Você está na página 1de 24

236

CAPÍTULO 16 – ESTUDO DA POESIA: A MÉTRICA

ALGUMAS NOÇÕES PRELIMINARES

1. POESIA – é uma ARTE, que tem na ‘palavra’ seu principal instrumento de


realização. A ‘palavra’ está para a poesia assim como as cores estão para a pintura,
os sons para a música, o corpo e seus movimentos para a dança...
A ‘PALAVRA’, por sua vez, apresenta várias dimensões, que se interseccio-
nam, sendo fundamentalmente as seguintes: SONORA (fonemas, acentos, entona-
ção...); MORFOLEXICAL (estrutura e significado das palavras em si e no contexto);
SINTÁTICA (organização das palavras e suas relações nos enunciados); SEMÂN-
TICA (o sentido das palavras e dos enunciados, a questão do sinônimos, dos antô-
nimos e dos campos semânticos); PRAGMÁTICA e ESTILÍSTICA (a expressivi-
dade das palavras e enunciados em situações socioculturais, os efeitos produzidos
em função do contexto de uso, a retoricidade discursiva).

2. Como toda ARTE, a POESIA lida com a EMOÇÃO. A palavra “emoção”


deriva da língua latina, dos verbos “moveo” e “emoveo”1, que têm variados sentidos,
conforme as diferentes situações, a maioria relacionada com movimento (físico ou
psíquico): mover, comover, abalar, perturbar, provocar, tirar do lugar, mudar, partir,
excitar, ponderar... – e suas aplicações simbólicas. Portanto, podemos dizer que emo-
ção significa: movimento, impulso, agitação. E é bem isto, pois a arte nos movi-
menta – mexe com a gente por inteiro: corpo, afeto, racionalidade, senso moral,
senso estético, espiritualidade!

3. A emoção mexe com nosso corpo: a gente se sensibiliza com um pôr de sol
ou um luar; com o canto das aves; com uma flor: sua forma, cores, perfume; com a
suavidade de uma brisa ou a fúria de um vendaval! A emoção mexe com nossos afe-
tos: o abraço apertado na pessoa amada que há tempo não víamos; o sorriso triste de
alguém que sofre em silêncio... A emoção mexe com nossa racionalidade: a lógica
irretocável de uma argumentação; a sutileza de uma ironia; a beleza de um teorema
de Pitágoras; a perfeição geométrica dos favos de uma colmeia... A emoção mexe com
nossa moral, nossa ética: a solidariedade provocada pelas causas humanitárias; a
indignação contra os corruptos; ou o protesto do poeta Castro Alves diante da injus-
tiça e desumanidade da escravidão sofrida pelos negros africanos, que ele expressou
em poemas como O Navio Negreiro e Vozes d’África... A emoção mexe com nosso
senso estético: a alegria inexprimível de certa melodia; o filme que nos prende e sur-
preende; a precisão e leveza dos movimentos mágicos duma dança; a força magné-
tica de um quadro de Van Gogh ou o enigmático sorriso da Mona Lisa, na famosa
pintura de Leonardo Da Vinci... A emoção mexe com nossa espiritualidade: a força
da fé diante de uma doença; a oração silenciosa, cheia de confiança ou agradeci-
mento; a perplexidade encantada diante do mistério do Universo; a crença num Es-
pírito Superior, na Vida após a morte...

1
Cf. Dicionário latino-português, de José Cretella Júnior e Geraldo de Ulhôa Cintra. 3. ed. São
Paulo: Companhia Editora Nacional, 1953; e Pequeno dicionário escolar latino-português, do
Padre Henrique Koehler, S.J. 8. ed. Porto Alegre: Edição da Livraria O Globo, 1943.
237

E essas formas de emoção em geral não ocorrem isoladas, mas de modo inte-
grado, duas ou três delas simultaneamente em certos momentos ou vivências. O
abraço carinhoso na pessoa amada que reencontramos depois de tanto tempo en-
volve emoções de ordem física, afetiva e espiritual! Os favos de mel nos encantam,
de uma só vez: visualmente, gustativamente, geometricamente e esteticamente!

4. De todos esses tipos de emoção o poeta extrai a matéria-prima para os seus


poemas! E procura, com eles, suscitar nos seus leitores emoções equivalentes – o
que é um dos principais objetivos da obra de arte! Por isso podemos então dizer
que, de certo modo, a emoção, entendida assim de modo amplo e múltiplo, vem a
ser a principal fonte e motor da inspiração artística!

5. O grande arquiteto franco-suíço Le Corbusier (1887-1965), a respeito de uma


de suas obras-primas, a casa conhecida como Villa Savoye, disse que ela é uma “ma-
chine à emouvoir”, ou seja, uma “máquina de comover, uma máquina de produzir
emoção”. O mesmo podemos dizer, apropriadamente, da poesia: que ela é uma “má-
quina para produzir emoção”. E isto tem muito a ver com o escreveu o genial poeta
português Fernando Pessoa em seu poema Autopsicografia2:

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que leem o que escreve,


Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas da roda


Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama o coração.

Lembrando-nos que o “fingimento poético” equivale à ficcionalização que é


inerente a toda obra literária, da qual a experiência pessoal é matéria-prima devida-
mente transfigurada, “fingida”, pela imaginação criadora do artista.

6. Mas, para construir um poema, não basta a emoção – é necessário que o


poeta conheça e domine os instrumentos aptos a transformarem essas emoções em
obras de arte. A palavra artística tem que ser adequadamente trabalhada – para
atingir sua pretendida finalidade estética: provocar emoção! E a possibilidade de
o poeta ser bem sucedido nessa criação depende, em geral, de uma harmoniosa in-
tegração ou cumplicidade entre dois fatores básicos:

1) a intuição e sensibilidade do artista [o talento natural];


2) e seus conhecimentos teóricos e habilidades técnicas [o domínio artesanal].

2
PESSOA, Fernando. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1976, p. 164-165.
238

7. A este respeito, dois importantes poetas assim se pronunciaram.


❖ Horácio, o grande poeta clássico da literatura latina, que viveu entre os anos
65 e 8 antes de Cristo – em seu livro Arte Poética3 afirma que o poema que
merece aplauso – “poema digno de louvor”, como ele diz – é aquele que “re-
sulta da harmoniosa cumplicidade” entre o “engenho” (ou seja: o dom natural,
a intuição) e a “arte” (ou seja: o estudo, o domínio técnico e o trabalho).
❖ Carlos Drummond de Andrade, um dos nossos poetas maiores, na crônica Au-
tobiografia para uma revista4, declara: “Entendo que poesia é negócio de
grande responsabilidade, e não considero honesto rotular-se de poeta quem
apenas verseje por dor-de-cotovelo, falta de dinheiro ou momentânea tomada
de contato com as forças líricas do mundo, sem se entregar aos trabalhos co-
tidianos e secretos da técnica, da leitura, da contemplação e mesmo da ação.”
Portanto, como qualquer arte, a poesia também tem seus fundamentos teóri-
cos, bem como sua técnica (ou artesanato), com seus materiais, convenções e proce-
dimentos. Seu relativo domínio por parte do escritor constitui condição prévia para
a elaboração do poema.
E é disto que vamos tratar neste capítulo e nos próximos, ou seja, dos quatro
componentes artesanais básicos da Arte Poética: a MÉTRICA, o RITMO, a RIMA
e o DISCURSO POÉTICO. São conhecimentos elementares que interessam ao poeta
consciente de seu ofício, mas que também interessam ao leitor que quer melhor usu-
fruir do poema e ao estudioso que deseja fazer uma análise interpretativa mais ade-
quada de uma obra poética.

Este estudo dos princípios teóricos e técnicos da organização do


verso e, consequentemente, da estrofe e do poema, é conhecido como
VERSIFICAÇÃO.

