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Sobre a autora

Inicialmente, gostaria de elencar nesta seção, pontos importantes sobre a autora,


fatos que ajudarão na melhor compreensão da análise do livro Viagem.

Cecilia Meirelles é sem dúvidas, uma das maiores escritoras e poetas da história
literária brasileira, com várias obras publicadas, ela simplesmente foi além, deixando
seu nome eternizado em inúmeros livros e poemas belíssimos, mas não foi apenas como
uma grande e excelente autora que ela se destacou, pois também foi pintora, jornalista,
professora e tradutora. Cecília nasceu em 7 de novembro de 1910 e logo aos seus 18
anos publicou o seu primeiro livro, chamado Espectros, ela fez parte de um dos mais
ricos movimentos literários da história brasileira, o modernismo, mais especificamente
da segunda geração.

As obras de Cecilia, são permeadas de sonoridade e musicalidade, elementos


normalmente associadas a felicidade e à alegria, mas ela sem dúvidas, transitava muito
bem entre os elementos citados e a melancolia, que por vezes aparece claramente
evidenciada em muitas de suas obras, é muito comum afirmar, embora não se saiba até
onde isso é verdade, que Cecília imprimiu os temas de morte e melancolia em suas
obras, pois desde muito nova já teve que lidar com a morte de sua mãe que faleceu
quando ela tinha apenas 3 anos de idade além do mais nunca conheceu o pai, que
faleceu antes do seu nascimento

Cecília destacou-se também por sua obra voltada para o publico infantil, esse
tipo de produção é normalmente marcado por sentimentos de riso e brincadeira apenas,
mas na obra de Cecília, ela acaba por também abordar questões existenciais, é muito
interessante como ela consegue falar de muitas das angúustias humanas, traduzindo isso
à linguagem infantil, de modo que as crianças possam entender e refletir sobre assuntos
muito complexos, mas que fazem parte do ser humano.

A sua poesia se destaca pelo caráter intimista, apontando aspectos do próprio eu.
Em seus poemas, a morte, a efemeridade do tempo, o amor a saudade e vários outros
temas angustiantes, são quase sempre descortinados dentro das linhas dos seus versos.
Sem dúvidas, as obras de Cecília, figuram dentre as maiores obras, não só do século
XX, mas de toda a história, Cecília, é um exemplo de mulher, que mesmo com todo o
machismo de sua época conseguiu se destacar como a grande poeta que foi, pois como
ela mesma diz no poema motivo “Não sou alegre nem sou triste: sou poeta.”
Análise do livro Viagem- Cecilia Meireles

A obra viagem foi publicada em 1937, escrita por Cecília Meireles, o livro não
se trata de um romance, mas de uma coletânea de poemas escritos pela própria autora, o
livro contém 99 poemas, e ainda 13 epigramas, onde Cecília através da voz poética dos
seus textos expressa sentimentos como o amor e solidão.

Como dito na seção anterior um dos fatores que se destaca nas obras de Cecília,
é a questão sentimental, melancólica, e como ela sempre aborda temas da angústia
humana referentes a solidão ao amor, e ainda outras situações, na obra analisada isso
não é diferente, pois se percebe a todo momento esses temas nos poemas contidos na
obra.

A análise aqui feita não pretende ser exaustiva, mas apenas destacar pontos
importantes dentro da obra estudada, tendo isso em mente, a partir de agora, irei analisar
os 4 primeiros epigramas e os poemas que se seguem depois deles, fechando assim uma
análise de 4 poemas e de 4 epigramas.

O Epigrama nº1 vem falar sobre uma tal canção, que silenciosa ou sonora, pousa
sobre os espetáculos da vida, e que os homens saberão através dessa canção, que “o
mundo ficou mais belo”, a epigrama fala ainda sobre efemeridade dessa canção, onde a
chama de “flor do espirito, desinteressada e efêmera”. A canção citada ainda que não
fique claro sobre o que se trata, parece ser algo que perpassa, a vida humana, como algo
que independente de onde aconteça, afeta todos os momentos do ser, e aponta uma
beleza no mundo.

Motivo, é o poema seguinte, logo após o 1º epigrama, todas as áreas da vida


humana normalmente são permeadas de motivações, pra tudo se tem um motivo e o
poema como o próprio título explica, fala justamente sobre motivos, mais
especificamente sobre os motivos do ser poeta, o motivo da poesia. O primeiro verso
parece responder uma pergunta, é como se alguém houvesse anteriormente perguntado a
voz poética qual a sua motivação em cantar, e o poema vai responder de maneira solene
“EU CANTO porque o instante existe”, essa resposta é muito sublime, e interessante,
pois leva à seguinte reflexão, segundo o próprio poema a única coisa necessária à
canção é o instante, ou seja, o momento.
A partir do primeiro verso se constrói a ideia de que o poeta tem a
capacidade de fingir, a poesia é a arte do fingimento, pois como os versos finais da
primeira estrofe falam “Não sou alegre nem sou triste: sou poeta.” Isso denota, que o
poeta, não necessita de alegria para escrever sobre alegria, na mesma medida em que o
mesmo ocorre com a tristeza, a ideia central da primeira estrofe se resume em que o ser
poeta vai além de se escrever sobre o seu sentimento momentâneo, mas também
perpassa o saber fingir, o saber expressar sentimentos que não são necessariamente seus.
Ao dizer “Atravesso noites e dias no vento.” A voz poética parece dizer que é levada
pelas ideias como algo que é levado pelo vento, pois nos versos anteriores fala
justamente sobre não sentir gozo nem tormento, e mesmo assim vamos ver o poeta
expressando ambos os sentimentos.

