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Rio de Janeiro
2006
Adriana Noronha Piccolo
Aprovada por:
________________________________
Prof. Dr. Leonardo Fuks
________________________________
Profª. Dra. Elizabeth Travassos
________________________________
Prof. Dr. Samuel Araujo
Rio de Janeiro
2006
Dedico esse trabalho, como tudo
na minha vida, à minha mãe,
Anna Maria.
Razão de tudo que eu sou e
acredito. Exemplo de vida, garra,
companheirismo, amizade,
generosidade.
Amor tão grande que não coube
nesse mundo pequeno.
Onde quer que esteja, a certeza de
que está comigo, sempre.
AGRADECIMENTOS:
Ao Milton Nascimento, Caetano Veloso e Elis Regina (representada por seus filhos
Maria Rita, João Marcelo e Pedro Mariano), três dos maiores artistas da nossa música,
agradeço, antes de tudo, pelo talento, competência e sensibilidade, responsáveis pela
minha escolha profissional, dentre outros momentos muito felizes da minha vida.
Também pela confiança, generosidade e humildade na cessão do material, que nós,
cantores, sabemos o quanto é revelador.
E pelo estímulo responsável à pesquisa na área de canto popular, o que só me faz admirá-
los ainda mais.
À Marilene Gondim e ao Luiz Felipe Mäder (Dida), sem o seu empenho e carinho esse
trabalho não teria o brilho de contar com um material tão especial.
Aos meus amigos do Museu Villa-Lobos, por todo apoio, força, torcida, paciência e
sugestões.
Aos professores Angela Herz, Clara Sandroni, Eliane Sampaio, Felipe Abreu, Marcelo
Rodolfo e Regina Machado, que tanto têm se empenhado em desenvolver um trabalho
sério de pesquisa e transmissão de conhecimento na área do ensino do canto, pela
disponibilidade e atenção que dispensaram em esclarecer as minhas dúvidas.
À cada um dos meus amigos e familiares por serem meu alicerce, a força que me faz
persistir nos meus raros, mas intensos, momentos de dúvida.
Ao meu pai.
The present study aimed at the description and discussion of learning processes of
brazilian popular singing, particularly from the MPB (música popular brasileira) genre, as
compared to those in classical singing.
Singing as a factor of cultural identity was addressed, regarding issues of musical
tradition and reinvention, equality and distinction, nationalism and globalization,
presumed as building blocks of said identity.
The concept of vocal technique was discussed, while some contrasting features
between popular-urban and classical singing were established.
Historical data on vocal technique and its transmission processes in Brasil were
presented, departing from the work by Lucy Green and information provided by top
Brazilian singers, such as Elza Soares, Leila Pinheiro, Ney Matogrosso, Gal Costa and
Maria Bethânia, and by influential singing teachers, through direct interviews or articles.
We described and evaluated the present state of formal singing education, where
we tried to point out some progresses and weak points in its implementation.
The concepts of ornaments and vocal effects were focused, as important
distinguishing elements of popular singing, with a tentative detailed description of each
effect and vocal gesture found among the data analysed in three iconic Brazilian singers:
Elis Regina, Milton Nascimento and Caetano Veloso.
Departing from ten phonograms, all of them obtained by special permission and
free of instrumental accompaniment, we detected and measured the occurrences and
features of the ornaments and vocal effects.
The resulting acoustical, perceptive, statistical and singing instructional data
enabled a better characterization of the MPB style of singing.
A multimedia material for audio and analysis display was also produced as a
proposal of a tool for training, research and demonstration of the vocal gestures of
singers.
ANEXOS
CAPÍTULO 7. DISCUSSÕES......................................................................................p.150
7.1 Escopo e limitações do estudo..................................................................p.150
7.1.1 Sobre o material analisado........................................................p.150
7.1.1.1 Cantores no laboratório e no estúdio.............................p.150
7.1.1.2 Vantagens na utilização do material livre de instrumentos
...................................................................................................p.151
7.1.1.3 Amostragem..................................................................p.151
7.1.1.4 Cálculos de freqüência das ocorrências.........................p.152
7.1.2 Aspectos perceptivos..................................................................p.153
7.1.2.1 A percepção do vibrato..................................................p.153
7.1.2.2 Quando considerar a existência de um portamento.......p.154
7.2 O contexto – o artista, o espaço e o tempo..............................................p.156
7.2.1 A canção no tempo: o jeito de cantar mudou?........................p.157
7.2.1.1 O artista na época das gravações...................................p.158
7.3 Em busca de uma pedagogia aplicada.....................................................p.159
7.3.1 Pode-se ensinar a fazer ornamentos?.......................................p.159
7.3.2 O sistema notacional pode ser usado?......................................p.159
7.3.2.1 O que dizem os songbooks?..........................................p.160
7.3.2.2 Outras formas de notação: representações gráficas.......p.161
7.3.3 Uma proposta pedagógica.........................................................p.162
7.3.3.1 O material editado.........................................................p.162
7.3.3.2 Interface.........................................................................p.163
7.3.3.3 Propostas de exercícios..................................................p.164
7.3.3.3.1 – O arquivo de apresentação como ferramenta de
estudo.............................................................................p.165
7.3.3.3.2 Audição, experimentação e gravação.............p.165
7.3.3.3.3 Exercícios que prescindem do gravador.........p.166
CAPÍTULO 8. CONCLUSÕES...................................................................................p.167
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................................................p.172
REFERÊNCIAS FONOGRÁFICAS............................................................................p.178
1
1.1.1 A MPB
A discussão acerca do significado da sigla “MPB”, por sua vez, poderia render outro
artigo, o que também não é nossa intenção, já que foi discutido com muita propriedade por
diversos autores (MENDES, 2005; PERRONE; DUNN, 2001; SANDRONI, 2004;
ULHÔA, 2003; VIANNA, 2004).
Apesar de sua tradução significar o nome abrangente de música popular brasileira,
a sigla MPB não se aplica a toda e qualquer música popular brasileira. Também não
designa um gênero musical. Empregada desde pelo menos 1960 por Ary Barroso, na
contracapa do LP Bossa Nova, de Carlos Lira (ENCICLOPÉDIA da Música Brasileira,
1998), seu uso ganhou impulso com os Festivais da Canção realizados a partir de 1965 e o
momento político-cultural que o Brasil atravessava naquela época. Por volta de 1966,
entendia-se por MPB (ou MMPB, Moderna Música Popular Brasileira) toda música feita no
Brasil, salvo o rock e os gêneros aparentados (soul, blues etc.) e, em seguida, devido à forte
3
influência desses estilos, passou a representar toda música brasileira que não fosse
eminentemente roqueira, embora pudesse ter influências do pop-rock. Também não
abarcava o samba de raiz, a música brega ou os artistas ligados à velha guarda, “embora
inspirassem reverência ou simpatia aos artistas militantes desta sigla”. Aos poucos, passou
a representar toda música feita no Brasil e cantada em português. (EMB, 1998).
Sandroni (2004, p. 29-31) afirma que a força da noção da MPB entre os anos 1960 e
1980 estava ligada à confluência de três fatores: servia ao mesmo tempo como categoria
analítica (distinguindo-se da música “erudita” - urbana, autoral e mediada, e da
“folclórica”, rural, anônima e não mediada), como opção ideológica (era como uma senha
de identificação político-cultural, que representava um universo de valores e referências
que incluía a “defesa nacional” num período do país marcado pela censura e pelas lutas
democráticas) e como perfil de consumo (como uma “etiqueta mercadológica”). A partir
dos anos 1990, a MPB passa a significar unicamente a adesão a um segmento do mercado
musical composto por grupos sociais de variado recorte e procedência.
Para definirmos a MPB, hoje, devemos considerá-la como um produto da história,
um produto globalizado que, em decorrência da crescente competitividade e acirramento do
mercado, verificada ininterruptamente principalmente a partir do surgimento do rádio no
final da década de 1920, contribuiu para a profissionalização do canto popular.
1.2 Questões
professor Roberto Gnattali, a pesquisa foi feita a partir de entrevistas com três cantores
consagrados da MPB – Elza Soares, Leila Pinheiro e Ney Matogrosso – e seis professores
de canto: um que se utilizava explicitamente da técnica do canto lírico e os outros que
trabalhavam sobre o repertório da música popular.
A partir daquele trabalho, surgiram outras questões que contribuíram de forma
decisiva para a escolha do tema dessa pesquisa.
Vimos que, tal como outras manifestações da cultura popular, a interpretação da
MPB tem sido aprendida e repassada de geração a geração. O cantor popular, na maioria
das vezes, aprende seu ofício ouvindo e imitando. Vale lembrar que ainda persiste uma
crença muito disseminada de que o canto popular, tal como a música popular de um modo
geral, não deve ser ensinado já que o “verdadeiro” artista deve ter o “dom natural”. Já dizia
Noel Rosa, em 1933, na letra da consagrada canção “Feitio de Oração”: “Batuque é um
privilégio / Ninguém aprende samba no colégio”.
Gal Costa, em entrevista ao “Programa do Jô” (TV Globo), veiculada no dia 13 de
dezembro de 2002, disse ter experimentado sonoridades direcionando sua voz para o
interior de grandes panelas, a fim de melhor se ouvir. Ney Matogrosso, Elza Soares e Leila
Pinheiro contaram ter aprendido sozinhos, na prática e desde crianças (PICCOLO, 2003).
Essa forma de aprendizagem vem trazendo resultados que dispensam adjetivos, como
podemos verificar ouvindo esses e tantos outros grandes cantores da nossa música.
Apesar disso, os três cantores entrevistados na referida monografia disseram ter
procurado professores de canto mais tarde, e cada qual por um motivo diferente. Leila
Pinheiro contou que teve problemas de calos nas pregas vocais. Fez o tratamento com uma
fonoaudióloga que a indicou que fizesse um treinamento vocal. Ney Matogrosso disse ter
procurado o professor porque “queria ter mais notas graves”. Elza Soares contou que a todo
momento ouvia falar de professor de canto e, por pura curiosidade, resolver verificar se era
bom. Acabou, segundo ela, sendo dispensada na primeira aula, com a justificativa do
professor de que era ela quem tinha que ensinar para ele a sua técnica.
Constatamos então que, principalmente a partir da década de 1980, intérpretes
consagrados e iniciantes vêm procurando professores de canto popular para aperfeiçoar
suas habilidades e saúde vocal, o que impulsionou – ou foi impulsionado por ele - o
surgimento desses profissionais do ensino.
5
1
Para obter mais depoimentos de professores sobre o assunto, ver também Castro (2002).
2
Na verdade, essa questão foi uma das que serviram para definir a escolha do tema da monografia. Ao final, concluímos
que ela pode ser conseqüência da falta de professor treinado para o ensino de canto popular.
3
Técnica é a ”parte material ou o conjunto de processos de uma arte [...]; maneira, jeito ou habilidade especial de executar
ou fazer algo [...]; prática”. (FERREIRA, 1975, p.1371).
4
O termo “apoio”, freqüentemente usado por professores e outros profissionais do canto (e também por instrumentistas de
sopro), é de definição pouco precisa por estar associado a uma combinação de manobras respiratórias, fonatórias e mesmo
articulatórias, no caso da voz. Em termos respiratórios, o “apoio” geralmente implica numa sistemática contração da
musculatura abdominal, expiratória, e na participação antagônica do diafragma, músculo inspiratório.
6
5
O som vocal é produzido a partir de uma série de mecanismos simultâneos. Suas particularidades serão alcançadas
principalmente através das ressonâncias e dos registros vocais. Respiração, tônus muscular, dinâmica e outros recursos
citados podem ser usados da mesma maneira por cantores de estilos completamente diferentes.
7
comportamentais, ela possui suas particularidades naquelas três categorias em que tanto se
assemelha, além de apresentar uma série de gestos vocais que aparentemente são próprios.
Podemos ouvir as vozes de Pavarotti e Carreras e perceber a mesma “escola” de canto mas
podemos também reconhecer quem é quem. Em nosso entender, a argumentação de se
buscar um estilo pessoal de interpretação não justifica que se abra mão das características
de um gênero ou estilo musical.
Outra questão que gostaríamos de ressaltar mas que, no entanto, não será objeto de
investigação desta pesquisa por motivos de tempo e de condições instrumentais, é a
preocupação demonstrada pelos professores de canto com a saúde vocal. Percebemos isso
tanto nas entrevistas, como vimos notando em diversas palestras e cursos com professores
de canto. A idéia disseminada pelo senso comum de que “o canto popular faz mal à voz”,
ou melhor, que determinados recursos vocais ou configurações do trato vocal utilizados
pelo canto popular podem ser danosos a ele, parece carregada de preconceito e pode trazer
conseqüências estranhas ao ensino do canto popular. Por vir servindo com mais freqüência
como objeto de estudos acadêmicos e ter iniciado a sistematização de seu ensino há
algumas décadas, a técnica do canto lírico tem sido muitas vezes apontada como a técnica
“certa”, que não causa danos ao trato vocal, e que, aquela que não seguir os seus preceitos,
conseqüentemente, estará “errada” e muito provavelmente poderá trazer conseqüências
irreversíveis ao cantor. Na verdade, não existem estudos sistemáticos e pesquisas médicas
específicas sobre a utilização do trato vocal no canto popular. Há demonstrações empíricas
de cantores populares que têm as vozes alteradas depois de anos de uso. Há hipóteses, mas
não se pode afirmar com precisão o que os levou. Deve-se considerar, dentre muitos outros
aspectos, até mesmo os hábitos e condições de apresentações do cantor popular, que muitas
vezes fumam, bebem, cantam tarde, por muitas horas, em locais barulhentos. Chamamos a
atenção para esse fato porque, sob essa argumentação, alguns aspectos fundamentais e
cararcterísticos da interpretação do canto popular, definidoras até mesmo de seu estilo,
podem estar sendo desprezados em nome de uma pretensa “saúde vocal”.
1.3 Objetivos
interpretar estimulada tanto pelo surgimento do microfone e das novas técnicas de gravação
como pela influência da música americana.
Profissionais do canto também vêm desenvolvendo pesquisas, dentro ou fora da
academia. Regina Machado, professora de canto popular e de “História do Canto na MPB”
da UNICAMP/SP, vem pesquisando a trajetória do canto popular brasileiro e sua
dissertação de mestrado, em andamento, é sobre “a voz na canção brasileira com enfoque
sobre os acontecimentos estéticos e artísticos da Vanguarda Paulista”.
O professor de canto popular Felipe Abreu tem apresentado diversas palestras e
cursos sobre o tema. Em artigos publicados na Revista Backstage (2000) e no volume Ao
Encontro da Palavra Cantada (2001), faz um interessante levantamento, análise e
comparação das principais características do canto popular e do canto lírico.
Na área da fonoaudiologia, Marta Assumpção de Andrada e Silva (2001) pesquisou
as características de emissão do samba carioca, analisando 79 gravações entre 1917 e 1998.
O objetivo foi investigar se há um padrão acústico vocal específico e determinado para cada
gênero musical e assim estabelecer uma tipologia da voz no samba, aplicando
conhecimentos da Fonoaudiologia e da Semiótica aos estudos da voz cantada.
Samuel Araújo, Leonardo Fuks, Ulisses Amaral e Yahn Wagner Ferreira Pinto
(2003) propõem um diálogo interdisciplinar envolvendo a acústica musical, a fisiologia da
voz e a etnomusicologia e, a partir da análise do canto do sambista Elton Medeiros, fazem
uma “investigação das características interpretativas individuais que podem influenciar a
elaboração de uma composição e, até mesmo, a constituição de um gênero”.
As pesquisas sobre o canto popular americano estão bem mais avançadas. Com um
viés antropológico-cultural, Alan Lomax, em 1961, desenvolveu o Cantometrics Project,
com o objetivo de descrever e tipificar performances vocais de músicas folclóricas de modo
que elas pudessem depois ser comparadas de uma cultura para outra. Ele pretendia
relacionar os estilos de canto com as características da estrutura social de cada grupo e com
isso até traçar as principais trilhas da migração humana. A determinado momento chega a
afirmar: “Esperamos que cada estilo possa ser reestabelecido em seu espaço cultural e
comece novamente a desenvolver-se a seu próprio curso, provendo um novo ponto de
reagrupamento para a manutenção da variedade cultural” (LOMAX, 1968, p.9).
10
Pesquisas e métodos de ensino também vêm sendo produzidos sobre uma técnica
muito utilizada nos musicais americanos, o belt 6 . No método “Vocal Power”, desenvolvido
por Elizabeth Howard e Howard Austin (2002), os professores propõem uma base técnica
comum que serviria a todos os estilos vocais, do jazz ao lírico.
1.5 Metodologia
6
Belt ou Belting – polêmica técnica para canto feminino típica dos musicais da Broadway, em que há a
tentativa de emular o registro de peito numa tessitura mais aguda que a habitual. (ABREU, 2004, p 5)
11
7
Ressonância é o fenômeno de reflexo e amplificação do som vocal nas paredes e cavidades do trato vocal.
Os tubos do instrumento começam a desenvolver ondas em resposta a uma outra fonte, o sistema entra em
vibração e as ondas executadas passam a vibrar o ar na mesma freqüência da fonte.
12
ao espaço que ocupa – no caso, o país - e chama atenção para a importância da noção de
nação para a consciência de uma identidade: “no mundo moderno, as culturas nacionais em
que nascemos se constituem em uma das principais fontes de identidade cultural”.
A identidade cultural – e, no caso da sociedade moderna, a nacional - vai se
formando na pessoa desde sempre, e ao longo do tempo, independente da sua percepção
sobre essa ocorrência. Nascemos dentro de uma cultura que possui um conjunto de
comportamentos que automaticamente vivenciamos, assimilamos e aprendemos a
reproduzi-los também.
Ernest Renan (1990 apud HALL, 2003, p.58) diz que três coisas constituem o
princípio espiritual da unidade de uma nação: “a posse em comum de um rico legado de
memórias [...], o desejo de viver em conjunto e a vontade de perpetuar, de uma forma
indivisiva, a herança que se recebeu”.
Para Hall (2003, p.49-51), uma cultura nacional é um discurso, um modo de
construir sentidos que influencia e organiza tanto nossas ações quanto a concepção que
temos de nós mesmos. As culturas nacionais, ao produzir sentidos sobre “a nação”, sentidos
com os quais podemos nos identificar, constroem identidades.
Segue-se que a nação não é apenas uma entidade política mas algo que produz
sentidos – um sistema de representação cultural. As pessoas não são apenas
cidadãos/ãs legais de uma nação; elas participam da idéia da nação tal como
representada em sua cultura nacional.
O autor diz ainda que a identidade nacional é muitas vezes simbolicamente baseada
na idéia de um povo ou folk puro, original, mas chama a atenção para o fato de que, “nas
realidades do desenvolvimento nacional, é raramente esse povo (folk) primordial que
persiste ou que exercita o poder” (ibid., p.56).
A cultura brasileira é um bom exemplo da afirmação de Hall. Como país
colonizado, somos fruto dos portugueses colonizadores, dos índios nativos, dos negros
escravos, só para citar alguns, e de toda a combinação dessas raças e suas respectivas
culturas. Mário de Andrade (1962, p.14) nos remete aos primórdios da cultura brasileira
para caracterizar a música brasileira: “os elementos que a vinham formando se lembravam
das bandas de além, muito puros ainda. Eram portugueses e africanos. Inda não eram
brasileiros não”. E afirma que a música brasileira resulta da nossa miscigenação e só se
transforma em música brasileira quando se utiliza de características diversas da nossa
cultura.
15
Sandroni (2001), em seu livro “Feitiço Decente”, faz uma análise da transformação
da batida do samba nos anos 30 e ressalta o fato de que esse gênero, tido como tipicamente
brasileiro, se utilizou de diversas influências características da nossa cultura. O batuque
negro acrescido das origens européias seriam as principais influências para sua formação,
mas o autor coloca as diversas posições dos musicólogos sobre a questão. Vianna (1995
apud SANDRONI, p.113), por exemplo, também baseado na tese de Hobsbawn, diz que
o samba seria assim uma tradição inventada, como fruto do diálogo entre diversos
grupos heterogêneos (negros, ciganos, baianos, cariocas, intelectuais, políticos,
folcloristas, compositores eruditos, franceses, milionários, poetas...) que, cada um
com seus propósitos e à sua maneira, criam ao mesmo tempo a noção de uma
música nacional. O samba, como estilo musical, vai sendo criado
concomitantemente à sua nacionalização.
2.1.2.1 A dicção
As resoluções tiradas no Congresso teriam o intuito de fixar para o canto de
concerto e de teatro as normas da dicção em língua nacional, para que “professores,
cantores e compositores pudessem aconselhar-se e libertar-se da mesquinha incongruência,
das soluções improvizadas [sic], dos cacoetes meramente pessoais em que se extraviavam
até agora” (ANAIS do Primeiro Congresso da Língua Nacional Cantada, 1938, p. 3). A
elaboração definitiva das foi feita por uma comissão de três Congressistas designados pelo
Departamento de Cultura: Antenor Nascentes, do Colégio Pedro II, como representante da
filologia; Luis Heitor Correia de Azevedo, da Escola Nacional de Música, como
representante da musicologia; e Mario de Andrade, como representante do Departamento
de Cultura.
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cantores, a voz humana do som de um instrumento, o som usado em dois estilos de canto,
duas vogais diferentes ou dois sons emitidos por um mesmo cantor sobre uma mesma
vogal.
“Qualidade vocal” é o termo que tem sido adotado na literatura especializada e é
definida através de dois fatores: o formato e tamanho do trato vocal, dados pela
conformação física de um indivíduo, e a combinação de ajustes no trato vocal e no sistema
respiratório realizados pelo cantor durante a produção do som. (LAVER, 1980, p. 9).
Usaremos, portanto, sempre que possível, o termo “qualidade vocal” no lugar de “timbre”.
Para os participantes do PCLNC, tão importante quanto a dicção era dispensar a
atenção à “qualidade vocal” a ser utilizada, considerado um item definidor do caráter
nacional no canto: “De fato, dicção e timbre demonstram ser caracteres raciais
profundamente predeterminados por funções fisiológicas, e são, por isso, valiosa prova das
relações e diferenciações antropológicas” (DPDC, 1938, p.191).
A arte de dizer, a dicção, não consiste apenas na emissão clara dos fonemas.
Carece não esquecer que não existe fonema sem timbre nem palavra sem
sonoridade racial. Carece não esquecer principalmente que uma palavra com seus
fonemas claramente batidos, muitas vezes se torna mais incompreensível que
outra de prolação mais descuidada, porém dotada do timbre racial que a afeiçoou
(Anais do PCLNC, 1938, p.57).
Ele analisou a sonoridade do canto brasileiro, através de gravações em discos,
identificando algumas vezes a procedência e utilizando os seguintes termos e expressões:
“nasal caipira, tão diverso do carioca e do nordestino”, “nasal afrocaipira, já se afastando
dos caipirismos de entoação e se aproximando do nasal afrocarioca”, “nasal francês, tão
profundamente distinto do nosso”, “nasalação nacional”, “nasal quente, sensual, bem ‘de
morro’”, “voz amulatada”, fonética ameríndia e dos negros, timbre afroianque e
afrobrasileiro, timbração européia do belcanto, “timbres americanos da Argentina, da
América do Norte ou de Cuba”, “metal da voz brasileira”, “timbre da clarineta”, “forte cor
abaritonada das nossas vozes mais caracteristicamente nacionais”, “barítono mais liso”,
“mais clarinetístico”, “às vezes de um tom clarinante de esplêndido nasal”, “quando a voz
se timbra de afrobrasileirismo vocal”, “uma voz ao mesmo tempo tenorizante e
serenamente forte, duma carícia musculosa, sem falsetes nem outras falsificações sexuais.
Nem argentinidades nem norte-americanismos”, “nem tenores nem baixos. Nem barítonos
de belcanto”. (DPDC, 1938).
20
brasileiros, há o reconhecimento na maneira como se faz aquela música: “os povos e suas
músicas não se distinguem tanto pelo que cantam como pela maneira por que cantam”
(DPDC, 1938, p.191). Para Lomax (1968, p.3), “um estilo musical, como outras coisas
humanas, é um padrão de comportamento aprendido, comum aos membros de uma cultura.
Cantar é um ato de comunicação especializado, semelhante à fala, mas mais formalmente
organizado e redundante”.
Dessa forma, na situação mencionada, teríamos pelo menos três motivos para
justificar a sensação de conforto: a própria canção, o idioma e a forma de cantar. Não foi à
toa que Carmem Miranda, ao ser convidada para cantar nos EUA, impôs como condição a
ida do conjunto brasileiro “Bando da Lua” para assegurar o ritmo e o sotaque brasileiros.
Se a identidade traz a sensação de conforto e a diferença causa repulsa, muitas vezes
entram em cena questões valorativas como gosto e beleza. Ainda nas análises de gravações
em discos, Mário de Andrade avalia:
Finalmente na terceira peça [...] há um dueto entre o baixo sr. Perrota Filho
também exclusivamente afeito ao belcanto italiano que o educou, e o
surpreendente “barítono” sr. H. Tapajós. E com este surge um mundo novo, que
no caso, é o novo mundo do Brasil. [...] O sr. H. Tapajós é simplesmente uma
adorável, uma sensata voz masculina brasileira. [...] É a identidade, é o equilíbrio.
Assunto, palavras e timbre derivam agora duma fonte comum, e o prazer é
indizível. Surge aquela “beleza verdadeira” de que falamos atrás. As vozes dos
srs. Marco e Perrota Filho são bonitas, não discutimos. Porém esta boniteza em
texto nacional, nada consegue legitimar e as deformações são tão numerosas e
agressivas que a repulsa é instintiva (DISCOTECA Pública do Departamento de
Cultura, 1938, p.196).
Recentemente, numa palestra sobre as diferenças e semelhanças entre o canto
popular e canto lírico, assistimos a uma renomada professora de canto, com formação da
técnica lírica que assegura dar aula de canto popular, referir-se a uma também conhecida
cantora popular da seguinte maneira: “ela canta muito bem, mas às vezes emite aquele som
nasal que é muito feio!”. De acordo com as suas referências estéticas do que é cantar bem
ou mal, ela avalia que a tal intérprete até que canta bem; porém, aquele nasal, que todos
sabemos ser característico do canto popular, não a agrada. Citando mais uma vez Mário de
Andrade (1962, p.56):
O anasalado emoliente, o rachado discreto são constantes na voz brasileira até
com certo cultivo. Estão nos coros maxixeiros dos cariocas. Permanecem muito
acentuados e originalíssimos na entoação nordestina. [...] E é perfeitamente
ridículo a gente chamar essa peculiaridade da voz nacional, de falsa, de feia, só
porque não concorda com a claridade tradicional da timbração européia.
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sertanejos urbanos, dos rockeiros, dos cantores de bossa-nova, dos puxadores de samba-
enredo e muitos outros. São todos esses feitos no Brasil, portanto, brasileiros, com sotaques
brasileiros. Mesmo assim, entre eles, encontramos características interpretativas diferentes.
Também entre os intérpretes da música popular brasileira urbana, apesar das
diferenças na maneira de cantar de Ana Carolina e Gal Costa, ou entre Gilberto Gil e João
Gilberto, eles mantém uma unidade, que fica ainda mais evidente se comparados em bloco
com outros cantores brasileiros sertanejos como Zezé de Camargo, Sandy ou Xororó e mais
ainda com Carreras, Pavarotti e Maria Callas.
Assim é com o canto popular. É sempre igual mas é sempre diferente. Não tem
códigos nem regulamentos. Tudo pode ser modificado. Há, contudo, uma certa estrutura
que determina aquele canto.
Alguns autores procuraram decifrar até que ponto se pode inovar na música sem
causar o estranhamento. Ulhôa (2003, p.51) coloca a condição: “Para se adotar qualquer
música como própria, é necessário que haja um mínimo de identificação com a novidade”.
Mendes (2005, p. 135) completa: “Há um momento em que, pela resposta (feedback) do
ouvinte, o compositor se cientifica de que tudo vai indo muito bem; e que ele pode, com
segurança, valer-se de sua personalidade já vitoriosa, líder, e impor uma pesquisa nova”.
Augusto de Campos (2005a, p. 181) destaca a importância do previsível e do
imprevisível na mensagem: “A mensagem estética deve possuir uma certa “redundância” (o
inverso da “informação”) que a torne acessível ao ouvinte. Reciprocamente, a transmissão
de elementos demasiado previsíveis é “banal” aos ouvidos do receptor, que não encontra
neles um coeficiente de variedade capaz de interessá-lo. E cita Moles (CAMPOS, 2005a, p.
180): “a oposição às novas idéias artísticas, se não se justifica, explica-se do ponto de vista
da Teoria da Informação. No seu importante estudo Machines à Musique (1957) [....],
Moles acentua que a “mensagem artística” oscila numa dialética “banal/original,
previsível/imprevisível, redundante/informativa”.
Hall diz que o colapso dos regimes comunistas na Europa Oriental e da antiga
União Soviética “foram seguidos por um forte revival do nacionalismo étnico, alimentado
por idéias tanto de pureza racial quanto de ortodoxia religiosa” (HALL, 2003, p.93).
No Brasil, além da já relatada tentativa de proteger o canto nacional com os
manifestos de Mário de Andrade e a realização do PCLNC, uma outra tentativa de “defesa”
da cultura nacional foi a Carta do Samba, aprovada no final de 1962, durante o ‘I
Congresso Nacional do Samba”, fato relatado por Sandroni. Com redação do folclorista
Edison Carneiro, a carta dizia que o documento “representava um esforço por coordenar
medidas praticas ... para preservar as características tradicionais do samba” (CARNEIRO
apud SANDRONI, 2001, p.19). Segundo Sandroni, tentava-se definir, através de um termo
técnico, o que seriam as características musicais tradicionais do samba que se queria
preservar.
Outros exemplos da intolerância em relação à invasão da música estrangeira no país
podem ser dados com a reação à Carmem Miranda em sua volta ao Brasil depois de uma
temporada nos EUA, aos movimentos da bossa-nova, da Jovem Guarda e o tropicalista –
com suas guitarras, letras, música e estética – todos considerados “americanizados”, como
uma tentativa de “defesa” da cultura nacional por aqueles que acreditavam que ela deveria
ser “protegida” de influências externas.
O próprio Caetano Veloso, idealizador do movimento tropicalista juntamente com
Gilberto Gil, cujo mote era contestador e propunha a liberdade na forma de se fazer arte,
conta como também caiu na armadilha do preconceito ao sentir por Carmem Miranda uma
sensação mista de orgulho e vergonha. “Em 1957, as gravações que ela fez antes de ir para
os EUA soavam ridículas: ‘Chica chica boom chic’, ‘Cuanto le gusta’ e ‘South American
Way’ eram o oposto do nosso desejo por bom gosto e identidade nacional” (VELOSO,
2001, p.39). Hoje reconhece a grande contribuição que a cantora deu para a nossa música.
