular, ou seja, de não haver a necessidade de correção ou regravação
dos trechos onde aparecem, é um dado a ser considerado: “os ‘ruídos’ na voz (as
impurezas, a rouquidão, a soprosidade, os gritos, os sussurros) [...] passam a ser
incorporados esteticamente [...], rompendo de vez com o binômio "beleza=pureza".
(ABREU, 2001, p.109). Em Odara, Caetano Veloso usa a voz suja em 58 sílabas e a
impressão é a de que ele estava “gripado” na ocasião da gravação. No entanto, a qualidade
da mesma não fica comprometida já que uma série de fatores interpretativos muito mais
relevantes estão em jogo, o que é comprovado pelo sucesso que fez a canção desde o seu
lançamento, sendo uma das mais conhecidas e apreciadas do repertório do compositor.

6.7 Ilustrações dos efeitos utilizados, nas letras de três canções

Apenas para ilustrar, fizemos um mapeamento das ornamentações através de


sinalizações na letra das canções Como nossos pais (vide Arquivo de Apresentação 1, no
CD em anexo), interpretada por Elis Regina, Circuladô de Fulô, interpretada por Caetano
Veloso e Tristesse, interpretada por Milton Nascimento.
6.7.1 Legenda dos sinais utilizados
A seguir, uma legenda dos sinais utilizados na letra:
147

• Vibrato – Sublinhado
• Outros ornamentos melódicos – Itálico
Apojatura
Portamento
Antecipação
Retardo
Mordente
Nota de passagem
Nota improvisada
Escapada
• Variação dinâmica - Negrito

• Inspiração sonora ou expiração sonora no final da emissão - ®

• Expiração sonora durante a emissão da palavra - Fonte Tahoma


• Mudança de qualidade vocal – Cor
• Articulação exagerada ou cerrada – Fonte Tamanho 10

6.7.2 Intérprete: Elis Regina. Música: Como Nossos Pais

Não quero lhe falar meu grande amor das coisas que aprendi nos discos
Quero lhe contar como eu vivi e tudo que aconteceu comigo
Viver é melhor que sonhar, ® eu sei que o amor é uma coisa boa
Mas também sei que qualquer canto é menor do que a vida de qualquer pessoa
Por isso cuidado meu bem®, ® há perigo na esquina®,
Eles venceram e o sinal está fechado pra nós que somos jovens
Para abraçar seu irmão e beijar sua menina na rua é que se fez ® o seu braço ® o seu
lábio e a sua voz
Você me pergunta pela minha paixão, ® digo que estou encantada como uma nova
invenção
® Eu vou ficar nesta cidade não vou voltar pro sertão
® Pois vejo vir vindo no vento o cheiro da nova estação
® Eu sei de tudo na ferida viva ® do meu coração
148

® Já faz tempo eu vi você na rua ® cabelo ao vento gente jovem reunida


® Na parede da memória ® essa lembrança é o quadro que dói mais
® Minha dor é perceber ® que apesar de termos feito tudo que fizemos
® Ainda somos os mesmos ® e vivemos, ‘inda somos os mesmos ® e vivemos como os
nossos pais
® Nossos ídolos ainda são os mesmos ® e as aparências não enga-nam não
® Você diz que depois deles ® não apareceu mais ninguém
® Você pode até dizer que eu to por fora ® ou então que eu to inventando
® Mas é você que ama o pas-sado e que não vê, ® é você que ama o pas-sado e que não
vê Que o novo sempre vem
® Hoje eu sei que quem me deu a idéia, ® de uma nova consciência e juventude
® Tá em casa , ® guardado por Deus ®, ®contando o vil metal
® Minha dor é perceber , ® que apesar de termos feito tudo, tudo, tudo que fizemos
® Nós ainda somos os mesmos e vivemos, ® ainda somos os mesmos ® e vivemos,
® Ainda somos os mesmos e vivemos co-mo os nossos ® paaaais

6.7.3 Intérprete: Caetano Veloso. Música: Circuladô de Fulô

Circuladô de fulô, ao Deus ao Demodará


® Que Deus te guie porque eu não posso guiar ® É viva quem já me deu
Circuladô de fulô, ® e ainda quem falta me dá
® Soando como um Shamisen ® e feito apenas com um arame tenso um cabo e uma lata
velha num fim de festafeira no pino do sol a pino / ® Mas para outros não existia aquela
música não podia porque não podia popular / ® aquela música se não canta não é popular
® se não anima não tintina não tarantina / ® e no entanto puxada na tripa da miséria,
® na tripa tensa da mais megera miséria física, ® e doendo doendo / ® como um
prego na palma da mão, um ferrugem prego cego na palma espalma da mão / Coração
exposto como um nervo tenso retenso um renegro prego cego durando na palma polpa da
mão ao sol

® Circuladô de fulô, ® ao Deus ao Demodará


® Que Deus te guie porque eu não posso guiar ® É viva quem já me deu
149

Circulado de fulô ® e ainda quem falta me dá


® O povo é o inventalínguas na malícia da mestria no matreiro da maravilha no visgo do
improviso tenteando a travessia azeitava o eixo do sol
Circuladô de fulô,
Circuladô de fulô, ao Deus ao Demodará
® Que Deus te guie porque eu não posso guiar ® É viva quem já me deu
® Circuladô de fulô ® e ainda quem falta me dá
® E não peça que eu te guie não peça despeça que eu te guie / ® Desguie que eu te peça
promessa que eu te fie® / me deixe, me esqueça® me largue®, me desamargue que no fim eu

acerto que no fim eu reverto ® que no fim eu conserto ® e para o fim me reservo ® e se verá
que estou certo ® e se verá que tem jeito ® e se verá que tá feito que pelo torto fiz direito que

quem faz cesto faz cento se não guio não lamento pois o mestre que me ensinou já não dá
ensinamento
Circuladô de fulô, ao Deus ao Demodará
® Que Deus te guie porque eu não posso guiar ® É viva quem já me deu
Circuladô de fulô ® e ainda quem falta me dá

6.7.4 Intérprete: Milton Nascimento. Música: Tristesse

Como você ® pode pedir pra eu falar®, ® do nosso amor


Que foi tão forte e ainda é, mas cada um se foi
Quanta saudade ® brilha em mim
Se cada sonho é seu, humm
® Virou história em sua ®vida, ® mas pra mim não morreu
(Parte “B” duas vezes, em duo com Maria Rita, não analisada)
Como você pode pedir pra eu falar do nosso amor
Que foi tão forte e ainda é, mas cada um se foi

Quanta saudade® brilha em mim


Se cada sonho é seu
Virou história em sua vida, mas pra mim não ® morreu
(Parte “B” duas vezes, em duo com Maria Rita, não analisada)
Como você pode pedir, como você pode pedir, hum
150

CAPÍTULO 7. DISCUSSÕES

Neste capítulo, comparamos os resultados das diversas etapas do trabalho, desde os


dados colhidos nos questionários até os registros analisados. Também discutiremos a
possibilidade de aplicação dos resultados para a aprendizagem.
O objetivo da discussão é que, numa análise crítica, possamos chegar a novos
conceitos, a novos paradigmas ou a um reforço dos que já existem.

7.1 Escopo e limitações do estudo

Apresentamos, nessa seção, uma discussão acerca das conquistas em relação aos
nossos objetivos iniciais e comentamos algumas limitações encontradas que dificultam ou
impossibilitam generalizações.

7.1.1 Sobre o material analisado

7.1.1.1 Cantores no laboratório e no estúdio


Como mencionamos no capítulo anterior, quando um intérprete entra num estúdio
para uma gravação, ele ouve sua voz acompanhada de todos os instrumentos,
independentemente de estarem sendo gravados simultaneamente ou não. Por isso, ao
avaliar o resultado de sua performance, o cantor e sua equipe consideram o seu conjunto: a
voz, os instrumentos, os reverbes e outros efeitos. É isso que vai ser veiculado para o
público.
Isso só não ocorre quando a música é intencionalmente gravada à capela, para ser
comercializada dessa forma, o que é pouco comum de ocorrer numa canção inteira. Nesse
caso, o intérprete provavelmente ouvirá e posicionará sua voz e interpretação de forma
diferente da que se estivesse com instrumentos. Nem melhor, nem pior, apenas diferente.
Alguns procedimentos talvez fossem removidos ou modificados se a intenção fosse
veicular a interpretação à capela, buscando muito possivelmente uma maior “limpeza” e
precisão.
Optamos por analisar as canções que foram gravadas com instrumentos porque essa
é, com raríssimas exceções, a realidade da música popular brasileira. Pretendíamos verificar
o que de fato acontece com a voz desses intérpretes, da maneira como chega ao público.
151

7.1.1.2 Vantagens na utilização da voz isolada


Buscamos um material tão específico – o canal de voz, sem a presença de outros
instrumentos - porque o objetivo inicial dessa pesquisa era também o de analisar as
características da produção vocal dos nossos cantores. Para analisar o espectro sonoro,
qualquer interferência ou ruído externo alteraria os seus resultados e impossibilitaria a
análise. A voz isolada permite, portanto, a análise do espectro sonoro e conseqüentemente
as variações da qualidade vocal, além de uma série de manipulações e processamentos
como, por exemplo, a retirada das qualidades vocais do cantor e sua substituição pelo
material vocal de outro. Futuramente, poderemos utilizá-lo em outras pesquisas.
Como a pesquisa acabou se redefinindo para a realização de um inventário e análise
dos ornamentos e efeitos interpretativos, tornou-se prescindível que o material fosse tão
limpo. Se for possível encontrar alguma vantagem nessa mudança de rumo é que, por um
lado, a análise das músicas interpretadas por Elis Regina que possuíam algum vazamento
de instrumentos não foi prejudicada.
Por outro lado, ter um material tão especial foi fundamental para que pudéssemos
captar nuances que talvez passassem desapercebidas no material completo, como
respirações sutis e algumas finalizações em regiões muito graves.
Além disso, a realização de gráficos dos vibratos e análise dos portamentos com a
extração das variações das freqüências fundamentais não teria sido feita com tanta precisão.

7.1.1.3 Amostragem
Devemos lembrar que o universo musical analisado ainda é bem pequeno – um total
de dez músicas, sendo de três a quatro músicas de cada um dos três cantores - em se
tratando de música popular. Consideramos que a liberdade do intérprete é imensurável, ele
pode estar sempre criando e recriando novas possibilidades para melhor transmitir a sua
mensagem.
É possível apontar algumas conclusões parciais como, por exemplo, o de que Elis
Regina utiliza uma maior variedade de recursos interpretativos em relação aos outros dois
cantores. Mas não é possível afirmar, com segurança, que essa é uma característica inerente
à cantora. Ela realizou um número maior de recursos nessas canções analisadas.
Por outro lado, não pretendemos apresentar um algoritmo que responda por todas as
possibilidades interpretativas. O intérprete não é uma máquina, mas um modelo: tem
152

estratégias próprias, que podem variar em tipos e número de uma música para outra, mas
que estão mais ou menos presentes em suas interpretações, e o público espera ouvir essas
estratégias.
Além disso, o fato de determinado intérprete não apresentar um efeito que outro
apresenta, não quer dizer necessariamente que não faça parte do seu universo de recursos.
Pode simplesmente não ter usado nessas canções mas usá-la em outras que não entraram
nas análises.
Porém, em que pese o pequeno número de amostras utilizadas, um gesto vocal que
aparece como um ornamento em determinadas músicas sugere que aquele cantor tenderá a
usar o mesmo tipo de ornamento em outras canções.
Portanto, se o número de gravações não nos deu oportunidade para generalizarmos,
em termos quantitativos, a utilização de determinado efeito vocal, permitiu que pudéssemos
visualizar uma tendência de utilização.

7.1.1.4 Cálculos de freqüência das ocorrências


A opção por calcular a freqüência com que os recursos são utilizados permitiu que
se fizesse comparações proporcionais, tanto entre as músicas quanto entre os cantores.
Citamos um exemplo: detectamos que Caetano Veloso lança mão do portamento em
439 sílabas de todas as canções analisadas, enquanto que Milton Nascimento em “apenas”
em 215. Esses números, por si só, poderiam dar a impressão de que o primeiro usa esse
recurso com muito mais freqüência. Porém, se calculamos o uso do portamento
proporcionalmente ao número de sílabas cantadas, veremos que Caetano Veloso usa em
26% das sílabas, enquanto que Milton Nascimento usa em 42% das sílabas.
As estatísticas fornecem ainda indícios de tendências variadas. O fato do cantor
apresentar um recurso uma ou duas vezes em todas as canções fornece duas informações: a
de que esse recurso está presente em seu repertório e a de que ele o usa pouco. Muitas
vezes, porém, um recurso que é pouco usado – como o growl, para citar um - chama mais
atenção do que outro muito freqüente – como o portamento – por ser ele tão familiar ao
ouvido que nem percebemos mais a sua presença. A estatística torna-se, assim, uma
ferramenta para detectar aquilo que nossa percepção não traduz em termos quantitativos.
153

Num desdobramento pedagógico, a proporção também permite que a futura


reprodução aconteça dentro desse parâmetro, para evitar exageros ou parcimônias no uso
dos variados recursos.

7.1.2 Aspectos perceptivos

Como a análise interpretativa foi feita principalmente a partir da nossa percepção


dos eventos, julgamos interessante tecer alguns comentários sobre essa experiência.

7.1.2.1 A percepção do vibrato


Em relação ao vibrato, pensamos inicialmente que sua taxa de repetição, por
exemplo, pudesse sugerir corresponder a uma “sensação” de velocidade, já que indica o
número de oscilações por segundo. Percebemos, porém, que nem sempre essa “sensação”
corresponde ao número de oscilações por segundo, ou seja, nem sempre a grande
quantidade de oscilações por segundo é percebida como um vibrato muito rápido.
Isso acontece porque a extensão também é um dado fundamental no cálculo da
velocidade do vibrato que seria, portanto, o resultado do produto da taxa de extensão pela
taxa de repetição (EV x RV = VV).
Isso quer dizer que, dois vibratos com a mesma taxa de repetição e extensões
diferentes serão percebidos diferentemente, ou seja, o vibrato com maior extensão é
percebido como mais lento que um vibrato de extensão menor.
De um modo geral, a percepção é de que os vibratos do Milton Nascimento são bem
menos intensos e mais rápidos do que os dos outros dois intérpretes e, realmente, sua média
de extensão é de um semitom contra 1,4 semitom de Caetano Veloso e Elis Regina.
Outros fatores influem na percepção do vibrato. Seashore (1967) afirma que quanto
maior a extensão da altura, mais o vibrato será subestimado e também que quanto
maior a sua taxa, mais sua extensão será subestimada (SEASHORE, 1967, p. 45), o que
pode explicar o vibrato de Elis Regina que tem 2,3 semitons de amplitude e que não parece
realmente ser tão mais flagrante que os outros (vide Ex. sonoro 44, no CD anexo). Porém,
há um outro vibrato de Milton Nascimento que possui a extensão de 2,9 semitons e que
parece mais lento que outros com taxas até menores. (vide Ex. sonoro 45, no CD anexo).
Ambos são muito perceptíveis. Em outro vibrato de Milton Nascimento, como a extensão é
de apenas 0,5 semitom, parece muito mais rápido (vide Ex. sonoro 46, no CD anexo).
154

Julgamos interessante, em pesquisas futuras, tentar buscar uma explicação para esse
fenômeno na psicoacústica ou ainda proceder a experiências como simular taxas, extensões
e intensidades variadas para comparar as suas diferentes percepções.

7.1.2.2 Quando considerar a existência de um portamento


Ao detectarmos os portamentos realizados pelos cantores, nos deparamos com
algumas questões que julgamos importante considerar aqui.
Lembramos que o portamento pode ser descrito como um deslize de uma altura para
outra sem que se perceba as notas intermediárias. Em princípio, toda passagem de um som
vocal para outro já compreende um portamento. Isso porque, num canto sem pausa, a voz
só é capaz de mudar de alturas em legato, o que quer dizer que o cantor, se estiver dentro
de um mesmo registro, não é capaz de conectar notas com alturas diferentes sem uma
variação contínua. Somente no caso do yodel, em que há uma alternância brusca entre os
registros, a transição é discreta e ocorrerá de forma quase imperceptível.
A fim de identificar com maior precisão os portamentos e verificar as análises,
utilizamos o recurso de diminuição da velocidade dos trechos musicais e verificamos que,
dessa maneira, todas as transições entre alturas pareciam conter um portamento. Por outro
lado, aqueles que na velocidade original pareciam portamentos, numa velocidade rápida
soavam como saltos.
Num primeiro momento, então, perguntamos qual seria o sentido de se considerar o
portamento como um ornamento. Se toda a articulação entre as notas pressupõe um
portamento, como percebemos algumas como tal e outras não?
Pudemos notar que a resposta para essa questão está principalmente no tempo que
dura a mudança de uma altura para outra e também na relação entre o tempo e a diferença
entre as alturas. Ou seja, a velocidade da mudança entre as alturas alteram
significativamente nossa percepção sobre os eventos: quanto mais semitons houver por
segundo numa transição entre alturas, menor será a possibilidade dela ser um portamento e
maior de ser um legato. Em nossas análises verificamos que a maior parte dos portamentos
mais flagrantes (52 dos 73) tem até vinte semitons por segundo e apenas oito deles tem
mais que 26 semitons por segundo, o que vai de encontro àquela hipótese.
155

O legato, o portamento e o glissando são, portanto, três mecanismos semelhantes


de mudança de alturas, que se diferem quanto à velocidade, alterando, assim, nossa
percepção sobre eles.
Inicialmente, identificamos os portamentos de acordo com a nossa percepção e, a
partir disso, buscamos uma equação que explicasse essa percepção.
Identificadas as duas variáveis principais para a percepção do portamento, altura e
tempo, partimos em busca de uma “taxa de portamento”, que seria a variação da altura num
espaço de tempo. Nesse momento, a partir de experimentos com alguns exemplos
selecionados, encontramos ainda outra variável que nos exigiu reflexão para a busca de
resultados coerentes.
Percebemos que, se consideramos o portamento apenas do último momento de uma
determinada altura para o primeiro momento da altura seguinte, a taxa de portamento fica
bem acentuada, porém a sua percepção não é tão clara. Por outro lado, se calculamos a taxa
desde um pouco antes, ou seja, consolidando no ouvido uma altura para depois ocorrer o
portamento e então consolidar a nova altura, a percepção fica bem mais evidente, porém o
resultado da taxa é diferente, e menor. Concluímos, então, que a detecção do portamento é
comprometida se não se considerar o contexto.
Por outro lado, portamentos iguais antecedidos por notas de duração diferentes
resultariam em taxas distintas, o que não refletiria a realidade do portamento. Por esse
motivo, optamos por calcular a taxa como o descrito na primeira experiência, ou seja,
considerar o portamento apenas do último momento de uma determinada altura para o
primeiro momento da altura seguinte.
Observamos que as variações de altura em tempo igual ou menor que 0,15s não
tendem a ser percebidas como portamento, independente da taxa de portamento ser alta ou
baixa. A média de duração dos ataques nas músicas analisadas por Seashore (1967) foi de
0,2 segundos.
Porém, numa nota que seria sustentada, uma rápida e leve oscilação é perceptível,
como no caso de um dos “black” (black 10), em que a oscilação é de apenas 0,3st em 0,1s,
o que dá uma taxa de 2,7st/s. Apesar do tempo curto, foi possível detectá-lo
perceptivamente. Nesta sílaba, o ataque ocorre com uma apojatura com portamento
ascendente, rapidamente seguido de um mordente (com portamento descendente e
156

ascendente). Depois, a nota é sustentada e finalizada com uma antecipação com portamento
descendente. O exemplo citado se refere ao portamento descendente do mordente. (vide Ex.
sonoro 47, no CD anexo).
Alguns outros fatores que podem dar uma ilusão perceptiva diferente devem ser
considerados. Um deles é que, se a articulação de duas alturas ocorre entre duas vogais
(como num hiato. Ex: vo-a), a ilusão é de que o tempo de mudança entre as alturas é maior.
Não há o fator de ruptura que a consoante representa, que é o que acontece quando a
mudança ocorre entre uma vogal e uma consoante (ex: a-mor) ou entre duas consoantes
(por-ta). É por isso que, numa articulação entre duas vogais com alturas diferentes, o
ouvido tende a perceber como uma mudança natural e não como portamento, o que pode
ocorrer mesmo em mudanças de alturas em tempos maiores que 0,2s. Por exemplo, a
articulação do “é” (de “ainda é”, da canção Casa Aberta) em que uma mudança de 1,5st
ocorre em 0,3s, resultando numa taxa de 5,4st/s (asc), não foi, apesar disso, identificada
como portamento (vide Ex. sonoro 48, no CD anexo).
Por todas essas questões, concluímos que o efeito do portamento ainda é nebuloso.
Não podemos predizer pela curva como ele vai ser percebido. Podemos afirmar apenas, a
partir da análise de 68 portamentos, que a maior parte deles ocorre nas seguintes condições:
1) são perceptíveis auditivamente; 2) ocorrem em tempo maior ou igual que 0,15 segundos,
podendo chegar a até 0,6 segundos em finais de frase, apresentando uma média de 0,36
segundos; 3) possuem uma taxa de portamento que varia entre 1,5 a 26 semitons por
segundo, apresentando uma média de 15 semitons por segundo; 4) possuem amplitude que
varia entre 0,5 a 15 semitons, apresentando uma média de 3,5 semitons ou pouco menos
que dois tons.