Mas, antes disso, aqui vai um esclarecimento de questão terminológica que


me parece oportuno: é sobre os significados e usos dos termos “poesia” e “poema”.
Reproduzo a seguir o texto de um artigo meu (inédito) sobre esta matéria:

POEMA OU POESIA?
É frequente, em cursos, palestras, oficinas sobre Poesia, me perguntarem se “poe-
sia” e “poema” são vocábulos que designam realidades diferentes ou se podem ser usa-
dos como sinônimos. Creio que a dúvida é gerada por causa de conceitos disseminados
em livros didáticos e sítios da internet onde o assunto é abordado, e reparo que se trata
usualmente de uma repetição irrefletida, mecânica, de conceitos em parte equivocados.
Vou expor minha opinião sobre este assunto, fruto de minhas pesquisas, observa-
ção e reflexão, ao longo de mais de quarenta anos em que tenho lecionado Teoria Literá-
ria e Literatura Brasileira em quatro instituições de ensino superior: duas universidades

3 Cf. A poética clássica: Aristóteles, Horácio, Longino. Tradução de Jaime Bruna. São Paulo:
Cultrix,1981.
4 ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1992, p. 1344-

1345.
239

públicas (UFPR; UEPG) e duas instituições privadas (Universidade Tuiuti, em Curitiba;


Faculdade Secal, em Ponta Grossa) – além de atividades diversas junto a professores do
Ensino Fundamental e do Ensino Médio.
A questão me parece bastante simples e vou explicá-la a partir da palavra “poe-
sia”. Este é um termo que pode ser usado em quatro sentidos distintos, embora aproxi-
mados, com diferentes abrangências, dependendo do contexto de seu emprego e das
intenções dos interlocutores.
Primeiramente, poesia é um termo empregado, com sentido bem amplo, em refe-
rência ao senso estético das pessoas. Ou seja, todos nós temos uma natural propensão
para apreciar o que é belo, bonito, agradável, tanto em obras ou fenômenos produzidos
pelo ser humano como naqueles encontrados na natureza. Dessa maneira, podemos falar
da poesia que há num gesto de altruísmo, da poesia de um olhar ou de um sorriso, da
poesia de uma fragrância criada por um perfumista, de um filme, de uma coreografia,
de uma pintura, como também podemos falar da poesia que há numa noite estrelada ou
num ipê todo florido. Enfim, tudo o que suscita em nós um certo encantamento indefi-
nível, mas sensível, que ativa em nós o íntimo senso estético – tudo isto é poesia, e assim
vivenciamos a experiência poética nas mais variadas situações.
Num segundo sentido, no âmbito mais técnico dos Estudos Literários, poesia é o
termo que se usa para identificar um dos três grandes “gêneros” da Literatura: ao lado
da narrativa (romance, conto...) e do teatro (tragédia, comédia...) está o gênero poesia.
Em geral é termo empregado para se referir à poesia lírica, ou seja, à poesia de teor mais
subjetivo e emotivo, mas é claro que existe a poesia épica, de caráter coletivo, que conta
a história de um povo, com suas batalhas, conquistas e heróis... Dentro do gênero literá-
rio “poesia” estudam-se a sua natureza, suas características, seus constituintes (métrica,
ritmo, rima...), peculiaridades de sua linguagem, e as diversas modalidades ou espécies
de poemas, como a trova, o soneto, o haicai, a balada, a ode...
Já num terceiro sentido, poesia pode sim ser empregado como sinônimo de poema
– entendido como uma determinada composição literária, em geral escrita em versos.
Por exemplo, o Soneto de Fidelidade, de Vinícius de Moraes, ou Morte e Vida Severina,
de João Cabral, podem ser chamados de poesia ou poema – cada um deles constitui uma
realização artística singular. Olavo Bilac, nosso poeta parnasiano mais popular, escreveu
variada obra poética, como os sonetos de Via-Láctea, o poemeto épico O Caçador de
Esmeraldas, o conjunto de sonetos de Tarde, sua última produção – e ele reuniu todos
os seus poemas (menos os poemas infantis) num só livro ao qual deu o título geral de
Poesias, ou seja... poemas. De Manuel Bandeira, poeta e cronista do Modernismo, temos
o livro de poemas intitulado Estrela da Vida Inteira, cujo subtítulo é Poesias reunidas,
ou seja: poemas reunidos... Portanto, vemos que os próprios poetas usam os termos po-
esia e poema como sinônimos, para se referirem às suas produções.
Um quarto e último sentido que vejo para a palavra poesia é sua aplicação ao conjunto
da obra poética de um autor. Por exemplo, “vou estudar a poesia [a obra poética] de
Mário Quintana”; ou “a poesia [a obra poética] de Augusto dos Anjos causa muita es-
tranheza por sua temática e linguagem.” Observemos que a grande poetisa contempo-
rânea, Adélia Prado, juntou seus cinco primeiros livros de poemas numa obra intitulada
Poesia Reunida, ou seja, juntou toda a sua obra poética até então produzida.
Espero que, com estas explicações a respeito dos quatro sentidos possíveis no uso
da palavra poesia, e sua relação com o termo poema, o assunto tenha ficado um pouco
mais esclarecido.
240

1. MÉTRICA – PROCEDIMENTOS DE ESCANSÃO

VERSO E SÍLABAS POÉTICAS – De modo geral, o poema estrutura-se com


palavras organizadas em linhas que são medidas levando-se em conta o número de
suas sílabas – e cada uma dessas linhas medidas chama-se verso.5
Portanto, a sílaba é a unidade estrutural do verso, e, por sua vez, o verso cons-
titui a menor unidade estruturada do poema.
Estas sílabas do verso recebem o nome de sílabas poéticas ou sílabas métricas.
Um verso pode estar estruturado com apenas uma ou duas sílabas, assim como pode
conter sete ou doze sílabas, por exemplo.

PAUSA VERSAL – Ao final de cada verso ocorre uma pequena pausa, cha-
mada pausa versal ou pausa métrica. Ela é obrigatória, ou seja, tem que ser respei-
tada quando se faz a leitura ou declamação de um poema, mesmo que a estrutura
sintático-semântica de um verso continue e se complete no verso seguinte.

ESCANSÃO. A contagem das sílabas poéticas de um verso obedece a algu-


mas convenções: constituem princípios ou procedimentos básicos, estudados pela
MÉTRICA ou METRIFICAÇÃO. Chama-se escansão a técnica de contagem dessas
sílabas poéticas; o verbo correspondente é escandir.

➢ Duas observações importantes


1. O poema é, antes de tudo, um artefato sonoro, embora em geral se apresente
na forma escrita. Como consequência, a escansão baseia-se na pronúncia, na sono-
ridade (tem base fonética6), por isso nem sempre a divisão das sílabas poéticas vai
coincidir com a divisão gramatical das sílabas, pois esta baseia-se na escrita.
2. Lembrar-se que, em português, o núcleo de qualquer sílaba sempre é uma
vogal – ela é o único fonema (som) obrigatório para a formação de uma sílaba.
Portanto, uma palavra terá tantas sílabas quantas vogais ela tiver. Observemos isto
na palavra “eclipsados”: e-clip-sa-dos = quatro vogais = quatro sílabas de estruturas
diferentes, sendo que a primeira sílaba só é composta pela vogal “e”.
 Mas tomar cuidado em diferenciar vogal de semivogal. Comparemos estas
duas palavras: 1) os “pais” = em que o “a” é vogal e o “i” é semivogal, pronun-
ciado junto com a vogal, formando um ditongo com ela - então esta palavra tem
apenas uma sílaba “pais”; 2) o “país” = palavra em que há duas vogais: “a” e
“í”, pronunciadas separadamente - portanto duas sílabas: “pa-ís”.

