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Pessoas &

ISSN 1646-5180

N.º 15 - Dezembro de 2011


www.facfil.ucp.pt/pessoas-e-sintomas

Sintomas

Psicologia do Trabalho
e das Organizações
Sumário
Pessoas &
Sintomas

3_ Editorial
FÁTIMA LOBO

5_ Emotions in the workplace:


can shame increase productivity levels?
luis fructuoso martinez
aristides I. ferreira
joão vieira da cunha
DR

8_ Análise da psicodinâmica do trabalho


Periodicidade
3 números por ano
de taquígrafos parlamentares brasileiros
ana magnólia mendes
N.º 15 - dezembro de 2011 jorge josé alves
ISSN: 1646-5180 alessandra m. l. d. frança

Diretor
João Carlos Major
18_ Perfil de funções do Psicólogo do Trabalho
e das Organizações tomando como referência
Conselho de Redação os Estágios Curriculares
Alfredo Dinis fátima lobo
Domingos Ferreira margarida pinheiro
Marta Oliveira
Romão Araújo
Rui Devesa Ramos
24_ Síndrome de Burnout em médicos
Zeferino Venade Ribeiro e enfermeiros de Unidades Básicas de Saúde
mary sandra carlotto
Grafismo adolfo pizzinato
Pedro Gonçalves mariana barcinski
rodrigo de oliveira machado
EXECUÇÃO GRÁFICA
Empresa do Diário do Minho, Lda. 30_ Trabalho, qualidade de vida
Propriedade
e clima organizacional
marina pereira
ALETHEIA - Associação Científica e Cultural
fátima lobo
Faculdade de Filosofia de Braga
Universidade Católica Portuguesa
Praça da Faculdade de Filosofia, n.º 1 35_ A Liderança é uma questão de personalidade,
4710-297 BRAGA de comportamento ou de gestão da situação?
Tel.: (+351) 253 208 076 antónio carvalho
Fax: (+351) 253 213 940 fátima lobo
www.facfil.ucp.pt/pessoas-e-sintomas
jcmajor@mail.telepac.pt 39_ Sociogénese versus Sociolização:
Uma Reflexão
maria da conceição rodrigues ferreira

43_ Reflexões sobre o tempo


josé costa dantas

46_ Trabalho, igualdade e inclusividade


Número avulso: 8 euros na pós-modernidade
Assinatura (3 números por ano): eduardo duque
Alunos ou antigos Alunos da UCP: 15 euros;
Normal: 20 euros; Instituições: 25 euros;
antónio almeida calheiros
Estrangeiro: 30 euros

O pagamento poderá ser feito por cheque ou vale postal 53_ O contributo da psicodinâmica do trabalho
em nome de: “ALETHEIA - Associação Científica e Cultural”.
Morada: Faculdade de Filosofia de Braga, Universidade
para o estudo da relação entre trabalho e saúde
Católica Portuguesa, Praça da Faculdade de Filosofia, mental nas organizações
n.º 1 - 4710-297 BRAGA.
anabela azevedo
O conteúdo dos artigos é da responsabilidade dos autores fátima lobo
Pessoas &
3_ Sintomas

Editorial Abrem-se, na actualidade, novas oportunidades académicas e profis-


sionais aos psicólogos do trabalho e das organizações: diagnóstico,
recrutamento & selecção, formação & desenvolvimento, comunica-
ção, gestão de pessoal, estratégias de intervenção e levantamento de
necessidades (Lobo & Pinheiro). Do ponto de vista teórico a comu-
nidade científica anuncia diferentes pontos de vista: na unidade de
análise, na problematização, nos pressupostos, na conceptualização,
nos modelos de diagnóstico e de intervenção, na estrutura e dinâmica
das organizações, no diagnóstico dos riscos psicossociais. Contudo,
convergem na centralidade do trabalho e na constatação das mudan-
ças operadas na gestão das organizações, nas exigências de maior
produtividade, na competitividade dos mercados, no aumento da
Fátima Lobo idade de reforma, na empregabilidade da mão-de-obra envelhecida, na
flobo@braga.ucp.pt sociedade em rede e do conhecimento, na necessidade de formação
contínua, na multiculturalidade e ausência de fronteiras, na alteração
dos vínculos e na precariedade laboral. Convergem, ainda, na cons-
tatação da importância das variáveis de natureza predominantemente
económicas, sociais e políticas e no modelo económico pós-revolução
industrial que se baseia no princípio da (inter)dependência aos meios
de produção e, por consequência, no exercício de fortes constran-
gimentos sobre os trabalhadores. Neste contexto em que tripalium
se sobrepõe a poesis, o trabalhador debate-se entre os constrangi-
mentos organizacionais e as estratégias individuais de defesa para
transformar o sofrimento em prazer. Esta linha de reflexão inspirada
na psicodinâmica do trabalho (Mendes, Alves & França; Azevedo &
Lobo) focaliza-se nas pressões organizacionais e no funcionamento
psíquico do trabalhador; outras, linhas focalizam-se na qualidade de
vida e bem-estar subjectivo no trabalho, na remuneração adequada,
na equidade interna e externa, na ascensão profissional, no tratamento
igual e crescimento pessoal, na igualdade de oportunidades (Perei-
ra & Lobo), nos factos psicossociais e stressores organizacionais
(Carlotto, Pizzinato, Barcinski & Machado), na liderança (Carvalho &
Lobo), na gestão de competência (Costa Dantas) e desenvolvimento
em contexto (Ferreira), no impacto das emoções no desempenho e na
gestão organizacional (Ferreira & Cunha) e no espaço para a utopia
nas organizações (Duque & Calheiros).
Parafraseando Álvaro Miranda Santos qualquer paradigma «é corda
curta para poço profundo» e, neste sentido, o número que agora se
apresenta, não possui uma linha teórica definida. Pretende, antes,
contribuir para que na Revista Pessoas & Sintomas se afirme a
ideia de Escola, em sentido clássico, na qual se debatem ideias, se
apresentam diferentes pontos de vista e o principiante inicia a sua
aprendizagem da vida pública ao lado do «mestre», eis o sentido da
colaboração, neste número monográfico, dos alunos da licenciatura
e mestrado em Psicologia do Trabalho – Anabela Azevedo, António
Carvalho e Marina Pereira – e ex-alunos que mantêm com a Univer-
sidade Católica Portuguesa laços e gosto pela investigação que aqui
se produz, na certeza que o que temos de aprender para a fazermos,
é fazendo que as aprendemos.
O princípio de solidariedade e de confiança recíproca inscrito na
Carta Encíclica Caritas in Veritate, constituiu a razão da opção gráfica
deste número monográfico. As empresas (Casa Batalha, DM, Ferro-
lho, MEBRA) e organizações (Aliança Artesanal/ Câmara Municipal
de Vila Verde), parceiras da Universidade Católica Portuguesa/
Centro Regional de Braga, na formação dos alunos de Mestrado em
Psicologia do Trabalho e das Organizações e suas coadjutoras nos
estágios curriculares, pelo que se há-de ver nesta opção, o desejo de
fundir a investigação com a participação criativa e imprescindível do
tecido produtivo e na interligação Universidade-Meio.
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Emotions in the workplace: Can


shame increase productivity levels?
1
Luis Fructuoso Martinez
1
Aristides I. Ferreira
2
João Vieira da Cunha

1
Business School, ISCTE, Instituto Universitário de Lisboa
2
ISCSP, Universidade Técnica de Lisboa

Abstract motivational system for goal-directed behavior (i.e., the so-called “feeling-is-
-for-doing” approach) (Zeelenberg & Pieters, 2006). Many emotions attracted
In this paper, we focus on an unpleasant already researchers’ curiosity but, in this paper, we draw our attention to a
emotion – shame – that has profound nega- specific emotion that is barely studied in the organizational context – shame.
tive psychological and behavioral consequen- Shame is one of the most intense emotions that people can experience.
ces. Research has documented it as a “social More than half a century ago, Ausubel (1955) already posited that shame is a
withdrawal” emotion, as ashamed people tend very unpleasant emotion that evokes feelings of inferiority and worthlessness.
to hide from others. However, shame can also This emotion arises when an individual evaluates her/his behavior negatively,
have a positive side, by motivating people to by identifying something wrong that could pose a threat to her/his self (Lewis,
work harder in an organizational context. We 1971). By contrast, literature also emphasizes the fact that – as a basic ele-
propose a dynamic model of the influence of ment of motivation – people need to acquire a positive image of themselves
shame in productivity levels. Lastly, we discuss (Taylor & Brown, 1988). Consequently, people try to increase their levels of
some implications to management. self-esteem by comparing with their peers and with society in general. Moreo-
ver, they tend to notice threats to their egos (Lewis, 1971).
Keywords: Decision-making, shame, productivity,
performance, organizational behavior.
Typically, when people experience shame, they try to hide from others at all
costs. It involves feelings of rumination, confusion and even inability to speak
(Orth, Berking, & Burkhardt, 2006). At first, this withdrawal tendency seems
Resumo to retrench any possible bright side of shame. Contrarily to other emotions,
researchers argue about shame serving any adaptive function at all. In other
Neste artigo, centramos a investigação words, what beneficial effect(s) on future behavior could shame have?
numa emoção desagradável – a vergonha –
que acarreta profundas consequências, tanto a
nível psicológico, como a nível comportamen- Thoughts on shame
tal. A literatura identificou-a como uma emoção
de “retirada social”, dado que os indivíduos en- and productivity
vergonhados tendem a esconder-se das outras
Prior studies have shown that individual and situational factors may mo-
pessoas. No entanto, a vergonha pode ter um
derate the relationship between shame and individual motivation (e.g., De
lado positivo, motivando as pessoas a traba-
Hooge, Zeelenberg, & Breugelmans, 2010). Shame can either lead to social
lhar mais em contexto organizacional. Propo-
withdrawal (Tangney, Miller, Flicker, & Barlow, 1996) or to an increase of
mos um modelo dinâmico da influência da ver-
prosocial behavior (De Hooge, Breugelmans, & Zeelenberg, 2008; Emde &
gonha nos níveis de produtividade. Por último,
Oppenheim, 1995; Goldberg, 1991). Thus, ashamed people use both types
discutimos algumas implicações para a gestão.
of behavior as a mechanism to repair their damaged egos. The relationship
Palavras-chave: Tomada de decisão, vergonha, produtividade, between shame, motivation, productivity and prosocial behavior is described
desempenho, comportamento organizacional. in the proposed model (see Figure 1), emphasizing the fundamental role of
individual and situational moderating variables.

Introduction
Emotions play a key role in decision-making,
as they can explain and predict human behavior
(Frijda, 2004; Martinez, Zeelenberg, Rijsman,
2011). In the last two decades, emotion rese-
arch has flourished, essentially based on the
fact that the emotional system is the primary
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Sintomas _6

Figure 1. A dynamic model of shame and productivity

In an organizational setting, when people associated with prosocial behavior but these type of behavior is less frequent
execute a specific task and realize that their in proselves (Messick & McClintock, 1968). However, De Hooge et al. (2008)
performance is inferior compared to others, reported that endogenous shame more acutely affects the behavior of prosel-
this may result in different behaviors. Some ves, motivating them to act more prosocialy, a seemingly unexpected positive
authors (De Hooge et al., 2010) suggest that effect on behavior.
experienced shame may increase motivation The instrumentality between shame and the possibility of goal accomplish-
levels in order to repair the discomfort felt. ment is actually very important. Moreover, the influence of shame is highly
When perceiving a feeling of incompetence, regulated according to the importance that the employee gives to a particular
people may be somehow experiencing shame. situation. In this sense, and as described in the proposed model, situational
The reaction to this negative feeling consists of variables play an important moderating role in the relationship between shame
trying to fix or overcome the situation that cau- and motivation. Shame has a significant influence on motivation and hence
ses discomfort and represents a major threat productivity may be influenced by shame. For example, if a poor performance
to the ego. leads to a significant decrease in variable compensation, the ashamed em-
Regarding individual variables, the volitional ployee may engage in a series of behaviors in order to recuperate high levels
nature of the motivation is described as a set of of performance. This occurs if the situation is indeed relevant to individuals
performance-oriented behaviors in an attempt (Frank, 2004).
to respond to new repairing challenges. A soc- Individuals compare themselves in a logical and interpersonal experien-
cer player who cannot accomplish the objec- ce of shame induces a set of negative behaviors, namely that the person is
tives for a match previously set by his coach, weak and has no value (Lewis 1971, Tangney & Fischer, 1995). Experimental
but realizes that other team members have studies developed by De Hooge et al. (2007) showed that shame does not
achieved those goals, may well do an effort to exert any influence on tasks of social cooperation. This can be explained by
overcome his current limitations. the motivation that often accompanies emotions: shame motivates individuals
The emotion of shame, however, can exert to develop withdrawal behaviors so as to avoid situations of discomfort. As
a contradictory influence on employees’ beha- cooperation or prosocial behavior do not include retraction, shame does not
vior. It is true that the ego-restorative function involve the cooperative behavior in the short term. This retraction results in
may lead to action, but the opposite may also the inhibition of behavior and therefore reduces the performance of workers.
occur. Accordingly, it may result in inhibition
or stabilization of organizational performance.
Some employees may identify the risk of failure Implications to management
or recovery of the self through a minor inhi-
As mentioned in the previous section, shame may trigger motivations that
bitory behavior motivation. In a performance
lead employees to action, thus increasing their productivity levels. Aware of
evaluation, an employee with a low score can
this reality, some Japanese companies (e.g., Canon) introduced management
defend her/himself by retracting and moving
practices that use shame as a motivational tool. For example, a wide informa-
away from the situation. This phenomenon oc-
tion chart is placed at the entrance of different departments which includes the
curs when there is no instrumental perception
names of all employees and their skills or expertise levels. When an employee
of ego repair.
acquires a specific new skill, that info is visible to all her/his co-workers. Em-
Social value orientations (see for a review,
ployees invest in upgrading their skills and compare their results with those
Van Lange, Otten, De Bruin, & Joireman, 1997)
of other colleagues, thus developing strategies that result in increased mo-
also moderate shame’s effect on prosocial
tivation to acquire new skills and, consequently, increase their productivity
behavior. People are known to differ on this di-
levels. An alternative procedure is to associate both well-known superheroes
mension, some act more selfishly (proselves)
to successful employees and villains (or losers) to less productive workers.
whereas others act more based on collective
Allegedly, people would be ashamed to be nick-named ‘Bashful’ or ‘Sleepy’ –
interests and egalitarianism (prosocials). Mo-
two characters of ‘The Seven Dwarfs’. This instrumental use of shame seems
ral emotions such as shame tend to be more
to have achieved good results in Japan and the US. However, some Europe-
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an companies tried to implement similar me- variables, task relevance and task cooperativeness may moderate the effect
chanisms but did not get the expected results. of shame on productivity. For example, experiencing shame in a non-relevant
Nevertheless, this induction of shame in order situation means that the motivational effect will be weak, therefore not acti-
to increase productivity levels in organizations vating an ego-repairing procedure. Similarly, cooperative tasks may result in
remains a controversial topic and more resear- inhibition of exposure to others. For example, if a specific worker of a factory
ch is needed so as to understand its underlying assembly line makes a big mistake and thus feels responsible for hindering
mechanisms. the whole production process, s/he experiences shame and her/his immediate
According to the model we propose in this future performance may well decrease.
paper, the implementation of a program that Finally, we focus on a broader set of implications. Recently, many resear-
seeks to use shame as an instrument for a chers and managers became more and more interested in emotions behavioral
productivity increase should always take into consequences – at the individual, group and organizational level. Specifically,
account the role of other individual and situa- shame is a very powerful and intense emotion which may play an important
tional moderating variables. In what concerns role in organizational behavior but that has been poorly explored in most com-
individual variables, we point out self-esteem, panies and situations. In a time when crisis is on everyone’s concerns, we
self-efficacy, and social value orientations. think both researchers and managers should try to better comprehend the
Following a situation of experienced shame, underlying mechanisms of shame and performance and try to be more aware
individuals with higher levels of self-esteem of some techniques that might lead to high gains in productivity levels at a low
and self-efficacy, and with a more individualis- cost. The use of management tools such as shame induction can only result if
tic social value orientation will probably make we carry out a careful analysis of specific individual and situational variables
a better use of ego recovery strategies – and, and its relation to productivity. We hope that this paper has contributed to
consequently, increase their individual perfor- a “shame awareness” in organizations and that this encourages all of us to
mance levels. Moreover, regarding situational brighter side of an unpleasant emotion.

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UK: Cambridge University Press.
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Análise da psicodinâmica
do trabalho de taquígrafos
parlamentares brasileiros
Psychodynamic analysis of the work of brazilian parlia-
mentary shorthand workers
Ana Magnólia Mendes
Jorge José Alves
Alessandra M. L. D. França

Universidade de Brasília

Resumo de laços afetivos entre eles, até então fracos ou ausentes, dado o grau de indi-
vidualização da atividade. É importante este método ser integrado às práticas
Esta pesquisa tem por objetivos realizar a de gestão de pessoas, vez que contribui para fortalecer o coletivo de trabalho
análise da psicodinâmica do trabalho dos ta- e repensar os modelos de gestão da organização do trabalho, que muitas
quígrafos parlamentares em uma organização vezes, são patogênicos. É um método preventivo e pode subsidiar as políticas
brasileira, utilizando para tal, a clínica do tra- de gestão de pessoas. Recomendam-se futuros estudos com a categoria para
balho. Serão analisadas as dimensões da or- confirmação dos achados.
ganização do trabalho, a mobilização subjetiva, Palavras-chave: Taquigrafia, Psicodinâmica do Trabalho.
o sofrimento, as defesas e as patologias viven-
ciadas pelo grupo participante. A clínica psico-
dinâmica do trabalho implica pesquisa e ação, Abstract
tem como propósitos oferecer um espaço cole-
This research has the objectives of doing the psychodynamic analysis of
tivo de fala, de escuta, de elaboração e perlabo-
the parliamentary shorthand workers in a Brazilian organization, using for
ração do sofrimento; facilitar a criação de laços
such, the clinics of the work. It will be analyzed the dimensions of the orga-
afetivos entre os sujeitos de modo a possibili-
nization of work, the subjective mobilization, the suffering, the defenses and
tar a formação de um coletivo de trabalho que
the pathologies lived by the participating group. The psychodynamic clinic of
prescinde de cooperação para efetivar-se; e au-
work implies research and action, it has as its purposes to offer a collective
xiliar a recuperação da capacidade subjetiva de
space of talking, listening of developing and working through of suffering;
pensar e de agir coerentemente com o próprio
to facilitate the creation of affective ties between the subjects in a way of
desejo. O resgate da subjetividade é motriz da
making possible the formation of a collective work which does not need the
emancipação e da (re)construção do sentido
cooperation to become effective; and to help the recovering of the subjective
do trabalho. Participou da experiência um gru-
capacity of thinking and acting coherently with its own desire. The rescue of
po composto por sete taquígrafos. Foram rea-
subjectivity is the force of emancipation and the reconstruction of the sense
lizadas onze sessões coletivas com duração de
of work. A group composed of seven shorthand workers has participated in
uma hora e meia, uma vez por semana no local
the experience. Eleven collective sessions were performed with the duration of
de trabalho. Os dados foram gravados e agru-
one hour and a half, once a week in the place of work. The data were recorded
pados nas categorias propostas pela análise
and grouped in the categories proposed by the psychodynamic analysis of the
psicodinâmica do trabalho. Os resultados en-
work. The results found allowed to conclude that these shorthand workers
contrados permitem concluir que estes taquí-
are submitted to taylorist and toyotist organization of work which generates
grafos estão submetidos a uma organização do
suffering, with the use of protection defenses, subjective mobilization althou-
trabalho predominantemente taylorista e com
gh with the pathology of the over charge. The experience of clinic promoted
algumas características toyotistas, que gera
the mobilization of the workers towards its health and to facilitate the esta-
sofrimento, com uso de defesas de proteção,
blishment of affective ties between them, until now weak or absent, given the
mobilização subjetiva, embora com patologia
degree of individualization of the activity. It is important for this method to be
da sobrecarga. A experiência da clínica promo-
integrated to the practices of the management of people, since it contributes
veu a mobilização dos trabalhadores em prol
to strengthen the collective work and to rethink the models of management of
de sua saúde e de facilitar o estabelecimento
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the organization of work that much of the time Importante diferenciar a taquigrafia parlamentar da taquigrafia praticada no
are pathogenic. It is a preventive method and judiciário. É característica do parlamento o debate, o discurso, as contendas
it can subsidize the policies of management of orais, diferentemente do judiciário em que as decisões, os votos, são ofereci-
people. Future studies are recommended with dos por escrito. Portanto, no parlamento, o taquígrafo é figura fundamental,
the category to confirm the findings. pois é ele o responsável por verter para a linguagem escrita tudo o que é con-
siderado relevante e que foi proferido oralmente. Na organização estudada,
Key-words: Shorthand, Psychodynamic of Work
todas as sessões são levadas a termo, ou seja, são vertidas para a linguagem
escrita, constituindo assim o registro formal e legal do que é falado, debatido,
Introdução decidido e votado.
O processo taquigráfico deve estar automatizado entre a audição, o proces-
A palavra taquigrafia tem raízes gregas e sig- samento mental da palavra ouvida em taquigramas e a escrita dos símbolos
nifica escrita rápida (taqui: rápido; grafia: escri- correspondentes. Após esse apanhamento, o profissional é responsável pela
ta). É um sistema de captação de linguagem digitação do material coletado. Considerando as diferenças entre a linguagem
oral por meio de símbolos gráficos chamados oral e escrita, no processo de digitação há uma tarefa adicional para o taquí-
taquigramas. A taquigrafia se constitui em um grafo: realizar um refinamento gramatical dos discursos, eliminar incorreções
registro fonético, ou seja, registra o som das e manter sempre o estilo do orador e o sentido do que foi falado.
palavras em vez de sua etimologia. Um estudo do Laboratório de Ergonomia da Atividade, da Universidade
Alguns estudiosos atribuem a invenção da de Brasília (Hostensky, Aviani, Ferreira, Cordeiro, & Menezes, 2002), sobre a
taquigrafia aos gregos (Cury, 2000). Para isso, atividade dos taquígrafos da Câmara dos Deputados descreve que o trabalho
basearam-se nas afirmações de Diógenes La- prescrito consiste no registro e decifração dos pronunciamentos e debates
ércio e de Plutarco. Este conta que Xenofonte realizados em plenário e comissões, e na sistematização dos dados por meio
recolheu as palavras de Sócrates, seu mestre, de pesquisas e redação, mantendo-se o refinamento gramatical e preservan-
com uma escrita que consistia em abreviações do-se o estilo e o sentido. Essa descrição mostra a necessidade de o profis-
e sinais que exprimiam muitas sílabas e pala- sional se adaptar à natureza dinâmica das tarefas e à exigência de rapidez e
vras. Aquele, historiador e biógrafo dos anti- qualidade nos serviços. Por outro lado, a prescrição enfatiza a importância de
gos filósofos gregos, menciona que Xenofonte o servidor ampliar o espectro dos assuntos de seu interesse cultural, mos-
registrou com abreviações o que se dizia. A trando a relevância da habilidade para lidar com a diversidade de assuntos, de
criação desse sistema possibilitou que os dis- linguagem – sobretudo suas deficiências – e de raízes culturais dos oradores.
cursos de Sócrates, Sêneca, Aristóteles, Horá- Essa pesquisa (2002) revelou, ainda, que o trabalho de taquígrafo suscita
cio, Hermógenes, Juvenal, Cícero e outros se diversos tipos de dano à saúde do trabalhador, em níveis físico, cognitivo e
tornassem conhecidos (Kose, 2005). psíquico. Revelou também que os custos físicos da atividade de taquigra-
Em 70 a.C., Marco Túlio Tiro, inspirado nas fia se referem à qualidade das instalações, como iluminação inadequada e
abreviaturas gregas e com o auxílio de Cícero, desconforto no ambiente de trabalho, o que gera uma tendência de descon-
criou um método que possibilitava taquigrafar forto nos membros superiores direitos e pé esquerdo: “É importante salien-
individualmente. Pôs-se-o em prática publica- tar que as condições físicas existentes constituem um cenário propício para
mente pela primeira vez em 63 a.C., no Senado. o surgimento de doenças ocupacionais, entre essas a DORT/LER.” (p. 12).
Ao longo da História, o método foi sendo aper- Identificaram-se também diversos elementos da organização do trabalho que
feiçoado por diversos estudiosos e peritos. conferem alto custo cognitivo da atividade, podendo expor os trabalhadores
Por fim, foi Sêneca quem fez os acréscimos ao desenvolvimento de fadiga e exaustão cognitiva. Os resultados também
que dariam um ordenamento definitivo a toda apontaram para uma tendência ao desenvolvimento de transtornos mentais e
prática de registro fonético conhecido como de comportamento, como estresse e depressão. Os custos físico e cognitivo
taquigrafia. foram referidos como os mais alarmantes. Uma pesquisa feita no Rio Grande
A taquigrafia foi introduzida no Brasil em do Sul, demandada pela constante queixa de dores em taquígrafos, apontou
1822 por Isidoro da Costa Oliveira, por inter- para o alto custo cognitivo e emocional da atividade de taquigrafia em um
médio do Ministro do Reino, José Bonifácio Tribunal do Estado (Patussi, 2005).
de Andrada e Silva, segundo Kose (2005). É evidente a necessidade do serviço de taquigrafia nas diversas organi-
Em 2000, Cury identificou 97 departamentos zações, sobretudo no período anterior à vida moderna, quando não havia
de taquigrafia em órgãos públicos brasileiros, dispositivos eletrônicos, máquinas de escrever, etc. Atualmente, podendo-
como Câmara dos Deputados, Senado Federal, -se contar com microcomputadores, gravadores e filmadoras, pergunta-se:
Assembleias Legislativas, Câmaras Municipais, há necessidade de serviço de taquigrafia? A resposta é sim. Sobretudo nas
Tribunais de Contas e nos do Poder Judiciário. organizações do poder legislativo. Equipamentos eletrônicos podem falhar e
Um dos parâmetros de qualidade para prá- não são capazes de verter o discurso para a linguagem escrita, obedecendo
tica taquigráfica é a velocidade com que se à norma culta da língua e mantendo o estilo de cada orador e o sentido exato
realiza a captação de palavras. Trata-se de um do que foi falado.
diferencial importante para a profissão, depen- Quanto ao presente trabalho, a demanda para realização da Clínica origi-
dendo do local de trabalho e da demanda. A nou-se da própria organização e constituiu-se em dois momentos. Inicialmen-
taquigrafia parlamentar ou judiciária caracte- te, por iniciativa de uma servidora taquígrafa que solicitou pessoalmente ao
riza-se por parâmetros de velocidade bastante Laboratório de Psicodinâmica e Clínica do Trabalho, da Universidade de Brasí-
elevados, com uma captação geralmente acima lia, uma intervenção com base nos referenciais da Psicodinâmica do Trabalho.
de 100 palavras por minuto. Posteriormente, o setor de taquigrafia no qual ela trabalhava foi procurado e
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anuiu com a realização da pesquisa, face ao ex- balho. Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994) afirmam que a pesquisa, nessa
pressivo número de taquígrafos com histórico abordagem, é um processo de interação no qual os trabalhadores analisam
de adoecimento no trabalho. suas vivências e os pesquisadores propõem hipóteses a serem discutidas. A
Considerando as informações iniciais, foi validação ocorre nesse mesmo contexto, sendo relativa à interpretação dos
feita uma pesquisa documental no setor de ta- fatos, não aos fatos em si, com o objetivo de demonstrar as contradições da
quigrafia e no serviço médico da organização. relação sofrimento-organização do trabalho.
Do total de vagas preenchidas, apenas 67% es- Ainda segundo Dejours (1992), o diálogo que a Psicodinâmica do Trabalho
tavam efetivamente ocupadas em 2010. Nove estabelece com a Psicanálise exerce influência significativa em seus pres-
taquígrafos encontravam-se afastados por mo- supostos teóricos, mas ambas se diferenciam na prática. O termo análise
tivo de adoecimento, o que reduziu o quadro de psicodinâmica consta na teoria psicanalítica e designa o estudo dos movi-
servidores para 58%, do total de vagas para a mentos psicoafetivos gerais, buscando a evolução dos conflitos intrasubjeti-
ocupação, em relação ao quantitativo de taquí- vos e intersubjetivos. A Psicodinâmica do Trabalho elege o drama vivido, seu
grafos em 1999. conteúdo e seu sentido para o que é vital no momento do trabalho. A análise
As informações obtidas junto ao serviço psicodinâmica não é aplicada, como a Psicanálise, a processos de cura e de
médico mostram que o período mais crítico conflitos resultantes da transferência com o analista.
ocorreu em 2008. Naquele ano, dos taquígra- Mendes e Araújo (2011) propõem que a escuta do sofrimento prescinde
fos em atividade, 41% estavam adoecidos e re- dos princípios que regem a escuta psicanalítica e que a interpretação das situ-
cebiam acompanhamento especial do serviço ações de trabalho carecem de fundamentos teóricos da Psicanálise. Segundo
médico. Quase a totalidade devido a distúrbios Molinier (2001), são raros os textos relativos à metodologia em Psicodinâmi-
osteomusculares, ansiedade e depressão. ca do Trabalho. Além disso, são pouco explicitadas as dificuldades sentidas
É escasso o número de pesquisas brasi- pelos pesquisadores no uso desta metodologia. Por esses motivos, Mendes e
leiras referentes a essa natureza de trabalho. Araújo (2011) propuseram o método utilizado na pesquisa que será relatada
Contudo, os dados e os resultados dos estu- neste trabalho como aprofundamento da ideação de Dejours (1986), segundo
dos referenciados são suficientes para revelar a qual os elementos que configuram a atividade Clínica são a elaboração psí-
a existência de demanda em atenção à saúde quica, a observação clínica e a interpretação.
do taquígrafo parlamentar. Justifica-se, assim, Teve-se como primeiro objetivo da nova proposta a aproximação de seus
a realização da Clínica do Trabalho com o grupo próprios fundamentos – no caso, a Psicanálise –, de modo a trazer o afe-
estudado, sobre a qual tratará este trabalho. to para o método, ou seja, escapar da repetição de passos metodológicos e
A clínica-pesquisa fundamentou-se teórico- buscar caminhos para assegurar a mobilização subjetiva, a cooperação e as
-metodologicamente na abordagem Clínica regras coletivas para trabalhar e viver junto. Em segundo lugar, visou-se aten-
Psicodinâmica do Trabalho. Segundo Mendes der às especificidades das demandas do contexto sócio-histórico e cultural
(2007), fazer pesquisa em Psicodinâmica do brasileiro.
Trabalho é desvelar as transformações da orga- As autoras consideram os seguintes dispositivos para qualificar a Clínica
nização do trabalho, a eficácia das estratégias, Psicodinâmica: a demanda, a elaboração e perlaboração, a construção dos
a emancipação dos trabalhadores, a reapro- laços afetivos, a interpretação e a formação clínica.
priação de si, do coletivo e das suas condições Em Psicodinâmica, demanda trata-se, basicamente, de solicitações que an-
de poder, das suas funções política e social e tecedem negociações entre pesquisadores e trabalhadores. A demanda anun-
que, portanto, a pesquisa em Psicodinâmica cia a existência de um desejo coletivo que urge ser significado; reorganiza a
do Trabalho está intrinsecamente relacionada queixa, no sentido atribuído pela Ergonomia da Atividade, que por vezes é for-
à Clínica do Trabalho. A prática da Clínica Psi- mulada para encobrir o desejo; e esclarece o pedido de ajuda. A viabilidade de
codinâmica do Trabalho inclui a pesquisa e a atendimento da demanda deve ser analisada previamente ao início da Clínica.
intervenção como dimensões indissociáveis, A análise revela ao pesquisador o melhor modo de organizar as solicitações,
além da formação do profissional que a deve de modo a adequar o encaminhamento. Segundo Dejours (2009), Dejours
conduzir, pois os princípios e as especificida- (2010) e Mendes e Araújo (2011), três tipos de clínica têm emergido: a clínica
des da Clínica em Psicodinâmica exigem uma da cooperação, a da inclusão e a das patologias. A primeira restringe-se à aná-
qualificação teórico-metodológica que articule lise e à potencialização da mobilização subjetiva, à construção de regras cole-
a teorias do sujeito e a teoria social, propician- tivas de ofício e de convivência para um coletivo imerso no mesmo cotidiano
do uma condução centrada na escuta do outro de trabalho. Sua realização subentende que os sujeitos não se encontram ado-
(Mendes e Araújo, 2011). ecidos, embora haja necessidade de construção de um espaço de discussão e
O método da Clínica do Trabalho tem como deliberações. A segunda destina-se a aposentados, a desempregados ou ain-
objetivos: oferecer um espaço coletivo de fala, da aos afastados por outros motivos e objetiva a ressignificação do trabalho
de escuta, de elaboração e perlaboração do como constituinte do sujeito em situação de não-trabalho. A terceira, por fim,
sofrimento; facilitar a criação de laços afetivos tem como foco o resgate do sentido do trabalho para o sujeito, ao reconstruir
entre os sujeitos, de modo a possibilitar a for- a história do adoecimento e/ou da violência a que foi exposto. É destinada a
mação de um coletivo de trabalho que prescin- sujeitos adoecidos e desmobilizados. Cabe ao clínico-pesquisador identificar
de de cooperação para efetivar-se; e auxiliar a o direcionamento mais adequado à demanda, que pode ser concretizado em
recuperação da capacidade subjetiva de pensar um dos três tipos de clínica.
e de agir coerentemente com o próprio desejo. Elaboração e perlaboração são termos utilizados por Freud em Recordar,
O resgate da subjetividade é motriz da eman- Repetir e Elaborar (1996) que designam o processo de integração de experiên-
cipação e da (re)construção do sentido do tra- cias vividas ao aparelho psíquico, ou seja, de ressignificação de experiências
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traumáticas remetentes à infância do sujeito. Nessa clínica, ele é o intérprete do que é ocultado pelo coletivo em relação
Em clínica do trabalho, referem-se ao proces- ao modo de engajamento no trabalho. Escutar o sofrimento implica desvelar
so segundo o qual os sujeitos reescrevem sua as defesas e traçar os caminhos da mobilização subjetiva por meio da circu-
história no trabalho e se apropriam de suas lação da palavra no coletivo. Por isso, a formação clínica deve proporcionar
angústias. Efetiva-se quando o trabalhador as condições técnicas, éticas e afetivas para que o clínico desenvolva junto
transcende o relembrar e reescreve sua histó- ao coletivo os dispositivos necessários à Clínica do Trabalho: a demanda, a
ria, tornando-se protagonista em seu ambiente elaboração e perlaboração, a construção de laços afetivos, a interpretação e
profissional. A fala do trabalhador o conduz à a própria formação.
relembrança dos acontecimentos produtores Com base nesses dispositivos, as autoras propuseram dez condições para
de mal-estar e permite a construção de novos a realização da clínica, sistematizando sua condução com inspiração nas eta-
significados, quando o sujeito elabora uma pas originalmente propostas por Dejours (1986) e nos estudos empíricos
nova compreensão de algum aspecto pessoal realizados no Laboratório de Psicodinâmica e Clínica do Trabalho. Compara-
antes desconhecido. Cabe ao clínico atentar- tivamente ao proposto pelo autor, essas dez condições referem-se aos pro-
-se às repetições nas sessões para escutar o cedimentos para a realização da pesquisa. São condições interdependentes,
não-dito e mobilizar os sujeitos a atenuar suas dinâmicas, não cronológicas e evolutivas para a condução da clínica psicodi-
resistências, aprofundar o sentido de seu dis- nâmica, a saber:
curso, para, então, resgatar-se de sua condição Organização da pesquisa. Efetiva-se a análise da demanda, a operaciona-
paralisada na ação e emancipar-se. lização da clínica, a análise documental e as observações iniciais junto ao
A construção de laços afetivos remete ao coletivo de pesquisa para a condução das sessões.
conceito psicanalítico de transferência. A trans- Construção e análise da demanda. O pesquisador participa de vários en-
ferência propicia a circulação do afeto, que se contros formais e informais, reuniões, com o objetivo de criar estratégias de
constitui na nominação do outro, ocorrendo aproximação do coletivo de pesquisa.
frequentemente nas relações, sejam elas pro- Instituição das regras de conduta do coletivo de pesquisa e do coletivo de
fissionais, amorosas ou sociais. É por meio supervisão. Contrata-se com o grupo o caráter ético do trabalho. Devem ser
dela que o sujeito se sente confiante em falar mantidos o sigilo das exposições, o respeito à forma de expressão de cada
e tentar descobrir e compreender o que está participante, bem como a impossibilidade de respostas urgentes, uma vez que
se passando com ele, pelo outro, ao ver-se a instauração do mal-estar é um processo e, da mesma forma, será a busca
no outro. No âmbito da clínica do trabalho, a da saúde.
transferência deve ocorrer como um vínculo Constituição do espaço da fala e da escuta. Cria-se o espaço por meio da
que se instaura entre o coletivo de pesquisa, observação clínica e da interpretação. A interpretação ocorre na investigação
permitindo aos participantes reconhecerem o do significado da fala; na observação dos gestos, das posturas, dos tons de
que ocorre com todos eles. É nesse momen- voz; na experiência e nos referenciais teóricos abordados no coletivo de su-
to que o participante recebe reconhecimento e pervisão, sobretudo para esclarecer o conteúdo manifesto e latente sobre a
encontra, na palavra, um lugar para reconhecer organização do trabalho e as vivências de prazer-sofrimento.
sua identidade. Estruturação do memorial. Registro escrito ao final de cada sessão com
A interpretação, como instrumento da Psi- base nas falas dos trabalhadores e nas interpretações dos pesquisadores. Al-
canálise, será o recurso usado pelo clínico guns trechos de falas são integralmente registrados para ilustrar as situações
na construção do recordar, repetir e elaborar vivenciadas na sessão.
constituintes do processo de elaboração e Restituição e deliberação. Procedimento de leitura e de discussão dos me-
perlaboração. Como proposto por Mendes e moriais, realizado no início das sessões seguintes à sua produção.
Araújo (2011), a interpretação ideal é aquela Diário de campo e registro dos dados. Os dados considerados relevantes,
que desmonta um sistema defensivo e auto- pelo coletivo de pesquisa, são registrados em diário de campo, durante as
riza simultaneamente a reconstrução de um sessões. É uma ferramenta adicional de apoio à interpretação e de subsídio
outro sistema ou um deslocamento deste, de à supervisão.
maneira a enfatizar um elo entre sofrimento e Supervisão. A interpretação do pesquisador sofre influência de fatores
trabalho. culturais e de suas experiências passadas. Torna-se fundamental a super-
A formação clínica, por fim, refere-se não visão coletiva, dado que o pesquisador pode também ser influenciado pelas
somente ao domínio técnico e à ética do pes- vivências e perder capacidade de captar sentimentos e detalhes de relatos de
quisador, mas também à sua subjetividade, experiências. O supervisor auxilia na indicação do que acontece no espaço
que é uma das dimensões do método. “É pre- da clínica ao evocar os estados de coisas possíveis que não estão descri-
ciso ser capaz de se afetar pela fala do outro, tos ou nomeados no trabalho. Nas supervisões, são discutidas novas formas
colocar-se à disposição do outro, deixar-se compreensivas das falas, estimulando-se a pluralidade de interpretações e de
surpreender, duvidar, angustiar-se com o ines- possibilidades de transformação coletiva.
perado, suportar o incontrolável.” (Mendes & Apresentação dos relatos. É feita em forma de relatório final e contém toda
Araújo, 2011, p. 63). É necessário que se sofra a história da clínica.
frente ao real, condição para a ocorrência de Avaliação. É realizada por meio de entrevistas coletivas, das quais partici-
mobilização subjetiva do clínico, sem a qual o pam os solicitantes da intervenção e os coletivos de pesquisa e de supervi-
processo fala-escuta corre sérios riscos de ser são. Ocorre uma vez por mês e/ou três meses após o término das sessões.
prejudicado. Alguns de seus objetivos são avaliar as mobilizações ocorridas no trabalho
para a transformação de situações geradoras de sofrimento e a manutenção
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do espaço de fala após a retirada do pesquisa-