7.2 O contexto – o artista, o espaço e o tempo

Como vimos no primeiro capítulo deste trabalho, a música e sua interpretação fazem
parte de uma cultura e possuem um modo de fazer que se estabelece na prática. Mesmo no
caso das práticas populares, em que a inovação e a renovação são fatores intrínsecos às suas
existências, elas devem ocorrer dentro de certos limites porque os integrantes daquela
cultura esperam e buscam a identificação em determinados procedimentos.
Para uma interpretação adequada, portanto, é recomendável que se conheça os
procedimentos estilísticos do gênero executado. Quem toca música barroca sem
157

ornamentação provavelmente não tem conhecimento de estilo. Da mesma forma, é


importante que o intérprete da música popular brasileira saiba como ela é realizada na
prática por aqueles que são reconhecidos pelo público como seus representantes.
Pudemos verificar a partir das análises das interpretações selecionadas que, como
em qualquer estilo musical, o canto popular brasileiro urbano, aqui representado por Elis
Regina, Milton Nascimento e Caetano Veloso, possui um repertório de recursos
interpretativos que são usados com maior ou menor freqüência pelos diversos cantores.
Esses recursos interpretativos, os gestos vocais adotados por cada intérprete,
raramente estão notados em partituras. Eles são detectados com a tal escuta nas entrelinhas
mencionada por Ulhôa (2003, p.52) e que explicam por que gostamos ou nos identificamos
ou não com um som.
Desde o século XX, no Brasil e no mundo, podemos contar com as gravações para
aprendizagem, suporte que, como vimos, vem formando boa parte dos nossos cantores mais
admirados (vide Cap. 2).
Acreditamos que, se tivermos sido capazes de fazer um inventário de pelo menos
alguns dos ornamentos e efeitos usados em nossa cultura musical, estaremos contribuindo
com um instrumento para a reprodução mais consciente da nossa arte.

7.2.1 A canção no tempo: o jeito de cantar mudou?

É preciso lembrar que os cantores não são exatamente os mesmos ao longo de suas
carreiras. A definição de seus gestos vocais, seus estilos de interpretar, na maioria das
vezes, vai se constituindo ao longo do tempo, a partir de suas experiências e práticas.
Felipe Abreu, referindo-se à consolidação da tal “impressão digital vocal” que julga
tão importante para o cantor popular, sugere que se ouça as gravações de quase todos os
cantores populares em vários tempos para perceber o seu amadurecimento artístico. Nas
primeiras gravações de um determinado intérprete, verifica-se que o timbre está “quase lá”.
Ao ouvir os discos seguintes do mesmo artista, verifica-se que
o timbre se depura, se apura, se firma e se estabelece, passa a ser um atributo
extremamente pessoal e sob domínio do artista, que tem o controle sobre ele, já
sabe o que fazer para obtê-lo. Essa marca vocal é ao mesmo tempo uma mistura
do que é natural e do que é trabalhado, experimentado, depurado e finalmente
escolhido 33 .

33
Depoimento prestado em outubro de 2006, para esta dissertação.
158

Estamos tratando aqui de três cantores que tiveram maior projeção na década de
1960 e que, com exceção de Elis Regina, estão até hoje em franca atividade. São, portanto,
quarenta anos de carreira, para Caetano Veloso e Milton Nascimento e, no caso de Elis
Regina, cerca de trinta anos. Devemos considerar, portanto, a maturidade artística do
intérprete quando a canção foi gravada.

7.2.1.1 O artista na época das gravações


As quatro canções interpretadas por Milton Nascimento são de seu disco Pietá,
lançado no ano de 2002. As três canções interpretadas por Elis Regina também são mais ou
menos da mesma época: Madalena foi gravada em 1970, Black is beautiful em 1971 e
Como nossos pais em 1976. Por serem da mesma época, não é possível tentar fazer algum
tipo de comparação em relação à transformação de suas interpretações. Mas fica a pergunta:
será que, vinte anos antes, eles usavam os mesmos recursos e com a mesma freqüência?
O caso de Caetano Veloso é diferente. Das três músicas interpretadas por ele, uma
delas, Odara, foi gravada no ano de 1977, e as outras duas (Fora de Ordem e Circuladô de
Fulô) foram gravadas no ano de 1991, quase quinze anos depois.
Percebemos, em Odara, o uso de um número proporcionalmente maior de gestos
vocais, que estão presentes em 142% das sílabas contra 111% de Circuladô de Fulô e 79%
em Fora da Ordem. A inspiração sonora é bem menos usada em Odara – em 0,57% das
vezes contra 5% e 2,8% das outras duas. A expiração sonora é usada com muito mais
freqüência em Odara – em 13,4% das sílabas contra 1,8% e 2,6% das outras. A articulação
exagerada e o fonema alterado nem foram detectados em Odara; nas outras duas canções,
por outro lado, representam 30,6% e 9,4% das sílabas no caso da articulação exagerada e
7,7% e 1,8% das sílabas no caso do fonema alterado. Ornamentos como o portamento, a
apojatura, a antecipação, a nota de passagem e o mordente são muito mais usados em
Odara: somados, estão presentes em 74,7% das sílabas contra 28,6% em Fora da Ordem e
12,7% em Circuladô de Fulô.
Será que é possível concluir, a partir de apenas uma canção, que a inspiração
sonora não fosse tão utilizada por ele naquela época? Ou que ele realmente usasse os
ornamentos com muito mais freqüência antes do que hoje?
159

Precisaríamos analisar outras canções interpretadas pelo mesmo cantor na mesma


época para tentar afirmar que essas diferenças encontradas não são fruto do acaso ou da
interpretação específica da canção e sim decorrente do amadurecimento artístico.

7.3 Em busca de uma pedagogia aplicada

7.3.1 Pode-se ensinar a fazer ornamentos?

O canto popular brasileiro possui características, das quais vimos algumas aqui, que
podem e devem ser usadas e também ensinadas.
As professoras Angela Herz, Malu Cooper e Maria Lucia Valadão mencionaram o
treinamento das mudanças na qualidade vocal em suas aulas. Apesar de não terem sido
citados pelos outros professores de canto popular entrevistados como integrando seus
programas de aulas, até por que não houve uma pergunta específica nessa direção,
acreditamos que procedimentos como a apresentação desse e dos outros recursos
interpretativos, de que forma e com que freqüência são usados e como são reproduzidos
devem fazer parte da técnica do canto popular assim como integram as diversas técnicas de
canto e de instrumentos eruditos.
É fundamental, porém, que o professor e o aluno estejam atentos ao contexto e ao
significado de todo e qualquer gesto vocal, para que ele seja não usado de forma exagerada
e indiscriminada, o que transformaria a interpretação num processo mecânico e repetitivo.

7.3.2 O sistema notacional pode ser usado?

A partitura das obras de certos períodos é omissa em relação à notação de


ornamentos. A execução das obras de tempos em que não havia o suporte das gravações,
para reproduzirem o estilo de sua época, tem que se apoiar em descrições e menções
contidas em relatos, cartas e livros, ou complementar suas informações através de estudos
musicológicos e tratados posteriores.
Tagg (2003) lembra que um grande número de importantes parâmetros de expressão
musical são difíceis ou impossíveis de serem codificados na notação tradicional (na maioria
aspectos “imediatos” como som, qualidade vocal, tratamento eletro/musical, ornamentação
etc.), que são relativamente irrelevantes – ou ignorados na análise da música erudita, mas
extremamente importantes na música popular (RÖSING apud TAGG, 2003, p. 13)
160

O artista popular, na prática, é livre para causar uma série de desvios em relação ao
plano original da obra. Há muitas margens para escolha. Se fossem todas notadas, é muito
provável que cada interpretação de uma mesma canção – até pelo mesmo cantor ou pelo
autor da obra – resultasse numa partitura diferente.
Já que o intérprete popular possui a liberdade de escolher os ornamentos e os
recursos interpretativos que utiliza, a sua notação seria desnecessária e talvez privasse o
cantor da tal espontaneidade defendida pelos professores de canto popular.
Não vemos problemas em haver indicações como sugestões de usos de efeitos, se
assim os desejasse os compositores, mas o que realmente diferirá uma interpretação de
outra é a maneira, a freqüência e os momentos em que o cantor utilizará esse ou aquele
recurso, o que só poderá ocorrer de forma satisfatória com uma pesquisa sobre os padrões
utilizados em cada época.

7.3.2.1 O que dizem os songbooks?

A notação da música popular brasileira ganhou novo impulso com as edições dos
songbooks, no final dos anos 1980. Antes deles, havia algumas partituras impressas
isoladamente e a coleção de partituras organizada por Mário Mascarenhas (1982), em cinco
volumes. Ainda assim, o número de partituras editadas sempre foi, e permanece, bem
aquém do volume inesgotável de canções populares a serem notadas.
Considerando ainda que muitos intérpretes da música popular não lêem partituras e
que muitos compositores não as escrevem também, a principal fonte de aprendizagem das
canções continua sendo as gravações de outros intérpretes ou do próprio compositor.
Ora, se o intérprete é livre para inserir ornamentações e até alguns improvisos
melódicos e rítmicos, a canção pode se transformar a cada nova interpretação e novamente
a cada nova interpretação da interpretação, até não se saber mais qual é a melodia e o ritmo
criados pelo autor.
Na orelha do Songbook do Caetano Veloso (CHEDIAK, 1994), a editora afirma:
A série Songbook quer transmitir ao leitor a intenção real do compositor, em
termos melódicos, rítmicos, harmônicos e poéticos. [...] possibilitando assim que
a curto e médio prazos nossa cultura, no que se refere à canção, seja preservada
desde a sua essência, em cada som, em cada palavra, em cada sentimento,
transmitido, avalizado e orientado, se possível, pelo próprio criador da obra.
Apesar do cuidado que a editora revela ter tomado, sabemos que uma mesma
canção gravada em diferentes momentos pelo próprio compositor-intérprete pode sofrer
161

alterações 34 , de modo que certos desvios passam a ser incorporados à composição


resultando algumas vezes numa nova composição.
Se grande parte das melodias das canções populares ainda está por ser escrita, e
muitas vezes, como vimos, a melodia original é alterada pelo próprio compositor, o que
diremos dos ornamentos e efeitos utilizados? Estão presentes nas partituras editadas?
Das canções analisadas neste trabalho, apenas Odara possui edição em partitura. As
músicas interpretadas por Milton Nascimento, por serem do seu último disco Pietá, ainda
não foram registradas em songbooks, assim como Fora da Ordem e Circuladô de Fulô, de
Caetano Veloso, e as canções interpretadas por Elis Regina.
Podemos dizer de antemão, com base em Odara - a única canção analisada que
possui notação em partitura, segundo a editora “revisada pelo compositor” (CHEDIAK,
1994) - bem como em todas as partituras consultadas em diversos songbooks
(HOLLANDA, 1989; CHEDIAK, 1990a, 1990b, 1991, 1999), que não há nenhuma
indicação de respirações, mudanças de qualidade vocal, dinâmicas, vibratos, portamentos,
acentos, articulação, mudança de registro ou breque. Ou seja, não há qualquer referência
aos ornamentos e efeitos detectados nas análises desse trabalho. Também não há indicação
dos ornamentos da família da apojatura – retardo, antecipação e apojatura – porque não há
indicação da letra em concomitância com a melodia.

7.3.2.2 Outras formas de notação: representações gráficas:


Há outras formas de representação gráfica além da partitura convencional.
Os espectogramas, também denominados de sonogramas, representam os sons das
vogais e das consoantes, e são apresentados nos gráficos através da freqüência fundamental
e de seus harmônicos parciais. As vogais são definidas através dos três ou quatro primeiros
formantes, que correspondem aos harmônicos mais proeminentes desse som. Esse tipo de
representação e análise, porém, não foi utilizada neste trabalho. (ARAÚJO et al., 2003,
p.56).
Há também diagramas que apresentam variações de altura, intensidade e duração do
som. Seashore (1967) foi o precursor no uso desse tipo de representação. Seus gráficos dos
vibratos, apresentados pela primeira vez na década de 1930, revelavam as variações de

34
Sobre as características interpretativas que podem influenciar a elaboração de uma composição, ver
ARAUJO et al., 2003.
162

amplitude, intensidade e duração do vibrato. Neles, a altura é representada pelo gráfico


superior e cada linha horizontal representa uma variação de semitom: quando a curva ocupa
o espaço inteiro entre duas linhas, significa que a variação de altura foi de um semitom; o
gráfico paralelo inferior revela as variações de intensidade, que são indicadas em termos de
decibéis: quando a curva sobe, significa que a intensidade aumentou; e, finalmente, a
duração é representada por pontos em décimos de segundo. (op. cit. p. 34). Através deles,
Seashore mostrou, por exemplo, que, no canto lírico, o vibrato ocorre em todas as notas.
Utilizamos nesse trabalho alguns gráficos que apresentam as variações na curva da
freqüência fundamental. Assim, efeitos e ornamentos como o portamento, o vibrato, a
apojatura, o retardo, a antecipação, a nota de passagem, o grupeto, o mordente, a nota
escapada e a nota improvisada podem ser representados e analisados.
Com eles, e com o auxílio do programa de computador Praat, é possível extrair as
variações de altura, por semitom ou por Hz, no espaço de tempo. Dessa forma, os gráficos
podem ser aproveitados numa proposta pedagógica, para que os efeitos sejam imitados e
treinados, ajudando a compreender as ocorrências também com o sentido da visão.
Seria interessante que os gráficos revelassem por si só, através de linhas horizontais
e verticais, as variações de altura e do tempo de forma mais detalhada, como os de Seashore
citados. Não extraímos esses dados com detalhes; porém, acreditamos que com os números
iniciais e finais dos dois parâmetros já é possível ter uma noção bem aproximada desses
números. Teria sido possível representar graficamente, e também analisar, as variações de
dinâmica e os acentos, mas também optamos por não aprofundar nessa questão.
Outros efeitos como algumas qualidades vocais, dentre elas a voz soprosa, o growl,
a voz rouca, entre outras, além da articulação, do fonema alterado, não podem ser
satisfatoriamente representados por espectros de freqüência (ARAÚJO et al., 2003, p.57)
nem pelos diagramas utilizados nesta pesquisa.

7.3.3 Uma proposta pedagógica

Apresentamos, a partir de exemplos originais, como três cantores consagrados


realizam a sua interpretação.
A partir deles, produzimos um material que apresenta uma aplicabilidade didática.
Com um suporte gráfico, oral e gravado, pode-se desenvolver a conquista do repertório a
partir do manancial musical que é referência para outros cantores.
163

O CD com os trechos musicais podem ser usados como uma ferramenta para extrair
dados e criar uma base de informações. Propomos usar o computador como interface para
quem quiser tentar reproduzir os exemplos sonoros.

7.3.3.1 O material editado


O recorte de trechos musicais mostrou-se uma ferramenta interessante para o
aprendizado já que funciona como uma lupa, um zoom, que permite que se ouça minúcias
de determinado efeito. A partir dessa audição e repetição, é possível imitá-lo e reproduzi-lo
de forma mais precisa.
Com a ajuda do computador, é possivel, através da execução de pequenos trechos,
detectar minúcias, detalhes que numa audição completa poderiam ficar perdidos. Ele
poderá auxiliar ainda com recursos como o aumento ou diminuição das velocidades, para
verificar, conferir e treinar os exemplos sonoros. Com a audição, percepção e memorização,
o ouvinte-aprendiz poderá experimentar, imitar e repetir aqueles exemplos, criando então
sua própria maneira de realizar a técnica.

7.3.3.2 Interface
No CD em anexo, apresentamos quatro arquivos de apresentação, no formato power
point. Ressaltamos que a escolha deste formato de apresentação pelo único motivo de
termos com ele maior familiaridade, mas poderíamos ter utilizado outros modelos como o
html, o flash, o pdf ou outros similares.
Três desses arquivos possuem exemplos de vibratos de cada cantor e o último
contém a canção Como Nossos Pais, interpretada por Elis Regina.
Nos arquivos dos vibratos, apresentamos os gráficos com as principais informações
sobre taxa do vibrato, amplitude, tempo e o que mais for relevante àquele ornamento,
acompanhado do som. Assim, na apresentação, é possível acompanhar auditiva e
visualmente.
No arquivo com a canção interpretada por Elis Regina, apresentamos a letra da
canção e os recortes efetuados dos trechos musicais. Acima de cada trecho da letra, um
gráfico correspondente acompanhado de som.
Como apresentamos os recortes do material, esses arquivos apresentam os efeitos
como se estivessem vistos e ouvidos com uma lupa. Assim, é possível ouvir toda a canção,
por trechos, ou cada efeito, repetindo quando necessário, identificando melhor os detalhes,
164

tentando imitá-los para melhor compreendê-los, enfim utilizando esse produto multimídia
como um material de estudo. As informações podem ser assimiladas, ouvidas e finalmente
conferidas nos gráficos.
Esse método de representação gráfica multimídia poderá ser aplicado em cursos,
palestras e estudos e temos interesse em avaliar o impacto pedagógico de sua utilização.
Lembramos que a utilização dos arquivos de apresentação não foi uma ferramenta
de pesquisa: eles são um display em formato multimídia dos resultados do material
analisado.

7.3.3.3 Propostas de exercícios


Apresentamos a seguir, três modelos de exercícios, baseados nas idéias de Seashore
(1967, p.47). O autor propõe uma série de exercícios para aprendizagem do vibrato, que
consiste em treinar o ouvido com o auxílio da visão, através da audição de um gravador
juntamente com a atenção ao modelo gráfico. Esses exercícios podem muito bem ser
aproveitados para todo o material que apresentamos no presente trabalho e que pode ser
representado graficamente.
Para o treinamento do reconhecimento da taxa do vibrato em outros cantores, sugere
que o aluno/aprendiz toque o gravador uma ou mais vezes e coordene o que ouve com os
detalhes que vê no gráfico da performance como, por exemplo, a velocidade da pulsação.
Depois, que treine dizer a taxa do vibrato no momento em que cada nota for ouvida, de
preferência com a ajuda de outrem para checar se está certo ou errado.(ibid., p. 49).
Para o treinamento do reconhecimento da taxa de vibrato em sua própria voz, sugere
que o aluno/aprendiz cante uma música com o gravador a fim de determinar se o seu
vibrato é mais ou menos extenso em altura do que o do outro artista. Recomenda que se
escolha apenas notas sustentadas e que, depois, proceda da mesma forma com a mesma
música determinando se sua taxa é maior ou menor que a do outro artista. O mesmo
procedimento pode ser aplicado para o estudo da extensão da pulsação.
Seashore (1967, p. 49) afirma que, durante o treinamento, há três estágios no
desenvolvimento do vibrato. O primeiro é a aquisição de informação científica e apreciação
artística crítica da real natureza do vibrato. A segunda é o treinamento pela audição para
adquirir habilidades na audição crítica e julgamento da performance. O terceiro é o
desenvolvimento de ajustes corretivos.
165

Esses estágios de desenvolvimento também podem ser aplicados no treinamento de


todos os recursos interpretativos apresentados nesse trabalho, inclusive os que não estão
representados graficamente. O gravador para gravação e execução pode se o do próprio
computador.
Como proposta de estudo de todos os efeitos apresentados, sugerimos algumas
possibilidades de exercícios.