5Na chamada poesia visual não se pode, a rigor, falar de “verso” no sentido aqui referido.
6Aconselha-se consultar uma boa gramática e/ou um manual de Linguística, em seus capítulos
sobre fonética, fonologia e ortografia, a fim de se obter informação sobre alguns conceitos ele-
mentares e terminologia própria deste assunto, como: o que é fonema, sílaba, encontro vocálico,
encontro consonantal, dígrafo e tonicidade. Sugestões: Nova gramática do português contem-
porâneo, de Celso Cunha e Lindley Cintra. Rio de Janeiro: Lexikon, 2013; e Moderna gramática
portuguesa, de Evanildo Bechara. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015.
241

Um exemplo bem simples sobre certas diferenças entre a divisão silábica poética
e a divisão silábica gramatical: a palavra “terra” tem divisão gramatical feita com a
separação dos dois “r”: “ter–ra”, mas em poesia separamos assim: “te–rra”, man-
tendo os “rr” juntos pois estas duas letras (dois grafemas) valem apenas um som
(um fonema). É o chamado dígrafo: duas letras representando um único som.
Outro caso: há palavras que, dependendo da pronúncia, podem ter uma sílaba
a mais ou a menos. Por exemplo, a palavra: “riacho” tem gramaticalmente três síla-
bas: “ri–a–cho”, e o poeta pode usar estas três sílabas no seu verso. Mas se precisar
de apenas duas sílabas, ele vai contar como tendo duas sílabas: “ria–cho”, aprovei-
tando-se dessa variabilidade que ocorre na pronúncia de certos vocábulos.

✓ Vamos ver agora QUATRO PROCEDIMENTOS BÁSICOS de ESCANSÃO,


ou seja, de realização e contagem das sílabas poéticas.
Existem outros procedimentos, mas estes são os mais importantes.

PRIMEIRO PROCEDIMENTO

As sílabas poéticas são contadas só até a última sílaba tônica do verso –


desconsiderando-se eventuais sílabas átonas (fracas) que vierem depois dela.
Ou seja: o verso acaba na última sílaba tônica.

Assim, no caso de o verso:


1) Terminar com palavra OXÍTONA (Paraná, também, saci, computador,
bambu...) ou MONOSSÍLABO TÔNICO (mar, pé, ri, sol, luz...) – não sobra ne-
nhuma sílaba átona = é o chamado VERSO AGUDO.
2) Mas se terminar com palavra PAROXÍTONA (admirável, floresta, amigo,
horroroso, futuro...) – vai sobrar uma sílaba átona = é o chamado VERSO GRAVE,
trata-se do caso mais frequente, porque a língua portuguesa tem um alto percentual
de palavras paroxítonas (mais ou menos 80%).
3) E se terminar com palavra PROPAROXÍTONA (música, polêmico, explícito,
Sócrates, crepúsculo...), vão sobrar duas sílabas átonas = é o chamado VERSO
ESDRÚXULO, o tipo mais raro de ocorrer.

Portanto, repetindo: em qualquer um dos três casos,


a medida do verso termina na última sílaba tônica.

Vamos supor que sejam versos estes três enunciados abaixo. Podemos observar
que todos têm sete sílabas poéticas, embora terminem com tonicidades diferentes –
um termina com oxítona, outro com paroxítona e o último com proparoxítona.

1 2 3 4 5 6 7
E les mo ram no ser tão = verso agudo
E les mo ram na ci da (de) = verso grave
E les mo ram na re pú (bli ca) = verso esdrúxulo
242

Agora vamos exemplificar cada tipo – agudo, grave e esdrúxulo – com três ver-
sos reais de diferentes poemas. E aproveito para deixar explícito que considero letra
de canção como sendo uma modalidade de poema. Aliás, basta lembrar que o Prê-
mio Nobel de Literatura de 2016 foi concedido ao cantor e compositor norte-ameri-
cano Bob Dylan, justamente por causa da excelência das letras de suas canções. Ou,
nas palavras da Academia Sueca, que concede esse Prêmio, "por ter criado novos
modos de expressão poética no quadro da tradição da música americana”.7

VERSOS AGUDOS
Cantando coisas de amor (A banda, Chico Buarque)

E o repelente animal
Prepara o bote fatal (Pé de pilão, Mário Quintana)

VERSOS GRAVES
Minha terra tem palmeiras (Canção do exílio, Gonçalves Dias)
Eu canto porque o instante existe (Motivo, Cecília Meireles)
De tudo, ao meu amor serei atento (Soneto de Fidelidade, Vinícius de Moraes)

VERSOS ESDRÚXULOS
Quando na grave solidão do Atlântico (A sereia de Lenau, Manuel Bandeira)
Amou daquela vez como se fosse a última (Construção, Chico Buarque)
Ouviram do Ipiranga as margens plácidas (Hino Nacional, Osório Duque
Estrada)
Na tradição poética de língua portuguesa, os metros (as medidas) do verso
regular vão de uma a doze sílabas poéticas, e em razão disso cada verso recebe um
nome específico, a saber:

NÚMERO DE
NOME DO VERSO
SÍLABAS
1 sílaba monossílabo
2 sílabas dissílabo
3 sílabas trissílabo
4 sílabas tetrassílabo
5 sílabas pentassílabo ou redondilha menor
6 sílabas hexassílabo (pronúncias da letra “x”: [ks] ou [z] )
7 sílabas heptassílabo, setissílabo ou redondilha maior
8 sílabas octossílabo
9 sílabas eneassílabo
10 sílabas decassílabo
11 sílabas hendecassílabo
12 sílabas dodecassílabo e alexandrino. (O alexandrino é um do-
decassílabo que segue algumas regras especiais.)

7Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Laureados_com_o_Nobel_de_Literatura#Dé-


cada_de_ 2010 - Acesso em: 18 set. 2019.
243

OBSERVAÇÕES OPORTUNAS

1. Os dois metros mais frequentes na poesia de língua portuguesa são:


❖ o de sete sílabas, comumente chamado de redondilha maior, obriga-
tório nas trovas; e usado em muitos poemas famosos como, por exemplo, a Canção
do exílio, de Gonçalves Dias, e o belíssimo Caso do vestido, de Carlos Drummond
de Andrade; além de ser o verso mais típico da Literatura de Cordel;
❖ e o de dez sílabas, ou seja, o decassílabo, o mais usado nos sonetos,
como o Soneto de Fidelidade, de Vinícius de Moraes; propriamente obrigatório na
poesia épica, como em Os Lusíadas, de Camões, e em O Uraguai, de Basílio da
Gama; e muito usado na Literatura de Cordel, com o nome de “martelo agalopado”.

- Trova: poema de uma estrofe só, composta de quatro versos, todos de sete sílabas,
ou seja, todos de redondilha maior.
- Soneto: poema de quatro estrofes, as duas primeiras com quatro versos cada (os
quartetos) e as duas últimas estrofes com três versos cada (os tercetos).

2. Versos com mais de doze sílabas são chamados de versos bárbaros – uma
designação, a meu ver, pejorativa, cuja razão (se é que existe!) ainda não descobri...
Na verdade, estes versos mais longos podem ser considerados versos compostos,
pois resultam da combinação de metros menores.

3. O DECASSÍLABO pode ter variadas construções dependendo da localiza-


ção das sílabas tônicas. Dois tipos são os mais usados e recebem nomes especiais:
3.1 DECASSÍLABO HEROICO: assim chamado porque era normalmente em-
pregado na poesia épica, cuja temática girava em torno de batalhas, conquistas e fei-
tos heroicos. Por exemplo: o poema épico Os Lusíadas, de Camões, é composto por
8.816 versos decassílabos, dentre os quais a maioria é decassílabo heroico.
Marca registrada do decassílabo heroico: é obrigatório que a sexta sílaba seja
tônica, além, é claro, da décima sílaba, que já é acentuada. Outras sílabas podem ser
tônicas também, mas no decassílabo heroico a sexta sílaba sempre será tônica.
É o que podemos constatar nestes versos da primeira estrofe dum famoso so-
neto de Camões (em geral seus sonetos não têm título e são identificados pelo pri-
meiro verso):
Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida descontente,
Repousa lá no Céu eternamente,
E viva eu cá na terra sempre triste.