dor externo.
Instrumentos
Foram utilizados um gravador de voz e dois diários de campo durante as
As intervenções clínicas que este trabalho sessões, sendo um para os psicólogos e um para a estagiária.
objetiva descrever e analisar atenderam às
condições apresentadas e foram qualificadas
como Clínica Psicodinâmica do Trabalho por Procedimento
os dispositivos haverem-se desenvolvido ao
longo das sessões. O objetivo desta clínica foi Após o recebimento das informações apresentadas pela servidora taquí-
analisar a psicodinâmica do trabalho nas suas grafa e a análise documental, os pesquisadores entraram em contato com
dimensões: organização do trabalho; mobiliza- os gestores da unidade de taquigrafia parlamentar e solicitaram um encontro
ção subjetiva; sofrimento, defesas e patologias, para a apresentação do projeto de pesquisa. O encontro foi realizado, ten-
como proposição principal do artigo. do dele participado os dois psicólogos, o diretor da unidade de taquigrafia e
quatro chefes dos setores de trabalho da unidade. Foi apresentado o projeto
de pesquisa, considerando a demanda inicial, e um roteiro com os esclareci-
Método mentos necessários para o entendimento do trabalho que seria realizado. Foi
explanado, por exemplo, sobre os conceitos da Psicodinâmica do Trabalho e
No primeiro semestre de 2011, ofereceu- os objetivos da prática clínica.
-se atendimento em Clínica do Trabalho a Feita a apresentação, os gestores autorizaram a realização da pesquisa e
taquígrafos. A atividade foi divulgada por e- forneceram a relação com todos os nomes, ramais e e-mails dos taquígrafos.
-mails enviados aos servidores. No e-mail, os Autorizaram também o uso de sala reservada no próprio setor e solicitaram
taquígrafos foram convidados a participar de que a pesquisa fosse realizada no horário de expediente, uma vez por semana,
atendimento clínico coletivo em atenção à pre- em dia e horário fixos.
venção da saúde do trabalhador. O número de Os e-mails foram enviados a todos. No corpo de mensagem, ressaltou-
vagas foi restrito a dez por grupo. As sessões -se que a participação seria voluntária e que o objetivo seria o de realizar a
ocorreram uma vez por semana, com duração clínica do trabalho como forma de propiciar a prevenção do adoecimento no
de uma hora e meia, e concluíram-se em onze trabalho. As sessões aconteceriam em sala reservada na própria organização,
encontros. em dia de semana e em horário de expediente. Foi também informado que os
participantes poderiam deixar a pesquisa a qualquer tempo, se assim dese-
Sujeitos jassem.
Na primeira sessão, foram acordadas as regras de funcionamento das in-
Os participantes desta pesquisa são taquí- tervenções. Sobre o sigilo, foi explicado que estava assegurado e que as falas
grafos parlamentares que convivem em uma e acontecimentos das sessões seriam compartilhados exclusivamente entre
mesma unidade de trabalho. Os critérios para os pesquisadores e a supervisora. Foi explicado que a gravação das sessões
participação foram: os sujeitos deveriam se era necessária por questões metodológicas, mas que, se em algum momento
candidatar voluntariamente; o grupo se restrin- quisessem falar algo que não devesse ser gravado, bastaria solicitar e os pes-
giria a taquígrafos; e seria constituído dos dez quisadores desligariam o gravador. As onze sessões realizadas foram todas
primeiros inscritos. O total de sujeitos atendi- gravadas e degravadas.
dos foi sete; seis mulheres e um homem, que Foi também explicado que a Clínica em Psicodinâmica representa um espa-
compareceram voluntariamente. O número ço de escuta e que, portanto, aquelas sessões seriam para eles um momento
de participantes, ao longo das sessões, va- em que poderiam falar de suas vivências sem qualquer tipo de censura. Quan-
riou entre quatro e sete. A idade variou entre to à função dos pesquisadores, foi explicado que não estavam na condição
trinta e cinquenta anos. Três deles possuíam de ensinar ou trazer soluções para os problemas porventura abordados, mas
quinze anos ou mais de tempo de casa e os que conduziriam as sessões ouvindo e pontuando as falas na medida em
outros quatro eram recém-chegados do último que surgissem elementos relevantes à natureza da intervenção. Ficou também
concurso realizado, com tempo de casa de no acordado que a ordem das falas seria espontânea e que interrupções e falas
máximo dois anos. Nenhum dos taquígrafos simultâneas deveriam ser evitadas.
participantes estava adoecido no momento de Para dar-se início à investigação e de forma a possibilitar vir à tona os
ingresso no grupo. Os veteranos já haviam pas- conteúdos manifestos e latentes da organização do trabalho, os pesquisado-
sado por situações de adoecimento por LER/ res prepararam as perguntas iniciais de cada sessão segundo quatro eixos
DORT, depressão e síndrome do pânico. Mas, principais: a organização do trabalho, os sentimentos relativos ao trabalho, as
quando da realização da clínica, já haviam su- estratégias de mediação presentes no coletivo e os processos de adoecimento
perado os adoecimentos e estavam todos em e de saúde na organização.
pleno exercício das suas atividades. Também As perguntas relativas ao primeiro eixo visavam à investigação da ativi-
os quatro com menos tempo de serviço esta- dade, do conteúdo das tarefas, do processo de trabalho, das pressões, dos
vam em pleno exercício de suas atividades. As controles, do horário de expediente e pausas, além de relações sócio-profis-
sessões foram conduzidas por dois psicólogos sionais com colegas e chefia. As perguntas correspondentes ao segundo eixo
e uma estagiária em Psicologia, que integraram buscaram conhecer como os taquígrafos se sentiam executando o trabalho,
o coletivo de pesquisa. convivendo com os colegas e com os gestores, e, no caso de haver senti-
mentos negativos, como lidavam com eles. As perguntas relativas ao terceiro
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tiveram por objetivo decifrar os tipos de estra- em momentos inadequados, que provocavam mudança de assunto. Enfim, a
tégias de mediação utilizadas pelos taquígrafos supervisão funcionou como um leme na condução da pesquisa, evitando-se
para enfrentar e superar o sofrimento. As es- que as sessões fossem transformadas em um grupo focal ou em terapia de
tratégias se manifestavam pelas falas, cabendo grupo, garantindo sua condução segundo o método proposto por Mendes e
aos pesquisadores interpretarem seus sentidos Araújo (2011).
ocultos e desvelarem que defesas e formas de
mobilização estavam em ação. Por fim, a inter-
venções relativas ao quarto eixo destinaram-se Análise dos Dados
a identificar patologias decorrentes da organi-
Para as finalidades deste trabalho, foi realizada a Análise da Psicodinâmica
zação do trabalho, os processos de saúde e os
do Trabalho, uma das etapas da ACT – Análise Clínica do Trabalho, segundo
riscos de adoecimento. Esses elementos não
descrito por Mendes e Araújo (2011).
estão explícitos nas falas; os pesquisadores
devem deduzi-los, captando o seu conteúdo
subjacente.
Os primeiros encontros foram dedicados a
Resultados e discussão
criar uma atmosfera de confiança entre os par- Análise da Psicodinâmica do Trabalho
ticipantes, de forma a induzir a criação de laços Primeiro eixo: Organização do Trabalho
afetivos entre os integrantes. Após sua emer-
gência, trabalhou-se seu fortalecimento. Con- As tarefas são, basicamente, fazer apanhamento taquigráfico e a correspon-
forme a confiança se estabelecia entre os que dente digitação em sessão plenária, ou, em outros pronunciamentos previa-
compunham o espaço, os sujeitos passavam a mente gravados, efetuar degravações. O apanhamento constitui-se da escuta
expor com maior clareza seus sentimentos e atenta do que é dito nas sessões e de sua conversão imediata em taquigramas.
percepções relativos às suas vivências. Em plenário, cada taquígrafo efetua suas notas em um período de dois ou três
Os temas da sessão anterior eram restitu- minutos. Para cada período de apanhamento, são gastos aproximadamente cin-
ídos e discutidos por meio da leitura do me- quenta minutos para digitação, fazendo-se as correções necessárias. O proces-
morial, no início da sessão subsequente. Nesse so de apanhamento taquigráfico em plenário é organizado em forma de tabela,
momento, os participantes avaliavam a ade- de maneira que a cada período de dois ou três minutos o taquígrafo é substitu-
quação das interpretações de suas falas. Em ído por um seu colega, e assim sucessivamente até o término da sessão. Uma
muitas ocasiões, os taquígrafos, especialmente tabela com vinte taquígrafos e período de apanhamento de dois minutos resulta
aqueles com mais tempo de casa, discordavam uma situação em que cada taquígrafo faz um apanhamento a cada quarenta
de aspectos dos retornos, sobretudo daqueles minutos. Portanto, a cada quarenta minutos o taquígrafo dirige-se ao plenário,
relacionados às particularidades das tarefas realiza o apanhamento por dois minutos, volta para a sala da taquigrafia, digita
e aos jargões próprios da taquigrafia. Não se e realiza as correções e ajustes necessários, disponibiliza o resultado para a
importavam em repetir e explicar tudo até que revisão e volta novamente para outro período de apanhamento.
ficasse claro para os pesquisadores o que re- Para a transcrição, utilizam-se de um computador equipado com proces-
almente queriam dizer. Após esse momento sador de texto, dicionários, acesso à Internet e softwares desenvolvidos es-
de restituição/avaliação, a sessão continuava pecialmente para taquigrafia e que lhes permitem acesso à gravação do áudio
abordando-se novos temas relativos aos qua- já separado de cada período de apanhamento.
tro eixos de pesquisa e assim permaneceu até Com frequência, algumas palavras presentes nas falas são por eles desco-
o último atendimento. nhecidas ou incompreendidas. Isso ocorre com frequência pois no plenário
Seguidamente à realização de cada sessão, são cinco microfones abertos, captando o áudio por todo o tempo. Outras
os pesquisadores registraram, cada um, suas complicações surgem quando o orador não é identificado ou quando a quali-
impressões, incluindo eventos não verbais dade do áudio está comprometida. Quando problemas assim ocorrem, o que
e fatos ocorridos no coletivo de pesquisa, de é não é raro, devem ser solucionados agilmente.
forma a subsidiar a supervisão e a posterior As transcrições dos apanhamentos são disponibilizadas automaticamente
Análise Clínica do Trabalho (ACT). para o setor de revisão. Portanto, o trabalho do taquígrafo revisor depende
A supervisão ocorreu a cada duas sessões, da presteza do taquígrafo de apanhamento. Agir com rapidez conota preocu-
no Laboratório de Psicodinâmica e Clínica do pação e comprometimento com o colega; então, pressionam-se a acelerar-
Trabalho, na Universidade de Brasília. Nessas -se para atender à revisão e para não correrem o risco de voltar ao início da
ocasiões, a supervisora revia com os pesqui- tabela para novo apanhamento sem que o apanhamento anterior estivesse
sadores as degravações das sessões. As falas devidamente digitado e disponibilizado para revisão. Situações como essa,
e eventos relevantes, tanto da parte dos ta- de acúmulo de transcrições, geram ainda mais tensão e aceleração pois o
quígrafos quanto da parte dos pesquisadores, sistema automatizado de taquigrafia indica os eventuais atrasos e o respectivo
eram apontados pela supervisora que, por sua taquígrafo responsável.
vez, destacava nessas falas os elementos que Os atrasos também colocam em questão o lema do serviço de taquigrafia
deveriam ser ajustados, considerando os refe- dessa organização – rapidez e perfeição. Esse lema reflete o que a organização
renciais da Psicanálise. Assim, eram apontados do trabalho espera e cobra do taquígrafo: que ele seja absolutamente imune a
atos falhos que passaram despercebidos, falas qualquer falha e que seja capaz de cumprir rigorosamente os prazos.
sobre os sentimentos que deveriam ter sido Enquanto o apanhamento exige concentração, atenção, rapidez e habilida-
mais incentivadas ou, ainda, perguntas feitas de na escrita dos taquigramas, a sua transcrição exige o domínio da língua
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culta e conhecimentos de linguística. O prescri- plenário para apanhamento). O trabalho de taquigrafia demanda, fundamen-
to para a realização da transcrição estabelece talmente, “(...) atenção, rapidez, eficiência, quase perfeição”. Além de exigir
que o taquígrafo deve realizar o refinamento alto grau de detalhamento, é uma atividade padronizada e automatizada, que
gramatical para adequar a linguagem oral à solicita movimentos repetitivos constantes, tanto no apanhamento quanto na
norma culta da língua, porém, sem alterar o digitação.
estilo do orador e mantendo o sentido do que Quando finalizadas, as transcrições de cada período de apanhamento são
foi falado. Em alguns meios culturais, determi- encaminhados para os revisores, que por sua vez, enviam suas versões para
nada fala tem um sentido, e em outros possui os supervisores, responsáveis por mais uma conferência e organização em
significado diverso. Dada a diversidade cultural forma de texto único de toda a sessão, dando-lhe a versão final que será pu-
dos parlamentares, ocorre a necessidade de blicada e disponibilizada na Internet. Os taquígrafos, em suas falas na Clínica,
modificarem alguns elementos textuais para revelaram-se preocupados em conferir qualidade máxima ao próprio trabalho,
prover correção gramatical, modificando por para suavizar possíveis dificuldades aos revisores e obter reconhecimento,
conseguinte a exatidão da fala, o que nem sem- tanto de si quanto do outro.
pre agrada ao parlamentar. Quando isso ocor- Um dos objetivos da taquigrafia é promover uma boa imagem pública dos
re, são chamados à atenção. Portanto, seguir o locutores parlamentares, ao aperfeiçoarem suas falas com revisão textual.
prescrito não é garantia de trabalho bem feito. Possuem altíssimo grau de responsabilidade por se encarregarem de tornar
Essas são contradições geradoras de incômo- públicos os pronunciamentos, conferindo-lhes caráter oficial.
dos e insegurança, ou seja, sofrimento, na or- Quando certas circunstâncias os impedem de fazer um trabalho perfeito
ganização do trabalho. para seu principal cliente, o parlamentar, deparam-se com o real do trabalho e
Nota-se que esse comando constitui uma sofrem. Ora conseguem agradá-lo, ora não. A angústia surge quando enfren-
situação ambígua. É preciso corrigir sem alte- tam alguns problemas dessa natureza e quando há imprevistos intrínsecos às
rar e, ao mesmo tempo, garantir fidelidade ao dinâmicas da organização do trabalho – o que, naturalmente, sempre ocorre
que foi pronunciado oralmente. Essa situação e nem sempre se pode evitar. Há muitos exemplos. Nos pronunciamentos,
é fonte de grande angústia para o taquígrafo nem sempre apreendem o exato sentido de certas falas, quando há falta de
pois é praticamente impossível atender a esse coesão ou de sentido no discurso. Alguns locutores têm nomes muito simi-
duplo vínculo. lares, o que exige máxima atenção para evitar equívocos nas transcrições. É
Há também os problemas originários de sabido que políticos e altas autoridades são muito zelosos de sua imagem e a
questões de infraestrutura: os equipamentos eventual troca ou incorreção de algum nome representa uma falha grave. Às
utilizados no ambiente de transcrição são an- vezes, o parlamentar faz referência a outra personalidade pelo nome errado, e
tigos e impróprios, e não raro surgem proble- o taquígrafo deve estar atento a esses eventuais enganos também dos parla-
mas técnicos. Alguns taquígrafos aprendem, mentares. Há que se considerar também que os regionalismos presentes no
por conta própria, noções de manutenção de discurso dificultam a apreensão do sentido exato do que foi dito.
computadores e aplicativos de informática, por, Evidenciou-se que outro dos fatores que produzem sofrimento é a per-
às vezes, não disporem de tempo para aguar- cepção de falta de clareza do prescrito. Não se tem certeza das fronteiras
dar atendimento especializado. entre trabalho do revisor e trabalho do taquígrafo. Uma das tarefas deste,
Essas dificuldades com a informática im- conforme prescrito, é fazer correções gramaticais e textuais. Mas, então, qual
pactam diretamente no trabalho dos taquígra- seria a dos revisores? Sentem-se como se a organização do trabalho ques-
fos e devido aos problemas com o sistema, re- tionasse sua capacidade de conceber a última versão do texto, já que um dos
des e demais equipamentos, muitas vezes eles requisitos para se ser taquígrafo é ter conhecimento avançado de gramática
perdem trabalho feito, atrasam suas atividades e redação. “Falta de autonomia” é como descrevem o baixo grau de liberdade
e são forçados a fazer uso de estratégias para para realizar o trabalho.
proteger o produto de seu trabalho. Uma delas Uma exigência para a natureza do trabalho é a diversidade de conhecimen-
é a gravação do material produzido em pen- tos. O taquígrafo deve buscar incessantemente conhecer diversos assuntos,
drive. Outra estratégia é a de usarem gravador além de manter-se atualizado para compreender melhor os temas discutidos
pessoal para o caso de falha nos equipamentos no parlamento – sempre muito variados – e elaborar textos maximamente
de gravação. fieis ao sentido original. Trata-se de uma norma compartilhada entre os pro-
O trabalho constante no computador tam- fissionais, embora não componha o prescrito formal.
bém impacta na vida desses profissionais fora A jornada de trabalho é, formalmente, de 40 horas semanais. Mas não raro
do trabalho: “Você chega em casa e não quer ultrapassam essa jornada e não são remunerados por todas as horas extras
nem ver computador, televisão... Nada de tela. realizadas. Uma das regras vigentes na organização é o não pagamento de
Você quer chegar e fechar os olhos e descan- mais do que duas horas extras por dia. Às vezes, as sessões se prolongam
sar.” até a madrugada, sem hora para acabar, e consequentemente, prolongando a
Durante as sessões plenárias, o controle do jornada dos taquígrafos além das duas horas extras diárias. Por conta disso,
tempo assume condição central para a reali- geralmente são dispensados na sexta-feira.
zação das atividades. De acordo com os rela- As horas extras são “teoricamente” facultativas, segundo os participantes.
tos, até mesmo a satisfação de necessidades Aqueles que não concordam em trabalhá-las, entretanto, entram para uma
básicas, como fazer uma refeição ou ir ao to- “lista negra” dos que “não gostam de colaborar com o setor”. Esse tempo
alete, deve ser cronometrada, sob o risco de extra de trabalho é demandado com muita frequência e ocorre quase sema-
causar atrasos na ordem da tabela (entrada em nalmente.
Pessoas &
15 _ Sintomas