7.3.3.3.1 – O arquivo de apresentação como ferramenta de estudo


Os arquivos de apresentação, no formato power point, que apresentamos em CD
anexo podem ser usados como ferramenta de audição, reprodução, e análise.
O Arquivo de Apresentação 1, que contém Como nossos pais, interpretada por Elis
Regina, possui a letra da canção com todas as indicações dos efeitos e ornamentos (como o
esquema apresentado no Capítulo 6.6). Acima de cada trecho, há um gráfico que representa
as curvas da freqüência fundamental daquele recorte musical. Inserimos ainda, em cada
gráfico, um arquivo sonoro correspondente, que pode ser ouvido ao se clicar em cima do
gráfico, enquanto estiver sendo exibinda a apresentação do arquivo. Nas anotações de cada
página, há uma descrição de todos os eventos ocorridos, por trecho correspondente ao
exemplo sonoro e ao gráfico.
A proposta de estudo é a seguinte:
1) Ouvir toda a canção, por trechos;
2) Ouvir novamente, detendo-se a um trecho de cada vez;
3) Ler as anotações relativas, comparando com os gráficos;
4) Ouvir novamente, identificando os efeitos assinalados;
5) Tentar reproduzir simultaneamente à execução do trecho;
6) Tentar reproduzir sem o auxílio da gravação;
7) Gravar o resultado da própria execução;
8) Comparar e avaliar o resultado.

7.3.3.3.2 Audição, experimentação e gravação


Os seguintes exercícios podem ser realizados, de preferência mas não necessariamente,
nessa ordem:
1) Audições repetidas do trecho musical que contém o gesto vocal que se almeja
aprender;
166

2) Obtenção de informações relativas àquele gesto vocal;


3) Novas audições para verificação do que foi descrito e reflexão sobre a possibilidade
de sua reprodução;
4) Tentativa de execução e imitação do efeito, sem o apoio do gravador;
5) Tentativa de execução e imitação do efeito, sem o apoio do gravador, juntamente
com o intérprete;
6) Nova tentativa de imitação do efeito, sem o acompanhamento do gravador, mas
registrando no mesmo a sua performance;
7) Audição do resultado;
8) Avaliação crítica do resultado.
Esses procedimentos podem e devem ser repetidos diversas vezes. Depois de seguro
quanto à possibilidade de reprodução e às especificidades daquele gesto vocal realizados
pelo intérprete-modelo, sugerimos tentativas livres de execução, para que o cantor busque
sua própria maneira de fazer, o seu toque pessoal de interpretação.

7.3.3.3.3 Exercícios que prescindem do gravador


Há ainda inúmeras possibilidades de exercícios sem o uso concomitante do
gravador. Lembramos que, apesar de não ser imprescindível, a audição de gravações é
sempre recomendada, antes dos exercícios (contendo a realização dos gestos vocais por
outros intérpretes) e depois (conferindo a própria performance nos exercícios). Sugerimos
alguns:
1) Alternar exercícios com portamentos que se distingam perceptivamente do legato e
outros sem esses portamentos.
2) Execução de um trecho musical em que todas as articulações contenham antecipações,
por exemplo. Em seguida, o mesmo trecho musical sem essas antecipações.
O mesmo processo pode ser realizado sobre todos os outros ornamentos. Dessa
forma, o cantor pode lançar mão de todos os recursos conscientemente, escolhendo de
forma criteriosa onde e como inseri-los e evitando, assim, a repetição exagerada e
enfadonha.
167

CAPÍTULO 8. CONCLUSÕES

Verificamos que os cinco professores de canto entrevistados estudaram inicialmente


o canto lírico, porque não havia, até os anos 1980, no Brasil, professores de canto popular.
Para criar seus métodos de ensino, eles vêm adaptando as técnicas do canto lírico
para o objetivo estético do canto popular, a partir de suas próprias pesquisas e experiências
pessoais. Essa adaptação é fundamental, visto que há diferenças estéticas entre os estilos.
Citamos, inclusive, exemplos de alunas que estudaram o canto lírico ou com professores de
canto popular com formação lírica e que tiveram dificuldades em adaptar a técnica que
aprenderam para a prática do canto popular, da maneira como, elas próprias e seus
públicos, a identificava.
A importância da identidade e do reconhecimento de uma prática no contexto
cultural foi considerada no segundo capítulo, onde discutimos como e por quê o que
identificamos traz a sensação de conforto e o que nos soa diferente, causa estranheza. Esse
não reconhecimento explica, por exemplo, o suposto preconceito que há por parte do cantor
popular para a interpretação do canto lírico e vice-versa. Há preconceito de ambas as partes
porque o canto lírico e o canto popular são diferentes e não podem ser avaliados sob os
mesmos parâmetros.
Avaliamos ainda o peso da tradição do canto lírico e de seu ensino e, por isso
mesmo, a dificuldade enfrentada por muitos professores em adotar ou assumir um método
de ensino baseado primordialmente na estética do canto popular.
O entendimento sobre “a técnica” é uma das questões nebulosas detectadas no
discurso dos profissionais do canto. Muitos professores defendem uma mesma “base
técnica” para o canto lírico e popular, qual seja a descrita pelos tratados de canto lírico. Isso
é compreensível já que alguns de seus exercícios são baseados em padrões adotados por
quase todas as práticas que utilizam o corpo, como esportes, dança e teatro, por exemplo,
que recomendam trabalhos de postura, equilíbrio, respiração, relaxamento, entre muitos
outros. Além destes, aspectos especificamente vocais ou musicais são trabalhados como
alongamento das pregas vocais, variações de dinâmica, entre outros.
Por outro lado, ninguém parece contestar o fato de que o canto lírico e o canto
popular são diferentes esteticamente. Isso nos confirmaram os professores de canto
entrevistados. Lembramos que a técnica é um conjunto de procedimentos, e não apenas
168

um, que define uma maneira de fazer algo. Portanto, a técnica como um todo não pode ser a
mesma para o canto popular e o lírico, embora alguns de seus aspectos possam ser iguais.
Concluímos, em conformidade com quase todos esses professores, que os aspectos nos
quais se diferenciam devem ser trabalhados em aula, em busca dos resultados almejados.
Consideramos, como não poderia deixar de ser, o aprendizado sempre bem vindo.
Quanto mais recursos o artista puder usar e escolher, melhor, principalmente em se tratando
de um artista popular que tem mais liberdade na escolhas dos recursos. Mas, mesmo os
cantores líricos, que cada vez mais se deparam com novas demandas profissionais e
interpretativas, como as da música contemporânea ou da estética dos espetáculos musicais,
para citar alguns, podem vir a se beneficiar com o uso de outras possibilidades de gestos
vocais.
Observamos que algumas características do canto popular estão sendo consideradas
nas aulas de canto e discutidas entre os professores, como, por exemplo, as possibilidades
de uso de qualidades vocais diversas. Porém, nem todas estão sendo trabalhadas dessa
maneira. Podemos exemplificar com a passagem entre os registros. Apesar de muitos
professores concordarem que, ao contrário do canto lírico, no canto popular não é
necessário que a passagem soe desapercebida, todos disseram trabalhar para que assim seja.
Além disso, nenhum professor mencionou trabalhar em aulas os gestos vocais detectados
nesta pesquisa.
Para transmitir as especificidades do canto popular, é necessário que se conheça e
pesquise suas características. Demos um pequeno passo nessa direção. Analisamos a
interpretação de apenas três cantores. Apesar de serem em pequeno número, escolhemos
aqueles representativos dessa prática por serem consagrados por certo público por muitos
anos consecutivos. Através dos resultados, podemos tirar algumas conclusões e apontar
direções e tendências.
Os fonogramas analisados nos forneceram a base para as conclusões acerca das
características interpretativas da música popular.
Uma característica importante da interpretação de Elis Regina é que, dos três, é a
que utiliza a maior variedade de recursos analisados: 31, contra 23, de Caetano Veloso e 25,
de Milton Nascimento. Só não detectamos, nas gravações da cantora, o uso da articulação
pastosa e cerrada, a nota de passagem e o grupeto. Ela também lança mão dos gestos
169

vocais com mais freqüência que os outros dois cantores (142% contra 125% de Milton
Nascimento e 110% de Caetano Veloso). A variação dinâmica, por exemplo, é o recurso
mais utilizado por ela (está presente em 37% das sílabas ou fonemas) e também em relação
aos outros cantores (Milton Nascimento: 7% e Caetano Veloso: 3%). A voz em fry também
é usada muito mais vezes por Elis Regina (7%) do que pelos outros cantores (2 e 0,5%). O
mesmo vale para a voz falada: aparece em 22 sílabas ou fonemas da cantora (2%) enquanto
que em seis de Caetano Veloso (0,3%) e em nenhuma de Milton Nascimento.
Alguns efeitos foram verificados apenas na interpretação de Elis Regina, como a
expiração com suspiro (30 ocorrências), o breque (11 ocorrências) e a qualidade de voz
ful (11 ocorrências).
O que se destaca na interpretação de Caetano Veloso é principalmente a ampla
utilização do acento, da articulação exagerada, do fonema alterado e da mudança de
qualidade vocal (nasal, suja, laringe abaixada e com ar). O acento aparece em 16% das
sílabas ou fonemas de suas canções, enquanto que Elis Regina as utiliza em 3% e Milton
Nascimento em 2%. A freqüência de uso da articulação exagerada em Caetano Veloso é
de 14%, contra 2% de Elis Regina e nenhuma de Milton Nascimento.
Milton Nascimento, por sua vez, utiliza o vibrato e o portamento mais do que os
outros cantores e é o único a utilizar o grupeto e a nota de passagem. Ele lança mão do
vibrato em 34% das sílabas ou fonemas, contra 17% de Elis Regina e 11% de Caetano
Veloso, e do portamento em 42% das sílabas ou fonemas, contra 35% de Elis Regina e
26% de Caetano Veloso.
Em termos dos mecanismos de funcionamento (vide Capítulo 4, Quadro 1) podemos
perceber que a utilização dos recursos por Elis Regina e Caetano Veloso se dão
principalmente, mas não apenas, no âmbito da conformação da mudança na qualidade da
voz e nas manobras de intensidade ou amplitude. Elis Regina explora muito também os
sons respiratórios enquanto que Caetano Veloso as manobras articulatórias. A
interpretação de Milton Nascimento, por sua vez, se dá principalmente no âmbito das
manobras melódicas e temporais.
São vinte gestos vocais, do total de 35 avaliados, que aparecem na interpretação de
todos os cantores analisados, em ordem dos mais usados: portamento (ascendente,
descendente e descendente final), vibrato, variação dinâmica, mudança de qualidade
170

vocal (voz em fry, falsete, nasal, suja e com ar), acento, expiração sonora durante e no
fim da palavra, inspiração sonora, antecipação, mordente, retardo, fonema alterado,
apojatura e nota improvisada. Os três cantores utilizam mais de um ornamento ou efeito
por sílaba ou fonema.
Podemos supor, pelo grande número de gestos vocais utilizados pelos três cantores,
que, possivelmente, um cantor experiente utilizará uma maior variedade de gestos vocais,
diferentemente de um cantor inexperiente que muitas vezes lança mão de um mesmo
recurso inúmeras vezes, podendo tornar a interpretação repetitiva. Por isso, a escolha
consciente e criteriosa no uso dos efeitos é recomendável, para evitar exageros
interpretativos e a possibilidade de produção de “cantores em série”, mencionada pelos
professores entrevistados como uma preocupação em relação ao ensino do canto popular.
Dos gestos vocais detectados nas análises, alguns são verificados quase que
exclusivamente no canto popular. A mudança de qualidade vocal – das quais cinco delas
foram utilizadas pelos três cantores – é verificada com freqüência no canto popular, em
14% das sílabas ou fonemas analisados, e não é recomendada na maior parte do repertório
do canto lírico. Pelas raras vezes em que verificamos a mudança de registro para o falsete
(oito sílabas em 3331, ou seja, 0,2%) nas análises, podemos apontar para a confirmação da
tendência de o intérprete popular utilizar a voz de peito como registro predominante, ao
contrário do canto lírico no qual as vozes femininas utilizam quase que exclusivamente a
voz de cabeça (falsete).
Outros gestos vocais que praticamente só encontramos no canto popular são a
expiração e a inspiração sonoras, o breque, as notas improvisadas, o fonema alterado e
a nota escapada acompanhada de mudança da qualidade vocal para a voz de falsete.
Pudemos verificar ainda que há gestos vocais que são usados tanto no canto popular
quanto no canto lírico, como os portamentos, os vibratos, as variações dinâmicas, o acento.
Mas verificamos também que as características desses gestos vocais nem sempre são iguais.
Os vibratos, por exemplo, não são usados no canto popular em todas as notas, como
o são quase sempre no canto lírico (SEASHORE, 1967, p.35), mas em apenas 17% das
sílabas ou fonemas. A cauda do vibrato lírico, detectada por Prame (1994), nem sempre
apresenta aceleração no canto popular: muitas vezes, ao contrário, apresenta uma
desaceleração de sua taxa e uma diminuição da amplitude, algumas vezes apresenta aquela
171

aceleração e outras ainda não há variação da taxa, o que aponta para uma não
obrigatoriedade neste aspecto. De sete vibratos de Caetano Veloso com variação da taxa,
cinco apresentam uma diminuição de sua taxa e apenas dois tiveram um aumento. De seis
exemplos do Milton Nascimento com variação da taxa, em dois ocorre uma diminuição e,
em quatro, um aumento. Elis Regina é a que apresenta um resultado mais próximo daquele
observado por Prame: de seis vibratos com variação de taxa, apenas um apresentou uma
diminuição, e assim mesmo uma mudança bem sutil – de 5,4c/s para 5c/s - e os outros
cinco apresentaram um aumento em sua taxa.
O vibrato antecedido pela nota lisa, apesar de ser um recurso usado em peças de
alguns períodos do repertório lírico, é comum no canto popular. Dos vibratos analisados,
detectamos esse procedimento em três dos doze vibratos de Caetano Veloso e em três dos
dez vibratos de Elis Regina.
Observamos a ocorrência de portamentos em 31% das sílabas ou fonemas, enquanto
que a freqüência encontrada por Seashore (1967, p.270) foi bem superior: a ocorrência foi
de pelo menos 65% das notas.
Vale considerar que trabalhamos como que num recorte do tempo. Embora não
tenhamos abarcado a interpretação em toda a história do canto popular brasileiro urbano, os
cantores analisados ocupam o cenário musical brasileiro há pelo menos quarenta anos.
Ninguém duvida de que são ícones da música popular brasileira urbana e que, por isso,
venham servindo de referência para outros cantores.
Apesar de cada um dos três cantores possuírem especificidades no uso dos recursos
interpretativos - que são poucas, como vimos - verificamos que há entre eles muitos mais
pontos em comum. Por esses motivos, acreditamos que os gestos vocais utilizados por eles
são representativos da prática do canto popular brasileiro.
Nesse painel de efeitos encontrados, não se esgotam todas as possibilidades do
canto popular brasileiro e sequer as possibilidades de cada cantor. Porém, a partir dele foi
possível detectar algumas características peculiares e tendências de sua utilização. Uma vez
detectadas, elas podem servir de modelo para a identificação de outras similares ou
diferentes. A partir da compreensão desses gestos vocais, eles poderão ser incorporados ao
corpo técnico e disponibilizados para todos os interessados, servindo também como
ferramenta para sua reprodução e transmissão.
172

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABREU, Felipe. Características do Canto Erudito e do Canto Popular Urbano no Ocidente


Contemporâneo. Revista Backstage. Rio de Janeiro: Editora H. Sheldon, agosto de 2000.

ABREU, Felipe. A Questão da Técnica Vocal ou a Busca da Harmonia entre Música e


Palavra. In MATOS, Claudia Neiva de; MEDEIROS, Fernanda Teixeira de; TRAVASSOS,
Elizabeth (organizadoras). Ao Encontro da Palavra Cantada – Poesia, Música e Voz. Rio
de Janeiro: 7 Letras, 2001.

ABREU, Felipe. Técnica vocal para o canto popular: princípios e pontos relevantes.
[S.n.]: jan. 2004. (apostila oferecida durante o workshop realizado na UniRio).

ALVARENGA, Oneyda. Música popular brasileira. Rio de Janeiro: Globo, 1950.

ANAIS DO PRIMEIRO CONGRESSO DA LÍNGUA NACIONAL CANTADA. In: Anais


do Primeiro Congresso da Língua Nacional Cantada. São Paulo: Departamento de Cultura,
1938.

ANDRADA E SILVA, Marta Assumpção. Tipologia da voz no samba carioca. Tese


(Doutorado em Comunicação e Semiótica). São Paulo: PUC/SP, 2001.

ANDRADE, Mário de. Ensaio sobre a música brasileira. São Paulo: Livraria Martins
Editora, 1962.

ARAUJO, Samuel. Identidades brasileiras e representações musicais: músicas e ideologias


da nacionalidade. Brasiliana. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Música, 2000.

ARAÚJO, Samuel; FUKS, Leonardo. Práticas vocais no samba carioca: um diálogo entre a
acústica musical e a etnomusicologia. In MATOS, Claudia Neiva de; MEDEIROS,
Fernanda Teixeira de; TRAVASSOS, Elizabeth (organizadoras). Ao Encontro da Palavra
Cantada – Poesia, Música e Voz. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2001. p.278-288.

ARAÚJO, Samuel; FUKS, Leonardo; AMARAL, Ulisses; PINTO, Yahn Wagner Ferreira.
Diálogos entre a acústica musical e a etnomusicologia: um estudo de caso de estilos vocais
no samba carioca. Per Musi. v.7. Belo Horizonte: Escola da Música da UFMG, 2003. p.52-
67.

BOYDEN, David D.; STOWELL, Robin. Glissando. In: GROVE MUSIC ONLINE,
Oxford University Press, 2006.

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é folclore. 13. ed. São Paulo: Brasiliense, 2003.

BRITO, Brasil Rocha. Bossa Nova. In: CAMPOS, Augusto de. Balanço da Bossa e outras
bossas. 5 ed. São Paulo: Perspectiva, 2005, p. 17-50.
173

CALADO, Carlos. Tropicália: a história de uma revolução musical. São Paulo: Ed. 34,
1997.

CAMPOS, Augusto de. Balanço da Bossa e outras bossas. 5 ed. São Paulo: Perspectiva,
2005.

CAMPOS, Augusto de. Informação e redundância na música popular. In: Balanço da Bossa
e outras bossas. 5 ed. São Paulo: Perspectiva, 2005a. p.179-188.

CASTELLENGO M. Les deux principaux mécanismes de production de la voix humaine,


leur étendue et leur utilisation musicale. Colloque "La voix dans tous ses éclats". Paris:
Centre Pompidou, 1986.

CASTELLENGO M., ROUBEAU B. Voice Range Profile in relationship to laryngeal


vibratory mechanisms. Paris: International CoMeT Congress, 1997.

CASTRO, Enio de Freitas. Uma escola brasileira de canto. In: Anais do Primeiro
Congresso da Língua Nacional Cantada. São Paulo: Departamento de Cultura, 1938. p.
431-436.

CASTRO, Gabriela Samy de. O Ensino de Canto Popular – Algumas Abordagens.


(Monografia de Graduação). Rio de Janeiro: UNIRIO/CLA, 2002.

CHEDIAK, Almir (Prod.). Songbook Tom Jobim. v.1-3. Rio de Janeiro: Lumiar, 1990a.

______. Songbook Bossa Nova. v.1-5. Rio de Janeiro: Lumiar, 1990b.

______. Songbook Noel Rosa. v.1-3. Rio de Janeiro: Lumiar, 1991.

______. Songbook Caetano Veloso. v.1-2., 7.ed. Rio de Janeiro: Lumiar, 1994.

______. Songbook Chico Buarque. v.1-4., 6.ed. Rio de Janeiro: Lumiar, 1999.

DINIZ, Júlio - A voz como construção identitária. In MATOS, Claudia Neiva de;
MEDEIROS, Fernanda Teixeira de; TRAVASSOS, Elizabeth (organizadoras). Ao
Encontro da Palavra Cantada – Poesia, Música e Voz. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2001. p.
207-216

DISCOTECA PÚBLICA DO DEPARTAMENTO DE CULTURA. A pronúncia cantada e


o problema do nasal brasileiro através dos discos. In: Anais do Primeiro Congresso da
Língua Nacional Cantada. São Paulo: Departamento de Cultura, 1938.

