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O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
Nesse poema, o eu-lírico afirma que a dor sobre a qual o poeta escreve é falsa, um fingimento.
As palavras “fingidor” e “completamente” que são usadas para definir o poeta como um farsante da
emoção contém em sua sonoridade termos que complementam essa teoria, uma vez que podem ser
entendidas respectivamente como “finge dor” e “completa mente”. Entretanto, ainda no fim da
primeira estrofe ele trás uma contradição, pois afirma que o poeta sente a dor que ele mesmo finge.
Na segunda estrofe declara que os leitores de poemas se sentem bem ao ler a dor, mas não nas
duas dores que apareceram na primeira estrofe, mas apenas nas que dores que eles não têm. Tal
declaração é paradoxal, como pode um leitor se sentir bem ao ler uma dor que não está escrita no
poema?
No último verso da segunda estrofe temos uma sequencia de palavras que pode ser lida de forma a
gerar um sentido diferente, a combinação de “a que eles” pode ser lida como “aqueles” o que pode dar
a entender que existe mais dor escrita no poema em algum lugar. Isto é uma possível referência ao
termo “fingidor” do primeiro verso do poema, que pode ser lido como se possuísse a palavra “dor”
nele, sendo possivelmente o responsável por fazer alguém se sentir bem ao ler “dor”, devido ao uso
criativo e inusitado do termo.
A terceira estrofe é a mais destoante entre as três. Nela, o tema do poeta e daqueles que leem
desaparece, e dá lugar a uma metáfora, onde o coração é comparado a um pequeno trem de brinquedo
que fica dando voltas e voltas. Chama atenção nessa estrofe um encavalgamento logo na passagem do
primeiro verso para o segundo, onde o termo “Gira” é bruscamente colocado no segundo verso,
gerando uma estranheza para o leitor. Essa estranheza enfatiza muito o termo “Gira” e o fato de que
isso de algum modo entretém a razão. Temos muitas referências a objetos que giram nessa estrofe
final, afinal as rodas do trem giram nas calhas de roda e além disso é preciso fazer um movimento
giratória para se “dar corda” no brinquedo. Ao analisarmos então os termos “roda” e “corda” é
possível perceber que se “girarmos” as essas palavras, “ador” e “adorc”, se torna mais fácil perceber
que elas contêm dentro de si mesmas o a palavra “dor”. De forma que, se entendermos a corda e as
calhas de roda como uma metáfora para dor, assim como o trem é uma metáfora para o coração, é
possível entender que o que entretém a razão, é justamente o fato de que o coração é movido e se
move em circular através da dor.
Em meio a toda essa contradição, seu poema mostra uma construção criativa e extremamente
elabora com os a seleção das palavras e a ordem em que elas aparecem, um artificio da razão. Todavia,
não descarta a relevância da emoção, que por mais seja tida como falsa, está presente em todas as
estrofes do poema e das várias formas diferentes e criativas. Essa relação da emoção descrita por meio
da razão, permeia os poemas de Fernando Pessoa e seus heterônimos, onde ele sempre busca formas e
métodos diferentes de expressar sentimentos que podem ou não pertencer a ele e que podem ou não se
contradizer. Por fim, através da contradição de seus diversos heterônimos ele tenha sido capaz de
expressar as dúvidas e as incertezas que permeavam a percepção de mundo de sua época.