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A ceifeira (pp.

32-33)

1. O poema pode ser dividido em duas partes. Assim, na primeira parte, constituída pelas
três primeiras estrofes, o sujeito poético foca-se na ceifeira e no seu canto,
considerando que esta não tem razões para cantar, pois julga-se “feliz” e é “alegre”,
mas sem motivos para tal. Já na segunda parte, constituída pelas três últimas estrofes,
o «eu» lírico revela os efeitos contraditórios sobre si, na medida em que aquela canta
“sem razão”, sem pensar. Na verdade, ao contrário da ceifeira, o sujeito poético pensa
no que sente e, por isso, sente simultaneamente alegria e tristeza, pois gostaria de ser
como a ceifeira, com a sua “alegre consciência”, isto é, sentir sem pensar, mas, ao
mesmo tempo, sem prescindir de ser ele mesmo, de ter a consciência de ser
inconsciente.

2. A «ceifeira» é, na perspetiva do sujeito poético, uma mulher trabalhadora, sacrificada


(«E canta como se tivesse / Mais razões para cantar que a vida»), com uma voz
melodiosa e triste, que «ondula como um canto de ave». Na verdade, o «eu» lírico
considera-a «pobre» e de ter uma voz «cheia / De anónima viuvez», revelando que não
considera que ela tenha razões para cantar, sendo uma figura digna de compaixão,
apesar de viver com alegria a sua existência, marcada pela insignificância e perda
(«anónima viuvez»).

3. O verso catorze a oposição entre o modo como a ceifeira e o «eu» encaram a vida. Na
verdade, enquanto a primeira «canta sem razão», isto é, apesar de ser infeliz, não tem
consciência disso, e canta, o segundo é incapaz de deixar de pensar, de se libertar da
intelectualização das suas emoções, sendo, por isso, dominado pela razão que o
impede de ser feliz, pois não consegue ser inconsciente.

4.

4.1. O sujeito poético revela desejos através do infinitivo pessoal («poder ser«, v.17;
«Ter», v.18) e do modo imperativo («Derrama», v. 15; «Entrai», v22; «Tornai», v.22;
«Passa», v24).

4.2. O modo imperativo traduz o desejo de o «eu» ser como a ceifeira. No entanto,
através do modo infinitivo pessoal o «eu» reconhece que o conhecimento, a tomada
de consciência da realidade, gera sofrimento, o qual aparece como inútil perante a
efemeridade da vida. Aliás, os versos dezassete a dezanove demonstram a profunda
contradição com que o sujeito poético se debate: é-lhe impossível libertar-se da sua
dor de pensar, pois desejava a inconsciência da ceifeira, que lhe permitia sentir-se
alegre e feliz, mas, ao mesmo tempo, de nada lhe serviria se tivesse consciência disso,
o que revela uma concretização impossível.

5. Através da apóstrofe exprime-se o tema da dor de pensar. A consciência da brevidade


da vida torna ainda mais doloroso ao «eu» o facto de lhe ser impossível libertar-se de
uma consciência sempre presente. Por isso, através de várias apóstrofes, dirige-se aos
elementos que estão associados ao canto da ceifeira, manifestando um desejo de
inconsciência, que o libertaria da dor de pensar.

GRAMÁTICA

A. Predicativo do complemento direto (“feliz);


C. Predicativo do sujeito (“pensando”);
E. Predicativo do sujeito (“tão breve”)
F. Predicativo do complemento direto (“à vossa sombra leev”).

LEITURA

DOR DE PENSAR

A lucidez de Pessoa, a sua obsessão de análise e busca de respostas provocam-lhe sofrimento e


angústia. A tendência excessiva para a intelectualização, para a abstração, leva o poeta a ser
incapaz de apenas sentir e, por isso mesmo, a desejar ser inconsciente para poder atingir a
felicidade da «ceifeira», cada vez mais utópica. Assim, debate-se entre «sentir» e «pensar».

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