Outra característica da organização do tra- Outros mostraram a utilização de gravadores digitais portáteis, que ad-
balho que causa sofrimento é a impossibilidade quiriram por conta própria. Esses gravadores possuem recursos especiais
de atendimento de todas as demandas, quando que permitem direcionar a captação do áudio em alta fidelidade, permitindo
ocorrem imprevistos. Ao mesmo tempo que “salva-los”, os taquígrafos, quando ocorrem falhas no sistema de gravação
desejam fazer o melhor trabalho possível, às das sessões.
vezes são impedidos pelas circunstâncias. Alguns outros falaram que costumam ensinar aos demais a fazerem ajus-
tes na configuração da tela do computador, de maneira a aumentar a taxa
Segundo eixo: Mobilização subjetiva de quadros mostrados por segundo, permitindo um maior conforto visual.
E ainda aqueles que orientam aos demais a buscarem orientações junto ao
As relações sócio-profissionais são caracte- ergonomista da casa para os ajustes na sua estação de trabalho.
rizadas, segundo os participantes, pelo respei- O que criam, às vezes, divulgam para os colegas. Quando não divulgam,
to e reconhecimento ao trabalho dos colegas. é porque se sentem inibidos e temerosos de provocar más reações à ideia.
Apesar de a atividade ser predominantemente Muitos dos integrantes revelaram-se mobilizados a promover a própria
individualizada, há uma dimensão coletiva, por saúde e a cooperar com os colegas. Por exemplo, um deles relatou a experi-
a qualidade do produto depender da colabo- ência de ter oferecido uma palestra para os colegas apresentando um pacote
ração de toda a equipe. Um dos integrantes com opções de programas e métodos que poderiam facilitar o trabalho deles.
afirmou que, quando nota qualquer tipo de in- Enfim, apesar dos eventuais problemas, os participantes relataram que,
justiça contra algum colega, move-se em sua em muitos momentos, há certo grau de liberdade para negociar o trabalho
defesa, e emendou que seus colegas fazem o e convivência respeitosa entre os colegas. A análise das sessões indica que
mesmo. ocorre cooperação, quando se dispõem a ajudar colegas que sofrem quando
O reconhecimento social da profissão des- enfrentam complicações. Para ilustrar a ocorrência de cooperação, houve vez
taca-se como um dos elementos observados em que um dos sujeitos presenciou um colega sofrendo agressões verbais
como mais relevantes à mobilização, promo- injustamente e manifestou-se em sua defesa.
tora de saúde. Satisfazem-se por serem reco- Entre os taquígrafos, alguns possuem conhecimento de fonoaudiologia e
nhecidos por familiares, amigos e colegas de de línguas estrangeiras. Segundo relatam, é comum pedirem ajuda ao colega
trabalho. Sentem-se agraciados até mesmo poliglota na decifração de termos estrangeiros que eventualmente aparecem
quando telespectadores os reconhecem e os em alguns discursos. E o taquígrafo fonoaudiólogo é solicitado a colaborar na
cumprimentam em locais públicos. compreensão do que é dito por alguém com a dicção prejudicada.
Seu trabalho possui claro sentido, confor- Apresentam, ainda, criatividade para conferir qualidade ao trabalho e bus-
me pode-se depreender das falas: é a escrita cam aprimorar continuamente o que é feito. Consideram que seu trabalho é
da história do País. Por tão importante função, importante para a sociedade e para a história do País e se identificam com
julgam-no útil e tornam-no belo. O reconhe- ele. Muitos se sentem reconhecidos por figuras políticas, por autoridades que
cimento de utilidade é dado pelo público. A frequentam o local e pelo público externo.
página virtual de taquigrafia é uma das mais
acessadas do sítio eletrônico da organização, o Terceiro eixo: Sofrimento, defesas e patologias
que denota reconhecimento social de utilidade
da profissão. O julgamento de beleza é realiza- Corroborando pesquisas anteriores, constatou-se que a hipersolicitação
do pelos próprios sujeitos e por colegas que das funções cognitivas e motoras gera dores, fadiga, ansiedade e estresse
reconhecem a qualidade de seu trabalho. Para nos sujeitos. Mas, ao passo que produz sofrimento, gera prazer: é um desafio
torná-lo belo, empenham-se em produzir reda- diário. Conforme disse um integrante, “é uma profissão muito estressante,
ções com qualidade total. mas bonita porque ela é quase sobre-humana.”
O uso da inteligência prática para solucionar Há preocupação em se ser útil ao coletivo de trabalho e à sociedade. Exigem
dificuldades e imprevistos ficou evidenciado de si níveis excelentes de qualidade e preocupam-se em agir de modo a não
em diversos momentos, quando os integrantes sobrecarregar seus colegas. São pontuais, comprometidos com o trabalho e
diziam que frequentemente criam meios de su- realizam-no com máximo empenho para conferir qualidade. Ao passo que as
avizá-las. Um dos participantes, por exemplo, cobranças que fazem de si por perfeição produzem ansiedade e sofrimento,
para facilitar o trabalho, relatou ter inventado promovem prazer, por realizarem uma atividade “quase sobre-humana”, que
um “mouse de pé”. O invento foi batizado de diariamente lhes mostra serem capazes de realizar o tido como impossível.
“peuse” e consistiu em uma junção de mouse A realização do “impossível” pode ser produtora de adoecimento quando não
comum com um pedal de máquina de costura. se reconhece os limites do próprio corpo e se o sobrecarrega para atender
O “peuse” possibilitou ao seu inventor a divisão as próprias expectativas e exigências e as do outro – no caso, a organização
– entre o pé e a mão – dos cliques necessários do trabalho. Os sujeitos já estiveram adoecidos, mas, segundo os relatos,
para a digitação das transcrições, diminuindo a após terem reconhecido os limites do próprio corpo, abdicado da busca por
possibilidade ocorrência de lesão por esforço perfeição (têm aceito que o máximo que podem alcançar é a quase-perfeição)
repetitivo. e tornando-se atentos aos cuidados à saúde, como impedir-se de prosseguir
Relataram também a criação de padroniza- o trabalho quando sentem dores, têm sido capazes de prevenir novos adoe-
ções no processador de textos – as chamadas cimentos e de transformar suas angústias em sofrimento criativo, motor de
macros – configuradas para uma autocorreção saúde.
e para completarem as frases mais comuns Revelam que não é essa a realidade da maioria dos taquígrafos, o que
dos pronunciamentos. corrobora pesquisas acadêmicas anteriores. Grande parte de seus colegas de
Pessoas &
Sintomas _16

ofício sobrecarregam-se de atividades e estão lentando para se adequar a fazer aquilo” e “(...) estresse, essas coisas, vai ter
acometidos por LER/DORT, em fase inicial, in- em qualquer lugar, onde você vai tem estresse no trabalho”. Assumem que a
termediária ou avançada. responsabilidade de cuidar da saúde é do próprio trabalhador e não depende
Alguns colegas que não ingressaram no apenas do contexto de trabalho.
grupo, segundo os integrantes, aceleram o A compensação ficou evidenciada nos relatos de que fazem atividades fí-
trabalho durante os primeiros dias da semana sicas para compensar o estresse no trabalho e a hipersolicitação das funções
de forma a atingir sua cota semanal mais rápi- motoras. Um integrante disse: “quando entrei aqui, sabia dessa história de
do e conseguir mais um dia de folga. Muitos estresse, adoecimento, LER. Entrei com um pensamento: vou fazer muita
deles, entretanto, percebem que essa prática é musculação com os meus braços, que não vou ficar com LER. Vou traba-
nociva à saúde e pode resultar em desgaste e lhar minha cabeça porque não quero ficar estressada com trabalho”. Ainda,
adoecimento, que podem ser gerados pelo au- alguns dos integrantes fazem ginástica laboral no local de trabalho. O uso do
mento do volume de trabalho e de demandas bom humor para compensar os problemas no trabalho também é identifica-
sem que haja aumento no número de pesso- do como uma estratégia de compensação, como ilustrado pela fala: “... um
as trabalhando na área. Parte dos sujeitos já dos fatores importantes é o bom humor no trabalho, a gente, sabe, procurar
adoeceram por conta da auto-aceleração, mas, estar feliz com o que está fazendo, tirar proveito, e desprezar um pouco das
hoje, reconhecem seus limites corporais e não coisas ruins.” Buscam criar momentos de interação positiva entre os colegas
se permitem mais arriscar. de trabalho. Mas não seria essa busca de “interação positiva” uma forma de
Os participantes comentam que o ambien- compensação do sofrimento no trabalho, em vez de presença de cooperação?
te físico não apresenta condições adequadas Fica a questão. As estratégias de mediação para lidar com esses problemas
para o trabalho: a iluminação não é apropriada, não constituem apenas prevenção de adoecimento, mas defesa.
o barulho pode ser grande, o mobiliário não é A negação é mais presente em servidores mais novos no serviço. Uma das
ajustável e os equipamentos de trabalho por participantes com menos tempo de trabalho disse, em certa sessão, que nun-
vezes não respondem às necessidades intrín- ca havia adoecido por motivos de trabalho. Em sessão posterior, relatou que,
secas ao ofício. Tendo em vista esse contex- quando iniciou o trabalho na organização, adoeceu com gastrite. Também
to, alguns trabalhadores compram, por conta ocorre de negarem a existência de problemas da organização do trabalho que
própria, equipamentos para facilitar o trabalho, causam adoecimento e sofrimento.
como pedais ou cadeiras adaptáveis. Eles co- Não é objetivo da clínica desmantelar as estratégias de defesa, que podem
nhecem as recomendações médicas para fazer servir à proteção da saúde psíquica no trabalho. Mas deve haver mobilização
pausas frequentes, mas afirmam que, nesse em prol da saúde e consciência das próprias defesas, para reconhecer quais
trabalho, pausas são inviáveis. estão sendo destrutivas ao sujeito. Somente assim podem apropriar-se de
Essas dificuldades resultam, em vários ca- seu sofrimento e tornar-se sujeitos, donos de suas próprias histórias. É esse
sos, em adoecimento. As pressões da organi- o principal motivo da Clínica.
zação do trabalho por cumprimento de curtos
prazos e por rápidas tomadas de decisão, além
do medo de desagradar os beneficiários, já Considerações Finais
acarretaram em problemas de depressão, an-
Teve-se a oportunidade de fomentar uma mobilização dos trabalhadores
siedade, pressão alta, dores, problemas auditi-
em prol de sua saúde e de facilitar o estabelecimento de laços afetivos en-
vos e respiratórios, tendinite, LER/DORT entre
tre eles, antes, praticamente ausentes, dado o grau de individualização da
os taquígrafos.
atividade. Pode-se dizer com segurança que os objetivos da Clínica foram
Alguns dos integrantes transformam o sofri-
alcançados satisfatoriamente. Nas últimas sessões, os sujeitos já não mais
mento oriundo dessas contradições em oportu-
se utilizavam do tempo em grupo para falar de vivências de sofrimento para
nidade para obter prazer, quando, por exemplo,
as quais não encontravam remédio, e não mais solicitavam soluções dos psi-
revisam meticulosamente seus textos antes de
cólogos; os próprios membros se mobilizaram a buscá-las conjuntamente,
encaminhá-los e os tornam “impecáveis”, de
discutindo possibilidades entre si. Admite-se a hipótese de que o que permitiu
forma que os revisores reconhecem seus méri-
um rápido efeito positivo da Clínica sobre o grupo foi a presença de reconhe-
tos. A busca por reconhecimento dos colegas,
cimento social, característico de sua organização do trabalho e ensejado pela
forma de mobilização gerada pelo sofrimento
própria natureza da profissão. Considera-se também que a forma de convite
criativo, foi observada em diversos momentos
para a participação das sessões, em que se enfatizou o caráter voluntário, por
de fala dos integrantes.
si já representou a seleção de participantes com desejo de mobilização. Na úl-
Foram identificadas estratégias de defesa
tima sessão, todos os participantes reconheceram que a Clínica trouxe muitos
comuns entre os taquígrafos: a racionalização,
benefícios à sua saúde, principalmente no que se refere à promoção de maior
a negação e a compensação.
autonomia, à socialização e principalmente à prevenção de adoecimento. Pro-
A racionalização se manifestou nos relatos
puseram, sem que fossem diretamente induzidos pelos psicólogos, continuar
de que cada qual é responsável por seu pró-
encontrando-se para discutirem aspectos da organização do trabalho – o pri-
prio adoecimento e de que estresse é normal
meiro passo para uma atuação transformadora do sujeito em seu ambiente,
em qualquer organização. Exemplos podem
quando é viável por meio de sua ação. Essa realização beneficia não apenas
ser encontrados nas falas: “eu acredito que
os sujeitos que participaram das sessões, mas também seus convives no
tem pessoas que têm alguma fragilidade ou
ambiente de trabalho. Quando a Clínica não se limita a beneficiar apenas um
uma forma de somatizar. (...) quem não tem
pequeno grupo, mas toda uma dinâmica de relações em uma organização,
jogo de cintura, digamos assim, acaba se vio-
Pessoas &
17 _ Sintomas

ainda que indiretamente, então cumpre seu pa- balhador, é alcançado, pode-se deduzir que ambas, a natureza e a forma da
pel com louvor. E se o mais importante objetivo intervenção, podem ser tomadas como modelo de eficácia.
da Clínica, que é a promoção de saúde do tra- Cury, W. (2000). Censo Taquigrafia. Taquigrafia no Brasil. Niterói: Corpus.

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Pessoas &
Sintomas _18

Perfil de funções do Psicólogo


do Trabalho e das Organizações
tomando como referência
os Estágios Curriculares
(Role Profile of the Work and Organizational
Psychologist based on academic internships)
Fátima Lobo
Margarida Pinheiro

Resumo Organizações, no caso português, depende das organizações serem um misto de


Burocracia Mecanicista e organizações de Estrutura Simples. As organizações de
Nas últimas décadas os psicólogos do tra- Estrutura Simples caracterizam-se pela informalidade e supervisão directa e pela
balho e das organizações têm vindo a desem- coordenação e supervisão serem da responsabilidade do Vértice Estratégico; por
penhar funções estruturantes em contexto sua vez, as organizações Burocratas Mecanicistas caracterizam-se pela rotina, re-
organizacional, com especial relevo nos países petição e estandardização, procedimentos formalizados, multiplicação de regras
industrializados e com tradição científica nesta e regulamentos, comunicação formalizada, centralização da decisão, elevada es-
área. pecialização, racionalização do trabalho, planeamento, divisão vertical e horizontal
Esta investigação visa analisar o perfil de do trabalho, diferença entre níveis hierárquicos, entre funções e estatuto dos seus
funções do psicólogo do trabalho e das organi- membros, diferença entre operacionais e funcionais, controlo elevado, centraliza-
zações no contexto português, tendo por base ção do poder e comunicação descendente.
o modelo teórico de Mintzberg no que concer- Este estudo tem limitações metodológicas, foi usada apenas metodologia
ne às componentes básicas da organização e qualitativa, o período de análise é reduzido bem como o número de relatórios.
às configurações estruturais. Ao serem analisadas as funções do Psicólogo do Trabalho e das Organi-
A metodologia que esteve na base da inves- zações e sua relação com o funcionamento da organização e com a estrutura
tigação foi a análise qualitativa de vinte rela- organizacional são fornecidas informações relevantes sobre a organização do
tórios de estágio dos alunos do Mestrado de trabalho, o perfil do tecido empresarial e o perfil de formação académica que
Psicologia do Trabalho e das Organizações da é solicitado aos formandos de Psicologia do Trabalho e das Organizações.
Universidade Católica Portuguesa/ Faculdade Trata-se de uma investigação pioneira no contexto português. Os resulta-
de Filosofia/ Braga de 2007 a 2011. dos fornecem informações relevantes sobre a importância dos psicólogos nas
As descobertas indicam que os profissionais organizações e sobre a organização do trabalho em Portugal.
de Psicologia do Trabalho e das Organizações se
integram predominantemente na Tecnoestrutura
e nas Funções Logísticas e que o tecido empre-
Abstract
sarial português se caracteriza pela Estrutura In recent decades work and organizational psychologists have been playing
Simples e Burocracia Mecanicista. Neste sentido, relevant functions in organizational context, especially in industrialized coun-
o Psicólogo do Trabalho e das Organizações é tries and recognized tradition in the field.
integrado nas organizações com a função de me- The investigation aims to examine the role profile of the Portuguese work
lhorar os procedimentos, os produtos, os bens, and organizational psychologist between three sectors of activity: private, pu-
os serviços e os recursos intangíveis, cabe-lhe, blic and of mixed economy.
ainda, a função de formar, recrutar e estandar- This investigation was mainly driven by qualitative analysis of twenty in-
dizar as qualificações e, por vezes, são-lhe atri- ternship reports from the students of the master in Work and Organizational
buídas funções de aconselhamento e I&D. A in- Psychology (WOP) from Universidade Católica Portuguesa in the period betwe-
vestigação revela, também, que a dificuldade de en 2007 and 2011. The internship report is an important document that descri-
definição do perfil do Psicólogo do Trabalho e das bes and justifies the activities carried out in the organizational context; it also
Pessoas &
19 _ Sintomas

allows the characterization of the organizational ganizacional, de caracterização da componente básica da organização onde
component where the internship took place and decorreu e do tipo de estrutura que a caracteriza. O exercício e importância
the type of structure that characterizes it. do profissional de Psicologia do Trabalho e das Organizações (PTO) tem sido
The results indicate that WOP professionals objecto de alterações significativas por efeito da investigação produzida, da
are predominantly integrated into the techno- demanda das organizações, das ofertas académicas, do impacto do trabalho
-structure and logistical functions; the results realizado pelos profissionais em contexto organizacional e da complexidade
also indicate that the Northern business area crescente das organizações. Neste sentido, a demanda de um profissional de
of Portugal is characterized by Simple Struc- PTO por uma organização e/ou o seu enquadramento institucional, constitui
tures and Machine Bureaucracy. The findin- uma opção do Vértice Estratégico (Mintzberg, 1996), cujos membros pos-
gs indicate that those who work in this field suem a responsabilidade global da organização ao nível da concepção da es-
are joining organizations with the function of trutura, das relações com o ambiente, de ajustamento, de desenvolvimento,
both improving the procedures, the products, de organização integrada, de empreendorismo, entre outras. Ora, assumindo
the services and the intangible resources; he que a demanda de um psicólogo do trabalho e das organizações (pto) e/ ou
also takes responsibility for training, recrui- a sua aceitação como estagiário é uma opção estratégica, colocam-se várias
ting and standardizing skills; sometimes other questões: (a) em qual das componentes básicas da organização é colocado o
duties could be assigned like counseling and profissional? (b) Quais as funções/tarefas que lhe são atribuídas? (c) Existe
I&D functions. However, and as its proper of relação entre a colocação do estagiário com as funções e tarefas que lhe são
scarcely industrialized societies characterized solicitadas e a configuração estrutural da organização? Segundo Mintzberg as
by simple structures, young and small enter- componentes básicas da organização são, Vértice Estratégico (VE), Tecnoes-
prises, the role and functions of the work and trutura (T), Linha Hierárquica (LH), Funções Logísticas (FL) e Centro Opera-
organizational psychologist is not well defined. cional (CO) e as configurações estruturais, Estruturas Simples (ES), Burocra-
The results also show that in the Portuguese cia Mecanicista (BM), Burocracia Profissional (BP), Estrutura Divisionalizada
case, the difficulty on defining the professional (ED) e Adhocracia (A).
profile of the work and organizational psycho- O VE adopta diversas designações (conselho de direcção, comité execu-
logist depends on the type of organization, a tivo, conselho executivo) e é responsável pela globalidade da organização.
mixture of Machine Bureaucracy and Simple Rege-se por três princípios: supervisão directa, gestão das condições de
Structure. Simple Structure organizations are fronteira da organização e desenvolvimento de estratégias organizacionais.
characterized by informality and direct super- O primeiro princípio visa assegurar o bom funcionamento da organização e a
vision where the strategic apex emerges as sua unidade, integrando nas suas funções várias competências - afectação de
the key part of the structure; in turn, Machine recursos, emissão de ordens e autorizações, resolução de conflitos, remune-
Bureaucracy organizations are characterized ração, motivação dos funcionários, entre outras (Mintzberg, 1996) -; o segun-
by highly specialized, routine, repetitive and do princípio visa assegurar as relações com o ambiente externo – informação
standardized tasks, formalized procedures, a das actividades da organização, negociação, figura simbólica, acolhimento
proliferation of rules and regulations, formali- (Mintzberg, 1996) -; o VE tem ainda por função «procurar apurar uma estra-
zed communication, centralization of decision- tégia que seja adequada aos pontos fortes e às necessidades da companhia,
-making, work rationalization and an elaborate tentando manter um ritmo de mudança que responda à evolução do ambiente
administrative structure with sharp distinctions sem que torne insuportável a organização» (Mintzberg, 1996, p. 45).
between line and staff (Mintzberg, 1996). A LH corresponde aos níveis de responsabilidade e às unidades organiza-
Our findings must be interpreted in light of cionais básicas que no seu conjunto formam a organização, cuja unidade mais
several limitations of the study: the use of qua- elevada reporta a um gestor no VE. Trata-se de uma cadeia hierárquica de su-
litative methodology, the analysis period is limi- porte de informação (ascendente e descendente), de capacidade e autonomia
ted as well as the number of reports analyzed. de gestão, de estandardização de procedimentos, de formulação de estraté-
Analyzing the roles and functions of work gias. A organização estrutura hierarquias «dando a um supervisor de primeiro
and organizational psychologist and their re- nível, responsabilidade por um certo número de operacionais, formando as-
lationship to organizational functioning and sim uma unidade organizacional básica; depois confia-se a um outro quadro
structure we are providing relevant information a responsabilidade por um conjunto de unidades para formar uma unidade de
about work organization, business profile and nível mais elevado, e assim por diante até que todas as unidades agrupadas
the training profile required to WOP learners. acabam por formar a organização no seu conjunto, sob a direcção de um úni-
This is a pioneering research in the Portu- co gestor no vértice estratégico – o director geral.» (Mintzberg, 1996, p. 47);
guese context. The findings provide us relevant os quadros intermédios desempenham «todos os papéis de gestão do quadro
information about the importance of psycholo- dirigente, mas só no contexto da gestão da sua própria unidade» (Mintzberg,
gists in organizations and about the work orga- 1996, p. 45) e, ainda na perspectiva de Mintzberg, devem servir de símbolo
nization itself in the North of Portugal. (de figura de proa) à sua unidade e aos seus membros; entre outras atribui-
ções o quadro intermédio deve desenvolver: redes de contactos, transmitir a
informação à sua unidade, afectar recursos, negociar, tomar iniciativas estra-
Introdução tégias, gerir conflitos, entre outras.
O CO compreende todos os membros da organização que executam o tra-
O relatório de estágio constitui um docu-
balho básico de produção de bens e serviços; Mintzberg identifica-lhe quatro
mento de descrição e fundamentação das
tarefas essenciais: «procuram o que é necessário para a produção», «trans-
actividades desenvolvidas em contexto or-
formam os inputs em outputs», «distribuem os outputs» e «oferecem apoio
Pessoas &
Sintomas _20

directo às funções de input» (Mintzberg, 1996, Gráfico 1- Perfil de actuação do pto, tomando por referência os Estágios Curriculares.
p. 43). Neste sentido, o CO constitui uma com-
ponente básica da organização, sem ele não
produz resultados e constitui a unidade mais
estandardizada.
A T constitui o centro de análise da organi-
zação e através dele, esta, repensa-se constan-
temente com o objectivo de melhorar os pro-
cedimentos, os produtos, os bens, os serviços
e os recursos intangíveis. Mintzberg defende
que a T é composta por três tipos de analistas:
«analistas do trabalho (tais como engenheiros
industriais) que estandardizam os processos
de trabalho; os analistas de controlo e plane-
amento (tais como, os panificadores a longo
prazo, os analistas de orçamento e os conta-
bilistas) que estandardizam os resultados; e os Após a identificação das áreas de actuação do pto, levanta-se outra ques-
analistas de pessoal (incluindo os que formam tão: em qual das componentes da organização exerce o pto as suas funções?
e os que recrutam o pessoal) que estandardi- A função do pto tem sido objecto de reflexões diversas com o objectivo de
zam as qualificações» (Mintzberg, 1996, p. 50). lhe definir o perfil e as funções (Bastos & Galvão-Martins, 1990; Borges, Oli-
As FL abrangem um conjunto muito diver- veira & Morais, 2005; Tractenberg, 1999; Paulik, 2004; Rojon, McDowall &
sificado de profissionais, tarefas e funções; a Saunders, 2011), reflexões que têm revelado falta de consenso, resultado de
finalidade é apoiar a organização, mantendo- pontos de partida diferenciados. Assim, se para certos investigadores o ponto
-se, contudo, fora do trabalho operacional. As de partida é a História da Psicologia do Trabalho (Paulik, 2004), para outros
FL estão organizadas por unidades e cada uma é a projecção de um modelo global (Gelfand, Leslie & Fehr, 2008), para ou-
delas ocupa níveis hierárquicos diferenciados, tros, ainda, os curricula académicos e as práticas e as politicas organizacio-
a título de exemplo Mintzberg apresenta a uni- nais (Martin-Baró, 1988); retomado a tipologia de Mintzberg e a metodologia
dade de relações públicas e a unidade de acon- adoptada nesta investigação que o pto exerce funções predominantemente
selhamento jurídico e considera que na maior em FL e T.
parte das empresas industriais se situam «per-
to do topo, pois tendem a servir apenas o vérti- Gráfico 2 - Componentes básicas das organizações e perfis de funções do Psicólogo
ce estratégico» (1996, p. 51), cabe-lhe também do Trabalho e das Organizações, tomando por referência os Estágios Curriculares.
a função de I&D e relações laborais.

Procedimento
Os estágios foram negociados pela coorde-
nação do mestrado de PTO em representação
da UCP e o vértice estratégico das organiza-
ções acolhedoras. No total foram negociados
20 estágios, 6 no sector privado, 11 no sector
público e 3 em organizações de economia mis-
tas, localizadas na zona norte do país, 17 Pe-
quenas e Médias Empresas (PME) e 3 grandes
grupos económicos.

Discussão dos resultados


Os resultados revelam que o pto desempe- Importa agora verificar se aquele perfil de funções (Quadro 1) e a sua cor-
nha diversas funções com especial relevo para: respondência com as componentes da organização (Gráfico 2) se relacionam,
o diagnóstico organizacional, recrutamento de algum modo, com a configuração estrutural da organização e, neste sentido,
e selecção, comunicação interna e externa, responder à seguinte questão: como funcionam as organizações nas quais os
gestão de pessoal, Formação, estratégias de pto desempenharam aquelas funções naquelas estruturas? Embora Mintzberg
intervenção, levantamento de necessidades e considere que em absoluto não existem modelos organizacionais ideais e cris-
avaliação de desempenho (Gráfico 1). talinos, considera, também, que a natureza dos fluxos que se reflectem nas
organizações define o modelo que as caracteriza: Estrutura Simples, Burocracia
Mecanicista, Burocracia Profissional, Estrutura Divisionalizada e Adhocracia.
As organizações de Estrutura Simples (ES), próprias de sociedades pou-
co industrializadas, caracterizam-se pela informalidade e supervisão directa
Pessoas &
21 _ Sintomas

e a coordenação e a supervisão são desenvol- ganização se caracterizar pela capacidade de prestar serviços especializados;
vidas pelo VE. O director geral possui grande a descentralização vertical e horizontal é outra das suas características. No
amplitude de controlo e as decisões opera- que concerne à LH, Mintzberg (1996) considera que existem com frequência
cionais, administrativas e estratégicas são, na duas hierarquias: uma para profissionais, ascendente e democrática e outra
sua maioria, controladas por um só indivíduo. descendente e próxima da BM nas funções FL. Nas organizações BP as es-
Trata-se de um modelo característico das orga- tratégias são «em grande parte as estratégias dos profissionais tomados in-
nizações jovens embora as de pequena dimen- dividualmente na organização, assim como, as das associações profissionais
são tendam a perpetuá-lo, da mesma forma externas» (Mintzberg, 1996).
que organizações em crise ou em ambientes A Estrutura Divisionalizada (ED) é muito utilizada no sector privado das
hostis tendem a assumi-lo (Mintzberg, 1996). economias industrializadas, sendo possível encontra-la também em «univer-
Seguindo, ainda, o pensamento de Mintzberg a sidades com vários estabelecimentos, no sistema hospitalar que comporta
ES é, simultaneamente, não sofisticada e não vários hospitais especializados» (Mintzberg, 1996); a General Motors iniciou
regulada, não possui estruturas funcionais de na década de 20 a sua reestruturação adoptando-a. A organização ED carac-
apoio sobre as quais recaíam responsabilida- teriza-se pela existência de uma estrutura por divisão em que cada uma delas
des e decisões técnicas e também não existe procura servir o seu mercado/ público, e assume a gestão dos seus recursos,
centro operacional que regulamente os pro- o planeamento, a organização dos processos e procedimentos, a definição de
cedimentos organizacionais. O autor reconhe- objectivo, de forma autónoma, no sentido em que possui autonomia para a
ce que este modelo favorece a flexibilidade, a tomada de decisão, embora o controlo seja exercido através dos resultados
adaptabilidade, o espírito de missão e alguns - «o mecanismo de coordenação principal da Estrutura Divisionalizada é a
factores positivos que decorrem da centraliza- estandardização dos resultados, e o sistema de controlo dos desempenhos
ção. Contudo, a alta individualização deste tipo constitui um parâmetro de concepção essencial» (Mintzberg, 1996, p. 412) -,
de estrutura gera com frequência inoperaciona- competindo à sede a estandardização das qualificações e a supervisão directa
lidade de uma ou várias áreas da organização enquanto mecanismo de coordenação de apoio.
e gera vulnerabilidade em situação de menor A Adhocracia é a configuração mais complexa e menos estruturada; Mint-
vigilância e de crise. zberg refere a NASA como organização ilustrativa desta configuração, por
As organizações Burocratas Mecanicistas não necessitar de quadros hierárquicos para exercer supervisão, «a compo-
(BM) caracterizam-se pela rotina, repetição nente administrativa de uma Adhocracia aparece como uma massa orgânica
e estandardização, procedimentos formaliza- de quadros hierárquicos e de experts funcionais que trabalham em conjunto
dos, multiplicação de regras e regulamentos, em projectos ad hoc no âmbito de relações que mudam constantemente»
comunicação formalizada, centralização da (Mintzberg, 1996, p. 467).
decisão, elevada especialização, racionalização
do trabalho, estandardização dos processos Gráfico 3 - Configurações estruturais e perfis de funções do Psicólogo do Trabalho
e das Organizações, tomando por referência os Estágios Curriculares.
de trabalho, planeamento, divisão vertical e
horizontal do trabalho, diferença entre níveis
hierárquicos, entre funções e estatuto dos seus
membros, diferença entre operacionais e fun-
cionais, controlo elevado, centralização do po-
der no VE e comunicação descendente; carac-
terísticas facilmente identificáveis nas prisões,
nas companhias aéreas e nos construtores de
automóveis (Mintzberg, 1996).
Mintzberg considera que as universidades,
os hospitais, os gabinetes de contabilidade, as
empresas artesanais e os organismos de acção
social tendem para a Burocracia Profissional
(BP), modelo assente na competência profis-
sional que recorre, com frequência, ao recru-
tamento de especialistas para o seu centro
operacional. Os profissionais são autónomos e
a coordenação entre profissionais decorre da
estandardização dos conhecimentos. A BP é
distinta da BM, nesta os padrões são uma cria-
ção da T organizacional, naquela resultam das
associações e perfis profissionais dos especia- A maioria dos estagiários desempenhou funções em ES e BM (Gráfico 2). A
listas. A BP por efeito da alta especialização dos ES, como vimos, é própria das sociedades pouco industrializadas, mais próximo
seus serviços cria com o mercado uma base do modelo adoptado pelas PME, característico do tecido empresarial português
funcional assente numa relação cliente-neces- com elevada centralização e personalização o que vulnerabiliza a organização em
sidade/ profissional-função. Na organização BP situação de crise do seu líder. Este modelo apresenta vantagens e desvantagens:
o centro operacional é central, devido a esta or- assegura que as respostas estratégias reflictam o conhecimento total do centro
Pessoas &
Sintomas _22