“Ela estava sempre presente também porque […] havia qualidade em sua arte. Antes de
tornar-se internacionalmente a falsa baiana […] Carmen Miranda já havia deixado no
Brasil muitas evidências de sua reinvenção do samba” (ibid., p.42).
A terceira conseqüência possível da globalização, é a de que “as identidades
nacionais estão em declínio, mas novas identidades – híbridas – estão tomando seu lugar”
(HALL, 2003, p.69). Como vimos anteriormente no caso da formação do samba tal como o
30
conhecemos hoje, esse fenômeno acontece há séculos no Brasil e no mundo. Sem dúvida, a
migração - entre povos de países distintos no caso da colonização, ou entre povos do
mesmo país como no Brasil, em que constantemente nordestinos vêm principalmente ao
Sudeste em busca de novas oportunidades de vida e trabalho – tem afetado e criado novas
manifestações culturais. “Danças camponesas viajam para a cidade, passam do “populacho”
aos salões quando autores letrados as descobrem e “civilizam”; voltam ao “populacho”,
retornam ao mundo camponês. [...] Um deixa no outro as suas marcas”. (BRANDÃO,
2003, p.75).
Campos sai em defesa da reinvenção, criticando o conservadorismo musical:
Para que haja informação estética, deve haver sempre alguma ruptura com o
código apriorístico do ouvinte, ou, pelo menos, um alargamento imprevisto do
repertório desse código. Mas o hábito e a rotina deformam a sensibilidade,
convertendo, freqüentemente, o conjunto de conhecimentos do receptor num
tabu, em leis “sagradas” e imutáveis (CAMPOS, 2005a, p.181).
Hall ressalta a freqüente associação do caráter ocidental da globalização. Ele lembra
que a globalização é muito desigualmente distribuída ao redor do globo, entre regiões e
entre diferentes estratos da população dentro das regiões, formando o que Doreen Massey
chama de “geometria do poder” da globalização. E que, “uma vez que a direção do fluxo é
desequilibrada, e que continuam a existir relações desiguais de poder cultural entre ‘o
Ocidente’ e ‘o Resto’, pode parecer que a globalização – embora seja, por definição, algo
que afeta o globo inteiro – seja essencialmente um fenômeno ocidental” (HALL, 2003,
p.77-80). Porém, acredita que a globalização está tendo efeitos em toda parte, mesmo que a
“periferia” esteja vivendo esse efeito num ritmo mais lento e desigual.
É, realmente, o que parece, já que o acesso aos meios de comunicação é maior nas
regiões mais ricas e desenvolvidas. Este fato certamente acarreta uma troca mais intensa de
informações e, conseqüentemente, uma maior homogeneização de hábitos e pensamentos.
As novas características interpretativas que surgem a cada dia no Brasil comprovam
esse hibridismo. Os cantores Ana Carolina e Pedro Mariano, para citar exemplos recentes,
trazem na sua maneira de cantar alguns elementos que diferem um pouco de seus
antecessores, lançando mão de melismas e ornamentos melódicos que parecem oriundos da
escola americana de canto popular. Mas apenas essas “inovações” interpretativas não são
suficientes para que os consideremos cantores americanos.
31
Lembramos que, na cultura popular, há espaço para a reinvenção e, por isso mesmo,
é difícil afirmar o que é certo ou errado numa interpretação. Porém, há maneiras de fazer
“consagradas” que causam conforto no ouvinte e, em geral, o que não está em
conformidade com esse padrão pode causar estranhamento. Mas esse desconforto também
nem sempre é negativo. É muito comum que ele acabe se diluindo e aquela novidade passe
a ser adaptada mais tarde, deixando assim de ser diferente. Apesar de todas essas variantes,
é interessante atentar para quando e como se faz a diferença.
32
Como mencionamos antes, uma série de métodos e tratados de canto, voltados para
o ensino do canto lírico ocidental, vêm sendo produzidos no mundo, e principalmente na
Europa, pelo menos desde 1562 8 . O impulso para o surgimento de trabalhos escritos sobre
o canto foram, segundo Vidal (2000), o aumento do uso de ornamentações vocais e do
8
O primeiro tratado de canto que se tem conhecimento é o Discorso della Voce e del Modo, d'apparare di
cantar di Garganta, senza maestro, de G.C. Maffei (Napoli, Amato 1562).
33
9
O laringoscópio é um pequeno espelho com haste de comprimento variável, inspirado no dispositivo
utilizado pelos dentistas. Essa pequena “invenção”, atribuída a Manuel Garcia, permitiu a, até então inédita,
visualização da laringe em funcionamento.
34
não se conhecia o funcionamento do aparelho fonador, a imitação era a única base de quase
todas as escolas de canto. Um dos mais influentes professores de canto do seu tempo,
Garcia escreveu quatro obras de referência sobre técnicas de canto 10 .
Na primeira metade do século XX, novos avanços tecnológicos como a
amplificação eletrônica e a fonografia são apontados por Ware (1997 apud VIDAL, 2000,
p. 15) como alguns dos fatores que impulsionaram progressos vocais. Principalmente após
a década de 1940, a expansão da educação nos EUA produziu um grande número de
programas de música em conservatórios, faculdades e universidades. (VIDAL, 2000, p. 16).
Com este ingresso nas Universidades, houve uma demanda de educadores da voz e
referências bibliográficas sobre o assunto.
A iniciativa do ensino musical no Brasil foi da Igreja. Segundo Vidal (2000, p.19),
“o ensino do canto em nosso país remonta ao período colonial e consta na literatura a
atividade pedagógica e social de “ensinar de graça” os órfãos e pobres, realizada pelo
mestre-de-capela Bartolomeu Pires em 1551”. Podemos supor que essas aulas eram em
grupo e possuíam a função de catequese, não tendo como objetivo, portanto, formar
profissionais de canto.
Novas informações sobre ensino do canto no Brasil referem-se ao século XIX,
somente três séculos depois da referida iniciativa musical da Igreja, quando companhias de
ópera, principalmente italianas, começaram a vir para o país. A presença da escola italiana
foi tão intensa que Félix (1997, p.22) chega a afirmar que “o canto erudito no Brasil foi
introduzido através dos cantores italianos”. O uso constante do termo bel canto, em quase
toda literatura de canto no Brasil é um indício desse fato.
Uma das conseqüências dessas turnês é que “alguns de seus integrantes se fixavam
no Brasil, realizando também o ensino do canto” (FÉLIX, 1997, p.11). Tendo a Itália o
status de “berço da ópera e do bel canto”, esses profissionais eram valorizados por aqueles
que se interessavam pela arte do canto.
10
São elas: Traité complet de l'art du chant, Paris, 1840-1847; Mémoires sur la voix humaine. In: Comptes-
rendus des séances de l’Académie des sciences. Paris, 1841; Observations on the Human Voice. In:
Proceedings of the Royal Society of London, vii (1854–5), p. 399–410; Observations physiologiques sur la
voix humaine. Paris, 1861.
35
Além do ensino formal, que era ainda incipiente, os que não tinham aulas
aprendiam imitando os artistas estrangeiros. É o que constata Job (1909 apud FÉLIX, 1997,
p.13), em artigo publicado na revista Gazeta Artística: “muitos cantores brasileiros
aprendiam, intuitivamente, por imitação, usando como modelo cantores das companhias de
ópera italiana que vinham para o Brasil”. E muitas vezes, segundo o autor, “vinham
companhias com cantores de má qualidade”. Gil de Valadares (1911 apud FÉLIX, 1997,
p.14) reforça, na mesma revista: “Infelizmente o canto artístico (...) é ainda um modo
prático de aprender músicas cantadas, ou a imitação grotesca de cantores de companhias
lyricas”.
Até meados do século XIX, não havia escolas superiores, nem centros de pesquisa
voltadas para o ensino do canto 11 . O ensino da música no Rio de Janeiro era feito em cursos
particulares de alguns professores, como o que o compositor Padre José Maurício Nunes
Garcia (1767-1830) mantinha em sua residência.
Em 1848, foi inaugurado o Conservatório de Música, inicialmente instalado em um
salão do Museu Imperial e, em 1855, anexado à Academia de Belas Artes. Com a
Proclamação da República, em 1889, o Conservatório deu lugar ao Instituto Nacional de
Música 12 .
Entre 1857 e 1865, duas academias buscaram promover a ópera no Brasil,
promovendo concertos e preparando cantores: a Imperial Academia de Música e Ópera
Nacional (1857-1860) e a Ópera Lírica Nacional (1860-1865), no Rio de Janeiro.
Em 1909, Job (1909 apud FÉLIX, 1997, p.14) explicava o fato de não termos uma
escola de canto desenvolvida, como na Europa: “O Brasil é um país novo em relação às
culturas européias que têm, como na Itália, uma tradição mais antiga da música erudita
vocal”.
A partir do séc. XX, como reflexo do que acontecera na Europa no século anterior,
alguns autores começam a defender o ensino de canto com bases científicas. É o que se
pode verificar no trabalho intitulado “A Ciência do Canto”, de 1940, de Moreira (1940
apud FÉLIX, 1997, p.25): “Devemos substituir, enfim, a pedagogia empírica e cega por
uma outra clarividente, controlada por meio de noções rigorosamente científicas. A norma
11
As primeiras escolas superiores foram de Direito, Medicina e Politécnica, e começam a funcionar no Rio de
Janeiro, com a vinda de D. João VI, em 1808. (VIDAL, 2000, p. 19).
12
Informações retiradas do site da Escola de Música da UFRJ.
36
artística é a mesma da velha escola do ‘Bel Canto’, os meios para consegui-la é que
repousam na ciência”.
A dificuldade de se fazer um relato mais detalhado sobre as origens do ensino do
canto no Brasil é a falta de documentação. Félix (1997, p.24) observa que, na bibliografia
do início do século XX, há menções constantes de obras estrangeiras e quase não há
citações de exemplos de cantores brasileiros da época. “Quase não encontramos referência
sobre como era a vida do cantor e quem era o estudante de canto naquele tempo”. Apenas
em 1941 é que aparece pela primeira vez uma citação sobre a prática do canto no Brasil, no
trabalho de Lúcia Lopes de Almeida Noronha, intitulado “A Higiene da Voz do Cantor”.
Quem gosta de cantar, aprende a fazê-lo quase ao mesmo tempo em que aprende a
falar. Naturalmente. É por isso que, para o cantor popular brasileiro profissional, soa tão
fora de propósito a pergunta: “como você aprendeu a cantar?”. Elza Soares questiona:
“aprender a cantar eu acho uma coisa muito estranha...”. Ney Matogrosso faz uma cara de
espanto para depois responder: “cantando”. “Quem sabe, canta, quem canta já nasce
sabendo, a gente não tem que aprender a cantar”, resume Elza (PICCOLO, 2003).
Leila Pinheiro diz: “Tenho gravações cantando com 3 anos, que ilustram meu DVD
e me dão a noção exata do quanto me pareceu fácil desde muito cedo, abrir a boca e
cantar”. “Eu cantava desde criança. Tinha um parque de diversões perto da minha casa, em
Padre Miguel, que tinha um programa de calouros nos fins de semana. E eu me lembro que
eu ia nesse parque e cantava nos fins de semana”, conta Ney (ibid.).
treinamentos de performance”.
Ela diz que o conhecimento estilístico adquirido através de esforços individuais ou
em grupo para imitar gravações fornece as bases para uma atividade criativa.
Green ressalta que as práticas de aprendizagem formal e informal não são
mutuamente exclusivas, sublinhando que “a primeira técnica resultante desse processo de
aprendizagem relativamente inconsciente tende a ser suplementado pela prática pedagógica
convencional apenas depois que os músicos tornam-se profissionais”. (ibid., p.3) Ela
argumenta que o treinamento e o conhecimento adquirido informalmente através de
processos “naturais” e aculturação são verossímeis e devem ser incluídos em classes de
educação formal.
Green apresenta também o conceito da “ideologia da autenticidade”, que carrega em
si a noção do artista que interpreta a música direto da alma sem nenhum treino ou esforço.
Essa noção traz consigo outra idéia muito difundida de que a música popular não precisa do
ensino formal já que “qualquer um” pode fazer, ignorando o fato de que a música popular
pode ter outras formas de aprendizagem, muitas vezes tanto ou mais eficientes que o ensino
formal. Essa idéia tende a desvalorizar o artista popular e sua arte: “assim como nossa
cultura falha em reconhecer que o treinamento formal não é requisito condicional para o
aprendizado musical, essa ideologia da autenticidade pode contribuir para o sentimento de
ignorância expressa por muitos desses músicos”. (ibid., p. 4).
Phillip Tagg (2003, p.38) parece concordar com Green, ao rebater insinuações de
alguns jornais de que a análise da música popular seria irrelevante e desnecessária por sua
natureza e simplicidade:
o ato de analisar a música popular deve ser visto como algo que contra ataca
tendências dissociativas, resiste ao tipo de divisão mental (apartheid) proposto
[...] e quebra os tabus esquizofrênicos que proíbem o contato entre verbal e não-
verbal, explícito e implícito, público e privado, coletivo e individual, trabalho e
entretenimento.
3.2.1.2 A imitação e a prática como aprendizagem
A prática da reprodução do saber pela imitação na música popular, mencionada por
Green, nos remete mais uma vez à análise do folclore realizada por Brandão (2003, p.45-
46), em que encontramos outro ponto em comum com a cultura popular. Ele ressalta a
característica consensualmente aceita sobre o fato folclórico, a de que “se transmite de
pessoa a pessoa, de grupo a grupo e de uma geração a outra, segundo os padrões típicos da
38
reprodução popular do saber, ou seja, oralmente, por imitação direta e sem a organização de
situações formais e eruditas de ensino-e-aprendizagem”.
Clara Sandroni também considera a imitação um meio importante para a
aprendizagem do canto popular:
O cantor popular, em geral, é um autodidata. Ele aprende a cantar em família, no
seu grupo social, se apaixona por determinado cantor, determinada música, e vai
tateando, imitando, cantando até ficar bom. Daí ele começa a adquirir
personalidade vocal própria e talvez tente seguir uma carreira profissional.
(SANDRONI, 1998, p.17).
A autora acredita na existência de uma escola de canto popular brasileiro e ressalta a
importância das referências estéticas representadas pelos intérpretes consagrados na
formação artística dos novos cantores: “Esses grandes intérpretes [Chico Alves ou Aracy
Cortes nos anos 30, Elizete Cardoso e Maysa nos anos 50, João Gilberto no final dos 50 e
começo dos 60, Elis Regina nos anos 70, Milton Nascimento nos anos 80] são a nossa
escola, a escola do canto popular, e nunca vão deixar de ser, da mesma maneira que Caruso
ou Maria Callas foram e serão eternos mestres do canto lírico.” (ibid., p.17).
Como vimos, a imitação, o treinamento e a prática buscam um objetivo que tem a
ver com as nossas referências culturais e musicais. É a partir delas que buscamos as
sonoridades que nos agradam e que tentamos adaptar e reproduzir. Ou seja, tentamos imitar
aquilo ou aquele que achamos bom. Elza Soares afirmou (PICCOLO, 2003) que ouvia as
cantoras de jazz, como Ella Fitzgerald e Sarah Vaughan. Maria Bethânia sempre teve uma
forte influência do teatro em sua carreira, assim como Ney Matogrosso, que começou
fazendo musicais. Leila Pinheiro revela que Elis Regina foi sua mestra maior, assim como
Elizete Cardoso, Maria Bethânia e Nana Caymmi, segundo ela “intérpretes raras e absolutas
na arte do canto e da interpretação até hoje”. Gal Costa foi atrás da sonoridade proposta por
João Gilberto, como veremos a seguir. Mostraremos também um dos processos de
aprendizagem utilizados por Maria Bethânia e Elza Soares.
boate é diferente, vai lá para namorar, e os músicos ficam livres”, disse em tom de
brincadeira. Assim, experimentava todos os tipos de interpretação e sonoridades. “Aprendi
tudo ali”, revelou. (PICCOLO, 2003).
13
A professora Eliane Sampaio, por exemplo, utiliza esse exercício em suas aulas.
40
Castro (Rio de Janeiro), além de se consultar com o Dr. Agrício Crespo (Campinas), “um
dos maiores especialistas em laringe no Brasil”, e com os otorrinolaringologistas Dr.
Marcos Sarvat (Rio de Janeiro) e Dr. Carlos Gregório (São Paulo), segundo ela seus
“salvadores sempre em situações de emergência vocal”. Ney Matogrosso estudou durante
seis anos com a professora Fernanda Gianetti e Elza Soares começou a ter aulas, mas não
deu seqüência. (PICCOLO, 2003).
A constatação de que os cantores entrevistados iniciaram suas práticas através da
aprendizagem informal e mais tarde procuraram aperfeiçoamento através do ensino formal
vai de encontro com a tese de Green (2002, p.3) citada anteriormente de que “a
aprendizagem relativamente inconsciente tende a ser suplementada pela prática pedagógica
convencional apenas depois que os músicos tornam-se profissionais”.
Falamos aqui um pouco dos professores de canto popular, quando e como surgiram
e qual a sua formação. Utilizamos as entrevistas realizadas para a monografia citada
(PICCOLO, 2003) com quatro professores de canto popular, sendo três do Rio de Janeiro
(Felipe Abreu, Clara Sandroni e Marcelo Rodolfo) e uma de São Paulo (Regina Machado) e
uma professora de canto lírico do Rio de Janeiro que também dá aulas para cantores
populares (Eliane Sampaio).
Acrescentamos a estas, uma entrevista, mais breve do que as demais, com a
professora de canto popular Angela Herz, realizada através de correio eletrônico para este
trabalho.
Ney Matogrosso fala que sua professora, Fernanda Gianetti, em torno de 1975, dava aulas
de canto para muitos atores, como Marilia Pêra, Marcos Nanini, o Pepe, Zezé Motta, e
quase não tinha cantores como alunos. “Eu era o único cantor (...) Mas eu acho que
ninguém começa estudando canto. Essa é uma preocupação dos atores. Não é uma
preocupação de quem canta. Quem canta, canta. Aí, se por acaso, tem alguma dúvida,
alguma questão, vai lá e faz uma aula”.
Não sabemos o quê desencadeou essa procura pelo aperfeiçoamento por parte dos
cantores populares, mas uma hipótese foi o surgimento dos coros de música popular,
representado pelos grupos Garganta Profunda, Céu da Boca e Coro Come, que começaram
a se utilizar de exercícios de técnica vocal. Felipe Abreu participava de corais desde os 14
anos, quando passou a ter aulas de técnica vocal em grupo em corais de música erudita e
popular. Cita o Coral da Cultura Inglesa (depois Cobra Coral) como o grupo seminal de
música coral popular brasileira, dirigido pelo maestro Marcos Leite. “Este grupo era um
dos raros que tinha um preparador vocal, já naquela época (1978/1981), que acompanhava
todos os ensaios e fazia também um atendimento personalizado” (ibid.).
Clara Sandroni (ibid.) diz que, quando entrou para a UNIRIO, no começo dos anos
80, conheceu vários integrantes do “Coro Come”, dentre eles a cantora e professora Suely
Mesquita, que faziam pesquisas e davam aulas. E conclui: “Acho que a partir dos anos
[19]80, comecei a ouvir falar mais nisso. Talvez já tivesse desde os anos [19]70, mas eu
não sabia porque não tava ligada em música”. Eliane Sampaio conta que a primeira vez que
ouviu falar de professores de canto popular foi nos anos 1970.
Para Regina Machado (ibid.), a procura pelas aulas de canto cresceu muito nos
últimos tempos, “porque as pessoas estão descobrindo a possibilidade de realização artística
através da voz.”. A média de alunos por professor entrevistado varia entre dez e quarenta.
Para Felipe Abreu (ibid.), a procura foi sempre grande, mas aumentou muitíssimo com a
exposição de seu trabalho nos programas da série "Fama", da Rede Globo, no ano passado:
“a minha média anual até 2001 era de 100 pessoas que queriam ter aulas comigo. Ano
passado, foram 282, do Brasil inteiro”, conta.
Outra questão merece ser levantada. Se, por um lado, o aparecimento do rádio
democratizou o mercado para cantores com todos os tipos de voz, aumentou também a
concorrência: “Na época em que o rádio se comercializa, a partir de 1931, ser músico e/ou
45
cantor deixa de ser considerado um passatempo e adquire status de profissão, cada vez com
mais prestígio”. (SANDRONI, 1998, p.51). De lá para cá, essa profissionalização aumenta
a cada dia e a alta competitividade do mercado fonográfico faz crescer a necessidade se
destacar também através do aprimoramento técnico. Para Sandroni (1998, p.17), isso
explica o crescimento pela procura do ensino de canto nos últimos anos:
O cantor popular da atualidade enfrenta um mercado complexo e muito, muito
competitivo (...) Nesse contexto de competitividade o cantor popular percebe que
tem que se preparar e, quebrando o preconceito a respeito do “estudo de canto”,
ele procura cada vez mais o professor de canto popular.
Quanto ao aumento do número de professores, Marcelo Rodolfo (PICCOLO, 2003)
atribui grande responsabilidade à questão econômica. Explica que, por necessidade
financeira, cantores às vezes até sem conhecimento técnico adequado, acabam optando pelo
ensino. Acreditamos que, além desta questão, a demanda de cantores pela aprendizagem é
determinante para o crescimento desse número.
meus colegas, Felipe (Abreu), Suely (Mesquita), todos passaram por professores
que davam árias, que davam lieder, não sei talvez eu seja a única pessoa que
estudou 17 anos com uma professora e nunca cantou um lied.
Regina Machado diz que só foi estudar canto formalmente aos 17 anos, com Caio
Ferraz, no Conservatório do Brooklin Paulista, e aprendeu canto lírico. A formação de
Felipe Abreu, que começou aos 18 anos, foi toda com professores de canto lírico:
Fiz um ano de aulas com uma professora de canto lírico, da velha escola italiana.
(...). Logo depois, em 1980, passei a ter aulas com um outro professor de canto
durante uns dois anos. Quando ele foi para os EUA, comecei a ter aulas com a
Maria Lucia Valladão, formada em Paris (École Normale Supérieure de Musique)
e em Londres (Guildhall), e que tinha sido também orientada pelo professor
alemão Walter Grüner. Apesar de ser uma professora com formação
exclusivamente erudita, ela acolhia o repertório de música popular que eu lhe
levava. Estudei com ela durante 7 anos. Já cantando profissionalmente, estudei
com a Carol McDavit, formada pela Manhattan School of Music (escola
americana de canto), durante 6 anos. Também de formação erudita, não excluía a
música popular de suas aulas na parte de repertório. (ibid.)
Marcelo Rodolfo também sempre estudou com professores de canto lírico: “Nunca
tive professor de canto popular, até porque não havia. É muito recente....”. Ele começou a
ter aulas aos 17 anos com um professor na Escola de Música Villa-Lobos, um cantor lírico
do Teatro Municipal. “Depois, quando passei para a Escola de Música da UFRJ fazendo
graduação em regência fui estudar com a Diva Abalada, uma matéria secundária, de canto
lírico também” (ibid.).
Angela Herz disse que nunca teve aulas de canto popular porque quando se
profissionalizou, em 1972, essa possibilidade não existia ou, se existia, ela não tinha
conhecimento.
O que pudemos verificar é que nem mesmo o ensino do canto lírico é sistematizado
no Brasil. Não há um consenso sobre resultados sonoros almejados nem exatamente
quantas escolas européias existem e o que elas representam. O que temos, no ensino do
canto popular ou lírico, são adaptações de uma técnica importada, que por sua vez também
parece estar longe de um consenso. Os cantores ensinam como aprendem e, de acordo com
suas referências estéticas e o seu gosto pessoal, criam seu próprio método de ensino.
Na década de 1930, Mário de Andrade já dizia que a música artística no Brasil foi
um fenômeno de transplantação. “Por isso, até na primeira década do séc XX, ela mostrou,
47
exemplo, já pode escolher o Canto Popular como uma opção de instrumento. Outras duas
faculdades em São Paulo passaram a oferecer a graduação em canto popular: a FASM e a
FMCG (Faculdade de Música Carlos Gomes). No último Congresso da Anppom
(Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música), realizado em 2005, na
UFRJ, foi apresentada a comunicação intitulada “Perspectivas para as licenciaturas na área
de música: concepções do projeto político pedagógico do curso de licenciatura em música
da Universidade Federal da Paraíba”, em que os autores Luis Ricardo Silva Queiroz e
Vanildo Mousinho Marinho discutiam o projeto, então em fase de implantação, que
incluiria no currículo o ensino da música popular, além da erudita, nas modalidades de
canto e instrumentos.
Apesar de estarem fora da Universidade, no Rio de Janeiro as aulas de canto
popular ganham cada vez mais espaço nas aulas particulares e nos cursos de música
privados. Dentre eles, estão o Conservatório de MPB de Curitiba, o CIGAM, a Escola de
Música Antonio Adolfo, o Conservatório Brasileiro de Música, o SENAC, o In Concert,
dentre muitos outros.
Félix (1997, p.71) atenta para o predomínio do ensino não sistematizado: “... Não há
uma consciência por parte dos professores, dos procedimentos pedagógicos que utilizam. O
trabalho desenvolvido ocorre de forma intuitiva”.
Clara Sandroni confirma que tanto a sua aprendizagem como a da professora que a
ensinou foram totalmente intuitivas: “O que eu sei é que de uma forma bem instintiva eu
vou passando pros meus alunos porque a Clarisse assim me passou. E a Clarisse da mesma
maneira, nunca estudou teoria, nunca se imaginou dando aula numa Universidade, ela
sempre trabalhou muito instintivamente” (PICCOLO, 2003, p.78). Sem uma escola que
forme profissionais de ensino do canto, não há como ser diferente.
À medida que um método de ensino para o canto popular é discutido e está sendo
utilizado, há que urgentemente se pensar, estudar e analisar, antes de tudo, a sua prática.
Que música é essa? Que cantor é esse? Que recursos ele usa? De que maneira?
Por que quando a aprendizagem passa a ser realizada também através do ensino
formal, ela passa a ser fruto do conhecimento de quem ensina também. O professor,
portanto, tem a responsabilidade de transmitir um conjunto de idéias sobre o canto popular
50
que esteja de acordo com seu modo de fazer. O fato de que a música popular tem sido
aprendida por meios não formais, não quer dizer que ela não possui características muito
bem definidas. Brandão (2003, p.46) diz que
os produtos da cultura erudita, [...] são formas de cultura que se reproduzem por
meio de agências formais e especializadas de transmissão do saber: a escola, a
universidade, o seminário, o centro de ciência, a confraria de artistas ou
sacerdotes. Há centros controladores da produção desta cultura. Meios de
reprodução de uma cultura de massa que impõem gostos e padrões em dia a
milhões de pessoas.
Os professores de canto popular defendem (PICCOLO, 2003) o estudo e a pesquisa
como base para a formação, tanto do professor quanto do cantor. Felipe Abreu acha que é
absolutamente fundamental que ambos sejam sempre "encharcados" da cultura musical
específica com que lidam: “É preciso dominar o estilo e o gênero que se quer ensinar, seja o
lied ou o reggae. Só é possível produzir-se determinado som vocal se se tem uma
concepção claríssima deste som”. Marcelo Rodolfo concorda e aconselha: “Faça aula com
seu professor, com seus mestres, leia muitos livros, ouça muitos cantores populares,
eruditos, dentro dos populares todas as gamas, do lírico, vai ouvir Wagner, Mozart, música
medieval, ouça tudo. Ouça muito. Porque isso expande seu ouvido e seus horizontes”.
Conhecimentos na área da fisiologia da voz, obviamente, também são
imprescindíveis e amplamente defendidos pelos profissionais envolvidos no assunto: “O
conhecimento científico da voz, sua anatomia e fisiologia, como requisito para lecionar é
ressaltado pela maioria dos autores” (FÉLIX, 1997, p.12). A ênfase dada ao conhecimento
científico também “pode ser visto como uma forma de enfatizar o ensino-aprendizado de
canto por outras vias, tendo não somente a imitação como fator preponderante” (ibid.,
p.13).
Num artigo para a “Revista Brasileira de Música”, Moreira (1938 apud FÉLIX,
1997, p.18) diz que “o mestre do canto para que mereça esse nome necessita conhecer,
previamente, a foniatria, isto é, o tratamento da voz, pondo-se ao corrente dos estudos sobre
a sua formação, emissão e patologia”.
Para Eliane Sampaio (2002, p.21),
A voz e o canto são fenômenos complexos que não dependem só da natural
predisposição física e psíquica do indivíduo. Esses são, antes de qualquer coisa,
ligados a uma cadeia de causa e efeito fisiológicos e psicológicos, no contexto
dos modernos critérios da didática, requerendo a colaboração de vários
especialistas, para serem verdadeiramente realizados com mais clareza e precisão,
da que corriqueiramente acontece.
51
Marcelo Rodolfo (PICCOLO, 2003) recomenda uma formação mais completa dos
professores que inclua alguns conhecimentos em fonoaudiologia e até do canto lírico:
Acho que a situação ideal é que se tenha profissionais com uma base muito mais
ampla. Espero que a formação dos professores de canto seja, um dia, uma
realidade dentro da universidade - independentemente de se tratar de canto lírico
ou popular - e que o estudo da fonoaudiologia faça parte, de forma consistente, da
grade curricular.
A necessidade de um maior tempo de estudo para a formação do cantor, a
importância da formação do professor, a demanda pelo ensino, o mercado de música
popular no Brasil e no mundo, a crescente profissionalização de todos os envolvidos, a
curiosidade dos nossos profissionais - apesar de todas as adversidades -, a necessidade de
um maior aprofundamento em todas as questões relativas à técnica, estilo, ensino-
aprendizagem, tudo isto, ao nosso ver, aponta para a sistematização do ensino do canto
popular e seu ingresso na Universidade.
Sandroni (1998, p.16) é uma das que defendem o curso superior em canto popular:
“imagino que numa Universidade de Música Brasileira, da mesma forma que
instrumentistas, arranjadores e maestros estudariam os gêneros brasileiros (...), os cantores
estudariam os estilos e técnicas de canto referentes a estes gêneros”. Que incluiria o estudo
dos estilos dos cantores brasileiros:
Estudaríamos os estilos de canto de nossos grandes intérpretes como Aracy
Cortes, Francisco Alves, Carmem Miranda, Orlando Silva, Mário Reis, Dalva de
Oliveira, João Gilberto, Elizeth Cardoso, Elis Regina, Milton Nascimento, enfim,
os exemplos não acabam e o assunto é imenso. Os cantos regionais, o
malabarismo das emboladas, as harmonias vocais dos sertanejos, as heranças
culturais européias, africanas, indígenas e muitas outras. (ibid., p.17).