DONINGTON, Robert. Interpretation. In: SADIE, S (Edit). The New Grove Dictionary of
Music and Musicians. v.6. Londres: Machellon, 1980. p. 276.

ENCICLOPÉDIA DA MÚSICA BRASILEIRA: popular, erudita e folclórica. 2ª ed. São


Paulo: Art Editora, Publifolha, 1998.
174

FANT, G. Acoustic theory of speech production. The Hague: Mouton, 1960.

FÉLIX, Sandra Mara de Paula. O ensino de canto no Brasil: uma visão histórica e uma
reflexão aplicada ao ensino de canto no Brasil. Dissertação (Mestrado). Rio de Janeiro:
UFRJ, 1997.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de


Janeiro: Nova Fronteira, 1975.

GOULART, Diana; COOPER, Malu. Por Todo Canto: Coletânea de Exercícios de Técnica
Vocal. Rio de Janeiro: D. Goulart, 2000.

GREEN, L. How popular musicians learn: a way ahead for music education. Londres;
Nova York: Ashgate Press, 2001.

HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. Tradução: Tomaz Tadeu da


Silva, Guaracira Lopes Touro. 7. ed. Rio de Janeiro: DP&A editora, 2003.

HARRIS, Ellen T. Portamento. In: GROVE MUSIC ONLINE, Oxford University Press,
2006.

HELMHOLTZ, Hermann von. On the Sensations of Tone as a Physiological basis of the


Theory of Music. (Trad.: Alexander Ellis). Nova York: Dover Publications, 1954. Primeira
publicação em 1863.

HOLLANDA, Chico Buarque de. Chico Buarque, letra e música. São Paulo: Companhia
das Letras, 1989.

HOWARD, Elisabeth; AUSTIN, Howard. Born to sing. Los Angeles: Vocal Power Inc.,
2002.

KREITNER, Kenneth. Ornaments. In: SADIE, S (Edit). The New Grove Dictionary of
Music and Musicians. Londres: Machellon, 1980. v.13, p. 827-866.

LAVER, John. The phonetic description of voice quality. London: Cambridge University
Press, 1980.

LEITE, Marcos. Método de Canto Popular Brasileiro para vozes médio-agudas. Rio de
Janeiro: Lumiar Editora, 2001.

LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia Estrutural. 2.ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,


1970.

LOMAX, Alan. Folk Song Style and Culture. New Brunswick, New Jersey: Transaction
Books, 1968.
175

LUIZ HEITOR. 150 anos de música no Brasil (1800-1950). Rio de Janeiro: José Olympio,
1956.

MASCARENHAS, Mário. O melhor da música popular brasileira. São Paulo: Irmãos


Vitale, 1982.

MEDAGLIA, Julio. Balanço da Bossa Nova (1966). In: Balanço da Bossa e outras bossas.
5 ed. São Paulo: Perspectiva, 2005. p. 67-123.

MENDES, Gilberto. De como a MPB perdeu a direção e continuou na vanguarda. In:


Balanço da Bossa e outras bossas. 5 ed. São Paulo: Perspectiva, 2005. p.133-140.

MESQUITA, Suely. Técnicas experimentais e cantores auto-didatas. [S.l.: s.n.], [199-]


(texto não publicado).

MIGNONE, Francisco. A pronúncia do canto nacional. In: Anais do Primeiro Congresso


da Língua Nacional Cantada. São Paulo: Departamento de Cultura, 1938.

PEREIRA, Maria Elisa. Mário de Andrade e o dono da voz. In PER-MUSI – Revista de


Performance Musical. - V.5-6. Belo Horizonte: UFMG/Escola de Música, 2002.

PERRONE, Charles; DUNN, Christopher. “Chiclete com Banana” – Internalization in


Brazilian Popular Music. In: PERRONE, Charles; DUNN, Christopher (Edits). Brazilian
Popular Music & Globalization. Flórida: University Press of Florida, 2001. p.1-38.

PICCOLO, Adriana Noronha. Canto popular brasileiro: a caminho da escola. (Monografia


de Graduação). Rio de Janeiro: UNIRIO/CLA, 2003.

PINTO, Rita Cássia Gonçalves. O ensino de canto popular brasileiro: técnica e estética.
(Monografia de Graduação). Cuiabá, MT: UFRMT/Instituto de Linguagens/Dpto. Artes,
2006.

PRAME, Eric. Measurements of the vibrato rate of tem singers. Local: J. Acoustical
Society of America, 1994.

ROSA, Lorena Luiza Costa. Vibrato sertanejo: análise acústica e conceitos fisiológicos no
trato vocal. Dissertação (Mestrado). São Paulo: USP/FM, 2003.

ROUBEAU B., CASTELLENGO M. Revision of the notion of voice register, XIX°


International CoMeT Congress, Utrecht, 1993.

SADIE, Stanley (Ed.). Dicionário Grove de Música: edição concisa. Editor-assistente


Alison Latham; tradução Eduardo Francisco Alves. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.

SAKAKIBARA, K; FUKS, L.; IMAGAWA, H.; TAYANA, N. Growl voice in ethnic and
pop styles. Japão: ISMA, 2004.
176

SAMPAIO, Eliane. Novas Idéias Velhas, Velhas Idéias Novas. A Voz no século XXI - II
Congresso Brasileiro de Canto. Rio de janeiro: Associação Brasileira de Canto, out. 2002.
p.21-24.

SANDRONI, Carlos. Adeus à MPB. In: Decantando a República, v. 1: inventário histórico


e político da canção popular moderna brasileira. Org: Berenice Cavalcante, Heloisa Maria
Murgel Starling, José Eisenberg. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; São Paulo: Fundação
Perseu Abramo, 2004. p.25-34.

SANDRONI, Carlos. Feitiço decente: transformações do samba no Rio de Janeiro, 1917-


1933. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; UFRJ, 2001.

SANDRONI, Clara. 260 Dicas para o Cantor Popular – profissional e amador. Rio de
Janeiro: Lumiar Editora, 1998.

SANDRONI, Clara. Canto Popular e Universidade. A Voz no século XXI - II Congresso


Brasileiro de Canto. Rio de janeiro: Associação Brasileira de Canto, out. 2002.

SEASHORE, Carl E. Psychology of Music. New York: Dover Publications, 1967.

SEVERIANO, Jairo & MELLO, Zuza Homem de. A canção no Tempo – 85 Anos de
Músicas Brasileiras, vol 1: 1901-1957. 5. ed. São Paulo: Editora 34, 1997a.

SEVERIANO, Jairo & MELLO, Zuza Homem de. A canção no Tempo – 85 Anos de
Músicas Brasileiras, vol 2: 1958-1985. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 1997b.

SUNDBERG, Johan. The Science of The Singing Voice. Illnois: Northern Illinois
University Press, 1987.

TAGG, Philip. Analisando a música popular: teoria, método e prática. EM PAUTA (Revista
do Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul), v.14, n.23, dezembro de 2003. p.5-42.

THIEMEL, Matthias. Dynamics. In: GROVE MUSIC ONLINE, Oxford University Press,
2006.

TINHORÃO, José Ramos. Pequena história da música popular – da modinha ao


tropicalismo. 5a. ed. São Paulo: Art Editora, 1986.

TINHORÃO, José Ramos. Música Popular: um tema em debate. 3. ed. (revista e


ampliada). São Paulo: Ed. 34, 1997.

ULHÔA, Martha Tupinambá de. B Rockin’ Liverpool: significado e competência musical.


EM PAUTA (Revista do Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul), v.14, n.23, dezembro de 2003. p. 43-61.
177

VELOSO, Caetano. Carmen Mirandadada. In: PERRONE, Charles; DUNN, Christopher


(Edits). Brazilian Popular Music & Globalization. Flórida: University Press of Florida,
2001. p.39-45.

VIANNA, Luiz Werneck. Os “simples” e as classes cultas na MPB. In: Decantando a


República, v. 1: inventário histórico e político da canção popular moderna brasileira. Org:
Berenice Cavalcante, Heloisa Maria Murgel Starling, José Eisenberg. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira; São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004. p.71-78.

VIDAL, Mirna Rubim de Moura. Pedagogia vocal no Brasil: uma abordagem


emancipatória para o ensino-aprendizagem do canto. Dissertação (Mestrado em Música
Brasileira). Rio de Janeiro: UNIRIO/PPGM, 2000.
178

REFERÊNCIAS FONOGRÁFICAS

BELCHIOR. Como nossos pais. Intérprete: Elis Regina. In: Elis por ela. Rio de Janeiro:
Warner Music Brasil, 1992. 1 CD.

BORGES, Telo; BORGES, Márcio. Voa bicho. In: MILTON NASCIMENTO. Pietá. Rio
de Janeiro: Warner Music Brasil, 2002. 1 CD. Faixa 8.

BORGES, Telo; NASCIMENTO, Milton. Tristesse. Intérprete: Milton Nascimento. In:


MILTON NASCIMENTO. Pietá. Rio de Janeiro: Warner Music Brasil, 2002. 1 CD. Faixa
4.

CAYMMI, Dorival. Marina. Intérprete: Gilberto Gil. In: GIL. A gente precisa ver o luar.
São Paulo: WEA Discos, p1989. 1 disco sonoro. Lado B, faixa 5.

CONTINENTINO, Kiko; NASCIMENTO, Milton. Vozes do vento. In: MILTON


NASCIMENTO. Pietá. Rio de Janeiro: Warner Music Brasil, 2002. 1 CD. Faixa 16.

HENRIQUE, Flávio; AMARAL, Chico. Casa Aberta. Intérprete: Milton Nascimento. In:
MILTON NASCIMENTO. Pietá. Rio de Janeiro: Warner Music Brasil, 2002. 1 CD. Faixa
2.

LINS, Ivan; SOUZA, Ronaldo Monteiro de. Madalena. Intérprete: Elis Regina. In: ELIS
REGINA. Madalena. Rio de Janeiro: Philips, p.1971. 1CD. Faixa 9.

NASCIMENTO, Milton; BRANT, Fernando. Ponta de Areia. In: MILTON


NASCIMENTO. Minas. Rio de Janeiro: EMI-ODEON, p1975. 1 CD. Faixa 6.

NASCIMENTO, Milton. Pietá. Rio de Janeiro: Warner Music Brasil, 2002. 1 CD.

VALLE, Marcos; VALLE, Paulo Sérgio. Black is beautiful. Intérprete: Elis Regina. In:
ELIS REGINA. Ela. Rio de Janeiro: Philips, p.1971. 1CD. Faixa 2.

VELOSO, Caetano. Odara. Intérprete: Caetano Veloso. In: CAETANO. Bicho. Brasil:
Polygram, p1989. 1CD. Faixa 1.

VELOSO, Caetano; CAMPOS, Haroldo. Circuladô de Fulô. In: CAETANO VELOSO.


Circuladô. Brasil: Polygram, p1991. 1CD. Faixa 2.

VELOSO, Caetano. Fora da Ordem. In: CAETANO VELOSO. Circuladô. Brasil:


Polygram, p1991. 1CD. Faixa 1.
179

ANEXOS

Anexo 1 - Entrevistas com cantores e professores de canto popular

1.1 Questionário aplicado aos professores de canto

• Como/Com quem você aprendeu a cantar? (erudito ou popular)?


• Quando você começou a dar aulas de canto popular?
• Para que serve o ensino do canto popular? (qual a importância)
• Em que técnica você se baseia para ensinar?
• Que resultados são buscados no ensino do canto erudito? E no canto popular?
• A técnica de canto erudito é igual a do canto popular? Por quê (ou onde estão as
diferenças e semelhanças)?
• Como se trabalha essa diferença?
• O uso do microfone interfere na diferença entre as duas técnicas? E a busca da
sonoridade mais próxima da voz falada?
• É possível cantar um ou outro estilo (popular e erudito) através da mesma
escola/método de ensino?
• Você acha que um cantor popular não precisa ter uma extensão vocal muito ampla?
ou Se o cantor/aluno quiser usar notas agudas cantando, isso pode atrapalhar sua
interpretação de música popular brasileira?
• Cantar música popular prejudica a voz do cantor erudito? E o contrário?
• Conhece muitos professores de canto popular? Quando acha que surgiram?
• Quantos alunos de canto popular você tem?
• Acha que a procura por esse tipo de aula tem aumentado? Desde quando?
• Você dá aulas em grupo, ou em cursos? Quais?
• Costuma participar de encontros e/ou reuniões para discussões com outros
professores de canto popular?
• Como você vê a questão do ensino de canto popular hoje? (Acha que existem
profissionais preparados, que há um consenso sobre a técnica?)
• Você acha que existe uma escola de canto popular brasileiro?
• Acha que é importante e que é possível se chegar a um consenso sobre a
metodologia / técnica de ensino do canto popular?
180

1.2 Questionário aplicado aos cantores Elza Soares, Leila Pinheiro e Ney Matogrosso

• Como você aprendeu a cantar?


• Quais são suas referências estéticas? (influências)
• O que é ser um bom cantor de música popular brasileira?
• Quais são suas preocupações ao cantar?
• A técnica é importante para o cantor popular?
• Você já sentiu falta de técnica para cantar?
• Você já aprendeu canto? Popular ou erudito?
• O que achou da aula de canto? Serviu para a finalidade desejada?
• Você acha que a técnica de canto erudito é bom para o canto popular? Por quê?
• Cantar música popular prejudica a voz do cantor erudito? E o contrário?
• Conhece outros cantores populares que tenham tido aulas de canto?

Anexo 2 – Transcrição de trecho da entrevista concedida por Elizeth Cardoso ao


Programa “Villa-Lobos – Alma Brasileira, Nº 1”, produzida pela Rádio Mec.

“Eu fui convidada pelo Diogo Pacheco, sem ter idéia do que ia acontecer, né? Ele
chegou na minha casa, aliás ele me convidou pelo telefone. ‘Ah, nós queríamos que você
fizesse uma apresentação aqui em São Paulo e tal cantando a “Bachianas Nº 5”, de Villa-
Lobos’. Eu aí fiquei assim, meu Deus do céu, Villa-Lobos, Bachianas, não tinha idéia de
nada. Eu não sabia de nada. ‘Sim, mas eu vou ao Rio pra conversar com vc’. Foi à minha
casa, marcou comigo, foi a minha casa e me explicou que queria que eu cantasse a
“Bachianas” de Villa-Lobos, “Nº5” como eu cantava o “Chão de estrelas”, o “Canção de
amor demais”, não sei o quê... Eu achei aquilo bonito: ‘bom, cantar assim é muito bom’.
Ele disse ‘ta, eu vou embora pra São Paulo e vou lhe mandar o disco pra você aprender’.
Aí eu peguei o disco, um LP deste tamanho, quando eu botei a agulha e escutei, eu dei um
grito: ‘Lurdes!!’” (risos) “’vem aqui!! Olha o quê que aquele homem quer que eu cante!’”
(mais risos) “A gravação em alemão” (gargalhadas) “a cantora cantando em alemão” (e
imita com um agudo “uuh” e um forte vibrato) “’aí, meus Deus do céu, que isso??’ Depois,
Bidu Sayão, não sei o quê, vieram várias gravações pra eu ouvir, eu digo, ‘eu não posso
cantar’. Mas quando eu pensei que não podia cantar, ela já havia voltado pra São Paulo e
já tinha começado a propaganda. Eu disse: ‘Diogo, eu não consigo, quê que eu vou
181

fazer??’ Ele disse: ‘não, você não se preocupe com a mão embaixo do busto, nada disso.
Cantores eruditos, não quero nada disso. Eu quero que você cante a Bachianas, toda a
Ária da Bachianas, o Irerê, tudo isso eu quero que você cante como se você tivesse
cantando o “Feitiço da Vila”, o “Feitio de oração”, um negócio assim, com a sua voz.
Sem colocação...’ Eu digo: ‘Claro, porque pra colocar a voz, onde é que eu vou colocar a
voz? Só no microfone!’” (risos, gargalhadas) “Não é? Aí foi que eu comecei a aprender e a
minha irmã, a Lurdes, foi procurar Dona Mindinha no Museu do Villa-Lobos e ela mandou
todas as letras. Eu aprendi aquilo tudo, parti aqui pra São Paulo, três dias antes da
apresentação no Teatro Municipal... Quando ele me disse que três dias antes o Teatro já
tava vendido aí eu foi que eu esfriei, e foi uma coisa terrível quando eu vi aqueles
professores todos no palco do Teatro Municipal e eles deram a introdução da Bachianas,
eu digo: ‘meu Deus, quê que vai ser de mim?’ Aí comecei, ensaiei, durante três dias
ensaiei, ensaiei... eu sei que eu cantei, consegui cantar, aqui, quando acabei de cantar, me
fizeram cantar outra vez... risos

Anexo 3 - Descrição dos gestos vocais detectados nas canções

3.1 Intérprete: Elis Regina

3.1.1 Black is beautiful (de Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle)

Hoje cedo, na rua do Ouvidor – antecipação de ru para a, mordente em ce de cedo e


mordente e expiração sonora em dor;
Quantos brancos horríveis eu vi - ataque em portamento ascendente nas sílabas quan,
bran e vi, vibrato em cos, acento em ri, finalização de vi em portamento descendente com
um breque sucedido por dinâmica decrescente e uma mudança de qualidade para um fry
seguido de um leve suspiro;
Eu quero um homem de cor – ataque de eu em apojatura ascendente com portamento,
ataque em portamento ascendente em que, portamento descendente em um seguido de
ascendente em ho resultando como uma mordente entre as duas sílabas, ataque em
portamento ascendente em cor, seguido de vibrato e final em portamento descendente e
dinâmica decrescente até uma mudança de qualidade vocal para fry;
Um Deus negro, do Congo ou daqui – Ataque em fry portamento ascendente em um,
vibrato em gro, ataque em portamento ascendente nas sílabas ne, Con, ou e qui, com acento
182

em ne e em Con. Ela faz um corte entre as frases um Deus negro, do Congo e ou daqui,
tendo entre as duas últimas uma inspiração sonora e, no final de cada uma, uma dinâmica
decrescente, em gro, go e qui. A sílaba qui possui três notas improvisadas descendentes, um
vibrato desde a primeira até o fim e a dinâmica decrescente propicia a mudança da
qualidade vocal para um fry;
Hoje cedo - mordente em ce de cedo;
Na rua do Ouvidor – antecipação de ru para a, retardo de do para ou, ataque da sílaba dor
em portamento ascendente e finalização em portamento descendente em dinâmica
decrescente, mudando para uma qualidade vocal falada, seguido de um breque e um
suspiro;
Quantos brancos – ataque em portamento ascendente nas sílabas quan e bran, vibrato em
cos;
Horríveis eu vi – portamento descendente em ho antes da articulação para ri, acento ri,
ataque de vi em apojatura ascendente, seguido de um breque, um portamento descendente
em dinâmica decrescente chegando a uma mudança de qualidade vocal para fry, seguido de
um suspiro;
Eu quero um homem de cor – Inspiração sonora antes da frase, vibrato em eu, ataque das
sílabas que e ho em portamento ascendente, apojatura com portamento ascendente e vibrato
em co, tendo ao final uma nota improvisada em portamento ascendente seguida de
descendente e aí ocorrendo uma dinâmica decrescente, a mudança de qualidade vocal para
fry e uma expiração sonora;
Um Deus negro, do Congo ou daqui – ataque da sílaba um em fry, vibrato em gro, ataque
em portamento ascendente nas sílabas ne, Con, da e qui, com acento em ne e em Con.
Como na outra frase igual a esta, ela faz um corte entre as frases um Deus negro, do Congo
e ou daqui, tendo entre as duas últimas uma inspiração sonora e o final de cada uma tem
uma dinâmica decrescente, em gro, go e qui. A sílaba qui também possui três notas
improvisadas descendentes, um vibrato desde a primeira até o fim e a dinâmica decrescente
propicia a mudança da qualidade vocal para um fry;
Que se integre – ataque em portamento ascendente em te e vibrato em gre;
No meu sangue – ataque em portamento ascendente em san e vibrato em gue;
183