Eis como fica a escansão desses quatro decassílabos heroicos:


1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Al ma mi nha gen til que te par tis (te)
Tão ce do des ta vi da des con ten (te)
Re pou sa lá no Céu e ter na men (te)
E vi va eu cá na te rra sem pre tris (te)
244

3.2 DECASSÍLABO SÁFICO: assim chamado porque sua origem é atribuída


à grande poetisa grega da Antiguidade: Safo.
A caraterística principal do decassílabo sáfico: a quarta e oitava sílabas são
obrigatoriamente tônicas, além da décima sílaba, que já é acentuada. Alerta: neste
caso nunca pode ocorrer sexta sílaba tônica, que é a marca do decassílabo heroico.
O decassílabo sáfico é bem menos usado que o decassílabo heroico. Vejamos alguns
versos desse tipo, em que assinalamos a quarta e oitava sílaba:
a) De Os Lusíadas (Canto IV, estrofe 2), de Camões, que dele se vale muito
esporadicamente: “Noturna sombra e sibilante vento,”.
b) No poema Aves de arribação, Castro Alves mescla decassílabo sáfico com
heroico. Eis dois exemplos de decassílabos sáficos: “A primavera desafia as asas, /
E mais festiva a habitação sorria.”
c) Do soneto Instante, do livro A vida passada a limpo, de Carlos Drummond
de Andrade: “Uma semente engravidava a tarde.”
Eis como fica a escansão de todos esses decassílabos sáficos:

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
No tur na som bra e si bi lan te ven (to)
A pri ma ve ra de sa fi a a s a (sas)
E mais fes ti va a ha bi ta ção so rri (a)
U ma se men te en gra vi da va a tar (de)

Sobre o Primeiro Procedimento, atenção para estas observações.

1. Os poemas podem se apresentar com versos de métrica padronizada, con-


forme opções do autor, e sobretudo nas formas poemáticas fixas, como a trova e o
soneto, por exemplo. Assim, uma trova será composta de quatro versos de redondi-
lha maior; já um soneto será formado, em geral, só de versos decassílabos. Nesses
casos dizemos que são versos isométricos, ou seja, versos de mesmo metro.
Em outros poemas podem ocorrer metros variados, combinados segundo al-
gum esquema – são os versos heterométricos, ou seja, versos de metros diferentes.
Isto ocorre na Lira XIV8 de Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810?), em que o poeta
combina versos decassílabos com versos hexassílabos (os versos 5 e 8), mantendo
esse padrão em todas as estrofes, como podemos observar nesta terceira estrofe:
Ah! enquanto os Destinos impiedosos
Não voltam contra nós a face irada,
Façamos, sim façamos, doce amada,
Os nossos breves dias mais ditosos.
Um coração, que frouxo
A grata posse de seu bem difere,
A si, Marília, a si próprio rouba,
E a si próprio fere.

8A íntegra desta Lira XIV pode ser encontrada no sítio: http://www.culturatura.com.br


/obras/Mar%C3%ADlia%20de%20Dirceu.pdf - Acesso em: 18 set. 2019.
245

LÉXICO – ditosos: felizes; frouxo: fraco, sem energia; difere (verbo diferir): adia, retarda.
TEMA – Este poema desenvolve o tema do “carpe diem”, expressão latina que se traduz por
“colha o dia”. É usada para exprimir o convite para se aproveitar o momento presente, já
que o tempo é efêmero e não se sabe o que pode acontecer amanhã. No poema, o eu lírico,
usando de diferentes argumentos, tenta convencer a sua amada Marília para aproveitarem
o presente e gozarem dos prazeres do amor. A expressão “carpe diem” é de um poema de
Horácio, um dos maiores poetas clássicos da literatura latina. Lembrar que essa expressão e
tema são explorados no filme Sociedade dos poetas mortos (1989).

2. Considerando com qual tonicidade os versos terminam, os poemas podem


mesclar os três tipos de versos: agudos, graves e esdrúxulos. Mas podem também
apresentar só um tipo, como na lira citada, cujos versos são todos graves, pois ter-
minam com paroxítonas. Já o poema Ismália9, do poeta simbolista Alphonsus de
Guimaraens, todo em redondilha maior, é feito só de versos agudos, pois terminam
com oxítonas e monossílabos tônicos, como os versos da estrofe inicial:

Quando Ismália enlouqueceu,


Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

E Chico Buarque, na letra de sua música Construção10, constrói o poema com


versos dodecassílabos todos esdrúxulos, ou seja, terminados com proparoxítonas –
o que é uma raridade! – como podemos constatar nestes versos da segunda estrofe:

Amou daquela vez como se fosse o último


Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho seu como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbado
Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo num desenho lógico

Para concluir este tópico sobre versos agudos, graves e esdrúxulos, é interes-
sante notar como Castro Alves, no poema Hino ao Sono11, emprega sistematica-
mente estes três tipos de verso – o que não é muito comum.
Nesse poema, o sujeito lírico personifica o Sono como se fosse uma entidade,
e a ele se dirige, atribuindo-lhe uma série de ações e características, e lhe fazendo
súplicas sobre seus amores – tudo num tom levemente irônico...
É ainda interessante observar que Castro Alves rima:

9 O poema Ismália pode ser encontrado na íntegra neste sítio: http://www.releituras.com/al-


phonsus_ismalia.asp - Acesso em: 18 set. 2019.
10 A letra de Construção pode ser encontrada na íntegra no sítio: www.chicobuarque.com.br/le-

tras/construc_71.htm - Acesso em: 18 set. 2019.


11 O poema Hino ao Sono pode ser encontrado na íntegra neste sítio: http://www.jornaldepoe-

sia.jor.br/calves04.html#hino - Acesso em: 18 set. 2019.


246

1) os versos agudos entre si: “visões-ilusões” (4 e 8);


2) os pares de versos graves: “mundo-fecundo” (2 e 3), e “Paço-espaço” (6 e 7);
3) e os versos esdrúxulos, numa rima especial (como veremos no capítulo de-
dicado às rimas): “túnica-prostíbulos” (1 e 5).
O poema se compõe de dez estrofes isométricas, cada uma com oito versos
hexassílabos, com rimas distribuídas sempre da mesma forma, tudo conforme o
padrão observável nesta quarta estrofe:

Em tua branca túnica (esdrúxulo)


Envolves meio mundo... (grave)
E teu seio fecundo (grave)
De sonhos e visões, (agudo)
Dos templos aos prostíbulos, (esdrúxulo)
Desde o tugúrio ao Paço, (grave)
Tu lanças lá do espaço (grave)
Punhado de ilusões!... (agudo)

LÉXICO – prostíbulos: casas de prostituição, bordéis; tugúrio: habitação


pequena e pobre, choupana, casebre; seio: ventre, útero - aqui tem o sentido
metafórico de espaço interior; Paço: palácio, habitação luxuosa, mansão.

3. VERSOS LIVRES – Todos esses exemplos dados são de poemas que se com-
põem de versos padronizados quanto à sua métrica, chamados de versos regulares.
Mas, sobretudo a partir do Modernismo (1922...), os poetas passaram a praticar tam-
bém o chamado “verso livre”, ou seja, os versos com metros não padronizados.
Trata-se de poemas compostos por versos que não obedecem a um esquema regular
de metrificação, ou seja, versos de metros variáveis, que seguem uma dinâmica pró-
pria, muitas vezes ultrapassando a medida das doze sílabas poéticas tradicionais.