Regina Machado (CASTRO, 2002, p.20) diz:
Então o aluno não só trabalhará a questão da técnica vocal como também entrará
em contato com a trajetória histórica da nossa canção, compreendendo o
desenvolvimento técnico e estético percorrido pela voz na canção brasileira...[...]
e assim irá acordar a memória cultural da nossa história...
Sandroni (1998, p.16) acha que essa realidade está próxima: “Acreditamos que em
breve as demais universidades brasileiras irão se abrir para a realidade do grande mercado
que é a música popular e do quão proveitosa seria a junção desta música (com toda a sua
riqueza e tradição) e o ensino acadêmico”.
Se existe uma escola de canto popular brasileiro, Regina Machado (PICCOLO,
2003) acredita que sim: “venho comprovando isto através de documentos fonográficos,
uma escola que se delineou naturalmente e que cabe a nós organizar estruturalmente”. Clara
52
Sandroni (ibid.) concorda, “no sentido que existe um estilo, uma tradição... Escola não tem.
Essa que é a questão, tem um monte. O estilo de canto brasileiro é a MPB. Porque é a
hegemonia”.
Felipe Abreu (PICCOLO, 2003) diz que formalmente, com método elaborado e
testado, ainda não, mas que, informalmente, existem várias que estão ligadas a
determinados gêneros musicais, “como deve ser!”. Segundo ele, o caminho para se
consolidar uma Escola de Canto popular brasileiro está:
1) na pesquisa permanente e divulgação dos princípios anátomo-fisiológicos da
voz falada e cantada, como a laringologia, a fonoaudiologia e o canto os definem.
2) na aceitação de que sempre co-existirão estéticas distintas no que se refere aos
vários cantos populares brasileiras, e que isso é natural e benfazejo. 3) no dar-se
conta de que o empirismo não pode substituir o conhecimento científico e
técnico. 4) no dar-se conta de que uma metodização da técnica não pode ser um
"gesso" artístico, "mumificando" as experiências e descobertas individuais e de
grupos, no que se refere à estética vocal 5) na idéia de que a técnica vocal existe
para SERVIR à arte vocal, e não é um fim em si mesma 6) no fato de que o
objetivo final de qualquer técnica vocal é salvaguardar a saúde vocal do indivíduo
e dar-lhe as ferramentas para conseguir atingir seus objetivos artísticos. 7) na
percepção de que só haverá uma relativa unificação de métodos em canto popular
quando houver uma demanda acadêmica nesse sentido. (ibid., p. 86)
Nos colocamos ao lado dos professores citados para defender que a escola brasileira
formule o quanto antes a sistematização de seu legado, incluindo o estudo dos gêneros, as
análises das canções, o estudo do repertório e a investigação de todos os recursos
interpretativos utilizados por nossos cantores, transformando esses saberes o quanto antes
em material didático.
é uma lista que existe há uns dois ou três anos, que participam professores
e cantores, basicamente cantores de tudo quanto é parte do Brasil e do
mundo, muita gente do Rio, muitos professores de canto popular,
professores de canto lírico. Tem um arquivo com coisas fantásticas, além
54
diversos profissionais ligados a essa área, desde professores de canto lírico e popular, até
fonoaudiólogos e cantores. Félix (1997, p.52-53) define:
É uma associação sem fins lucrativos, com a finalidade de encorajar o ensino de
canto e atingir os mais altos graus de arte vocal e a pesquisa em todos os níveis”
(FÉLIX, 1997, p. 52). (...) Promove eventos anuais sobre canto, com profissionais
da área e também de outras que se relacionam direta ou indiretamente com o
canto. Tem também como objetivo desenvolver uma maior integração da classe
do professorado de canto no Brasil, seguindo o modelo da Associação Nacional
de Professores de Canto (NATS) nos Estados Unidos.
Na apresentação da Revista A Voz no século XXI- II Congresso Brasileiro de Canto
(2002), José Hue, então presidente da ABC, resumia o objetivo do encontro: “Esperamos
(...) fomentar o intercâmbio de idéias entre seus participantes e constituir, sem imposição de
verdades absolutas, um diálogo produtivo e interativo entre as áreas pedagógica,
performática e clínica”. E mais:
Esperamos que os esforços na organização desse evento solidifiquem, cada vez
mais, não só a estrutura, como também a relevância da ABC, e que possamos,
através de outros eventos dessa natureza, expandir, dentro do possível, a
conscientização e chamar à responsabilidade de cada um de nós quanto ao
incremento de novos estudos e pesquisas quanto ao bom uso da Voz em todos os
seus aspectos, áreas e setores em nosso país.
A Sociedade de Laringologia promoveu o seu IV Congresso de Laringologia e Voz,
de 2 a 6 de dezembro de 1997. Félix (1997, p.54) diz que no mesmo ano foi realizado o II
Encontro Brasileiro de Canto, contando com vários temas sobre o campo, a exemplo de: ‘A
Fisiologia da Voz no Corpo’ e ‘Canto Lírico e Popular: Uma análise Comparativa’”. O III
Encontro Brasileiro de Canto foi realizado no RJ, em agosto de 2000.
Ao responderem se participavam desses encontros para discussão com outros
profissionais (PICCOLO, 2003), Regina Machado disse que muito raramente participa.
Marcelo Rodolfo revelou que, de grupos de estudos, não. Mas que sempre que toma
conhecimento dos cursos e congressos está presente e que sempre há troca de informações.
Clara Sandroni, Felipe Abreu e Eliane Sampaio também estão sempre participando.
Essa busca por informações e trocas de experiências aponta para uma
profissionalização do ensino e do professor de canto popular. Marcelo Rodolfo (PICCOLO,
2003) acredita que a tendência, pelo menos aqui no Rio, é de uma maior profissionalização:
A minha expectativa é de que isso cada vez mais cresça, que esses Congressos
continuem acontecendo os encontros; mesmo os encontros como o Rio a
Cappella, que trata basicamente de conjuntos vocais, mas que tem essa
preocupação de estar sempre levando profissionais da área do ensino de canto...
Essa profissionalização ..., acho que não vai ter volta, não...
56
15
Entrevista de Elizeth Cardoso ao Programa “Villa-Lobos – Alma Brasileira, Nº 1”, produzida pela Rádio
Mec.
16
Idem.
60
Assim como a técnica de qualquer instrumento musical, a técnica vocal pode ajudar
o profissional a disponibilizar recursos que ele muitas vezes tem, porém não o usa em
conformidade com determinada prática ou técnica, dando o instrumental necessário para
que ele escolha o repertório com muito mais liberdade.
A cantora lírica Celine Imbert afirma que a técnica ajuda a ampliar a extensão vocal,
17
Maffei, G.C. Discorso della Voce e del Modo, d'apparare di cantar di Garganta, senza maestro. Napoli,
Amato 1562.
18
Segundo VIDAL (2000, p.13), o método de Garcia deu atenção especial a fundamentos tais como: postura,
fonação (golpe de glote), centro respiratório, enunciação, uso dos três registros (você di petto, você mista e
voce di testa). “A técnica mais importante que Garcia desenvolveu foi a messa di voce, que era usada para
conectar os registros e desenvolver o controle vocal”.
61
a igualar a voz nos registros graves, médios e agudos e, acima de tudo, a ter consciência do
que se deve fazer para cantar qualquer música, de acordo com o estilo:
Você não vai precisar cantar tudo forte. Mas, quando precisar, vai ter o forte. Não
vai precisar sustentar sempre todas as notas. Mas, quando precisar, vai saber
como fazê-lo. Não vai precisar cantar tudo na região aguda, mas, quando aparecer
uma nota aguda pra cantar, você vai tê-la ‘guardada no bolso’. A técnica vai lhe
dar todos os recursos pra usar quando precisar (LEITE, 2001, s.p.).
Ney Matogrosso (PICCOLO, 2003) disse ter procurado uma professora porque tinha
muita facilidade no registro agudo e muita dificuldade em seus registros médio e grave:
Aí eu fui adquirindo graves que não tinha, e continuo tendo os agudos. Só que eu
vou nos agudos quando eu quero... Antigamente eu ia porque só sabia cantar no
agudo. Agora eu tenho mais instrumental pra decidir a hora que eu vou lá, quando
eu quiser..
A professora de canto popular, Angela Herz (PINTO, 2006), afirma que um dos
ganhos de um trabalho vocal bem orientado é a consciência dos mecanismos da expressão
vocal, seu desenvolvimento e seu domínio, e que, com mais consciência, o cantor se
apossará melhor de suas performances e ousará com mais segurança em todas as suas
buscas, sejam elas de que natureza for. E explica, em entrevista a nós concedida, as
adaptações necessárias para a execução de alguns gêneros populares, que uma boa técnica
vocal pode proporcionar:
Em certos estilos musicais, a flexibilidade e a agilidade são imprescindíveis,
como no caso dos chorinhos, frevos, baiões e emboladas. As canções, geralmente,
demandam a necessidade de fraseados mais longos, com mais dinâmicas e
sustentação. Na bossa-nova e no samba, um modo particular do nosso povo se
utilizar do ritmo define um swing, uma divisão diferente. Para se utilizar bem
dessa capacidade, precisamos trabalhar a leveza e a precisão. O rock, assim como
as canções que envolvem um contexto forte ou de protesto, exigem uma emissão
plena, visceral, e mais uma vez o conhecimento técnico se faz imprescindível, de
forma que o artista não sofra seqüelas de sua interpretação.
4.1.2 A técnica como busca de um resultado estético
não apenas do ponto de vista técnico, para formação do cantor, mas, principalmente no que
concerne à formação do referencial estético e histórico” (PICCOLO, 2003).
O professor de canto popular Felipe Abreu (idem) concorda que, do ponto de vista
técnico, aula de qualquer escola de canto (erudito, lírico, popular, jazz, belt, clássico persa
etc) serve para desenvolver o potencial vocal do indivíduo e adequar aquela técnica às
necessidades estéticas do tipo de canto que se quer realizar.
19
A “escola” é uma “determinada concepção técnica e estética de arte, seguida por muitos artistas [...];
ensinamento; exemplo, lição [...]; seguidores, imitadores” (FERREIRA, 1975, p. 557)
63
Eliane Sampaio (PICCOLO, 2003, p.44) frisa que a divisão que se faz entre as
escolas de canto é muito limitada, já que dentro de cada uma existem divisões:
Tem a escola italiana que prioriza a voz clara, tem a escola italiana que prioriza a
voz escura, pesada, e tem uma outra escola mais ao Norte – na época que surgiu,
que é ainda uma decorrência da escola do bel canto (época do Barroco), que
procura uma sonoridade mais clara, mais brilhante, menos pesada. Você tem
também uma vertente daquela escola italiana napolitana na Alemanha. São os
cantores wagnerianos que a adotaram, os que cantam Weber e muitas obras
contemporâneas.
Sampaio também não acredita que haja um consenso entre os professores de quais
sejam as características de cada escola. Afirma que a maioria dos professores diz que segue
a escola italiana mas canta diferentemente entre si: “Se um aluno passa de um [professor]
para o outro, começa tudo de novo porque o segundo está fazendo tudo diferente do
primeiro, embora ambos digam que são da escola italiana. Então não existe uma coerência”
(ibid., p.43).
Os professores (ibid.) comentam como entendem as características das escolas.
Regina Machado menciona os exercícios respiratórios e de vocalização oriundos da escola
erudita italiana. Eliane Sampaio refere-se ao som claro, límpido e brilhante da escola
italiana. Felipe Abreu diz que a escola alemã é menos conhecida por ele, mas que utiliza “a
naturalidade, a intimidade e a importância do texto” da escola clássica francesa; a
“precisão” da escola inglesa; o “tipo de apoio respiratório e a claridade vocal da escola
italiana”. Dos estilos populares, afirmou ter lido bastante sobre vocal jazz e o belt, que lhe
trouxeram muitas novidades. A cantora e professora de canto popular Clara Sandroni
explica que nunca estudou profundamente o que é a escola alemã ou a escola italiana:
a gente fala de forma muito simplista que a escola alemã tem uma respiração pra
fora, abrindo as costelas, expandindo o abdômen e mantendo essa expansão na
medida em que o ar sai, em oposição à escola italiana que teria uma tensão
abdominal, na altura do diafragma (ibid., p.44).
No livro “Voz Profissional: O Profissional da Voz”, organizado por FERREIRA
(1995 apud FÉLIX, 1997, p.45), Sandra Morani analisa as características do canto no Brasil
e refere-se à influência das diversas escolas de canto européias:
Temos no Brasil uma linguagem bastante variada de escolas de canto.
Infelizmente não temos uma linha adequada e definida. Por isto, precisamos
adaptar-nos às escolas de canto que se instalaram no país, como as quatro mais
famosas e reconhecidas: russa, francesa, alemã e italiana. Cada uma destas
escolas procurou desenvolver-se e estruturar-se cientificamente, de acordo com as
características de seu povo, levando em conta fatores como estrutura óssea, clima,
alimentação, fonética, cultura etc, criando assim uma linguagem adequada.
64
emissão dos cantores incultos, que se guiam instintivamente, na emissão, pela pronúncia.
Isso se daria com muito mais simplicidade e de forma natural, já que a pronúncia em nossa
língua já está automatizada e a construção é quase espontânea, tornando-a muito mais fácil
memorizar:
Todo o esforço que se distrai com isso seria aproveitado para melhorar o canto
propriamente dito [...] O Brasil precisa e pode criar a sua escola de canto, formar
nela os seus cantores, abrindo a estes novas, mais duradouras e talvez melhores
possibilidades de concorrência no próprio mercado mundial. (ibid., p.434).
4.2 Discussões sobre uma possível técnica para o canto popular
Como vimos no Capítulo 3, a maioria dos nossos professores de canto popular teve
aulas de canto lírico. Julgamos interessante, então, examinar o que pode haver de comum
ou diferente entre essas técnicas, que aspectos da técnica do canto lírico podem ou não ser
aproveitados para a sistematização da técnica do canto popular e qual a possibilidade de se
utilizar a técnica do canto lírico para se ensinar o canto popular.
A professora de canto Maria Lucia Valadão declara: "essa divisão feita entre canto
lírico e canto popular, no que se refere às técnicas básicas, é absolutamente artificial, na
realidade essa divisão não existe" (CASTRO, 2002, p.26). E a professora de canto popular
da Unicamp (SP), Regina Machado também acredita que a técnica para qualquer gênero é
apenas uma e diz que não vê por que "...desperdiçar elementos de uma técnica que produz
resultados positivos e que já foi testada durante anos" e que, “tanto para um gênero quanto
para outro, o que importa é nutrir o aluno de habilidades fundamentadas na capacidade de
realização musical, para que ele possa utilizar a voz de maneira criativa orientado pela
sensibilidade e pela capacidade de pensar"(PICCOLO, 2003, p.27).
Para Celine Imbert, a “música erudita e música popular (no caso, a nossa
maravilhosa Música Popular Brasileira) são dois estilos diferentes de música, porém, a
técnica para interpretá-las é a mesma” (LEITE, 2001, s.p.).
Clara Sandroni identifica alguns pontos em comum: “o que a gente ensina pro
cantor popular [e] que o professor de canto lírico [também] ensina pro seu aluno são esses
elementos de respiração, de igualar a voz, de dar volume...” (PICCOLO, 2003, p.50).
Marcos Leite afirma que por ser a “única escola de canto metodizada e muito bem
estruturada”, é natural que os estudantes de canto procurem um profissional da área lírica.
O maestro considera o embasamento técnico oferecido pelo canto lírico “ótima, pois o
processo fisiológico é exatamente o mesmo, tanto para um Pavarotti quanto para uma Elis
Regina: os dois têm um diafragma, que apóia uma coluna de ar, que pressiona as pregas
vocais, produzindo som” (LEITE, 2001, s.p.).
Abreu revelou, em entrevista a nós concedida, que considera a base comum a “boa
postura, eficiência na respiração, no apoio, na articulação, emissão eficiente sem esforço
desnecessário, coordenação pneumo-fono-articulatória, saúde vocal”. Mas ressalta que não
existe uma maneira única de se desenvolver um bom apoio ou uma emissão eficiente sem
esforço e que, mesmo no canto lírico, “as diferenças entre as várias escolas nacionais
tradicionais também dão vazão a polêmicas colossais há séculos”.
Para Angela Herz, a técnica vocal se propõe a desenvolver adequadamente todos os
quesitos necessários para que a fonação dentro da expressão cantada ou falada seja
alcançada (relaxamento, respiração, emissão, utilização das ressonâncias, projeção,
domínio sobre volume, extensão, sustentação, flexibilidade, agilidade e expressividade):
67
“se avaliarmos as demandas no canto lírico e no canto popular, com relação a esses itens,
veremos que ambos estilos necessitam do mesmo trabalho” 20 .
Marcelo Rodolfo e Eliane Sampaio (PICCOLO, 2003) citaram a técnica vocal da
professora e cantora americana Elizabeth Howard, que esteve no Rio de Janeiro, em 2002,
participando do II Congresso Brasileiro de Canto, como um exemplo de técnica que se
adapta bem a ambos os estilos.
Sampaio disse que, pelo que Howard demonstrou, a diferença entre as técnicas é
muito pequena e que talvez ocorra apenas numa pequena diferença na posição da laringe.
Ela aconselha que a laringe desça com uma pequena inclinação anterior. (...) Mas
realiza isto de uma maneira tão impressionante, que ela passa de uma posição pra
outra no meio da palavra, no meio do canto, na mesma frase, na mesma sílaba. E
a sonoridade muda pouco, muda muito pouco, e ela frisa a todo momento que é
‘porque o som passa por trás’, isto é, rente a uma faringe pré-distendida pela
pressão do ar da inspiração e mantida pelo apoio; esta é a única via existente para
o som, exatamente como eu afirmo, tanto para a música popular como para a
clássica/lírica (PICCOLO, 2003, p.72).
Rodolfo explica que Howard partia da mesma base técnica, calcada na técnica do
canto lírico, e ia adaptando aos estilos como o rap, o jazz, o musical, o gospel, a ópera e a
clássica: “foi absolutamente impressionante o que ela mostrou [...], desde isso a cantar
trechos de óperas, dificilíssimos [sic], no tom original, agudíssimos, e com a voz plena”
(ibid., p.72).
Pudemos perceber que, ao mesmo tempo em que defendem a mesma base técnica, a
maioria dos professores destaca que há diferenças entre elas. Marcos Leite lembra que, na
hora de se trabalhar volume e as ressonâncias, cada um opta por um caminho estético, em
função da música que pretende realizar, e alerta: “é nesse momento que observamos um
equívoco por parte de cantores que, não tendo consciência dessas diferenças, cantam a
música brasileira com a sonoridade do bel canto.” (LEITE, 2001, s.p.). Celine Imbert
acredita que a técnica pode ser a mesma “desde que você a encare como um meio de
manter sua saúde vocal, e não como um estilo de canto.” (ibid., s.p.).
A opinião de professora de canto popular Malu Cooper é semelhante: "tem um
determinado momento que eles [o canto lírico e o popular] começam a abrir,
principalmente quando você começa a trabalhar a questão da estética e estilo" (CASTRO,
2002, p.27).
20
A afirmação foi retirada do questionário aplicado à Angela Herz por Rita Cássia Gonçalves Pinto, para sua
monografia (PINTO, 2006), ao qual tivemos acesso.
68
Regina Machado, que afirmara que a técnica para qualquer gênero é apenas uma,
por outro lado considera que há uma diferença na estética da emissão: “no canto popular a
voz está mais próxima do registro da fala, não usamos tantos vibratos, trabalhamos com um
registro mais baixo, a potência não é relevante, a articulação rítmica por vezes é mais
importante que a melódica etc” (PICCOLO, 2003, p. 49).
Felipe Abreu, que publicou alguns textos em que analisa as diferenças entre o canto
lírico e o canto popular, afirma que cada gênero tem suas particularidades e que essas
particularidades são técnicas, musicais e estéticas. Para ele, no tipo de canto de alguma
forma ligado ao bel canto, por exemplo, há um padrão vocal que pode ser observado ao se
ouvir Domingo, Björling e Pavarotti cantando uma ária de ópera. Por mais diferentes que
sejam suas escolas de canto, há entre eles uma inegável qualidade similar: “é preciso
atingir-se uma determinada ‘sonoridade’ para ser considerado um verdadeiro cantor lírico,
que inclui o domínio do legato, um tipo específico de vibrato, a grande projeção, o
equilíbrio ressonantal, a ‘neutralidade’ de vogais etc” (PICCOLO, 2003, p.50). Em 2004,
durante um workshop 21 , Abreu foi bem objetivo na defesa de uma técnica para o canto
popular:
Vocês vão encontrar professores defendendo a existência de uma e só uma
técnica vocal para qualquer estilo ou gênero musical. Minha visão é um
pouco diferente: acredito no trabalho dirigido para desenvolver certos
aspectos técnicos (em especial no que diz respeito à emissão e à
ressonância) que dizem respeito a estilos ou gêneros específicos. Cantar
samba exige uma técnica diversa de cantar rock que exige uma técnica
diferente de cantar sertanejo; e todos eles exigem adaptações técnicas
muito diferentes do canto erudito. (informação verbal).
Marcelo Rodolfo é outro que acredita que deve haver, sim, diferenças técnicas entre
ambas. Acha que as duas são convergentes somente na busca da excelência dentro da sua
estética, e diz: “é claro que cada uma dessas estéticas carrega características muito
particulares, que efetivamente não se misturam. A estética acaba determinando a técnica.
Você pega aquela técnica do canto lírico e adapta para aquela estética. Para os recursos que
são demandados” (ibid., p. 49). E, mesmo em relação à técnica da Elizabeth Howard,
ressaltou que foi possível perceber, quando ela fazia um trecho de uma canção brasileira, a
estética da música americana. “Tem o sotaque, que é muito diferente. Não cantou forte,
nem com a voz super impostada, mas tem uma estética que é diferente”. E fez questão de
21
Workshop oferecido por Felipe Abreu em 31 de janeiro de 2004, na Uni-Rio, intitulado “Técnica vocal para
o canto popular”.
69
frisar que: 1) pessoas como ela são casos muito raros e que 2) ela transitou entre o popular
musical americano e a ópera que têm linguagens muito próximas: “porque são linguagens
de teatro. Esse super pop do cantor americano, sempre cheio de vibrato e vozes grandes, é
uma herança do musical. Que é uma herança do lírico”.
MESQUITA ([199-], p.1) apresenta um discurso semelhante, de que a estética exige
a sistematização de uma técnica, e não o contrário:
As técnicas eruditas, com suas sonoridades próprias, se aplicadas a esse contexto
[da música popular] sem nenhuma adaptação ou acréscimo, não servem.
Produzem sons e fraseados que não se adequam a essa realidade estética. Por
isso, [...] muitos cantores vem se dedicando a tentativas de sistematização de um
novo saber sobre a voz.
Sandroni (PICCOLO, 2003, p.50) reitera a aplicação da técnica em busca de um
resultado estético:
Você vai procurar os instrumentos para chegar àquele seu objetivo, que é cantar
bem uma canção de Tom Jobim. Você tem que respeitar aquele estilo. [...]O estilo
do cara é rock’n roll, bossa nova, é samba, e aí o que a gente sabe? Ah, que a
respiração tem que ser assim, que a “pegada” tem que ser assim, eu gostaria de
ouvir um som dessa maneira...
Em entrevista a nós concedida, Angela Herz diz que a técnica vocal, ao ser
desenvolvida, vai definindo características tímbricas que conduzem a uma estética
específica. E alerta que, se na prática do canto não for possível se valer das características
desenvolvidas, é porque essa técnica não terá servido às pretensões estéticas. É isso que,
acredita, acontece na utilização de uma técnica única para ambos os estilos: “O canto
popular brasileiro não tem nenhuma ou quase nenhuma identificação com a estética
utilizada pelos métodos de canto lírico, embora esses últimos sejam perfeitos na condução
da excelência vocal aplicada aquele tipo de canto”.
Pudemos perceber que precisamos ser cautelosos com as afirmações e suas
interpretações. Se considerássemos apenas a primeira parte dos depoimentos, estaríamos
certos de que é possível usar uma técnica única para ambos os estilos e, acreditando nela,
por que não estudar canto lírico para cantar samba, por exemplo?
A confusão inicial, portanto, parece estar no entendimento do que é a técnica.
Vimos que ela não é apenas um ou dois processos para se realizar uma arte: ela é, sim, um
conjunto de processos. Significa que alguns procedimentos técnicos utilizados no canto
popular brasileiro podem ser semelhantes a outros de qualquer estilo, o que não quer dizer
que essas práticas sejam iguais. Posso ter o cabelo, os olhos e os dentes iguais ao da minha
70
vizinha, porém, ser gorda e ela, magra; ser morena e ela, ruiva; ser alta e ela, baixa... Ora,
repetimos, se na prática o resultado sonoro do canto popular é tão diferente daquele do
canto lírico, algum (ou alguns) processo(s) dessa técnica deve ser diferente e, portanto, a
técnica, entendida como esse conjunto de processos, realmente não pode ser a mesma.
Mas o que será que acontece com uma pessoa que tenha sido treinada com a técnica
do canto lírico e queira cantar popular ou vice-versa? Perguntamos aos professores se é
possível aos cantores populares e líricos transitarem em ambos os estilos livremente.
Abreu (PICCOLO, 2003, p.68) responde que, em tese, é possível, mas que, na
prática, as provas são decepcionantes: “veja Kiri Te Kanawa cantando Cole Porter,
Domingo cantando Ary Barroso, Elly Ameling cantando Richard Rodgers, Pavarotti
cantando "Maria", Carreras cantando Lloyd Webber, Jessye Norman cantando spirituals”.
No caso do cantor popular cantando o repertório lírico, também cita exemplos que
considera inadequados: “no caso inverso (cantores populares em repertório lírico): veja a
catástrofe que é Michael Bolton cantando Verdi, Streisand cantando Fauré, Chaka Khan
cantando Handel, Aretha Franklin cantando Puccini”. Abreu destaca ainda as semelhanças
entre estilos como uma possibilidade de se adaptar ou não as técnicas:
Um cantor magnífico como Plácido Domingo pode cantar muito bem uma
zarzuela, cuja técnica vocal é assemelhada a do canto erudito; ouvi-lo cantar
tango é menos convincente, porém ainda atraente; porém, ao ouvi-lo cantando
uma balada pop, sabemos imediatamente que algo está “estranho”, “fora de
lugar”. São desenvolvimentos e coordenações musculares distintos, além de
concepções musicais e estéticas muito distintas também. Acho que todo mundo
que já viu um bailarino clássico tentando dançar samba ou hip hop vai entender a
analogia que estou tentando fazer.
Sandroni (PICCOLO, 2003, p.69) devolve a pergunta: “Você já viu um cantor lírico
cantando popular? Você aceita porque ele quer fazer isso. Agora, aquilo é uma coisa
popular? Nunca vai ser”. Ela explica que todo o trabalho técnico que já foi realizado por
aquele cantor acaba se refletindo na sua arte, mesmo inconscientemente:
Porque é que nem você colocar o peso-pesado de Box, e dizer pra ele que ele tem
que lutar que nem um peso leve. É impossível. Ele pode até fingir, mas não tem
jeito, é físico. Ele já respira daquele jeito, ele já emite daquele jeito, ele tem um
formante daquele jeito, mesmo que ele evite, você vai dizer: ‘Ah, olha lá um
cantor lírico cantando popular!’ ou então ‘Olha um cantor popular cantando
lírico!’. É feio? Aí todo o resto é estética, mas que são coisas diferentes, são. Não
adianta querer dizer que não.
Marcelo Rodolfo (ibid., p. 69) acha que transitar em vários estilos pode resultar
71
numa indefinição estética: “no caso do cantor lírico que faz o popular, ele continua com um
pé no lírico, porque o inverso é praticamente impossível”. Ele acredita que pode até haver
uma ou outra exceção como seria o exemplo do André Previn, que em sua opinião é um
excelente pianista clássico e um excelente pianista de jazz: “mas isso é um em um milhão, é
muito difícil”.
Angela Herz (PINTO, 2006) concorda com Rodolfo que é muito difícil essa
adaptação. Diz que até conhece algumas pessoas que conseguiram ou conseguem se
beneficiar do estudo do canto lírico, embora cantando música popular, mas que esse é um
talento tão raro que não pode ter peso dentro da regra geral: “Elas parecem ter uma
capacidade natural para abstrair os benefícios técnicos associados a um formato estético,
transportando-os do estudo do canto lírico para a prática do canto popular. Confesso ignorar
os mecanismos que conduzem a essa elaboração”.
Ao defender a aprendizagem da técnica vocal, Celine Imbert (LEITE, 2001, s.p.)
afirma: “Isto não implica que você vai passar a cantar MPB como se estivesse cantando
uma ária de ópera. Não! Seria horrível, equivocado e de péssimo gosto! Você estaria
cantando fora de estilo. E não é este o objetivo da técnica”.
Conhecemos alguns alunos/cantores que tiveram dificuldades em adaptar a técnica
do canto lírico aprendida em aula para a prática do canto popular. É a essa dificuldade que
Felipe Abreu (PICCOLO, 2003) atribui o crescimento do movimento do ensino do canto
popular no Brasil, um país que, segundo ele, “tem a música popular como sua principal
manifestação artística”:
Muitos cantores populares sentiam que o trabalho da técnica erudita não atendia a
todas as demandas do seu trabalho, como, por exemplo, o cantar suave, ou
soproso, sem prejudicar a coaptação das pregas vocais; o desenvolvimento do
canto “sujo”, sem prejuízos vocais; a relação com o microfone, monitores de
ouvido e monitores de palco; a relação com instrumentos elétricos; a
incorporação de efeitos vocais totalmente estrangeiros à técnica erudita, como a
metalização do timbre, ou a hipernasalidade tão presente em certos gêneros etc.
Tudo isso interfere no canto e na técnica.
Herz (PINTO, 2006) também enfrentou o problema e diz que, em sua prática, tem
encontrado um número realmente muito grande de pessoas que não conseguiram realizar
essa adequação com sucesso: “É justamente pela preservação da estética do canto popular
que necessitamos de técnicas específicas para ele”. Castro (2002) remete a seu próprio
caso, assim como Piccolo (2003), como veremos a seguir.
72
um episódio natural: por não ter experimentado antes a cantar aquela música com aquele
registro, eu ainda não sabia onde fazer as passagens.