Europeu – ataque em portamento ascendente em pe, dinâmica fortíssima em toda a


palavra, forte vibrato no final de eu;
Black is beautiful – ataque em portamento ascendente e dinâmica fortíssima em black,
vibrato do meio para o fim da vogal a, ataque em portamento ascendente em beau, vibrato
desde o ataque de ful seguido de uma dinâmica decrescente e uma mudança de qualidade
vocal para ful;
Black is beautiful - ataque em portamento ascendente em black e em is, vibrato do meio
para o fim da vogal a, apojatura com portamento ascendente em beau e vibrato desde o
ataque de ful seguido de uma dinâmica decrescente e uma mudança de qualidade vocal para
ful;
Black’s beauty is so peaceful, I wanna a black, a beautiful 1 - ataque em portamento
ascendente nas vogais black, beau e so, vibrato em tis, nas duas sílabas ful e no segundo
black, mordente em peac, dinâmica decrescente e mudança de qualidade vocal para ful na
última sílaba ful;
Black is beautiful – dinâmica fortissima em toda a frase, ataque em apojatura com
portamento ascendente em black, ataque com portamento ascendente seguido de dois
mordentes em beau, retardo e vibrato desde o início de ful;
Black is beautiful – ataque em portamento ascendente, dinâmica fortíssima, dois
mordentes e final em portamento descendente em black, ataque em portamento ascendente
em beau e, em ful, vibrato, dinâmica decrescente, nota improvisada em portamento
ascendente seguido de descendente, mudando de qualidade para fry e depois para ful e, por
fim, uma expiração sonora;
Black’s beauty is so peaceful, I wanna a black, I want a beautiful – ataque com acento
com a qualidade vocal em growl e dinâmica fortíssima no primeiro black, ataque em
portamento ascendente em so, qualidade em laringe baixa em wan, vibrato no segundo
black e, nas duas ocorrências da sílaba ful, vibratos, diminuição na dinâmica e mudança de
qualidade vocal para ful e depois para fry;
Hoje à noite, amante negro, eu vou – vibrato em noi, te e man, portamento descendente,
dinâmica decrescente e expiração sonora em te, ataque em fry na sílaba a de amante,
retardo com portamento descendente em vou, seguido de portamento descendente, dinâmica
decrescente, breque seguido de mudança de qualidade vocal para fry e final suspirado.
184

Enfeitar o meu corpo no teu – a intérprete separa a frase em enfeitar e o meu corpo no
teu, fazendo, antes de cada trecho, uma inspiração sonora. Nas sílabas tar e teu, que são as
últimas de cada trecho, há um portamento descendente, uma dinâmica decrescente, um
breque seguido de mudança de qualidade vocal para fry, finalizando com um suspiro. O
ataque das sílabas fei e teu são com apojatura em portamento ascendente e, no artigo o, há
uma mudança de qualidade para fry.
Eu quero esse homem de cor – inspiração sonora, ataque em fry na sílaba eu, ataque em
portamento ascendente em eu, que e cor, mordente inferior na articulação entre as sílabas se
e ho, sendo a última sílaba alcançada por portamento ascendente. Vibrato em cor, com
portamento descendente, dinâmica decrescente até mudar a qualidade para fry;
Um Deus negro, do Congo – inspiração sonora, ataque em fry em um, acento com
portamento ascendente em ne e Con e vibrato em gro e go;
Ou daqui – inspiração sonora, ataque em portamento ascendente em ou e qui. Em qui, há
uma seqüência de três notas improvisadas descendentes, seguidas de vibrato e, ao final,
mais duas notas improvisadas, desta vez ascendentes e em portamentos, seguidas de uma
queda de dinâmica e um portamento descendente até mudar a qualidade para fry;
Hoje à noite – ataque em fry com portamento ascendente em ho e vibrato em noi. Em te,
ataque em fry, breque, dinâmica decrescente e portamento descendente, finalizando com
uma expiração sonora;
Amante negro, eu vou enfeitar – a intérprete separa a frase em amante negro, eu vou e
enfeitar. No primeiro trecho, ataque em fry no a de amante, antecipação com portamento
descendente de te para ne, acento em man e ne, retardo com portamento ascendente em vou.
No segundo, ataque em portamento ascendente em en, apojatura com portamento
ascendente em tar. Nas sílabas vou e tar, que são as últimas de cada trecho, há um
portamento descendente, uma dinâmica decrescente, um breque seguido de mudança de
qualidade vocal para fry. A sílaba tar ainda finaliza com um suspiro.
O meu corpo no teu – ataque em fry no artigo o, ataque em portamento ascendente em cor.
Na sílaba teu, ataque com apojatura em portamento ascendente, seguido de portamento
descendente, breque, dinâmica decrescente até mudar de qualidade para fry, finalizando
com uma expiração sonora;
185

Eu quero esse homem de cor – inspiração inicial, ataque em fry com portamento
ascendente em eu, ataque em portamento ascendente com a qualidade suja em que, nota
improvisada em portamento ascendente com falsete e qualidade rouca em se de esse e em
de, ataque em portamento ascendente em ho, vibrato em mem. A sílaba cor é composta de
três notas: na primeira, onde se articula o co, o ataque é com uma apojatura em portamento
ascendente; a segunda é uma nota de passagem e, na última, onde se articula or, há um
vibrato, um portamento descendente, uma dinâmica decrescente até chegar à qualidade fry;
Um Deus negro, do Congo ou daqui – ataque em fry na sílaba um, em portamento
ascendente nas sílabas ne, Con e ou, vibrato em gro, go e qui. Antes do trecho ou daqui, há
uma inspiração sonora. Na sílaba qui, o ataque é feito com uma apojatura em portamento
ascendente e, em seguida, há três notas improvisadas descendentes com vibrato e em
dinâmica decrescente;
Que se integre – ataque em fry em que, portamento descendente na articulação de te para
gre, qualidade em laringe baixa em te, vibrato em gre;
No meu sangue - portamento descendente na articulação de san para gue, ataque em
portamento ascendente e qualidade em laringe baixa em san, dinâmica decrescente e
portamento descendente até chegar à qualidade em fry, finalizando com uma expiração
sonora em gue;
Europeu – inspiração inicial, qualidade em laringe baixa em eu e ro. Em peu, a dinâmica é
fortíssima, há um acento para uma nota improvisada ascendente com uma mordente,
finalizando com um portamento descendente;
Black is beautiful – ataque com a qualidade em growl em black, vibrato em black, is” e
ful, ataque em portamento ascendente em “beau”, mudança de qualidade para ful em ful,
finalizando com uma expiração sonora;
Black is beautiful – ataque em portamento ascendente em black e is, vibrato em is e ful,
ataque com apojatura em portamento ascendente em beau, portamento descendente,
dinâmica decrescente e mudança de qualidade para ful em ful;
Black’s beauty is so peaceful, I wanna a black, I wanna beautiful – ataque em
portamento ascendente nos primeiros black e wan, e em beau e so; vibrato em ty is, no
primeiro ful e no segundo black; nota improvisada ascendente em so; vibrato, dinâmica
decrescente e portamento descendente no último ful;
186

Black is beautiful – dinâmica fortíssima em toda a frase. Ataque em portamento


ascendente em black e beau, vibrato em is, retardo e vibrato em ful, finalizando com a
dinâmica levemente decrescente;
Black is beautiful – ataque em portamento ascendente seguido de mordente, toda a frase
com dinâmica fortíssima, em black; dinâmica forte no resto da frase com um leve
decrescendo na sílaba ful; antecipação em portamento descendente de black para is, ataque
em portamento ascendente e vibrato em beau; vibrato, portamento descendente e mudança
de qualidade vocal para ful e depois para fry em ful;
Black’s beauty is so peaceful, I wanna a black, a beautiful – ataque em growl, com
acento e dinâmica fortíssimo no primeiro black; vibrato em ti, no primeiro e segundo ful e
no segundo black; nota improvisada ascendente em so; final em portamento descendente e
dinâmica decrescente no último ful;
Black is beautiful - toda a frase apresenta uma dinâmica fortíssima e um leve decrescendo
na sílaba ful; ataque em portamento ascendente em black; ataque em portamento ascendente
seguido de mordente e mudança de qualidade para gritada em beau; retardo e vibrato em
ful, com final em portamento descendente;
Black is beautiful – dinâmica fortissimo em black e is, ataque em portamento ascendente
seguido de uma mordente em black, antecipação com portamento descendente de black
para is e vibrato em is, ataque em portamento ascendente em beau, vibrato em ful com final
em portamento descendente, dinâmica decrescente e mudança de qualidade para ful e
depois para fry;
Black’s beauty is so peaceful, I wanna black – acento e dinâmica fortíssima no primeiro
black; vibrato em ty is e no segundo black; qualidade em laringe baixa no segundo black;
ataque em portamento ascendente, nota escapada com voz em falsete mudando para a voz
rouca em so; vibrato, portamento descendente, dinâmica decrescente até pianíssimo e
mudança de qualidade para fry e depois ful na sílaba ful. Inspiração sonora antes de I
wanna black;
I wanna beautiful - a frase toda é em pianíssimo. Qualidade vocal em fry nas sílabas I e
wa e sussurrada na, beau, ti, ful; ataque em portamento ascendente e vibrato em beau;
antecipação de beau para ti; quatro mordentes e vibrato em ful, acompanhado de
portamento descendente, breque, mudança de qualidade para fry e suspiro.
187

3.1.2 Como nossos pais (de Belchior)

Não quero lhe falar meu grande amor – vibrato em gran e mor; retardo com portamento
descendente em a de amor;
Das coisas que aprendi nos discos – vibrato em coi, pren e cos; apojatura de um tom em
dis;
Quero lhe contar como eu vivi – expiração sonora no final de tar; vibrato em co;
portamento ascendente seguido de descendente no primeiro vi; portamento ascendente no
segundo vi;
E tudo – antecipação de tu para do;
Que aconteceu – retardo com portamento ascendente em ceu;
Comigo – retardo com portamento ascendente em mi; vibrato em go; qualidade
comprimida e dinâmica piano em comigo;
Viver – portamento ascendente e expiração sonora no final de ver;
É melhor que sonhar – vibrato e expiração sonora durante lhor e no final de nhar;
antecipação de so para nhar;
Eu sei – inspiração sonora; portamento ascendente seguido de descendente em eu; vibrato e
portamento descendente a uma terça maior em sei;
Que o amor é uma coisa boa - vibrato em mor, coi e a de boa; portamento ascendente de
um tom em bo;
Mas também sei – vibrato em mas; portamento ascendente seguido de descendente em sei;
Que qualquer canto é menor do que a vida – vibrato em can; portamento descendente e
expiração sonora durante a sílaba nor; portamento descendente, dinâmica decrescente,
qualidade falada em da, finalizando com uma expiração sonora;
De qualquer pessoa – portamento ascendente seguido de descendente em qual e quer;
portamento ascendente em so; vibrato, dinâmica forte e expiração sonora final em a de
pessoa;
Por isso – dinâmica fortíssimo em por isso; qualidade gritada em isso; acento em is;
Cuidado, meu bem – dinâmica fortíssimo em toda a frase; acento, qualidade gritada,
expiração sonora durante a emissão e portamento descendente em da; vibrato em meu e
bem; portamento descendente e expiração sonora do final de bem;
188

Há perigo – inspiração sonora; qualidade fry dinâmica piano em há; retardo com
portamento ascendente e leve vibrato em ri;
Na esquina – retardo com portamento ascendente e vibrato em qui; duas notas
improvisadas e vibrato com expiração sonora no final de na;
Eles venceram - portamento ascendente seguido de descendente em ce; vibrato em ven;
qualidade sussurrada em ceram;
E o sinal está fechado pra nós – articulação exagerada em toda a frase;
Que somos jovens – ataque com portamento ascendente em jo; vibrato em vens;
Para abraçar - inspiração sonora; dinâmica fortíssimo em toda a frase; qualidade gritada
em para; portamento descendente e expiração sonora em çar;
Seu irmão e beijar sua menina – vibrato em mão, jar, su, ni e na; antecipação com
portamento descendente em mão e bei; qualidade em fry em a de sua; dinâmica fortíssimo
em seu irmão e pianíssimo com expiração sonora em na;
Na rua – qualidade em fry em na e rouca em a de rua; portamento ascendente em ru;
vibrato em a de rua;
É que se fez – vibrato e expiração sonora durante a emissão de fez;
O seu braço - inspiração sonora; leve vibrato e expiração sonora em bra; portamento
descendente, dinâmica decrescente, qualidade falada e expiração sonora com suspiro em
co;
O seu lábio - inspiração sonora; vibrato em lá; expiração sonora durante a emissão de o seu
lá; portamento descendente, dinâmica decrescente, qualidade falada e expiração com
suspiro em bio;
E a sua voz – vibrato em su e voz; antecipação com portamento ascendente em sua;
expiração sonora na finalização de voz;
Você me pergunta – portamento ascendente de um semitom e qualidade suja em cê;
portamento descendente em per; antecipação de per para gun; vibrato em gun;
Pela minha paixão – vibrato em pe, mi e xão;
Digo que estou encantada como uma nova invenção - inspiração sonora; portamento
descendente em tou; antecipação de can para ta; vibrato em ta;
189

Eu vou ficar nessa cidade - inspiração sonora; vibrato e portamento descendente em eu na


antecipação para vou; retardo com portamento ascendente em car; apojatura com
portamento ascendente em nes; vibrato em da;
Não vou voltar pro sertão – vibrato e qualidade comprimida em tão; retardo em tão;
Pois vejo vir vindo no vento - inspiração sonora; apojatura com portamento ascendente em
vin; vibrato em ven;
O cheiro da nova estação – retardo com portamento ascendente em ção;
Eu sei de tudo na ferida viva - inspiração sonora; qualidade rouca em sei e antecipação de
eu para sei; retardo com portamento ascendente em tu; vibrato em vi; portamento
descendente, dinâmica decrescente, qualidade falada e final com suspiro em va;
Do meu coração - inspiração sonora; vibrato curto em do meu; antecipação com
portamento descendente em meu; vibrato longo, dinâmica decrescente e expiração sonora
ns finalização de ção;
Já faz tempo eu vi você na rua - inspiração sonora; dinâmica fortíssimo em toda a frase;
retardo com portamento ascendente em tem; qualidade rouca em você na ru; antecipação
com portamento descendente de ru para a; expiração sonora na finalização de a de rua;
Cabelo ao vento, gente jovem reunida - inspiração sonora; dinâmica fortíssimo em toda a
frase; antecipação com portamento descendente de ven para to; vibrato em gen, ni e da;
retardo com portamento ascendente em jo;
Na parede da memória - inspiração sonora; dinâmica fortíssimo em toda a frase; ataque
com portamento ascendente em na; retardo com portamento ascendente em re; vibrato em
mó; grande portamento descendente até mudar para qualidade falada, dinâmica decrescente,
final com suspiro em ria;
Essa lembrança é o - inspiração sonora; dinâmica fortíssimo em toda a frase; vibrato em
es; retardo com portamento ascendente seguido de descendente em bran; qualidade gritada
em branca é um; expiração sonora durante a emissão de ça é o;
Quadro que dói mais - dinâmica fortíssimo em toda a frase; antecipação com portamento
descendente de qua para dro; retardo ascendente e vibrato em que; antecipação com
portamento descendente de dói para mais; vibrato longo em mais;
Minha dor é perceber - inspiração sonora; dinâmica fortíssimo em toda a frase;
portamento descendente, dinâmica decrescente, qualidade falada e final em suspiro em ber;
190

Que apesar de termos feito - inspiração sonora; dinâmica fortíssimo em toda a frase;
qualidade gritada grave em pe; acento e portamento descendente em sar; antecipação com
portamento descendente de fei para to;
Tudo o que fizemos - dinâmica fortíssimo em toda a frase; retardo com portamento
ascendente em tu; portamento ascendente em ze; vibrato em mos;
Ainda somos os mesmos - inspiração sonora; vibrato em mes; portamento descendente,
dinâmica decrescente, qualidade falada e expiração sonora no final de mos;
E vivemos - inspiração sonora; vibrato em ve; portamento descendente, dinâmica
decrescente, qualidade falada e expiração sonora no final de mos;
Inda somos os mesmos – vibrato em mes; portamento descendente, dinâmica decrescente,
qualidade falada e expiração sonora no final de mos;
E vivemos como os nossos pais - inspiração sonora; vibrato em vê; antecipação com
portamento descendente em co; portamento ascendente e vibrato longo em pais;
Nossos ídolos ainda são os mesmos - inspiração sonora; dinâmica fortíssimo em toda a
frase; vibrato em no, í, in e mos; retardo em m de mes; acento e qualidade gritada em mes;
E as aparências não enganam não - inspiração sonora; dinâmica fortíssimo em toda a
frase; apojatura ascendente e vibrato em rên; portamento ascendente em ga; acento no
primeiro não; antecipação com portamento descendente de nam para não; vibrato no
segundo não;
Você diz que depois deles - inspiração sonora; dinâmica fortíssimo em toda a frase; vibrato
em diz; portamento descendente, dinâmica decrescente, qualidade falada e expiração sonora
no final de les;
Não apareceu mais ninguém - inspiração sonora; dinâmica fortíssimo em toda a frase;
apojatura ascendente em não; qualidade gritada em não a; antecipação com portamento
descendente de pa para re e de nin para guém; vibrato em ceu e guém;
Você pode até dizer que eu to por fora - inspiração sonora; dinâmica fortíssimo em toda a
frase; qualidade gritada em pode a e fo; mordente na articulação de di para zer; antecipação
com portamento descendente de fo para ra; expiração sonora durante a fo e no final de ra;
acento em fo;
191

Ou então que eu to inventando - inspiração sonora; dinâmica fortíssimo em toda a frase;


portamento ascendente seguido de descendente em ou en; portamento descendente em tão e
ven; antecipação com portamento descendente de tan para do; vibrato em tan e do;
Mas é você que ama o passado e que não vê - inspiração sonora; qualidade suja em mas e
vê; portamento descendente e qualidade falada em vo; vibrato em cê; portamento
descendente em mas, cê, pas, sa, não e vê;
É você que ama o passado e que não vê - inspiração sonora; acento em cê; portamento
descendente em pas, sa e não; vibrato em sa e vê; portamento descendente, qualidade
falada e final com suspiro em vê;
Que o novo sempre vem – articulação exagerada em toda a frase; portamento descendente
em no; qualidade nasal em sem; vibrato longo em vem;
Hoje eu sei que quem me deu a idéia - inspiração sonora; dinâmica fortíssimo em toda a
frase; ataque com portamento ascendente em ho; vibrato em sei, quem, dei e a; suspiro no
a;
De uma nova consciência e juventude - inspiração sonora; dinâmica fortíssimo e
articulação exagerada em toda a frase; mordente com portamento descendente na
articulação de ma para no; vibrato em no, ên, tu e de;
Ta em casa - inspiração sonora; dinâmica fortíssimo em toda a frase; vibrato em ca;
portamento descendente, dinâmica decrescente, qualidade falada e final com suspiro em sa;
Guardado por Deus - inspiração sonora; dinâmica fortíssimo em toda a frase; retardo em
Deus; acento e qualidade gritada em Deus, com expiração sonora no final;
Contando o vil metal - inspiração sonora; dinâmica fortíssimo em toda a frase; antecipação
com portamento descendente de tan para do; apojatura ascendente em vil; antecipação com
portamento descendente de me para tal; vibrato em tal;
Minha dor é perceber - inspiração sonora; dinâmica fortíssimo em toda a frase; expiração
sonora durante a per; portamento descendente, dinâmica decrescente, qualidade falada em
ber com final em suspiro;
Que apesar de termos feito tudo o que fizemos - inspiração sonora; dinâmica fortíssimo
em toda a frase; qualidade gritada grave e acento em que ape; antecipação com portamento
ascendente seguido de descendente de sar para de e descendente de fei para to; qualidade
suja em fei; portamento ascendente em ze; vibrato em mos;
192

Nós ainda somos os mesmos e vivemos – retardo em da; ataque com portamento
ascendente em so e ve; portamento descendente, dinâmica decrescente, qualidade falada e
suspiro nas duas sílabas mos, de mesmos e de vivemos, inspiração sonora antes da frase e
vivemos; portamento descendente em vi;
Ainda somos os mesmos, e vivemos - inspiração sonora antes de cada uma das duas frases;
vibrato em in, da e ve, portamento ascendente em ve; portamento descendente dinâmica
decrescente, qualidade falada e suspiro nas duas sílabas mos, de mesmos e de vivemos;
Ainda somos - inspiração sonora; vibrato em so; acento e expiração sonora durante a sílaba
so;
Os mesmos – acento em mes; antecipação com portamento descendente de mes para mos;
E vivemos – vibrato e acento em ve; mordente entre a articulação de vi para ve; portamento
descendente em mos;
Como os nossos – ataque com portamento ascendente em co; antecipação de os para nos;
vibrato em nossos;
Pais - inspiração sonora; dinâmica fortíssimo; quatro notas improvisadas e duas escapadas
em falsete; quatro acentos no a (o a3, a4, a5 e a7, final); vibrato longo; qualidade gritada.