No Brasil, como se sabe, o Modernismo teve início oficialmente em fevereiro de


1922, com a Semana de Arte Moderna, realizada no Teatro Municipal de São Paulo.

O poema Tabacaria, do grande poeta português Fernando Pessoa, é um belo


exemplo do emprego de versos livres. O poema vem assinado por um dos seus he-
terônimos: Álvaro de Campos. Eis as duas estrofes iniciais do famoso poema:

Tabacaria

Não sou nada.


Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
247

Janelas do meu quarto,


Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Fernando Pessoa criou vários heterônimos/autores para seus poemas. São po-
etas, personagens, com individualidade própria, de estilo e temática diferenci-
ados. Os mais importantes são: Alberto Caieiro, Ricardo Reis e Álvaro de
Campos; além dos poemas assinados com o próprio nome Fernando Pessoa.

SEGUNDO PROCEDIMENTO

Unir e contar numa mesma sílaba duas ou mais vogais vizinhas e diferentes,
em geral vogais átonas.
✓ SINALEFA: nome que se dá quando as vogais reunidas numa mesma
sílaba pertencem a palavras vizinhas.

✓ SINÉRESE: nome que se dá quando a junção de vogais vizinhas


ocorre dentro da mesma palavra.

Como já sabemos, a cada vogal corresponde uma sílaba. Mas na fala ocorre
com frequência esta situação: pronunciamos juntas, numa sílaba só, duas ou mais
vogais vizinhas.
 Exemplos de sinalefa: “Você trouxe o livro?” - “Disse o arrogante que...”.
 Exemplos de sinérese: “Foram pescar no riacho.” – “Ele conhece bem
aquela região.” (junção da vogal “i” com o ditongo “ão”).
Os poetas fazem com bastante naturalidade essas junções de vogais vizinhas
dentro de seus versos, diminuindo assim o número das sílabas poéticas. Mas, even-
tualmente, quando precisam de um número maior de sílabas num verso, então eles
deixam de fazer a sinalefa ou a sinérese, mantendo o hiato (vogais separadas).
Em geral essas vogais que se unem são vogais átonas (fracas). Mas algumas
raras vezes uma delas pode ser tônica – por exemplo, a primeira: “Você olhou bem?”,
que pode ser pronunciado assim “Vo/cêo/lhou/bem?”; ou a segunda vogal: “Um
antigo ídolo”, pronunciado “Um/ an/ti/go í/do/lo”.
Mas atenção!!! Não haverá junção, ou seja, não haverá sinalefa:
1) se a primeira vogal for nasal – exemplo: “amanhã / iremos”;
2) se as duas vogais forem tônicas – exemplo: “será / ótimo”.
248

Nestes dois casos a pronúncia conjunta das vogais é quase impossível – por
causa da dificultosa articulação, indo contra uma forte lei fonética: a lei do menor
esforço, ou seja, economia de esforço, de energia...
Um efeito na métrica, como já notamos, é que, com a junção de vogais, reduz-
se o número de sílabas no verso. Vejamos como isso acontece na sílaba 6 do verso
“Cantando coisas de amor” (uma sinalefa), da música A banda, de Chico Buarque.
Trata-se de um verso de redondilha maior, agudo, assim escandido:

1 2 3 4 5 6 7
Can tan do coi sas de a mor

Se não fizermos a sinalefa, este verso passa a ter oito sílabas:

1 2 3 4 5 6 7 8
Can tan do coi sas de a mor

Lembrete: na palavra “coisas” o encontro vocálico “oi” é


um ditongo, formado pela vogal “o” mais a semivogal “i”.

Vamos analisar e escandir estes dois outros versos:

1) “E ri-se a orquestra, irônica, estridente” (O Navio Negreiro, Castro Alves).


2) “E ao monótono embalo do acalanto” (de um soneto de Mario Quintana).

Ambos são versos decassílabos. Eis sua escansão, aplicando-se os dois proce-
dimentos, ou seja: 1) parar na última tônica e 2) unir na mesma sílaba vogais em
contato, união que, nestes dois versos, será sempre sinalefa:

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E ri se a or ques tra i rô ni ca es tri den (te)12
E ao mo nó to no em ba lo do a ca lan (to)

Observar que no primeiro destes versos, que tem dez sílabas poéticas, se fizer-
mos a divisão gramatical (não unindo as vogais e contando a sílaba átona final), ele
vai ficar com quinze sílabas gramaticais, assim:

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15
E ri- se a or ques tra, i rô ni ca, es tri den te

Exemplo de duas sinalefas (sílabas 3 e 5) e uma sinérese (sílaba 6) neste decas-


sílabo de Augusto dos Anjos (1884-1914), do soneto Insânia de um simples13:

12 Sílabas átonas finais entre parênteses: é um lembrete de que não devem ser contadas na es-
cansão. Ao colocar os versos nessas quadrículas, em geral costumo omitir a pontuação.
13 O soneto Insânia de um simples pode ser encontrado na íntegra no sítio: https://pt.wiki-

source.org/wiki/Ins%C3%A2nia_de_um_Simples - Acesso em: 18 set. 2019.


249

Apraz-me, adstrito ao triângulo mesquinho:

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
A praz me ads tri to ao triân gu lo mes qui (nho)

Quanto à SINÉRESE, em especial, cabe uma observação. Há, na verdade, a


situação de poderem ocorrer dois tipos de pronúncia:

1) A pronúncia tensa (formal, padrão), em que não ocorre a sinérese, as vogais


são pronunciadas em sílabas separadas – é o chamado hiato – como em: po-e-ta;
lu-ar; sa-bi-á; pi-e-da-de; ca-cho-ei-ra (ditongo “ei”); re-li-gi-ão (ditongo “ão”).
2) A pronúncia distensa (coloquial, informal), na qual ocorre a sinérese, ou
seja, a junção das vogais vizinhas no interior de palavra, diminuindo o número de
sílabas; desse modo, aquelas mesmas palavras podem ser pronunciadas assim: poe-
ta; luar; sa-biá; pie-da-de; ca-choei-ra; re-li-gião. E em geral esta é a tendência nos
poemas: desfazer os hiatos e fazer a sinérese, juntando as vogais na mesma sílaba.
Claro que, eventualmente, por necessidade métrica (obter maior número de sílabas),
o poeta pode não fazer a sinérese, mantendo o hiato. Mas isso não é frequente.

Vejamos duas sinéreses neste verso do poema Préstito fúnebre, do escritor


português Guerra Junqueiro – um verso hendecassílabo agudo:

Como o leão da Bíblia morto num vergel

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
Co mo o leão da Bí blia mor to num ver gel

Na palavra “leão”, que normalmente tem duas sílabas: “le-ão”, a junção in-
terna das vogais (sinérese) a reduz para uma sílaba: “leão”. Outro caso: se conside-
rarmos três sílabas na palavra “Bí- bli-a” (com o hiato “i-a”), então também ocorre
sinérese, pela junção dessas vogais: “Bí-blia”.
Já na sílaba 2 desse verso, no encontro das vogais iguais - “o o” - a primeira
vogal desaparece na pronúncia, ficando só a segunda vogal – e este é outro proce-
dimento, chamado crase, que veremos no próximo item.

LÉXICO – Préstito: cortejo, procissão, caminhada; vergel: jardim, pomar.