Senti um misto de alegria e frustração: alegria por perceber que poderia encontrar o
caminho de volta e frustração por ter perdido tanto tempo no caminho que não era
adequado para o que queria, que era cantar a música popular brasileira, tal qual nossos
cantores consagrados o fazem.
Pesquisando sobre o assunto, pude perceber que não estava sozinha. Outras cantoras
experimentaram essa sensação em relação à sua própria performance. A cantora e
professora de canto Gabriela Samy de Castro, em monografia apresentada para conclusão
do curso de Licenciatura em Música (CASTRO, 2002), pela UNI-Rio, citou os comentários
de colegas e amigos que diziam que ela “tinha voz de cantora lírica”. A cantora Rita de
Cássia Gonçalves Pinto (2006) deu depoimento semelhante em sua monografia de final de
curso de Licenciatura em Música da Universidade Federal de Mato Grosso e a professora
de canto Angela Herz também mencionou o seu caso pessoal e o de alguns de seus alunos.
Mas longe de ser apenas uma preocupação, a saúde vocal parece ser uma questão
que também dificulta o desenvolvimento de um método para o canto popular. Por trás de
conceitos como o jeito “certo” ou “errado” de cantar, argumenta-se que muitos efeitos
vocais utilizados pelo canto popular podem ser danosos ao trato vocal, ao contrário do
canto lírico, “já tão exaustivamente estudado e testado 22 ”.
A canção popular é associada muitas vezes àquela que “não tem técnica”. Bem
freqüentemente ouvimos frases do tipo “o cantor popular faz tudo errado”. Talvez esse seja
um dos motivos pelo qual a saúde vocal é apontada por quase todos os professores como
um dos objetivos do ensino do canto.
A referência à saúde vocal está presente, velada ou explicitamente, no discurso de
praticamente todos os professores de canto ou profissionais da música ligados ao canto.
Para Sandroni (1998, p.17), “em caso de uma voz saudável, a aula de canto popular
pretende preparar o aluno para o melhor uso possível da voz, desenvolvê-la, protegê-la do
desgaste, garantir sua durabilidade e firmar suas características pessoais”. Celine Imbert
(LEITE, 2001, s.p.) ressalta a importância do ensino para esse fim: “Todos nós, cantores
líricos ou de música popular, precisamos cuidar da nossa voz, e só conseguiremos isso com
o estudo de canto, pois através dele adquirimos técnica.”.
Ter uma vida profissional mais longa é, segundo muitos professores, outro objetivo
do estudo de canto. Celine Imbert (LEITE, 2001, s.p.) recomenda:
Se você deseja garantir a saúde das suas cordas vocais pra cantar até os 60, 70
anos de idade, ou ainda para conseguir dar conta de uma grande e fatigante turnê
de shows, você precisa fazer uso da técnica (manutenção vocal), porque, se não,
você vai perder sua voz muito mais cedo do que deveria.
Sandroni (1998, p.17) diz ainda que “muitas vezes o cantor popular só procura o
professor de canto quando está tendo problemas: dificuldades nos agudos, voz cansada, ou
mesmo quando já está com um problema vocal mais sério”.
Sabe-se que o otorrinolaringologista Pedro Bloch tratou Elis Regina. Outras
histórias não oficiais de cantores que apresentaram problemas vocais são ouvidas com
freqüência como as de Marina, Gilberto Gil e Ivan Lins. Leila Pinheiro (PICCOLO, 2003)
disse que procurou primeiro uma fonoaudióloga e depois partiu para as aulas de canto:
pela falta de técnica, fiquei rouca quando fiz meus primeiros shows em Belém e
cheguei a formar um nódulo em uma das cordas vocais, por respirar errado,
22
Nem todos os recursos utilizados pela técnica do canto lírico foram estudados com a profundidade
necessária para se afirmar que podem ser usados com segurança.
76
forçando demais as cordas vocais. Com muitos exercícios propostos por uma
fonoaudióloga e com a ajuda de um bom otorrino, corrigi o calo e a rouquidão
freqüente.
Severiano e Mello (1997, p.88) relatam o ocorrido com Orlando Silva: “Em
conseqüência de uma vida desregrada, logo perdeu a excepcionalidade da voz, declinando
para sempre o seu prestígio”.
A voz límpida e saudável não é de forma alguma condição para a competência ou o
sucesso do cantor popular. Clara Sandroni (PICCOLO, 2003) afirma:
Eu acho que, se a gente consegue passar para o sujeito algumas noções de
proteção vocal, se a gente consegue que esse cara respire relativamente bem,
compreenda que não pode forçar a voz de tal e tal maneira, que tem que ter um
relaxamento de garganta, que consiga agir dessa maneira enquanto está cantando,
digamos que isso aí seria um básico que, se você atingir, já pode ficar satisfeito. E
isso pode demorar. E você pode nunca conseguir também. E isso não significa
que ele não vai ter uma carreira brilhante. No canto popular, o que importa é que
ele tenha empatia com a platéia. Se ele tem empatia com a platéia, está tudo
lindo.
Marcelo Rodolfo (ibid.) lembra que existem certos padrões estéticos adotados no
Brasil que podem ser derivados de problemas vocais, como, por exemplo, a voz rouca. E
que há certos procedimentos tidos como “danosos” que podem ser usados, com cuidado,
como a voz com ar. Sendo um problema vocal, o professor ensinará o aluno a proteger seu
aparelho vocal e assim ele poderá não ter mais a voz rouca. “O professor de canto tem que
estar disponível para oferecer ferramentas para a pessoa se desenvolver. Se o aluno chega
com a voz rouca, isso é um problema. Isso é um defeito. O que pode atender esteticamente.
Mas é um defeito. E isso o professor de canto não pode deixar passar”. Quanto à voz com
ar, diz que ou é decorrente de um problema ou pode levar a um problema. “Porque você
enfraquece as pregas e você acaba criando uma fenda e que mais tarde pode gerar um calo,
ou qualquer outra história”. Mas, quando esse recurso não é decorrente de um problema
vocal, pode ser usado como um recurso: “O sujeito sabe, que a voz tem que estar lá, que as
pregas têm que estar aduzidas, fortalecidas, mas, uma música, um repertório de um
determinado show, que ele não vá se esforçar muito, ele vai usar esse recurso”.
Rodolfo (PICCOLO, 2003) cita o exemplo de Elza Soares, como um caso de estudo
à parte e diz que “é um verdadeiro milagre” estar cantando até hoje. Conta que nos anos 70,
ela tinha uma voz plena e usava aqueles efeitos que usa até hoje. Mas naquele tempo não
tinha acontecido nada. “Agora, você vai fazendo, fazendo, fazendo, no que dá? Ela está
com a voz raspada, com a voz soprada”. Ao mesmo tempo, ressalta que não gostaria que
77
ela cantasse hoje como cantava antes: “porque às vezes, o que a gente chama de defeito se
tornou uma herança musical, aquilo é uma marca da pessoa, é uma impressão digital, é uma
coisa tão pessoal e tão fundamental pra expressão daquela pessoa...” Por outro lado, diz que
ela tem “super agudos, notas que quase você não tem no piano. [...] É um registro que muita
cantora saudável, com a vozinha toda no lugar, não tem”.
Não queremos dizer, de maneira alguma, que o cantor popular deva ter problemas
vocais para melhor se expressar. Queremos destacar que alguns “problemas” podem não ser
“problemas” e sim recursos vocais ou marcas pessoais do intérprete.
Angela Herz (PINTO, 2006) diz que respeita tanto a eficiência do domínio técnico
vocal quanto a necessidade de transgressão de certos estilos que exigem grande esforço
vocal. Conta que teve vários alunos que cantavam em bandas de rock pesado e que quando
a procuraram estavam em condições vocais delicadas, muitas vezes finalizando os shows
sem voz. Com as aulas, passaram a ter mais conscientização vocal, aprenderam a explorar
mais e melhor a flexibilidade e capacidade respiratória e, aos poucos, passaram a cantar
melhor as partes mais confortáveis do repertório, descobrindo um equilíbrio entre a
transgressão da estética musical e a ordem da técnica vocal: “Acredito piamente na técnica
e na segurança que ela nos permite com relação a nossa própria voz”.
Não encontramos estudos sistemáticos e pesquisas fonoaudiológicas que tratem
especificamente das possibilidades de uso saudável das variadas qualidades vocais ou
sonoridades da música popular brasileira. Como vimos, há casos de cantores populares que
têm as vozes alteradas depois de anos de uso. Há hipóteses, mas não se pode afirmar com
precisão o que os levaram a isso. Deve-se considerar, dentre muitos outros aspectos, até
mesmo os hábitos e condições de apresentações do cantor popular, que muitas vezes
fumam, bebem, cantam tarde, por muitas horas, e em locais barulhentos. Herz 23 lembra, por
exemplo, dos intérpretes de escola de samba que cantam naquela estética durante 80
minutos sem parar, além do tempo em que ficam na concentração aquecendo a escola, ou
os cantores de bandas cover que têm que se transformar em vários diferentes a cada noite,
sendo literalmente “jogados”em tonalidades que não são as suas ideais e competindo
igualmente com massas sonoras muito grandes, com dificuldade de retorno, entre outros
problemas.
23
Informação retirada do questionário realizado para monografia de graduação (PINTO, 2006).
78
Por outro lado, há pessoas que cantam durantes décadas, do jeito que se considera
“errado”, sem nenhum problema. Marcelo Rodolfo (PICCOLO, 2003) exemplifica: “Aqui
no Brasil, você vai pro Nordeste, tem o cantador com aquela voz totalmente anasalada. E
ele está cantando errado? Não. Ele chegaria aos 80, 90 anos com a mesma voz. Então ele
tecnicamente está cantando muito bem”.
Gostaríamos de registrar a nossa preocupação de que, sob a justificativa de se
“corrigir defeitos”, alguns aspectos fundamentais e característicos da interpretação do canto
popular, algumas até mesmo definidoras de seu estilo, sejam desprezados em nome de uma
pretensa “saúde vocal”.
Em um caso extremo, imaginemos se resolvêssemos “salvar” as vozes dos tiroleses
exportando professores de canto para as montanhas da Áustria, a fim de ensinar aquele
povo não usar mais a técnica do yodel 24 , pois a alternância de registros vocais pode não
fazer bem aos seus tratos vocais...
24
Canto típico do Tirol, na Áustria, e da Suíça, que consiste na passagem rápida da voz de falsete para a voz
de peito e vice-versa.
79
25
Vide observação sobre o “apoio” na nota de rodapé do Capítulo 1.
81
sobre as transformações na estética do canto e diz que o microfone foi o maior deflagrador
das diferenças estéticas entre o lírico e o popular.
com a criação e difusão de novos instrumentos elétricos e eletrônicos (teclados,
guitarras, órgãos elétricos, sintetizadores, etc), a voz humana passa a apresentar
uma variedade tímbrica ainda maior. Os ‘ruídos’ na voz (as impurezas, a
rouquidão, a soprosidade, os gritos, os sussurros) e nos instrumentos (distorções,
bendings, microfonias, delays, hummings e buzzings) passam a ser incorporados
esteticamente, como representação do caos sonoro das grandes metrópoles,
rompendo de vez com o binômio ’beleza=pureza’.
Portanto, com o canto amplificado, o cantor popular pode usar com mais liberdade
as possibilidades de qualidades vocais e também variações dinâmicas, “que passam a ser
trabalhadas numa gama muito diferente, com fortes abrandados até pianíssimos quase
sussurrados”. (ibid., p.13). O microfone possibilita o uso de recursos interpretativos como o
canto em regiões mais graves, a voz em fry e a voz sussurada, por exemplo, sem o risco de
perder audibilidade.
Abreu (PICCOLO, 2003) diz ainda que uma voz pequena no canto popular não é
um problema, um obstáculo; e o é definitivamente no canto lírico. Para ele, sem o
microfone, nunca teria havido Billie Holiday, Ella Fitzgerald, Bing Crosby, Frank Sinatra,
Elvis Presley, Beatles, Chet Baker, Ray Charles, João Gilberto, Caetano Veloso, Gal Costa
e Zizi Possi. Em outra ocasião, afirma que “com a presença do microfone, ‘não há
necessidade da presença do formante do cantor’; há uma ‘busca de coloquialidade’”.
(CASTRO, 2002, p.13).
Regina Machado (PICCOLO, 2003) também acredita que o microfone define uma
técnica para o canto popular.
expressão mais genuína, que antecede e sucede qualquer preocupação técnica. Para ela, a
interpretação é fundamental e não está dissociada da técnica:
Acho que a técnica existe para que possamos viabilizar melhor a nossa expressão.
Esta é que é a razão de tanto estudo, tanto empenho. Se parecer existir técnica
sem expressão, certamente alguma coisa deve ter ficado perdida no meio do
caminho. Costumo dizer que “quem pensa técnica, não tem técnica”. Esta foi feita
para ser exaustivamente trabalhada , até que não possa mais ser reconhecida. Um
canto técnico deve, portanto, não parecer, mas ser natural e traduzir sem
dificuldade toda a expressão que o intérprete tenha a transmitir.
Pereira (2002, p. 110) diz que:
Assim como o jeito da nossa voz fala mais sobre nós do que as palavras que
usamos, a atuação do cantor demonstra o grau de sua maturidade, de sua
liberdade interior, de seu conhecimento do mundo e de suas opções. Interpretar
música brasileira passa por esse todo que envolve o cantor: vivência pessoal, arte,
ciência, política e história, entre outros fatores. Desconsiderar uma destas partes
faz a voz ter outros donos.
O texto assume um papel fundamental e, segundo Diniz (2001, p. 212), explica a
presença cada vez mais constante no universo da MPB, nas últimas décadas, de trabalhos
que partem da literatura, uma tradição inaugurada por Vinícius de Moraes nos anos 1960.
Para o autor, música e palavra estão intrinsicamente ligados e tensionados na interpretação
da canção, tendo a voz como o seu grande mediador:
A voz que canta interpenetra dois mundos distintos, unidos em sua gênese, mas
diferencializados em suas linguagens e no seu modo de operação discursiva: a
palavra poética e o som musical. Verificamos a importância do objeto vocal
enquanto tensionador necessário à materialização da canção, concebida como um
jogo de interferências.
Se o texto ocupa um lugar importante no canto popular, não significa que essa
característica seja exclusiva desse estilo de canto. Mignone (1938, p.488) lembra que, por
ser uma música mais intimista e com texto, o canto de câmara também tem como objetivo a
expressão da emoção: “Na música de câmara o canto, quase sempre, é expressão da mais
intima colaboração entre a voz e a palavra. É nesse gênero, a nosso ver, que se deve exigir a
melhor pronúncia da palavra”. Medaglia (2005, p. 83) ressalta a qualidade dos textos na
música de câmara: “Schubert, por exemplo, compositor cuja obra mais importante são os
lieder para canto e piano, usou textos de Goethe e Schiller ao invés de subliteratura. A
mesma coisa ocorre com Bach, que em suas cantatas de câmara recorreu a textos bíblicos,
com Hugo Wolf (textos de Michelangelo, Moerike) e com Ravel (textos de Ronsard e
Villon)”.
84
26
Depoimento prestado em outubro de 2006, para esta dissertação.
85
outros. Portanto, acreditamos que a personalidade vocal seja definida por uma gama de
características em conjunto e não a um ou dois aspectos isolados, que inclui a escolha, por
parte do cantor, de sua própria sonoridade.
Abreu reforça nossa afirmação lembrando que a marca sonora por ele defendida não
seria associada apenas à voz, mas também ao estilo musical, estilo pessoal e estético, que
inclui “o repertório, o estilo de cantar e uma estética vocal que possa vir a identificá-lo e
individualizá-lo junto ao grande público” (ABREU, 2004, p.1).
do samba, do rap, e assim por diante. Ele diz ainda que (2001) a emissão vocal no canto
popular “não precisa, e em alguns casos, não deve - ser límpida (sem ‘ruídos’) e estável
(sem variações gritantes de timbre e ressonância, com eliminação de ‘defeitos’ e
impurezas)” e que, ao contrário do canto clássico, o cantor popular utiliza uma extrema
variedade de ressonâncias:
“a hiper e a hiponasalidade, a guturalidade, as vogais marcadas, a
metalização do timbre são agora referências estéticas para reconhecermos
imediatamente determinado intérprete (o referencial máximo de sucesso
de um cantor), gênero (a voz adequada para o samba, para o rock ou para o
sertanejo) ou procedência lingüística (a hipernasalidade norte-americana, a
guturalidade carioca, a hiponasalidade britânica).” (ibid., p.109)
A busca dessa variedade tem sido trabalhada por muitos professores em suas aulas.
Maria Lucia Valadão (CASTRO, 2002, p.25) usa a experimentação e diz que “uma das
coisas que são importantes quando a pessoa começa a trabalhar a parte técnica, é se dirigir
para essa exploração das diversas possibilidades da voz, sem nenhum tipo de preconceito".
Em alguns casos excepcionais, propõe “exercícios de exploração de outros timbres, outros
‘tipos de vozes’, sempre com muita cautela, pois em geral teme que não sejam muito
saudáveis".
Malu Cooper (CASTRO, 2002, p. 24) aponta na mesma direção ao dizer que “o
aluno, para desenvolver um controle de sua produção vocal, e poder escolher o tipo de
emissão que quer usar, precisa passar por todo o aparato, conhecer todo esse leque de
possibilidades".
Angela Herz, que criou o “Método Herz de Trabalho Vocal” 27 , explora em seus
exercícios uma grande diversidade de ressonâncias e suas combinações e “acredita que na
medida em que o aluno puder usufruir de suas múltiplas possibilidades, oferecerá à sua
personalidade a chance de optar pela construção que melhor expresse sua individualidade
vocal" (ibid., p. 24).
Já Felipe Abreu (ibid., p.25) discorda desse procedimento: "Nunca trabalho com
uma diversidade tímbrica grande demais num determinado aluno (...) porque a minha
intenção é que, no futuro, o público ligue o rádio e diga "é fulano quem está cantando". Diz
que tenta aproveita o que o cantor tem de natural com o depuramento dessa qualidade
27
O método foi desenvolvido, segundo Herz (informação verbal), a partir de sua experiência de 27 anos de
trabalho, estudo e pesquisa sobre o canto popular. Atualmente, a professora está finalizando um livro, ainda
sem título e editora, apresentando o seu método de trabalho de educação vocal destinado à música popular
brasileira.
87
vocal, que vem com o trabalho, o feedback auditivo (gravar e ouvir a própria voz) e o
tempo. Para este trabalho, perguntamos se ele não trabalha as ressonâncias em suas aulas:
Trabalho as ressonâncias, claro, mas é um trabalho personalizado: pode ser de
equilíbrio ressonantal (controlar a hiper ou hiponasalidade, a voz entubada, a voz
achatada, a voz velada, etc) e pode ser do domínio do colorido vocal (um trabalho
para quem já domina o básico estrutural da técnica, isto é, postura, respiração,
apoio, função glótica sem problemas).
Abreu, que diz priorizar a personalidade vocal no lugar da experimentação de
qualidades vocais, explica, porém, que trabalha a ressonância no sentido da busca de seu
equilíbrio: controlar a hiper ou hiponasalidade, a voz entubada, a voz achatada, a voz
velada etc. (PICCOLO, 2003).
Apesar de utilizar a experimentação das variadas ressonâncias, Angela Herz
(PINTO, 2006) também menciona a importância da personalidade vocal e diz que, para que
ela seja alcançada, a voz/pessoa deve conhecer muito bem seus espaços ressonantais, e
mostrar-se inteira, sem alteração do seu corpo sonoro nas diferentes regiões cantadas.
O método de ensino proposto por Angela Herz teve como ponto de partida a sua
experiência como atriz e como preparadora vocal de atores. Ao buscar identidades vocais
diferenciadas para os diversos personagens, realizou um profundo estudo das ressonâncias,
seus efeitos, as sensações físicas de cada uma, observando em que espaços a energia sonora
vibrava para produzir esta ou aquela qualidade vocal. (CASTRO, 2002)
Herz utiliza exercícios desenvolvidos por ela que trabalham a sonoridade
“abundantemente vocálica e aberta do nosso idioma”, como a própria define, explorando
detalhadamente as ressonâncias que fazem parte da estética da nossa música popular:
“Quando as sonoridades abertas se modificam dentro dos exercícios que proponho, elas
estão sendo intencionalmente tratadas em espaços ressonantais específicos, tratando as
emissões de modo a torná-las mais arredondadas, aquecidas e até mesmo fechadas”.
(PINTO, 2006).
No canto popular brasileiro, efeitos vocais como uma voz rouca, soprosa, anasalada
ou sussurrada, os ataques e finalizações em fry (ver definição em 4.3.5.1.1.1) são muitas
vezes tão apreciados que tornam-se referências estéticas para muitos cantores.
Em geral, usa-se a variação de qualidades vocais como um recurso expressivo. Na
análise da interpretação de Renato Russo para a música Santo Cristo, Ulhôa (2003, p.56-
57), identifica que o estilo vocal suave é reservado para os momentos nos quais o
88
protagonista Santo Cristo mostra seu lado terno e mais fraco. Na trama mais pesada, a voz é
tensa e o volume alto. Quando o personagem é mau caráter, a voz é gutural.
Abreu relaciona o cantar suave, ou soproso; o desenvolvimento do canto “sujo” e a
incorporação de efeitos vocais totalmente estrangeiros à técnica erudita como a metalização
da qualidade vocal, ou a hipernasalidade tão presente em certos gêneros, como alguns
recursos característicos do canto popular. (PICCOLO, 2003)
4.3.5.1.1 Registros
Há duas abordagens principais utilizadas na definição dos registros: uma relativa ao
mecanismo de funcionamento e a outra relativa à percepção dos registros.
Na abordagem perceptiva, a descrição mais comum é que um registro é uma faixa
de freqüência de fonação na qual todas as notas são percebidas com uma qualidade vocal
similar. (SUNDBERG, J., 1987, p.49-50-51). As sonoridades diferentes dos registros
podem ser mais ou menos “mascarados” através da escolha criteriosa de ressonâncias.
Quanto aos mecanismos de funcionamento dos registros, há diferenças no
comportamento muscular e na forma como as pregas vocais vibram nos diferentes registros.
No registro de peito, as pregas vocais estão relaxadas e densas, enquanto que, no falsete, as
cordas estão maximamente esticadas, sob efeito da ação dos músculos cricotiróides.
(SUNDBERG, 1987, p. 52).
O registro é um fenômeno exclusivamente glótico, associado à fonte sonora, à
geração do som na laringe, e resulta de um movimento de ajuste das pregas vocais; ou seja,
não é definido pela ressonância. As mudanças na fonte vocal são responsáveis pelas
variações na qualidade vocal entre os diferentes registros.
Os registros abrangem determinada faixa de freqüências de fonação e, quando se
alterna de uma faixa de freqüência para outra, uma quebra de registro pode ocorrer. Tal
quebra pode ser descrita como uma súbita mudança na freqüência de fonação e na
qualidade vocal.
Apesar disso, as faixas de freqüência de fonação não são subseqüentes, ou seja, não
há uma freqüência definida onde um registro acabe e outro comece. Há uma faixa de
interseção onde os vários registros se sobrepõem. Significa que uma pessoa pode produzir
um som vocal numa mesma freqüência de fonação em diferentes registros ou até em dois
registros combinados. Pesquisas recentes indicam que é possível que alguns ajustes possam
89
coexistir, resultando numa voz mista (KOB, 1999; SUNBERG, 1987; CASTELLENGO,
1986; ROUBEAU, CASTELLENGO, 1993, 1997). Os alcances de sobreposição e as
fronteiras entre os registros variam entre indivíduos. (SUNDBERG, 1987, p.51).
As condições de produção da voz de peito envolvem um esforço vocal, um fluxo de
ar e uma pressão subglótica relativamente maiores do que no falsete. Por outro lado, o
falsete não permite uma produção vocal no mesmo nível de intensidade que o registro de
peito naquela faixa de interseção, o que quer dizer que uma mesma nota em diferentes
registros provavelmente será muito mais intensa na voz de peito.
Não há um consenso na literatura sobre a quantidade de registros femininos e
masculinos e a terminologia utilizada para os vários registros ainda é confusa. Não há
dúvidas, porém, de que há pelo menos dois registros principais para homens e mulheres: o
registro de peito, também chamado de modal, e o registro de cabeça – termo mais
comumente usado para as vozes femininas - ou o falsete, mais comumente usado para as
vozes masculinas. Outros registros muito mencionados são os registros fry (ou basal), que
abrange uma faixa de freqüência de fonação inferior ao do registro de peito, e o registro de
flauta (ou whistle), que abrange uma faixa de freqüência de fonação superior ao do registro
de falsete.
No canto lírico, homens cantam predominantemente com o registro de peito, ou
seja, quase não usam o falsete. No canto popular, os homens, em sua maioria, não só usam
o falsete como não mostram preocupação em ocultar a quebra de registro. Gilberto Gil e
Milton Nascimento são exemplos de cantores que usam o falsete de forma explícita, como
verificamos ao ouvir as gravações de Marina (CAYMMI, 1989), pelo primeiro, e de Ponta
de Areia (NASCIMENTO, 1975), pelo segundo, só para citar alguns.Outros cantores
populares como Zé Renato e Jorge Vercilo usam o falsete e procedem à passagem entre os
registros de forma mais disfarçada.
Abreu acredita que o desenvolvimento do falsete masculino é essencial para
desenvolver um agudo “não-operístico” (e não necessariamente em falsete) para o cantor
popular do sexo masculino.
As mulheres, no canto lírico cantam predominantemente, ou quase exclusivamente,
com a voz de cabeça. Praticamente não usam a “voz de peito”. O repertório é quase sempre
90
composto de melodias em regiões agudas, que só são passíveis de serem alcançadas com a
voz de cabeça.
No canto popular, ao contrário, as mulheres cantam predominantemente, ou quase
exclusivamente, com a voz de peito: quase não usam a voz de cabeça. A predominância do
registro de peito no canto popular poderia explicar a sensação de proximidade com a voz
falada, ressaltada por tantos pesquisadores. E ainda a preferência das cantoras por
tonalidades mais graves para a interpretação da canção, já que não é possível utilizar a voz
de peito em freqüências muito altas, pois acaba ocorrendo a quebra de registro. As
mulheres, em geral, concentram suas notas principalmente entre o Sol2 e o Dó4,
possibilitando a utilização do registro de peito em quase toda a sua extensão.
Quando, eventualmente, lançam mão da voz de cabeça, as cantoras populares
buscam usá-lo de forma discreta e disfarçada. É muito raro percebermos a mudança de
registros nas vozes femininas na MPB e, quando isso acontece, causa uma certa estranheza.
Procura-se manter a configuração muscular no registro de peito até o seu limite e, depois
disso, manter uma sonoridade muito parecida com a do registro de peito, de modo que não
se perceba essa mudança.
Por esse motivo, o registro de cabeça é muitas vezes associado à técnica lírica,
causando resistência a seu uso pelos cantores populares. Sampaio (PICCOLO, 2003)
afirma: “Não é que a música popular não tenha que usar o registro de cabeça [...]. O
problema é que aqui no Brasil os cantores e em especial os maestros não admitem, já vão
logo dizendo que a voz está impostada, que é voz lírica”.
Abreu (PICCOLO, 2003) diz que “a cantora popular tem que trabalhar muito mais a
voz de peito do que a cantora lírica, por razões que são evidentes para qualquer um que
ouça vozes femininas populares e clássicas”. E Angela Herz (PINTO, 2006) pergunta:
“como cantar um samba enredo, se os agudos, diferentemente da emissão em outras
regiões, apresenta-se num falsete frágil e empobrecido?”.
Em relação às passagens entre os registros, verificamos que também são trabalhadas
de maneiras distintas entre o canto popular e o canto lírico.
Um dos objetivos da pedagogia do canto é reduzir ou mesmo eliminar a variação da
qualidade vocal entre os registros. Isso significa que não só a quebra de registro mas
também a mudança de registro claramente audível pode ser eliminada com treinamento. Em
91
tais condições, a diferença entre os registros de um cantor competente será difícil de definir
perceptivamente, embora ela possa, é claro, ainda existir ao nível da laringe. (SUNDBERG,
1987, p.51). Como diz Abreu (2001, p.109): “ a estética clássica busca desenvolver toda a
extensão vocal criando a ilusão de que não existem as chamadas quebras de registro [...],
criando auditivamente a impressão de uma voz timbricamente uniforme do grave ao agudo,
o que requer grande técnica”.
No canto popular, Felipe Abreu (2001, p.109) diz que “o cantor popular vai
possivelmente explorar as diferenças, as quebras entre registros de ‘peito’ e ‘cabeça’, pois
não há o desenvolvimento de uma voz timbristicamente uniforme, em toda a tessitura”.
Sandroni (PICCOLO, 2003) explica, na posição de cantora, como resolveu a
equação entre a igualdade entre os registros exigidos por sua professora, a necessidade de
emitir notas agudas e a sua própria rejeição pela “voz lírica”: “Quando eu descobri esse tal
de falsete, foi uma solução [...], a voz fica diferente, mas e daí? Eu canto ela toda desigual:
quando vai para o agudinho eu deixo o falsete ficar bem levinho, e o resto eu peso...”. A
equação não fechou perfeitamente porque algum processo teve que ser sacrificado, e esse
foi o de igualar os registros: A Clarisse não ia me deixar fazer isso. Eu tinha que dar [a nota
aguda] com a voz plena, [...] a voz tem que estar sempre com muitos harmônicos, e aquele
agudo tem que estar equilibrado perfeitamente e isso não tem nada a ver com a música
popular. Não precisa ser assim.”.
Apesar de a maioria dos professores concordar que no canto popular não é
importante a uniformidade entre os diferentes registros, todos trabalham essa técnica em
sala de aula. Sandroni lembra que a quebra de registros é um dos aspectos presentes em
vários tipos de canto popular no Brasil, mas que ela própria não trabalha essa técnica em
suas aulas. Como ainda não foi devidamente estudado, ninguém a assume como uma
técnica de canto: “Eu não conheço nenhum professor de canto que ensine para os seus
alunos a ter uma voz diferente, que o grave soe de um jeito e o falsete de outro”
(PICCOLO, 2003, p.61).
Portanto, para as vozes masculinas, a diferença entre o canto popular e o canto lírico
quanto à utilização dos registros não é tão perceptível já que em ambos o predomínio é do
uso da voz de peito. A diferença reside no uso, muito eventual, do falsete pelo cantor
popular. Para as vozes femininas, no entanto, essa diferença é bastante perceptível. No
92
canto popular o predomínio do registro de peito é quase total – a passagem é feita em geral
entre o Sol3 e o Dó4 – e no canto lírico o predomínio quase total é do registro de cabeça – a
passagem, quando há, é feita entre o Sol2 e o Dó3.