3.1.3 Madalena (de Ivan Lins e Ronaldo Monteiro de Souza)

Ô, Madalena – ataque em portamento ascendente em Ma; dinâmica decrescente em lena;


O meu peito percebeu – portamento ascendente em meu e pei; ataque em portamento
ascendente e finalização em portamento descendente, dinâmica decrescente e expiração
sonora em suspiro em beu;
Que o mar é uma gota – portamento ascendente e expiração com suspiro em mar;
qualidade rouca e portamento descendente em é; portamento ascendente seguido de
descendente e dinâmica decrescente em go;
Comparado ao pranto meu – inspiração sonora; portamento descendente em pa;
portamento ascendente em ra; vibrato em pran. Na sílaba meu, a intérprete faz sete
articulações, sendo a primeira com me, a última com eu e as outras, apenas com a vogal ê.
Na primeira articulação, me, há um vibrato; nas segunda, terceira e quarta articulação, onde
temos o ê, há em cada uma um portamento ascendente, uma expiração sonora em cada
ataque e um vibrato; na quinta, há um portamento ascendente; na sexta, uma expiração
193

sonora no ataque; na última, onde a palavra é concluída com eu, há uma expiração sonora
no ataque e um vibrato;
Fique certa, quando o nosso amor desperta – dinâmica piano em toda a frase; apojatura
com portamento ascendente em cer e nos; fonema alterado na primeira sílaba ta e em des;
vibrato em mor; portamento ascendente e dinâmica decrescente em per; qualidade em fry
em ta;
Logo o sol se desespera – inspiração sonora; dinâmica piano em toda a frase; qualidade em
fry em lo e sol; portamento ascendente seguido de descendente em ses; fonema alterado em
deses; portamento ascendente e dinâmica decrescente em pe; qualidade em fry, dinâmica
decrescente, portamento descendente e expiração com suspiro em ra;
E se esconde lá na serra – inspiração sonora; qualidade em fry em e; fonema alterado em
se es; retardo com portamento ascendente em con; portamento descendente em lá;
Ê, Madalena – dinâmica fortíssimo em toda a frase; portamento ascendente em Ê, Ma e na;
portamento descendente em da; portamento descendente, dinâmica decrescente, qualidade
falada, breque seguido de expiração com suspiro no final de na;
O que é meu não se divide – portamento ascendente em que é; vibrato em meu; retardo
com portamento ascendente em vi; portamento descendente, dinâmica decrescente e
expiração sonora no final de de;
Nem tampouco se admite – inspiração sonora; qualidade em fry com portamento
ascendente em nem; vibrato e expiração sonora no final de te;
Quem do nosso amor duvide – inspiração sonora; qualidade em fry com portamento
ascendente seguido de descendente em quem; portamento ascendente seguido de
descendente em no; antecipação com portamento descendente de mor para du; vibrato em
vi e de; dinâmica decresente em de;
Até a lua – dinâmica piano em toda a frase; qualidade em fry em té a lu; portamento
ascendente em té e lu; portamento descendente, dinâmica decrescente e expiração sonora
no final de a;
Se arrisca num palpite - dinâmica piano em toda a frase; qualidade fry em se, a e te;
portamento ascendente em a; vibrato em num; apojatura em pi e nota improvisada i;
Que o nosso amor existe - dinâmica piano em toda a frase; inspiração sonora; qualidade
em fry em que; mordente nas articulações de que para o e de a para mor; vibrato em no;
194

portamento ascendente na articulação de so para a; fonema alterado em existe; portamento


descendente na articulação de mor para e; portamento ascendente seguido de descendente
em xis;
Forte ou fraco, alegre ou triste - dinâmica piano em toda a frase; vibrato no primeiro ou,
em le e em te; retardo com portamento ascendente em fra; inspiração sonora antes de
alegre; portamento ascendente no segundo ou; apojatura com portamento ascendente em
tris; antecipação com portamento descendente de tris para te e qualidade rouca;
É, Madalena – inspiração sonora; apojatura com portamento descendente e mordente com
portamento ascendente em É; vibrato em Ma e em na; mordente em da; portamento
ascendente seguido de descendente em le; dinâmica decrescente em lena;
O meu peito percebeu – inspiração sonora; retardo com portamento ascendente em pei;
portamento descendente em per; portamento ascendente seguido de descendente, dinâmica
decrescente, qualidade em fry e finalização com suspiro em beu;
Que o mar – inspiração sonora; portamento ascendente na articulação de que para o;
retardo com portamento ascendente e expiração sonora durante o mar;
É uma gota – inspiração sonora; portamento descendente, qualidade rouca e expiração
sonora no ataque do é; antecipação de u para ma; ataque com portamento ascendente em
go, seguido de antecipação com portamento descendente e dinâmica decrescente de go para
ta; vibrato em ta;
Comparado ao pranto meu, Fique certa – inspiração sonora; portamento ascendente
seguido de descendente em pa e ao; ataque com portamento ascendente em ra, seguido de
antecipação com portamento descendente de ra para do; vibrato em pran. Como na frase
semelhante cantanda anteriormente, na sílaba meu, a intérprete faz sete articulações, sendo
a primeira com me, a última com eu e as outras, apenas com a vogal ê. Há um vibrato na
terceira articulação, onde temos um ê, e na última, onde a palavra é concluída com eu; há
um portamento ascendente seguido de descendente na primeira, onde temos o me, até a
quinta articulação, estas com ê; por fim, retardo com portamento ascendente em cer;
Quando o nosso amor desperta - dinâmica piano em toda a frase; inspiração sonora;
qualidade em fry em quando; retardo com portamento ascendente seguido de descendente
em no; portamento ascendente seguido de descendente na articulação de so para a; vibrato
em mor; fonema alterado em des; qualidade em fry com portamento descendente e
195

dinâmica decrescente em per; qualidade em fry, dinâmica decrescente e expiração sonora


final em ta;
Logo sol se desespera - dinâmica piano em toda a frase; qualidade em fry em lo e sol;
fonema alterado em deses; portamento ascendente seguido de descendente e vibrato em pe;
portamento descendente, dinâmica decrescente e expiração sonora final em ra;
E se esconde lá na serra – inspiração sonora; qualidade em fry em e; fonema alterado e
dinâmica piano em e se es; retardo com portamento ascendente seguido de descendente em
con; portamento descendente em lá;
Ê, Madalena - dinâmica fortíssimo em toda a frase; portamento ascendente, acento e leve
diminuição na dinâmica em ê; portamento descendente, dinâmica decrescente e expiração
sonora final em na;
O que é meu não se divide – inspiração sonora; portamento ascendente na articulação de
que para é; portamento descendente em “meu”; retardo com portamento ascendente e
vibrato em vi; portamento descendente, dinâmica decrescente e expiração sonora final em
de;
Tampouco se admite – inspiração inicial; apojatura com portamento ascendente em tam;
retardo com portamento descendente em pou; apojatura em mi;
Quem do nosso amor duvide – inspiração sonora; antecipação com portamento
descendente de quem para do e de mor para du; portamento ascendente em no; mordente na
articulação de mi para de; vibrato e dinâmica decrescente em e;
Até a lua - dinâmica piano em até a e pianíssmimo em lua; qualidade em fry em até a;
portamento ascendente em te e a de lua; portamento descendente em lu; expiração sonora
no final de a;
Se arrisca num palpite - dinâmica piano em toda a frase; inspiração sonora; leve mordente
na articulação de se para ar; vibrato em ris, ca e num; acento e portamento ascendente em
num; apojatura com portamento ascendente em pi; portamento descendente, dinâmica
decrescente em pite; qualidade falada em te;
Que o nosso amor existe, forte ou fraco – inspiração sonora; qualidade em fry com
portamento ascendente seguido de descendente em que; portamento ascendente seguido de
descendente em o nos; vibrato em mor; pronúncia alterada em mor, articulada como mô e
196

fonemas alterados em existe; portamento descendente em xis; retardo com portamento


ascendente em fra;
Alegre ou triste – inspiração sonora; portamento ascendente em ou; apojatura com
portamento ascendente seguido de descendente em tris; vibrato e expiração sonora na
finalização de te;
Ô Madalena – dinâmica fortíssimo em toda a frase; portamento descendente seguido de
ascendente em ô; portamento descendente, dinâmica decrescente, qualidade em fry, breque
seguido de suspiro em na;
O que é meu não se divide – inspiração sonora; qualidade em fry em o que é; portamento
ascendente seguido de descendente em di; retardo com portamento ascendente em vi;
portamento descendente, dinâmica decrescente e final com suspiro em de;
É, tampouco se admite – inspiração sonora; qualidade em fry em é, tam; apojatura com
portamento ascendente em nem; qualidade em laringe baixa em mi; final com suspiro em te;
Quem do nosso amor duvide – inspiração sonora; qualidade em fry com portamento
descendente em quem; vibrato em vi;
Até a lua – dinâmica piano em toda a frase; qualidade em fry em até a; portamento
descendente no artigo a; portamento ascendente e vibrato em lu; expiração sonora no final
de a de lua;
Se arrisca num palpite – dinâmica piano em toda a frase; qualidade em fry com
portamento ascendente em se ar; vibrato em ris; apojatura em pi; portamento descendente,
dinâmica decrescente e final em suspiro em te;
Que o nosso amor existe – qualidade em fry com portamento ascendente em que;
portamento descendente em o nos; apojatura portamento ascendente seguido de
descendente em nos; vibrato em amor; pronúncia alterada em mor, articulada como mô e
fonemas alterados em “existe”; ataque em portamento ascendente em “xis” seguido de
antecipação com portamento descendente de xis para te;
Forte ou fraco, alegre ou triste – inspiração sonora; retardo com portamento ascendente
em fra; inspiração sonora antes de alegre; portamento ascendente em ou; portamento
ascendente seguido de descendente e qualidade rouca em tris; vibrato em te.
197

Em seguida, há uma improvisação com ornamentos não contabilizados


apresentando um pianíssimo súbito que se mantém até o fim do canto, suspiros, qualidade
alternando para fry, inspirações sonoras.

3.2 Intérprete: Milton Nascimento

3.2.1 Casa Aberta (de Flávio Henrique e Chico Amaral)

Mato queimou - Portamento ascendente em “ma”, vibrato e escape de ar em “mou”;


Fogo apagou - portamento ascendente seguido de descendente em “fo”, portamento
ascendente em “pa”, vibrato, escape de ar e dinâmica decrescente em “gou”;
O céu escureceu - portamento ascendente seguido de descendente e vibrato em “céu”,
vibrato e duas notas improvisadas no final de “ceu" de “escureceu”;
Vem de lá - portamento ascendente e vibrato em “vem”; vibrato em “de”, retardo com
portamento descendente seguido de vibrato, dinâmica decrescente e portamento descente
com escape de ar em “lá”;
Tambuzada no breu - portamento ascendente em “tam”, vibrato no “m’, portamento
descendente em “bu”, vibrato em “za”, retardo com portamento ascendente, vibrato,
dinâmica decrescente e portamento descendente em “breu”;
Na casa aberta – vibrato em “na” e “ber”, antecipação com portamento descendente em
“ca” e “ber”, portamento ascendente no “a”, de “ta”;
É noite de festa – respiração inicial, ataque com portamento ascendente seguido de
descendente e ascendente em “é”, antecipação com portamento descendente em “noi”,
vibrato em “te”, “de” e “ta”, portamento ascendente em “de” e antecipação com portamento
descendente em “fes”;
Dançam Geralda, Helena e Flor – portamento ascendente e vibrato em “dan” e “le”,
antecipação com portamento descendente em “çam” e “ral”, qualidade suja em “ral”,
portamento descendente em “naHe”, vibrato em “flor”;
Na beira do rio – portamento ascendente em “na” e “do”, antecipação com portamento
descendente em “bei” e “ri”, vibrato em “rio”;
Escuto Ramiro – acento e portamento descendente em “es”, duas mordentes e antecipação
com portamento descendente em “cu”, portamento ascendente e vibrato em “ra”,
antecipação com portamento descendente e vibrato em “mi”, vibrato em “ro”;
198

Dona Mercês toca tambor – portamento ascendente e vibrato em “do”, antecipação com
portamento descendente em “na” e “cês”, vibrato em “cês”, apojatura ascendente e vibrato
no “m” de “tambor”, dinâmica decrescente, vibrato e qualidade suja em “bor”.

3.2.2 Tristesse (de Telo Borges e Milton Nascimento)

Como você – apojatura com portamento ascendente em co; acento em co e mo; retardo em
mo; vibrato e expiração sonora durante a cê;
Pode pedir – inspiração sonora, antecipação de po para de e de pe para dir; vibrato em de e
dir;
Pra eu falar – vibrato em pra e lar; portamento ascendente, qualidade sussurrada em lar,
finalizando com expiração sonora;
Do nosso amor – inspiração sonora; retardo em nos; antecipação de nos para so; vibrato
em nos, so e mor; portamento ascendente em a;
Que foi tão forte – fonema alterado em que e te; antecipação de foi para tão; portamento
ascendente e expiração sonora em for; vibrato em te;
E ainda é – vibrato em in, da e é; antecipação de in para da;
Mas cada um se foi – qualidade suja em mas, final de ca, da e foi; portamento descendente
em mas e ca; antecipação de ca para da; vibrato em um, se e final de foi;
Quanta saudade – qualidade suja em quanta, apojatura com portamento ascendente e
acento em quan; articulação pastosa em ta; retardo com portamento descendente em ta;
retardo com portamento ascendente em da; mordente inferior com portamento descendente
seguido de ascendente em sau; antecipação com portamento descendente de da para de;
vibrato em quan, ta, da e de;
Brilha em mim – inspiração sonora; qualidade em fry em bri; vibrato em em e mim;
Se cada sonho é seu – portamento ascendente em so; vibrato em ca, da, nho e seu;
antecipação com portamento descendente de nho para é e de é para seu;
Hmmm (3) – uma nota improvisada com mordente contendo três vibratos, uma qualidade
em fry, um portamento ascendente;
Virou história em sua – inspiração inicial; qualidade suja em virou e to; antecipação com
portamento descendente de rou para his e de su para a; vibrato em to, ria, em e sua;
Vida – inspiração sonora; leve vibrato e articulação cerrada em vida;
199

Mas pra mim –qualidade nasal e articulação pastosa em ta; antecipação com portamento
descendente em mas para pra e de pra para mim; vibrato em mim;
Não morreu – vibrato em não e reu; articulação cerrada em não morreu; qualidade em fry,
portamento descendente, dinâmica decrescente reu;
Como você – portamento ascendente seguido de descendente e acento em co; vibrato em
mo e cê; qualidade em fry em mo; articulação cerrada em cê;
Pode pedir – qualidade em fry em po; antecipação de po para de; vibrato em de, pe e dir;
retardo com portamento ascendente em pe; finalização de ir com expiração sonora;
Pra eu falar – vibrato em pra e lar; portamento descendente em eu e ascendente em lar;
qualidade comprimida em lar;
Do nosso amor – vibrato em do, a e mor; retardo seguido de nota de passagem em so;
qualidade comprimida em do; qualidade suja em mor; qualidade em fry em so; portamento
ascendente na articulação de so para a;
Que foi tão forte - expiração sonora durante foi e for; fonema alterado em que e te; vibrato
em que, foi, tão e te; apojatura com portamento ascendente em for;
E ainda é – inspiração sonora; acento em e a e in; vibrato em in, da e é; qualidade
comprimida em e ainda é; antecipação com portamento descendente de in para da;
portamento ascendente em é;
Mas cada um – vibrato em mas e leve vibrato em um; antecipação com portamento
descendente de mas para ca e de ca para da; portamento descendente na articulação de da
para um;
Se foi - vibrato e expiração sonora durante a sílaba foi;
Quanta saudade – vibrato em ta, da, de e leve vibrato em sau; retardo com portamento
ascendente em da; finalização de de com expiração sonora;
Brilha em mim – qualidade em fry em bri; portamento ascendente seguido de descendente
em na articulação de lha para e; vibrato em em e mim;
Se cada sonho é seu - dinâmica pianíssmimo em cada sonho; qualidade comprimida em
sonho é e suja em seu; vibrato em so, nho, é e se; grupeto em eu;
Virou história - 4 – antecipação com portamento descendente de rou para his, portamento
ascendente em to, vibrato e expiração sonora em a;
200

Em sua vida – acento e portamento ascendente seguido de descendente em em;


antecipação com portamento descendente de su para a; leve vibrato em sua vida; qualidade
suja em vida; retardo ascendente em da, finalizando com portamento descendente;
Mas pra mim não – antecipação de mas para ra; portamento descendente em pra e mim;
qualidade suja em pra; retardo com portamento ascendente, vibrato e qualidade suja em
não;
Morreu – inspiração sonora; vibrato em morreu; qualidade suja, dinâmica decrescente,
portamento descendente e mudança para qualidade fry em reu;
Como você – apojatura ascendente e acento em co; retardo descendente em mo; vibrato em
mo e cê;
Pode – portamento ascendente em po; antecipação com portamento descendente de po para
de; fonema alterado e vibrato em de;
Pedir – apojatura ascendente em pe; vibrato longo em dir;
Como você – apojatura ascendente em co; vibrato em mo e cê; articulação cerrada e
dinâmica pianíssimo em como você;
Pode pedir – dinâmica pianíssimo e articulação cerrada em pode pedir; vibrato em po, de e
dir; qualidade em fry em pe; mordente inferior seguida de duas notas improvisadas em dir;
Hmmm – são seis notas improvisadas com dinâmica pianíssimo e cinco vibratos.
3.2.3 Vozes do vento (de Kiko Continentino e Milton Nascimento)
Mãe do amor – vibrato em mãe; portamento ascendente em mãe e na articulação de do
para a; vibrato em mor, finalizando com expiração sonora;
Que me ensinou – portamento descendente em si; vibrato em nou;
Como se canta a poesia – inspiração sonora; portamento ascendente em mo e se; vibrato
em can e si;
Mão do amor – inspiração sonora; portamento ascendente em mão, articulação de do para
a e mor;
Como ensinou – portamento ascendente na articulação de mo para en; portamento
descendente em si; vibrato em ou;
Para viver poesia – inspiração sonora; portamento ascendente em pa; antecipação de vi
para ver; vibrato em ver e si;
201

Quero chegar, quero partir – portamento ascendente na primeira sílaba que, no segundo
ro e em par; vibrato em gar; expiração sonora durante a emissão de par;
Quero soltar alegria – inspiração sonora; portamento ascendente em que; vibrato em tar;
antecipação com portamento ascendente de a para le; finalização de a com expiração
sonora;
Sempre te amar, quero valer – vibrato em mar; antecipação com portamento ascendente
de va para ler;
Todos os momentos dessa voz, madrinha - portamento descendente em men; antecipação
com portamento descendente em voz; vibrato em ma; portamento ascendente em dri;
vibrato e expiração sonora durante a emissão de nhá;
Mãe do amor que me ensinou – portamento ascendente em mãe; expiração sonora na
finalização de mor; vibrato em nou;
Como se canta a poesia – inspiração sonora; portamento descendente em se; portamento
ascendente em can; vibrato em can e si;
Mão do amor como ensinou – portamento ascendente em mão e na articulação de mo para
en; portamento ascendente seguido de descendente na articulação de do para a; portamento
descendente em sin; vibrato em mor e nou;
Para viver poesia – inspiração sonora; antecipação com portamento descendente de vi para
ver; expiração sonora na finalização de ver e a;
Quero chegar – inspiração sonora; portamento descendente em que; vibrato em gar;
Quero partir – inspiração sonora; portamento ascendente em ro; portamento descendente e
expiração sonora durante a emissão de par; vibrato em tir;
Quero soltar alegria – inspiração sonora; portamento ascendente em que e gri; vibrato em
tar e gri;
Sempre te amar, quero valer – inspiração sonora; portamento ascendente em va;
Todos os momentos dessa voz, madrinha – inspiração sonora; portamento ascendente em
to e dri; vibrato em men e ma;
Beleza, brisa leve – portamento descendente em be e bri; portamento ascendente na
primeira e segunda sílabas le e em ve; expiração sonora durante a emissão de za; vibrato na
segunda sílaba le;
202

Certeza, brisa leve – vibrato em le; portamento ascendente em cer, te, bri, le, ve; expiração
sonora durante a emissão de za;
Rainha, preciosa – vibrato em ra e o; portamento ascendente nas articulações de ra para i
e de ci para o;
Amada, linda rosa – apojatura em a; portamento ascendente em ma, lin e ro;
No apogeu, me deu tudo – portamento ascendente em no a, em po e em tu; qualidade
comprimida e vibrato em do; nota improvisada ascendente característica com mudança de
registro em do;
Certeza – portamento ascendente em cer, te e za;
Rainha – vibrato em ra; portamento ascendente na articulação de ra para i; portamento
descendente em nhá; qualidade comprimida em i;
Amada – portamento ascendente em a e ma; vibrato em da;
No apogeu – portamento ascendente em no a; po e geu; vibrato em a e geu;
Me deu tudo – portamento ascendente em me e tu; vibrato em tu e do; nota improvisada
característica com mudança de registro em do; dinâmica decrescente em tudo.

