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Os poemas de Alberto Caeiro deram início ao paradoxo literário criado pelo poeta português

Fernando Pessoa, que inventou vários personagens-poetas, talentosos e dotados de


individualidade. Esses personagens ficaram conhecidos como heterônimos, palavra de origem
grega que indica "outros nomes".

Conceitualmente,

há uma diferença entre essa situação e a do uso do

pseudônimo. Esse último é um nome diferente que autores podem se atribuir

para ocultar a própria identidade. Os heterônimos indicam diversas

personalidades que convivem no corpo de uma única pessoa. Quando Alberto

Caeiro, por exemplo, escreve seus poemas, é a subjetividade desse autor,

criada pelo indivíduo Fernando Pessoa, que aflora.

Pessoa utilizou-se de vários heterônimos, como Alberto Caeiro, Ricardo Reis,

Álvaro de Campos, Bernardo Soares, Alexander Search (que só escrevia em

inglês) e outros, com uma tendência distinta.

Estudiosos afirmam que essa atitude refletia a descrença de Pessoa em uma

personalidade integrada. Ele criou biografias diferentes para todos os seus

heterônimos, cada uma com seu estilo de compor, suas influências e, em certos

casos, até mesmo sua filosofia de vida. Três dos heterônimos de Pessoa se

destacaram pela maestria do estilo e pela singularidade de composição na

união desses elementos inventados por ele: Álvaro de Campos, Ricardo Reis e

Alberto Caeiro.

METAFÍSICA ANTIMETAFÍSICA

Alberto Caeiro é o mestre de todos os demais heterônimos. O próprio poeta

Fernando Pessoa reconhece que Caeiro foi o desencadeador de seu processo

poético.

O principal conjunto de poemas de Caeiro, O Guardador de Rebanhos

constituído de 49 poemas, teria sido escrito de uma única vez, na noite de 8 de

março de 1914.

Na obra, está sintetizado todo o estilo desse heterônimo. Trata-se de uma

poesia aparentemente despojada, que foge de termos rebuscados, com uma

sintaxe límpida, em versos livres e brancos. A criação, no entanto, só é simples

à primeira vista, pois um olhar mais atento revela um conjunto de


pensamentos coerentes, o que insere sua obra na categoria das poesias de

fundo filosófico, com inclinação metafísica.

A maneira como Caeiro faz isso, porém, é paradoxal: a afirmação de sua

filosofia é uma não-filosofia, um não-pensar e, portanto, não-desejar, o que o

aproxima, nesse aspecto, do zen-budismo oriental.

Caeiro opõe os seus sentidos a uma filosofia, um conjunto de pensamentos. É

por isso que se pode chamá-lo de um poeta "sensacionista".

Contudo, não se deve pensar - nem muito menos escrever - sem utilizar a

linguagem, e é por isso que a poesia de Caeiro encontra sua força de tensão na

contradição que é o "pensar-não-pensando" ou o "não-pensar-pensando". A

"inocência de não-pensar" nunca é atingida plenamente pelo poeta, embora

ele sempre afirme o contrário. Por exemplo, no verso "Há metafísica suficiente

em não pensar em nada" foi preciso que o eu-lírico escrevesse a palavra

metafísica e pensasse na não-validade de seu significado. Observe o texto

abaixo:

"Os meus pensamentos [são contentes.

Só tenho pena de saber

[que eles são contentes,

Porque, se o não soubesse,

Em vez de serem contentes

[e tristes.

Seriam alegres e contentes".

O poeta afirma, primeiramente, que seus pensamentos são contentes, mas

logo coloca uma objeção ao contentamento positivo do primeiro verso: "saber"

que se é contente resulta numa tristeza que, no universo de Caeiro, será

sempre a conseqüência do pensamento. A equação em Caeiro é sempre dupla:

positivo (contentes) e negativo (tristes) andam juntos, estão opostos, mas

dependem um do outro para existir. Outro poema que ilustra essa dualidade é

o seguinte:

A expressão inicial "quem me dera", seguida do uso do subjuntivo "fosse",

remete a um desejo do poeta, que é também uma projeção ou idealização.


Nesse sentido, Caeiro contraria a própria receita de não desejar e não

contemplar. Seu olhar é puro pensamento, ideologia materializada de um

bucolismo moderno, que se revolta contra as idéias sedimentadas e tenta

buscar as origens de um pensamento mítico por meio da linguagem. No

poema, a forma busca ser anterior a si mesma.

INFLUÊNCIAS

Segundo o próprio Fernando Pessoa, a maior influência de Alberto Caeiro foi o

poeta norte-americano Walt Whitman, que também influenciou fortemente

Alvaro de Campos, autor de um poema intitulado Saudação a Walt Whitman.

O livro Leaves of Grass (Folhas de Relva), obra-prima de Whitman, havia sido

lido por Pessoa com grande entusiasmo. Caeiro e Whitman aproximam-se por

seu amor à natureza, por primarem pela simplicidade da linguagem e por

serem ambos poetas sensacionistas, para os quais as sensações devem muitas

vezes antepor-se ao intelecto.

A diferença fundamental entre Çaeiro e Whitman é a ausência, nas obras do

português, do misticismo abundante encontrado em Leaves of Grass. O autor

norte-americano considera os fenômenos da natureza sinais de uma unidade

transcendente e mística, como Deus, o espírito ou o universo. Há em seus

poemas uma consciência organizadora e unificadora do universo que resulta

numa visão de mundo positiva. Em Caeiro, diferentemente, não há

transcendência nem no misticismo.

Para Caeiro, o Todo cristão não existe, e sim a natureza. "A natureza é partes

sem um todo", reitera o poeta, seus "olhos" e "ouvidos" são os instrumentos

para saber o mundo. Nota-se também que a Natureza, em Pessoa, difere da de

Whitman, pois exclui o homem. É feita de "pedras", "flores", "rios". "sol" e

"luar", cercando o poeta de uma solidão reveladora.

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