Isso talvez explique a solução encontrada por Elizeth Cardoso no episódio citado no
início deste capítulo: cantar a Ária das Bachianas, de Villa-Lobos, uma oitava abaixo do
tom original 28 .
Considerando o registro de peito como o de uso predominante no canto popular,
procuramos neste trabalho assinalar apenas as mudanças desse para o registro de cabeça (ou
falsete) ou para o registro basal (ou fry).
4.3.5.1.1.1 Fry
O mecanismo de funcionamento do fry consiste num modo vibratório da prega
vocal, no qual ocorrem ao mesmo tempo vibrações transversais e longitudinais das pregas
vocais, com a presença de subarmônicos bem definidos (FUKS, 1998, 1999).
Na fala normal, tanto homens quanto mulheres algumas vezes terminam frases
numa freqüência de fonação extremamente baixa, de tal forma que podemos perceber cada
pulso vocal individual, como uma rápida série de pulsações. (SUNDBERG, 1987, p.50). É
considerado o registro mais grave, sinônimo de registro basal, que ocorre a freqüências
abaixo do registro de peito. Em inglês, além de vocal fry, é chamado também de glottal fry ,
pulse register e creak voice.
Nas canções analisadas, o fry aparece quase sempre nos inícios ou finais de frases,
em geral com a intenção de demonstrar sensualidade ou sofrimento (vide Ex. sonoro 1, no
CD anexo).
28
Vide transcrição do trecho da entrevista nos Anexos.
93
fator é que a inclinação espectral é mais íngreme no falsete do que na voz de peito,
apresentando uma queda em torno de 20dB por oitava, enquanto que na voz de peito é da
ordem de 12dB por oitava. (MONSEN; ENGEBRETSON, 1977, p. 988 apud LAVER,
1980, p. 120). (vide Ex. sonoro 2, no CD anexo)
4.3.5.1.2 Growl
Efeito vocal muito usado por Louis Armstrong e Elza Soares. A impressão para o
ouvinte é de uma voz rascante (ARAÚJO; FUKS, 2001, p.281) e está sendo usada muita
pressão de ar para a sua produção. Seu mecanismo de produção envolve as vibrações
regulares das pregas vocais em co-oscilação com estruturas supraglóticas, particularmente o
ligamento ariepiglótico, cartilagens aritenóide e epiglote e mesmo das mucosas da faringe
(SAKAKIBARA et al., 2004).
As aritenóides são tensas contra a epiglote e entram em vibração durante a fonação,
perturbando a voz modal. Na análise acústica realizada por Araújo e Fuks (2001) em dois
exemplos com growl, foi identificada a presença de subarmônicos “indicando que neste
efeito as estruturas supraglóticas da epiglote e aritenóide vibram em alguns casos de forma
regular”. Lembram que o efeito é pouco estudado no âmbito da fisiologia vocal,
provavelmente por não ser associado a patologias fonatórias. (vide Ex. sonoro 3, no CD
anexo)
limitada. Andrada e Silva (2001, p.47) atribui essa configuração a um encolhimento do tubo
faríngeo. “A voz soa apertada, com presença de harmônicos altos [...]. Normalmente vem
associada a uma articulação “em sorriso” ou cerrada, com tensão de pilares e das paredes da
faringe e presença de nasalidade”. (vide Ex. sonoro 5, no CD anexo)
4.3.5.4 Breque
Ocorre com uma interrupção do fluxo de ar e conseqüentemente do som, provocada
pela adução das pregas vocais. É geralmente seguido por uma expiração sonora, muitas
vezes por um suspiro. Em nossa pesquisa, foi observada na interpretação de Elis Regina.
(vide Ex. sonoro 16 e Ex. sonoro 17, no CD anexo)
4.3.5.6 Acento
Destaque dado a uma ou mais notas na intepretação, normalmente através de uma
perceptível alteração (normalmente um aumento) de sua intensidade sonora (acento
dinâmico). (THIEMEL, 2006). (vide Ex. sonoro 19, no CD anexo)
97
intérprete possui a liberdade usual do barroco em fazer a interpretação de acordo com seu
próprio gosto e pode, portanto, mudar um ornamento se julgá-lo estilisticamente
inadequado. (ibid.)
De qualquer maneira, nenhuma notação é capaz de mostrar exatamente como um
ornamento soará; as nuances são tão importantes quanto as notas e são muito difíceis de
serem aprendidas a não ser através da audição de boas demonstrações”. (ibid.).
Embora tão comum, é crucial que a opção do intérprete para o uso dos ornamentos
seja exercitada dentro das fronteiras do estilo (ibid.).
4.3.6.1 Vibrato
Ornamento muito utilizado na execução da música vocal e instrumental,
particularmente no repertório operístico do período romântico, o vibrato pode ser
encontrado em descrições da música ocidental desde o período medieval até hoje, mas
parece ter sido aceito como um ornamento desde o primeiro quarto do século XX, quando
seu uso contínuo gradualmente passou a ser uma norma.
Seu uso se tornou tão natural que alguns tratados barrocos (Bernhard, Montéclair)
mencionam como ornamento não apenas o vibrato como o não-vibrato (OWEN; HARRIS,
2006). Por ter uma prática normativa, a notação do vibrato pode parecer redundante.
Apesar de ser definido como um ornamento, seu uso é tão freqüente no canto lírico que
chega a ficar amalgamado à voz, dispensando a necessidade de notação.
Há diversos estudos sobre a natureza do vibrato e sua utilização, principalmente no
que se refere à prática do canto lírico e dos instrumentos de cordas (SEASHORE,
1967; PRAME, 1994, SUNDBERG, 1987).
O vibrato corresponde a uma ondulação aproximadamente periódica na freqüencia
fundamental, geralmente acompanhada de oscilações de amplitude e no espectro. Em
termos perceptivos, corresponde a variações na altura, intensidade e qualidade vocal.
A extensão do vibrato descreve quão longe a freqüência fundamental cresce e
decresce durante um ciclo do vibrato e sua amplitude varia de acordo com a intensidade de
fonação. A taxa de vibrato revela o número de ondulações por segundo. (SUNDBERG,
1987, p.163)
O padrão do vibrato é considerado constante num cantor lírico. Sua extensão
geralmente varia entre um ou dois semitons, o que significa que a freqüência fundamental
99
oscila para cima e para baixo ¼ ou ½ tom, respectivamente. Sundberg (1987, p.164) afirma
que a extensão do vibrato menor ou igual a 0,5 semitom é mais comum em instrumentos de
sopro do que em cantores e maiores que dois semitons “tendem a soar mal”.
Geralmente considerada constante num dado cantor lírico, a média da taxa de
vibrato varia em torno de 6Hz, mas não é impossível de ser alterada, como afirma Sundberg
(ibid.). Para o autor, sempre referindo-se ao canto lírico, geralmente, uma taxa de vibrato
menor que 5,5 ondulações por segundo “soam muito lentas”, e maiores que 7,5 “soam
nervosos”.
Prame (1994, p. 5) evidenciou o fenômeno no qual os vibratos usados no canto
lírico apresentam um aumento na taxa do vibrato em sua finalização em torno de 15%, a
“cauda” do vibrato, o que pode ser considerado um gesto expressivo. A variação média
entre a taxa de vibrato máxima e a mínima é de mais ou menos 8% da média do artista”.
As variações na qualidade vocal se explicam porque as características e o ajuste do
trato vocal favorecem algumas freqüências em detrimento de outras, o que quer dizer que o
trato vocal responde diferentemente a alturas diferentes. Portanto, a alteração na freqüência
fundamental, e em todos os seus harmônicos na mesma proporção, afetam a qualidade do
som.
SUNDBERG (1987, p.165) afirma que, juntamente com o vibrato, tem sido
observadas variações em dois sistemas, ambos dos quais afetam a freqüência de fonação; a
musculatura laríngea (principalmente os músculos cricotiróides) e o sistema
respiratório.
Não há estudos específicos sobre os mecanismos de produção do vibrato. Muitos
acreditam que o vibrato é uma conseqüência natural do treinamento vocal. Sundberg (ibid.,
p.163), que estudou o vibrato operístico ocidental, afirma que o vibrato desenvolve-se mais
ou menos por si mesmo enquanto o treinamento vocal ocorre com sucesso. Recentemente,
alguns métodos de ensino de canto vêm propondo exercícios para a sua produção
(HOWARD; AUSTIN, 2002).
As definições acima citadas referem-se ao vibrato utilizado no canto lírico, já que
também não há estudos sobre as características do vibrato no canto popular brasileiro29 .
Buscaremos usar esse conhecimento clássico como parâmetro para descrever as
29
Sobre as características do vibrato utilizado no canto sertanejo, vide ROSA (2003).
100
características que foram detectadas nos vibratos dos cantores analisados. (vide Ex. sonoro
24, no CD anexo).
4.3.6.2 Portamento
Na prática, os termos glissando e portamento são muitas vezes confundidos. O
glissando é um termo geralmente usado como instrução para executar uma passagem de
uma altura para outra num movimento de deslize rápido. Na voz, violino ou trombone, um
deslize de uma altura para outra é mais prontamente percebido sem distinção entre as notas
intermediárias, um método muitas vezes chamado de portamento. No entanto, o glissando é
mais associado às passagens entre semitons realizados por instrumentos como o piano e a
harpa, que não podem executar um portamento; a voz, a família dos violinos e o trombone
podem produzir ambos os tipos de deslizes, embora o glissando seja mais difícil para eles.
(BOYDEN; STOWELL, 2006).
O termo ‘portamento della voce’ significa ‘transportar a voz’ e define uma
importante técnica vocal para o canto legato estabelecida no início do século XVII. Os
termos port de voix, portar della voce e cercar della nota 30 referem-se a procedimentos
semelhantes e, embora alguns os definissem com peculiaridades, em momentos diversos
foram usados como sinônimos de portamento.
Considerado um elemento essencial para o bem cantar desde cerca do início do
século XX, o abuso de seu uso foi muito criticado. Domenico Corri (The Singer's
Preceptor, 1810) escreveu que ‘o portamento della voce é a perfeição da música vocal’,
permitindo o ‘deslize e mistura de uma nota para outra com delicadeza e expressão’
enquanto que J.F. Schubert considerava o portamento ‘repugnante e insuportável’ quando
realizado no lugar errado. Garcia advertia que usado ‘em excesso, corria o risco de tornar a
execução frágil e lânguida’; porém, a técnica defendida por ele em 1894 de se atingir cada
nota de forma ‘pura’ não tem eco na história recente. Cantores não só conectam notas,
como aproximam notas iniciais em até uma terça ou quarta abaixo da nota escrita, técnica
conhecida também como cercar della nota.
Seashore (1967) afirma que os portamentos são um meio importante de suavizar o
contorno de uma nota por meio de um desvio artístico do ataque ou finalização, assim como
30
No final do século XVIII, o termo ‘cercar della nota’ (compreendido inicialmente como um ornamento de
aproximação ascendente por um intervalo de até uma 4ª) foi algumas vezes usado como sinônimo de
portamento. (HARRIS, 2006).
101
os recursos dinâmicos como o messa de voce, muito utilizado e recomendado pela maior
parte das escolas de canto, que consiste em aumentar ou diminuir gradativamente a
intensidade de uma nota.
Uma notação consistente do portamento e do cercar della nota nunca foi
desenvolvida, em parte porque a prática é tão normativa que a notação seria redundante.
Durante o século XX seu uso declinou radicalmente. O fato de estar sendo muitas
vezes associado com o estilo popular chamado ‘crooning’ tem aumentado as associações
pejorativas para alguns, e por isso atualmente o portamento é largamente rejeitado na
música vocal clássica e na ópera. Esse chamado estilo de canto “puro”, no entanto, não é
baseado na prática vocal dos séculos XVII, XVIII e XIX. (HARRIS, 2006).
Nas canções analisadas, detectamos uma grande incidência de portamentos. (vide Ex.
sonoro 25, no CD anexo).
4.3.6.3.1 Apojatura
É uma ‘nota apoiada’, normalmente um grau conjunto acima ou abaixo da nota
principal, que se resolve sobre a nota principal. (SADIE, 1994, p. 35). Ver exemplo gráfico
abaixo, juntamente com o exemplo do retardo. (vide Ex. sonoro 26, no CD anexo)
4.3.6.3.2 Retardo (ou suspensão)
Uma configuração dissonante, na qual a nota não harmônica é mantida na mesma
voz do acorde anterior, resolvendo-se por grau conjunto, ascendente ou descendente. (vide
Ex. sonoro 26, no CD anexo). Abaixo, exemplo gráfico do trecho “vou ficar nesta cidade”
da música Como nossos pais, interpretada por Elis Regina:
102
4.3.6.3.3 Antecipação
Em escrita polifônica, é uma nota não harmônica, não acentuada, que pertence à e é
repetida na harmonia imediatamente seguinte”. (SADIE, 1994, p.32) . Na Figura 2,
exemplo gráfico do trecho “pode pedir”, da música Tristesse, interpretada por Milton
Nascimento, em que ele faz duas antecipações, uma para a sílaba “de” e outra para “dir”
(vide também Ex. sonoro 27, no CD anexo):
4.3.6.3.5 Grupeto
Notas interpoladas entre notas principais, que podem ser idênticas entre si ou
distantes em graus conjuntos. (SADIE, 1994, p. 391). Na Figura 4, exemplo gráfico da
palavra “seu”, do trecho “se cada sonho é seu”, da música Tristesse, interpretada por Milton
Nascimento (vide também Ex. sonoro 29, no CD anexo):
4.3.6.3.7 Mordente
Um tipo de ornamento que, na sua forma padrão, consiste numa rápida alternância
entre a nota principal e outra secundária um grau abaixo ou acima. Na Figura 6, exemplo
gráfico do trecho “ficar Odara”, da música Odara, interpretada por Caetano Veloso,
juntamente com o exemplo da nota improvisada (vide também Ex. sonoro 31, no CD
anexo).
interpretadas por Elis Regina, três canções por Caetano Veloso e quatro por Milton
Nascimento, totalizando dez canções.
Apenas a partir das audições é que pudemos definir aqueles efeitos e ornamentos
que se faziam mais perceptíveis e singulares nos cantores. Usamos como referência para a
escolha dos parâmetros os trabalhos de Marta Andrada e Silva (2001), John Laver (1980) e
Alan Lomax (1968), além das entrevistas com os professores de canto.
31
Andrada e Silva e Lomax analisam canções inteiras, enquanto Laver analisa a voz numa frase completa.
106
cantados enquanto a nossa análise foi feita em unidades menores, como sílabas ou mesmo
fonemas isolados.
4.4.2.1 Pré-análise
O trabalho envolveu uma pré-análise, como um mapeamento, quando batizamos os
efeitos com nomes provisórios, a fim de agrupá-los. Apenas após ouvir as músicas diversas
vezes é que pudemos definir as características que seriam analisadas. Algumas delas foram,
inclusive, num primeiro momento, assinaladas como “não identificadas”, como, por
exemplo, alguns vibratos muito leves e efeitos aos quais nunca havíamos nos referido antes,
como o breque.
desses eventos, que são: a inspiração sonora, a expiração sonora com suas respectivas
categorias referentes à sua localização na sílaba (durante a emissão, no final da emissão e
no final com sussurro), o breque, a voz ful, a voz gritada, a voz “suja”, a nota
improvisada e o fonema alterado.
por isso mesmo, acreditamos que venham servindo de referência para os cantores da MPB e
influenciando novas gerações de intérpretes.
Apenas a título de ilustração, identificamos, a partir da pesquisa de Severiano e
Mello (1997), que os três também estão entre os cinco cantores mais tocados, entre os anos
de 1965 32 e 1985, período de maior projeção da MPB. Desse grupo, estariam a frente deles
apenas Roberto Carlos, que surge isolado na frente com trinta e oito gravações de sucesso e
Chico Buarque, com dezessete gravações. Milton Nascimento e Caetano Veloso tiveram
dezesseis e quinze gravações, respectivamente. Das mulheres, Elis Regina lidera com
dezoito gravações, com folga sobre a segunda colocada, Gal Costa, que tem doze.
Partimos da idéia de que cada um desses cantores representa uma escola, uma fonte
de padrões, de gestos vocais característicos. Será que, apesar da personalidade vocal de
cada cantor, há entre eles padrões em comum? Acreditamos que, ao detectar o número
máximo de “musemas”, poderemos compará-los e identificar paradigmas. Essa pequena
contribuição poderia ser um incentivo para a investigação, em pesquisas futuras, de
afinidades entre os procedimentos usados por eles e outros cantores.
A escolha de Milton Nascimento, Caetano Veloso e Elis Regina foi feita não só
pelos motivos apresentados anteriormente, como também por terem sido os que deram mais
pronta resposta ao nosso pedido. Solicitamos uma autorização dos próprios artistas ou
representantes legais para a utilização dos canais de voz de algumas gravações veiculadas
comercialmente para fins de pesquisa. Apenas a partir dessa autorização foi possível a
liberação do material solicitado por parte da gravadora responsável. A utilização do canal
de voz, livre de interferências de outros instrumentos musicais, permitiria que as análises
pudessem ser feitas com muito mais precisão.
Quanto às autorizações, observamos que as dificuldades de acesso muitas vezes
atribuídas aos artistas são, em parte, conseqüência da “barreira” de proteção formada por
seus representantes. A autorização de Caetano Veloso foi quase impossível por causa de
seu produtor que, apesar de se mostrar disposto a ajudar, alegava não conseguir, durante
32
O ano de 1965 marcou o primeiro de uma série de Festivais de Música, eventos que impulsionaram a
carreira desses três cantores, como a de muitos outros intérpretes e compositores, que integrariam o grupo
associado à sigla MPB.
113
seis meses, tocar no assunto com o cantor, já que “ele era muito ocupado”. À primeira
tentativa de contato direto por e-mail, endereço que conseguimos por outras vias que não o
do produtor, Caetano Veloso respondeu prontamente e ainda se disse muito interessado em
conhecer os resultados da nossa pesquisa. Também tentamos a autorização de Gal Costa
mas, após seis meses de insistência, não conseguimos ultrapassar a barreira de sua
empresária que, ao fim desse período, nos sugeriu que desistíssemos, o que realmente
fizemos. Maria Bethânia, também representada por sua empresária, foi muito atenciosa e
acessível mas, depois de solicitar amostras do material dos colegas, acabou negando a
autorização. Entendemos a apreensão em ceder a autorização e por isso mesmo valorizamos
tanto a decisão dos que concordaram em permitir a utilização desse material. Em primeiro
lugar porque essa opção é uma decisão pessoal. Depois, porque quando um cantor faz uma
gravação, em geral se atém ao resultado da sua voz acompanhada de todos os outros
aspectos que compõem uma execução musical, como instrumentos, reverbes e muito mais.
A audição da voz sem todo esse acompanhamento é comparável à exposição de um corpo
sem sua indumentária: todos os detalhes estão ali, expostos, sem disfarces.
A escolha das músicas também foi feita em parte pela disponibilidade das
gravadoras. No caso do Milton Nascimento, a pessoa responsável pela liberação legal nos
pediu que selecionássemos músicas do último disco lançado pelo artista, o Pietá (2002).
Procuramos aquelas que nos dessem uma amostra variada de recursos de interpretação.
Quanto aos outros dois artistas – Caetano Veloso e Elis Regina – o critério de escolha foi
entre as mais conhecidas ou as que tivessem muitas ornamentações ou ainda que estas
fossem bem perceptíveis.
por exemplo, que Elis Regina utiliza tantos vibratos em tantas sílabas. Ao final,
comparamos a ocorrência dos efeitos e ornamentos entre canções do mesmo intérprete e,
depois ainda, entre os intérpretes.
próprio gráfico gerado, estabelecemos a velocidade desejada com o cursor para finalmente
alterá-la através da opção “add duration point at cursor”.
Através da escuta, percepção e imitação, atenta aos detalhes que a repetição em
velocidade lenta propicia, acreditamos que possa ser uma opção para a aprendizagem.
118
Nessa seção, fazemos uma descrição dos eventos ocorridos em cada canção, por
intérprete, procurando associar os efeitos utilizados ao contexto de sua letra.
Analisamos três canções de Elis Regina: Black is beautiful, Como nossos pais e
Madalena.
São 26 expirações sonoras (sete durante a emissão, dez no fim e nove no fim com
suspiro), 25 inspirações sonoras, 145 portamentos, 37 vibratos, 24 fonemas alterados, treze
retardos com portamento, doze apojaturas (sendo nove com portamento), oito antecipações
(sendo sete com portamento), seis mordentes, dois acentos, dois breques e uma nota
improvisada.
A seguir, o quadro com os efeitos e ornamentos utilizados por Elis Regina nas três
canções analisadas:
121
Quadro 2 – Gestos vocais utilizados por Elis Regina em três canções e razão entre o
número de gestos e o número de fonemas, em percentuais.
122
antecipações, nove retardos, seis apojaturas, dois mordentes e notas improvisadas, uma nota
de passagem e um grupeto. (vide Quadro 3).
MÚSICA Vozes
Casa Gestos/ Tristesse Gestos/ Voa Gestos/ Gestos/ Gestos/
fonemas fonemas fonemas fonemas
Todas fonemas
Aberta Bicho do
Vento
Total de (%) Total de (%) Total de (%) Total de (%) Total de (%)
GESTOS VOCAIS fonemas: fonemas: fonemas: fonemas: fonemas:
63 153 108 185 509
VIBRATO 26 41,3 91 59,5 21 19,4 37 20 175 34,4
PORTAMENTO (total) 39 61,9 47 30,7 60 55,5 69 37,3 215 42,2
PORTAMENTO (ascendente) 18 28,6 21 13,7 25 23,1 56 30,3 120 23,6
PORTAMENTO (descendente) 19 30,2 25 16,3 33 30,5 12 6,5 89 17,5
PORTAMENTO (descendente final) 2 3,2 1 0,6 2 1,8 1 0,5 6 1,2
APOJATURA 1 1,6 6 3,9 2 1,8 1 0,5 10 2
RETARDO 2 3,2 9 5,9 2 1,8 0 0 13 2,5
ANTECIPAÇÃO 12 19,0 22 14,4 6 5,5 5 2,7 45 8,8
NOTA PASSAGEM 0 0 1 0,6 0 0 0 0 1 0,2
GRUPETO 0 0 1 0,6 0 0 0 0 1 0,2
NOTA ESCAPADA 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
MORDENTE 2 3,2 2 1,3 6 5,5 0 0 10 2
NOTA IMPROVISADA 2 3,2 2 1,3 1 0,9 2 1,1 7 1,4
INSPIRAÇÃO SONORA 1 1,6 7 4,6 7 6,5 11 5,9 26 5,1
EXPIRAÇÃO SONORA (total) 3 4,8 8 5,2 1 0,9 10 5,4 22 4,3
EXPIRAÇÃO SONORA (durante) 0 0 5 3,3 1 0,9 5 2,7 11 2,2
EXPIRAÇÃO SONORA (fim) 3 4,8 3 2 0 0 5 2,7 11 2,2
EXPIRAÇÃO SONORA (fim com
suspiro) 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
BREQUE 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
VARIAÇÃO DINÂMICA 4 6,3 25 16,3 3 2,8 2 1,1 34 6,7
ACENTO 1 1,6 8 5,2 0 0 0 0 9 1,8
ARTICULAÇÃO (total) 0 0 20 13,1 0 0 0 0 20 3,9
ARTICULAÇÃO (exagerada) 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
ARTICULAÇÃO (cerrada) 0 0 18 11,8 0 0 0 0 18 3,5
ARTICULAÇÃO (pastosa) 0 0 2 1,3 0 0 0 0 2 0,4
FONEMA ALTERADO 0 0 5 3,3 0 0 0 0 5 1
MUDANÇA QUALIDADE VOCAL
(total) 2 3,2 38 24,8 3 2,8 5 2,7 48 9,4
Voz em fry 0 0 9 5,9 3 2,8 0 0 12 2,4
Voz em falsete 0 0 0 0 0 0 2 1,1 2 0,4
Voz em growl 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Voz nasal 0 0 1 0,6 0 0 0 0 1 0,2
Voz tensa 0 0 9 5,9 0 0 2 1,1 11 2,2
Voz gritada 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Voz rouca 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Voz suja 2 3,2 18 11,8 0 0 1 0,5 21 4,1
Voz com laringe abaixada 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Voz com ar 0 0 1 0,6 0 0 0 0 1 0,2
Voz "ful" 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Voz falada 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
TOTAL DE GESTOS VOCAIS 95 150,8 292 191 112 103,7 142 76,8 641 126
Quadro 3 – Gestos vocais utilizados por Milton Nascimento em quatro canções e razão
entre o número de gestos e o número de fonemas, em percentuais.
125
Analisamos três canções interpretadas por Caetano Veloso: Circuladô de Fulô, Fora
da Ordem e Odara.
6.1.3.1 Circuladô de Fulô (de Caetano Veloso, sobre texto de Haroldo de Campos)
Circuladô de Fulô foi composta por Caetano Veloso sobre o poema “Circuladô de
Fulô”, do livro Galáxias, de Haroldo de Campos. A letra da canção nos remete à miséria
vivida pelo povo, possivelmente no Nordeste brasileiro, e o espírito de sobrevivência e
esperança, fazendo referência e comparação inclusive com o martírio vivido por Jesus
Cristo na cruz. Há alguns indícios dessa temática nas palavras e expressões utilizadas como
miséria, o sol a pino, o fim de festafeira, a ferrugem, o prego cego na palma da mão ao sol,
o nervo tenso, a magreza, a fome, a venda de cuias por magros cruzeiros, o povo
inventalinguas, o visgo do improviso e na idéia de que, mesmo com todo o sofrimento, no
fim ele acerta, reverte e conserta.
A temática da letra explica a forte presença da qualidade nasal - uma referência ao
sotaque nordestino, além da articulação exagerada e dos fonemas alterados, enfatizando a
letra e o sotaque resultando, em muitos momentos, num canto quase falado.
A canção tem 614 sílabas e 683 ocorrências de efeitos ou ornamentos. O recurso
mais utilizado por Caetano Veloso nessa música é a articulação exagerada, que é utilizada
em 188 sílabas, seguida pelas mudanças na qualidade vocal, que estão presentes em 155
sílabas. Destas, 72 são nasal, dezenove suja, trinta em laringe abaixada, vinte em sussurro,
oito em fry e seis faladas. Os outros efeitos muito usados são o acento (92), seguido dos
portamentos (61), os vibratos (48), os fonemas alterados (46), a inspiração sonora (31) e a
variação dinâmica (29). Com exceção dos portamentos, o intérprete não usa muitos
ornamentos melódicos nessa canção, tendo sido apenas nove retardos, quatro antecipações,
três apojaturas e uma mordente.
Dos 61 portamentos, 45 são ascendentes e dezesseis descendentes. Dos nove
retardos, todos ocorrem com portamento. Das dezesseis expiração sonora, quinze ocorrem
durante a emissão da sílaba e apenas uma após a mesma. (vide Quadro 4).
126
Em 522 sílabas, o intérprete utiliza 746 efeitos ou ornamentos. Observamos que, por
não ser uma música com conteúdo de protesto ou com alguma força dramática, como as
outras duas, os recursos mais usados são outros, sendo concentrados principalmente nos
ornamentos melódicos. O grande predomínio é dos portamentos seguido dos vibratos, as
mudanças de qualidade vocal, a expiração sonora (45 no fim e 25 durante a emissão).
Não há tantos acentos (são 67 acentos contra 118 de Fora da Ordem e 92 de
Circuladô de Fulô) e nenhum fonema alterado ou alteração de articulação. Por outro lado,
há 238 portamentos contra 201 da soma das outras duas, 103 vibratos contra 88 das soma
das outras, 41 antecipações contra quatro de Circuladô de Fulô e apenas uma de Fora da
Ordem, trinta retardos contra onze da soma das outras duas, 57 mordentes contra doze da
somas das outras duas, e 24 apojaturas contra dez da soma das outras. Das 85 mudanças de
qualidade vocal, 58 são sujas, 26 nasal e há uma alternância para o falsete.
Não é possível afirmar com segurança, mas a alta ocorrência da qualidade suja
parece ser conseqüência de uma gripe ou resfriado, no momento da gravação. É
interessante observar que isso não tirou o mérito nem a qualidade da interpretação, mas
também não foi um empecilho para que ela acontecesse. Também observamos que a
qualidade nasal ocorria quando a freqüência da fundamental era bem alta, parecendo ser um
recurso para sua emissão.
Há também vinte variações na dinâmica, quatro notas improvisadas, três inspirações
sonoras e uma escapada por salto ascendente.
A seguir, o quadro com os efeitos e ornamentos utilizados por Caetano Veloso nas
três canções analisadas:
128
MÚSICA
Gestos/ Gestos/ Gestos/ Gestos/
Circuladô fonemas
Fora da fonemas Odara fonemas Todas fonemas
de Fulô Ordem
Quadro 4 – Gestos vocais utilizados por Caetano Veloso em três canções e razão entre
o número de gestos e o número de fonemas, em percentuais.
129
MUDANÇA QUALIDADE VOCAL (total) 251 14,8 175 15,6 48 9,4 474 14,2
Voz em fry 8 0,5 79 7 12 2,4 99 3
Voz em falsete 1 0,1 5 0,4 2 0,4 8 0,2
Voz em growl 0 0 2 0,2 0 0 2 0,1
Voz nasal 98 5,8 1 0,1 1 0,2 100 3
Voz tensa 0 0 4 0,4 11 2,2 15 0,4
Voz gritada 0 0 20 1,8 0 0 20 0,6
Voz rouca 0 0 13 1,2 0 0 13 0,4
Voz suja 77 4,5 5 0,4 21 4,1 103 3,1
Voz com laringe abaixada 34 2 7 0,6 0 0 41 1,2
Voz com ar (sussurrada) 27 1,6 6 0,5 1 0,2 34 1
Voz "ful" 0 0 11 1 0 0 11 0,3
Voz falada 6 0,3 22 2 0 0 28 0,8
TOTAL DE GESTOS VOCAIS 1869 110,1 1595 141,9 641 125,9 4105 123,2
Quadro 5 – Gestos vocais utilizados por Caetano Veloso, Elis Regina e Milton
Nascimento em dez canções e razão entre o número de gestos e o número de fonemas,
em percentuais.