operacional, há sentido de missão, flexibilidade e objectivo de definir o perfil e as funções destes profissionais (Borges, Oliveira
pode existir «confusão entre as questões estraté- & Morais, 2005; Tractenberg, 1999; Paulik, 2004; Rojon, McDowall & Saun-
gicas e operacionais» (Mintzberg, 1996, p.341), ders, 2011;), tarefa sobre a qual não existe consenso, resultado de perspecti-
respectivamente. vas paradigmáticas diferenciadas, as organizações convergem relativamente
às funções e importância do pto. Como foi dado verificar os pto desempe-
nham funções próximas do VE, quer em T, quer em FL exercem, portanto,
Conclusão funções de coadjuvação do VE sendo a sua actuação fundamental ao nível da
O presente estudo teve por base 20 relató- afectação de recurso humanos, de formação resolução de conflitos, motiva-
rios de estágio dos alunos de PTO, pretendia ção dos colaboradores, acolhimento, diagnósticos, imagem e comunicação,
o estudo identificar o perfil de funções do pto; análise da organização, da melhoria dos procedimentos, dos produtos, dos
os resultados revelam uma forte tendência bens e dos recursos, de aconselhamento, análise do trabalho, análise dos
para: diagnóstico organizacional, recrutamen- recursos, entre outras. Para esta realidade confluiu a História da Psicologia
to e selecção, formação, comunicação, gestão do Trabalho (Paulik, 2004), a projecção de um modelo global (Gelfand, Leslie
de pessoal, levantamento de necessidades e & Fehr, 2008), os curricula académicos e as práticas e as politicas organiza-
estratégias de intervenção. Analisando os re- cionais (Martin-Baró, 1988). Esta investigação revela, ainda, que apesar do
sultados na generalidade, verifica-se que o pto, tecido empresarial português se caracterizar pela ES e BM, ao pto são atribu-
no tecido empresarial PME, apresenta um perfil ídas funções com forte relevância organizacional, significando que as organi-
de desempenho bem definido embora marcado zações constituem um mercado de empregabilidade e a investigação científica
por linhas clássica de intervenção. nesta área em franca expansão (Drenth & Ming, 2007).
Esta investigação, apesar das limitações Ao longo do tempo, a PTO tem sofrido mudanças que se reflectem inclu-
metodológicas e da necessidade de uma amos- sive na sua denominação: inicialmente designada por Psicologia Empresarial
tra mais consistente e mais diversificada quer (Benjamin, Deleon, Freedheim & Vandenbos, 2003; Koppes, 2003) passou
territorialmente, quer no número de estagiá- para Psicologia Industrial, denominação muito frequente nos anos 20 (Benja-
rios, quer nas instituições de ensino superior min et al., 2003) e, posteriormente, para Psicologia Industrial e Organizacio-
envolvidas e no tipo de organizações, destaca a nal, termo mais corrente nos EUA, e para Psicologia do Trabalho e das Organi-
empregabilidade dos pto e a receptividade das zações, termo mais utilizado na Europa (Drenth & Ming, 2007; Koppes, 2003).
organizações para este profissionais da psico- Embora o seu conceito se tenha dilatado, o seu objecto persiste: o estudo do
logia e constitui, também, um indicador para comportamento humano nas organizações (Borman, Klimoski & Ilgen, 2003;
os planos de formação quer ao nível da licen- Koppes, 2003). Ou seja, o campo de actuação da PTO exerce-se ao nível do
ciatura, quer ao nível do mestrado. A investiga- comportamento humano no trabalho em/ou relacionados com o contexto or-
ção enferma, portanto, de algumas limitações, ganizacional (Drenth & Ming, 2007) e contribuem para a eficiência organiza-
embora os resultados forneçam informações cional e para a satisfação e bem-estar dos seus colaboradores (Borman et
significativas sobre o perfil de funções. al., 2003). O aparecimento da PTO situa-se nos Estados Unidos da América
Finalmente, desta investigação conclui-se (EUA) e em Walter Dill Scott (1869-1955), autor de diversos trabalhos e arti-
que a maioria dos estagiários desempenhou gos publicados na área da publicidade e selecção de pessoa e cujos trabalhos
funções FL, situando-se perto do topo e com beneficiaram de forma substancial, a imagem e visibilidade da psicologia no
grande proximidade ao VE; nestas funções mundo do trabalho e das organizações (Benjamin et al., 2003). Desde o seu
desempenharam tarefas predominantemen- início, o desenvolvimento da PTO está marcado por diversas forças, externas
te de diagnóstico organizacional; outro grupo (contexto socioeconómico, político, militar, tecnológico, psicológico) e inter-
significativo desempenhou funções T e, neste nas (nomes como Kurt Lewin, Walter Dill Scott, James McKenn Cattel, entre
papel, coube-lhes a função de formar, recrutar outros), que impulsionaram a formação desta disciplina ( Koppes, 2003). O
e estandardizar as qualificações; os pto foram período correspondente às duas grandes guerras foi de extrema importância
parceiros dos analistas do trabalho - engenhei- para a expansão da PTO. O desenvolvimento dos testes psicotécnicos usados
ros industriais e analistas de controlo e plane- no programa de recrutamento e selecção dos militares americanos durante a I
amento; do total dos alunos que realizaram o Guerra Mundial constituiu-se como um avanço significativo no pensamento e
Estágio Curricular, nenhum foi integrado em prática na PTO (Benjamin et al., 2003). No período pós-guerra, cresceram as
estruturas adhocráticas; 8 foram integrados oportunidades de emprego fora da academia (Koppes, 2003), em parte, devi-
em ES, 7 em BM, 4 em BP e 1 em ED. do ao interesse das organizações em maximizar a produtividade e reduzir as
Considerando o tecido empresarial portu- perdas resultantes de erro humano, como por exemplo, acidentes ou produ-
guês no contexto da economia internacional e tos defeituosos (Paulik, 2004). Depois II Guerra Mundial, a PTO conheceu um
os conhecimentos científico e técnico com os grande desenvolvimento fora da academia, surgiram diversas organizações na
quais os pto podem contribuir, esta investiga- área da investigação e consultoria e aumentaram as oportunidades de empre-
ção revelou forte abertura das organizações go em outras áreas, incluindo análise de funções, formação profissional, sa-
para estes profissionais da Psicologia, e se no lários e recompensas, avaliação de desempenho, aconselhamento, segurança
meio académico permanece a reflexão com o e higiene no trabalho, para referir apenas algumas (cf. Koppes, 2003). Á me-
Pessoas &
23 _ Sintomas

dida que a psicologia aplicada se desenvolvia, A Psicologia e, em particular a PTO é, em Portugal, uma disciplina jovem,
crescia igualmente o interesse por associações com as primeiras licenciaturas surgidas em meados dos anos 70 (Cunha,
profissionais (Koppes, 2003). Neste sentido, 2002). No entanto, esta é uma área científica ampla e diversa muito por causa
importa referir o surgimento da Sociedade de da diversidade do seu objecto de estudo: as pessoas que trabalham nas orga-
Psicologia Industrial e Organizacional em 1945 nizações (Drenth & Ming, 2007), ou seja, visa estudar, prevenir, diagnosticar e
nos EUA e a Associação Europeia de Psicologia intervir sobre os comportamentos em contexto organizacional. Neste sentido,
do Trabalho e das Organizações, fundada em o psicólogo do trabalho e das organizações procura, de forma integrativa,
1991 na Europa. conceptualizar e intervir nas organizações como sistemas de interesses, de
expectativas e necessidades.

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Pessoas &
Sintomas _24

Síndrome de Burnout em médicos


e enfermeiros de Unidades Básicas
de Saúde
Mary Sandra Carlotto
Adolfo Pizzinato
Mariana Barcinski
Rodrigo de Oliveira Machado

Resumo Burnout Inventory - MBI. Results revealed significant differences in the di-
mensions of emotional exhaustion and depersonalization, with doctors pre-
Profissionais da área da saúde estão expos- senting more exhaustion and depersonalization than nurses.
tos a diversos estressores ocupacionais que, Key-words: Burnout Syndrome, medical doctors,
se persistentes, podem levar à Síndrome de nurses, professional health

Burnout, fenômeno psicossocial, constituído  


por três dimensões: Exaustão Emocional, Des-
personalização e Baixa Realização Profissional.
Introdução
O presente estudo objetiva identificar se exis- A Síndrome de Burnout (SB) é considerada pela Organização Mundial de
te diferença entre as dimensões da Síndrome Saúde (2000) um risco para o trabalhador, que pode ocasionar deterioração
de Burnout em médicos e enfermeiros de 24 física ou mental, já sendo considerada uma questão de saúde pública (Cebrià-
Unidades Básicas de Saúde da rede municipal -Andreu, 2005; Gil-Monte, 2005; Palmer, Gomez-Vera, Cabrera-Pivaral, Prin-
de uma cidade de grande porte da região me- ce-Vélez, & Searcy, 2005).
tropolitana de Porto Alegre, RS, Brasil. Como Burnout é um tipo de estresse ocupacional constituído por três dimen-
instrumentos de pesquisa foram utilizados sões: Exaustão Emocional, Despersonalização e Baixa Realização Profissio-
um questionário para levantamento de vari- nal. Trata-se de uma resposta emocional a situações de estresse crônico em
áveis sociodemográficas e laborais e o Mas- função de relações intensas em situações de trabalho com outras pessoas
lach Burnout Inventory - MBI. Os resultados (Maslach & Jackson, 1981). A síndrome tem sido associada a resultados
revelam diferença significativa nas dimensões organizacionais negativos e a vários tipos de disfunções pessoais, podendo
de Exaustão Emocional e Despersonalização, levar à séria deterioração do desempenho do indivíduo no trabalho, afetando
sendo que médicos apresentam maior Exaus- também suas relações familiares e sociais (Maslach & Leiter, 1997; Westman
tão Emocional e Despersonalização do que en- & Etzion, 1995). Equipes de saúde com Burnout podem ser menos produtivas
fermeiros.   e tendem a apresentar menor qualidade no atendimento ao paciente (Schmitz,
Palavras-chave: Síndrome de Burnout, médicos, enfermeiros, Neumann & Oppermann, 2000).
saúde do trabalhador Os profissionais dedicados à área da saúde se encontram em constante ris-
co de desenvolver a SB (Bontempo, 1999; De Dios & Franco, 2007; Gil-Monte,
Abstract  2005; Rodríguez-Mesa, 2007; Silva & Gomes, 2009), devido à presença cons-
tante e persistente de inúmeros estressores ocupacionais. As novas confi-
Health professionals are exposed to several gurações organizacionais têm demandado, em diferentes graus e entre os
occupational stressors, which can lead do the diversos setores produtivos, novas exigências de qualidade na execução das
development of Burnout Syndrome, a psycho- tarefas e uma maior qualificação do trabalhador. Tais demandas incidem par-
social phenomenon constituted by three di- ticularmente no setor de serviços, face às suas peculiaridades, como o caráter
mensions: emotional exhaustion, depersona- direto do relacionamento do trabalhador com o cliente ou usuário.
lization, and low professional realization. The O trabalhador do campo da saúde está exposto a diferentes estressores
present study aims at identifying differences ocupacionais que afetam diretamente o seu bem estar. Dentre vários, pode-
between the dimensions of  Burnout Syndrome mos citar as longas jornadas de trabalho, o número insuficiente de pessoal, a
in medical doctors and nurses in 24 basic he- falta de reconhecimento profissional, a alta exposição do profissional a riscos
alth public unities located in a large city in the químicos e físicos, assim como o contato constante com o sofrimento, a dor e
metropolitan area of Porto Alegre, RS, Brasil. muitas vezes a morte. Estes profissionais têm que manejar com pacientes em
Research instruments adopted were a ques- estado grave; devem compartilhar com o enfermo e seus familiares a angús-
tionnaire to assess social demographic and tia, a dor, a depressão; e o medo de padecerem (Pando, Bermúdez, Aranda, &
occupational variables, as well as the Maslach Pérez, 2000; Aranda-Beltrán, Pando-Moreno, Salazar-Estrada; Torres-López;
Pessoas &
25 _ Sintomas

Aldrete-Rodríguez & Pérez-Reyes, 2004). O tra- râmetro é de 12 mil usuários. Esta é a quantidade de usuários declarados
balho dos profissionais nas unidades de Saúde pela Política Nacional da Atenção Básica, no entanto, esta realidade, frequen-
Pública está envolto em vários fatores de ris- temente, mostra números bem superiores de atendimentos (Brasil, 2007).
co ocupacional, que podem ocasionar danos à Os processos de trabalho dos profissionais de saúde inseridos na aten-
saúde dos trabalhadores e, consequentemente, ção básica, (que congrega Unidades Básicas de Saúde (UBS) e Unidades de
interferirem na qualidade da assistência pres- Estratégia de saúde da Família (ESF’s), aparecem nas diretrizes do Ministério
tada aos usuários (Chiodi & Marziale, 2006). da Saúde como: programar e implementar ações voltadas para os problemas
Além disso, os serviços de atenção à saú- de saúde mais prevalentes na população; desenvolver ações educativas que
de possuem especificidades relativas ao trato interfiram na relação saúde-doença; realizar ações com grupos de risco, se-
com a dor, ao sofrimento e ao mal-estar orgâ- jam estes riscos devidos ao ambiente ou a comportamentos e incentivar o
nico, emocional e social das pessoas. Portanto, desenvolvimento do controle social (Brasil, 2007).
exigem dos profissionais uma carga adicional Os trabalhadores da UBS tomam por objeto do trabalho os sintomas
de competências interpessoais, além das con- e as doenças de moradores que conformam a demanda espontânea da uni-
dições inerentes ao exercício profissional, que dade, primordialmente constituída por aqueles que não conseguem acessar o
inclui trabalho em turnos e escalas com fortes mercado privado de atenção à saúde (Campos & Mishima, 2005). No Brasil,
pressões externas. No serviço de atenção à a LEI Nº 8.080 - de 19 de setembro de 1990 - DOU DE 20/9/90 - Lei Orgânica
saúde, as características assinaladas ampliam- da Saúde - entende que a saúde é um direito fundamental do ser humano, de-
-se quando delimitadas à esfera do setor públi- vendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. A
co. As dificuldades estruturais são retratadas assistência, em termos de Saúde Pública é estruturada pelo Sistema Único de
no cotidiano da sociedade brasileira, princi- Saúde (SUS), que estabelece um conjunto de ações e serviços prestados por
palmente no que concerne à visão do usuário, órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais. O atendimento
mas também afetam os profissionais de saúde, no SUS está organizado em três níveis de complexidade: nível primário, que
visto que eles são obrigados a conviver com oferece o atendimento básico; nível secundário, que oferece, além do atendi-
tais dificuldades e, não raras vezes, são res- mento básico, algumas especialidades e nível terciário, que oferece assistên-
ponsabilizados pelas mesmas. Logo, os profis- cia de todas as especialidades e permite a realização de exames diagnósticos
sionais de saúde do setor público, geralmente, na própria instituição.
são exigidos no enfrentamento de questões Há vários estudos sobre a SB desenvolvidos especificamente com a ca-
técnicas e sociais, sem que disponham, contu- tegoria médica (Martín, Hernández, Arnillas & García, 2009; Palmer, Gomez-
do, dos recursos adequados (Borges, Argolo, -Vera, Cabrera-Pivaral, Prince-Vélez & Searcy, 2005; Ramirez, Graham, Ri-
& Baker, 2006). chards, Cull & Gregory, 1996) e a de enfermeiros (Chipas & McKenna, 2011;
Com a implantação do Sistema Único de Pines, 2000; Santos, Alves & Rodrigues, 2009). Outros têm se preocupado
Saúde do Brasil (SUS), implanta-se uma nova em verificar e entender as diferenças entre médicos e enfermeiros no que
perspectiva de atenção à saúde, apoiada em diz respeito aos fatores de estresse percebidos e ao surgimento de Burnout
três pilares: universalidade, equidade e integra- (Grau, Suner & Garcia, 2005; Quirós-Aragón & Labrador-Encinas, 2007; Silva
lidade. Os princípios citados gerenciam toda a & Gomes, 2009). Dentre estes, destaca-se a investigação realizada por Silva e
organização do SUS, indicando que todo o ci- Gomes (2009), que identificou que enfermeiros apresentavam maiores níveis
dadão tem direito ao atendimento à saúde, em de estresse associados à falta de poder, reconhecimento, instabilidade profis-
todos os níveis possíveis, estipula que este cui- sional e de carreira, remuneração e status profissional, quando comparados a
dado ocorra de acordo com a complexidade de médicos. Outro estudo, realizado por Paredes, Pereira, Montiel (2008), inves-
necessidade de cada usuário e, por fim, que os tigou burnout em 65 médicos e 100 enfermeiros nicaragüenses e identificou
sujeitos sejam vistos em suas totalidades, res- maiores níveis da síndrome em enfermeiros, com uma prevalência de 28%, o
peitando as suas peculiaridades e as dos am- dobro daquela identificada na amostra médica.
bientes em que estão inseridos (Brasil, 1990). Chiodi e Marziale (2006) destacam a importância do diagnóstico dos riscos
Embora tais prerrogativas sejam gradativa- ocupacionais para o planejamento de medidas preventivas, visando à pro-
mente postas em prática no sistema sanitário moção da saúde dos trabalhadores nessa área da saúde. Diante do grande
brasileiro, ainda estão muito distantes da for- número de profissionais que atuam nas unidades de Saúde Publica e da diver-
mação dos profissionais da saúde, que ainda sidade de fatores de ricos ocupacionais a que estão expostos, considera-se
têm o foco nas especialidades como eixo prin- que estudos abordando o referido objeto de pesquisa devam ser incentivados
cipal de suas formações. A excessiva ênfase com a finalidade de contribuir para a aquisição de conhecimentos que possam
no tratamento e reabilitação contrasta com as subsidiar melhorias nas condições de trabalho e para a elaboração de estraté-
prerrogativas de prevenção de agravos e pro- gias educativas direcionadas aos trabalhadores.
moção da saúde da atenção básica. A atenção Assim, este estudo pretendeu, através de um delineamento epidemiológi-
básica em saúde ocupa espaço significativo no co observacional analítico transversal (Grimes & Shulz, 2002), identificar se
SUS, pois é ela que detém a prerrogativa de existe diferença nas dimensões de burnout entre médicos e enfermeiros que
prevenir estados de doença e promover a saú- atuam em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) da rede municipal de uma
de da população (Brasil, 1990). cidade da região metropolitana de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil
O número de usuários atendidos na atenção
básica muda conforme a estrutura do serviço;
no caso das Unidades Básicas de Saúde o pa-
Pessoas &
Sintomas _26

Método e o apoio para a aplicação dos instrumentos. Após, foi contatada a chefia da
UBS para explanação dos objetivos e estruturação da logística de coleta de
Amostra dados. Os instrumentos foram preenchidos no local de trabalho e recolhidos
logo após a finalização do preenchimento. Foram realizados os procedimen-
A amostra constituiu-se de 91 profissionais, tos éticos conforme resolução 196 do Conselho Nacional de Saúde (CNS),
30 médicos e 61 enfermeiros, distribuídos em no que diz respeito à pesquisa com seres humanos (Ministério da Saúde do
24 UBS. A maioria dos participantes são mu- Brasil, 1997). Foi esclarecido aos profissionais e chefia dos postos se tratar
lheres (76,9%), solteiros, separados e viúvos de uma pesquisa sem quaisquer efeitos avaliativos individuais e/ou institucio-
(51,7%), com filhos (56%) e possui remunera- nais e que as respostas e os dados referentes aos resultados permaneceriam
ção superior a seis salários mínimos referência anônimos e confidenciais.
no Brasil (51,2%). A maior parcela dos pro- O banco de dados foi digitado e, posteriormente, analisado no pacote esta-
fissionais trabalha com exclusividade na UBS tístico SPSS, versão 11.0. Primeiramente, foram realizadas análises descriti-
(74,7%). Os participantes possuem uma mé- vas de caráter exploratório, a fim de avaliar, no banco de dados, a distribuição
dia de idade de 38 anos (±10), têm em média dos itens, os casos omissos e a identificação de extremos. Posteriormente,
12 anos e 4 meses de experiência profissional foram calculadas frequências para variáveis categóricas e médias para variá-
(±9,8) e 7 anos e 3 meses de exercício pro- veis contínuas. Para comparação de médias foi utilizada a prova t de student.
fissional no posto de saúde (±6,8). Trabalham Os resultados foram considerados estatisticamente significativos, quando o
com uma carga horária média de 37,03 horas/ valor de p for igual ou menor que 0,05.
semanais (±6,7) e atendem uma média de 52
pacientes/dia (±42).
O grupo de médicos é composto, em sua Resultados
maioria, por mulheres (66,7%), solteiros/sepa-
Os resultados evidenciam que médicos apresentam médias mais elevadas,
rados (76,6%), sem filhos (73,3%) e com idade
em comparação com enfermeiros, em Exaustão Emocional e Despersonaliza-
média de 34 anos (±9,3). Possuem, em média,
ção conforme demonstrado na Tabela 1. A baixa realização profissional não
8 anos de experiência profissional (±7,6) e 5,4
se mostrou diferente nos grupos investigados.
anos na UBS (±5,2). A carga horária semana

média é de 41,5 horas (±9,6), atendendo dia- Tabela 1 – Diferença das dimensões de Burnout em médicos e enfermeiros
riamente, em média, 31 pacientes (±15). Tra-
balham exclusivamente na UBS (73,3%) com Dimensões Profissões M DP t p
vínculo contratual (78,6%). O grupo de enfer- EE Médicos 3,02 0,85 3,684 0,001
meiros também é predominantemente cons- Enfermeiros 2,27 0,93
tituído por mulheres (82%), de estado civil
DE Médicos 2,33 0,85 2,432 0,017
casado (60,7%), com filhos (70,5%) e média
de idade de 40 anos (±9,5). O tempo médio de Enfermeiros 1,87 0,83
experiência profissional é de 14,3 anos (±9,8) RP Médicos 3,90 0,53 0,316 0,753
e no atual local de trabalho é de 8,3 anos (±7). Enfermeiros 3,85 0,73
Desenvolvem uma carga horária/semanal de Nota: * Diferença significativa ao nível de 5%.
38 horas (±4) e atendem diariamente, em mé-
dia, 62 pacientes (±47).
Discussão
Instrumentos Os resultados confirmam a hipótese de que existe diferença significativa
entre os dois grupos profissionais investigados. Em duas das três dimen-
O levantamento das características da amos- sões de Burnout, foram identificadas diferenças, ou seja, médicos apresentam
tra foi realizado a partir de um questionário ela- maior exaustão emocional e maior despersonalização do que enfermeiros.
borado especificamente para este estudo, com Estes resultados também foram identificados em estudos realizados com mé-
questões sociodemográficas e laborais. Para dicos por Achkar (2006). Quirós-Aragón e Labrador-Encinas (2007) também
avaliação da Síndrome de Burnout foi utilizado encontram maiores índices de exaustão e despersonalização em médicos,
o MBI - Maslach Burnout Inventory – (Maslach quando comparados a enfermeiros e técnicos. Estes autores pontuam que
& Jackson, 1986), que identifica como o traba- tal resultado estaria relacionado ao maior número de estressores apontados
lhador experiencia seu trabalho, de acordo com por esta categoria profissional e aos dois principais estressores apontados:
três dimensões: Exaustão Emocional (9 itens), as consequências de cometer algum tipo de erro com o paciente e a agressi-
Despersonalização (5 itens). Realização Profis- vidade de alguns pacientes.
sional (8 itens). O resultado obtido no presente estudo também pode estar relacionado às
características sociodemográficas dos grupos profissionais. O grupo de mé-
Procedimentos dicos da presente amostra possui menor idade média, constitui-se em sua
maioria de solteiros e sem filhos. Estudo realizado por Dias, Queirós e Car-
Primeiramente foi realizado contato com a lotto (2010) também identificou em trabalhadores da saúde uma associação
Secretaria da Saúde, no qual foi apresentado o negativa entre idade e a dimensão de despersonalização. Segundo Ahola e
objetivo do estudo, a fim de obter a autorização cols. (2006) e Maslach e Jackson (1985), pessoas casadas apresentavam
Pessoas &
27 _ Sintomas

menos Burnout que as solteiras; pessoas se- brecarga laboral, segundo Mazur e Lynch (1989), é um preditor da exaustão
paradas ou viúvas apresentam maiores níveis emocional e, de acordo com Freudenberg (1974), é comum nesta síndrome
de Burnout. Na avaliação de Maslach e Jack- haver intensa sensação de frustração em relação ao trabalho, decorrente da
son (1985), pessoas casadas, comumente, são pressa em executar o mesmo, por excesso de serviço.
mais maduras psicologicamente e possuem um Outro elemento a ser considerado na interpretação dos resultados do pre-
estilo de vida mais estável, além de possuírem sente estudo diz respeito à formação médica, marcadamente centrada em
uma visão diferente de seu trabalho, seja por práticas distantes das cotidianamente desenvolvidas nas UBS. Ainda que a
dividir as responsabilidades com outra pessoa, partir da proposta de mudança curricular dos cursos de medicina se tenha
seja pela prioridade em relação ao salário e os buscado alterar a ênfase da formação médica, esta ainda se encontra centrada
benefícios em detrimento do entusiasmo e da na especialização, na evidência clínica e em achados técnicos e laboratoriais,
satisfação pessoal. práticas nem sempre próximas à realidade da atenção primária em saúde no
Outra possibilidade seria a de que a vida fa- Brasil (Brasil, 2001). As práticas de saúde nas UBSs enfatizam muito mais o
miliar pode ter propiciado mais experiências e contato direto e continuado com os pacientes e suas famílias e comunidades,
maior desenvoltura para lidar com outras pes- seus inúmeros estressores psicossociais, ambientais e econômicos, a falta
soas e seus problemas. Nestas experiências, as de recursos de ordem técnica e a carência de outros profissionais especia-
pessoas desenvolvem mais paciência e equilí- lizados a quem derivar situações clínicas ou sociais específicas constituem
brio ao lidar com situações de crise. O fato de elementos que se inserem no cotidiano das equipes e que os médicos passam
pessoas solteiras, separadas e sem filhos não a ter outra relação após a reestruturação do currículo, fator em construção
assumirem, de uma forma direta, responsabili- na disciplina médica brasileira. Vasconcelos e Zarboni (2011) apontam que
dades familiares pode contribuir para estarem embora os médicos reconheçam a família como eixo central do cuidado na
mais disponíveis para o trabalho, obtendo maior atenção básica, estes também relatam que a relação ampliada com a popula-
rentabilidade necessária para outros símbolos ção acaba sendo a geradora de maior desgaste. Além disto, assinala-se uma
de reconhecimento social e tornando-se alvos alta incidência de casos complexos que não conseguem referenciamento para
suscetíveis para experimentar o estresse e, outros profissionais, o que ataca diretamente a percepção de competência e
consequentemente, o burnout (Dias, Queirós resolutividade do trabalho em saúde.
& Carlotto, 2010). Estas questões apresentam O estudo apresenta algumas limitações que devem ser consideradas na
associação, principalmente, com a dimensão de análise de suas conclusões. A primeira é que o estudo tem delineamento
Despersonalização, tendo em vista que a relação transversal, o que impede conclusões em termos de causalidade. A segun-
que se estabelece entre o profissional-paciente é da diz respeito ao efeito do trabalhador sadio, questão peculiar em estudos
uma das principais variáveis associadas ao Bur- transversais em epidemiologia ocupacional que, muitas vezes, exclui o pos-
nout (Carlotto, 2010). sível doente (McMichael, 1976). Essa é uma situação que pode subestimar o
Também se verifica no grupo de médicos tamanho dos riscos identificados, porque os mais afetados não conseguem
um menor tempo de experiência profissional manter-se no emprego, afastando-se por licenças para tratamento de saúde.
e tempo específico no atual local de trabalho,
além de uma carga horária mais elevada, as-
pectos comumente associados à dimensão de Conclusão
Exaustão Emocional (Barria, 2002; Maslach &
O estudo, com o delineamento proposto, sinaliza aspectos importan-
Jackson,1981). Este resultado pode estar re-
tes com relação aos dois grupos investigados. Esse resultado aponta para
lacionado ao fato de o profissional com mais
a necessidade de ações diferenciadas que considerem as peculiaridades em
tempo de trabalho possuir maior segurança
termos de prevenção e intervenção da SB, confirmando a importância das
na realização de tarefas e ter desenvolvido
características sociodemográficas, laborais e contexto organizacional.
relações de trabalho mais significativas. A so-

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Pessoas &
Sintomas _30

Trabalho, qualidade de vida


e clima organizacional
(Work, quality of life and organizational climate)
Marina Pereira
Fátima Lobo

Resumo The aim of this investigation is to analyze, from a theoretical perspective,


quality of life and organizational climate; to do so, intends to answer the follo-
O mundo do trabalho sofreu transformações wing question: is the worker psychological nature responsible for the percep-
que determinam uma profunda reflexão sobre tions of quality of life and organizational climate?
o lugar que o trabalho ocupa na vida individual. The results show that work is central to daily life; quality of life is related
Esta investigação visa analisar, do ponto de with subjective well being at work with an adequate remuneration, internal
vista teórico, a qualidade de vida e o clima or- and external equity, professional development, equal treatment and perso-
ganizacional, neste sentido, propõe-se respon- nal growth, equal opportunities, absence of prejudice in what regards sexual
der à seguinte questão: a natureza psicológica orientation, social class or others forms of discrimination. On the other hand,
do trabalhador é responsável pela percepção organizational climate is an organizational characteristic reflected in workers’
da qualidade de vida no trabalho e pelo clima descriptions about policies, procedures and conditions of the working envi-
organizacional? ronment; there is therefore as close relationship between workers’ percep-
Os resultados da revisão da literatura permi- tions and organizational policies, rules, values, mission, vision and patterns
tem concluir que o trabalho é central no quoti- of formal and informal organizational behavior.
diano do homem hodierno; que a qualidade de The theoretical investigation lead us to conclude that the nature and dyna-
vida se relaciona com o bem-estar subjectivo no mics of organizations and its formal and informal procedures are predictors
trabalho, com remuneração adequada, equidade both of quality of life and organizational climate.
interna e externa, ascensão profissional, trata- Keywords: work, quality of life, organizational climate
mento igual e crescimento pessoal no emprego,
igualdade de oportunidades, ausência de precon-
ceitos no que respeita à orientação sexual, classe Introdução
social, ou outras formas de descriminação. Por
A pós-modernidade ao desencadear mudanças em todos os sectores da
sua vez, o clima organizacional é uma caracterís-
vida humana transformou, também, o nível do funcionamento das organiza-
tica da organização, reflectida nas descrições que
ções. A modernidade líquida e volátil, tal como a caracteriza Bauman (2000),
os indivíduos fazem das políticas, das práticas
tornou imperativa a renovação dos modelos de análise e de intervenção nas
e das condições existentes no ambiente de tra-
organizações, cujo carácter complexo e, por vezes, paradoxal requer uma
balho, existe portanto, uma íntima relação entre
gestão assente ora em pressupostos racionalistas e realistas, ora em pres-
as percepções dos colaboradores e as políticas
supostos criativos, proactivos e inovadores, isto é, adaptáveis às mudanças
organizacionais, as normas, os valores, a missão,
económicas e de mercado, sociais e culturais (Neves, 2000). Tendo em conta
a visão, e os padrões de comportamento organi-
a multiplicidade de enquadramentos e explicações da realidade organizacio-
zacionais, quer formais, quer informais.
nal, este estudo visa analisar a qualidade de vida no trabalho (Handy, 1994;
A investigação teórica permite concluir que
Nobre, 1995; Neves, 2000; Vasconcelos, 2001; Fleury, 2002; Carvalho, 2004;
a natureza e dinâmicas das organizações, os
Seidl, 2004; Brand, Schlicht, Grossmann & Duhnsen, 2006; Canavarro, Si-
seus procedimentos formais e informal são
mões, Pereira & Pintassilgo, 2005; Cunha, Rego & Cunha, 2006; Yanaze,
preditores, quer da qualidade de vida, quer do
2006; Tenório, 2007; Limongi-França, 2010) e clima organizacional (Moos,
clima organizacional.
1973; Schneider & Snyder, 1975; Griffin & Neal, 2000; Neves, 2000, 2001;
Palavras-Chave: trabalho, qualidade de vida, Lobo, 2001, 2003; Keller & Aguiar, 2004; Bispo, 2006) e verificar, em que
clima organizacional
sentido, o trabalhador é responsável pelas percepções organizacionais.

