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Calopsita – um mergulho no cotidiano

Calopsita é o primeiro livro de Eduardo Silveira. Ele nos apresenta um conjunto de


poemas marcados por uma ironia agridoce que se manifesta, sobretudo, na coloquialidade da
linguagem. E é na linguagem que está a força desses textos. Eduardo consegue sintetizar
literariamente a rapidez, a fragmentação, o despojamento de toda uma geração marcada pela
escrita na internet. Não se tratam, obviamente, de poemas mal escritos ou desleixados, mas de
uma opção estética que consegue emular criativamente o espírito de uma época.

Viktor Chklovski, crítico e teórico literário russo, criou a premissa de que o literário
acontece pelo estranhamento da linguagem. É como se o literário fosse uma oposição à
linguagem prosaica, que visa mais a comunicação. Em russo, o neologismo usado por Chklovski
foi “ostranenie” que também foi traduzido como singularização e desfamilirização. Assim,
estranhamento, singularização e desfamilirização são ideias que fazem do discurso literário uma
diferença, um afastamento do comum, um jeito de escrever que, ainda no dizer dos formalistas,
lustra as palavras, dão a elas novos brilhos.

Esse conceito de estranhamento pode ser aplicado em Calopsita, mas por outra ordem.
Normalmente, a ideia é metaforizar, criar imagens, propor pelo discurso poético uma entrada
no sublime, um trabalho elaborado e formal com a linguagem até que ela se afaste do banal, do
cotidiano, daquilo que a acostuma e a torna opaca. Eduardo Silveira propõe nesse livro um
caminho inverso: o mergulho não é para fora da linguagem cotidiana, mas para dentro. Não é
um afastamento, mas um encontro, uma forma de imiscuir-se (para usar uma palavra rara que
o poeta provavelmente não usaria) à linguagem mais banal, mais usada.

Essa escolha de Eduardo Silveira pode ser um problema para os mais puristas, no
entanto, em Calopsita é uma estratégia estética que resulta bastante contundente. O poeta
arrasta a poesia para o cotidiano, para o dia a dia da linguagem. O poeta propõe a poesia dentro
do que aparentemente não tem poesia: um bilhete, uma observação qualquer no shopping, um
recado para si, uma homenagem a alguém, relatos breves de leitura, intertextualidades são
mecanismos que operam nesse Calopsita. E operam com palavrões, abreviaturas,
incongruências gramaticais. A força e a invenção de Eduardo é conseguir tornar a linguagem
mais banal em ferramenta capaz de romper alguns padrões, normas. Podemos pensar esses
poemas como ready-mades, objetos capazes de estranhar o olhar acostumado, justamente
porque foram dispostos além do que se espera deles.

O mergulho de Eduardo no cotidiano é frontal e inventivo porque o poeta não se assusta


com o banal, não se irrita com o simples, ele o agarra, o desfibrila e o poetiza como uma
Calopsita faria: de forma rápida, inteligente e irônica.

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