Na terceira estrofe é apresentado uma espécie de confusão mental, pois parece


haver uma indecisão sobre as várias coisas citadas “Se desmorono ou se edifico, se
permaneço ou me desfaço,” é bastante claro que o poema expressa essa indecisão em
não saber o que fazer, isso não poderia ser mais claro em “— não sei, não sei. Não sei se
fico ou passo.” Contudo, ao entrar na quarta estrofe, fazendo um contraponto com o
verso da estrofe anterior, a voz poética diz que sabe algo, diz “Sei que canto”, a forma
em que isso é colocado, traduz a ideia de que a voz poética do texto pode não saber de
todas aquelas coisas da estrofe três, mas de uma ela sabe, sabe que canta, e que “... a
canção é tudo.”

E sabe ainda de outra coisa, sabe que um dia estará mudo, como dito, a morte é
um tema recorrente nos poemas de Cecília, e aqui a voz poética entende justamente que
o que se tem pra dizer, tem que ser dito agora, pois todos nós, um dia estaremos mudos
que dentro do contexto do poema parece significar, mortos.

É interessante como em alguns poemas da obra, ideias contraditórias são


colocadas juntas, isso fica claro na análise da epigrama nº 2. “ÉS PRECÁRIA e veloz,
Felicidade.” Assim se inicia o epigrama, e ao longo dele todo essa ideia será
descortinada, a felicidade é normalmente algo tratado como objeto de intensa busca,
mas aqui a voz poética desconstrói essa visão utópica da felicidade, já no primeiro
verso, anteriormente citado, o texto fala da precariedade da felicidade, e de como ela é
veloz, ou seja para a voz poética a felicidade é algo escasso e que passa rápido, e essa
mesma visão se desenrola no decorrer da estrofe, quando trata diretamente da relação da
felicidade com o tempo, pois para o epigrama a felicidade demora a vir, e vai embora
rápido, ou seja não dura.

A ideia de uma felicidade eterna vai sendo desconstruída pois, ao dizer que foi a
felicidade que ensinou aos homens que havia tempo, e que para medi-la que se
inventaram as horas, fica claro que a felicidade não é infinita, pois se precisa-se de
tempo para aferi-la, ela obviamente, em algum momento, vai embora.

Na segunda estrofe, os elementos contraditórios são claramente postos em


paralelo, quando se diz que a felicidade é “coisa dolorosa” e “estranha”, só até aí já é
suficientemente diferente da ideia que a maioria das pessoas têm sobre a felicidade, mas
o segundo verso consegue ser ainda mais destoante da versão idealizada da felicidade,
pois sem restrições a voz poética diz que a felicidade fez “...para sempre a vida ficar
triste:” aqui se percebe claramente ideias completamente antitéticas como pode a
própria felicidade deixar algo triste.

O texto fecha explicando como a felicidade entristeceu a vida, quando diz


“porque um dia se vê que as horas todas passam, e um tempo, despovoado e profundo,
persiste.” Entende se desses dois versos, que a busca intensa e desenfreada pela
felicidade produz ao final da vida, solidão, há aqui uma crítica a esse tipo de busca,
onde não se aproveita os pequenos momentos felizes que permeiam toda a vida,
enquanto se busca uma tal felicidade inatingível, e ao final da vida tudo que resta é
“...um tempo, despovoado e profundo...” ou seja um tempo de solidão.

O poema que se segue logo após o 2º epigrama é serenata, poema que tem
bastante musicalidade, o nome serenata se refere aquelas músicas normalmente tocadas
no tardar da noite sob a janela da amada do cantor, sabendo isso a compreensão do
poema é facilitada, pois insistentemente o poema traz o que ele chama de canção tardia,
e que se refere justamente a serenata.

O texto inicia com o imperativo “REPARA”, onde a voz poética convida o leitor
a prestar atenção nessa tal canção, a segunda estrofe, é trazido para o texto elementos da
prosopopeia, como por exemplo no trecho “O orvalho treme sobre a treva” o texto diz
ainda que o sonho da noite abraça procura a voz elevada pelo vento a abraça e leva,
características propriamente pessoais em objetos inanimados, a melancolia é descrita
aqui neste poema novamente pois na terceira estrofe é dito que a canção tardia
“...oferece a um mundo desfeito sua flor de melancolia”
Na quarta estrofe mais uma vez na obra são trazidos elementos contrastantes,
isso fica claro quando se lê “É tão triste, mas tão perfeito,” a voz poética aqui, deixa
claro que mesmo algo sendo triste, nesse caso a “canção tardia” ela pode ser também
perfeita.

É interessante quando o texto diz “o movimento em que murmura, como o do


coração no peito.” Pois esse trecho demonstra duas situações, primeiro, a canção tardia,
é tão essencial para a voz poética quanto o movimento do coração, ou seja, é essencial a
vida, e a segunda é que a canção é tão bonita que é tão natural e involuntária quanto as
próprias batidas do coração.

Na quinta estrofe fica nítido como a serenata tem caráter pessoal, pois toda a
música, é entrelaçada com o nome da amada. Na última estrofe a autora novamente traz
aspectos adversativos quando diz que apesar das letras da canção serem pequenas elas
perduram todo um universo. E finaliza ao dizer que o próprio tempo suspira por
eternidades serenas, ou seja, que aquele momento durasse para sempre.

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