Abstract Qualidade de vida no trabalho


The world of work has changed considera-
Como resulta de avaliação multifactorial e enquadramento multidisciplinar
bly determining an in-depth reflection about the
(Canavarro et al., 2005), a literatura científica aponta para uma multiplicidade
importance of work to individuals.
de definições do conceito qualidade de vida, no entanto, as diversas defini-
Pessoas &
31 _ Sintomas

ções convergem na focalização da percepção A preocupação com a qualidade de vida (QV) e bem-estar do trabalhador
de bem-estar, satisfação e felicidade. Assim, não é uma preocupação exclusiva das sociedades actuais, ela remonta aos
a evolução do conceito está essencialmente primórdios das relações de trabalho (Rodrigues, 1999, cit. in Vasconcelos,
associada à “satisfação com a vida, felicidade, 2001); à revolução industrial e ao êxodo rural que acentuou o processo de
existência com significado e bem-estar subjec- substituição da produção manual pela produção mecânica. Esta facilita as
tivo” (Canavarro et al., 2005, p.1). De acordo tarefas diárias assim como a aquisição de uma remuneração constante, faci-
com Cunha e colaboradores (2006), a grande litando também um planeamento económico doméstico e consequentemente
maioria das pessoas almeja alcançar a felici- melhor qualidade de vida (Yanaze, 2006). A literatura refere o impacto da
dade, conceito muitas vezes denominado de revolução industrial nos modos de produção e relação entre os indivíduos no
bem-estar subjectivo, que é “o resultado da seio das organizações produtivas, mas a introdução da tecnologia no mundo
avaliação cognitiva, emocional e subjectiva da- do trabalho é um fenómeno presente na história da humanidade que, na práti-
quilo que ocorre” (p.176). Ainda que a expres- ca, conduziu à diminuição do esforço dispendido para a realização de tarefas,
são qualidade de vida tenha sido utilizada com assim como a melhoria das condições de trabalho.
maior frequência a partir dos anos sessenta, A análise do percurso histórico das condições de trabalho demonstra que
a emergência deste constructo remonta à pri- as organizações podem aumentar o bem-estar individual e a satisfação (Cunha
meira metade do séc. XX. É nesta altura que, et al., 2006). As sociedades actuais, altamente mutáveis, são caracterizadas
com base na análise de indicadores sociais, pela trilogia: incerteza, paradoxo e irracionalidade (Handy 1989, 1994, 1995,
são dados os primeiros passos para a aborda- cit. in Neves, 2000). Ora, a voracidade do mundo moderno gera mudança e
gem económica. Para tal são-lhe associados incerteza em todas as áreas profissionais. Dada esta situação, o bom ambien-
indicadores como: crescimento económico, te proporcionado pelas organizações, isto é, a qualidade de vida no trabalho
níveis de consumo, entre outros (Cummins & (QVT), será o vector que possibilitará a evolução do colaborador e, conse-
Rapley, 2003, cit. in Canavarro et al., 2008), a quentemente, da própria organização. O bem-estar individual é preditor de
literatura aponta também para as raízes polí- comportamentos mais flexíveis, criativos, resistente às adversidades e mais
ticas do constructo (Yanaze, 2006). Assim, as produtivo. Assim, a produtividade aparece intimamente ligada às emoções
perspectivas mais comuns apontam para indi- positivas e ao bem-estar psicológico do colaborador. O bem-estar psicológi-
cadores objectivos e subjectivos; os primeiros co dota o colaborador de criatividade, condição necessária para enfrentar os
contemplam os índices económicos, os níveis desafios e imprevisibilidades organizacionais (Cunha et al., 2006). O mesmo
de literacia, a esperança média de vida, entre autor defende que a produtividade e a criatividade assim como a alegria e
outros, os segundos, a satisfação, felicidade e o prazer no trabalho constituem importantes ingredientes das organizações
bem-estar subjectivo (Costanza et al., 2007). bem-sucedidas.
Por sua vez a Organização Mundial de Saúde A satisfação dos colaboradores é estimulada pela QVT, como constatam
(OMS) define-a através das “percepção do diversos estudos empíricos (Brand, Schlicht, Grossmann & Duhnsen, 2006).
indivíduo sobre a sua posição na vida, dentro De acordo com Brand e colaboradores (2006) a prática de exercício físico
do contexto dos sistemas de cultura e valores promovida pela organização influencia positivamente a percepção da quali-
nos quais está inserido e em relação aos seus dade de vida dos colaboradores, tese corroborada por Cunha e colaborado-
objectivos, expectativas, padrões e preocupa- res: “Uma forma de melhorar a satisfação das pessoas passa pela criação de
ções” (WHOQOL Group, 1994, cit. In Cana- condições que permitam uma articulação virtuosa entre aspectos de trabalho
varro et al., 2005, p.2). Deste modo inclui-se e não - trabalho. Deste modo o bem-estar subjectivo aumenta e consequente-
a percepção dos indivíduos sobre si próprios mente, tende a aumentar a satisfação com a organização” (Cunha et al., 2006,
e a posição que ocupam na sociedade, papéis p.179). Walton (1996, cit. in Vasconcelos, 2001) refere também que o indiví-
e estatutos que lhe estão associados, padrões duo se sente mais satisfeito no local de trabalho, não só quando obtém uma
culturais e valores específicos do grupo a que remuneração adequada ao trabalho realizado, mas também quando sente que
pertence, assim como metas e expectativas existe equidade interna e externa, ou seja, quando sente que lhe é permitido a
inerentes à realização pessoal e ao projecto de ascensão profissional, tratamento igual e, simultaneamente, crescimento pes-
vida. soal. Esta constatação permite inferir que as organizações devem aproveitar
A mundialização e as exigências crescentes o talento humano de cada indivíduo, incentivando a utilização plena das facul-
no seio das organizações, fruto da necessida- dades e capacidades de cada um no desempenho das suas funções. O mesmo
de de eficácia na competição pela conquista de autor refere, ainda, a importância da valorização nas práticas organizacionais
novos mercados, da necessidade de antecipa- dos colaboradores, o respeito entre estes e os superiores hierárquicos, ex-
ção no delinear de estratégias de posiciona- presso, por exemplo, na defesa da igualdade de oportunidades, na ausência
mento no mercado mundial, têm vindo a mudar de preconceitos no que respeita à orientação sexual, classe social, ou outras
a estrutura e o modo de interacção em contex- formas de descriminação. Estas são condições que promovem o bem-estar
to organizacional. As exigências do mercado subjectivo, a satisfação e consequentemente a produtividade.
global obrigam à implementação de estratégias No que concerne ao contexto laboral, a QV representa a valorização do
que visam a competitividade, descurando mui- indivíduo, mediante a definição objectiva de procedimentos e tarefas, como
tas vezes o papel e o bem-estar dos indivíduos também uma constante preocupação com o ambiente físico e a existência
que constituem a organização (Handy, 1994). de bons padrões de relacionamento no local de trabalho (Nadler & Lawler,
Assim é urgente reflectir sobre as condições 1983, cit. in Fleury, 2002). Assim, estes autores defendem que só é possível
necessárias para implementar e desenvolver a definir a QVT tendo em conta a evolução no tempo, assim como a avaliação
qualidade de vida no trabalho (QVT). cognitiva e subjectiva, pois esta resulta de um modo específico de pensar so-
Pessoas &
Sintomas _32

bre as pessoas, o trabalho e as organizações. tins, Oliveira, Silva, Pereira & Sousa, 2004) da percepção dos indivíduos, e na
Ora, o modo de pensar sobre as pessoas, o sua definição está presente um juízo avaliativo, tanto positivo como negativo
trabalho e as organizações varia em função da relativamente ao trabalho e respectivas funções.
perspectiva, do tempo e da situação. Daí que Apesar da importância destas perspectivas, a revisão da literatura aponta
para estes autores não seja possível referir QVT a definição de Locke (1976 cit. in Ferreira, et al., 2001), como sendo aquela
sem identificar os seus elementos distintivos, que apresenta maior influência e impacto no estudo da satisfação no trabalho.
nomeadamente o impacto do trabalho sobre os Este autor define a satisfação no trabalho como um “estado emocional positi-
indivíduos, as condições efectivas da organiza- vo que resulta da percepção subjectiva das experiências no trabalho por parte
ção e a possibilidade de participação na toma- do trabalhador” (p. 290). Seguindo a mesma linha de orientação, Newstron e
da de decisão no seio da organização. Segun- Davis (1993, cit. in Ferreira et al., 2001) caracterizam a satisfação no trabalho
do Sucesso (1998, cit. in Vasconcelos, 2001), como um conjunto de sentimentos e emoções favoráveis ou desfavoráveis,
pode afirmar-se que, globalmente, a QVT que resultam da percepção do indivíduo relativamente ao seu trabalho. Ou
abrange parâmetros como uma remuneração seja, a satisfação resulta da percepção do trabalho e do modo como o tra-
capaz de satisfazer as expectativas pessoais e balhador sente os diferentes aspectos do trabalho e como se deixa afectar
sociais; orgulho pelo trabalho realizado; vida emocional, cognitiva e comportamentalmente.
emocional satisfatória; auto-estima; imagem
positiva da instituição (horários e condições de
trabalho sensatos que conduzam a um equilí- Clima Organizacional
brio entre o trabalho e o lazer) e, por fim, o
A aproximação fenomenológica do conceito clima organizacional é o ponto
uso do potencial humano do trabalhador aliado
de partida da reflexão de vários autores. Estes defendem que o clima orga-
ao respeito pelos seus direitos e recompensas,
nizacional é uma representação e atribuição dos sujeitos (Lobo, 2001). Por
proporcionando oportunidades e perspectivas
outras palavras, o clima organizacional é traduzido na forma como o sujeito
de carreira. A QVT alia, portanto, aspectos pro-
percepciona a organização e as relações sociais (Lobo, 2003). A mesma au-
fissionais, pessoais e sociais, ultrapassando o
tora defende que o sujeito exerce assim a função de representar e atribuir
mero espaço laboral. Caso exista uma enorme
sentido e. James e Jones (1974, cit. in Lobo, 2003) acentuam também o
discrepância da qualidade de vida entre os co-
papel do indivíduo no processo de análise e definição de clima e organiza-
laboradores de uma organização, o clima orga-
ção. Assim as perspectivas referidas assinalam a dimensão psicológica deste
nizacional pode ser afectado de forma negativa
constructo. James e Jones (1974, cit. in Neves, 2000) defendem, ainda, uma
e gerar sentimentos de exclusão, desmotiva-
concepção fenomenológica do clima, definido como o “conjunto das percep-
ção e consequente abandono. De acordo com
ções que reflectem a forma como os ambientes de trabalho, incluindo os atri-
Limongi-França (1996, cit. In Fleury, 2002) a
butos organizacionais, são cognitivamente apreendidos e representados em
QVT resulta de um conjunto de acções, que le-
termos do que significam para os indivíduos que os percebem” (Neves, 2000,
vadas a cabo no contexto organizacional, visam
pp. 36-37). O clima é, deste modo, um conceito psicológico que emerge da
a implementação de procedimentos inovadores
vivência do indivíduo no local de trabalho, vivência esta que determina a ati-
no âmbito da gestão e da utilização de novas
tude e a conduta do mesmo na organização. Estas percepções, provenientes
tecnologias, e ainda, no âmbito de mudanças
do quotidiano laboral, não só caracterizam o ambiente organizacional, como
estruturais no ambiente de trabalho. Em suma,
influenciam o desempenho e a motivação dos colaboradores (Neves, 2000).
verifica-se que não é consensual a definição de
Numa perspectiva motivacional, Chiavenato (2003, cit. in Bispo, 2006),
QVT, uma vez que os autores acima referidos
defende que o clima organizacional é a qualidade ou propriedade do am-
acentuam diferentes dimensões que consti-
biente da organização que é percebida ou experienciada pelos seus. Chia-
tuem diferentes contributos para a compreen-
venato (2007) associa o clima organizacional ao ambiente interno existente
são deste constructo.
entre os colaboradores organizacionais, estando intimamente relacionado
A análise da QVT remete para a noção de
com o grau de motivação. Para este autor, o clima organizacional depende
satisfação no trabalho. São conceitos indisso-
do estilo de liderança, das políticas e valores existentes na estrutura organi-
ciáveis, uma vez que os autores que abordam
zacional, das características das pessoas que participam na empresa, assim
as variáveis associadas à percepção da QVT
como do ramo de actividade da mesma. Brunet (1987, cit. in Lobo, 2003)
referem a satisfação no trabalho. A literatura
afirma, igualmente, que o comportamento do indivíduo no local de trabalho
apresenta a inúmeras definições de satisfação,
é influenciado pelo “modo como este percepciona o trabalho e os elementos
autores como Crites (1969), Locke (1976),
que compõem a sua organização” (p. 28). Esta perspectiva remete para uma
Mueller e McCloskey (1990) Muchinsky (1993),
dimensão temporal da experiência do próprio indivíduo, na qual o clima
Neewstron e Davis (1993) (Cit. in Ferreira, Ne-
organizacional é condicionado pelas vivências e construções que emergem
ves & Caetano, 2001) referem-se à satisfação
da história da organização.
enquanto “estado emocional, sentimentos, ou
A perspectiva interaccionista, relativamente ao conceito de clima organi-
respostas afectivas” (p. 289), perspectiva cor-
zacional, desenvolvida por autores como Schneider e Reichers (1983, cit. in
roborada por Cunha (2004). Noutra linha de
Lobo 2003), refere que é da interacção do indivíduo com o meio ambiente
pensamento Beer (1964), Arnold, Robertson
que emergem percepções e representações acerca do mesmo que, por sua
e Cooper (1991) (Cit. in Ferreira et al., 2001),
vez, influenciam as atitudes e comportamentos do indivíduo na organização.
consideram a satisfação um forte indicador da
O clima organizacional é fruto desta interacção. Ainda numa perspectiva in-
atitude em relação ao trabalho. A satisfação re-
teraccionista, Griffin e Neal (2000) afirmam que as percepções dos colabora-
sulta segundo Brief e Weiss (2002, cit. in Mar-
Pessoas &
33 _ Sintomas

dores, derivadas da interacção indivíduo/meio forma como o colaborador percepciona as políticas, normas, valores, missão,
são determinantes para a definição de clima visão, e padrões de comportamento (formais e informais) numa organização
organizacional. e a sua satisfação no trabalho (Schneider & Snyder, 1975).
Finalmente existe relação entre clima orga-
nizacional e satisfação. A Segundo Coda (1993,
cit. in Bispo, 2006) esta relação é evidente, pois Conclusão
o clima organizacional é o indicador do grau
Esta investigação pretendia analisar, do ponto de vista teórico, a qualidade
de satisfação dos elementos de uma organiza-
de vida e o clima organizacional e responder à seguinte questão: a natureza
ção, relativamente a aspectos como a missão,
psicológica do trabalhador é responsável pela percepção da qualidade de vida
a visão, a estratégia, as práticas, entre outros.
no trabalho e pelo clima organizacional? Os resultados da investigação per-
Payne e Mansfield (1973, cit. in Bispo, 2006)
mitem concluir que as percepções organizacionais não dependem da natureza
afirmam que o clima liga o nível individual e o
psicológica dos trabalhadores. O trabalho adquiriu centralidade na sociedade
nível organizacional, na medida em que deter-
pós Revolução Industrial e, neste sentido, o trabalho adquiriu, também, cen-
mina a compatibilidade entre os valores e as
tralidade significativa; isto é, obteve valoração cognitiva, emocional e subjecti-
necessidades individuais, com os valores e as
va e constituiu-se preditor da satisfação, da felicidade e do bem-estar subjec-
directrizes formais da organização.
tivo e contribui para a definição da posição social, dos estatutos associados,
A probabilidade de maior concordância,
das expectativas e dos projectos de vida.
entre os colaboradores, em relação às des-
Sendo certo que Revolução Industrial e a introdução da tecnologia no mun-
crições do clima, é mais elevada do que a sua
do do trabalho conduziu à diminuição do esforço dispendido para a realiza-
concordância relativamente aos sentimentos
ção de tarefas, também é certo que o trabalhador se transformou num ser
de satisfação, não havendo necessariamente
altamente vulnerável, condicionado e dependente da sua relação por conta
uma correlação entre as medidas de clima e
de outrem, situação agravada pela incerteza, paradoxo e irracionalidade dos
satisfação. A percepção descritiva correspon-
mercados. Neste contexto, a QVT relacionam-se com a equidade interna e
deria, então, a uma medida de clima, enquanto
externa, com a ascensão profissional, o tratamento igual, o crescimento pes-
a percepção avaliativa corresponderia a uma
soal, a igualdade de oportunidades, a ausência de preconceitos, a valorização
medida de satisfação (Neves, 2000). Schneider
do indivíduo, a definição objectiva de procedimentos e tarefas, os padrões de
e Snyder (1975) num estudo efectuado na dé-
relacionamento, a remuneração capaz de satisfazer as expectativas pessoais
cada de setenta, utilizando o “Job Descriptive
e sociais, a imagem positiva da instituição (horários e condições de trabalho
Index”, concluíram também que, nem o clima
sensatos que conduzam a um equilíbrio entre o trabalho e o lazer) e, por fim, o
nem a satisfação estão estreitamente relacio-
uso do potencial humano do trabalhador aliado ao respeito pelos seus direitos
nados com a produção de resultados no local
e recompensas, proporcionando oportunidades, perspectivas de carreira. Es-
de trabalho. Os mesmos autores analisaram
tes factores, por sua vez, afectam a satisfação com o trabalho, os sentimentos
as diferenças entre os constructos clima orga-
e as emoções do indivíduo relativamente ao trabalho e à organização. Por sua
nizacional e satisfação afirmando que, se por
vez, o clima organizacional resulta da representação global da organização,
um lado o clima organizacional está relaciona-
condicionada pelas vivências e construções que emergem da história da or-
do com a percepção que os indivíduos têm da
ganização na dimensão individual e colectiva e da privação relativa, cuja sen-
própria organização, a satisfação no trabalho
sibilidade é proporcionada pela interacção indivíduo/meio e pela comparação
está relacionada com a avaliação pessoal das
das condições e resultados em organizações congéneres. Finalmente, o clima
condições existentes no ambiente de trabalho
organizacional é uma percepção geral das condições, dinâmicas e estruturas
e dos resultados que advêm do desempenho
organizacionais, a satisfação tem a sua origem nas emoções, nos sentimen-
de uma função.
tos e nos valores e expectativas individuais; a QVT na equidade e justiça, na
Neste âmbito, a avaliação de acontecimen-
articulação virtuosa entre trabalho e não-trabalho, no crescimento pessoal.
tos, procedimentos e práticas organizacionais
têm impacto na percepção global que os indi-
víduos têm do clima organizacional. O clima
organizacional é observado como uma carac-
terística da organização e é reflectido nas des-
crições que os indivíduos fazem das políticas,
das práticas e das condições existentes no
ambiente de trabalho. De acordo com Schnei-
der e Snyder (1975) a satisfação no trabalho é
conceptualizada como a resposta afectiva dos
indivíduos e repercute-se na avaliação que os
colaboradores fazem dos aspectos do seu tra-
balho e da organização onde estão inseridos,
isto é, do clima da organização. Neste sentido,
a gestão do clima nas organizações tem como
preocupação central a identificação do grau de
satisfação e motivação no local de trabalho.
Existe, portanto, uma íntima relação entre a
Pessoas &
Sintomas _34

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Pessoas &
35 _ Sintomas

A Liderança é uma questão


de personalidade, de comporta-
mento ou de gestão da situação?
(Leadership is a matter of personality, behavior or mana-
gement of the situation?)
António Carvalho
Fátima Lobo

Resumo Liderança Organizacional


As questões de liderança adquirem centrali- A liderança organizacional é um processo dinâmico que exige permanente
dade em períodos de crise, voltando a colocar- atenção; Robbins (2004, p. 137) define-a “como a capacidade de influenciar
-se com acuidade as questões da personalida- um grupo em direcção ao alcance de objectivos”, refere ainda que, a boa
de, do comportamento e da capacidade do líder liderança “é essencial para os negócios, para o governo, e para os incontáveis
para gerir situações. grupos e organizações que modelam nossa maneira de viver, de trabalhar e
Esta pesquisa visa analisar de forma breve a de nos divertirmos” (p. 137). O que define, então, um líder? O mesmo autor
teoria dos traços, a teoria comportamental e a refere que a resposta imediata poderia ser: “os liderados” (p.137); porém, a
teoria contingencial. realidade é mais complexa, há líderes formais e informais, os que surgem
A metodologia que esteve na base desta in- por indicação formal e aqueles que se evidenciam no interior do grupo e, do
vestigação foi a análise tendo por base, maiori- ponto de vista teórico a literatura revela-se pouco consensual continuando a
tariamente, a produção nacional. debater-se a questão da liderança a partir dos seguintes referenciais teóricos:
A bibliografia revista aponta para as teorias Teoria dos traços, Teorias comportamentais, Teorias contingênciais (Robbins,
comportamentais e contingenciais com maior 2004) e, mais recentemente, Liderança emocional; Crosby (1999) classifica
potencial explicativo. os líderes em destruidores, procrastinadores, paralisadores, planeadores e re-
Este estudo tem limitações metodológicas, alizadores e Jesuíno (1999) por sua vez considera o paradigma funcionalista
a revisão da literatura não foi exaustiva e o é e o paradigma genético, contextualizando, respectivamente, os traços de per-
reduzido o número de estudos analisados. sonalidade, os estilos de liderança, os modelos contingenciais e os processos
cognitivos de grupo e influência social (Jesuino, 1999). Por sua vez Goleman,
Palavras-chave: liderança, teoria dos traços,
teoria comportamental e contingencial. Boyatzis e McKee (2003) classificam a liderança em dissonante e ressonante,
a primeira «gera grupos onde predomina a discordância emocional, onde as
pessoas se sentem permanentemente dessintonizadas» (p. 41), por sua vez
Abstract os líderes ressonantes «constroem elos emocionais que ajudam as pessoas
a permanecer centradas no que é importante, mesmo que o ambiente seja
In times of crisis leadership issues become criti- de mudança e de incerteza» (p. 40). Embora estas teorias complementem a
cal. In this sense, questions related with personali- definição de liderança, como refere Jesuíno, (2005): “Existem quase tantas
ty, behavior and leader’s capability are reappearing. definições diferentes de liderança como autores que a tentam definir», reco-
This study tends to analyze in a brief way nhecendo no entanto, que no conteúdo de todas essas definições, há suficien-
Trait, Behavioral and Contingency Theories of te sobreposição permitindo, senão uma definição universalmente aceite, uma
Leadership. caracterização mínima do conceito” (p. 8), recomendando que convém fazer
This study was based on a qualitative review uma análise atenta, às relações existentes, “entre o conceito de liderança e os
of leadership.The overall conclusion of the litera- conceitos de poder e de autoridade” (p. 8), que lhe estão subjacentes.
ture review is that Behavioral Theories and Con-
tingency Theories have strong explanatory power.
Some limitations of the study are methodological, Teoria dos Traços
the literature review wasn’t exhaustive and there
is a very small number of studies reviewed. A convicção generalizada no século passado de que para ser líder era ne-
cessário nascer com certas características, levou ao aparecimento da teoria
Keywords: leadership, Trait Theory, Behavioral Theory,
Contingency theory. dos traços que procurava identificar características consistentes associadas à
Pessoas &
Sintomas _36

liderança, tais como: «ambição e energia, desejo As investigações de Stogdil abalaram o conceito da liderança baseada na
de liderar e influenciar, honestidade e integrida- personalidade, embora em 1974 o autor tenha salientado a importância de
de, autoconfiança, inteligência e conhecimento certos traços e competências, nomeadamente: “inteligência, criatividade,
relevante da área sob sua responsabilidade» fluência verbal, auto-estima, estabilidade emocional, adaptabilidade às situ-
(Robbins, 2004, p. 138); Crosby (1999), por ações, intuição penetrante, vigilância para com as necessidades dos outros,
sua vez, classifica os líderes em destruidores, tolerância ao stresse, iniciativa e persistência no enfrentar dos problemas,
procrastinadores, paralisadores, planeadores e capacidade de persuasão, desejo de assumir responsabilidades e de ocupar
realizadores, assumindo que aos tipos de perso- uma posição de poder» (Cunha, et al., 2006, p. 341), reconhecendo, portanto,
nalidades correspondem modelos de liderança. que: “(a) um individuo com certos traços tem mais probabilidades de ser um
A este esforço de sistematização teórica não foi líder eficaz do que as pessoas que deles carecem, mas tal não lhe garante
alheia a necessidade de seleccionar líderes para automaticamente a eficácia; (b) a importância relativa dos diferentes traços
o exército (Jesuíno, 1999). Estes entendimentos depende das situações” (p. 341), conclui-se, portanto, que os traços de per-
vinham de longe, segundo Barracho e Martins sonalidade não são suficientes para explicar de forma categórica a liderança,
(2010), esta definição terá sido sustentada tal- desde logo, porque não consideram as contingências situacionais; para além
vez pela primeira vez, cem anos antes por Car- de que, mesmo que um sujeito possua as características propícias para o efei-
lyle, o qual defendia a ideia de que os líderes “já to, apenas lhe aumentará as probabilidades de vir a tornar-se um líder, embora
nasciam como tal, uma vez que o poder era um necessite de tomar as decisões certas nos momentos oportunos.
dom pessoal” (p. 32). Considerada dom era,
portanto, intrínseca ao sujeito; estes teriam ca-
racterísticas que os colocavam em posições de Teorias Comportamentais
liderança, com capacidades para exercer com
A dificuldade de demonstrar cientificamente a teoria dos traços orientou as
eficácia natural esse papel; logo, representava
investigações para o comportamento dos líderes, esperando encontrar carac-
uma motivação suplementar para aumentar a
terísticas diferenciadoras. As investigações centraram-se no comportamento
sua influência sobre os outros e sobre a situação
dos líderes formais. Considera Cunha e colaboradores (2006, p. 348), que a
(Barracho & Martins, 2010).
miríade de estudos pode ser dividida em duas categorias, os que se debruçam
Assumindo os limites desta teoria é neces-
“simplesmente sobre o que fazem os gestores; outros procuram investigar
sário identificar o que a literatura classifica de
os comportamentos que distinguem os líderes eficazes dos ineficazes”. Na
traço. Hall, Lindzey e Campbell (2000) partindo
primeira categoria destacaram-se Mintzberg (1973, 1975) e Yukl (1998), na
de Allport definem o traço, como sendo uma
segunda os estudos que mais contribuíram ou pelo menos “que devem uma
“estrutura neuropsiquica capaz de tornar mui-
parte substancial da sua génese e pujança aos programas de pesquisa quase
tos estímulos funcionalmente equivalentes e de
simultâneos, foram desenvolvidos por Ohio State University e pela University
iniciar e orientar formas equivalentes de com-
of Michigan” (Cunha et al. 2006, p.348).
portamento adaptativo e expressivo” (p. 347).
Os investigadores da Universidade de Ohio, cujo centro de interesse era
Referem ainda que segundo Allport, o sujeito
o comportamento dos líderes das mais «variadas organizações, em relação
reflecte a sua hereditariedade e o seu ambiente,
à forma de actuar, aquando do encaminhamento dos esforços dos seus su-
evocando as variáveis pessoais e situacionais
bordinados na persecução, tanto das metas organizacionais, quanto dos ob-
de forma a justificar e valorar a importância ge-
jectivos das pessoas e grupos” (Cunha et al. 2006, p.348). As conclusões de
nética, mas também o ambiente e a aprendiza-
tais estudos apontam para a identificação de duas dimensões responsáveis
gem. Com o objectivo de validar estas variáveis
pelos comportamentos dos líderes em acção: Estrutura de Iniciação, como
fizeram-se pormenorizados estudos sobre as
estabelece os objectivos, como estrutura as suas tarefas e as tarefas dos seus
figuras de grandes líderes históricos, em busca
subordinados, para que todas as metas sejam alcançadas com sucesso e
de uma matriz de características comuns, re-
Consideração, de que modo as relações entre líderes e liderados são caracte-
presentativas do perfil típico do líder natural e,
rizadas, pela confiança e respeito das suas ideias e sentimentos e em que grau
após exaustivas pesquisas, os resultados leva-
a preocupação do líder para com a satisfação e bem-estar dos subordinados
ram a conclusões contraditórias.
emerge naturalmente.Com base nestas dimensões, identificaram modelos de
Em relação ao traço inteligência, Jesuíno
liderança que resultam do grau mais ou menos elevado de uma ou de outra
(2005) confirma e reforça o mesmo entendi-
dimensão e do grau da eventual e possível combinação entre elas.
mento ao referir que, segundo um estudo de
Apesar da pertinência e da reconhecida importância destes resultados, não
Hollingworth, um dos resultados mais signifi-
foram suficientemente conclusivos para determinar qual dos quatro estilos
cativos diz que provavelmente os líderes são
de liderança descritos seria o mais adequado em qualquer situação (Jesuíno,
mais inteligentes, mas não muito mais do que
2005). Limitaram-se à sugestão de que da combinação das duas dimensões
a média do grupo conduzido; afirma ainda que
resultaria um estilo de liderança mais consensual, tendo em conta as variáveis
os estudos efectuados revelam «baixa correla-
tanto circunstanciais quanto situacionais.
ção inteligência / liderança» (Jesuino, 2005, p.
Concluíram também que, pelo menos nas grandes organizações, líderes
28), embora Jesuíno considere, citando Mann
afectos às áreas alheias à produção, são considerados mais eficazes, quando
(1959; cit in Jesuíno, 2005, p. 28) que há indi-
o seu estilo de liderança se situa num elevado grau de consideração (Jesuíno
cação da inteligência verbal ser melhor predi-
2005) e que em relação à obtenção de maior sucesso quanto aos objectivos
tora de liderança do que factores não verbais
organizacionais, no que se refere à execução das tarefas, é o estilo cujo grau
como “memória e capacidade numérica”.
de consideração é baixo e o da estrutura é alto. Para maximizar as tarefas
Pessoas &
37 _ Sintomas