3.2.4 Voa bicho (de Telo Borges e Márcio Borges)

Ah, andorinha voou, voou – apojatura com portamento ascendente e vibrato em ah;
mordente com portamento descendente seguido de ascendente na articulação de ri para nha;
portamento ascendente e vibrato na primeira sílaba ou; portamento descendente, vibrato,
dinâmica decrescente na segunda sílaba ou;
Fez um ninho no meu chapéu – inspiração sonora suave; portamento descendente em fez;
portamento ascendente em um; vibrato em nho; retardo com portamento ascendente
seguido de descendente em meu; vibrato em péu;
E um buraco bem no meio do céu – grande portamento descendente em mei; mordente
com portamento descendente seguido de ascendente, vibrato, dinâmica decrescente, nota
improvisada com portamento descendente em céu;
E lá vou eu como um passarinho – inspiração sonora suave; portamento ascendente e
vibrato em e; apojatura com portamento asccendente seguido de descendente em pas;
antecipação com portamento descendente de ri para nho; portamento ascendente em nho;
Sem destino nem sensatez – portamento ascendente seguido de descendente em sen;
vibrato em tez;
203

Sem dinheiro nem pro pastel chinês – portamento descendente em sem; mordente com
leve portamento ascendente seguido de descendente em nhei; portamento descendente e
expiração sonora em pas; antecipação com portamento descendente de tel para chi; vibrato
em nês;
Ah, andorinha voa veloz – qualidade em fry, portamento ascendente e vibrato em ah;
vibrato em ri; portamento ascendente e vibrato em nha; portamento descendente em vo;
antecipação com portamento descendente de ve para loz;
Voa mais do que minha voz – inspiração sonora; qualidade em fry, portamento ascendente
em vo; portamento ascendente seguido de descendente na articulação de a para mais;
portamento descendente e vibrato em que; antecipação com portamento descendente de nha
para voz;
Andorinha faz a canção – qualidade em fry em an; portamento ascendente seguido de
descendente e ascendente em do; vibrato em ri; portamento ascendente seguido de
descendente em nha; mordente seguido de portamento descendente em faz; portamento
ascendente em can; vibrato, dinâmica decrescente e portamento descendente em ção;
Que eu não fiz – inspiração sonora; vibrato em que e não; portamento ascendente em eu;
portamento descendente em fiz;
Andorinha voa feliz – inspiração sonora suave; mordente em do e vo; vibrato em ri;
portamento descendente em nha e vo; antecipação com portamento descendente de fe para
liz;
Tem mais força que minha mão – inspiração sonora suave; portamento ascendente
seguido de descendente em mais; portamento descendente em for e ça; mordente em que;
antecipação com portamento descendente de mi para nha e de nha para mão; vibrato em
mão;
Mas sozinha não faz verão – inspiração sonora suave; portamento descendente em so;
portamento ascendente e vibrato em zi; retardo com portamento ascendente em nhá;
portamento descendente em faz; portamento ascendente em ve; vibrato em rão.
204

3.3 Caetano Veloso

3.3.1 Circuladô de Fulô (de Caetano Veloso, sobre texto de Haroldo de Campos)

Circuladô de fulô, ao Deus ao Demodará – retardo com portamento ascendente de ô para


ao e vibrato em rá;
Que Deus te guie porque eu não posso guiar – inspiração sonora, leve vibrato em guie,
retardo com portamento ascendente de n para ão; acento e vibrato em ar;
É viva quem já me deu, Circuladô de fulô – inspiração sonora, ataque com portamento
ascendente em é, quem e deu; antecipação de cu para la; retardo com portamento
ascendente em dô, vibrato em lá, dô e lô, leve vibrato em deu, acento em é, quem, deu, dô e
lô;
E ainda quem falta me dá – inspiração sonora, leve vibrato em fal e vibrato longo em dá;
Soando como um Shamisen – inspiração inicial, acento em an, portamento descendente e
qualidade falada na finalização de sen;
E feito apenas com um arame tenso um cabo e uma lata velha num – inspiração inicial,
qualidade sussurrada em feito apenas e nasal em co’um arame tenso’um cabo e’uma lata
velha num;
num fim de festafeira no pino do sol a – acento em pi, qualidade suja em fim de festafeira
no pino de sol a;
pino – dinâmica crescendo, qualidade nasal e vibrato em pi;
Mas para outros não existia aquela música não podia porque não podia popular –
inspiração sonora; expiração sonora nas sílabas mas, que de porque e lar, ataque com
portamento ascendente em ou e mús;
Aquela música se não canta não é popular – inspiração sonora; expiração sonora na
sílaba a de aquela, ataque com acento e portamento ascendente em mu;
Se não afina não tintina não tarantina – inspiração sonora; qualidade nasal em fina não
tintina não tarantina; portamento descendente no ti de tintina e no último não; vibrato no ti
de tarantina;
E no entanto puxada na tripa da miséria – qualidade sussurrada em e no entanto e séria;
qualidade em laringe baixa em puxada da mi; acento em tan e sé;
205

Na tripa tensa da mais megera miséria física – inspiração sonora; qualidade sussurrada
em na tripa e séria física; qualidade em laringe baixa em tensa da mais megera mi; acento
em sé e fí; vibrato em fí;
E doendo doendo – inspiração sonora; acento e portamento descendente nas duas sílabas
en; expiração sonora durante o último do;
Como um prego na palma da mão – inspiração sonora; qualidade nasal em prego na
palma da mão; ataque com acento e portamento ascendente em pre; retardo em mão
finalizando com portamento descendente;
Um ferrugem prego cego na palma espalma da mão - retardo em mão; acento em ce;
Coração exposto como um nervo tenso retenso – qualidade nasal em como um nervo
tenso retenso; ataque com portamento ascendente em co; acento em co e no segundo ten,
leve vibrato em ner; articulação com r gutural; vibrato no último ten;
Um renegro prego cego durando na palma polpa da mão ao – qualidade nasal em um
renegro prego cego durando na palma polpa da mão; acento em ne, pre, ce e pol; ataque
em portamento ascendente em pol; vibrato em um, ran, pol, mão, ao;
Sol – ataque em portamento ascendente, vibrato longo e final em dinâmica decrescente;
Circuladô de fulô – inspiração sonora; leve vibrato em lô;
Ao Deus ao Demodará – inspiração sonora; apojatura em ao; vibrato em rá; acento em ao,
De de Deus, De de Demo e rá;
Que Deus te guie porque eu não posso guiar – inspiração sonora, apojatura ascendente no
e de guie; retardo com portamento ascendente de n para ão, acento com portamento
ascendente e expiração sonora em ar, finalizando com uma dinâmica decrescente;
É viva quem já me deu – inspiração sonora; ataque com portamento ascendente em quem
e deu; vibrato em deu; acento em é, quem e deu;
Circuladô de fulô – antecipação de cu para la; ataque em portamento ascendente em dô;
vibrato em lô, acento em dô e lô;
E ainda quem falta me dá – inspiração sonora; vibrato em fal e dá; impuslo em dá,
seguido de dinâmica decrescente;
O povo é o inventalínguas na malícia – inspiração sonora; articulação exagerada em toda
a frase; qualidade em fry em o;
206

Da mestria no matreiro da maravilha no visgo do improviso – articulação exagerada em


toda a frase; qualidade em laringe baixa em no matreiro da; qualidade nasal em ravi,
portamento descendente em vis e ascendente em vi;
Tenteando a travessia azeitava o eixo do sol - articulação exagerada em toda a frase com
ênfase nas separações das vogais de sia para azei e de tava para o ei; mordente em an;
qualidade em fry em a de travessia e azei; retardo com portamento descendente de va para
o; vibrato longo em sol com dinâmica decrescente;
Circulado de fulô – portamento ascendente em dô; portamento descendente de um
semitom, dinâmica decrescente e qualidade levemente nasal em lô;
Circuladô de fulô, ao Deus ao Demodará – vibrato com expiração sonora durante a
emissão de cir; portamento ascendente em lô e na articulação de lô para ao; acento em cir,
dô, lô, ao, De e rá; vibrato em dô; lô, ao e rá;
Que Deus te guie porque eu não posso guiar – inspiração sonora; apojatura em
portamento ascendente no e de guie; acento em gui, não e ar; retardo com portamento
ascendente de n para ão; leve vibrato em não e ar; dinâmica decrescente e expiração sonora
durante a emissão de ar;
É viva quem já me deu – inspiração sonora; vibrato em vi e deu; ataque com portamento
ascendente em quem e deu; acento em é, quem e deu;
Circuladô de fulô – inspiração sonora curta; antecipação de cu para la; acento em dô e lô;
ataque com portamento ascendente em dô; portamento descendente na finalização de lô;
E ainda quem falta me dá – inspiração sonora; leve vibrato em fal; ataque em portamento
ascendente e vibrato em dá, acompanhado de dinâmica decrescente e mudança de
qualidade vocal para fry;
E não peça que eu te guie não peça despeça que eu te guie - inspiração sonora;
articulação exagerada em toda a frase; qualidade suja em e e não; acento nas três sílabas pe
e em gui; expiração sonora durante a emissão de e de guie;
Desguie que eu te peça – inspiração sonora; articulação exagerada em toda a frase;
qualidade falada em des; ataque em portamento ascendente em gui; portamento
descendente em pe; acento em gui e pe; qualidade suja em peça;
207

Promessa que eu te fie - articulação exagerada em toda a frase; qualidade fry em pro;
ataque em portamento ascendente em me; acento em me e fi; expiração sonora no fim de e
de fie;
Me deixe - articulação exagerada em toda a frase; ataque em portamento ascendente e
acento em dei; fonema alterado em xe;
Me esqueça – articulação exagerada em toda a frase; fonema alterado em me es; acento em
que; qualidade sussurrada em ça;
Me largue - articulação exagerada em toda a frase; fonema alterado em me para mi; acento
e expiração sonora durante a emissão de lar; fonema alterado em gue e qualidade
sussurrada alterando para falada ao final, onde ocorre também uma expiração sonora;
Me desamargue - articulação exagerada em toda a frase; fonemas alterados em me des e
gue; acento e expiração sonora em mar;
Que no fim eu acerto - articulação exagerada em toda a frase; fonemas alterados em que
no e to; portamento descendente em fim; acento, portamento ascendente, qualidade falada e
expiração sonora em cer;
Que no fim eu reverto - articulação exagerada em toda a frase; fonemas alterados em que
no e to; qualidade nasal em fim; acento, portamento ascendente seguido de descendente e
expiração sonora em ver;
Que no fim eu conserto – inspiração sonora; articulação exagerada em toda a frase;
fonemas alterados em que no e to; portamento ascendente em fim e eu; acento e expiração
sonora em ser;
E para o fim me reservo – inspiração sonora; articulação exagerada em toda a frase;
portamento ascendente e acento em ser; expiração sonora em ser e vo; fonema alterado em
vo;
E se verá que estou certo – inspiração sonora; articulação exagerada em toda a frase;
fonemas alterados em e se; que estou e to; acento e portamento ascendente seguido de
descendente em cer;
Se verá que tem jeito – inspiração sonora; articulação exagerada em toda a frase; fonemas
alterados em se, que e to; acento e portamento ascendente em jei;
E se verá que tá feito – inspiração sonora; articulação exagerada em toda a frase; fonemas
alterados em e, se, que e to; qualidade suja em vê; acento em fei;
208

Que pelo torto fiz direito - articulação exagerada em toda a frase; fonemas alterados em
que e to; acento e portamento ascendente em rei;
Que quem faz cesto faz cento - articulação exagerada em toda a frase; fonemas alterados
em que e nas duas sílabas to; acento e portamento ascendente em cen;
Se não guio não lamento - articulação exagerada em toda a frase; fonemas alterados em se
e to; vibrato em guio e não; acento e portamento ascendente em men; qualidade falada em
mento;
Pois o mestre que me ensinou - articulação exagerada em toda a frase; qualidade fry em
pois o; qualidade suja em mestre; qualidade em laringe baixa, acento e dinâmica
decrescente em nou; fonemas alterados em tre que me ensi;
Já não dá ensinamento - articulação exagerada e qualidade em laringe baixa em toda a
frase; acento e vibrato longo em men; fonema alterado em to;
Circuladô de fulô – acento em dô e lô; portamento descendente em lô;
Ao Deus ao Demodará – acento em ao, De e rá; leve vibrato em rá;
Que Deus te guie porque eu não posso guiar – inspiração sonora; acento em gui, não e ar
de guiar; retardo com portamento ascendente de n para ão; vibrato em ar;
É viva quem já me deu – inspiração sonora; acento e portamento ascendente em é, quem e
deu; vibrato em deu;
Circuladô de fulô – antecipação de cu para la; vibrato em la; acento em dô e lô;
portamento ascendente em dô; qualidade levemente nasal e portamento descendente em lô;
E ainda quem falta me dá – inspiração sonora; acento e vibrato em fal; acento em dá.

3.3.2 Fora da Ordem (de Caetano Veloso)

Rapor barato um mero serviçal do narcotráfico – portamento ascendente em ra e trá;


acento em tra; acento e vibrato em por e ra; qualidade sussurrada, dinâmica piano em
narcotráfico;
Foi encontrado na ruína de uma escola em construção – inspiração sonora; portamento
ascendente em í; acento em en e í; mordente superior e vibrato em í;
Aqui tudo parece que é ainda construção e já é – acento e vibrato em qui; portamento
ascendente em já; retardo e acento em é;
Ruína – acento e portamento ascendente seguido de descendente e ascendente e duas
mordentes em í; duas notas improvisadas em na;
209

Tudo é menino e menina no olho da rua – inspiração sonora; acento nas duas sílabas ni;
portamento ascendente na segunda ni, portamento descendente na articulação entre no e o;
O asfalto a ponte o viaduto ganindo pra lua – inspiração sonora; vibrato em pon, nin e
lu; acento em fal, pon, du, nin e lu; portamento ascendente em ga; expiração sonora durante
a emissão do a de lua;
Nada continua – inspiração sonora; acento e portamento ascendente em na; vibrato em ti,
nu e a;
E o cano da pistola que as crianças mordem – inspiração sonora; vibrato em ca, da e
mor; portamento descendente em an; acento em ca, da e rrr; portamento ascendente em
mor; duas notas improvisadas e três acentos (principal e improvisadas) em dem;
Reflete todas as cores da paisagem da cidade que é muito mais bonita e muito mais
intensa do que no cartão postal – inspiração inicial; portamento ascendente seguido de
descendente em re; portamento ascendente em fle, sa, da de cidade, ni, tão e a primeira
sílaba mais; portamento descendente em tem, tal e na segunda sílaba mais;
Alguma coisa está Fora da Ordem - 1v11 – inspiração sonora; acento em al; antecipação
com portamento descendente em gu; mordente e vibrato em or; portamento descendente e
nota improvisada em dem;
Fora da nova ordem mundial - 1v12 – inspiração sonora; acento em fo e dem; vibrato em
or; portamento ascendente em dem; nota improvisada com portamento ascendente em al;
Alguma coisa está Fora da Ordem - 1v21 – portamento descendente em al e gu; apojatura
ascendente de fo para ra; mordente com portamento ascendente e descendente e vibrato em
or; apojatura em dem;
Fora da nova ordem mundial - 1v22 – acento em fo; apojatura ascendente de fo para ra;
vibrato em or; acento e portamento ascendente em dem; nota improvisada superior,
dinâmica decrescente e portamento descendente em al;
Alguma coisa está Fora da Ordem - 1v31 – acento em al, coi, fo e dem; portamento
descendente em gu; mordente e vibrato em or;
Fora da nova ordem mundial - 1v32 – apojatura de fo para ra; acento em fo e dem;
vibrato em or; portamento ascendente em dem; nota improvisada com portamento
ascendente, dinâmica decrescente e portamento descendente em al;
210

Alguma coisa está Fora da Ordem - 1v41 – inspiração sonora; acento em al, coi, fo e dem;
portamento descendente em coi; mordente e vibrato em or;
Fora da nova ordem mundial - 1v42 – apojatura descendente de fo para ra; acento em fo,
no e al; vibrato em or; portamento ascendente em dem; nota curta em al;
Escuras cochas duras tuas duas de acrobata mulata – inspiração sonora; portamento
ascendente em cu, co, tu, no primeiro as, no segundo du, no segundo as, ba e la;
portamento descendente na primeira sílaba ras e em chas; acento em cu, co, no primeiro du,
em tu e no segundo du; retardo com portamento descendente em ta;
Tua batata da perna moderna trupe intrépida em que fluis – portamento ascendente na
articulação de tu para a; portamento descendente em uis; acento em fl; articulação
exagerada em bata e fluis;
Te encontro em Sampa de onde mal se vê quem sobe ou desce a rampa – inspiração
sonora; portamento descendente seguido de ascendente e descendente na articulação de a
para ram; portamento descendente em te en, se e só; acento em con, Sam e des; nota
improvisada com portamento descendente seguido de ascendente e dois acentos em pa, na
nota principal e na improvisada;
Alguma coisa em nossa transa é quase luz forte demais parece porto do aprova /
Parece fogo, parece, parece paz – portamento ascendente seguido de descendente em al;
portamento descendente em é, mais, por; portamento ascendente em luz e fo; acento em coi,
pro e fo; vibrato em paz;
Parece paz – inspiração sonora; acento e vibrato em paz;
Pletora de alegria um show de Jorge Benjor dentro de nós – vibrato em gri, jor e nós;
portamento ascendente em jor e den; portamento descendente em tro e de; acento em ben,
jor, den e de; qualidade sussurrada em Ben; articulação exagerada e gutural em r de jor;
É muito, é grande, é total – portamento descendente seguido de ascendente no terceiro
verbo é; portamento descendente; acento, qualidade sussurrada e expiração sonora em tal;
Alguma coisa está Fora da Ordem - 2v51 – acento em al, coi, fo e dem, esta última na
nota principal e na nota improvisada; mordente com portamento ascendente e descendente
na articulação de da para o; vibrato em or; nota improvisada inferior, qualidade em laringe
baixa e expiração sonora durante a emissão das duas notas, a principal e a improvisada de
dem;
211

