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A MORTA

um mosaico, pois a peça é uma teia de referências (intertextos), os personagens não têm
suas personalidades próprias, funcionam como índices. Beatriz, a personagem central,
que foi a musa inspiradora de Dante; Horácio, grande poeta lírico; o personagem Urubu,
que faz referência ao O Corvo de Edgar Allan Poe; o Poeta, que apresenta sua autópsia; o
Hierofante, uma espécie de bruxo que abre a peça e chama a plateia a assistir a autópsia
do indivíduo; o personagem Uma Roupa de Homem, que vai dialogar com a vanguarda,
quer nome mais surreal que uma roupa de homem?.
            Essa grande metáfora de assistirmos a autópsia do individuo revela a sociedade
podre e, a partir daí, passamos a refletir sobre ela. O mergulho subjetivo para a morte nos
faz pensar na vida, é preciso “visitar a morte” para conhecer a vida,

Num jogo de duelo novo vs antigo, metalinguagem e poética se fundem na peça (o


personagem O Poeta no primeiro ato lírico – O País do Indivíduo – transmite a
metalinguagem.
            A peça é de um grande valor poético e metalingüístico. Reflete tanto os ideais de
vanguarda, gramáticos – que os modernistas atacaram, veja-se no segundo ato lírico da
peça, "O País da Gramática", o indivíduo preso a essa “ordem conservadora”; vale lembrar
também que a ruptura com essa ordem conservadora gramatical foi defendida pelos
futuristas, e Oswald bebe muito do futurismo. Abaixo, transcrevo o discurso do Hierofante,
personagem que abre a peça e nos convida para a autópsia.
O Hierofante
(surgindo na avant-scène, senta-se sobre a caixa do ponto).
 - Senhoras, senhores, eu sou um pedaço de personagem, perdido no teatro. Sou a
moral. Antigamente a moralidade aparecia no fim das fábulas. Hoje ela precisa se
destacar no princípio, a fim de que a polícia garanta o espetáculo. Esse estiole o ríctus
imperdoável das galerias. Permanecerei fiel aos meus propósitos até o fim da peça. E
solidário com a vossa compreensão de classe. Coisas importantes nesta farsa ficam a
cargo do cenário de que fazeis parte. Estamos nas ruínas misturadas de um mundo. Os
personagens não são unidos quando isolados. Em ação são coletivos. Como nos
terremotos de vosso próprio domicílio ou em vastas penitenciárias, assistireis o
indivíduo em fatias ou vê-lo-eis social ou telúrico. Vossa imaginação terá de quebrar
tumultos para satisfazer as exigências da bilheteria. Nosso bando precatório é
esfomeado e humano como uma trupo de Shakespeare. Precisa de vossa corte. Não vos
retireis das cadeiras horrorizados com a vossa autópsia. Consolai-vos em ter dentro de
vós um pequeno poeta e uma grande alma! Sede alinhados e cínicos quando atingirdes
o fim do vosso próprio banquete desagradável. Como os loucos, nos comoveremos por
vossas controvérsias. Vamos, começai!

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