Você está na página 1de 1

O que quer o que pode esta Língua?

Pólvora, ponte, saudade. Mera ponta da Europa. Esta Língua pode


abrasileirar-se, africanizar-se, aziar-se: Macau é aqui na esquina, Angola do outro
lado da rua, onde nóis fumo, nóis vai, nóis vorta no vórtice da palavra, no vértice
latino dos analfabetos:

- Seu nome, por favor.


- Aurélio, mas não sei ler nem escrever, meu senhor! Falar eu sei. Digo
aqui tudo que preciso para que o senhor me entenda.

E Aurélio fala-diz sentimentalidades, tem as Canções do Exílio dentro de si,


mesmo não encontrando conceito que traduza abandono.
Nonada. Deus esteja em tua concentração de palavras, Aurélio.
Agora a pedra no meio do caminho é outra, castigo de retinas cansadas. A
mistura submissa, o aceite, o azeite pragmático dos irmãos do Norte.

- My friend, O importante é o speak up!


- I know, I know, mas…

Masnada. Delete e crash e cash e reinicialize e ponha apóstrofos em todos


os nomes e venda muito aos endinheirados antes dos sells off, antes que o Aldo
Rebelo expulse as palavras estrangeiras do nosso sagrado território lingüístico,
inclusive as chinesas que ainda estão no útero do novo Império.
Ainda assim, no Brasil-país-do-futuro, líder-natural-da-América-Latina, o
que pode, o que quer esta Língua? Quer viver na boca diária dos seus falantes.
Pode ser mastigada sem plurais e concordâncias, temperada com orações
desordenadas, inconclusas, perfeitas.
Esta Língua pode ser-estar aonde nenhuma outra vai. Serestar arcaica no
vós temeis, vos sabeis, vós amais. Vós não falais nem escreveis mais assim.
Agora a voz é outra, menor, rápida, na tela do computador surge a falaescrita: de
onde vc tc?, daora vc quer tc aqui? uia...eu tb toko guitarra.
A Língua lambe o novo. É no erro que ela se poetiza: puta de esquina, freira
de claustro, mulher amarga e doce, barroca lavadeira esfregando-se mundo afora.
A Língua agüenta. O que não agüenta é o ouvido erudito dos gramáticos.

Quem sabe um dia ouçamos para que possamos acreditar:


- Let´s go my dear! Vamos ver como é bonita a linguagem dos índios
afrotugueses que habitam aquele país ali embaixo.

Rubens da Cunha

Você também pode gostar