130
Os recursos mais utilizados por Elis Regina são em primeiro lugar a variação
dinâmica e o portamento, seguidos do vibrato e da mudança na qualidade vocal, sendo
que em Black is Beautiful, a variação dinâmica e a qualidade vocal ocorrem na mesma
quantidade de vezes. A inspiração e expiração sonoras também são muito utilizadas pela
cantora.
Milton Nascimento utiliza mais vezes o portamento e o vibrato. Depois desses, os
recursos mais utilizados variam de uma música para outra. A inspiração sonora que é
muito freqüente nas músicas Voa Bicho e Vozes do Vento – estão entre os três mais usados
– não é tanto em Casa Aberta (está entre os sete) e Tristesse (entre os nove). A
antecipação está entre os três mais usados em Casa Aberta, entre os quatro em Voa Bicho
e entre os cinco em Tristesse e Vozes do Vento. A variação dinâmica está entre os quatro
mais usados em Casa Aberta e Tristesse, mas entre os cinco em Voa Bicho e entre os sete
em Vozes do Vento.
Caetano Veloso é o que apresenta maior variação entre os recursos mais utilizados.
Considerando o total das três músicas analisadas, estão entre os primeiros, o portamento, a
articulação, o acento e a mudança de qualidade vocal. No entanto, em Odara não foi
observada nenhuma articulação exagerada, pastosa ou cerrada e o acento aparece em
quinto; em Circuladô de Fulô, o portamento aparece em quarto lugar, e em Fora da
Ordem a qualidade vocal aparece em oitavo. O vibrato, que em Odara é o segundo
recurso mais usado, é o quarto em Fora da Ordem e o quinto em Circuladô de Fulô.
Nas canções analisadas, Elis é a única a utilizar efeitos como a expiração com
suspiro (trinta ocorrências), o breque (onze ocorrências) e a qualidade de voz ful (onze
ocorrências). Milton, por sua vez, é o único a utilizar o grupeto e a nota de passagem.
A nota escapada acompanhada de mudança da qualidade vocal para a voz de
falsete também é um recurso que aparece principalmente na interpretação de Elis, cinco
vezes, contra apenas uma de Caetano Veloso e nenhuma em Milton Nascimento. Os outros
efeitos e ornamentos são utilizados, com maior ou menor freqüência, por todos os
intérpretes.
A inspiração sonora é utilizada por Caetano com menor freqüência (2,9% das
sílabas) do que por Milton (5,1%) e Elis (6,8%).
Caetano Veloso é o que utiliza com maior freqüência o acento e a articulação
exagerada. O acento aparece em 16,3% das sílabas ou fonemas de suas canções, enquanto
que Elis Regina as utiliza em 2,9% e Milton Nascimento em 1,8%. A freqüência de uso da
articulação exagerada em Caetano é de 14,2%, contra 2,5% de Elis Regina e nenhuma de
Milton.
A variação dinâmica é o efeito mais usado por Elis Regina, e está presente em
mais de um terço das canções (36,6% das sílabas ou fonemas). A proporção cai para 6,7% e
3,3%, nas interpretações de Milton Nascimento e Caetano Veloso, respectivamente.
132
O vibrato é utilizado com maior freqüência por Milton Nascimento, que lança mão
desse ornamento em 34,4% das sílabas ou fonemas, contra 17,1% de Elis Regina e 11,2%
de Caetano Veloso.
O portamento é mais utilizado por Milton Nascimento, em 42,2% das sílabas ou
fonemas, seguido de Elis Regina, em 34,6%, e Caetano Veloso, em 25,8%.
A mudança de qualidade vocal é realizada com mais freqüência por Elis Regina
(15,1% das sílabas) e Caetano Veloso (14,7%), embora também esteja presente na
interpretação de Milton Nascimento (9%).
Foi observado que, muitas vezes, uma conjunção de gestos vocais ocorre
simultaneamente.
Uma delas está presente em alguns finais de frase, principalmente na interpretação
de Elis Regina, quando há uma diminuição de intensidade. Juntamente com essa variação
dinâmica ocorre uma queda de freqüência resultando em portamentos, às vezes longos e
de grande amplitude. Essa queda de freqüência chega a um nível que altera a qualidade
vocal, em geral para um fry ou para a voz falada. E, na finalização, pode ocorrer ainda uma
expiração sonora. Algumas vezes, soa como se aquela nota inicial fosse emitida e
“largada”, como num arremesso. Como não há sustentação, a nota acaba por diminuir
intensidade e freqüência (vide Ex. sonoro 32, no CD anexo).
O breque, encontrado apenas nas músicas interpretadas por Elis Regina, muitas
vezes vem seguido de uma expiração sonora, quase sempre com um suspiro. Das nove
ocorrências do breque em Black is beautiful, sete são seguidas de suspiro, e os dois
breques em Madalena estão combinados com o suspiro. (vide Exs. sonoros 16 e 17, no
CD anexo).
A nota escapada muito aguda, que vem combinada com uma mudança da
qualidade vocal para a voz de falsete, é um ornamento já conhecido na música popular e
foi realizada por Caetano Veloso, uma única vez, e por Elis Regina cinco vezes, o que
representa o total das notas escapadas encontradas nas análises. (vide Ex. sonoro 30, no CD
anexo).
É interessante observar também que os portamentos acompanham grande parte das
antecipações, apojaturas e retardos. Das 134 antecipações executadas, noventa ocorrem
133
Figura 7 – Vibrato de Caetano Veloso antecedido por nota lisa e finalizado com diminuição da
taxa e aumento da extensão
TAXA DE EXTENSÃO
DURAÇÃO
LOCALIZAÇÃO CANTOR VIBRATO DO VIBRATO
(segundos)
(ciclos p/ segundo) (semitom)
“Bor” (A2 de “Casa Aberta”) Milton Nascimento 1,8 5,3 0,7
“Flor” (A2 de “Casa Aberta”) Milton Nascimento 1,1 5,4 1
“Dan” (A2 de “Casa Aberta”) Milton Nascimento 0,5 5,4 0,8
“Ta” (de “festa”, em A2 de “Casa
Milton Nascimento 0,5 5,4 1
Aberta”)
“Gou” (A1 de “Casa Aberta”). Milton Nascimento 0,4 5,7 2,9
“Ro” (de “Ramiro”, em A2 de
Milton Nascimento 1,2 7,5 0,9
“Casa Aberta”)
“Breu” (A1 de “Casa Aberta”) Milton Nascimento 1,9 6,7 0,7
“Mou” (A1 de “Casa Aberta”) Milton Nascimento 0,5 6,4 1,5
“Na” (A2 de “Casa Aberta”). Milton Nascimento 0,6 6,6 0,8
“O” (de “rio”, em A2 de “Casa
Milton Nascimento 0,7 7,5 0,6
Aberta”)
“Do” (de "tudo", no final de “Vozes Milton Nascimento 3,2 5,3 0,5
do Vento”).
Milton Nascimento Média 1,1 6,1 1
MÉDIA DOS TRÊS CANTORES 1,2 6 1,3
Figura 8 – Vibrato de Elis Regina, antecedido por nota lisa e finalizado com aumento da taxa
e diminuição da extensão
TAXA DE EXTENSÃO
DURAÇÃO
LOCALIZAÇÃO CANTOR VIBRATO DO VIBRATO
(segundos)
(ciclos p/ segundo) (semitom)
“Ful1” (B1 de “Black is beautiful”) Elis Regina 1,1 5,4 1,5
“Black” (B5 de “Black is beautiful”) Elis Regina 3,1 5,2 1,4
“Black1” (B1 de “Black is
Elis Regina 2,4 5,4 1,2
beautiful”) - nota lisa: 1,3s
“Black5" (B3 de “Black is
Elis Regina 2,3 5,5 1,6
beautiful”) - nota lisa: 0,6s
“Ful4” (B2 de “Black is beautiful”) Elis Regina 2,5 5,4 1,7
“Ful3” (B2 de “Black is beautiful”) Elis Regina 2 6 1
“Ful2” (B1 de “Black is beautiful”) Elis Regina 1,2 5,7 2,3
“Black2” (B1 de “Black is
Elis Regina 1,3 6,1 1,6
beautiful”) - nota lisa: 0,8s
“Cos” (de “Como nossos
Elis Regina 0,3 7 1,5
Pais”).
“A” (de “pessoa”, de “Como
Elis Regina 0,4 7,5 0,8
nossos Pais”)
Elis Regina Média 1,6 5,9 1,4
MÉDIA DOS TRÊS CANTORES 1,2 6 1,3
Pudemos verificar a partir das audições que, ao contrário do que muitos pensam, o
cantor de MPB também usa o vibrato com bastante freqüência, - não, como observado por
Seashore (ibid.), em todas as notas emitidas - e aprende a fazê-lo por imitação. Notamos
ainda que os vibratos usados pelos intérpretes analisados tem características um pouco
diferentes dos vibratos do canto lírico.
no outro extremo, Amelita Galli-Curci apresentou a taxa máxima de 7,9Hz numa gravação
de 1916/1917, o que poderia sugerir as preferências da época e do estilo musical. Por
também poder ser dependente de preferências musicais, Prame conclui que pode não ser
expressivo tentar estabelecer cálculos de médias de taxas de vibrato. (ibid.)
Elis Regina apresenta um resultado mais próximo daquele observado por Prame:
dos sete vibratos, seis apresentam variação na finalização, sendo que apenas um apresentou
uma diminuição da taxa, e assim mesmo uma mudança bem sutil – de 5,4c/s para 5c/s (vide
Ex. sonoro 43, no CD anexo e Quadro 13, abaixo) e, os outros cinco apresentaram um
aumento em sua taxa (vide Figura 8, acima e Ex. sonoro 40, no CD anexo).
Prame, porém, não detectou nenhuma diminuição da taxa de vibrato na finalização
de uma nota, e uma das hipóteses apresentadas por ele foi a de que “por uma ou outra
razão, o aumento da taxa de vibrato é mais fácil de ser executada do que sua diminuição”.
(PRAME, 1994, p. 4).
Ex EXTENSÃO
TAXA DE
DURAÇÃO DO
LOCALIZAÇÃO CANTOR VIBRATO
(segundos) VIBRATO
(ciclos p/ segundo)
(semitom)
1 “Jor” (A2 de “Fora da Ordem”) Caetano Veloso 0,7 6,1 0,8
“Jor” (A2 de “Fora da Ordem”) Caetano Veloso 0,5 6,4 1,9
2 "Men" (B3 de “Circuladô”) Caetano Veloso 0,3 6,4 1,2
"Men" (B3 de “Circuladô”) Caetano Veloso 0,7 5,4 2
3 “Sol” (B2 de “Circuladô”) Caetano Veloso 0,9 6,7 0,6
“Sol” (B2 de “Circuladô”) Caetano Veloso 0,4 5,3 1,3
4 “Pi" (B1 de “Circuladô”) Caetano Veloso 0,8 6,2 0,8
“Pi" (B1 de “Circuladô”) Caetano Veloso 1 6 1,8
5 "Dá" (A2 de “Circuladô”) Caetano Veloso 0,6 6,6 0,9
"Dá" (A2 de “Circuladô”) Caetano Veloso 0,4 6,7 2
6 “Sol” (B1 de “Circuladô”) Caetano Veloso 1,4 6.5 1,2
“Sol” (B1 de “Circuladô”) Caetano Veloso 0,7 6 1,7
7 “Rá” (A1 de “Circuladô”) Caetano Veloso 0,5 5,8 1
“Rá” (A1 de “Circuladô”) Caetano Veloso 0,4 5,5 1,8
Caetano Veloso Média 6,1 1,4
MÉDIA GLOBAL 6 1,2
Ex TAXA DE
EXTENSÃO
DURAÇÃO VIBRATO
LOCALIZAÇÃO CANTOR DO VIBRATO
(segundos) (ciclos p/
(semitom)
segundo)
1 “Black” (B5 de “Black is beautiful”) Elis Regina 2,3 5,4 1,5
“Black” (B5 de “Black is beautiful”) Elis Regina 0,8 5 1,2
2 “Black1” (B1 de “Black is...”) Elis Regina 1,4 5 1,5
“Black1” (B1 de “Black is ...”) Elis Regina 1 6 0,9
3 “Black5" (B3 de “Black is ...”) Elis Regina 1,3 5,2 1,5
“Black5" (B3 de “Black is ...”) Elis Regina 1 6 1,8
4 “Ful4” (B2 de “Black is beautiful”) Elis Regina 1,7 5,3 1,8
“Ful4” (B2 de “Black is beautiful”) Elis Regina 0,8 6 1,6
5 “Ful3” (B2 de “Black is beautiful”) Elis Regina 1,4 5,7 1,2
“Ful3” (B2 de “Black is beautiful”) Elis Regina 0,6 6,7 0,7
6 “Black2” (B1 de “Black is ...”) Elis Regina 0,9 5,5 1,8
“Black2” (B1 de “Black is ...”) Elis Regina 0,4 8,3 1,4
Elis Regina Média 5.9 1,5
MÉDIA DOS TRÊS CANTORES 6 1,2
Ex TAXA DE
EXTENSÃO
DURAÇÃO VIBRATO
LOCALIZAÇÃO CANTOR DO VIBRATO
(segundos) (ciclos p/
(semitom)
segundo)
1 “Bor” (A2 de “Casa Aberta”) Milton Nascimento 0,6 5,1 0,7
“Bor” (A2 de “Casa Aberta”) Milton Nascimento 1,2 5,7 0,7
2 “Flor” (A2 de “Casa Aberta”) Milton Nascimento 0,6 5 1,3
“Flor” (A2 de “Casa Aberta”) Milton Nascimento 0,5 6 0,7
3 “Ro” (de “Ramiro”, em A2 de “Casa Milton Nascimento
0,6 6,7 1,3
Aberta”)
“Ro” (de “Ramiro”, em A2 de “Casa Milton Nascimento
0,6 8,3 0,6
Aberta”)
4 “Breu” (A1 de “Casa Aberta”) Milton Nascimento 1,4 7 0,5
“Breu” (A1 de “Casa Aberta”) Milton Nascimento 0,5 5,9 0,9
5 “O” (de “rio”, em A2 de “Casa Milton Nascimento 0,3 8,6 0,5
Aberta”)
“O” (de “rio”, em A2 de “Casa Milton Nascimento 0,3 6,2 0,8
Aberta”)
6 “Do” (de "tudo", no final de “Vozes Milton Nascimento 1,7 5,1 0,5
do Vento”).
“Do” (de "tudo", no final de “Vozes Milton Nascimento 1,5 5,5 0,4
do Vento”).
Milton Nascimento Média 6,2 0,7
MÉDIA DOS TRÊS CANTORES 6 1,2
6.6.2 Portamentos
pelo menos 65% das notas, talvez 75%, número bem superior daquele por nós encontrado,
o que pode indicar uma diferença no uso do portamento no canto lírico e popular.
O fato de que alguns ornamentos da família da apojatura - como a apojatura, o
retardo e a antecipação, muito utilizados pelos cantores da MPB - ocorrem na maior parte
das vezes (72%) combinados com portamentos, talvez possa explicar por que parecem mais
sutis do que os mesmos utilizados por outros estilos de canto, como o evangélico, por
exemplo.
Seashore (1967, p.271) notou que quanto mais longa a nota a ser alcançada, mais
provavelmente ocorre um ataque com portamento. A media de extensão dos portamentos
analisados por Seashore foi de aproximadamente 0,9 de tom. A média dos portamentos por
nós analisados é de 3,5 semitom ou pouco menos que dois tons, número bem maior que o
de Seashore.
Nas músicas analisadas por Seashore (1967, p.270), noventa e sete por cento dos
ataques com portamentos eram ascendentes, e ocorreram principalmente nos inícios de
frases. Nossos números são diferentes. Nas músicas analisadas nesse trabalho, apesar dos
portamentos ascendentes serem em maior número, a diferença entre estes e os descendentes
é bem menor: a proporção é de 575 ascendentes para 468 descendentes, sendo que, destes,
382 ocorrem no meio de uma palavra ou frase e 86 no final.
Essas diferenças podem indicar algumas diferenças na utilização do portamento por
cantores líricos e cantores da MPB.
Entre as 474 mudanças de qualidade vocal, as mais usadas são a voz suja (103
sílabas), a voz nasal (100) e a voz em fry (99 sílabas)
É interessante observar que, enquanto a mudança na qualidade vocal é um recurso
interpretativo muito utilizado no canto popular, ele não é recomendado no canto lírico e,
pelo contrário, é considerada uma característica de uma voz despreparada.
A voz em fry é muito utilizada principalmente para expressar sensualidade ou
sofrimento e aparece quase sempre nos inícios ou finais de frases. Em Black is Beautiful,
por exemplo, que é uma canção que trata da atração de uma mulher por um homem negro,
Elis Regina usa a voz em fry em 38 das setenta mudanças de qualidade vocal. Em
146
Madalena, que discorre sobre um amor não plenamente correspondido, a voz em fry é
usada em 38 das 45 mudanças de qualidade vocal.
A voz gritada é usada também como um recurso para expressar raiva, contundência
ou ênfase por alguma idéia ou palavra. Elis Regina usa dezenove vezes em Como nossos
pais, que é uma canção de protesto contra a apatia e o conservadorismo da juventude da
época.
A voz falada e a voz sussurrada são outros dois efeitos usados para enfatizar uma
palavra ou idéia. A primeira é muito usada também em Como nossos pais, por Elis Regina,
em dezenove das sessenta mudanças de qualidade vocal, e em Circuladô de Fulô, por
Caetano Veloso, em seis das 155 mudanças de qualidade vocal. A segunda é usada vinte
vezes em Circuladô de Fulô, por Caetano Veloso, quando ele se refere à “miséria física”,
sete em Fora da Ordem, quando se refere ao “narcotráfico”, e quatro em Black is beautiful,
na finalização da canção.
Não podemos afirmar com segurança que a voz suja, a voz tensa e a voz rouca
sejam usadas propositalmente como um recurso expressivo, porém, o fato delas serem
permitidas no canto popular, ou seja, de não haver a necessidade de correção ou regravação
dos trechos onde aparecem, é um dado a ser considerado: “os ‘ruídos’ na voz (as
impurezas, a rouquidão, a soprosidade, os gritos, os sussurros) [...] passam a ser
incorporados esteticamente [...], rompendo de vez com o binômio "beleza=pureza".
(ABREU, 2001, p.109). Em Odara, Caetano Veloso usa a voz suja em 58 sílabas e a
impressão é a de que ele estava “gripado” na ocasião da gravação. No entanto, a qualidade
da mesma não fica comprometida já que uma série de fatores interpretativos muito mais
relevantes estão em jogo, o que é comprovado pelo sucesso que fez a canção desde o seu
lançamento, sendo uma das mais conhecidas e apreciadas do repertório do compositor.
• Vibrato – Sublinhado
• Outros ornamentos melódicos – Itálico
Apojatura
Portamento
Antecipação
Retardo
Mordente
Nota de passagem
Nota improvisada
Escapada
• Variação dinâmica - Negrito
Não quero lhe falar meu grande amor das coisas que aprendi nos discos
Quero lhe contar como eu vivi e tudo que aconteceu comigo
Viver é melhor que sonhar, ® eu sei que o amor é uma coisa boa
Mas também sei que qualquer canto é menor do que a vida de qualquer pessoa
Por isso cuidado meu bem®, ® há perigo na esquina®,
Eles venceram e o sinal está fechado pra nós que somos jovens
Para abraçar seu irmão e beijar sua menina na rua é que se fez ® o seu braço ® o seu
lábio e a sua voz
Você me pergunta pela minha paixão, ® digo que estou encantada como uma nova
invenção
® Eu vou ficar nesta cidade não vou voltar pro sertão
® Pois vejo vir vindo no vento o cheiro da nova estação
® Eu sei de tudo na ferida viva ® do meu coração
148
acerto que no fim eu reverto ® que no fim eu conserto ® e para o fim me reservo ® e se verá
que estou certo ® e se verá que tem jeito ® e se verá que tá feito que pelo torto fiz direito que
quem faz cesto faz cento se não guio não lamento pois o mestre que me ensinou já não dá
ensinamento
Circuladô de fulô, ao Deus ao Demodará
® Que Deus te guie porque eu não posso guiar ® É viva quem já me deu
Circuladô de fulô ® e ainda quem falta me dá
CAPÍTULO 7. DISCUSSÕES
Apresentamos, nessa seção, uma discussão acerca das conquistas em relação aos
nossos objetivos iniciais e comentamos algumas limitações encontradas que dificultam ou
impossibilitam generalizações.
7.1.1.3 Amostragem
Devemos lembrar que o universo musical analisado ainda é bem pequeno – um total
de dez músicas, sendo de três a quatro músicas de cada um dos três cantores - em se
tratando de música popular. Consideramos que a liberdade do intérprete é imensurável, ele
pode estar sempre criando e recriando novas possibilidades para melhor transmitir a sua
mensagem.
É possível apontar algumas conclusões parciais como, por exemplo, o de que Elis
Regina utiliza uma maior variedade de recursos interpretativos em relação aos outros dois
cantores. Mas não é possível afirmar, com segurança, que essa é uma característica inerente
à cantora. Ela realizou um número maior de recursos nessas canções analisadas.
Por outro lado, não pretendemos apresentar um algoritmo que responda por todas as
possibilidades interpretativas. O intérprete não é uma máquina, mas um modelo: tem
152
estratégias próprias, que podem variar em tipos e número de uma música para outra, mas
que estão mais ou menos presentes em suas interpretações, e o público espera ouvir essas
estratégias.
Além disso, o fato de determinado intérprete não apresentar um efeito que outro
apresenta, não quer dizer necessariamente que não faça parte do seu universo de recursos.
Pode simplesmente não ter usado nessas canções mas usá-la em outras que não entraram
nas análises.
Porém, em que pese o pequeno número de amostras utilizadas, um gesto vocal que
aparece como um ornamento em determinadas músicas sugere que aquele cantor tenderá a
usar o mesmo tipo de ornamento em outras canções.
Portanto, se o número de gravações não nos deu oportunidade para generalizarmos,
em termos quantitativos, a utilização de determinado efeito vocal, permitiu que pudéssemos
visualizar uma tendência de utilização.
Julgamos interessante, em pesquisas futuras, tentar buscar uma explicação para esse
fenômeno na psicoacústica ou ainda proceder a experiências como simular taxas, extensões
e intensidades variadas para comparar as suas diferentes percepções.
ascendente). Depois, a nota é sustentada e finalizada com uma antecipação com portamento
descendente. O exemplo citado se refere ao portamento descendente do mordente. (vide Ex.
sonoro 47, no CD anexo).
Alguns outros fatores que podem dar uma ilusão perceptiva diferente devem ser
considerados. Um deles é que, se a articulação de duas alturas ocorre entre duas vogais
(como num hiato. Ex: vo-a), a ilusão é de que o tempo de mudança entre as alturas é maior.
Não há o fator de ruptura que a consoante representa, que é o que acontece quando a
mudança ocorre entre uma vogal e uma consoante (ex: a-mor) ou entre duas consoantes
(por-ta). É por isso que, numa articulação entre duas vogais com alturas diferentes, o
ouvido tende a perceber como uma mudança natural e não como portamento, o que pode
ocorrer mesmo em mudanças de alturas em tempos maiores que 0,2s. Por exemplo, a
articulação do “é” (de “ainda é”, da canção Casa Aberta) em que uma mudança de 1,5st
ocorre em 0,3s, resultando numa taxa de 5,4st/s (asc), não foi, apesar disso, identificada
como portamento (vide Ex. sonoro 48, no CD anexo).
Por todas essas questões, concluímos que o efeito do portamento ainda é nebuloso.
Não podemos predizer pela curva como ele vai ser percebido. Podemos afirmar apenas, a
partir da análise de 68 portamentos, que a maior parte deles ocorre nas seguintes condições:
1) são perceptíveis auditivamente; 2) ocorrem em tempo maior ou igual que 0,15 segundos,
podendo chegar a até 0,6 segundos em finais de frase, apresentando uma média de 0,36
segundos; 3) possuem uma taxa de portamento que varia entre 1,5 a 26 semitons por
segundo, apresentando uma média de 15 semitons por segundo; 4) possuem amplitude que
varia entre 0,5 a 15 semitons, apresentando uma média de 3,5 semitons ou pouco menos
que dois tons.
Como vimos no primeiro capítulo deste trabalho, a música e sua interpretação fazem
parte de uma cultura e possuem um modo de fazer que se estabelece na prática. Mesmo no
caso das práticas populares, em que a inovação e a renovação são fatores intrínsecos às suas
existências, elas devem ocorrer dentro de certos limites porque os integrantes daquela
cultura esperam e buscam a identificação em determinados procedimentos.
Para uma interpretação adequada, portanto, é recomendável que se conheça os
procedimentos estilísticos do gênero executado. Quem toca música barroca sem
157
É preciso lembrar que os cantores não são exatamente os mesmos ao longo de suas
carreiras. A definição de seus gestos vocais, seus estilos de interpretar, na maioria das
vezes, vai se constituindo ao longo do tempo, a partir de suas experiências e práticas.
Felipe Abreu, referindo-se à consolidação da tal “impressão digital vocal” que julga
tão importante para o cantor popular, sugere que se ouça as gravações de quase todos os
cantores populares em vários tempos para perceber o seu amadurecimento artístico. Nas
primeiras gravações de um determinado intérprete, verifica-se que o timbre está “quase lá”.
Ao ouvir os discos seguintes do mesmo artista, verifica-se que
o timbre se depura, se apura, se firma e se estabelece, passa a ser um atributo
extremamente pessoal e sob domínio do artista, que tem o controle sobre ele, já
sabe o que fazer para obtê-lo. Essa marca vocal é ao mesmo tempo uma mistura
do que é natural e do que é trabalhado, experimentado, depurado e finalmente
escolhido 33 .
33
Depoimento prestado em outubro de 2006, para esta dissertação.
158
Estamos tratando aqui de três cantores que tiveram maior projeção na década de
1960 e que, com exceção de Elis Regina, estão até hoje em franca atividade. São, portanto,
quarenta anos de carreira, para Caetano Veloso e Milton Nascimento e, no caso de Elis
Regina, cerca de trinta anos. Devemos considerar, portanto, a maturidade artística do
intérprete quando a canção foi gravada.
O canto popular brasileiro possui características, das quais vimos algumas aqui, que
podem e devem ser usadas e também ensinadas.
As professoras Angela Herz, Malu Cooper e Maria Lucia Valadão mencionaram o
treinamento das mudanças na qualidade vocal em suas aulas. Apesar de não terem sido
citados pelos outros professores de canto popular entrevistados como integrando seus
programas de aulas, até por que não houve uma pergunta específica nessa direção,
acreditamos que procedimentos como a apresentação desse e dos outros recursos
interpretativos, de que forma e com que freqüência são usados e como são reproduzidos
devem fazer parte da técnica do canto popular assim como integram as diversas técnicas de
canto e de instrumentos eruditos.
É fundamental, porém, que o professor e o aluno estejam atentos ao contexto e ao
significado de todo e qualquer gesto vocal, para que ele seja não usado de forma exagerada
e indiscriminada, o que transformaria a interpretação num processo mecânico e repetitivo.
O artista popular, na prática, é livre para causar uma série de desvios em relação ao
plano original da obra. Há muitas margens para escolha. Se fossem todas notadas, é muito
provável que cada interpretação de uma mesma canção – até pelo mesmo cantor ou pelo
autor da obra – resultasse numa partitura diferente.
Já que o intérprete popular possui a liberdade de escolher os ornamentos e os
recursos interpretativos que utiliza, a sua notação seria desnecessária e talvez privasse o
cantor da tal espontaneidade defendida pelos professores de canto popular.
Não vemos problemas em haver indicações como sugestões de usos de efeitos, se
assim os desejasse os compositores, mas o que realmente diferirá uma interpretação de
outra é a maneira, a freqüência e os momentos em que o cantor utilizará esse ou aquele
recurso, o que só poderá ocorrer de forma satisfatória com uma pesquisa sobre os padrões
utilizados em cada época.
A notação da música popular brasileira ganhou novo impulso com as edições dos
songbooks, no final dos anos 1980. Antes deles, havia algumas partituras impressas
isoladamente e a coleção de partituras organizada por Mário Mascarenhas (1982), em cinco
volumes. Ainda assim, o número de partituras editadas sempre foi, e permanece, bem
aquém do volume inesgotável de canções populares a serem notadas.
Considerando ainda que muitos intérpretes da música popular não lêem partituras e
que muitos compositores não as escrevem também, a principal fonte de aprendizagem das
canções continua sendo as gravações de outros intérpretes ou do próprio compositor.
Ora, se o intérprete é livre para inserir ornamentações e até alguns improvisos
melódicos e rítmicos, a canção pode se transformar a cada nova interpretação e novamente
a cada nova interpretação da interpretação, até não se saber mais qual é a melodia e o ritmo
criados pelo autor.
Na orelha do Songbook do Caetano Veloso (CHEDIAK, 1994), a editora afirma:
A série Songbook quer transmitir ao leitor a intenção real do compositor, em
termos melódicos, rítmicos, harmônicos e poéticos. [...] possibilitando assim que
a curto e médio prazos nossa cultura, no que se refere à canção, seja preservada
desde a sua essência, em cada som, em cada palavra, em cada sentimento,
transmitido, avalizado e orientado, se possível, pelo próprio criador da obra.
Apesar do cuidado que a editora revela ter tomado, sabemos que uma mesma
canção gravada em diferentes momentos pelo próprio compositor-intérprete pode sofrer
161
34
Sobre as características interpretativas que podem influenciar a elaboração de uma composição, ver
ARAUJO et al., 2003.
162
O CD com os trechos musicais podem ser usados como uma ferramenta para extrair
dados e criar uma base de informações. Propomos usar o computador como interface para
quem quiser tentar reproduzir os exemplos sonoros.
7.3.3.2 Interface
No CD em anexo, apresentamos quatro arquivos de apresentação, no formato power
point. Ressaltamos que a escolha deste formato de apresentação pelo único motivo de
termos com ele maior familiaridade, mas poderíamos ter utilizado outros modelos como o
html, o flash, o pdf ou outros similares.
Três desses arquivos possuem exemplos de vibratos de cada cantor e o último
contém a canção Como Nossos Pais, interpretada por Elis Regina.
Nos arquivos dos vibratos, apresentamos os gráficos com as principais informações
sobre taxa do vibrato, amplitude, tempo e o que mais for relevante àquele ornamento,
acompanhado do som. Assim, na apresentação, é possível acompanhar auditiva e
visualmente.
No arquivo com a canção interpretada por Elis Regina, apresentamos a letra da
canção e os recortes efetuados dos trechos musicais. Acima de cada trecho da letra, um
gráfico correspondente acompanhado de som.