Fora da nova ordem mundial - 2v52 – acento em fo, no, or e al; apojatura ascendente de
fo para ra; mordente na articulação de va para or; vibrato em or; nota improvisada em al;
Alguma coisa está Fora da Ordem - 2v61 – acento em al, coi e em; portamento
descendente em al, gu e ma; ataque em portamento ascendente, mordente com nota
improvisada inferior e portamento ascendente no final de or; nota improvisada inferior,
qualidade em laringe baixa e expiração sonora nas duas notas de dem, a principal e a
improvisada;
Fora da nova ordem mundial - 2v62 – inspiração sonora; apojatura ascendente seguida de
mordente e vibrato em or; nota improvisada em al;
Alguma coisa está Fora da Ordem - 2v71 – acento em al, coi, fo e dem; portamento
descendente em al, gu, ma e coi; vibrato em or;
Fora da nova ordem mundial - 2v72 – inspiração sonora; acento em fo, no, or, dem e al;
vibrato em or, nota improvisada em al;
Alguma coisa está Fora da Ordem - 2v81 – inspiração sonora; acento em al, coi, fo e dem;
portamento descendente em gu; vibrato em or; nota improvisada e expiração sonora nas
duas notas de dem, na principal e na improvisada;
Fora da nova ordem mundial - 2v82 – acento em dem e no primeiro a de al; vibrato em
or; portamento ascendente e nota improvisada em al;
Meu canto esconde-se como um bando de ianomamis na floresta – vibrato em can e
com; acento em can, em con, no primeiro de, em ban”, em ma e em res; portamento
descendente em meu, mo’um, ban, ia e flo; portamento ascendente no primeiro de e em ma;
portamento descendente seguido de ascendente em ta; leve vibrato em res;
Na minha testa caem vem colar-se plumas de um velho cocar – inspiração sonora;
acento em mi e tes; portamento ascendente seguido de descendente em na; portamento
descendente em caem, vem, lar, plu, mas e car; expiração sonora durante a emissão de car;
Estou de pé em cima do monte de mundo lixo baiano – leve vibrato em tou e pé; acento
em tou, pé, ci, mon, mun, li e ã de baiano; portamento descendente em mon e mun;
portamento ascendente em de, li e ia, nota improvisada com portamento descendente em
no;
Cuspo chiclete do ódio no esgoto exposto do Leblon, mas retribuo a piscadela do
garoto de frete do Trianom – articulação exagerada em toda a frase; fonemas alterados
212

em po, te, dio, no es, to’ex, to, pis, to, de, te, acento em cle, ó, pos, blon, buo, de, ro, fre e
non; portamento ascendente em ó, re, e anon; portamento descendente em pos e Tria;
portamento ascendente seguido de descendente em blon e uoa; vibrato em non;
Eu sei o que é bom – portamento descendente em eu e bom; portamento ascendente
seguido de descendente no artigo o; acento em sei; expiração sonora no final de bom;
Eu não espero pelo dia em que todos os homens concordem – vibrato em pe; acento em
pe, di, ho e cor; portamento ascendente e descendente em lo e em; portamento ascendente
em di e ho; portamento descendente em dos e con; mordente em cor; nota improvisada em
dem;
Apenas sei de diversas harmonias bonitas possíveis sem juízo final - portamento
descendente em nas, sei, har, ias, si e zo; portamento ascendente em ni e juí; acento em sem
e í; portamento ascendente e descendente em ver; nota improvisada inferior em nal;

3.3.3 Odara (de Caetano Veloso)

1ª vez:
Deixa eu dançar, pro meu corpo ficar Odara – acento em dei, dan e ra; vibrato e
expiração sonora durante car e no final de ra; portamento ascendente em dei e cor;
portamento ascendente seguido de descendente em dan; portamento descendente em po;
vibrato em car; mordente em da seguida de antecipação de da para ra;
Minha cara, minha cuca ficar Odara – mordente em ca seguida de antecipação para a
primeira sílaba ra e mordente em da seguida de antecipação para a segunda ra; qualidade
vocal suja em nha; vibrato na primeira ra e em car; portamento ascendente na primeira
sílaba mi e em cu e ca; duas notas improvisadas descendentes com acento na última ra;
Deixa eu cantar – vibrato em dei; portamento descendente seguido de ascendente em eu;
retardo em can; vibrato e expiração sonora no final de tar;
Que é pro mundo ficar Odara – retardo em mun; mordente em car; qualidade suja em o;
portamento ascendente, vibrato e qualidade suja em ra, finalizando com expiração sonora;
Pra ficar tudo jóia rara – portamento descendente em pra e jói; qualidade suja em pra;
portamento ascendente em fi; portamento descendente e expiração sonora durante a car e a
primeira ra; acento na primeira ra; vibrato na última ra, finalizando com expiração sonora;
Qualquer coisa que se sonhara – portamento descendente e expiração durante a quer;
qualidade nasal em qualquer coisa; apojatura com portamento ascendente em sa; vibrato
213

em se; portamento ascendente em nha, seguido de mordente e antecipação para ra; vibrato,
portamento descendente e expiração sonora durante a ra;
Canto e danço que Dara – inspiração sonora; portamento descendente em can; retardo em
dan; antecipação com portamento descendente de da para ra; vibrato e dinâmica
decrescente em ra; qualidade suja em dara;
Ficar Odara - vibrato em car e ra; qualidade suja em o; antecipação com portamento
descendente de da para ra; vibrato em ra e finalização com expiração sonora;
Ficar Odara – portamento descendente em fi; portamento descendente seguido de
ascendente em car; antecipação com portamento descendente de da para ra; vibrato em ra e
finalização com expiração sonora;
2ª vez:
Deixa eu dançar – acento em dei; portamento ascendente em dei e çar; retardo com
portamento ascendente em dan; portamento descendente em dan; vibrato em çar e
finalização com expiração sonora;
Pro meu corpo ficar Odara – portamento ascendente em cor e po; mordente em car;
mordente em da seguida de antecipação para ra; acento em car; vibrato em ra finalizando
com expiração sonora;
Minha cara – apojatura com portamento ascendente seguida de descendente em mi;
portamento descendente em nha e ca; mordente com portamento ascendente em ca seguido
de antecipação para ra; acento e expiração sonora durante a ra;
Minha cuca ficar Odara – portamento ascendente em nha; mordente superior em car;
mordente superior em da seguida de antecipação para ra; acento e vibrato em ra e
expiração sonora na finalização;
Deixa eu cantar – portamento ascendente em dei; retardo com portamento ascendente em
can; vibrato em tar e expiração sonora na finalização;
Que é pro mundo ficar Odara – portamento ascendente em mun; mordente e acento em
car; apojatura com portamento ascendente, vibrato e qualidade suja em ra;
Pra ficar tudo jóia rara – portamento ascendente em pra; portamento ascendente seguido
de descendente em car e na primeira ra; acento e expiração sonora durante a primeira ra;
qualidade suja em pra e na primeira ra; portamento descendente em jói; vibrato,
214

portamento ascendente, dinâmica decrescente na última ra, finalizando com expiração


sonora;
Qualquer coisa que se sonhara – portamento ascendente seguido de descendente em qual;
qualidade nasal em qualquer coisa; portamento descendente e expiração sonora durante a
quer; portamento ascendente em coi; apojatura com portamento ascendente em sa; vibrato e
qualidade suja em se; retardo com portamento ascendente em nhá; qualidade suja e
mordente em nha seguida de antecipação para ra; acento em ra, finalizando com expiração
sonora;
Canto e danço que Dara – portamento ascendente e antecipação de da para ra; vibrato em
ra;
3ª vez:
Deixa eu dançar – portamento ascendente e acento em dei e dan; vibrato e expiração
sonora durante a çar;
Pro meu corpo ficar Odara – apojatura com portamento descendente em pro; retardo com
portamento ascendente em cor; retardo e escapada por salto ascendente com mudança para
o falsete em car; acento em pro, meu, cor, car, da e ra; mordente em da seguida de
antecipação para ra; qualidade suja em car odara; vibrato em ra, finalizando com
expiração sonora;
Minha cara – portamento ascendente em mi; qualidade suja em nha; mordente em ca
seguida de antecipação para ra; vibrato em ra; acento em mi, ca e ra;
Minha cuca ficar Odara – portamento ascendente em nhá; apojatura com portamento
ascendente seguida de descendente em ca; mordente em car; acento em car, da e ra;
qualidade suja em ca, car e ra; mordente em da seguida de antecipação para ra; vibrato em
ra, finalizando com expiração sonora;
Deixa eu cantar – portamento ascendente em dei; retardo com portamento ascendente em
can; acento em dei e can; vibrato em tar, finalizando com expiração sonora;
Que é pro mundo ficar Odara – portamento ascendente e vibrato em mun; mordente em
car; qualidade suja em car, o e ra; apojatura com portamento ascendente e vibrato em ra,
finalizando com expiração sonora;
Pra ficar tudo jóia rara – qualidade suja em pra; portamento ascendente seguido de
descendente em car; portamento ascendente em do; retardo com portamento descendente
215

em ia; portamento ascendente seguido de descendente, acento e expiração sonora durante a


primeira sílaba ra; vibrato na segunda ra, finalizando com expiração sonora;
Qualquer coisa que se sonhara – portamento descendente em quer; qualidade nasal em
qualquer coisa; apojatura com portamento ascendente, vibrato e acento em sa; vibrato em
se; portamento ascendente e qualidade suja em nha; mordente em nha seguida de
antecipação para ra, finalizando com expiração sonora;
Canto e danço que Dara – inspiração sonora; portamento descendente em can; retardo
com portamento ascendente em dan; apojatura com portamento ascendente em que; vibrato
e qualidade suja em ra, finalizando com expiração sonora;
4ª vez:
Deixa eu dançar – portamento ascendente em dei; leve vibrato em eu; retardo com
portamento ascendente seguido de descendente em dan; vibrato e expiração sonora durante
çar; acento em dei;
Pro meu corpo ficar Odara – retardo com portamento ascendente seguido de descendente
em cor; apojatura com portamento ascendente em fi; duas mordentes em car; mordente em
da seguida de antecipação para a; acento em cor e ra; qualidade suja em o e ra; vibrato em
ra, finalizando com expiração sonora;
Minha cara – portamento ascendente em mi; portamento ascendente em ca; antecipação
descendente de ca para ra; vibrato, dinâmica decrescente em ra; qualidade suja em nha e
ca;
Minha cuca ficar Odara – portamento ascendente em nha e cu; apojatura com portamento
ascendente em ca; vibrato em car; qualidade suja e mordente em da, seguida de
antecipação para ra; vibrato em ra, finalizando com expiração sonora;
Deixa eu cantar – portamento ascendente seguido de descendente em dei; portamento
descendente em eu; vibrato em can e tar, esta última finalizando com expiração sonora;
Que é pro mundo ficar Odara – portamento ascendente e vibrato em mun; mordente em
car; vibrato em ra; qualidade suja em o;
Pra ficar tudo jóia rara – portamento descendente em car; portamento ascendente e
expiração sonora durante a primeira sílaba ra; retardo com portamento descendente da
primeira ra para a segunda ra; vibrato na segunda ra, finalizando com expiração sonora;
216

Qualquer coisa que se sonhara – portamento descendente e expiração sonora durante a


quer; qualidade nasal em qualquer coisa; apojatura com portamento ascendente em sa;
vibrato em se e ra; portamento ascendente e mordente em nha, seguida de antecipação para
ra; qualidade suja em ra;
Canto e danço que Dara – portamento ascendente seguido de descendente em can;
antecipação com portamento descendente de da para ra; vibrato e qualidade suja em ra,
finalizando com expiração sonora;
5ª vez:
Deixa eu dançar – apojatura com portamento ascendente seguido de descendente em dei;
portamento descendente em eu; retardo com portamento ascendente seguido de descendente
em dan; acento em dei e dan; vibrato e expiração sonora durante çar;
Pro meu corpo ficar Odara – retardo com portamento ascendente e expiração sonora
durante a sílaba cor; duas mordentes em car; mordente com portamento ascendente em da
seguida de antecipação para ra; qualidade suja em o e ra; acento em cor, da e ra; vibrato
em ra, finalizando com expiração sonora;
Minha cara – portamento ascendente seguido de descendente em mi; qualidade suja e
mordente em ca seguida de antecipação para ra; acento em mi, ca e ra;
Minha cuca ficar Odara – portamento ascendente em nha; apojatura com portamento
descendente seguido de ascendente e descendente e qualidade suja em ca; mordente em
car; vibrato e mordente com portamento ascendente em da, seguida de antecipação para ra;
acento em car e ra; vibrato e portamento descendente em ra;
Deixa eu cantar – portamento ascendente seguido de descendente em dei; retardo com
portamento ascendente, vibrato, acento e portamento descendente em can; portamento
descendente e vibrato em tar, finalizando com expiração sonora;
Que é pro mundo ficar Odara – mordente com portamento ascendente seguido de
descendente e ascendente em que é; portamento ascendente seguido de descendente em
mun; duas mordentes em car; vibrato em da; apojatura com portamento ascendente e
vibrato em ra, finalizando com expiração sonora;
Pra ficar tudo jóia rara – portamento descendente em car e jói; portamento ascendente
em do; portamento descendente, acento e expiração sonora durante a primeira sílaba ra;
vibrato na segunda sílaba ra, finalizando com expiração sonora;
217

Qualquer coisa que se sonhara – portamento descendente em quer; qualidade nasal em


qualquer coisa; apojatura com portamento ascendente sa; vibrato e acento em sa e se;
portamento ascendente e acento em nha; antecipação com portamento descendente de nha
para ra; vibrato em ra, finalizando com expiração sonora;
Canto e danço que Dara – vibrato em can; retardo com portamento ascendente em dan;
antecipação com portamento descendente de da para ra; vibrato e expiração sonora durante
a ra;
6ª vez:
Deixa eu dançar – portamento ascendente em dei e eu; retardo com portamento ascendente
em dan; vibrato e expiração sonora durante car; acento em dei e dan;
Pro meu corpo ficar Odara – retardo com portamento ascendente seguido de descendente
em cor e da; portamento descendente em po; apojatura com portamento descendente
seguido de mordente em car; vibrato em ra; acento em da;
Minha cara – portamento ascendente em mi; portamento descendente em nha; antecipação
com portamento descendente de ca para ra; acento em ca; vibrato em ra, finalizando com
expiração sonora;
Minha cuca ficar Odara – portamento ascendente em nha e cu; portamento descendente
em ca; mordente e vibrato em ca; qualidade suja em o; mordente em da seguida de
antecipação para ra; vibrato em ra; acento em car e ra;
Deixa eu cantar – portamento ascendente seguido de descendente em dei; portamento
descendente em can; vibrato em tar, finalizando com expiração sonora;
Que é pro mundo ficar Odara – retardo com portamento ascendente e vibrato em mun;
mordente em car; qualidade suja em o; apojatura com portamento ascendente e vibrato em
ra;
Pra ficar tudo jóia rara – portamento descendente em car e jói; portamento descendente;
acento e expiração sonora durante a primeira sílaba ra; vibrato e dinâmica decrescente na
segunda sílaba ra;
Qualquer coisa que se sonhara – apojatura com glisando ascendente e acento em sa;
qualidade nasal em qualquer coisa; vibrato em se; portamento ascendente em nha;
antecipação com portamento descendente de nha para ra; vibrato e dinâmica decrescente
em ra;
218

Canto e danço que Dara – retardo com portamento ascendente e vibrato em dan;
antecipação com portamento descendente de da para ra; vibrato e dinâmica decresente em
ra, finalizando com expiração sonora;
7ª vez:
Deixa eu dançar – portamento ascendente seguido de descendente em dei; retardo com
portamento ascendente, vibrato e portamento descendente em dan; acento em dei e dan;
vibrato e dinâmica decrescente em çar, finalizando com expiração sonora;
Pro meu corpo ficar Odara – retardo com portamento ascendente seguido de descendente
em cor; portamento ascendente seguido de descendente em po; mordente em car; vibrato e
mordente em da seguida de antecipação para ra; qualidade suja em car, o e ra; acento,
vibrato e dinâmica decrescente em ra;
Minha cara – portamento ascendente em mi; portamento descendente em nha; mordente
com portamento descendente e ascendente em ca; qualidade suja em nha e ca; antecipação
com portamento descendente de ca para ra; vibrato e dinâmica decrescente em ra,
finalizando com expiração sonora;
Minha cuca ficar Odara – glissand ascendente em nha; retardo com portamento
ascendente em cu; mordente inferior em ca; duas mordentes seguidas de portamento
descendente em car; vibrato e mordente em da, seguida de antecipação para ra; qualidade
suja em car; o e ra; acento em ra seguido de duas notas improvisadas descendentes, vibrato
e dinâmica decrescente;
Deixa eu cantar – portamento ascendente seguido de leve mordente em dei; portamento
descendente em eu; retardo com portamento ascendente em can; vibrato, dinâmica
decrescente e qualidade suja em tar, finalizando com expiração sonora;
Que é pro mundo ficar Odara – portamento ascendente e vibrato em mun; mordente em
car; apojatura com portamento ascendente, vibrato e dinâmica decrescente em ra,
finalizando com expiração sonora;
Pra ficar tudo jóia rara – portamento descendente em car e jói; expiração sonora durante
car; portamento descendente e acento com expiração sonora na primeira sílaba ra; vibrato
na segunda sílaba ra, finalizando com expiração sonora;
Qualquer coisa que se sonhara – portamento descendente em quer; qualidade nasal em
coisa; apojatura com portamento ascendente em sa; vibrato e acento em se; retardo com
219

portamento ascendente, qualidade suja e mordente em nha, seguida de antecipação para ra;
vibrato e acento em ra;
Canto e danço que Dara – inspiração sonora; retardo com portamento ascendente e
vibrato em dan; antecipação com portamento descendente de da para ra; vibrato, dinâmica
decrescente e qualidade suja em ra, finalizando com expiração sonora;
8ª vez:
Deixa eu dançar – portamento ascendente seguido de descendente em dei e eu; retardo
com portamento ascendente e vibrato em dan; vibrato e dinâmica decrescente em çar,
finalizando com expiração sonora;
Pro meu corpo ficar Odara – portamento ascendente seguido de descendente em meu, cor
e po; expiração sonora em cor, duas mordentes seguidas de portamento ascendente em car;
mordente em da seguida de antecipação para ra; vibrato e dinâmica decrescente em ra,
finalizando com expiração sonora;
Minha cara – portamento ascendente e vibrato em mi; portamento ascendente seguido de
descendente em nha; vibrato e mordente em ca seguida de antecipação para ra, acento em
ra;
Minha cuca ficar Odara – portamento ascendente em nha; apojatura com portamento
ascendente seguido de descendente em ca; dois mordentes em car; mordente em da seguida
de antecipação para ra; qualidade suja em car, o, da e ra; acento, vibrato e dinâmica
decrescente em ra, finalizando com expiração sonora;
Deixa eu cantar – portamento ascendente seguido de descendente em dei; portamento
descendente em eu; vibrato em can; vibrato e dinâmica decrescente em ra, finalizando com
expiração sonora;
Que é pro mundo ficar Odara – portamento ascendente e vibrato em mun; dois mordentes
e expiração sonora durante a sílaba car; apojatura com portamento ascendente, vibrato e
dinâmica decrescente em ra, finalizando com expiração sonora;
Pra ficar tudo jóia rara – portamento ascendente seguido de descendente em pra;
portamento descendente e expiração sonora em car; portamento descendente em jói e a;
portamento ascendente, acento e expiração sonora durante a primeira sílaba ra; antecipação
com portamento descendente da primeira ra para a segunda ra; vibrato, qualidade suja e
dinâmica decrescente na última ra, finalizando com expiração sonora;
220

Qualquer coisa que se sonhara – portamento ascendente seguido de descendente em quer;


qualidade nasal em qualquer coisa; portamento ascendente em coi e nha; apojatura com
portamento ascendente em sa; portamento descendente em que; vibrato em se; qualidade
suja e mordente em nha seguida de antecipação para ra; acento em se e ra;
Canto e danço que Dara – portamento descendente em can; retardo com portamento
ascendente em dan; portamento ascendente em que; antecipação com portamento
descendente em da; acento, vibrato, qualidade suja e dinâmica decrescente em ra,
finalizando com expiração sonora.

Você também pode gostar