e valorar ao mesmo nível os colaboradores, é motivação baseia-se essencialmente nas recompensas, participação e no en-
mais adequado o estilo de liderança em que se volvimento. A comunicação é transversal.
verifique alto grau de consideração e alto grau
de estrutura.
Os investigadores da Universidade de Mi- Teoria das Contingências
chigan, liderados por Likert, direccionaram as
Barracho e Martins (2010) identificam o modelo de Fiedler como o primei-
suas investigações para a mesma área e com
ro da abordagem contingencial. O modelo baseia-se nos factores situacionais,
os mesmos objectivos: identificar e definir os
incluindo na sua estrutura as duas funções do grupo de Bales, mas vistas e
comportamentos dos líderes organizacionais
entendidas de forma distinta. O modelo de contingência de Fiedler (1967)
em plena actividade. Após aprofundados e
analisa a liderança, não segundo a capacidade do líder mas em função da
exaustivos estudos, através de entrevistas e
relação entre o líder e os aspectos situacionais (Barracho & Martins, 2010).
inquéritos a líderes e subordinados, os resul-
Por sua vez, Cunha e colaboradores (2006, p. 243) consideram que “a lição
tados da minuciosa análise de toda a informa-
mais importante que aprendemos nos últimos quarenta anos, é porventura
ção recebida, foram muito semelhantes aos da
a de que a liderança de grupos e organizações, é uma interacção altamente
Universidade de Ohio (Jesuíno 2005). Defini-
complexa entre o indivíduo e o ambiente social e a tarefa”. A liderança, neste
ram os comportamentos dos líderes, em dois
sentido, é essencialmente transacção e as partes estão em permanentemente
grupos essências: comportamentos centrados
dinamismo e inconstância, por efeito quer do meio quer da autoridade formal,
na tarefa e comportamentos centrados nas re-
da organização, das tarefas e das relações líder/seguidores (Barracho & Mar-
lações pessoais. Os primeiros, referem-se a
tins, 2010).
líderes autocráticos, cujo centro de interesse
são os objectivos da organização, isto é: maior Figura 1 - Modelo contingencial de Fiedler
e melhor produção. Os colaboradores não fa-
zem parte das preocupações do líder, que é di-
recto e socialmente distante; os segundos são
próprios de líderes orientados para as pessoas.
Defendem que a organização deve preocupar-
-se com o bom ambiente de trabalho, que as
pessoas se devem sentir satisfeitas e confor-
táveis.
Likert (1961,1967, cit in Cunha et al. 2006,
p.348), na qualidade de líder deste grupo, teve
uma abordagem emblemática; continuou a
aprofundar conceitos e abordagens relativos
ao comportamento dos líderes e aos tipos
de liderança. Na sequência dos seus estudos
propôs quatro tipos de liderança: Autocrático
/ Explorador: o líder decide a tarefa, quem,
como e quando deve ser executada; Autocrá-
tico / Benevolente: o líder toma as decisões,
mas consulta os colaboradores, dando-lhes
alguma liberdade e flexibilidade no desempe-
nho das tarefas; Consultivo: o líder consulta os
colaboradores antes de estabelecer as tarefas e
tomar as decisões; Democrático / Participativo:
existe um envolvimento total dos empregados Jesuíno (1992) refere que Fiedler tem um entendimento diferente e diferen-
na definição das tarefas e na preparação das ciado da maior parte dos investigadores. Enquanto estes consideram que o
decisões. líder deve adaptar o seu estilo aos dados do contexto, Fiedler considera que o
Segundo Cunha e colaboradores (2006), líder eficaz é aquele que pode alterar os dados situacionais, adaptando-os ao
nestes quatro tipos de liderança encontram-se seu próprio estilo de liderança.
comportamentos que vão de um extremo ao
outro. Num, situa-se um estilo alimentado pela
desconfiança nas relações, superior-subordi- Conclusão
nado, em que tudo é decidido pelo topo da hie- Esta investigação visava responder ao seguinte problema, a liderança é
rarquia, não pode haver motivação significativa uma questão de personalidade, de comportamento ou de gestão da situação?
por imperar o medo causado pelas ameaças. Neste sentido, foram revistas a teoria dos traços, a teoria comportamental e a
A comunicação é vertical e descendente. No teoria contingencial; a produção científica examinada identifica, como facto-
outro passa-se exactamente o oposto, o siste- res determinantes, o comportamento e a gestão da situação. No que concerne
ma caracteriza-se pela total confiança superior aos comportamentos são determinantes por parte do líder, a capacidade de
– subordinados, descentralização decisória. A estabelece objectivos, de estruturar as tarefas, de definir as metas a alcançar,
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Sintomas _38

a capacidade de relação, a confiança, o respeito objectivos do grupo e a capacidade para gerir situações desfavoráveis inver-
pelas ideias alheias, a preocupação com a sa- tendo-lhe o sentido. Os autores revistos, com especial relevo para a produ-
tisfação e bem-estar dos colaboradores; neste ção de Correia Jesuíno, apresentam também uma visão histórica da evolução
sentido, a liderança consiste na focalização do pensamento científico sobre a liderança e, através desta visão diacrónica,
nas tarefas e nas relações interpessoais. Nas verifica-se que as teorias da liderança acompanham a evolução histórica da
últimas décadas atribui-se maior influência ao psicologia; contudo, trata-se de uma revisão circunstanciada e limitada pelo
meio, considerando que a liderança é essen- que não contempla os novos paradigmas da psicologia, com especial relevo
cialmente processo de negociação e, o con- para o cognitivismo, a psicologia positiva e as neurociências.
teúdo do acto negocial é o desempenho e os

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Pessoas &
39 _ Sintomas

Sociogénese versus Socialização:


Uma Reflexão
(Sociogenesis versus Socialization: A Reflexion)
Maria da Conceição Rodrigues Ferreira

Resumo Abstract
Neste trabalho, apresentamos uma reflexão In this paper, we present a reflection on the concepts of sociogenesis and
sobre os conceitos de sociogénese e de sociali- socialization in human development. The concept of sociogenesis, brings us to
zação no desenvolvimento humano. O conceito the work of Vygotsky, a Russian professor and researcher, whose Marxist theory
de sociogénese remete-nos para o trabalho de of human intellectual development, still has repercussions in the study of cog-
Vygotsky, professor e investigador Russo, cuja nitive processes’ development and learning, in general and of human language
teoria marxista do desenvolvimento intelectual and communication, in particular. In one of his main works, Mind in society: The
humano, ainda hoje tem repercussões no estu- development of higher psychological processes, Lev Vygotsky raises the thesis
do do desenvolvimento e da aprendizagem dos that man is the product of their culture and that human thought is the result of
processos cognitivos, em geral, e da linguagem e a long historical process. On the other hand, refers that through education, men
comunicação humanas, em particular. Numa das transform theirselves and interiorize their own culture, where language has a fun-
principais obras de Vygotsky, Mind in society: The damental role in an overall human development.
development of higher psychological processes, The concept of socialization is central to the work of Bronfenbrenner, an Ame-
o autor defende a tese de que o homem é produ- rican professor and researcher, who has offered us a new interpretation on hu-
to da sua cultura e que o pensamento humano é man development by integrating, in his theory, the concept of development in
o resultado de um longo processo histórico. Por context. For this author, human beings are part of a system, which in turn is
outro lado, salienta que através da educação, o composed of several subsystems that influence how the individual interacts with
homem transforma-se e apropria-se da sua cul- society. The innovation of this paradigm lies in the way the concept of develop-
tura, tendo a linguagem um papel primordial no ment is formulated, leaving the emphasis on traditional psychological processes
desenvolvimento global humano. to be focused in its content, that is, development is defined through the inte-
O conceito de socialização é fundamental na raction that the subject establishes with the various ecological subsystems and
obra de Bronfenbrenner, professor e investigador the way that keeps, or not, their essential characteristics. Thus, for both authors,
Americano, que nos oferece uma interpretação social interaction is a key factor in human development, since through the re-
nova sobre o desenvolvimento humano, ao inte- sulting dialectic interaction, a human being is affected and affects relationships.
grar na sua teoria o conceito de desenvolvimento Keywords: Sociogenesis, Socialization, Social Interaction, Ecological Transition.
em contexto. Para este autor, o ser humano faz
parte de um sistema, que por sua vez é composto
por vários subsistemas que influenciam a forma
como o indivíduo interage com o social. A inova-
Sociogénese versus Socialização:
ção deste paradigma reside então na forma como Uma Reflexão
o conceito de desenvolvimento é formulado, dei-
xando a ênfase de estar nos processos psicoló- No que se refere à reflexão sobre a temática Sociogénese versus Socialização,
gicos, como interpretados tradicionalmente, para inicio, o seu desenvolvimento, a partir dos seguintes pressupostos:
se focalizar no seu conteúdo, ou seja, o desen- O conceito de sociogénese está ligado ao trabalho de Lev Vygotsky (1978) quando
volvimento é definido através da interacção que este se refere à origem social dos processos psicológicos do ser humano.
a sujeito estabelece com os vários subsistemas O conceito de socialização está ligado ao trabalho de Urie Bronfenbrenner
ecológicos e a forma como mantém, ou não, as (1979) quando este defende que a percepção que o sujeito tem dos outros e da
características essenciais dos mesmos. Assim, interacção que se gera entre eles, influencia o desenvolvimento, em contexto, do
para ambos os autores, a interacção social é um ser humano.
factor fulcral no desenvolvimento humano, uma Deste modo, e de acordo com o modelo sociocultural de Lev Vygotsky, o de-
vez que através da dialéctica resultante, o ser senvolvimento humano implica, no seu decurso, aspectos cognitivos, afectivos e
humano é afectado e afecta as relações que se motivacionais, atribuindo-se ao psicólogo a difícil tarefa de reconstituir a origem e
estabelecem, entre ele e os outros. o decurso do comportamento humano, desde a sua concepção até à morte.
Já, de acordo com a perspectiva ecológica, apresentada por Urie Bronfenbren-
Palavras-Chave: Sociogénese; Socialização; Interacção Social;
Transição Ecológica. ner, o desenvolvimento do ser humano ocorre como resultado de interacções
recíprocas entre as características do sujeito e as propriedades dos diversos con-
textos, tendo como resultado a transformação do humano.
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Sintomas _40

Assim, podemos verificar que Vygotsky (1978) Os processos que se desenvolvem de forma interpessoal são transformados
fundamenta a sua análise, teórica e experimental, em processos intra-pessoais.
em três temas que podem ser expressos pelas A transformação de um processo interpessoal num processo intra-pessoal é
seguintes indagações: o resultado de uma longa série de eventos que decorrem durante todo o processo
Qual a relação entre o ser humano e o ambien- de desenvolvimento do sujeito.
te, do ponto de vista físico e social? ou, dito por Assim, e em síntese, podemos dizer que, para Vygotsky (idem, ibidem), a
outras palavras, como é que as relações interpes- transformação do processo interpessoal em intra-pessoal resulta da modificação
soais se repercutem no desenvolvimento do ser de uma actividade externa até à sua forma “definitivamente” interiorizada que, por
humano? se encontrar em relação com o domínio cultural, poderá sofrer transformações
Qual a influência dos instrumentos de natureza qualitativas no sentido de contribuir para uma melhor adaptação do indivíduo a
cultural no desenvolvimento global do ser huma- um ambiente controlado, muitas vezes, por forças em constante mutação, em que
no? o sujeito passa, progressiva, de uma situação em que se encontra submetido ao
Como é que através da análise desenvolvimen- controlo do ambiente social para uma outra etapa em que, através de realizações
tista do comportamento humano se compreende conscientes e voluntárias, estabelece a auto-regulação dos processos psicológi-
o papel interactivo dos diversos aspectos socio- cos de ordem superior (Vygotsky, 1978).
culturais na organização do funcionamento inter- Por outro lado, e dando continuidade á temática sociogénese versus sociali-
-psicológico? zação, verificamos que, no se refere à perspectiva ecológica de Bronfenbrenner
Na decorrência desses questionamentos, (1993) sobre o processo de desenvolvimento humano, o autor interpreta-o como
Vygotsky (idem, ibidem) elabora o seu quadro o estudo científico da acomodação progressiva e mútua entre o sujeito e as pro-
teórico e desenvolve vários princípios que cons- priedades dos cenários imediatos e contextos mais alargados, em que os primei-
tituem, em parte, a originalidade do pensamento ros se encontram envolvidos. Deste modo, propõe que:
do autor. As características do sujeito e do meio ambiente, assim como a estruturação
O desenvolvimento do humano assenta, es- dos vários cenários ambientais e os processos que ocorrem dentro, e entre eles,
sencialmente, na interacção dialéctica que se são interdependentes e devem ser analisados em termos de sistemas.
estabelece entre cada sujeito e o contexto social a O estatuto desenvolvimentista do sujeito reflecte-se na variedade e complexi-
que pertence, especialmente, durante a realização dade estrutural das actividades que inicia e mantém na ausência de orientação por
de qualquer actividade significativa. parte dos outros.
A internalização dos processos simbólicos en- Em decorrência, o mesmo autor (2002) estabelece que o objectivo da expe-
globa certos aspectos da estrutura da actividade, riência ecológica é a descoberta ou a identificação das propriedades dos vários
que se desenvolver num plano externo e passa a cenários e dos processos que afectam e são afectados pelo comportamento e pelo
ser executados num plano interno. desenvolvimento do indivíduo. Reconhece, ainda, que a mudança do indivíduo,
Os instrumentos psicológicos do sujeito, são ocorre em função de diferentes níveis de variáveis e sobretudo em função das
internamente orientados através da auto-regula- diferenças existentes entre os vários sistemas, tendo levantado várias hipóteses,
ção, sendo as capacidades do indivíduo transfor- entre elas as seguintes:
madas em funções mentais complexas. O desenvolvimento da pessoa é função da variedade e complexidade estrutural
Verificamos, então, que Vygotsky (1978) das actividades realizadas por outros e que se tornam parte do campo psicológico
aponta como factores determinantes para o de- do sujeito, quando este é envolvido na resolução conjunta da problemática ou
senvolvimento humano, o contacto físico, emo- quando a sua atenção é atraída para aspectos específicos, dessas actividades.
cional e social, que se estabelece entre diferentes Quando duas pessoas prestam atenção às actividades uma da outra (díades
indivíduos de uma determinada cultura, pelo que, observacionais), a probabilidade de cooperação aumenta (díades de actividade
não só o indivíduo é influenciado e, consequente- conjunta).
mente, transformado pelo meio sociocultural de Quando duas pessoas participam de uma actividade conjunta, é provável que
que faz intrinsecamente parte, como também, e desenvolvam sentimentos mais diferenciados e duradouros, em relação uma à
por reciprocidade dialéctica, o influencia e trans- outra.
forma. O impacto desenvolvimentista de uma díade aumenta em função do nível de
Deste modo, o indivíduo ao colaborar no de- reciprocidade que se manifesta no sentido do equilíbrio, em favor da pessoa em
senvolvimento do processo social, não só adqui- desenvolvimento.
re uma compreensão global do seu significado O impacto desenvolvimentista de uma díade observacional tende a ser maior
- aspecto inter-psicológico do desenvolvimento quando ela ocorre no contexto de uma díade de actividade conjunta.
- como, pelo facto de disponibilizar as suas capa- O impacto desenvolvimentista da aprendizagem observacional aumenta se
cidades na resolução de problemas significativos, ocorrer num contexto de mutualidade de sentimentos positivos.
transforma-se e reorganiza-se do ponto de vista Os padrões de actividade progressivamente mais complexos favorecem a
das suas funções psicológicas - aspecto intra- aprendizagem e o desenvolvimento dos sujeitos em interacção, num clima de
-psicológico do desenvolvimento. apego emocional sólido e duradouro.
Além disso, e ainda no que se refere ao estudo De facto, Bronfenbrenner & Morris (1998) afirmam que na pesquisa ecológica
sobre a explicação de como é que o conhecimen- é desejável analisar a relação entre o indivíduo e o meio que o envolve, o que
to externo se transforma em desenvolvimento requer o estabelecimento de um conjunto de proposições relacionadas com os
intra-psicológico, Vygotsky atribui, ao processo vários sistemas nos quais o indivíduo está integrado, desde o mais próximo (mi-
de internalização, a ocorrência de três etapas de crossistema) aos mais alargados (macro e cronossistema), o que permitirá, de
transformação. acordo com o autor, a formulação de preposições e hipóteses mais consistentes.
As actividades que se desenvolvem externa- Assim, Bronfenbrenner (1979), enuncia três preposições que fundamentam o
mente ao indivíduo são reconstruídas num plano estudo sistemático da interacção organismo/meio, a saber:
interno. Se um membro de uma díade sofre uma mudança desenvolvimentista é prová-
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vel que o outro também se transforme. jacentes a uma dada cultura ou subcultura, num determinado período histórico.
Uma análise do desenvolvimento deve levar Além disso, o mesmo autor (idem, ibidem) postula que a coerência de tem-
em conta o sistema interpessoal total que opera peramento e o carácter do indivíduo não se expressa, ao longo do tempo e dos
num dado ambiente. Este sistema incluirá todos diversos contextos, através da permanência dos padrões de desenvolvimento mas
os participantes presentes (incluindo o investiga- sim, através da consistência, ao longo do tempo, da forma como o indivíduo
dor) e envolverá relações de reciprocidade entre transforma o seu comportamento em função dos diversos contextos, próximos
eles. ou remotos, dos quais faz parte.
Num ambiente em que operam mais que uma Por outro lado, Bronfenbrenner (1993) salienta ainda que as características do
pessoa, o modelo analítico deverá ter em conta a sujeito que com maior probabilidade moldam o seu desenvolvimento constituem
influência indirecta de terceiras pessoas no que aspectos do comportamento ou das crenças que reflectem uma orientação activa,
se refere à interacção entre os membros da díade selectiva e estruturante em relação ao ambiente e/ou que tendem a provocar reac-
– efeito de segunda ordem. ções no mesmo, sendo que o efeito de tais características no percurso do desen-
Deste modo, e de acordo com o autor acima volvimento do sujeito depende, de modo significativo, dos padrões de respostas
referido (idem, ibidem), os padrões de actividade advindas do ambiente, no qual o sujeito se insere.
progressivamente mais complexos favorecem a Ainda, o mesmo autor (idem, ibidem) refere que qualquer qualidade humana
aprendizagem e o desenvolvimento dos sujeitos está intrinsecamente incluída, e encontra o seu significado e expressão especí-
em interacção, sendo que a capacidade de uma ficos, em contextos particulares, que resultam do ambiente geral que rodeia o
díade de funcionar como um contexto de desen- indivíduo. Consequentemente, postula que existe sempre uma inter-relação entre
volvimento depende da existência e da natureza as características psicológicas do sujeito e o ambiente ao qual pertence.
de outros relacionamentos que apoiam as activi- Deste modo, e em jeito de conclusão, propomos que tanto Vygotsky quan-
dades que ocorrem na díade original. to Bronfenbrenner defendem que através da construção de sínteses, o sujeito
Consequentemente, Bronfenbrenner (1992), restabelece, constantemente, o processo de construção activa subjacente ao seu
postula que a competência cognitiva de um indi- desenvolvimento global.
víduo ou de um dado grupo deve ser interpretada Assim, para Vygotsky, o princípio explicativo das relações entre as funções
à luz da cultura ou subcultura ao qual pertence mentais mais simples e as mais complexas, reside na interacção dialéctica entre
e, em decorrência, postula que a compreensão o sujeito e o meio sociocultural que lhe corresponde, hipótese similar à de Bron-
científica do processo de desenvolvimento deverá fenbrenner que postula que o desenvolvimento humano implica num processo de
incorporar não só aspectos contextuais como não acomodação progressiva de um organismo em mudança, a contextos igualmente
contextuais, uma vez que a inter-relação bidirec- em mudança.
cional dos dados referentes a uma cultura par- Por último, salientamos que ambos os autores defendem a análise e a inter-
ticular e às subculturas existentes, aumentará a pretação da origem e do desenvolvimento de formas complexas do pensamento
sua compreensão. humano, ao postularem que o organismo humano não depende directamente dos
Por outro lado, o mesmo autor (idem, ibidem), estímulos externos e da relatividade ambiental. Consequentemente, levantaram
refere que as diferenças no desempenho cogni- várias hipóteses que ainda hoje nos apresentam, na sua globalidade, desafios
tivo entre grupos pertencentes a diferentes cul- consonantes com a análise dos processos mentais superiores, através do estudo
turas, ou subculturas, são função da experiência das interacções que se estabelecem entre os aspectos biológicos, sociais, cultu-
que os indivíduos adquirem em interacção com rais e históricos, tanto do sujeito em particular, quanto dos que o rodeiam.
os diversos tipos de processos cognitivos sub-

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Development in context: acting and thinking in
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43 _ Sintomas

Reflexões sobre o tempo


Thoughts about time
José Costa Dantas

Resumo Como me recordo daquelas noites em que as estrelas me serviam de


pontos de marcação para mil figuras por mim inventadas e reinventadas nas
A sociedade do conhecimento obriga todo e constelações dos meus sonhos. E eram renas e barcarolas, cavalos e cava-
qualquer profissional a redefinir-se na sua ma- leiros, lanças e soldados, enfim, todo um encanto de possibilidades que me
neira de estar no mundo, e concretamente no deixavam acordado, deitado de costas, nos fardos de palha acabada de colher
mundo do trabalho; este processo, complexo pelas mãos grossas e fortes de meu pai!
e nem sempre livre de sofrimentos diversos, E assim eu ficava, maravilhado, no recôndito de mim, puxando pela não
passa, a nosso ver, por uma reformulação dos memória do tempo, nem de mim, e interrogava-me como lá tinham chegado,
conceitos de tempo e, simultaneamente, pela quem as lá tinha colocado, como teriam sido acesas essas fogueiras que ar-
única forma de combater a corrosão profissio- diam num eternamente que esperava por mim até ao dia seguinte. E nesse dia
nal: a gestão das competências. que era outro, eu lá estava e as tais estrelas estavam mesmo por cima de mim,
Desta forma se conseguirá, e não parece no mesmo sítio em que as tinha deixado lá no fardo de palha de meu pai. E no
haver outra, a luta sempre titânica entre o pas- outro que se seguia, e os dias seguem-se sempre uns aos outros, nunca com
sado que aprisiona e o futuro que amedronta: o intervalos entre eles, nem adesivos de prega e desprega, nunca gémeos mas
tempo é de cada um e a cada um cabe geri-lo. sempre filhos doutra madrugada.
Se assim não for, o tempo que não pertença a E eu pensava isso. E pensava, também, noutros aquilo que vinham sempre
cada um fará dele uma vítima daquela que será dar ao mesmo sítio preferido: o fardo de palha colhido pelas mãos grossas e
uma força motriz da modernidade: o prazer de fortes de meu pai. E porquê?
aprender a desaprender. Era ali que eu construía as minhas certezas que duravam até ao dia seguin-
Implicações: novas formas (filosofia) de te sobre o tempo que nunca me faltava: abundava e renascia, fertilizava-se
olhar os recursos humanos nas organizações. num eterno devir, sempre filho doutra madrugada que era parida pelo dia e
pela noite (este acasalamento parecia-me fantástico e dava frutos e legumes,
Palavras-chave: tempo, paradigma, gestão, aprender,
desaprender, competências.
pássaros e tantas coisas mais).
Mas um dia adormeci na metáfora do fardo de palha e acordei com a re-
alidade brutal do sol a queimar-me os olhos da realidade. E vi que o tempo
Abstract não era assim (ou talvez fosse) e que as estrelas não ficavam à minha espe-
ra e que havia madrugadas que não eram de nascimento mas, isso sim, de
The knowledge society forces all profes- fim de ciclos, de necrotério nunca antes pensado, de paragem definitiva, de
sionals to redefine themselves and their way tempo sem tempo. É verdade: só precisa de tempo quem tem a certeza que
of being in the world, and particularly their um dia não lhe faltará mais tempo: nessa ocasião a opacidade colocou-se-lhe
working world and life; from our point of view, nos lábios aferroando-o num eterno que leva (levará?) às estrelas. E, então,
this process, complex and not always safe of percebi-me na dialética do futuro com ponteiros e relógios, com acelerações
various sufferings, consists of a reformulation e mares de palha donde nunca mais saía, de arames farpados que aumentam
of the concepts of time and, simultaneously, of a aspereza da espera.
the only way to fight professional corrosion:
competencies management. A natureza do tempo tem sido um dos maiores problemas filosóficos desde a anti-
guidade. Concebemos bem o tempo quando o concebemos como um fluxo? Se é esse
This will result, and there seems to be no o caso, o tempo flui do futuro para o passado, mantendo-nos como barcos atolados
other way around it, on the always titanic stru- no meio de um rio? Ou flui do passado para o futuro, transportando-nos com ele? E
ggle between the imprisoning past and the fri- pode fluir mais depressa ou mais devagar? Estas questões parecem suficientemente
ghtening future: time belongs to us and it is up difíceis (ou absurdas) para nos encorajar a rejeitar a metáfora do tempo. Mas, se não
concebermos o tempo como um fluxo, como poderemos conceber a sua passagem? O
to us to manage it. que distingue o presente do passado e do futuro, se é que há alguma distinção objecti-
If that’s not the case, the time that doesn’t va? O que dá ao tempo a sua direcção – o que explica a assimetria entre o passado e o
belong to one’s own will make him a victim of futuro? Faz algum sentido falar de uma existência intemporal, ou só faz sentido falar da
what will be modernity’s driving force: the plea- existência no tempo? É o tempo infinitamente divisível, ou será que pode ter uma textura
granular, existindo assim o mais pequeno pedaço ou fracção do tempo? Muitos destes
sure of learning and unlearning. problemas foram colocados pela primeira vez na Física de Aristóteles sob a forma de
Implications: new ways (philosophy) of paradoxos ou problemas sobre a própria existência do tempo. Um dos problemas é que
looking at the human resources within the o tempo não pode existir já que nenhuma das suas partes existe (o instante presente,
company. por não ter duração, não pode contar como uma parte do tempo). Um outro problema
surge ao perguntarmos quando deixa o instante presente de existir porque qualquer res-
Keywords: time, paradigm, management, learning, unlearning, posta envolve uma contradição: não deixa de existir no presente, porque enquanto existe
competencies.
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Sintomas _44