Como apresentamos os recortes do material, esses arquivos apresentam os efeitos
como se estivessem vistos e ouvidos com uma lupa. Assim, é possível ouvir toda a canção,
por trechos, ou cada efeito, repetindo quando necessário, identificando melhor os detalhes,
164
tentando imitá-los para melhor compreendê-los, enfim utilizando esse produto multimídia
como um material de estudo. As informações podem ser assimiladas, ouvidas e finalmente
conferidas nos gráficos.
Esse método de representação gráfica multimídia poderá ser aplicado em cursos,
palestras e estudos e temos interesse em avaliar o impacto pedagógico de sua utilização.
Lembramos que a utilização dos arquivos de apresentação não foi uma ferramenta
de pesquisa: eles são um display em formato multimídia dos resultados do material
analisado.
CAPÍTULO 8. CONCLUSÕES
um, que define uma maneira de fazer algo. Portanto, a técnica como um todo não pode ser a
mesma para o canto popular e o lírico, embora alguns de seus aspectos possam ser iguais.
Concluímos, em conformidade com quase todos esses professores, que os aspectos nos
quais se diferenciam devem ser trabalhados em aula, em busca dos resultados almejados.
Consideramos, como não poderia deixar de ser, o aprendizado sempre bem vindo.
Quanto mais recursos o artista puder usar e escolher, melhor, principalmente em se tratando
de um artista popular que tem mais liberdade na escolhas dos recursos. Mas, mesmo os
cantores líricos, que cada vez mais se deparam com novas demandas profissionais e
interpretativas, como as da música contemporânea ou da estética dos espetáculos musicais,
para citar alguns, podem vir a se beneficiar com o uso de outras possibilidades de gestos
vocais.
Observamos que algumas características do canto popular estão sendo consideradas
nas aulas de canto e discutidas entre os professores, como, por exemplo, as possibilidades
de uso de qualidades vocais diversas. Porém, nem todas estão sendo trabalhadas dessa
maneira. Podemos exemplificar com a passagem entre os registros. Apesar de muitos
professores concordarem que, ao contrário do canto lírico, no canto popular não é
necessário que a passagem soe desapercebida, todos disseram trabalhar para que assim seja.
Além disso, nenhum professor mencionou trabalhar em aulas os gestos vocais detectados
nesta pesquisa.
Para transmitir as especificidades do canto popular, é necessário que se conheça e
pesquise suas características. Demos um pequeno passo nessa direção. Analisamos a
interpretação de apenas três cantores. Apesar de serem em pequeno número, escolhemos
aqueles representativos dessa prática por serem consagrados por certo público por muitos
anos consecutivos. Através dos resultados, podemos tirar algumas conclusões e apontar
direções e tendências.
Os fonogramas analisados nos forneceram a base para as conclusões acerca das
características interpretativas da música popular.
Uma característica importante da interpretação de Elis Regina é que, dos três, é a
que utiliza a maior variedade de recursos analisados: 31, contra 23, de Caetano Veloso e 25,
de Milton Nascimento. Só não detectamos, nas gravações da cantora, o uso da articulação
pastosa e cerrada, a nota de passagem e o grupeto. Ela também lança mão dos gestos
169
vocais com mais freqüência que os outros dois cantores (142% contra 125% de Milton
Nascimento e 110% de Caetano Veloso). A variação dinâmica, por exemplo, é o recurso
mais utilizado por ela (está presente em 37% das sílabas ou fonemas) e também em relação
aos outros cantores (Milton Nascimento: 7% e Caetano Veloso: 3%). A voz em fry também
é usada muito mais vezes por Elis Regina (7%) do que pelos outros cantores (2 e 0,5%). O
mesmo vale para a voz falada: aparece em 22 sílabas ou fonemas da cantora (2%) enquanto
que em seis de Caetano Veloso (0,3%) e em nenhuma de Milton Nascimento.
Alguns efeitos foram verificados apenas na interpretação de Elis Regina, como a
expiração com suspiro (30 ocorrências), o breque (11 ocorrências) e a qualidade de voz
ful (11 ocorrências).
O que se destaca na interpretação de Caetano Veloso é principalmente a ampla
utilização do acento, da articulação exagerada, do fonema alterado e da mudança de
qualidade vocal (nasal, suja, laringe abaixada e com ar). O acento aparece em 16% das
sílabas ou fonemas de suas canções, enquanto que Elis Regina as utiliza em 3% e Milton
Nascimento em 2%. A freqüência de uso da articulação exagerada em Caetano Veloso é
de 14%, contra 2% de Elis Regina e nenhuma de Milton Nascimento.
Milton Nascimento, por sua vez, utiliza o vibrato e o portamento mais do que os
outros cantores e é o único a utilizar o grupeto e a nota de passagem. Ele lança mão do
vibrato em 34% das sílabas ou fonemas, contra 17% de Elis Regina e 11% de Caetano
Veloso, e do portamento em 42% das sílabas ou fonemas, contra 35% de Elis Regina e
26% de Caetano Veloso.
Em termos dos mecanismos de funcionamento (vide Capítulo 4, Quadro 1) podemos
perceber que a utilização dos recursos por Elis Regina e Caetano Veloso se dão
principalmente, mas não apenas, no âmbito da conformação da mudança na qualidade da
voz e nas manobras de intensidade ou amplitude. Elis Regina explora muito também os
sons respiratórios enquanto que Caetano Veloso as manobras articulatórias. A
interpretação de Milton Nascimento, por sua vez, se dá principalmente no âmbito das
manobras melódicas e temporais.
São vinte gestos vocais, do total de 35 avaliados, que aparecem na interpretação de
todos os cantores analisados, em ordem dos mais usados: portamento (ascendente,
descendente e descendente final), vibrato, variação dinâmica, mudança de qualidade
170
vocal (voz em fry, falsete, nasal, suja e com ar), acento, expiração sonora durante e no
fim da palavra, inspiração sonora, antecipação, mordente, retardo, fonema alterado,
apojatura e nota improvisada. Os três cantores utilizam mais de um ornamento ou efeito
por sílaba ou fonema.
Podemos supor, pelo grande número de gestos vocais utilizados pelos três cantores,
que, possivelmente, um cantor experiente utilizará uma maior variedade de gestos vocais,
diferentemente de um cantor inexperiente que muitas vezes lança mão de um mesmo
recurso inúmeras vezes, podendo tornar a interpretação repetitiva. Por isso, a escolha
consciente e criteriosa no uso dos efeitos é recomendável, para evitar exageros
interpretativos e a possibilidade de produção de “cantores em série”, mencionada pelos
professores entrevistados como uma preocupação em relação ao ensino do canto popular.
Dos gestos vocais detectados nas análises, alguns são verificados quase que
exclusivamente no canto popular. A mudança de qualidade vocal – das quais cinco delas
foram utilizadas pelos três cantores – é verificada com freqüência no canto popular, em
14% das sílabas ou fonemas analisados, e não é recomendada na maior parte do repertório
do canto lírico. Pelas raras vezes em que verificamos a mudança de registro para o falsete
(oito sílabas em 3331, ou seja, 0,2%) nas análises, podemos apontar para a confirmação da
tendência de o intérprete popular utilizar a voz de peito como registro predominante, ao
contrário do canto lírico no qual as vozes femininas utilizam quase que exclusivamente a
voz de cabeça (falsete).
Outros gestos vocais que praticamente só encontramos no canto popular são a
expiração e a inspiração sonoras, o breque, as notas improvisadas, o fonema alterado e
a nota escapada acompanhada de mudança da qualidade vocal para a voz de falsete.
Pudemos verificar ainda que há gestos vocais que são usados tanto no canto popular
quanto no canto lírico, como os portamentos, os vibratos, as variações dinâmicas, o acento.
Mas verificamos também que as características desses gestos vocais nem sempre são iguais.
Os vibratos, por exemplo, não são usados no canto popular em todas as notas, como
o são quase sempre no canto lírico (SEASHORE, 1967, p.35), mas em apenas 17% das
sílabas ou fonemas. A cauda do vibrato lírico, detectada por Prame (1994), nem sempre
apresenta aceleração no canto popular: muitas vezes, ao contrário, apresenta uma
desaceleração de sua taxa e uma diminuição da amplitude, algumas vezes apresenta aquela
171
aceleração e outras ainda não há variação da taxa, o que aponta para uma não
obrigatoriedade neste aspecto. De sete vibratos de Caetano Veloso com variação da taxa,
cinco apresentam uma diminuição de sua taxa e apenas dois tiveram um aumento. De seis
exemplos do Milton Nascimento com variação da taxa, em dois ocorre uma diminuição e,
em quatro, um aumento. Elis Regina é a que apresenta um resultado mais próximo daquele
observado por Prame: de seis vibratos com variação de taxa, apenas um apresentou uma
diminuição, e assim mesmo uma mudança bem sutil – de 5,4c/s para 5c/s - e os outros
cinco apresentaram um aumento em sua taxa.
O vibrato antecedido pela nota lisa, apesar de ser um recurso usado em peças de
alguns períodos do repertório lírico, é comum no canto popular. Dos vibratos analisados,
detectamos esse procedimento em três dos doze vibratos de Caetano Veloso e em três dos
dez vibratos de Elis Regina.
Observamos a ocorrência de portamentos em 31% das sílabas ou fonemas, enquanto
que a freqüência encontrada por Seashore (1967, p.270) foi bem superior: a ocorrência foi
de pelo menos 65% das notas.
Vale considerar que trabalhamos como que num recorte do tempo. Embora não
tenhamos abarcado a interpretação em toda a história do canto popular brasileiro urbano, os
cantores analisados ocupam o cenário musical brasileiro há pelo menos quarenta anos.
Ninguém duvida de que são ícones da música popular brasileira urbana e que, por isso,
venham servindo de referência para outros cantores.
Apesar de cada um dos três cantores possuírem especificidades no uso dos recursos
interpretativos - que são poucas, como vimos - verificamos que há entre eles muitos mais
pontos em comum. Por esses motivos, acreditamos que os gestos vocais utilizados por eles
são representativos da prática do canto popular brasileiro.
Nesse painel de efeitos encontrados, não se esgotam todas as possibilidades do
canto popular brasileiro e sequer as possibilidades de cada cantor. Porém, a partir dele foi
possível detectar algumas características peculiares e tendências de sua utilização. Uma vez
detectadas, elas podem servir de modelo para a identificação de outras similares ou
diferentes. A partir da compreensão desses gestos vocais, eles poderão ser incorporados ao
corpo técnico e disponibilizados para todos os interessados, servindo também como
ferramenta para sua reprodução e transmissão.
172
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ANEXOS
1.2 Questionário aplicado aos cantores Elza Soares, Leila Pinheiro e Ney Matogrosso
“Eu fui convidada pelo Diogo Pacheco, sem ter idéia do que ia acontecer, né? Ele
chegou na minha casa, aliás ele me convidou pelo telefone. ‘Ah, nós queríamos que você
fizesse uma apresentação aqui em São Paulo e tal cantando a “Bachianas Nº 5”, de Villa-
Lobos’. Eu aí fiquei assim, meu Deus do céu, Villa-Lobos, Bachianas, não tinha idéia de
nada. Eu não sabia de nada. ‘Sim, mas eu vou ao Rio pra conversar com vc’. Foi à minha
casa, marcou comigo, foi a minha casa e me explicou que queria que eu cantasse a
“Bachianas” de Villa-Lobos, “Nº5” como eu cantava o “Chão de estrelas”, o “Canção de
amor demais”, não sei o quê... Eu achei aquilo bonito: ‘bom, cantar assim é muito bom’.
Ele disse ‘ta, eu vou embora pra São Paulo e vou lhe mandar o disco pra você aprender’.
Aí eu peguei o disco, um LP deste tamanho, quando eu botei a agulha e escutei, eu dei um
grito: ‘Lurdes!!’” (risos) “’vem aqui!! Olha o quê que aquele homem quer que eu cante!’”
(mais risos) “A gravação em alemão” (gargalhadas) “a cantora cantando em alemão” (e
imita com um agudo “uuh” e um forte vibrato) “’aí, meus Deus do céu, que isso??’ Depois,
Bidu Sayão, não sei o quê, vieram várias gravações pra eu ouvir, eu digo, ‘eu não posso
cantar’. Mas quando eu pensei que não podia cantar, ela já havia voltado pra São Paulo e
já tinha começado a propaganda. Eu disse: ‘Diogo, eu não consigo, quê que eu vou
181
fazer??’ Ele disse: ‘não, você não se preocupe com a mão embaixo do busto, nada disso.
Cantores eruditos, não quero nada disso. Eu quero que você cante a Bachianas, toda a
Ária da Bachianas, o Irerê, tudo isso eu quero que você cante como se você tivesse
cantando o “Feitiço da Vila”, o “Feitio de oração”, um negócio assim, com a sua voz.
Sem colocação...’ Eu digo: ‘Claro, porque pra colocar a voz, onde é que eu vou colocar a
voz? Só no microfone!’” (risos, gargalhadas) “Não é? Aí foi que eu comecei a aprender e a
minha irmã, a Lurdes, foi procurar Dona Mindinha no Museu do Villa-Lobos e ela mandou
todas as letras. Eu aprendi aquilo tudo, parti aqui pra São Paulo, três dias antes da
apresentação no Teatro Municipal... Quando ele me disse que três dias antes o Teatro já
tava vendido aí eu foi que eu esfriei, e foi uma coisa terrível quando eu vi aqueles
professores todos no palco do Teatro Municipal e eles deram a introdução da Bachianas,
eu digo: ‘meu Deus, quê que vai ser de mim?’ Aí comecei, ensaiei, durante três dias
ensaiei, ensaiei... eu sei que eu cantei, consegui cantar, aqui, quando acabei de cantar, me
fizeram cantar outra vez... risos
em ne e em Con. Ela faz um corte entre as frases um Deus negro, do Congo e ou daqui,
tendo entre as duas últimas uma inspiração sonora e, no final de cada uma, uma dinâmica
decrescente, em gro, go e qui. A sílaba qui possui três notas improvisadas descendentes, um
vibrato desde a primeira até o fim e a dinâmica decrescente propicia a mudança da
qualidade vocal para um fry;
Hoje cedo - mordente em ce de cedo;
Na rua do Ouvidor – antecipação de ru para a, retardo de do para ou, ataque da sílaba dor
em portamento ascendente e finalização em portamento descendente em dinâmica
decrescente, mudando para uma qualidade vocal falada, seguido de um breque e um
suspiro;
Quantos brancos – ataque em portamento ascendente nas sílabas quan e bran, vibrato em
cos;
Horríveis eu vi – portamento descendente em ho antes da articulação para ri, acento ri,
ataque de vi em apojatura ascendente, seguido de um breque, um portamento descendente
em dinâmica decrescente chegando a uma mudança de qualidade vocal para fry, seguido de
um suspiro;
Eu quero um homem de cor – Inspiração sonora antes da frase, vibrato em eu, ataque das
sílabas que e ho em portamento ascendente, apojatura com portamento ascendente e vibrato
em co, tendo ao final uma nota improvisada em portamento ascendente seguida de
descendente e aí ocorrendo uma dinâmica decrescente, a mudança de qualidade vocal para
fry e uma expiração sonora;
Um Deus negro, do Congo ou daqui – ataque da sílaba um em fry, vibrato em gro, ataque
em portamento ascendente nas sílabas ne, Con, da e qui, com acento em ne e em Con.
Como na outra frase igual a esta, ela faz um corte entre as frases um Deus negro, do Congo
e ou daqui, tendo entre as duas últimas uma inspiração sonora e o final de cada uma tem
uma dinâmica decrescente, em gro, go e qui. A sílaba qui também possui três notas
improvisadas descendentes, um vibrato desde a primeira até o fim e a dinâmica decrescente
propicia a mudança da qualidade vocal para um fry;
Que se integre – ataque em portamento ascendente em te e vibrato em gre;
No meu sangue – ataque em portamento ascendente em san e vibrato em gue;
183
Enfeitar o meu corpo no teu – a intérprete separa a frase em enfeitar e o meu corpo no
teu, fazendo, antes de cada trecho, uma inspiração sonora. Nas sílabas tar e teu, que são as
últimas de cada trecho, há um portamento descendente, uma dinâmica decrescente, um
breque seguido de mudança de qualidade vocal para fry, finalizando com um suspiro. O
ataque das sílabas fei e teu são com apojatura em portamento ascendente e, no artigo o, há
uma mudança de qualidade para fry.
Eu quero esse homem de cor – inspiração sonora, ataque em fry na sílaba eu, ataque em
portamento ascendente em eu, que e cor, mordente inferior na articulação entre as sílabas se
e ho, sendo a última sílaba alcançada por portamento ascendente. Vibrato em cor, com
portamento descendente, dinâmica decrescente até mudar a qualidade para fry;
Um Deus negro, do Congo – inspiração sonora, ataque em fry em um, acento com
portamento ascendente em ne e Con e vibrato em gro e go;
Ou daqui – inspiração sonora, ataque em portamento ascendente em ou e qui. Em qui, há
uma seqüência de três notas improvisadas descendentes, seguidas de vibrato e, ao final,
mais duas notas improvisadas, desta vez ascendentes e em portamentos, seguidas de uma
queda de dinâmica e um portamento descendente até mudar a qualidade para fry;
Hoje à noite – ataque em fry com portamento ascendente em ho e vibrato em noi. Em te,
ataque em fry, breque, dinâmica decrescente e portamento descendente, finalizando com
uma expiração sonora;
Amante negro, eu vou enfeitar – a intérprete separa a frase em amante negro, eu vou e
enfeitar. No primeiro trecho, ataque em fry no a de amante, antecipação com portamento
descendente de te para ne, acento em man e ne, retardo com portamento ascendente em vou.
No segundo, ataque em portamento ascendente em en, apojatura com portamento
ascendente em tar. Nas sílabas vou e tar, que são as últimas de cada trecho, há um
portamento descendente, uma dinâmica decrescente, um breque seguido de mudança de
qualidade vocal para fry. A sílaba tar ainda finaliza com um suspiro.
O meu corpo no teu – ataque em fry no artigo o, ataque em portamento ascendente em cor.
Na sílaba teu, ataque com apojatura em portamento ascendente, seguido de portamento
descendente, breque, dinâmica decrescente até mudar de qualidade para fry, finalizando
com uma expiração sonora;
185
Eu quero esse homem de cor – inspiração inicial, ataque em fry com portamento
ascendente em eu, ataque em portamento ascendente com a qualidade suja em que, nota
improvisada em portamento ascendente com falsete e qualidade rouca em se de esse e em
de, ataque em portamento ascendente em ho, vibrato em mem. A sílaba cor é composta de
três notas: na primeira, onde se articula o co, o ataque é com uma apojatura em portamento
ascendente; a segunda é uma nota de passagem e, na última, onde se articula or, há um
vibrato, um portamento descendente, uma dinâmica decrescente até chegar à qualidade fry;
Um Deus negro, do Congo ou daqui – ataque em fry na sílaba um, em portamento
ascendente nas sílabas ne, Con e ou, vibrato em gro, go e qui. Antes do trecho ou daqui, há
uma inspiração sonora. Na sílaba qui, o ataque é feito com uma apojatura em portamento
ascendente e, em seguida, há três notas improvisadas descendentes com vibrato e em
dinâmica decrescente;
Que se integre – ataque em fry em que, portamento descendente na articulação de te para
gre, qualidade em laringe baixa em te, vibrato em gre;
No meu sangue - portamento descendente na articulação de san para gue, ataque em
portamento ascendente e qualidade em laringe baixa em san, dinâmica decrescente e
portamento descendente até chegar à qualidade em fry, finalizando com uma expiração
sonora em gue;
Europeu – inspiração inicial, qualidade em laringe baixa em eu e ro. Em peu, a dinâmica é
fortíssima, há um acento para uma nota improvisada ascendente com uma mordente,
finalizando com um portamento descendente;
Black is beautiful – ataque com a qualidade em growl em black, vibrato em black, is” e
ful, ataque em portamento ascendente em “beau”, mudança de qualidade para ful em ful,
finalizando com uma expiração sonora;
Black is beautiful – ataque em portamento ascendente em black e is, vibrato em is e ful,
ataque com apojatura em portamento ascendente em beau, portamento descendente,
dinâmica decrescente e mudança de qualidade para ful em ful;
Black’s beauty is so peaceful, I wanna a black, I wanna beautiful – ataque em
portamento ascendente nos primeiros black e wan, e em beau e so; vibrato em ty is, no
primeiro ful e no segundo black; nota improvisada ascendente em so; vibrato, dinâmica
decrescente e portamento descendente no último ful;
186
Não quero lhe falar meu grande amor – vibrato em gran e mor; retardo com portamento
descendente em a de amor;
Das coisas que aprendi nos discos – vibrato em coi, pren e cos; apojatura de um tom em
dis;
Quero lhe contar como eu vivi – expiração sonora no final de tar; vibrato em co;
portamento ascendente seguido de descendente no primeiro vi; portamento ascendente no
segundo vi;
E tudo – antecipação de tu para do;
Que aconteceu – retardo com portamento ascendente em ceu;
Comigo – retardo com portamento ascendente em mi; vibrato em go; qualidade
comprimida e dinâmica piano em comigo;
Viver – portamento ascendente e expiração sonora no final de ver;
É melhor que sonhar – vibrato e expiração sonora durante lhor e no final de nhar;
antecipação de so para nhar;
Eu sei – inspiração sonora; portamento ascendente seguido de descendente em eu; vibrato e
portamento descendente a uma terça maior em sei;
Que o amor é uma coisa boa - vibrato em mor, coi e a de boa; portamento ascendente de
um tom em bo;
Mas também sei – vibrato em mas; portamento ascendente seguido de descendente em sei;
Que qualquer canto é menor do que a vida – vibrato em can; portamento descendente e
expiração sonora durante a sílaba nor; portamento descendente, dinâmica decrescente,
qualidade falada em da, finalizando com uma expiração sonora;
De qualquer pessoa – portamento ascendente seguido de descendente em qual e quer;
portamento ascendente em so; vibrato, dinâmica forte e expiração sonora final em a de
pessoa;
Por isso – dinâmica fortíssimo em por isso; qualidade gritada em isso; acento em is;
Cuidado, meu bem – dinâmica fortíssimo em toda a frase; acento, qualidade gritada,
expiração sonora durante a emissão e portamento descendente em da; vibrato em meu e
bem; portamento descendente e expiração sonora do final de bem;
188
Há perigo – inspiração sonora; qualidade fry dinâmica piano em há; retardo com
portamento ascendente e leve vibrato em ri;
Na esquina – retardo com portamento ascendente e vibrato em qui; duas notas
improvisadas e vibrato com expiração sonora no final de na;
Eles venceram - portamento ascendente seguido de descendente em ce; vibrato em ven;
qualidade sussurrada em ceram;
E o sinal está fechado pra nós – articulação exagerada em toda a frase;
Que somos jovens – ataque com portamento ascendente em jo; vibrato em vens;
Para abraçar - inspiração sonora; dinâmica fortíssimo em toda a frase; qualidade gritada
em para; portamento descendente e expiração sonora em çar;
Seu irmão e beijar sua menina – vibrato em mão, jar, su, ni e na; antecipação com
portamento descendente em mão e bei; qualidade em fry em a de sua; dinâmica fortíssimo
em seu irmão e pianíssimo com expiração sonora em na;
Na rua – qualidade em fry em na e rouca em a de rua; portamento ascendente em ru;
vibrato em a de rua;
É que se fez – vibrato e expiração sonora durante a emissão de fez;
O seu braço - inspiração sonora; leve vibrato e expiração sonora em bra; portamento
descendente, dinâmica decrescente, qualidade falada e expiração sonora com suspiro em
co;
O seu lábio - inspiração sonora; vibrato em lá; expiração sonora durante a emissão de o seu
lá; portamento descendente, dinâmica decrescente, qualidade falada e expiração com
suspiro em bio;
E a sua voz – vibrato em su e voz; antecipação com portamento ascendente em sua;
expiração sonora na finalização de voz;
Você me pergunta – portamento ascendente de um semitom e qualidade suja em cê;
portamento descendente em per; antecipação de per para gun; vibrato em gun;
Pela minha paixão – vibrato em pe, mi e xão;
Digo que estou encantada como uma nova invenção - inspiração sonora; portamento
descendente em tou; antecipação de can para ta; vibrato em ta;
189
Que apesar de termos feito - inspiração sonora; dinâmica fortíssimo em toda a frase;
qualidade gritada grave em pe; acento e portamento descendente em sar; antecipação com
portamento descendente de fei para to;
Tudo o que fizemos - dinâmica fortíssimo em toda a frase; retardo com portamento
ascendente em tu; portamento ascendente em ze; vibrato em mos;
Ainda somos os mesmos - inspiração sonora; vibrato em mes; portamento descendente,
dinâmica decrescente, qualidade falada e expiração sonora no final de mos;
E vivemos - inspiração sonora; vibrato em ve; portamento descendente, dinâmica
decrescente, qualidade falada e expiração sonora no final de mos;
Inda somos os mesmos – vibrato em mes; portamento descendente, dinâmica decrescente,
qualidade falada e expiração sonora no final de mos;
E vivemos como os nossos pais - inspiração sonora; vibrato em vê; antecipação com
portamento descendente em co; portamento ascendente e vibrato longo em pais;
Nossos ídolos ainda são os mesmos - inspiração sonora; dinâmica fortíssimo em toda a
frase; vibrato em no, í, in e mos; retardo em m de mes; acento e qualidade gritada em mes;
E as aparências não enganam não - inspiração sonora; dinâmica fortíssimo em toda a
frase; apojatura ascendente e vibrato em rên; portamento ascendente em ga; acento no
primeiro não; antecipação com portamento descendente de nam para não; vibrato no
segundo não;
Você diz que depois deles - inspiração sonora; dinâmica fortíssimo em toda a frase; vibrato
em diz; portamento descendente, dinâmica decrescente, qualidade falada e expiração sonora
no final de les;
Não apareceu mais ninguém - inspiração sonora; dinâmica fortíssimo em toda a frase;
apojatura ascendente em não; qualidade gritada em não a; antecipação com portamento
descendente de pa para re e de nin para guém; vibrato em ceu e guém;
Você pode até dizer que eu to por fora - inspiração sonora; dinâmica fortíssimo em toda a
frase; qualidade gritada em pode a e fo; mordente na articulação de di para zer; antecipação
com portamento descendente de fo para ra; expiração sonora durante a fo e no final de ra;
acento em fo;
191
Nós ainda somos os mesmos e vivemos – retardo em da; ataque com portamento
ascendente em so e ve; portamento descendente, dinâmica decrescente, qualidade falada e
suspiro nas duas sílabas mos, de mesmos e de vivemos, inspiração sonora antes da frase e
vivemos; portamento descendente em vi;
Ainda somos os mesmos, e vivemos - inspiração sonora antes de cada uma das duas frases;
vibrato em in, da e ve, portamento ascendente em ve; portamento descendente dinâmica
decrescente, qualidade falada e suspiro nas duas sílabas mos, de mesmos e de vivemos;
Ainda somos - inspiração sonora; vibrato em so; acento e expiração sonora durante a sílaba
so;
Os mesmos – acento em mes; antecipação com portamento descendente de mes para mos;
E vivemos – vibrato e acento em ve; mordente entre a articulação de vi para ve; portamento
descendente em mos;
Como os nossos – ataque com portamento ascendente em co; antecipação de os para nos;
vibrato em nossos;
Pais - inspiração sonora; dinâmica fortíssimo; quatro notas improvisadas e duas escapadas
em falsete; quatro acentos no a (o a3, a4, a5 e a7, final); vibrato longo; qualidade gritada.
sonora no ataque; na última, onde a palavra é concluída com eu, há uma expiração sonora
no ataque e um vibrato;
Fique certa, quando o nosso amor desperta – dinâmica piano em toda a frase; apojatura
com portamento ascendente em cer e nos; fonema alterado na primeira sílaba ta e em des;
vibrato em mor; portamento ascendente e dinâmica decrescente em per; qualidade em fry
em ta;
Logo o sol se desespera – inspiração sonora; dinâmica piano em toda a frase; qualidade em
fry em lo e sol; portamento ascendente seguido de descendente em ses; fonema alterado em
deses; portamento ascendente e dinâmica decrescente em pe; qualidade em fry, dinâmica
decrescente, portamento descendente e expiração com suspiro em ra;
E se esconde lá na serra – inspiração sonora; qualidade em fry em e; fonema alterado em
se es; retardo com portamento ascendente em con; portamento descendente em lá;
Ê, Madalena – dinâmica fortíssimo em toda a frase; portamento ascendente em Ê, Ma e na;
portamento descendente em da; portamento descendente, dinâmica decrescente, qualidade
falada, breque seguido de expiração com suspiro no final de na;
O que é meu não se divide – portamento ascendente em que é; vibrato em meu; retardo
com portamento ascendente em vi; portamento descendente, dinâmica decrescente e
expiração sonora no final de de;
Nem tampouco se admite – inspiração sonora; qualidade em fry com portamento
ascendente em nem; vibrato e expiração sonora no final de te;
Quem do nosso amor duvide – inspiração sonora; qualidade em fry com portamento
ascendente seguido de descendente em quem; portamento ascendente seguido de
descendente em no; antecipação com portamento descendente de mor para du; vibrato em
vi e de; dinâmica decresente em de;
Até a lua – dinâmica piano em toda a frase; qualidade em fry em té a lu; portamento
ascendente em té e lu; portamento descendente, dinâmica decrescente e expiração sonora
no final de a;
Se arrisca num palpite - dinâmica piano em toda a frase; qualidade fry em se, a e te;
portamento ascendente em a; vibrato em num; apojatura em pi e nota improvisada i;
Que o nosso amor existe - dinâmica piano em toda a frase; inspiração sonora; qualidade
em fry em que; mordente nas articulações de que para o e de a para mor; vibrato em no;
194
Dona Mercês toca tambor – portamento ascendente e vibrato em “do”, antecipação com
portamento descendente em “na” e “cês”, vibrato em “cês”, apojatura ascendente e vibrato
no “m” de “tambor”, dinâmica decrescente, vibrato e qualidade suja em “bor”.