TERCEIRO PROCEDIMENTO

ELISÃO: consiste na supressão [apagamento] de fonema(s) em qualquer


ponto da palavra. Na métrica, interessa sobretudo a supressão de vogal, pois
acarreta supressão de sílaba, reduzindo assim o número de sílabas do verso.
250

A elisão, ou seja, a supressão de um ou mais fonemas, e até mesmo de sílabas


inteiras, é comum na fala cotidiana, embora nem sempre tal supressão apareça re-
gistrada na escrita, a não ser na escrita de dialetos regionalistas, onde é usual.
A elisão pode ocorrer no início da palavra: o vocábulo “você”, reduzido para
“ocê/cê”; ou a forma verbal “está”, que perde a vogal ou toda a sílaba inicial e vira
“stá/tá”; ou a palavra “paranoia” que hoje, no coloquial, se reduziu a “noia”...
A supressão de fonema pode acontecer no interior da palavra, como na prepo-
sição “para/pra”, ou em “computador” pronunciado sem o [u]: “comptador”; é fre-
quente nos proparoxítonos: “córrego/corgo”, “século/seclo”, “príncipe/prinspe”,
“chácara/chacra”, “fósforo/fosfro”, “árvore/arvre”, “óculos/oclos”...
E a elisão pode se dar a no final da palavra como, por exemplo, o apagamento
do fonema [s] nos substantivos e adjetivos pluralizados: “as menina bonita”; do [R]
na forma infinitiva dos verbos: “ele vai estudá, vai corrê”, e de substantivos como
“doutô, trabalhadô”; a supressão da semivogal [w] no ditongo [ow] em sílaba final
de formas verbais: “ele falou → ele falô”; o “cinematógrafo” virou “cinema / cine”;
o “-nho” de diminutivos no masculino singular tende a ser apagado: “carrinho de
mão → carrim de mão”, “bonitinho → bonitim”, “gatinho → gatim”...

A elisão, e os outros processos de alteração morfológica das palavras,


são chamados de metaplasmos.

O poeta se vale oportunamente dessa característica da fala. Ele pode recorrer à


elisão para, em geral, reduzir o verso ao metro pretendido. Mas também pode uti-
lizá-la por outros motivos, associados ou não à métrica: motivos de ordem estético-
literária ou sociocultural, visando produzir expressividade e/ou efeitos de sentido.
Vejamos alguns casos de elisão em poemas de autores de diferentes épocas e
estilos. Comecemos pelo famoso poema O Navio Negreiro, de Castro Alves, um dos
maiores poetas do nosso Romantismo. O poema inicia com este decassílabo no qual
há elisão da vogal [e] no início da forma verbal “Estamos”:

‘Stamos em pleno mar... Doudo no espaço


Brinca o luar... dourada borboleta

Com a supressão da vogal, elimina-se uma sílaba, e como o [s] não pode sozi-
nho formar sílaba, ele se une à sílaba seguinte: “Sta-“. Eis como fica a escansão:

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
‘Sta mo s em ple no mar Dou do no es pa (ço)

 Na sílaba 3 acontece a ligação “s + em”, que estudaremos no quarto proce-


dimento. Observar a ocorrência de sinalefa na sílaba 9.

LÉXICO – Doudo: doido, no sentido de alegre, brincalhão.


251

Ainda nesse poema há, entre outras, duas elisões mediais em versos seguidos,
de redondilha maior: a supressão da vogal postônica [u] na palavra “cúmulo”, fi-
cando “cum’lo”, e da vogal [a] na preposição “para”, ficando “p’ra”. Nos dois casos
o poeta assinalou a elisão com o apóstrofo, mas nem sempre isto é feito pelos poetas.
Hoje... cum’lo da maldade
Nem são livres p’ra morrer...

1 2 3 4 5 6 7
Ho je cu m’lo da mal da (de)
Nem são li vres p’ra mo rrer

Em poemas do escritor catarinense Luís Delfino (1834-1910), poeta romântico


e parnasiano, colhemos, entre tantos, os seguintes casos de elisão.
No poema A filha d’África, ora ele usa a forma elidida “sec’lo” (duas sílabas),
ora usa a forma íntegra “século” (três sílabas), duas estrofes abaixo – opções distin-
tas, mas sempre em função do metro decassílabo dos respectivos versos:
Com que o sec’lo apunhala o seio às brenhas
[...]
Sobe o gênio do século os seus rios.
Na poesia mais adstrita à norma culta, como acontece em Luís Delfino, raros
são os casos de elisão final, que é típica da fala coloquial. Vamos citar um dos poucos
desses casos em sua obra, extraído do soneto cujo título é uma frase em latim: Sunt
animae rerum, que quer dizer “As coisas têm alma.” E é disto que trata o poema,
num animismo poético, em que o sujeito lírico se refere aos sentimentos das estrelas,
rios, velhos troncos, lírio, brisa, bosque, vale, laranjal...
O poeta usa a forma “val” por “vale” (substantivo), no final do verso que con-
clui o primeiro terceto. Como é fim de verso e a tônica permanece a mesma, seja
“val” ou “vale”, não alterando o número de sílabas, então a elisão não é motivada
por necessidade da métrica; neste caso é por causa da necessidade da rima com a
palavra “laranjal”, que finaliza o último verso do poema. Leiamos:
Soluça o bosque... e há beijos pelo val!...
[...]
Ou chora... ouvis?... ou chora o laranjal?...
Vamos escandir esses dois decassílabos de Luís Delfino, com suas elisões:
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Com que o se c’lo a pu nha la o sei o às bre (nhas)
So lu ça o bos que e há bei jos pe lo val

De Fagundes Varela (1841-1875), importante poeta da nossa Segunda Geração


Romântica, apresentamos, entre outros, estes casos de elisão em versos decassíla-
bos, exceto o primeiro, que é hexassílabo:

E ao crepúsc’lo morrer!... (Vida de flor)


A f’licidade é um sonho nebuloso... (A enchente)
Na brisa da manhã, – no val’, na flor!... (Predestinação)
252

Em sonetos de Camões (1525?-1580) podemos apontar alguns exemplos de eli-


são em decassílabos. Em certas situações, provavelmente este ou aquele caso seja
dependente da pronúncia de sua época ou mesmo da pronúncia peculiar do poeta.
Eis dois exemplos num mesmo verso:

Quando de minhas mágoas, a comprida


Maginação, os olhos m’adormece.

Como rarissimamente Camões colocava título nos seus sonetos, eles


são identificados pelo primeiro verso. Os dois versos acima iniciam
o seguinte soneto: “Quando de minhas mágoas, a comprida”.

Na importante poetisa portuguesa Florbela Espanca, considerando o peculiar


sotaque lusitano, podemos constatar elisão na pronúncia da forma verbal “queria”
(três sílabas: “que-ri-a”) para “qu’ria” (duas sílabas: “qu’ri-a”) nestes decassílabos
do soneto Desejos vãos. Leiamos o quarteto inicial, sendo que no outro quarteto
também o mesmo verbo ocorre duas vezes, igualmente com o [e] elidido:
Eu queria ser o Mar de altivo porte
Que ri e canta, a vastidão imensa!
Eu queria ser a Pedra que não pensa,
A pedra do caminho, rude e forte!

Na escansão dos dois versos em que o verbo “queria” aparece, indicamos as


respectivas elisões:

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Eu qu’ria a se r o Mar de al ti vo por (te)
Eu qu’ria a se r a Pe dra que não pen (sa)

Observar que na sílaba 5 dos dois versos aparece a ligação da consoante [r]
com a vogal seguinte. Este será o quarto procedimento que iremos estudar.

No poeta gaúcho Mario Quintana (1906-1994), reconhecido nome do nosso Mo-


dernismo, encontramos o uso da elisão com expressivo efeito estético-emocional no
início do segundo verso, na palavra “Fessora”, do poema intitulado Poema:

Oh! aquele menininho que dizia


“Fessora, eu posso ir lá fora?”
Mas apenas ficava um momento
Bebendo o vento azul...
Agora não preciso pedir licença a ninguém.
Mesmo porque não existe paisagem lá fora:
somente cimento.
O vento não mais me fareja a face como um cão amigo...
Mas o azul irreversível persiste em meus olhos.

