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Fernando Pessoa

Fernando Pessoa nasce em 1888 e em 1912, com apenas 24 anos, publica pela 1ª
vez na revista saudosista (Saudosismo: é o período literário da saudade. Uma
cosmovisão exclusivamente portuguesa que parte do valor da saudade como elemento
nuclear da criação literária.) “A águia”. Inicia-se então com a publicação de um artigo
crítico literário chamado “A nova poesia portuguesa sociologicamente considerada”,
sendo que até então era desconhecido do público, pelo que foi entendido como um crítico
ou ensaísta. Ao escrever este artigo, Fernando Pessoa estava a autoproclamar-se apoiante
do saudosismo, o qual elogia nessa publicação. No entanto, as intenções de Pessoa não
eram apenas as de criticar o saudosismo como nova poesia portuguesa, já que conclui
também que estão reunidas todas as condições na literatura portuguesa para que chegue
um poeta sem igual, nas suas palavras, um Supra-Camões. A sua profecia foi recebida
com frustração, uma vez que sendo conhecido, não tinha credibilidade para as suas
palavras serem levadas a sério. Mesmo o elogio dos poetas saudosistas não é levado a
sério já que nenhum deles é este supra-Camões que há-de vir. Após a publicação dos seus
segundo e terceiro artigos em que continua a referir. Os 4 artigos foram duramente
criticados e apesar de serem brilhantes, podemos olhar para eles mais como uma
estratégia de Pessoa para se introduzir enquanto poeta, sendo ele este Supra-Camões.
Eventualmente Pessoa corta relações com “A águia” e publica poesia pela
primeira vez em 1914. Também em 1914 surgem os principais heterónimos de Pessoa:
Caeiro, Reis e Campos.

Os heterónimos

Aquando da morte de Pessoa, a obra dos seus heterónimos permanecia


praticamente inédita. A heteronímia de pessoa foi, no entanto, vista como uma criancice
ou até deceção durante muitos anos no ponto de vista de variados críticos literários.
Saíram até várias obras teóricas sobre Pessoa em que este era bastante elogiado pela sua
genialidade, apesar da heteronímia ser duramente criticada.
O primeiro aparecimento de um heterónimo de Pessoa deu-se em 1915, no
primeiro volume da revista modernista (Modernismo: movimento artístico que ficou
conhecido pela rutura caótica com as formas de arte tradicionais. Procurava romper,
chorar, fazer diferente.) “Orpheu”, criada por Pessoa e Sá-Carneiro. Surge então Álvaro
de Campos, desconhecido de todos e que, durante muito tempo foi entendido como sendo
um autor real. Os poemas que podemos encontrar em “Orpheu 1” são “Opiário” e “Ode
triunfal”.
Diz-nos Pessoa sobre a criação dos seus heterónimos “Por qualquer motivo
temperamental que me não proponho analisar, nem importa que analise, construí dentro
de mim várias personagens distintas entre si e de mim, personagens essas a que atribuí
poemas vários que não são como eu, nos meus sentimentos e ideias”.
 Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação. Fernando Pessoa. (Textos
estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado
Coelho.) Lisboa: Ática, 1966. https://lyricstranslate.com

Alberto Caeiro: o Mestre

Alberto Caeiro nasceu em Lisboa, em 1889 e morreu em 1915, mas viveu quase
toda a sua vida no campo, com uma tia-avó idosa, porque tinha ficado muito cedo órfão
de pais. Era louro, de olhos azuis e de saúde frágil, acabando por morrer cedo e com
tuberculose. Como educação, apenas tinha tirado a instrução primária e não tinha
profissão, vivendo apenas de baixos rendimentos.