Como você – apojatura com portamento ascendente em co; acento em co e mo; retardo em
mo; vibrato e expiração sonora durante a cê;
Pode pedir – inspiração sonora, antecipação de po para de e de pe para dir; vibrato em de e
dir;
Pra eu falar – vibrato em pra e lar; portamento ascendente, qualidade sussurrada em lar,
finalizando com expiração sonora;
Do nosso amor – inspiração sonora; retardo em nos; antecipação de nos para so; vibrato
em nos, so e mor; portamento ascendente em a;
Que foi tão forte – fonema alterado em que e te; antecipação de foi para tão; portamento
ascendente e expiração sonora em for; vibrato em te;
E ainda é – vibrato em in, da e é; antecipação de in para da;
Mas cada um se foi – qualidade suja em mas, final de ca, da e foi; portamento descendente
em mas e ca; antecipação de ca para da; vibrato em um, se e final de foi;
Quanta saudade – qualidade suja em quanta, apojatura com portamento ascendente e
acento em quan; articulação pastosa em ta; retardo com portamento descendente em ta;
retardo com portamento ascendente em da; mordente inferior com portamento descendente
seguido de ascendente em sau; antecipação com portamento descendente de da para de;
vibrato em quan, ta, da e de;
Brilha em mim – inspiração sonora; qualidade em fry em bri; vibrato em em e mim;
Se cada sonho é seu – portamento ascendente em so; vibrato em ca, da, nho e seu;
antecipação com portamento descendente de nho para é e de é para seu;
Hmmm (3) – uma nota improvisada com mordente contendo três vibratos, uma qualidade
em fry, um portamento ascendente;
Virou história em sua – inspiração inicial; qualidade suja em virou e to; antecipação com
portamento descendente de rou para his e de su para a; vibrato em to, ria, em e sua;
Vida – inspiração sonora; leve vibrato e articulação cerrada em vida;
199
Mas pra mim –qualidade nasal e articulação pastosa em ta; antecipação com portamento
descendente em mas para pra e de pra para mim; vibrato em mim;
Não morreu – vibrato em não e reu; articulação cerrada em não morreu; qualidade em fry,
portamento descendente, dinâmica decrescente reu;
Como você – portamento ascendente seguido de descendente e acento em co; vibrato em
mo e cê; qualidade em fry em mo; articulação cerrada em cê;
Pode pedir – qualidade em fry em po; antecipação de po para de; vibrato em de, pe e dir;
retardo com portamento ascendente em pe; finalização de ir com expiração sonora;
Pra eu falar – vibrato em pra e lar; portamento descendente em eu e ascendente em lar;
qualidade comprimida em lar;
Do nosso amor – vibrato em do, a e mor; retardo seguido de nota de passagem em so;
qualidade comprimida em do; qualidade suja em mor; qualidade em fry em so; portamento
ascendente na articulação de so para a;
Que foi tão forte - expiração sonora durante foi e for; fonema alterado em que e te; vibrato
em que, foi, tão e te; apojatura com portamento ascendente em for;
E ainda é – inspiração sonora; acento em e a e in; vibrato em in, da e é; qualidade
comprimida em e ainda é; antecipação com portamento descendente de in para da;
portamento ascendente em é;
Mas cada um – vibrato em mas e leve vibrato em um; antecipação com portamento
descendente de mas para ca e de ca para da; portamento descendente na articulação de da
para um;
Se foi - vibrato e expiração sonora durante a sílaba foi;
Quanta saudade – vibrato em ta, da, de e leve vibrato em sau; retardo com portamento
ascendente em da; finalização de de com expiração sonora;
Brilha em mim – qualidade em fry em bri; portamento ascendente seguido de descendente
em na articulação de lha para e; vibrato em em e mim;
Se cada sonho é seu - dinâmica pianíssmimo em cada sonho; qualidade comprimida em
sonho é e suja em seu; vibrato em so, nho, é e se; grupeto em eu;
Virou história - 4 – antecipação com portamento descendente de rou para his, portamento
ascendente em to, vibrato e expiração sonora em a;
200
Quero chegar, quero partir – portamento ascendente na primeira sílaba que, no segundo
ro e em par; vibrato em gar; expiração sonora durante a emissão de par;
Quero soltar alegria – inspiração sonora; portamento ascendente em que; vibrato em tar;
antecipação com portamento ascendente de a para le; finalização de a com expiração
sonora;
Sempre te amar, quero valer – vibrato em mar; antecipação com portamento ascendente
de va para ler;
Todos os momentos dessa voz, madrinha - portamento descendente em men; antecipação
com portamento descendente em voz; vibrato em ma; portamento ascendente em dri;
vibrato e expiração sonora durante a emissão de nhá;
Mãe do amor que me ensinou – portamento ascendente em mãe; expiração sonora na
finalização de mor; vibrato em nou;
Como se canta a poesia – inspiração sonora; portamento descendente em se; portamento
ascendente em can; vibrato em can e si;
Mão do amor como ensinou – portamento ascendente em mão e na articulação de mo para
en; portamento ascendente seguido de descendente na articulação de do para a; portamento
descendente em sin; vibrato em mor e nou;
Para viver poesia – inspiração sonora; antecipação com portamento descendente de vi para
ver; expiração sonora na finalização de ver e a;
Quero chegar – inspiração sonora; portamento descendente em que; vibrato em gar;
Quero partir – inspiração sonora; portamento ascendente em ro; portamento descendente e
expiração sonora durante a emissão de par; vibrato em tir;
Quero soltar alegria – inspiração sonora; portamento ascendente em que e gri; vibrato em
tar e gri;
Sempre te amar, quero valer – inspiração sonora; portamento ascendente em va;
Todos os momentos dessa voz, madrinha – inspiração sonora; portamento ascendente em
to e dri; vibrato em men e ma;
Beleza, brisa leve – portamento descendente em be e bri; portamento ascendente na
primeira e segunda sílabas le e em ve; expiração sonora durante a emissão de za; vibrato na
segunda sílaba le;
202
Certeza, brisa leve – vibrato em le; portamento ascendente em cer, te, bri, le, ve; expiração
sonora durante a emissão de za;
Rainha, preciosa – vibrato em ra e o; portamento ascendente nas articulações de ra para i
e de ci para o;
Amada, linda rosa – apojatura em a; portamento ascendente em ma, lin e ro;
No apogeu, me deu tudo – portamento ascendente em no a, em po e em tu; qualidade
comprimida e vibrato em do; nota improvisada ascendente característica com mudança de
registro em do;
Certeza – portamento ascendente em cer, te e za;
Rainha – vibrato em ra; portamento ascendente na articulação de ra para i; portamento
descendente em nhá; qualidade comprimida em i;
Amada – portamento ascendente em a e ma; vibrato em da;
No apogeu – portamento ascendente em no a; po e geu; vibrato em a e geu;
Me deu tudo – portamento ascendente em me e tu; vibrato em tu e do; nota improvisada
característica com mudança de registro em do; dinâmica decrescente em tudo.
Ah, andorinha voou, voou – apojatura com portamento ascendente e vibrato em ah;
mordente com portamento descendente seguido de ascendente na articulação de ri para nha;
portamento ascendente e vibrato na primeira sílaba ou; portamento descendente, vibrato,
dinâmica decrescente na segunda sílaba ou;
Fez um ninho no meu chapéu – inspiração sonora suave; portamento descendente em fez;
portamento ascendente em um; vibrato em nho; retardo com portamento ascendente
seguido de descendente em meu; vibrato em péu;
E um buraco bem no meio do céu – grande portamento descendente em mei; mordente
com portamento descendente seguido de ascendente, vibrato, dinâmica decrescente, nota
improvisada com portamento descendente em céu;
E lá vou eu como um passarinho – inspiração sonora suave; portamento ascendente e
vibrato em e; apojatura com portamento asccendente seguido de descendente em pas;
antecipação com portamento descendente de ri para nho; portamento ascendente em nho;
Sem destino nem sensatez – portamento ascendente seguido de descendente em sen;
vibrato em tez;
203
Sem dinheiro nem pro pastel chinês – portamento descendente em sem; mordente com
leve portamento ascendente seguido de descendente em nhei; portamento descendente e
expiração sonora em pas; antecipação com portamento descendente de tel para chi; vibrato
em nês;
Ah, andorinha voa veloz – qualidade em fry, portamento ascendente e vibrato em ah;
vibrato em ri; portamento ascendente e vibrato em nha; portamento descendente em vo;
antecipação com portamento descendente de ve para loz;
Voa mais do que minha voz – inspiração sonora; qualidade em fry, portamento ascendente
em vo; portamento ascendente seguido de descendente na articulação de a para mais;
portamento descendente e vibrato em que; antecipação com portamento descendente de nha
para voz;
Andorinha faz a canção – qualidade em fry em an; portamento ascendente seguido de
descendente e ascendente em do; vibrato em ri; portamento ascendente seguido de
descendente em nha; mordente seguido de portamento descendente em faz; portamento
ascendente em can; vibrato, dinâmica decrescente e portamento descendente em ção;
Que eu não fiz – inspiração sonora; vibrato em que e não; portamento ascendente em eu;
portamento descendente em fiz;
Andorinha voa feliz – inspiração sonora suave; mordente em do e vo; vibrato em ri;
portamento descendente em nha e vo; antecipação com portamento descendente de fe para
liz;
Tem mais força que minha mão – inspiração sonora suave; portamento ascendente
seguido de descendente em mais; portamento descendente em for e ça; mordente em que;
antecipação com portamento descendente de mi para nha e de nha para mão; vibrato em
mão;
Mas sozinha não faz verão – inspiração sonora suave; portamento descendente em so;
portamento ascendente e vibrato em zi; retardo com portamento ascendente em nhá;
portamento descendente em faz; portamento ascendente em ve; vibrato em rão.
204
3.3.1 Circuladô de Fulô (de Caetano Veloso, sobre texto de Haroldo de Campos)
Na tripa tensa da mais megera miséria física – inspiração sonora; qualidade sussurrada
em na tripa e séria física; qualidade em laringe baixa em tensa da mais megera mi; acento
em sé e fí; vibrato em fí;
E doendo doendo – inspiração sonora; acento e portamento descendente nas duas sílabas
en; expiração sonora durante o último do;
Como um prego na palma da mão – inspiração sonora; qualidade nasal em prego na
palma da mão; ataque com acento e portamento ascendente em pre; retardo em mão
finalizando com portamento descendente;
Um ferrugem prego cego na palma espalma da mão - retardo em mão; acento em ce;
Coração exposto como um nervo tenso retenso – qualidade nasal em como um nervo
tenso retenso; ataque com portamento ascendente em co; acento em co e no segundo ten,
leve vibrato em ner; articulação com r gutural; vibrato no último ten;
Um renegro prego cego durando na palma polpa da mão ao – qualidade nasal em um
renegro prego cego durando na palma polpa da mão; acento em ne, pre, ce e pol; ataque
em portamento ascendente em pol; vibrato em um, ran, pol, mão, ao;
Sol – ataque em portamento ascendente, vibrato longo e final em dinâmica decrescente;
Circuladô de fulô – inspiração sonora; leve vibrato em lô;
Ao Deus ao Demodará – inspiração sonora; apojatura em ao; vibrato em rá; acento em ao,
De de Deus, De de Demo e rá;
Que Deus te guie porque eu não posso guiar – inspiração sonora, apojatura ascendente no
e de guie; retardo com portamento ascendente de n para ão, acento com portamento
ascendente e expiração sonora em ar, finalizando com uma dinâmica decrescente;
É viva quem já me deu – inspiração sonora; ataque com portamento ascendente em quem
e deu; vibrato em deu; acento em é, quem e deu;
Circuladô de fulô – antecipação de cu para la; ataque em portamento ascendente em dô;
vibrato em lô, acento em dô e lô;
E ainda quem falta me dá – inspiração sonora; vibrato em fal e dá; impuslo em dá,
seguido de dinâmica decrescente;
O povo é o inventalínguas na malícia – inspiração sonora; articulação exagerada em toda
a frase; qualidade em fry em o;
206
Promessa que eu te fie - articulação exagerada em toda a frase; qualidade fry em pro;
ataque em portamento ascendente em me; acento em me e fi; expiração sonora no fim de e
de fie;
Me deixe - articulação exagerada em toda a frase; ataque em portamento ascendente e
acento em dei; fonema alterado em xe;
Me esqueça – articulação exagerada em toda a frase; fonema alterado em me es; acento em
que; qualidade sussurrada em ça;
Me largue - articulação exagerada em toda a frase; fonema alterado em me para mi; acento
e expiração sonora durante a emissão de lar; fonema alterado em gue e qualidade
sussurrada alterando para falada ao final, onde ocorre também uma expiração sonora;
Me desamargue - articulação exagerada em toda a frase; fonemas alterados em me des e
gue; acento e expiração sonora em mar;
Que no fim eu acerto - articulação exagerada em toda a frase; fonemas alterados em que
no e to; portamento descendente em fim; acento, portamento ascendente, qualidade falada e
expiração sonora em cer;
Que no fim eu reverto - articulação exagerada em toda a frase; fonemas alterados em que
no e to; qualidade nasal em fim; acento, portamento ascendente seguido de descendente e
expiração sonora em ver;
Que no fim eu conserto – inspiração sonora; articulação exagerada em toda a frase;
fonemas alterados em que no e to; portamento ascendente em fim e eu; acento e expiração
sonora em ser;
E para o fim me reservo – inspiração sonora; articulação exagerada em toda a frase;
portamento ascendente e acento em ser; expiração sonora em ser e vo; fonema alterado em
vo;
E se verá que estou certo – inspiração sonora; articulação exagerada em toda a frase;
fonemas alterados em e se; que estou e to; acento e portamento ascendente seguido de
descendente em cer;
Se verá que tem jeito – inspiração sonora; articulação exagerada em toda a frase; fonemas
alterados em se, que e to; acento e portamento ascendente em jei;
E se verá que tá feito – inspiração sonora; articulação exagerada em toda a frase; fonemas
alterados em e, se, que e to; qualidade suja em vê; acento em fei;
208
Que pelo torto fiz direito - articulação exagerada em toda a frase; fonemas alterados em
que e to; acento e portamento ascendente em rei;
Que quem faz cesto faz cento - articulação exagerada em toda a frase; fonemas alterados
em que e nas duas sílabas to; acento e portamento ascendente em cen;
Se não guio não lamento - articulação exagerada em toda a frase; fonemas alterados em se
e to; vibrato em guio e não; acento e portamento ascendente em men; qualidade falada em
mento;
Pois o mestre que me ensinou - articulação exagerada em toda a frase; qualidade fry em
pois o; qualidade suja em mestre; qualidade em laringe baixa, acento e dinâmica
decrescente em nou; fonemas alterados em tre que me ensi;
Já não dá ensinamento - articulação exagerada e qualidade em laringe baixa em toda a
frase; acento e vibrato longo em men; fonema alterado em to;
Circuladô de fulô – acento em dô e lô; portamento descendente em lô;
Ao Deus ao Demodará – acento em ao, De e rá; leve vibrato em rá;
Que Deus te guie porque eu não posso guiar – inspiração sonora; acento em gui, não e ar
de guiar; retardo com portamento ascendente de n para ão; vibrato em ar;
É viva quem já me deu – inspiração sonora; acento e portamento ascendente em é, quem e
deu; vibrato em deu;
Circuladô de fulô – antecipação de cu para la; vibrato em la; acento em dô e lô;
portamento ascendente em dô; qualidade levemente nasal e portamento descendente em lô;
E ainda quem falta me dá – inspiração sonora; acento e vibrato em fal; acento em dá.
Tudo é menino e menina no olho da rua – inspiração sonora; acento nas duas sílabas ni;
portamento ascendente na segunda ni, portamento descendente na articulação entre no e o;
O asfalto a ponte o viaduto ganindo pra lua – inspiração sonora; vibrato em pon, nin e
lu; acento em fal, pon, du, nin e lu; portamento ascendente em ga; expiração sonora durante
a emissão do a de lua;
Nada continua – inspiração sonora; acento e portamento ascendente em na; vibrato em ti,
nu e a;
E o cano da pistola que as crianças mordem – inspiração sonora; vibrato em ca, da e
mor; portamento descendente em an; acento em ca, da e rrr; portamento ascendente em
mor; duas notas improvisadas e três acentos (principal e improvisadas) em dem;
Reflete todas as cores da paisagem da cidade que é muito mais bonita e muito mais
intensa do que no cartão postal – inspiração inicial; portamento ascendente seguido de
descendente em re; portamento ascendente em fle, sa, da de cidade, ni, tão e a primeira
sílaba mais; portamento descendente em tem, tal e na segunda sílaba mais;
Alguma coisa está Fora da Ordem - 1v11 – inspiração sonora; acento em al; antecipação
com portamento descendente em gu; mordente e vibrato em or; portamento descendente e
nota improvisada em dem;
Fora da nova ordem mundial - 1v12 – inspiração sonora; acento em fo e dem; vibrato em
or; portamento ascendente em dem; nota improvisada com portamento ascendente em al;
Alguma coisa está Fora da Ordem - 1v21 – portamento descendente em al e gu; apojatura
ascendente de fo para ra; mordente com portamento ascendente e descendente e vibrato em
or; apojatura em dem;
Fora da nova ordem mundial - 1v22 – acento em fo; apojatura ascendente de fo para ra;
vibrato em or; acento e portamento ascendente em dem; nota improvisada superior,
dinâmica decrescente e portamento descendente em al;
Alguma coisa está Fora da Ordem - 1v31 – acento em al, coi, fo e dem; portamento
descendente em gu; mordente e vibrato em or;
Fora da nova ordem mundial - 1v32 – apojatura de fo para ra; acento em fo e dem;
vibrato em or; portamento ascendente em dem; nota improvisada com portamento
ascendente, dinâmica decrescente e portamento descendente em al;
210
Alguma coisa está Fora da Ordem - 1v41 – inspiração sonora; acento em al, coi, fo e dem;
portamento descendente em coi; mordente e vibrato em or;
Fora da nova ordem mundial - 1v42 – apojatura descendente de fo para ra; acento em fo,
no e al; vibrato em or; portamento ascendente em dem; nota curta em al;
Escuras cochas duras tuas duas de acrobata mulata – inspiração sonora; portamento
ascendente em cu, co, tu, no primeiro as, no segundo du, no segundo as, ba e la;
portamento descendente na primeira sílaba ras e em chas; acento em cu, co, no primeiro du,
em tu e no segundo du; retardo com portamento descendente em ta;
Tua batata da perna moderna trupe intrépida em que fluis – portamento ascendente na
articulação de tu para a; portamento descendente em uis; acento em fl; articulação
exagerada em bata e fluis;
Te encontro em Sampa de onde mal se vê quem sobe ou desce a rampa – inspiração
sonora; portamento descendente seguido de ascendente e descendente na articulação de a
para ram; portamento descendente em te en, se e só; acento em con, Sam e des; nota
improvisada com portamento descendente seguido de ascendente e dois acentos em pa, na
nota principal e na improvisada;
Alguma coisa em nossa transa é quase luz forte demais parece porto do aprova /
Parece fogo, parece, parece paz – portamento ascendente seguido de descendente em al;
portamento descendente em é, mais, por; portamento ascendente em luz e fo; acento em coi,
pro e fo; vibrato em paz;
Parece paz – inspiração sonora; acento e vibrato em paz;
Pletora de alegria um show de Jorge Benjor dentro de nós – vibrato em gri, jor e nós;
portamento ascendente em jor e den; portamento descendente em tro e de; acento em ben,
jor, den e de; qualidade sussurrada em Ben; articulação exagerada e gutural em r de jor;
É muito, é grande, é total – portamento descendente seguido de ascendente no terceiro
verbo é; portamento descendente; acento, qualidade sussurrada e expiração sonora em tal;
Alguma coisa está Fora da Ordem - 2v51 – acento em al, coi, fo e dem, esta última na
nota principal e na nota improvisada; mordente com portamento ascendente e descendente
na articulação de da para o; vibrato em or; nota improvisada inferior, qualidade em laringe
baixa e expiração sonora durante a emissão das duas notas, a principal e a improvisada de
dem;
211
Fora da nova ordem mundial - 2v52 – acento em fo, no, or e al; apojatura ascendente de
fo para ra; mordente na articulação de va para or; vibrato em or; nota improvisada em al;
Alguma coisa está Fora da Ordem - 2v61 – acento em al, coi e em; portamento
descendente em al, gu e ma; ataque em portamento ascendente, mordente com nota
improvisada inferior e portamento ascendente no final de or; nota improvisada inferior,
qualidade em laringe baixa e expiração sonora nas duas notas de dem, a principal e a
improvisada;
Fora da nova ordem mundial - 2v62 – inspiração sonora; apojatura ascendente seguida de
mordente e vibrato em or; nota improvisada em al;
Alguma coisa está Fora da Ordem - 2v71 – acento em al, coi, fo e dem; portamento
descendente em al, gu, ma e coi; vibrato em or;
Fora da nova ordem mundial - 2v72 – inspiração sonora; acento em fo, no, or, dem e al;
vibrato em or, nota improvisada em al;
Alguma coisa está Fora da Ordem - 2v81 – inspiração sonora; acento em al, coi, fo e dem;
portamento descendente em gu; vibrato em or; nota improvisada e expiração sonora nas
duas notas de dem, na principal e na improvisada;
Fora da nova ordem mundial - 2v82 – acento em dem e no primeiro a de al; vibrato em
or; portamento ascendente e nota improvisada em al;
Meu canto esconde-se como um bando de ianomamis na floresta – vibrato em can e
com; acento em can, em con, no primeiro de, em ban”, em ma e em res; portamento
descendente em meu, mo’um, ban, ia e flo; portamento ascendente no primeiro de e em ma;
portamento descendente seguido de ascendente em ta; leve vibrato em res;
Na minha testa caem vem colar-se plumas de um velho cocar – inspiração sonora;
acento em mi e tes; portamento ascendente seguido de descendente em na; portamento
descendente em caem, vem, lar, plu, mas e car; expiração sonora durante a emissão de car;
Estou de pé em cima do monte de mundo lixo baiano – leve vibrato em tou e pé; acento
em tou, pé, ci, mon, mun, li e ã de baiano; portamento descendente em mon e mun;
portamento ascendente em de, li e ia, nota improvisada com portamento descendente em
no;
Cuspo chiclete do ódio no esgoto exposto do Leblon, mas retribuo a piscadela do
garoto de frete do Trianom – articulação exagerada em toda a frase; fonemas alterados
212
em po, te, dio, no es, to’ex, to, pis, to, de, te, acento em cle, ó, pos, blon, buo, de, ro, fre e
non; portamento ascendente em ó, re, e anon; portamento descendente em pos e Tria;
portamento ascendente seguido de descendente em blon e uoa; vibrato em non;
Eu sei o que é bom – portamento descendente em eu e bom; portamento ascendente
seguido de descendente no artigo o; acento em sei; expiração sonora no final de bom;
Eu não espero pelo dia em que todos os homens concordem – vibrato em pe; acento em
pe, di, ho e cor; portamento ascendente e descendente em lo e em; portamento ascendente
em di e ho; portamento descendente em dos e con; mordente em cor; nota improvisada em
dem;
Apenas sei de diversas harmonias bonitas possíveis sem juízo final - portamento
descendente em nas, sei, har, ias, si e zo; portamento ascendente em ni e juí; acento em sem
e í; portamento ascendente e descendente em ver; nota improvisada inferior em nal;
1ª vez:
Deixa eu dançar, pro meu corpo ficar Odara – acento em dei, dan e ra; vibrato e
expiração sonora durante car e no final de ra; portamento ascendente em dei e cor;
portamento ascendente seguido de descendente em dan; portamento descendente em po;
vibrato em car; mordente em da seguida de antecipação de da para ra;
Minha cara, minha cuca ficar Odara – mordente em ca seguida de antecipação para a
primeira sílaba ra e mordente em da seguida de antecipação para a segunda ra; qualidade
vocal suja em nha; vibrato na primeira ra e em car; portamento ascendente na primeira
sílaba mi e em cu e ca; duas notas improvisadas descendentes com acento na última ra;
Deixa eu cantar – vibrato em dei; portamento descendente seguido de ascendente em eu;
retardo em can; vibrato e expiração sonora no final de tar;
Que é pro mundo ficar Odara – retardo em mun; mordente em car; qualidade suja em o;
portamento ascendente, vibrato e qualidade suja em ra, finalizando com expiração sonora;
Pra ficar tudo jóia rara – portamento descendente em pra e jói; qualidade suja em pra;
portamento ascendente em fi; portamento descendente e expiração sonora durante a car e a
primeira ra; acento na primeira ra; vibrato na última ra, finalizando com expiração sonora;
Qualquer coisa que se sonhara – portamento descendente e expiração durante a quer;
qualidade nasal em qualquer coisa; apojatura com portamento ascendente em sa; vibrato
213
em se; portamento ascendente em nha, seguido de mordente e antecipação para ra; vibrato,
portamento descendente e expiração sonora durante a ra;
Canto e danço que Dara – inspiração sonora; portamento descendente em can; retardo em
dan; antecipação com portamento descendente de da para ra; vibrato e dinâmica
decrescente em ra; qualidade suja em dara;
Ficar Odara - vibrato em car e ra; qualidade suja em o; antecipação com portamento
descendente de da para ra; vibrato em ra e finalização com expiração sonora;
Ficar Odara – portamento descendente em fi; portamento descendente seguido de
ascendente em car; antecipação com portamento descendente de da para ra; vibrato em ra e
finalização com expiração sonora;
2ª vez:
Deixa eu dançar – acento em dei; portamento ascendente em dei e çar; retardo com
portamento ascendente em dan; portamento descendente em dan; vibrato em çar e
finalização com expiração sonora;
Pro meu corpo ficar Odara – portamento ascendente em cor e po; mordente em car;
mordente em da seguida de antecipação para ra; acento em car; vibrato em ra finalizando
com expiração sonora;
Minha cara – apojatura com portamento ascendente seguida de descendente em mi;
portamento descendente em nha e ca; mordente com portamento ascendente em ca seguido
de antecipação para ra; acento e expiração sonora durante a ra;
Minha cuca ficar Odara – portamento ascendente em nha; mordente superior em car;
mordente superior em da seguida de antecipação para ra; acento e vibrato em ra e
expiração sonora na finalização;
Deixa eu cantar – portamento ascendente em dei; retardo com portamento ascendente em
can; vibrato em tar e expiração sonora na finalização;
Que é pro mundo ficar Odara – portamento ascendente em mun; mordente e acento em
car; apojatura com portamento ascendente, vibrato e qualidade suja em ra;
Pra ficar tudo jóia rara – portamento ascendente em pra; portamento ascendente seguido
de descendente em car e na primeira ra; acento e expiração sonora durante a primeira ra;
qualidade suja em pra e na primeira ra; portamento descendente em jói; vibrato,
214
Canto e danço que Dara – retardo com portamento ascendente e vibrato em dan;
antecipação com portamento descendente de da para ra; vibrato e dinâmica decresente em
ra, finalizando com expiração sonora;
7ª vez:
Deixa eu dançar – portamento ascendente seguido de descendente em dei; retardo com
portamento ascendente, vibrato e portamento descendente em dan; acento em dei e dan;
vibrato e dinâmica decrescente em çar, finalizando com expiração sonora;
Pro meu corpo ficar Odara – retardo com portamento ascendente seguido de descendente
em cor; portamento ascendente seguido de descendente em po; mordente em car; vibrato e
mordente em da seguida de antecipação para ra; qualidade suja em car, o e ra; acento,
vibrato e dinâmica decrescente em ra;
Minha cara – portamento ascendente em mi; portamento descendente em nha; mordente
com portamento descendente e ascendente em ca; qualidade suja em nha e ca; antecipação
com portamento descendente de ca para ra; vibrato e dinâmica decrescente em ra,
finalizando com expiração sonora;
Minha cuca ficar Odara – glissand ascendente em nha; retardo com portamento
ascendente em cu; mordente inferior em ca; duas mordentes seguidas de portamento
descendente em car; vibrato e mordente em da, seguida de antecipação para ra; qualidade
suja em car; o e ra; acento em ra seguido de duas notas improvisadas descendentes, vibrato
e dinâmica decrescente;
Deixa eu cantar – portamento ascendente seguido de leve mordente em dei; portamento
descendente em eu; retardo com portamento ascendente em can; vibrato, dinâmica
decrescente e qualidade suja em tar, finalizando com expiração sonora;
Que é pro mundo ficar Odara – portamento ascendente e vibrato em mun; mordente em
car; apojatura com portamento ascendente, vibrato e dinâmica decrescente em ra,
finalizando com expiração sonora;
Pra ficar tudo jóia rara – portamento descendente em car e jói; expiração sonora durante
car; portamento descendente e acento com expiração sonora na primeira sílaba ra; vibrato
na segunda sílaba ra, finalizando com expiração sonora;
Qualquer coisa que se sonhara – portamento descendente em quer; qualidade nasal em
coisa; apojatura com portamento ascendente em sa; vibrato e acento em se; retardo com
219
portamento ascendente, qualidade suja e mordente em nha, seguida de antecipação para ra;
vibrato e acento em ra;
Canto e danço que Dara – inspiração sonora; retardo com portamento ascendente e
vibrato em dan; antecipação com portamento descendente de da para ra; vibrato, dinâmica
decrescente e qualidade suja em ra, finalizando com expiração sonora;
8ª vez:
Deixa eu dançar – portamento ascendente seguido de descendente em dei e eu; retardo
com portamento ascendente e vibrato em dan; vibrato e dinâmica decrescente em çar,
finalizando com expiração sonora;
Pro meu corpo ficar Odara – portamento ascendente seguido de descendente em meu, cor
e po; expiração sonora em cor, duas mordentes seguidas de portamento ascendente em car;
mordente em da seguida de antecipação para ra; vibrato e dinâmica decrescente em ra,
finalizando com expiração sonora;
Minha cara – portamento ascendente e vibrato em mi; portamento ascendente seguido de
descendente em nha; vibrato e mordente em ca seguida de antecipação para ra, acento em
ra;
Minha cuca ficar Odara – portamento ascendente em nha; apojatura com portamento
ascendente seguido de descendente em ca; dois mordentes em car; mordente em da seguida
de antecipação para ra; qualidade suja em car, o, da e ra; acento, vibrato e dinâmica
decrescente em ra, finalizando com expiração sonora;
Deixa eu cantar – portamento ascendente seguido de descendente em dei; portamento
descendente em eu; vibrato em can; vibrato e dinâmica decrescente em ra, finalizando com
expiração sonora;
Que é pro mundo ficar Odara – portamento ascendente e vibrato em mun; dois mordentes
e expiração sonora durante a sílaba car; apojatura com portamento ascendente, vibrato e
dinâmica decrescente em ra, finalizando com expiração sonora;
Pra ficar tudo jóia rara – portamento ascendente seguido de descendente em pra;
portamento descendente e expiração sonora em car; portamento descendente em jói e a;
portamento ascendente, acento e expiração sonora durante a primeira sílaba ra; antecipação
com portamento descendente da primeira ra para a segunda ra; vibrato, qualidade suja e
dinâmica decrescente na última ra, finalizando com expiração sonora;
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