(QUINTANA, Mario. A vaca e o hipogrifo. São Paulo: Globo, 1995. p. 51.)


253

Trata-se de um poema de versos livres, ou seja, não submetidos a um padrão


métrico predeterminado. Nesse caso, portanto, a elisão inicial que ocorre em “Fes-
sora” não se prende à necessidade métrica. A elisão aqui tem função estilística, vi-
sando ao efeito artístico de caráter afetivo, próprio da cena relembrada pelo eu lírico,
e ainda associada ao diminutivo da palavra “menininho”– que, ao mesmo tempo,
apresenta carga semântica de caráter físico e afetivo.

DOIS CASOS ESPECIAIS DE ELISÃO: A CRASE E A ECTLIPSE.

1. CRASE: é a elisão que ocorre quando se dá o encontro de duas ou três VOGAIS


IGUAIS, em geral átonas, havendo, na pronúncia, a supressão da(s) primeira(s) de-
las, ficando só a última. Portanto, ocasiona a redução do número de sílabas no verso.

OBSERVAÇÕES

1) Embora a crase ocorra com vogais átonas, eventualmente pode ocorrer com
uma tônica, ou uma nasal – se for a segunda da dupla: “na amplidão → n’amplidão”.

2) A crase pode acontecer entre duas palavras: “minha alma → minh’alma, fato
observado → fat’observado”; ou no interior de um mesmo vocábulo: “álcool → álcol,
reestruturar → restruturar, coordenador → cordenador”...

3) Na escrita, a supressão pode aparecer indicada por apóstrofo [‘), mas nem
sempre o poeta eliminará graficamente a vogal, não havendo, portanto, o respectivo
apóstrofo, mas apenas supressão da vogal na hora da pronúncia.
Assim procede a escritora portuguesa Florbela Espanca com o verbo “compre-
endê-lo”, reduzido de quatro sílabas: “com-pre-en-dê” para três sílabas: “com-
p’ren-dê”, ao final destes versos de seu soneto Este livro... Há a supressão do pri-
meiro “e” na pronúncia, mas não na escrita:

Somente a vossa dor de Torturados


Pode, talvez, senti-lo... e com/preen/dê-lo.

Assim fica a escansão desse último verso decassílabo:

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Po de tal vez sen ti lo e com pr’en dê (lo)

Observemos a crase neste verso do poema O Livro e a América, de Castro Al-


ves: “Tira a América de lá”, com três “a” átonos seguidos. O poeta não indicou a
crase na escrita, mas na pronúncia suprimem-se os dois primeiros e na escansão,
para efeito de estudo, indicamos esta supressão com apóstrofo ( ‘ ), ficando assim:

1 2 3 4 5 6 7
Ti r’ A mé ri ca de lá
254

Outro exemplo - no poema Harmonia, de Fagundes Varela, há os versos:

É fundo arcano o resto, e tão vendado


Como o da morte, d’amplidão do tempo!

No último caso, o poeta já suprimiu a vogal “a” de “da” e colocou o apóstrofo


para indicar a supressão: “d’amplidão”. Eis a escansão destes dois decassílabos:

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
É fun do ar ca n’ o res to e tão ven da (do)
Co m’ o da mor te d’ am pli dão do tem (po)

Arcano: algo profundamente secreto, misterioso, enigmático.

Observar que neste decassílabo do poema Monólogo de uma sombra (estrofe


21), o poeta Augusto dos Anjos indicou a crase em “sua alma” usando o apóstrofo:

E de su’alma na caverna escura

Também na obra do poeta cearense Patativa de Assaré, escritor regionalista,


encontramos estes versos em redondilha maior, com ocorrência de crase na pronún-
cia, embora sem indicação na escrita:

Eu dêxo as língua de lado


Pra quem as língua aprendeu,
E quero licença agora
Mode eu contá minha histora
Com a língua que Deus me deu. (A escrava do dinheiro)

2. ECTLIPSE: é uma tipo de elisão cuja peculiaridade consiste na supressão da res-


sonância nasal da vogal átona em fim de vocábulo. Ou seja: a vogal nasal vira vogal
oral, como em: “com licença → co licença; passagem → passage ”.
O caso mais comum de ectlipse ocorre quando, em pronúncia distensa (infor-
mal), a preposição “COM” for seguida de artigo definido (o, os, a, as) ou de palavra
iniciada por vogal. Não se trata de um procedimento obrigatório nos poemas, mas é
o mais frequente. Vejamos exemplos das duas possibilidades:
1) Se a vogal seguinte for igual, ou seja, outro [o], ocorre a crase – exemplo:
com o braço estendido → co’ o braço estendido → c’o braço estendido
com óculos escuros → co’óculos escuros → c’óculos escuros
2) Se a vogal seguinte for diferente de [o], ocorre a sinalefa – exemplo:
com a perna estendida → co’a perna estendida
com eleições previstas → co’eleições previstas

Na escrita dos versos nem sempre o poeta indica a ectlipse por meio da su-
pressão da letra “m” e o uso do respectivo apóstrofo. Por exemplo, o poeta Castro
Alves às vezes usa o apóstrofo, outras vezes não usa, como nestas passagens do já
citado poema O Livro e a América, em que todos os versos são de redondilha maior
255

Eu quero marchar com os ventos (ectlipse e crase: c’os ventos)


Com os mundos... co’os firmamentos! (ectlipse e crase: c’os mundos
c’os firmamentos)

Neste verso decassílabo de Augusto dos Anjos, do poema Monólogo de uma


sombra (sétima estrofe), detectamos na escansão três processos: ectlipse (sílaba 1),
sinalefa com vogal tônica (sílaba 3) e sinérese (sílaba 6):

Com a cara hirta, tatuada de fuligens

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Co’a ca ra hir ta ta tua da de fu li (gens)

LÉXICO – hirta: imóvel; retesada; rude; áspera; intratável... (sentidos possíveis,


que se somam, neste caso, dado o contexto em que o verso ocorre no poema).

QUARTO PROCEDIMENTO

Quando uma palavra termina com uma consoante e


a palavra seguinte começa com uma vogal,
aquela consoante se desloca e se junta a esta vogal, formando sílaba com ela.
Neste caso não há nem aumento nem diminuição do número de sílabas.
Tal procedimento se chama LIGAÇÃO, e é usual na língua falada.

As consoantes que mais frequentemente aparecem em finais de palavras e aca-


bam se envolvendo numa LIGAÇÃO são o “r” e o “s”; depois tem também o final
com o “z” e o “l”, sendo que o “l” pode ser pronunciado à moda gaúcha como um
“l” mesmo, ou mais frequentemente pronunciado como semivogal [w].
Numa ligação não ocorre nem aumento, nem diminuição do número de síla-
bas poéticas, existe apenas deslocamento de fonema de uma sílaba para outra. Por
exemplo, no conhecido verso de Camões: “Amor é um fogo que arde sem se ver” –
o “r ” do final da palavra “Amor” se liga com o “é” seguinte. Eis a escansão:

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
A mo r é um fo go que ar de sem se ver
Na sílaba – “ré” – além da ligação, a vogal “é” faz sinalefa com a vogal nasal
“um”. Também ocorre sinalefa na sílaba 6: “que ar”.