Como surgiu então este heterónimo? Conta o próprio Fernando Pessoa numa carta
ao seu amigo Casais Monteiro: “lembrei-me de fazer uma partida ao Sá-Carneiro— de
inventar um poeta bucólico, de espécie complicada, e apresentar-lho, já me não lembro
como, em qualquer espécie de realidade. Levei uns dias a elaborar o poeta, mas nada
consegui. Num dia em que finalmente desistira — foi em 8 de Março de 1914 —
acerquei-me de uma cómoda alta, e, tomando um papel, comecei a escrever, de pé, como
escrevo sempre que posso. E escrevi trinta e tantos poemas a fio, numa espécie de êxtase
cuja natureza não conseguirei definir. Foi o dia triunfal da minha vida, e nunca poderei
ter outro assim. Abri com um título, O Guardador de Rebanhos. E o que se seguiu foi o
aparecimento de alguém em mim, a quem dei desde logo o nome de Alberto Caeiro.
Desculpe-me o absurdo da frase: aparecera em mim, o meu mestre. Foi essa a sensação
imediata que tive.” Quando Fernando Pessoa escreve em nome de Caeiro, diz que o faz
“por pura e inesperada inspiração, sem saber ou sequer calcular que iria escrever.”

 Fonte: Carta de Fernando Pessoa a Adolfo Casais Monteiro, de 13 de Janeiro


de 1935, in Correspondência 1923-1935, ed. Manuela Parreira da Silva,
Lisboa, Assírio & Alvim, 1999.

Alberto Caeiro é apelidado por Fernando Pessoa como o Mestre dos heterónimos e do
próprio Pessoa ortónimo, uma vez que representa uma visão simplista, quase não
humana, primitiva e até pura do Homem e até da Natureza, com a qual deseja integrar-
se. Caeiro não se deixa influenciar pela emoção e pela subjetividade e anula a razão já
que teve pouca instrução, sendo a única criação pessoana que conhece a Verdade das
coisas. Caeiro falava um “mau português” segundo Pessoa nas suas cartas, pelo que os
seus poemas são praticamente despidos de artifícios como recursos expressivos, sendo
que a linguagem usada é a mais simples e próxima do que se quer dizer.

Escanção e análise do poema (esquema rimático e


recursos expressivos e significado)

Esquema rimático e recursos expressivos

“Quando Vier a Primavera”

Quando vier a Primavera, a


Se eu já estiver morto, b
As flores florirão da mesma maneira c
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada. d
A realidade não precisa de mim. e

Sinto uma alegria enorme f


Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma g

Se soubesse que amanhã morria h


E a Primavera era depois de amanhã, i
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã. i
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo? j
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo; l
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse. m
Por isso, se morrer agora, morro contente, n
Porque tudo é real e tudo está certo. l

Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem. o


Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele. p
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências. q
O que for, quando for, é que será o que é. r

 Os versos deste poema são praticamente arrimáticos. A única rima presente dá-
se entre: os versos 1-3 e é uma rima falsa causada por uma sonoridade
semelhante entre as palavras “Primavera” e “maneira”; entre os versos 9-10,
sendo uma rima pobre em que há a repetição da palavra “amanhã”, à semelhança
do que acontece entre os versos 12-15 pela repetição da palavra “certo”.
 Quanto aos recursos expressivos, como já foi dito anteriormente, Alberto Caeiro
não faz uso de artifícios que escondam ou dificultem a compreensão da palavra
dita, isto é, o que o poeta quer dizer na voz do “eu” lírico está bem expresso no
texto. Podemos simplesmente dar relevo à interrogação retórica em “Se esse é o
seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?”.

Simbologia e Significado
As primeiras duas estrofes introduzem-nos ao poema e a uma temática
bem clara de Alberto Caeiro, nomeadamente a sua posição face à natureza. A
maior ambição de Caeiro era deixar de pensar e ele acreditava mais que nada
nessa necessidade de simplificar a vida. Deixar de pensar seria a maneira eficaz
de deixar de sofrer, porque o pensamento é a busca de significados, de
respostas, que nunca verdadeiramente podem ser alcançadas. 

