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Trabalho de Literatura Portuguesa

Análise de Poema de Fernando Pessoa


Aluno: Lael Eduardo de Oliveira Lima
RA: 84699

A primeira geração do modernismo português ocorreu em torno da revista Orpheu. Em suas


duas edições, vários poetas se propuseram inovar, deixar de olhar para o passado e se focar no futuro.
Entre os autores desse período estava Fernando Antônio Nogueira Pessoa, que estruturou a sua obra
através de diversos heterônimos. Para cada um desses nomes ele concedeu uma perspectiva e uma
personalidade então discutia diversos temas através de múltiplas visões de mundo. Por esse motivo
analisar a obra de Pessoa é aprender a lidar com a contradição, de perceber seus heterônimos
discutindo e discordando entro em si. É estar em sempre em dúvida sobre o real posicionamento do
autor, nunca tendo certeza de se quem fala é o poeta ou uma de suas máscaras. É compreender que
Pessoa buscou racionalizar as emoções em seus poemas, buscando criar algo novo através dos
sentimentos sempre através do crivo da razão.
O modernismo Português surgiu em uma época extremamente instável em vários aspectos.
Politicamente, a Europa estava em Guerra e estruturas políticas semelhantes a grupos italianos e
alemães começaram a surgir em Portugal. Na física, a certeza do funcionamento da máquina do
mundo é posta em xeque pela Teoria da Relatividade. No cinema, críticas a pobreza e o sofrimento do
mundo moderno fazem muito sucesso nas atuações de Chaplin, que questiona o desenvolvimento
tecnológico como algo positivo. Por fim, a certeza da unidade da identidade humana é posta em
dúvida por Freid em sua descrição do Id, Ego e Superego. O início do século 20 trouxe junto com o
desenvolvimento de várias ciências, um estado de incerteza para mundo. Com medo dessa incerteza,
movimentos conservadores e saudosistas ganharam força uma vez que é mais fácil olhar para o
passado do que tentar compreender o futuro. Nesse contexto, é possível entender o quão emblemático
e corajoso foi o nome da revista que impulsionou o movimento modernista se chamar Orpheu.
O racionalismo é uma característica muito marcante na poesia de Pessoa, e ele faz questão de
expressar e defender que os poemas podem ser escritos através do raciocínio e da imaginação, como é
possível perceber em “Autopsicografia”:

O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,


Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda


Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

Nesse poema, o eu-lírico afirma que a dor sobre a qual o poeta escreve é falsa, um fingimento.
As palavras “fingidor” e “completamente” que são usadas para definir o poeta como um farsante da
emoção contém em sua sonoridade termos que complementam essa teoria, uma vez que podem ser
entendidas respectivamente como “finge dor” e “completa mente”. Entretanto, ainda no fim da
primeira estrofe ele trás uma contradição, pois afirma que o poeta sente a dor que ele mesmo finge.
Na segunda estrofe declara que os leitores de poemas se sentem bem ao ler a dor, mas não nas
duas dores que apareceram na primeira estrofe, mas apenas nas que dores que eles não têm. Tal
declaração é paradoxal, como pode um leitor se sentir bem ao ler uma dor que não está escrita no
poema?
No último verso da segunda estrofe temos uma sequencia de palavras que pode ser lida de forma a
gerar um sentido diferente, a combinação de “a que eles” pode ser lida como “aqueles” o que pode dar
a entender que existe mais dor escrita no poema em algum lugar. Isto é uma possível referência ao
termo “fingidor” do primeiro verso do poema, que pode ser lido como se possuísse a palavra “dor”
nele, sendo possivelmente o responsável por fazer alguém se sentir bem ao ler “dor”, devido ao uso
criativo e inusitado do termo.
A terceira estrofe é a mais destoante entre as três. Nela, o tema do poeta e daqueles que leem
desaparece, e dá lugar a uma metáfora, onde o coração é comparado a um pequeno trem de brinquedo
que fica dando voltas e voltas. Chama atenção nessa estrofe um encavalgamento logo na passagem do
primeiro verso para o segundo, onde o termo “Gira” é bruscamente colocado no segundo verso,
gerando uma estranheza para o leitor. Essa estranheza enfatiza muito o termo “Gira” e o fato de que
isso de algum modo entretém a razão. Temos muitas referências a objetos que giram nessa estrofe
final, afinal as rodas do trem giram nas calhas de roda e além disso é preciso fazer um movimento
giratória para se “dar corda” no brinquedo. Ao analisarmos então os termos “roda” e “corda” é
possível perceber que se “girarmos” as essas palavras, “ador” e “adorc”, se torna mais fácil perceber
que elas contêm dentro de si mesmas o a palavra “dor”. De forma que, se entendermos a corda e as
calhas de roda como uma metáfora para dor, assim como o trem é uma metáfora para o coração, é
possível entender que o que entretém a razão, é justamente o fato de que o coração é movido e se
move em circular através da dor.
Em meio a toda essa contradição, seu poema mostra uma construção criativa e extremamente
elabora com os a seleção das palavras e a ordem em que elas aparecem, um artificio da razão. Todavia,
não descarta a relevância da emoção, que por mais seja tida como falsa, está presente em todas as
estrofes do poema e das várias formas diferentes e criativas. Essa relação da emoção descrita por meio
da razão, permeia os poemas de Fernando Pessoa e seus heterônimos, onde ele sempre busca formas e
métodos diferentes de expressar sentimentos que podem ou não pertencer a ele e que podem ou não se
contradizer. Por fim, através da contradição de seus diversos heterônimos ele tenha sido capaz de
expressar as dúvidas e as incertezas que permeavam a percepção de mundo de sua época.

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