Observemos agora a ocorrência da ligação nestes três versos decassílabos do


poeta parnasiano Olavo Bilac, extraídos do seu livro Poesias:

Que, aos raios do luar iluminada,


Entre as estrelas trêmulas subia (Via-Láctea, soneto I)

Sai a passeio, mal o dia nasce, (Idem, soneto XIX)


256

Sua escansão fica assim:

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Que aos rai os do lu a r i lu mi na (da)
En tre a s es tre las trê mu las su bi (a)
Sai a pa ssei o ma lo di a na (sce)

Também ocorre ligação nestes dois versos octossílabos do poema Fadiga, de


Cecília Meireles (1901 -1964), em seu livro Viagem:

Eu nem pude fazer um gesto


e achei as horas desiguais.

1 2 3 4 5 6 7 8
Eu nem pu de fa ze r um ges (to)
E a chei a s ho ras de si guais

Lembrar que em “horas”, a letra “h” inicial não tem valor sonoro,
não representa nenhum fonema, portanto, não impede que se
faça a ligação, como também não impediria eventual sinalefa.

... E assim concluímos esta breve apresentação dos


quatro mais importantes procedimentos de escansão
do verso em língua portuguesa...

A APLICAÇÃO DESSES QUATRO PROCEDIMENTOS GARANTE,


A PRINCÍPIO,
UMA BOA ESCANSÃO, OU SEJA, UMA ACERTADA CONTAGEM
DAS SÍLABAS POÉTICAS DO VERSO.
257

BIBLIOGRAFIA

AGUIAR, Joaquim. Poesia da canção. São Paulo: Scipione, 1993.


ALI, Manuel Said. Versificação portuguesa. Prefácio de Manuel Bandeira. São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo, 2006. [Obs.: A edição original é de 1948,
publicada pela Imprensa Nacional, no Rio de Janeiro.]
ARAUJO, Murillo. A arte do poeta. 4. ed. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1973.
BANDEIRA, Manuel. “A versificação em língua portuguesa”. In: _____. Seleta de prosa.
Organização de Júlio Castañon Guimarães. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997,
p. 533-557.
CAMPOS, Geir. Pequeno dicionário da arte poética. 3. ed., revista e aumentada. São
Paulo: Cultrix, 1978.
CANDIDO, Antonio. O estudo analítico do poema. 3. ed. São Paulo: Humanitas
Publicações – FFLCH/USP, 1996. E também disponível em: https://rl.art.br/ar-
quivos/6117410. pdf?1505745822 - Acesso em: 18 set. 2019.
CARVALHO, Amorim de. Tratado de versificação portuguesa. Lisboa: Edições 70, 1974.
CHOCIAY, Rogério. Teoria do verso. São Paulo: McGraw-Hill do Brasil, 1974. [Obra
fundamental para o estudo da versificação em língua portuguesa! Altamente reco-
mendável!!!]
GOLDSTEIN, Norma. Análise do poema. São Paulo: Ática, 1988.
___________________. Versos, sons, ritmos. 14. ed. São Paulo: Ática, 2006.
MATTOSO, Glauco. Tratado de versificação. São Paulo: Annablume, 2010.
MOISÉS, Massaud. Dicionário de Termos Literários. 12. ed. São Paulo: Cultrix, 2013.
PIGNATARI, Décio. Comunicação poética. 2. ed. revista. São Paulo: Cortez & Moraes,
1978.
RAMOS, Maria Luíza. Fenomenologia da obra literária. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense-
Universitária, 1974. Cf. em especial o cap.: O estrato fônico (p. 38-57).
RÉGIS, Maria Helena Camargo. Manual de comunicação poética. Florianópolis: Editora
da UDSC, 1982.
TAVARES, Hênio. Teoria Literária. 6. ed. revista e aumentada. Belo Horizonte: Itatiaia,
1978.
WANKE, Eno Teodoro. Como fazer trovas e versos. Rio de Janeiro / São Paulo: Editora
Tecnoprint, 1985.
XAVIER, Raul. Vocabulário de poesia. Rio de Janeiro: Imago; Brasília: INL-MEC, 1978.

* * * * *
258

ANEXO
QUADRO CLASSIFICATÓRIO DAS VOGAIS
Zona de articulação Anteriores Centrais Posteriores
Papel da
cavidade bucal Orais Nasais Orais Nasais Orais Nasais
Altas /i/ /ĩ/ /u/ /ũ/
Médias Fecha- /e/ /ẽ/ /o/ /õ/
das
Abertas /E/ /O/
Baixas /a/ /ã/

QUADRO CLASSIFICATÓRIO DAS SEMIVOGAIS


Zona de articulação Anterior Posterior
Papel da
cavidade bucal Oral Oral
Alta /y/ /w/

QUADRO CLASSIFICATÓRIO DAS CONSOANTES


Cavidades bucal e nasal Orais Nasais
Modo de articulação Oclusivas Constritivas
Fricativas Laterais Vibrantes
Cordas vocais su so su so so so so
Bilabiais /p/ /b/ /m/
Ponto de Labiodentais /f/ /v/
articulação Linguodentais /t/ /d/ /n/
Alveolares /s/ /z/ /l/ /r/
Palatais /x/ /j/ /L/ /N/
Velares /k/ /g/ /R/

su = surda (cordas vocais não vibram) / so = sonora (cordas vocais vibram)


/j/ representa o som da letra “j”, como em “jato, jejum, João”, e também da letra “g”
quando esta vem seguida das vogais “e, i”, como em “gengibre”.
/L/ representa o som do dígrafo “lh”, como na palavra “ovelha”.
/N/ representa o som do dígrafo “nh”, como na palavra “venha”.
/k/ representa o som da letra “c” diante das vogais “a, o, u”, como nas palavras “cara,
recordo, Curitiba”; e também o som do dígrafo “qu”, como na palavra “aquele”.
/g/ representa o som da letra “g” diante das vogais “a, o, u”, como nas palavras “gan-
gorra, gula”; e também o som do dígrafo “gu”, como na palavra “guerra”.

[Quadros feitos e/ou adaptados por mim a partir de: CUNHA, Celso. Gramática da língua
portuguesa. 6. ed. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, 1980, p. 46-56.]
259

ATIVIDADE DE ESCANSÃO

Fazer nas quadrículas abaixo a escansão de uma estrofe extraída do poema


Monólogo de uma sombra, de Augusto dos Anjos. Todos os versos deste
sexteto (estrofe de seis versos) são decassílabos. Aplicar os quatro procedi-
mentos estudados no Capítulo 16 sobre a Métrica.

Sôfrego, o monstro as vítimas aguarda.


Negra paixão congênita, bastarda,
Do seu zooplasma ofídico resulta...
E explode, igual à luz que o ar acomete,
Com a veemência mavórtica do ariete
E os arremessos de uma catapulta.

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
1

1. LÉXICO – 1) Sôfrego: ansioso; desejoso e impaciente pela posse ou realização de alguma coisa; 2) congênita:
característica que nasceu com a pessoa; 3) bastarda: aqui tem o sentido de degenerada, impura; 4) zooplasma:
plasma animal (o plasma é o componente líquido do sangue); 5) ofídico: próprio dos ofídios, ou seja, das cobras
ou serpentes; 6) acomete: ataca, investe contra, invade, atua de modo agressivo; 7) veemência: impetuosidade,
intensidade, vivacidade; 8) mavórtica: aguerrida, belicosa; adjetivo derivado de Marte ou Mavorte, o deus da
guerra segundo a mitologia latina; 9) aríete: antiga máquina de guerra usada contra as muralhas ou as portas
das cidades sitiadas; a pronúncia certa é com o “ í “ tônico = “aríete”, mas o poeta , necessitando rimar essa
palavra com o verbo “acomete”, mudou a tonicidade da palavra para a vogal “e”, ficando “ariete”; 10) catapulta:
antiga máquina de guerra, parecida com uma colher gigante, destinada a arremessar projéteis de grande tamanho
(pedras e outros objetos) sobre fortificações inimigas.
2.

Você também pode gostar