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Questão 1

A Divina Comédia é um poema épico de autoria de Dante Alighieri, composto


no século início do século XIV. É um poema altamente alegórico, narrando sua
peregrinação por entre os três planos da existência pós-vida: Inferno, Purgatório e
Paraíso, guiado por seu mentor artístico, o poeta romano Virgílio, bem como por sua
amada Beatriz. Fortemente influenciado pela moral religiosa, cultural e política da
época, é uma obra que também presta homenagem a figuras importantes do
passado: poetas, heróis e reis greco-latinos assim como personalidades
eclesiásticas proeminentes, demonstrando o vasto arcabouço cultural de Dante.
Para esta leitura, decidi me deter ao Livro I: Inferno, reconhecidamente o mais
aventureiro, mas claro, sem deixar de reconhecer a composição elevada dos outros.

Logo no princípio, nos deparamos com Dante no meio de uma floresta escura,
sem sabermos como ou o que o levou até lá. O próprio não nos diz muito, além do
fato de ser uma floresta “no meio da vida”. Ao encontrar uma saída, é logo atacado
por feras, marcadamente alegóricas, que o fazem retornar. É onde o alcança Virgílio
e revela sua missão de o guiar, mas não pelo caminho usual. É preciso descer ao
inferno, enfrentar provações e desventuras, para que se alcance o intento almejado
de reunir-se com sua amada Beatriz, que também o guiará. Desde aqui, vemos uma
característica de Dante que me cativou a atenção: sua vontade pusilânime, melhor
dizendo, sua descrença em si mesmo. Apesar de ter todos os indícios de que sua
empreitada está assegurada por alguém superior, Dante frequentemente demonstra
um espírito tenso. De todos os heróis que desceram ao submundo que conheci nas
mitologias, em Dante foi o primeiro que encontrei esse aspecto. Obviamente ele não
era um soldado, um lutador, mas ainda estava amparado por uma intenção divina.
Refletindo comigo, talvez esse fato tenha-o aproximado mais de nós enquanto
humanos do que aqueles heróis que torcíamos nas epopeias. Dante se apieda e
chora, desmaia e treme, diante de tanto horror. Muito possivelmente isso sucederia
a mim também.

Por outro lado, Virgílio é quem se destaca como força moral, incorruptível.
Curioso pensar que Virgílio é quem acredita piamente no sucesso da missão dada a
ele por um ser iluminado pela graça de uma fé alheia. Virgílio viveu na época
anterior ao cristianismo primitivo, quer dizer, não foi alcançado pela graça, estando,
portanto, apartado da redenção por uma questão de poucos anos. Mas ele não
titubeia. Sempre temos pessoas próximas que, ainda que não sejam religiosas,
ainda que professem outras fés, nos amparam em momentos da vida quando
estamos desanimados.

Durante seu percurso, Dante entra em contato com pessoas conhecidas,


mentores e inimigos, todos pagando suas devidas penas. Uma aparição interessante
é a do casal adúltero Paolo e Francesca, condenados por expressarem seu
envolvimento em um beijo. Era uma época rígida, de fato, mas me pego a pensar
até onde nossa visão sobre o amor e as relações mudou desde então. Talvez
fôssemos nós os condenados por “curtir uma foto”, “mandar um áudio”, ou qualquer
outro comportamento virtual. Amor, compromisso, infidelidade, desde sempre foram
assuntos delicados. Para Dante e, acredito que para a ótica medieval no geral, o
amor prestigioso era o de Beatriz, o amor que se coaduna com o propósito religioso,
que conduz à elevação do espírito. De minha parte, acredito não haver graus de
valor entre as diversas facetas do amor. O amor de um casal que trabalha todos os
dias para criar seus filhos é tão sublime e bonito quanto a caritas anunciada por São
Paulo. O que se tem feito no curso da História é tentar encaixá-lo em moldes e
condenar o que foge deles.

Outro episódio que me cativou foi a passagem pelo sétimo círculo, onde se
encontram os suicidas transformados em árvores espinhosas. Interessante a forma
como Dante escolhe retratá-los, pois a árvore sempre foi associada à vida; uma
semente pode passar anos guardada mas ainda germinará se plantada. É como se
aqueles que se desfizeram de suas próprias vidas voltassem para gerar a vida
nesse terreno inóspito, e ainda sangram quando cortados igual se derrama a seiva
das árvores de verdade. Uma imagem poética bonita até e, ao mesmo tempo, triste.

Finalizando, certamente foi uma leitura que me impactou muito. É preciso


voltar a ela muitas vezes mais, absorver todas as minúcias dessa obra inigualável da
cultura mundial, ver com outros olhares em outras épocas da vida. Curioso é que o
adjetivo dantesco tenha significado justamente de algo infernal, medonho, pavoroso,
tão fortemente está ligada a imagem desse primeiro livro na imaginação popular.
Questão 2

No poema de Arnaut Daniel, observamos algumas características marcantes


que condizem com as definições da lírica trovadoresca. Já na primeira estrofe é
evidente a evocação da natureza em comparação à lembrança da amada: ao ver o
campo florido, o poeta inspira-se a declarar seu intento. No ultimo verso da primeira
estrofe, outro ponto bastante presente: os pássaros como mensageiros.

Na segunda e mais pontualmente na terceira estrofe, o eu lírico demonstra


outra marca associada ao período dessa produção: o ser amoroso enquanto vassalo
do Amor, alguém a quem não tem escolha senão servi-lo. A quem o Amor escolhe
como seus súditos não há escapatória senão a sofreguidão.

A quinta estrofe nos coloca em contato com outro aspecto marcante, a


distância do amador ao seu objeto amado, “fechado a ferrolhos”. É uma empresa,
enfim, irrealizável, onde o eu lírico é mártir. E na última estrofe, o eu lírico revela-se
todo submisso, não dando espaço sequer para outra afeição, diante de sua Dama.
Essa é a concepção cardeal da poesia trovadoresca.

Questão 3

O texto de Ventadorn traz um elemento visual bastante icônico: os pássaros e


a sua liberdade de ação. O ser amador sonha ser pássaro, escapar. O de Campos
brinca com essa imagética, retomando e atualizando o mote de Ventadorn: pássaros
pousam em antenas agora. Em Campos temos uma presença ilustre: as cotovias,
pássaro que anuncia a manhã, imortalizadas na fala de Romeu, o amante trágico-
mor. Não se veem cotovias nas antenas, se veem bem-te-vis, um paralelismo ao
verso "Espelho, pois que te vi bem." Ocorre outro paralelismo interessante nos
versos "entre ouvidas apenas... entrevês entre vídeos", num jogo lúdico onde o
poeta trovador despe-se do sonho e encara o realismo do cotidiano.

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