não deixa de existir; não deixa de existir no mo- O tempo habita fora do relógio.
mento seguinte, porque na continuidade temporal
não existe o momento seguinte (do mesmo modo Mais precisamente, não há muito mais tempo dentro de um relógio do que fora
que não há uma fracção seguinte a uma qualquer dele, pela simples razão de que ele não existe em lado nenhum de maneira directa: este
função dada); não deixa de existir num momento tempo que fabrica a sucessão dos instantes nunca o vimos, nem nunca o cheiramos,
posterior porque aí já deixou de existir. No entan- o escutamos ou tocámos. Na verdade, não percebemos senão os seus efeitos, as suas
to, não podemos conceber o instante presente obras, os seus adornos, as suas metamorfoses, que podem enganar-nos a respeito da
como algo que existe continuamente, porque, sua natureza (Klein, 2007, 15).
nesse caso, aquilo que aconteceu há 10000 anos
seria simultâneo com o que acontece hoje (Black- Tempo físico e tempo psicológico, solução e ou pretensão de saída airosa
burn, 2007, 423).
para uma questão nunca respondida plenamente? Tempo de espera e ou de
Quando pensamos em tempo, um objeto partida? Tempo da trabalho feito foice e martelo e ou tela e cinzel? Tempo
aparece-nos, logo, no pensamento. No pulso feito noite não dormida ou cesta apressada? Tempo de parto ou de alegoria
colocado ou na algibeira; na cozinha ou noutro da vida?
lado; na hora da merenda ou no último olhar Tempo físico e tempo psicológico distinguir-se-iam igualmente pelas suas maneiras
antes de adormecer. Esse objeto (que eu amo correspondentes de apresentar o presente. O presente do tempo físico tem uma dura-
ou detesto) é o relógio. Será o relógio o reflexo ção nula. Concentra-se num ponto, precisamente o instante presente, que separa dois
do tempo? É o relógio o tempo em si mesmo? infinitos um do outro: o infinito do passado e o infinito do futuro. O tempo psicológico,
por sua vez, mistura dentro do próprio presente um pouco do passado recente e um
O pensamento mais comum e redutor é res- pouco do futuro próximo. Cria, portanto, uma certa duração ao verificar o que o tempo
ponder sim às questões acima apresentadas. O físico não pára de separar, retendo provisoriamente o que transporta, incluindo o que
relógio, no conhecimento denominado de po- ele exclui (Klein, 2007, 133).
pular, é o tempo, controla e dita o mesmo. Aos
bocaditos; aos pedacitos, maiores ou menores, Mas eu lembro-me de tempos que se cruzaram (abalroaram) em contem-
feitos retalho de horas, minutos e segundos; plações de linearidade, nem antes e depois, de círculos ou elipses. E que não
e Descartes está sempre lá; sempre divisão; cabem em explicações ou abraços do meramente físico ou psicológico! E
sempre certeza para as ambiguidades da vida; Freud bate-me à porta ou ao postigo e relembra-me essa certeza.
sempre ponto final para as interrogações do E aí aparece o tempo no inconsciente: não pode ser visto nem interpretado
que fazer no hoje ou no amanhã. E arquivar o pelas linhas retas do saber.
ontem. Eternamente. O inconsciente contenta-se em guardar, embora fora de qualquer relação temporal
É esta a verdadeira realidade? linear, vestígios dos depósitos do passado que são retidos apenas em função da sua
intensidade e que podem sempre contaminar-se uns aos outros, a ponto, às vezes, de
Um relógio dá as horas, estamos de acordo, baralhar a ordem da sua sucessão: às vezes é apenas fora de tempo que um aconte-
passa mesmo as suas horas a não fazer senão cimento passado se transforma realmente num acontecimento. Um efeito de desfasa-
isso, mas não mostra nada daquilo que é o tem- mento temporal interpõe-se entre a data de um facto passado e a sua assimilação pelo
po para além deste processo de actualização. sujeito (Klein, 2007, 142).
Pelo contrário, dissimula o tempo por detrás da
máscara convincente de uma mobilidade perfei- Esta questão do tempo no inconsciente é intrigante, não é? O inconscien-
tamente regular. Revestindo-o de movimento,
desloca-o: o tempo torna-se uma metamorfose te não se importa com o esquartejamento do tempo… mas guarda e retém
do espaço, um duplicado da extensão. Mas o mo- pedaços do tempo, podendo estes posteriormente aparecerem sem qualquer
vimento confunde-se com o tempo? É antes uma relação com uma linha temporal lógica, isto é, uma linha que vai do passado
camuflagem do tempo ou um substituto, de resto para o futuro. Torna-se confuso percebermos as ideias de Freud pois o que
fácil de identificar. Quando um relógio avaria, os
seus ponteiros imobilizam-se sem que isso im- realmente se constata é que mesmo no inconsciente o tempo está presente,
peça o tempo de continuar a fluir. A paragem do simplesmente não está da mesma forma como acontece no já mencionado
movimento não equivale à paragem do tempo: um tempo físico (Klein, 2007).
objecto imóvel é tão temporal como um objecto Mas, afinal, qual a medida do tempo?
em movimento (Klein, 2007, 14).
Agostinho, que foi de Hipona, tentou encontrar a solução. Mas qual a me-
O relógio não é o tempo, não reflete o tem- dida do tempo? Agostinho frisa que o tempo só pode ser medido na mente
po, simplesmente mostra horas sem pudor. E de cada um.
se sentimentos expressasse, de certeza que É em ti, meu espírito, que eu meço o tempo. Não me perturbes, ou melhor, não te
sorria de soslaio por pensar que nos envelhe- perturbes com o tumulto de tuas impressões. É em ti, repito, que meço os tempos.
ce a todos. Pelo menos assim o pensamos. Ou Meço, enquanto está presente, a impressão que as coisas gravam em ti no momento
há quem pense. Eu nego-me a pensar o tempo em que passam, e que permanece mesmo depois de passadas, e não as coisas que
passaram para que a impressão se reproduzisse. É essa impressão que meço, quando
em circunferências ou quadrados, em retân- meço os tempos (Agostinho, 1984, 353-354).
gulos ou ovais; mas sempre aprisionamento;
sempre circuito fechado; só que o tempo, em O tempo é de cada um, o tempo é a perceção que cada um tem do que lhe
si, é muito mais que isto, é imensamente mais vai acontecendo, do que aconteceu e do que espera que venha a acontecer. E
complexo. E é interessante. Pelo menos dá-me aí, cada qual, na sua existência, afirma-se detentor de uma quase-eternidade.
o que me torna humano, a certeza de que os Percebe-se e projeta-se no seu tempo.
ponteiros da minha vida onde dia pararão. E
aqui a humanidade de cada um relembra-se no Agora está claro e evidente para mim que o futuro e o passado não existem, e que
não é exato falar de três tempos – passado, presente e futuro. Seria talvez mais justo
badalar dos sinos da igreja que também anun- dizer que os tempos são três, isto é, o presente dos fatos passados, o presente dos
ciam as horas. fatos presentes, o presente dos fatos futuros. E estes três tempos estão na mente e não
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os vejo em outro lugar. O presente do passado é como tal: é originariamente passado deste presente. E é assim que deve ser elucidado
a memória. O presente do presente é a visão. O previamente (Sartre, 2003, 162).
presente do futuro é a espera. Se me é permitido
falar assim, direi que vejo e admito três tempos, e Não temos passado, mas o que fomos no passado faz o que somos hoje.
três tempos existem (Agostinho, 1984,344-345).
Torna-se, dessa forma, essencial reter que o passado influencia diretamente o
eu atual e por esse facto tem, sempre, que ser tido em consideração. O pas-
E esta pertença do tempo pode, também, ser
sado tem que ser presente no nosso pensamento (Sartre, 2003). O presente
colocada em patamares mais imediatos e exis-
não deve esconder ou anular o passado. Este rima do que foi e do que será,
tenciais. Sarte, com o sue olhar diz que
encanto e desencanto, momento e continuidade.
A temporalidade é evidentemente uma estru-
tura organizada, e esses três pretensos elementos Meu presente consiste em ser presente. Presente a quê? A esta mesa, a este quar-
do tempo, passado, presente, futuro, não devem to, a Paris, ao mundo; em suma, ao ser-Em-si. Mas, inversamente, o ser-Em-si estará
ser encarados como uma coleção de dados (data) presente a mim e ao ser-Em-si que ele não é? Se assim fosse, o presente seria uma
cuja soma deve ser efetuada – como, por exem- relação recíproca de presenças. Mas é fácil ver que não é assim. A presença a... é uma
plo, uma série infinita de agoras na qual uns ainda relação interna do ser que está presente com os seres aos quais está presente. Em caso
não são, outros não são mais – e sim como mo- algum pode tratar-se de simples relação externa de contiguidade. Presença a... significa
mentos estruturados de uma síntese original. Se- existência fora de si junto a... Aquilo que pode ser presente a... deve ser de tal modo em
não, vamos deparar antes de tudo com esse para- seu ser que possa haver neste uma relação de ser com os demais seres. Só posso estar
doxo: o passado não é mais, o futuro não é ainda; presente a esta cadeira se estiver unido a ela em uma relação ontológica de síntese, se
quanto ao presente instantâneo, todos sabem que estiver lá, no ser desta cadeira, como não sendo esta cadeira (Sartre, 2003, 174).
não existe: é o limite de uma divisão infinita, como
o ponto sem dimensão. Assim, toda a série se E o que é o futuro neste contexto? É algo que será e será para cada um.
aniquila, e duplamente, já que o agora futuro, por
Para mim, para o outro e que se cruza nessa dialética. Pode-se negá-lo? Não
exemplo, é um nada enquanto futuro e se realiza-
rá em nada quando passar esse estado de agora e por uma razão simples: ele acontece, dá-se.
presente. O único método possível para estudar a O que podemos igualmente afirmar é que, à semelhança do que acontece
temporalidade é abordá-la como uma totalidade com o passado, onde afirmamos que o que nele fomos condiciona o presente
que domina suas estruturas secundárias e lhes
que somos, o nosso presente também irá ter direta influência no futuro que
confere significação (Sartre, 2003, 158).
ainda não somos mas seremos. É inquestionável que o que fazemos no agora
Será desta realidade (ou quase-realidade) terá repercussões no depois, isto é, no que viremos a ser. O futuro continua a
que nasce a tal náusea que parece lamber a ser uma incógnita e muito do que esperamos vir a ser poderá não se verificar,
modernidade? É aí que se encontram a portas mas é certo que o que somos de alguma forma marca o que seremos, mesmo
fechadas? Os muros? tendo em conta todas as possibilidades e considerando o que é imprevisível
O homem não poderia (ou não deveria) viver (Sartre, 2003).
isolado num estado presente. Em termos de trabalho há que saber ganhar uma intemporalidade que vai
para além da aquisição do imediato e do exclusivo.
Em uma palavra, se começamos fazendo do Quem quiser estar à frente do tempo, no seu tempo, tem que, obrigatória
homem um insular encerrado na ilha instantânea
e necessariamente, ter o prazer de buscar constantemente o conhecimento,
de seu presente, e se todos os seus modos de
ser, assim que aparecem, estão destinados por gerir as oportunidades e, até, gerar esse mesmo conhecimento.
essência a um perpétuo presente, suprimiu-se Como poderá acontecer isso? Através da aprendizagem contínua, do pra-
radicalmente todos os meios de compreender zer de aprender e desaprender.
sua relação originária com o passado. Assim
O caminho é exatamente esse: uma vontade indómita de aprender con-
como os geneticistas não lograram constituir a
extensão com elementos inextensos, tampouco tinuamente. Dessa forma estaremos, quase sempre, atualizados e aptos a
lograremos constituir a dimensão passado com percecionar o porvir de forma mais eficaz e eficiente. É o único caminho para
elementos tomados exclusivamente do presente sermos os senhores do nosso tempo.
(Sartre, 2003, 160).
Não obstante a todas as conceções de tempo que apresentámos e que
nos permitem compreender melhor tão vasto conceito, a interiorização de
O passado existe?
que depende basicamente de nós dominarmos o nosso tempo, deve ser algo
O passado não é nada, também não é presen- sempre presente na nossa mente. Tal não acontecendo, serão apenas sobre-
te, mas sua própria fonte acha-se vinculada a cer- viventes todos os que não ousarem ser antes do acontecer. Para esses, o
to presente e certo futuro. (...) Meu passado não
mundo correrá rápido demais e os engolirá sem clemência. E com sorte terão
aparece jamais no isolamento de sua preteridade;
seria até absurdo considerar que pudesse existir uns segundos para amaldiçoar as oportunidades perdidas.

Bibliografia
»» Agostinho, S. (1984). Confissões. São Paulo, »» Klein, É. (2007). O tempo, de Galileu a Einstein. Casal de Cambra, Caleidoscópio.
Paulus. »» Prigogine, I. (1988). O nascimento do tempo. Lisboa, Edições 70.
»» Blackburn, S. (2007). Dicionário de Filosofia. Lis- »» Sarte, J-P. (2003). O Ser e o Nada. Petrópolis, Editora Vozes.
boa, Gradiva.
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Sintomas _46

Trabalho, igualdade e inclusividade


na pós-modernidade
Work, equality and inclusivity in postmodernity
eduardo duque
António Almeida Calheiros

RESUMO structured as a fragmented culture and that are subjected to the deconstruc-
tion and to the metanarratives. This research explains the “inevitability” of the
Com o presente artigo pretende-se reflectir past, emphasizing options and routes chosen, and denounces the practices of
sobre a relação existente entre o trabalho, a the present, taking as a reference the horizons of citizenship and commitment
utopia da igualdade e a inclusividade. Esta re- to the knowledge society as the panacea for inclusiveness. It is a discourse
flexão, porém, terá de ser enquadrada no con- divorced from reality and that is far from putting the individual at the center
texto histórico e conceptual que a estruturou e of political attention.
a ajuda a explicar. Pretende-se uma abordagem Keywords: modernity, post modernity, work, equality and inclusiveness.
analítica que cruze diacronicamente os valores
da pós modernidade e as actuais práticas do
mundo laboral. Chega-se à conclusão de que a Introdução
relação atrás referida está profundamente eiva-
O tema que aqui tratado aborda a questão da relação entre trabalho, igual-
da pelos valores da pós-modernidade. O inte-
dade e inclusividade na pós-modernidade. Com o intuito de se contribuir para
resse e o discurso ideológico criam narrativas
clarificação desta temática, propõe-se neste artigo percorrer diacronicamente
pretensamente fortes e coesas, mas, porque
aceções e conceitos, enfatizando, entre estes, o processo de diferenciação e a
estruturadas numa cultura fragmentada, estão
racionalidade científica e técnica. O processo de diferenciação tem conduzido
sujeitas à desconstrução e às metanarrativas.
à fragmentação ou desintegração da razão, assim como também ao domínio
A pesquisa aqui realizada explica a “inevitabili-
da racionalidade científica e técnica. Este processo estruturou o período da
dade” do passado, enfatizando as opções e os
modernidade e abriu caminho à pós-modernidade, caraterizada por uma nova
percursos escolhidos, e denuncia as práticas
perceção e vivência do tempo e do espaço, que tem reconfigurado novos
do presente, tomando como referência os ho-
valores, relações interpessoais e processos sociais. Estas novas dinâmicas
rizontes da cidadania e a aposta na sociedade
apresentam-se como galopantes e irreversíveis, deixando a sociedade actual
do conhecimento como a panaceia para a in-
na fronteira entre o esgotamento e a superação.
clusividade. Trata-se de um discurso desfasado
A relação entre o trabalho, a utopia da igualdade e a inclusividade está su-
da realidade e que está longe de colocar o ser
bordinada a estas dinâmicas turbulentas. É sobre esta relação que se pretende
humano no centro das preocupações políticas.
refletir, procurando-se contribuir para o esclarecimento dos diferentes pontos
Palavras-chave: modernidade, pós-modernidade, de vista já existentes, embora limitando este contributo à análise e diagnós-
trabalho, igualdade e inclusividade.
tico da situação atual. Embora não haja a pretensão de serem apresentadas
soluções, as quais, em muitas circunstâncias, nem sempre são desejadas,
Abstract sabe-se que nas crises, enquanto geradoras de movimentos de superação,
podem encontrar-se elementos de esperança, que mais não são que a matéria
The present article aims to reflect on the prima de sociedades adultas e responsáveis.
relationship between work, the utopia of equa-
lity and inclusiveness. This reflection, howe-
ver, must be framed within the historical and Reflexão em torno da pós-modernidade
conceptual context that structures and helps
Ao iniciar-se esta reflexão duas perguntas se impõem, porque é que será
to explain it. Our aim is to do an analytical
importante, para este trabalho, estabelecer o que é ou o que deixa de ser a
approach that crosses diachronic values of
modernidade e a pós-modernidade? Ou, em geral, porque é que é indispensá-
post-modernity and the current practices of
vel definir a posição do ser humano na história?
working life. We come to the conclusion that
Uma primeira resposta a esta dúvida é a constatação de que uma das ca-
the aforementioned relationship is deeply tin-
racterísticas de grande parte da filosofia dos séculos XIX e XX, que representa
ged by the values of post modernity. The inte-
a herança mais próxima do ser humano, é de facto a negação das estruturas
rest and the ideological discourse supposedly
estáveis do ser, para as quais o pensamento se deveria voltar, para se “funda-
create strong and cohesive narratives, that are
mentar” em certezas não precárias. Para Nietzsche e Heidegger é decisivo, para
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falar do ser, compreender em que ponto da his- as estruturas modernas da consciência se filtram, desde o plano da cultura até
tória a humanidade se encontra (Vattimo, 1987). ao plano do sistema da personalidade, e transformam-se num tipo de “acção
Uma das visões mais difundidas e credíveis racional de acordo com os valores” e, simultaneamente, “racional de acordo
da modernidade é, de facto, a que a caracteri- com os fins”, através dos modos metódicos de vida (Ibidem).
za como a “época da história”, ao contrário da Surge, assim, o que Weber (1983) chamou de proliferação “das esferas
mentalidade antiga, dominada por uma visão de valor” ou dimensões da racionalidade. Quer dizer que, neste momento da
naturalista e cíclica do curso do mundo. Se é história, cada uma das “esferas” já não necessita de se referir a outros crité-
assim, parece que qualquer discurso sobre a rios que não sejam os ditados pelo seu próprio desenvolvimento. Chegou-se,
pós-modernidade será contraditório. Na ver- deste modo, ao “desencantamento do mundo” ou à sua dessacralização.
dade, dizer-se que se está num momento pos- De agora em diante, cada vez que nos referirmos à razão, teremos que
terior à modernidade pressupõe a aceitação perguntar a que dimensão da razão ou racionalidade nos estamos a referir. A
daquilo que mais especificamente caracteriza razão, enquanto um todo único, só tem justificação como um símbolo abstra-
o ponto de vista da modernidade, a ideia de to que cada vez encontra menos apoio na realidade histórica, social e cultural.
história, com os seus corolários, a noção de Não somente a razão, como vamos ver, mas também as visões integradas,
progresso e superação. totalizantes.
Mas o fenómeno da modernidade parece A modernidade está, assim, caraterizada pela aparição das diversas “es-
ter esgotado os seus valores: o crescimento, feras de valor” ou dimensões da razão e a sua crescente autonomização.
a velocidade, a mobilidade e de igual forma a Esta diferenciação da razão conduz à sua fragmentação ou desintegração e
revolução, esvaziaram-se de conteúdo. Deste ao crescente domínio, perante as circunstâncias da revolução industrial, da
modo, sem conteúdo axiológico, como será racionalidade científico-técnica (Mardones, 1988).
possível falar-se de trabalho, igualdade e inclu-
sividade na sociedade em que cada um vive? A
resposta a esta pergunta apela para uma foca- Racionalidade científico-técnica
lização nalguns conceitos básicos essenciais à
O predomínio de um tipo de racionalidade, a científico-técnica, é uma das
compreensão do tema que aqui se vai trabalhar.
marcas da modernidade.
O homem da razão moderna copia de Copérnico a pretensão de se tornar
Processo autónomo contra factos consumados criados pela natureza. À ciência da na-
tureza liga-se a exigência da razão moderna de passar para lá dos limites e de
de diferenciação conquistar a verdade científica sobre a totalidade do ser, sob a forma de um
progresso infinito. “Assim, o homem oferece a si próprio um caminho sobre
Weber vê a modernidade caracterizada por o qual ele se afasta cada vez mais do centro do cosmos. A sua vontade de
um processo de racionalização. Isto é, vê a so- poder deixa transparecer uma situação, na perspectiva da qual a sua incrível
ciedade e o Homem ocidentais submetidos a impotência se lhe mostra duma forma paradoxal: esta experiência assinala o
uma configuração mental, de comportamento rosto do homem, designado moderno” (Kaulbach, 1991: 28).
e de motivações que têm a sua correspon- Perante esta situação, em que o peso técnico-científico é tão óbvio, o ser
dência estrutural em instituições e modos de humano é capaz de ser aperceber de um fenómeno social em que reparam
organizar a vida. Deste modo, procura explicar tanto teóricos críticos (Habermas, 1990) como pensadores sociais interes-
o nascimento das sociedades modernas, seja sados no mantimento do sistema (D. Bell, P. Berger, etc.). Desencadeou-se
do ponto de vista histórico seja do ponto de um dinamismo que foi cristalizado nesta sociedade ocidental e que avança
vista metodológico, e considera o racionalismo seguindo a sua própria razão (Mardones, 1988).
ocidental como ponto-chave, pelo facto de o Jurgen Habermas, o mais conhecido pensador alemão contemporâneo,
conceito de racionalização incluir um critério herdeiro directo da Escola de Frankfurt, apesar de apresentar certa identidade
de valor, permitindo que, ao se tratar da descri- de interesses, desenvolveu as suas ideias dentro de um quadro significativa-
ção dos processos de racionalização social, se mente diferente, destacando-se pela sua crítica ao positivismo e às ideologias
assuma “que o saber materializado nas acções dele decorrentes, do tecnicismo e do objectivismo ontológico e contemplativo
é objectivo e compartilhado entre os agentes da filosofia teórica tradicional. É considerado o último representante da teoria
e o observador” (Medeiros, 1994: 31), trazen- crítica de sociedade (Freitag & Rouanet, 1980).
do porém, consequências para o problema da Para Habermas, a ideia de ser moderno mudou a partir da confiança ins-
neutralidade. pirada na ciência, no progresso infinito do conhecimento e numa profunda
A racionalidade, segundo este pensamento, melhoria social e moral (Habermas, 1988). É desta forma que, segundo o
pode assumir diferentes conotações, em We- seu ponto de vista, surge uma nova forma de consciência moderna (Casullo,
ber, que a explica recorrendo a uma imagem 1991).
racionalizada do mundo da ética protestante, A este modelo emergente, que se opõe ao funcionalismo dominante da
através da qual a compreende como “a capa- modernidade e que procura ter valor em si mesmo, é apelidado de pós-mo-
cidade e disposição dos homens para determi- dernidade.
nadas formas de conduzir-se racionalmente na O pensamento pós-moderno, o pensamento da fruição postula uma atitude
vida” (Medeiros, 1994: 31). vital que se traduz num estilo de vida: instrumentalização da razão e da vida
A dimensão da racionalização situa-se no (Horkheimer, 2000), e a afirmação do vivido em cada momento “sem função
plano das estruturas, isto é, Weber explica que de preparar outra coisa” (Lyotard, 1987: 112). Este esteticismo é uma crítica
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frontal às ideologias modernas do desenvol- manho problema? Não mediante a retórica da emancipação. Vattimo adverte
vimento (Morin, 2001), do crescimento e da que, graças à sociedade da cultura de massas e dos “mass-media”, vive-se
sedução reducionista da novidade (Mardones, uma estetização geral da vida, ao menos no sentido de que o atrativo formal
1988). dos produtos pesa infinitamente mais que em qualquer época do passado. Se
O segundo aspecto do pensamento pós-mo- alguém quiser encontrar uma expressão que resuma “o projecto pós-moder-
derno, apontado por Vattimo (1987), é ser um no”, tinha que eleger a de “estetização geral da vida” (Vattimo, 1987: 52-53).
pensamento da contaminação. Para este autor, A racionalidade de que se fala (estética) levaria a uma sociedade onde o
está-se perante uma indicação que junta “a fi- ideal não seria a “perfomance”, mas sim, a capacidade de viver o belo. O
losofia da manhã” nietzscheana com o esvazia- pensamento (primitivo) da contaminação e da abertura radical, do sujeito e da
mento metafísico (Verwindung) de Heidegger. ontologia débil, pode ser a alternativa.
Tratar-se-ia de uma atitude do pensamento
aberto radicalmente à multiplicidade de jogos
de linguagem que a cultura e o saber actual nos A questão da organização do trabalho e da in-
oferecem desde a ciência, a técnica, a arte ou
os mass-media. O ser humano encontrar-se-ia
clusividade no contexto da pós-modernidade
com “esse vagabundo incerto” que impõe uma No que à organização do trabalho diz respeito e da consequente inclu-
situação, na qual não há princípios nem crité- são social, a humanidade actual vive imersa no tumulto e na incerteza. “Com
rios fixos, determinados, fundados de uma vez efeito, já surgiu uma vasta leitura, das extremidades esquerda e direita do
por todas. O pensamento aberto, da contami- espectro político, que tende a descrever o mundo como se ele estivesse no
nação, seria pôr em mútua relação uma socie- auge de uma ruptura radical em todas as dimensões da vida sócio-económica
dade da democracia, verdadeira, participativa e e política a que nenhum dos velhos modos de pensar e de fazer ainda se apli-
responsável. O contrário conduz à sociedade cam” (Harvey, 1992: 178). As realidades emergentes provam claramente que
da eficiência, hierarquizada, administrada e, a coexistência harmoniosa, resultante de uma eficaz redistribuição da riqueza,
finalmente, terrorista, segundo o sistema des- é uma miragem, um compromisso adiado, uma tese refutada. Os fenómenos
crito por N. Luhman (Lyotard, 1984). de “exclusão social” sucedem-se à escala global, em territórios onde aparen-
O terceiro e último aspecto do pensamento temente não era suposto tal realidade acontecer. Não deixa de ser curioso que
pós-moderno é ser um pensamento do mundo o conceito de “exclusão social” surja no vocabulário político pela mão dos
da técnica moderna (Ge-Stell). “A técnica re- governos socialistas franceses nos anos 80, os quais pretendiam com esta
presenta a crise do humanismo, não porque o noção designar o conjunto de pessoas que viviam à margem da sociedade e
triunfo da racionalização negue os valores hu- sem protecção social. O seu uso generalizou-se e passou a designar também
manistas, como uma análise superficial nos fez a solução do próprio problema. Por isso mesmo, o vocábulo “exclusão social”
crer, mas porque, representando o remate da passou a estar intimamente associado à “coesão social”.
metafísica, chama o humanismo a uma supera- Que significado tem um e outro? Por coesão social entende-se vulgarmen-
ção” (Vattimo, 1987: 37). Já em Nietzsche, an- te a partilha de um conjunto de valores comuns, assentes no bem-estar so-
tes de Heidegger, a crise do humanismo estava cial generalizado e no orgulho cívico. A “exclusão social” é, assim, entendida
ligada ao estabelecimento do domínio da técni- como a antítese da cidadania, porque nega ao indivíduo os seus direitos cívi-
ca na modernidade: o homem pode despedir- cos, económicos e políticos. Até aqui a igualdade não era entendida apenas
-se da própria subjectividade, entendida como no seu aspecto social e simbólico, mas essencialmente económico. Por isso,
imortalidade da alma, e reconhecer que o eu é, a “exclusão social” estava conotada com a pobreza. Neste sentido, a solução
mais propriamente, um feixe de “muitas almas preconizada para a inclusão social passava pela redistribuição da riqueza, do
mortais” (Heidegger, 1957: 27, apud Vattimo, poder (empowerment das comunidades) e dos recursos. Outros, porém, de-
1987: 39), exactamente porque a existência na fendem um discurso integracionista, segundo o qual a exclusão se deve ao
sociedade tecnologicamente avançada já não desemprego e, como tal, o seu combate passa pela inserção profissional e
se caracteriza pelo perigo contínuo e conse- integração social. No outro extremo, encontramos o discurso de “subclasse”,
quente violência (Vattimo, 1987). que culpa o pobre pela pobreza e pelo desemprego e defende que a integra-
O trabalho de resistência a esta sociedade e ção depende de mudanças culturais nos valores, dado que a pobreza se deve
cultura modernas, que com o seu aparato tec- a circunstâncias culturais e não económicas. Há ainda, como é o caso dos
no-científico ameaça destruir a humanidade, defensores da Terceira Via, quem defenda soluções alicerçadas na mistura da
exige uma alta complexidade da inteligência e corrente integracionista com a corrente de “subclasse”.
da sensibilidade. Isto não se consegue pelo ca- Nesta nova forma de entender e solucionar as questões da pobreza, os vocá-
minho “da retórica da emancipação”, nem pela bulos de “igualdade” e “fraternidade” foram substituídos pelos vocábulos “equi-
redução da complexidade da teoria dos siste- dade” e “solidariedade” respetivamente. A inclusão já não se processa através da
mas (Luhmann), mas sim pela “resistência ao igualdade, mas da democratização das condições de acesso às oportunidades.
simplismo, aos slogans simplificadores, aos De igual modo, já não se olha para o outro como um outro eu, com quem se está
reclamos de claridade e facilidade, aos desejos disposto a confraternizar, mas alguém com quem, receando os custos da não
de restaurar valores seguros” (Lyotard, 1984: inclusão, se pode ser capaz de um ato de solidariedade. Assim sendo, pode estar
97-100). a transferir-se a responsabilidade da exclusão para o sujeito e a diminuir-se ou
Perante este panorama de dúvida e de des- eliminar-se as responsabilidades do Estado. Se cada um é chamado a percorrer
confiança em relação ao desenvolvimento, que o mesmo itinerário dos outros, então “a incerteza é para todos”. Estando o risco
escape é que o ser humano tem para fugir a ta- democratizado ninguém se pode queixar de descriminação.
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Assim sendo, o ser humano pode transfor- cultura baseada na promoção da inércia. Entre uma e outra, medeia uma so-
mar-se a breve trecho num ator solitário da sua ciedade em transformação, cada vez mais “aldeia global”, que exige novas
inclusão. O medo de ser-se esquecido ou ex- competências a gerações e culturas historicamente desalinhadas com os de-
cluído tolhe os seus movimentos e, paulatina- safios com que estão a ser confrontados. Tem de se cruzar estas variáveis
mente, a auto estima vai-se degradando. Esta com as exigências referidas por Castells (2002), quando este afirma que um
situação atinge não só as pessoas socialmente dos pilares da nova economia assenta na produtividade e competitividade dos
mais debilitadas, mas também os jovens e al- territórios, ou seja, na capacidade que os recursos humanos têm, nos seus
guns territórios desfavorecidos. O que não se diversos âmbitos de atuação, em gerar conhecimento e em processar infor-
tem dito muito é que não é possível a “coesão mação. Este pilar da nova economia assenta ainda em mais dois outros princí-
social” sem a “coesão territorial”. Não são só pios: é uma economia construída em rede e alicerçada, como já anteriormente
as classes a definirem o sentido da história, foi afirmado, em infra-estruturas de comunicações e telecomunicações efica-
mas também os territórios onde os diferentes zes e pouco onerosas, as quais permitem que esta mesma economia abarque
povos operam. Eis a imagem menos nobre e todo o planeta.
altruísta da inclusão social, dado que procura No entanto, convém frisar que as actuais redes são redes de trabalho, dado
apenas evitar o conflito social e perpetuar a que as redes empresariais são um termo muito antigo. A técnica traduz a
defesa de interesses que não têm em atenção relação entre o homem e a natureza e entre o homem e o espaço geográfico.
o conjunto da sociedade, controlando os cida- Um destes objetos técnicos é também a rede, ou seja, toda a infra-estrutura
dãos e não permitindo que estes vivam abaixo que permite a passagem de fluxos, conectando-os entre si e conectando o
de um padrão mínimo de subsistência (Shiro- homem com eles. Estas redes permitem uma maior flexibilidade e adaptação
ma, 2002). à procura. O grande desafio é colocado ao nível da coordenação das activi-
Não deixa de ser curioso que entre a in- dades, já que o desenvolvimento das tecnologias de informação permitiu a
clusividade e o oportunismo a fronteira é, por sua disseminação por diferentes espaços económicos. Neste sentido, a rede
vezes, muito ténue. Pessoas que não deveriam estrutura o campo de forças de cooperação ou antagonismo que caracteriza a
ter acesso a apoios sociais têm-no, dado que sociedade humana, sendo assim fonte de integração ou de exclusão. Por isso
os instrumentos de aferição de situações de mesmo, na sua relação com o território, as redes técnicas são essenciais à
pobreza favorecem grupos sociais que, por construção de novas escalas territoriais. Estas redes, porém, não são neutras,
ineficiências do sistema, vivem numa eco- já que criam e reforçam a interdependência dos lugares. Por tudo isto, nota-
nomia paralela e profundamente rentável. Ao -se que a funcionalidade das redes técnicas influencia a institucionalidade do
fazê-lo desacreditam a democracia e ajudam a território.
aprofundar o fosso entre um Estado responsa- Apesar de abarcar todo o planeta, nem todos os países e todas as pessoas
velmente generoso e um Estado indesculpavel- são abrangidos e beneficiam desta nova economia. Verifica-se, na maior parte
mente permissivo. No que à questão da gover- dos casos, uma visão truncada das relações entre a população e as atividades
nança diz respeito, nota-se claramente que o produtivas. A população é vista como recurso territorial, e não tanto como
discurso em torno dos direitos e deveres está sujeito e objecto territorial. Como recurso territorial é hoje valorizada em fun-
enviesado. Deve-se descartar a componente ção dos conhecimentos que possui (Orea, 2002). É evidente que o conheci-
ideológica que está subjacente ao aproveita- mento foi sempre importante. No entanto, nunca como até hoje ele conseguiu
mento da frase produzida por Kennedy aquan- ter tanta utilidade. Esta importância deriva do desenvolvimento da ciência e
do do seu discurso de investidura, produzido da tecnologia. Torna-se necessário utilizar as informações e o conhecimento
a 20 de Janeiro de 1961, disponível em http:// com vista ao desenvolvimento das organizações. A informação e o conheci-
www.youtube.com/watch?v=aRtcHDjG5rQ, mento não se encontram apenas nos documentos, nas bases de dados e nos
diz: “e assim meus compatriotas americanos: sistemas de informação, mas também nos processos de negócio, nas práticas
não perguntem o que o vosso país pode fazer dos grupos e na experiência acumulada pelas pessoas para aumentar sua pro-
por vocês, perguntem o que podem fazer pelo dutividade e conquistar novas oportunidades. Na época actual o trabalho tem
vosso país”. Esta frase, porém, pode muito bem cada vez um cariz mais intelectual, onde o intangível está a ocupar o espaço
ser um decalque de uma outra proclamada dé- do tangível. O exemplo disso é que o valor real de uma empresa (capacidade
cadas antes num artigo de Gibran, designado A para gerar riqueza) já é hoje contabilizado no Balanço Patrimonial. Informa-
Nova Fronteira (tão ao gosto de algumas forças ção e conhecimento são essenciais, dado que a maior rendibilidade brota do
políticas portuguesas da actualidade centradas capital intelectual. Por isso mesmo, constituem-se como a informação mais
no título e não no conteúdo), aplicando-se à valiosa e de mais difícil gestão.
ideia um novo sentido. O que Gibran (2004) diz Sabe-se hoje que o crescimento do produto per capita deveu-se mais às
é o seguinte: “Sois um político, que pergunta mudanças técnicas que ao uso do capital. Por isso mesmo, cada vez investe-
o que o vosso país pode fazer por vós ou um -se mais em capital humano e na produção do conhecimento, sendo que os
zeloso, que pergunta o que podeis fazer pelo recursos físicos pesam cada vez menos como factores de desenvolvimento.
vosso país? Se sois o primeiro, então sois um Por outro lado, verifica-se que os recursos humanos são cada vez mais ex-
parasita; se sois o segundo, então sois um oá- cedentários. As dinâmicas do trabalho, sobretudo em Portugal, expressam
sis num deserto”. A troca da responsabilidade claramente que a vida ativa encurtou, dado que as dificuldades de entrada
dos sujeitos altera completamente o sentido do no mercado de trabalho são imensas e as saídas cada vez mais precoces.
discurso e as dinâmicas que daí decorrem. Verifica-se também que o tempo de espera por um posto de trabalho é menor
De igual modo, não se pode pactuar com as numa pessoa com elevados níveis de qualificação que num trabalhador indi-
consequências negativas que advêm de uma ferenciado. Este, pelo contrário, se tem o azar de perder o emprego fica numa
Pessoas &
Sintomas _50