Ao referir a chegada da Primavera e ao imaginar-se já morto, o sujeito poético


pretende transmitir essa mesma sensação de naturalidade. No seio da natureza,
a ausência de um elemento não para nem impede a evolução contínua dos
restantes. É por isso que um pensamento aparentemente triste para o comum
Humano - a morte – gera tanta alegria em Caeiro (“Se soubesse que amanhã
morria/ E a Primavera era depois de amanhã, / Morreria contente, porque ela
era depois de amanhã.”). Se a natureza continua os seus processos naturais após
a sua morte, é porque ele faz parte da natureza e é aceite por ela como seu
constituinte, como sempre desejou.
A aceitação do destino (“Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no
seu tempo”) é um outro ponto fundamental na visão do mundo de Alberto
Caeiro. Na sua visão do mundo o homem não luta contra o destino, mas aceita-o
e conforma-se perante o facto de não o poder mudar. Não aceitar o destino seria
pensar na vida e não a aceitar tal como ela é. Este objetivismo absoluto de
Caeiro é por vezes difícil de compreender, mas é, também, imensamente
simples. 

O eu lírico afirma que depois da morte a vida continua e a natureza seguindo


seu ciclo. É como se após a nossa morte nada se alterasse na vida. Tudo segue
seu ritmo natural, de certa forma, quis o poeta afirmar que não fazemos falta, no
sentido de que o real, que é aquilo que existe e tem vida, sempre continuará. No
final, a consciência de que não adiantam preces em cima do caixão de quem já
perdeu a consciência, o que denota a descrença de uma vida espiritual após a
morte. 

Relação do poema com o desenho

No meu desenho, tentei usar o tema da morte como elemento central. Vemos ao
centro uma lápide que sabemos ser de Alberto Caeiro e, em vez de um caixão, temos
flores que nascem no seu formato. Com isto quis representar a aceitação da morte do
sujeito poético que está presente ao longo de todo o poema.
Além disso, fui buscar a ideia da chuva porque normalmente associamo-la a
momentos tristes, como funerais. Neste desenho ganha uma dimensão diferente, porque
em vez de água chovem pétalas de flor. Tentei fazer um jogo entre a tristeza da
cerimónia fúnebre para as pessoas e a alegria que a morte traz a Caeiro, como algo
natural que o faz ser parte da Natureza. Um outro elemento importante neste tópico são
os guarda-chuvas. Ora, o s guarda-chuvas não seriam necessários porque as pétalas de
flores não molham nem causam qualquer dano. No entanto, é como se as figuras do
desenho (Pessoa e os seus heterónimos principais) resistissem a ser tocadas pelas
pétalas, como se resistissem à alegria e à naturalidade da morte que Caeiro sentia.
Vemos no desenho 3 figuras em torno da lápide, sendo elas a representação da
imagem que atribuímos a Pessoa: o chapéu, os óculos, o bigode. Mas estas figuras que
se encontram em pé têm uma particularidade diferente: todas elas usam uma máscara
com a cara de Pessoa. Porque para além de os heterónimos partirem de Pessoa, não são
Pessoa, como o próprio diz nas suas cartas: os heterónimos foram construídos dentro
dele, mas não são como ele: são personagens muitas realistas pela história que o seu
criador lhes inventou.
Devo também referir a questão da lápide: no meu desenho encontra-se vazia,
sem qualquer inscrição. E isso deve-se ao facto de não ser uma pessoa real a estar
enterrada naquele solo, mas sim uma ideia, uma personagem e uma maneira de pensar.

Por último, devo referir também a questão de Primavera. Considero muito


importante que seja esta a estação do ano referida no poema já que é na Primavera que a
Natureza parece acordar. Os animais que hibernam, voltam à atividade, as flores nascem
e multiplicam-se, voltam as aves. No meu desenho tentei representar essa vida e essa
verdura que são tão características desta estação do ano e vêm mais uma vez contrastar
com a ideia de morte.

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