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Qual o preço da liberdade? É realmente possível ser livre? A liberdade seria uma ilusão?

Um
falseamento que nos mantém esperançosos? Pode um homem prender-se ainda mais dentro
de uma prisão? Essas e outras interrogações surgem no monólogo Carcere, de Vinicius Piedade
e Saulo Ribeiro. A premissa do texto é expor as memórias, agruras, sofrimentos,
arrependimentos e esperanças de um pianista que foi preso por tráfico de drogas. Vinicius
Piedade é um ator experiente, sobretudo na questão do teatro solo. Não é à toa que ele
assumiu a direção, a atuação e a iluminação do espetáculo, além de colaborar com o texto.

Em Cárcere temos apenas Ovo, como é conhecido o pianista na cadeia, e um palco nu. O jogo
teatral se concentra no tripé: atuação, texto, iluminação. Nesse ponto destaca-se a atuação
consistente de Vinicius Piedade, que consegue dar tons e sobretons a seu personagem. Trata-
se de um tour de force considerável, ainda mais que boa parte da peça é iluminada pelo
próprio ator. A luz é a parte mais consistente de Cárcere. Há momentos em que a luz e
convencional, focada sobre o personagem, aberta, meia luz, mas quando Ovo ilumina-se com
uma lanterna, vê-se o trabalho preciso e difícil que Vinicius Piedade executa. A luz, nesse caso,
acrescenta substância à dramaticidade da atuação, além de acelerar a cena, sobretudo no jogo
claro-escuro que o foco restrito da lanterna proporciona.

O outro tripé é o texto, talvez a parte mais frágil da peça, justamente porque é texto demais,
fala demais a um personagem que pouco conhece o silêncio. Além disso, o personagem
demonstra uma erudição tanto cultural quanto filosófica que o torna, às vezes, artificial. Com
um texto mais cru, menos “poético”, com um personagem mais direto, menos metafórico,
Cárcere iria em outras profundidades, que a profunda intelectualidade do personagem não
alcançou. Pode ser verossímil que um pianista seja um fracassado e envolva-se com o tráfico,
mas na construção proposta para esse personagem, pareceu pouco provável. Talvez,
justamente, por causa da força cultural e erudita do piano, esse instrumento difícil, que exige
hora de estudo e treino. Soaria mais factível, por exemplo, se o músico fosse um tecladista,
mas para isso, o texto teria que trabalhar num tom a menos, numa elaboração menos
intelectualizada, o que não foi a proposta dos autores.

Outro ponto complicado são as quebras da quarta parede, em momentos que não parecem ser
necessários, ainda mais para impor uma metalinguagem, ou uma espécie de distanciamento
brechtiano, “isso aqui é teatro”. Há também uma insípida participação do público, que ora é o
público, ora são os outros presos. Dramaturgicamente, essa inserção do público em cena
poderia ser melhor resolvida, ou abolida, pois não faz diferença nenhuma. A atuação de
Vinicius Piedade daria conta plenamente da cena, sem essas interrupções e sem esse contato
com a plateia.

Carcere é uma peça complexa, que apesar de seus problemas, apresenta um ator bastante
seguro em cena, uma iluminação criativa e simples, e apresenta como pano de fundo questões
muito intensas sobre a liberdade, as escolhas, os enfrentamentos que temos diante de
situações adversas.

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