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Parte I – Poema para análise

Sintonia para pressa e presságio

1. Escrevi no espaço.
2. Hoje, grafo no tempo,
3. na pele, na palma, na pétala,
4. luz do momento.
5. Soo na dúvida que separa
6. o silêncio de quem grita
7. do escândalo que cala,
8. no tempo, distância, praça,
9. que a pausa, asa, leva
10. para ir do percalço ao espasmo.
11. Eis a voz, eis o deus, eis a fala,
12. eis que a luz se acendeu na casa
13. e não cabe mais na sala.1

Paulo Leminski

Parte II – Análise do poema

Paulo Leminski Filho foi um escritor e crítico literário brasileiro, destacou-se,


sobretudo, por sua contribuição significativa para a literatura contemporânea. Nascido em
Curitiba, Leminski emergiu como uma figura multifacetada, transitando entre a poesia, a
prosa e a crítica literária. Reconhecido por sua habilidade em combinar elementos da tradição

1
LEMINSKI, Paulo. Toda Poesia. Editora Companhia das Letras. 2013
oriental com a sensibilidade poética brasileira, sua obra reflete uma fusão única de
influências, incluindo o haicai japonês e a poesia concreta. Suas composições poéticas são
marcadas por uma linguagem concisa e imagens vívidas, explorando temas que vão desde a
espiritualidade até questões sociais e existenciais. Leminski, além de sua produção poética, foi
um agente ativo no cenário cultural brasileiro, participando ativamente do movimento
marginal e contribuindo para a revitalização da poesia contemporânea.

No entanto, a vida de Leminski foi interrompida prematuramente em 1989, deixando


um legado duradouro na literatura brasileira. Sua influência transcende fronteiras literárias,
sendo reconhecido não apenas como um poeta inovador, mas também como um pensador
perspicaz e provocador. Através de sua escrita Leminski deixou uma grande marca desafiando
convenções literárias e enriquecendo o panorama poético do Brasil com sua originalidade e
profundidade de expressão. O biógrafo brasileiro Toninho Vaz fez uma longa pesquisa sobre a
vida do poeta no livro “Paulo Leminski: o bandido que sabia latim”.

No entrando, a poesia "Sintonia para pressa e presságio", nos leva primeiramente a


analisar sua estrutura métrica. O poema é composto por versos curtos e concisos, sugerindo
uma cadência rápida que contribui para a atmosfera de pressa mencionada no título. A
brevidade dos versos, como por exemplo o 1 e o 4 com poucas palavras, realça a economia
linguística de cada palavra adquirindo um peso significativo.

A métrica não segue um padrão fixo, o que proporciona uma sensação de liberdade e
de flexibilidade. No entanto, a ausência de uma estrutura rígida contribui para a fluidez da
poesia, permitindo que o ritmo e a musicalidade emanem de forma mais orgânica. A escolha
de versos curtos também ressalta a agilidade e a urgência presentes no tema, evidenciando a
habilidade de Leminski em casar forma e conteúdo.

Leminski demonstra uma notável sensibilidade à linguagem ao escolher


cuidadosamente cada palavra, transcendendo a função comunicativa para atingir uma
expressão mais profunda. A metáfora da "luz que se acendeu na casa e não cabe mais na sala",
dos dois últimos versos, o 12 e o 13 é particularmente ilustrativa. Essa imagem visual não
apenas apela para os sentidos, mas sugere uma transcendência além das limitações físicas e
convencionais.

Quando lemos Octavio Paz, em "O Arco e a Lira", quando no começo do livro ele
discute a necessidade de os poetas encontrarem uma linguagem que vá além das palavras
comuns, buscando uma dimensão simbólica e sensorial, é o que percebemos aqui nessa
metáfora. Leminski, nesse poema, parece responder a esse chamado, criando uma sintonia
única entre as palavras e os sentimentos evocados.

A metáfora central de "Sintonia para Pressa e Presságio", em que Leminski descreve a


"luz que se acendeu na casa e não cabe mais na sala", transcende a mera descrição visual,
estendendo para além dos limites físicos da imagem. Essa expressão poética não é apenas uma
representação sensorial, mas um convite para a contemplação de uma nova realidade. A luz,
nesse contexto, assume uma qualidade simbólica que ultrapassa as fronteiras da compreensão
convencional.

Ao conectar essa metáfora ao que Octavio Paz diz no começo de "O Arco e a Lira",
vemos uma busca de Leminski por uma linguagem que va além das palavras comuns e a
proposta de Octávio Paz de explorar uma dimensão simbólica e sensorial na poesia. A "luz"
torna-se um símbolo, uma entidade que não está contida pela sala, representando algo que
transcende as barreiras físicas e, por extensão, as limitações da linguagem ordinária.

Ao evocar essa imagem, Leminski responde ao chamado de Paz para os poetas


explorarem uma linguagem mais ampla e simbólica. A "sintonia" entre as palavras escolhidas
e os sentimentos evocados sugere uma harmonização entre a linguagem e a experiência
poética, transcendendo as convenções literárias. Nesse sentido, Leminski atinge uma
dimensão poética que não se restringe a simples comunicação, mas que mergulha nas
profundezas do simbolismo, proporcionando uma experiência única e expansiva para o leitor.
A metáfora da luz não apenas ilumina a sala, mas também lança luz sobre a capacidade do
poeta em revelar significados mais amplos e transcendentais por meio de sua expressão lírica

Podemos concluir então ressaltando a influência oriental na poesia de Leminski e


como essa perspectiva se entrelaça com os princípios discutidos por Octavio Paz em "O Arco
e a Lira".

A metáfora da "luz que se acendeu na casa e não cabe mais na sala" em "Sintonia para
Pressa e Presságio" de Paulo Leminski revela não apenas uma visão poética mas também uma
conexão com a filosofia oriental onde a luz frequentemente simboliza a iluminação espiritual.
Essa imagem, alinhada com as ideias de Octavio Paz sobre a necessidade de transcender a
linguagem comum em busca de uma dimensão simbólica, demonstra a capacidade de
Leminski de criar uma poesia que vai além das fronteiras convencionais.
A influência oriental na poesia de Leminski é visível em suas metáforas e na busca por
uma linguagem que abrace muito simbolismo, parece ser uma peça fundamental nesse
quebra-cabeça poético. Assim, a "sintonia única" entre as palavras e os sentimentos, ao
responder ao chamado de Paz para uma linguagem poética mais expansiva, reflete não apenas
a maestria de Leminski, mas também a influência enriquecedora de uma tradição oriental que
valoriza a transcendência e a síntese entre o sensorial e o simbólico na expressão poética. Essa
união de elementos forma uma tapeçaria poética única, onde as influências orientais e as
ideias de Paz convergem para criar uma obra que vai além das palavras e ressoa na esfera da
experiência espiritual e estética.

Parte III – Referências

PAZ, Octavio. O Arco e a Lira. trad.Ari Roitman e Paulina Wacht. Cosac Naify. 2012
GOLDSTEIN, Norma. Versos, sons e ritmos. Ed. Ática. 2003
VAZ, Toninho. O bandido que sabia latim. Ed. Record. 2001.

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