posição de ser muito jovem para se reformar e do Estado exerce sobre o indivíduo. Relativamente aos níveis de remunera-
muito idoso para encontrar novo posto de tra- ção, verifica-se que o aumento das qualificações não é consentâneo com a
balho, ao passo que os primeiros, regra geral, progressão dos níveis salariais. Antes pelo contrário, até tem contribuído para
possuem competências nas áreas das tecnolo- um decréscimo dos próprios salários. Prova disso é a “geração dos mil eu-
gias, o que lhes abre perspetivas de inserção ros”, fenómeno baptizado pelos franceses para designar a camada de jovens
na sociedade do conhecimento. No entanto, altamente qualificados, sem lugar na sociedade e, consequentemente, incapa-
convém frisar que esta questão não é assim zes de levarem uma vida autónoma. Este fenómeno rapidamente se alastrou
tão linear. Tem de se distinguir entre trabalho à Alemanha, Itália, Espanha e Portugal, sendo que, neste último país, o mon-
auto-programável e trabalho genérico. Pelo pri- tante salarial usufruído por esta tipologia social fica aquém dos “montantes
meiro entende-se a capacidade que o trabalha- chorudos” usufruídos pelos seus congéneres europeus. Já no que concerne
dor tem em ir redefinindo constantemente as ao peso do Estado sobre o indivíduo, nota-se que a classe média está a desa-
suas capacidades à medida que as tecnologias parecer e os extremos demarcam-se cada vez mais em termos de tamanho e
vão evoluindo e as competências ficando obso- de distanciação. É a classe média, os trabalhadores por conta de outrem e as
letas. Por isso, não interessa tanto as compe- Pequenas e Médias Empresas que suportam o maior peso do Estado, dado
tências (habilidades), mas antes a informação que as pessoas excluídas ou em risco de exclusão são apoiadas, e aqueles
sobre as zonas de ruptura e de estabilidade em que retiram grandes benefícios do crime organizado e da corrupção estão
termos de competências actuais versus com- protegidos pelo silêncio dos off-shores. Ainda que estes tempos de crise se
petências futuras. Já o trabalho genérico não apresentem também como tempos de clarificação, tudo parece apontar para
exige tanta flexibilidade e sentido estratégico que a sentida e falada a necessidade de mudança de paradigma não venha
face à mudança. O primeiro constitui o núcleo a ocorrer, dado que cinicamente os enormes interesses em jogo ditarão as
estável das empresas, ao passo que o segun- regras de jogo e afastarão qualquer veleidade de justiça.
do se vai conectando ou desconectando com a Esta realidade autofágica pode ser explicada através de uma alegoria muito
rede de acordo com as necessidades das em- simples, que se passa a apresentar. O jogo da igualdade e da inclusividade é
presas. semelhante a uma viagem de comboio que cada um é convidado a realizar.
O saber formal não sabe lidar com o conhe- Nessa viagem os passageiros agrupam-se, segundo Forrester (1997), não
cimento tático, construtivista, apenas torna como pessoas, mas dentro de tipologias impessoais que servem para tratar
as pessoas hábeis no uso das ferramentas. com equidade as questões da desigualdade social. A estação de partida desig-
Já o conhecimento tático permite às pessoas na-se por “horizontes de cidadania”, porque a isso obriga a própria essência
adquirirem competências de acordo com as da democracia. A estação terminal, de acordo com a informação dada pelos
exigências de um trabalho auto-programável, líderes económicos e políticos aos passageiros, dá pelo nome de “sociedade
não explícitas, mas que permitem que quem as do conhecimento”, vista como a panaceia para as enfermidades de que pade-
detém consiga fazer as coisas melhores do que ce o actual paradigma de desenvolvimento, que se quer sustentável aos níveis
os outros. económico, social, ambiental e político.
A compatibilização do conhecimento tático Neste comboio, as carruagens de primeira classe são ocupadas pelas dife-
com flexibilidade e a individualização da força rentes tipologias de ativos empregados, que, por viajarem em primeira classe,
laboral só é possível através do reforço do sen- suportam o maior custo da viagem. As carruagens seguintes são ocupadas
tido de pertença do colaborador com a unida- pelos ativos desempregados, divididos em três grandes tipologias: desem-
de produtiva. O que se verifica é a existência pregados de longa duração (DLD) e à procura do 1.º emprego e não DLDs.
de uma contradição entre a produtividade e a Uma vez identificadas as carruagens inicia-se a viagem, com paragem em
flexibilidade dentro de um sistema de trabalho seis grandes estações. A primeira estação dá pelo nome de “dolce far niente”,
precário. Este estiolamento dos laços afecti- frequentada por passageiros com baixos níveis de auto estima e baixa noção
vos dos trabalhadores com as empresas, este de deveres sociais. Na estação seguinte encontram-se aqueles que possuem
sentido de não pertença, o rompimento dos “bilhetes sem cobertura”, os quais, por terem praticado qualquer crime, são
laços laborais de classe, devido ao fenómeno obrigados a interromper a viagem. Na terceira estação deparamo-nos com
de individualização do próprio trabalho, podem passageiros que recusam a viagem em virtude de estarem condicionados por
afastar o conhecimento tático das exigências questões de género, seja devido a constrangimentos sociais (a minimização
da flexibilidade e aprofundar a individualização ou ausência da importância do papel da mulher na sociedade por questões
do trabalho. No entanto, é possível harmonizá- culturais, ou a penalização económica da mulher em virtude da procriação) ou
-los desde que exista um compromisso social, constrangimentos individuais/familiares (quando a maternidade é assumida
situação esta que vai de encontro à dimensão como uma opção de vida incompatível com a atividade laboral). Na quarta es-
sócio-efectiva das empresas (sua responsabili- tação ficam aqueles aos que se aplica um “marreteamento das expectativas”,
dade social), que não está em contradição com dado que, com as habilitações que possuem, julgam que na sociedade existe
a dimensão sócio-económica das mesmas. muitos lugares de topo e poucos lugares de base, quando na realidade sucede
Estas podem ser as causas da actual so- o contrário. É a altura de marretear as expectativas, assimilar a frustração
ciedade dual, a qual se reflecte um pouco nos e aceitar a situação. Na quinta estação encontram pessoas laboriosas que
desequilíbrios sociais que se detetam, os quais procuram formas alternativas de vida. Nesta estação, passam outros com-
são o reflexo dos níveis de remuneração que as boios noutras direcções, as quais não possuem um volume de tráfego que as
pessoas vão usufruindo, do seu maior ou me- torne relevantes à opinião pública. Encontram-se nesta estação as pessoas
nor grau de inserção e do controlo que a rede afectas a correntes como o eco regionalismo e o socialismo ecológico. Por
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51 _ Sintomas

último, surge a estação terminal: a sociedade de se acentua a democratização das condições de acesso às oportunidades,
do conhecimento. Coloca-se agora a questão: se pensa a técnica ao serviço do homem e da natureza e aonde as redes criam
quantos chegam à estação terminal? Escassos e reforçam a interdependência dos lugares; por outro lado, e paradoxalmente,
para os sonhos que são promovidos. implica a entrada num tempo em que os acontecimentos se atropelam, como
As dinâmicas dominantes nas estações são: no movimento browniano, sem finalidade própria. Este paradoxo é uma das
a competitividade (entendida erroneamente distintivas do pensamento pós-moderno construído a partir de três eixos: um
como a capacidade para suplantar o outro e pensamento fruitivo, que procura ter valor em si próprio; um pensamento
não como a capacidade de cada um em supe- de contaminação, radicalmente aberto aos outros saberes, e um pensamento
rar-se a si mesmo), a rotatividade (em todas as marcado pela técnica moderna, triunfo da lógica e da conexão de causas.
estações há um corrupio entradas e saídas de Baudrillard (1995), a este propósito, dirá que somos uma multiplicação e sa-
pessoas), o absentismo (sobretudo ao nível da turação de intercâmbios que tornam mais densa a massa social e, por isso,
partilha de conhecimentos, dado que as pesso- não permitem que os acontecimentos se situem mais além do imediato. Neste
as guardam a informação que possuem e, as- contexto, não há sentido, nem consciência, nem possibilidade de igualdade,
sim, provocam grandes prejuízos às próprias de inclusividade e, menos ainda, de dignidade no trabalho. São vários os auto-
entidades que servem) e, finalmente o medo res, como se viu no texto que acima se reproduz, que dizem que a causa desta
(medo sobretudo em se perder o emprego e incapacidade para recuperar os acontecimentos num horizonte de sentido se
resvalar-se para o lote dos fragilizados/exclu- deve à técnica. A técnica seria a “causa” da fragmentação da nossa cultura e o
ídos). trabalho - expressão dos nossos hábitos, comportamentos, valores e atitudes
- também ele sairia fragmentado. O trabalho, na época pós-moderna - a que
todos deveriam ter direito e a ninguém deveria ser negado -, não têm estrutu-
Conclusão ração axiológica e o resultado final é o sequestro da igualdade e a impossibi-
lidade da inclusão, facto que suscita uma visão truncada das relações entre a
Falar de trabalho, igualdade e inclusividade
população e as atividades produtivas, impedindo a recuperação da sequência
na pós-modernidade significa, por um lado, in-
de significados e de sentido.
vocar um processo de maturidade social, aon-

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Modernidade. Lisboa: Publicações Dom Quixote.
Comércio por grosso
de metais e acessórios
de Braga S.A.
Pessoas &
53 _ Sintomas

O contributo da psicodinâmica do
trabalho para o estudo da relação
entre trabalho e saúde mental
nas organizações 1

(The contribution of Psychodynamic of Work to study the re-


lationship between work and mental health on organizations)
Anabela Azevedo
Fátima Lobo

Resumo particularly on Dejours body of work, pioneer and developer of the psychody-
namics of work, but also on other crucial authors such as Abrahão, Marrone,
Este trabalho de investigação foi desenvolvi- Mendes among others, whose contributions to the field sets itself as impera-
do com o objectivo de analisar as vivencias de tive to a better understanding of the psychodynamic theory.
prazer - sofrimento no ambiente de trabalho e Key-words: defense strategies, psychodynamics, mental health,
as estratégias de defesa, utilizadas pelos traba- work, subjectivity, experiences of pleasure/suffering

lhadores para minimizar o sofrimento mental.


Procurando, também, através da psicodinâmi-
ca, estudar a influência da organização do tra-
Introdução
balho no processo de saúde mental do indiví- As ingerências da organização do trabalho sobre a saúde mental do traba-
duo. Esta pesquisa foi realizada através de uma lhador têm sido ao longo dos anos, objecto de pesquisa de diversos inves-
revisão bibliográfica tendo com referência De- tigadores, podendo citar como referência os trabalhos de Dejours, Abrahão,
jours, fundador da Psicodinâmica do Trabalho, Marrone, Mendes de entre outros. Inicialmente o foco de estudo da Psicopa-
e alguns dos principais investigadores na área tologia do Trabalho era a doença mental. A partir das pesquisas de Dejours,
da Psicologia do Trabalho, tais como: Abrahão, o objecto de estudo passou a ser o da “normalidade” dos processos mentais
Marrone, Mendes de entre outros, alicerçados do trabalhador face às situações adversas no ambiente organizacional. Ao
na abordagem psicodinâmica da relação entre ter como objecto de análise a “normalidade”, a Psicopatologia do Trabalho
o trabalho e a saúde mental. dá origem à Psicodinâmica do Trabalho abrindo perspectivas para uma pes-
Palavras-chave: estratégias de defesa, psicodinâmica, saúde men- quisa mais ampla, que não diz respeito apenas ao sofrimento, mas também
tal, trabalho, subjectividade, vivencias de prazer - sofrimento ao prazer no trabalho; não só o homem, mas também o trabalho, não só
a organização, mas toda a sua dinâmica interna. Partindo da concepção de
Abstract que o modelo de organização do trabalho influencia e é influenciado pelas
relações subjectivas do trabalhador, e que vivemos numa sociedade onde as
The following research project aims to manifestações somáticas estão cada vez mais presentes, é de relevância esta
analyze the experiences of pleasure/suffering pesquisa de revisão bibliográfica com o objectivo de contribuir para a saúde
at work as well as the defense strategies de- mental do trabalhador e com consequentes ganhos para a organização.
veloped by workers in order to attenuate their A relação saúde-trabalho envolve uma série de factores que são dignos de
mental distress. It will also, on a psychody- destaque no actual quadro organizacional. O aumento gradual das situações
namic perspective, focus on the influence of geradoras de stress, neuroses, fobias e doenças ocupacionais atingem tanto
the employers’ organization upon the mental a saúde física como mental do trabalhador originado também consequências
health condition of the worker. Such research para o exterior. O homem como ser biopsicossocial, é conduzido por senti-
has been mainly based on a literature review, mentos, desejos, crenças, valores. Porém, a sua capacidade de superação

1
Trabalho financiado por Fundos Nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e Tecnologia no âmbito do projecto «PEst-OE/FIL/UI0683/2011».
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Sintomas _54

e adaptação é grande e para isso tende a de- O termo psicodinâmica do trabalho surge a partir de 1992, sendo mais
senvolver estratégias de defesa para manter abrangente que a psicopatologia para definir o amplo domínio da clínica. A
essa capacidade, bem como a sua saúde física passagem da psicopatologia para a psicodinâmica do trabalho, segundo De-
e mental. Para viver em sociedade o indivíduo jours (1993), teve consequências práticas e teóricas, pois a psicopatologia
precisa de desenvolver alguns destes mecanis- do trabalho aparecia como um campo das ciências da saúde implicitamente
mos, nem sempre conscientes, que possivel- ligada à análise e ao tratamento das doenças mentais. Ao deslocar o objec-
mente serão determinantes para a manutenção to de estudo da doença para a normalidade, Dejours amplia notavelmente o
de uma vida saudável, ajudando a enfrentar propósito da psicopatologia do trabalho. Não se trata de estudar as doenças
assertivamente as situações desgastantes cau- mentais ou os trabalhadores por elas atingidos, mas sim toda a população
sadas no seu ambiente de trabalho de forma que está em contexto de trabalho e que é submetida a pressões no seu dia-a-
a manter relações interpessoais satisfatórias -dia. O objecto de estudo passa a ser não a doença mental, mas o sofrimento
com a sua equipa de trabalho. no trabalho, um estado compatível com a normalidade, mas que implica uma
A relação do trabalho com os processos série de mecanismos de regulação.
psíquicos começou a ser estudada em Fran- Dejours, ao considerar a significação e o sentido do sofrimento como di-
ça no século XX, com base nos princípios de mensões essenciais no entendimento da relação saúde-trabalho, propõe uma
Taylor, mediante os quais a organização do actividade de escuta ao discurso dos trabalhadores, tanto individual como
trabalho era caracterizada pela sua rigidez e colectivamente, e sugere a criação de um espaço público para que o trabalha-
por um sistema de restrições e imposições. dor possa expressar-se. Assim, a fala do trabalhador passou a representar um
Com o desenvolvimento industrial surgiram instrumento de pesquisa e de intervenção (Lancman & Uchida, 1996).
graves prejuízos para a saúde física e mental A normalidade representa o resultado de um compromisso; de uma luta
do trabalhador, devido ao excesso de horas de entre o sofrimento provocado pelos constrangimentos organizacionais e as
trabalho, ao aumento do ritmo de produção e estratégias de defesa criadas pelos trabalhadores para conter esse sofrimen-
à consequente fadiga física, bem como à não to e evitar a descompensação. Mas estas estratégias de defesa, estritamen-
participação no processo decisório. Analisando te ajustadas aos constrangimentos exercidos pela organização do trabalho
estes princípios, Dejours, médico psiquiatra e sobre o funcionamento psíquico, têm a marca específica e reconhecível da
psicanalista francês, acreditava que o grande organização do trabalho em causa (Dejour, 1997).  A organização do trabalho
responsável pelo disfuncionamento psíquico exerce sobre o homem uma acção específica, cujo impacto é o aparelho psí-
do trabalhador era o modelo da organização quico. Em certas condições emerge um sofrimento que pode ser atribuído ao
do trabalho. Dejours desenvolveu a abordagem choque entre uma história individual, portadora de projectos, de esperanças e
psicodinâmica do trabalho com base em estu- de desejos e uma organização do trabalho que os ignora.
dos da psicopatologia do trabalho iniciados em Outra característica importante da Psicodinâmica do Trabalho é a referên-
1980. Os estudos analisavam a dinâmica dos cia à colectividade de trabalho e não apenas aos indivíduos isoladamente e
processos psíquicos, causados pelo confron- com isso procurar intervenções voltadas para a organização do trabalho da
to do indivíduo com a realidade do trabalho. qual os indivíduos fazem parte. Assim, a Psicodinâmica do Trabalho, procura
Mas após alguns anos de investigação sobre analisar o que ocorre com o indivíduo na sua relação com o trabalho propon-
os quadros psicopatológicos associados ao do, para isso, um estudo dinâmico voltado para os processos intersubjectivos
trabalho e à falta de evidência de que a doença e interactivos desenvolvidos no ambiente de trabalho. A psicodinâmica enten-
era causada a partir deste, (embora muitos tra- de que o caminho que direcciona o indivíduo ao trabalho saudável precisa de
balhadores enfrentassem condições bastante respeitar a sua identidade pessoal, tornando-se para isso fundamental, a fle-
adversas), dá-se uma inversão na orientação xibilidade da organização, de forma a atender às necessidades do trabalhador.
da pesquisa. O foco de interesse passou a ser O pensamento capitalista traz a concepção de que o trabalho é essencial
não o que causa doença no trabalhador, mas à vida. A racionalização, bem como o aumento de capital e a supremacia das
antes o porquê deste se manter saudável pe- classes sócioeconómicas levam a uma configuração do trabalhador como um
rante tanta adversidade. Deste modo, os recur- objecto e um meio de produção, e não como um ser humano dotado de sub-
sos utilizados pelo trabalhador para lidar com jectividade. Apesar do conceito de subjectividade acompanhar o estudo do
o sofrimento passam a ser aspectos dignos de desenvolvimento humano há muito tempo, ainda é recente a sua conceptua-
análise, assim como o prazer que o trabalhador lização no contexto do trabalho. Entende-se por subjectivação o processo de
sente na sua relação com o trabalho. atribuição de significado com base na relação do trabalhador com sua realida-
Dejours, nos seus estudos e pesquisas, de de trabalho, expressando-o em formas de pensar, sentir e agir individuais
passou a direccionar a análise das doenças ou colectivos (Mendes, 1999).
mentais para a análise das estratégias indivi- Desde os anos setenta que o modelo de organização do trabalho sofreu
duais e colectivas dos trabalhadores contra o diversos processos de transformação: reestruturação das tarefas industriais,
sofrimento decorrentes da sua actividade labo- modelo japonês, novas tecnologias de informação e de comunicação, cresci-
ral. Procurando analisar os aspectos psíquicos mento da economia das actividades e serviços, etc. Com base neste contexto,
e sociais do prazer no trabalho realizaram-se os trabalhadores tentaram elaborar estratégias de defesa face ao sofrimento
pesquisas importantes sobre a inteligência do provocado pelas novas imposições organizacionais, com maior o menor su-
corpo, a engenhosidade e a psicodinâmica do cesso. As patologias relacionadas com o trabalho aumentaram, ao mesmo
reconhecimento, responsáveis por transformar tempo que apareceram novas patologias, o que leva a pensar que as defesas
o sofrimento em prazer, conferindo sentido e desenvolvidas pelos trabalhadores não foram suficientemente eficazes. A par-
valor a esse sofrimento. tir da segunda metade dos anos noventa, as tentativas de suicídio e suicídios
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55 _ Sintomas

multiplicaram-se nos locais de trabalho, não Toda a acção que tenha como referência a psicodinâmica do trabalho pro-
só em França, como também noutros países cura desenvolver uma intervenção que não foque apenas os indivíduos, mas
como no Japão ou na China. que procure também a transformação da própria organização do trabalho. O
Ao mesmo tempo que se observa um au- objectivo é a concepção de uma intervenção e tratamento do sofrimento e das
mento global da riqueza, constata-se também patologias mentais originadas pelo trabalho. Com esta linha de orientação os
um aumento da violência nas sociedades, acom- investigadores chamam a atenção para o trabalho colectivo e para a questão
panhado por um acréscimo do desemprego e da cooperação (Mendes, 1994).
um agravamento da pobreza. Paradoxalmente, As investigações em psicodinâmica do trabalho dos últimos dez anos de-
ao aumento da riqueza faz-se corresponder um monstram que a introdução e rápida generalização dos novos métodos de
aumento do sofrimento e das doenças. Como se avaliação individual de desempenho, levada a cabo pela gestão dos recursos
justifica que homens e mulheres persistam em humanos das organizações, têm um papel fulcral na destruição das possibi-
participar na transformação da sociedade e da or- lidades do trabalho colectivo, da cooperação e da solidariedade. Estes novos
ganização do trabalho, que tende a voltar-se con- métodos de organização do trabalho estão implicados nos processos de ser-
tra eles, ameaçando até a sua dignidade? Como vidão voluntária e de deterioração da saúde mental no trabalho; pois ao invés
poderão as pesquisas clínicas em psicodinâmica da entreajuda e da solidariedade, a solidão e o medo invadem o mundo do
do trabalho contribuir para uma mudança signifi- trabalho (Dejours, 2010).
cativa da condição do homem moderno? O poder, a injustiça, o assédio e a ameaça de despedimento apresentam-se
A Psicodinâmica do Trabalho, procura ana- como principais desencadeadores do isolamento do indivíduo no contexto do
lisar o que ocorre com o indivíduo na sua re- trabalho. Com a sobrevalorização do desempenho individual, a solidariedade
lação com o trabalho, propondo para isso, um e a cooperação desmoronam-se e assim é afectada a saúde mental no tra-
estudo dinâmico voltado para os processos balho. Para recuperar aquilo que foi destruído no decorrer deste progresso
intersubjectivos e interactivos desenvolvidos nocivo é necessária uma transformação da organização do trabalho, de modo
no ambiente de trabalho. A Psicodinâmica do a restabelecer as condições necessárias para a cooperação.
Trabalho entende que o caminho que direccio-
na o indivíduo ao trabalho saudável precisa de
respeitar a sua identidade pessoal, tornando- Causas e consequências do sofrimento
-se para isso fundamental, a flexibilidade da
organização do trabalho de forma a atender às
mental no trabalho
necessidades do trabalhador (Mendes, 1999). Os distúrbios mentais e do comportamento são resultado de contextos de
Hoje em dia as causas e consequências do trabalho em interacção com o corpo e aparelho psíquico dos trabalhadores
sofrimento mental no trabalho têm sido objecto gerando sofrimento. O stress, a depressão, a fadiga crónica e o Síndrome
crescente de estudo, isto deve-se ao aumento de Burnout, estão cada vez mais presentes dentro do contexto organizacio-
do número de casos verificados no ambiente nal, sendo estas algumas das principais manifestações de sofrimento físico e
de trabalho, originando graves prejuízos no de- mental. Assim como a falta de trabalho ou a ameaça de perda do emprego, o
sempenho dos trabalhadores e em perdas eco- trabalho desprovido de significação ou quando constitui uma ameaça à inte-
nómicas e macroeconómicas para as organi- gridade física ou psíquica, acidentes de trabalho, factores relacionados com
zações. É mesmo de referir que os transtornos o tempo, ritmo e turno de trabalho, excesso de horas trabalho, submissão
mentais ocupam um lugar de destaque entre do trabalhador ao ritmo das máquinas, pressão pela produtividade, dentre
as causas de baixa médica, absentismo, afas- outros.
tamento do trabalho e reformas antecipadas. Dejours (1994) acredita que as pressões físicas, mecânicas e biológicas do
Dejours (1994) contemplou no seu modelo ambiente de trabalho estão directamente ligadas ao corpo, desencadeando,
teórico todas as dimensões do ser humano e doenças psicossomáticas no trabalhador. Essas pressões, por conseguinte,
acredita que a organização do trabalho influ- levam ao sofrimento e às estratégias defensivas individuais e colectivas. O au-
ência a manutenção da saúde e do bem-estar tor considera também a existência de dois tipos de sofrimento: o sofrimento
do indivíduo e propõe não a eliminação do patológico, ocasionado quando as possibilidades de transformação, aperfei-
sofrimento, mas a elaboração de condições çoamento e gestão da organização do trabalho já foram tentadas ou quando
que possibilitem aos trabalhadores gerir o seu as pressões físicas, rígidas, repetitivas e frustrantes geram uma sensação de
próprio sofrimento em proveito da saúde e da incapacidade; e o sofrimento criador, quando as acções no trabalho possibi-
produtividade. litam a modificação do sofrimento, estruturando, positivamente, a identidade
Considerando o sofrimento como algo ine- do sujeito, aumentando a resistência deste frente às várias formas de dese-
rente ao processo de trabalho, e não havendo quilíbrios físicos e psíquicos. Assim sendo, o trabalho pode ser o mediador
possibilidade de eliminá-lo, a psicodinâmica do entre a saúde e a doença e o sofrimento, seja ele criativo ou patológico. De
trabalho tem como objecto de estudo as rela- tal forma que, prazer e sofrimento são decorrentes de atitudes e compor-
ções dinâmicas entre a organização do trabalho tamentos concebidos pelo modelo organizacional constituídos por relações
e os processos de subjectivação, que se ma- subjectivas e de poder.
nifestam nas vivências de prazer-sofrimento, As mudanças ocorridas na estrutura organizacional levam o trabalhador a
nas estratégias de acção que são usadas para deparar-se com novas exigência. Mediante a nova situação o trabalhador terá
mediar as contradições da organização do tra- que se adaptar a esta com responsabilidade, autonomia e cooperação; porém,
balho, nas patologias sociais, na saúde e na quando a sua realidade, os seus desejos e as suas intenções são diferentes
doença (Mendes & Abrahão 1996). dos da organização gera-se então um conflito que pode levá-lo à doença.
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O trabalho, não apenas nos nossos dias, mas consciencializar-se deles nem atingir de facto uma nova adaptação ou um
ao longo do tempo, tem desempenhado uma domínio da situação.
função importante na vida do ser humano. Dejours (1994) propôs-se a analisar as estratégias de defesa (individuais
Assume um papel central na formação da e colectivas) dos trabalhadores pois achava serem de maior relevância do
identidade do indivíduo e tem uma implicação que o estudo das doenças mentais decorrentes das condições de trabalho. O
directa nas várias formas de comportamento. sofrimento mental nem sempre é prejudicial à saúde física e mental do traba-
Implica directamente na inserção social dos in- lhador, pode, representar um meio através do qual o indivíduo confere uma
divíduos, é essencial na construção de relações nova significação ao trabalho, à medida que se depara com a necessidade
interpessoais e sociais e de trocas afectivas e de solucionar um problema dentro do seu ambiente de trabalho. Através do
económicas. sofrimento o trabalhador tem a hipótese de aprender a dominar as suas an-
O trabalho assume uma posição central gústias, controlar o seu sofrimento, bem como a alcançar o reconhecimento
na construção da identidade do indivíduo im- social de seu trabalho.
plicando directamente nas formas de inser- As pesquisas realizadas sobre esses mecanismos indicaram que, para en-
ção social dos indivíduos podendo ser visto frentar essa complexa variedade de possibilidades de vivências que nascem
como algo essencial na construção de redes da interacção com os contextos de trabalho, os trabalhadores constroem
de relações sociais e de trocas afectivas e estratégias de mobilização colectiva, estratégias defensivas (individuais ou
económicas. Entrar no mercado de trabalho colectivas) e estratégias criativas. As estratégias de mobilização colectiva,
representa, além da garantia de um salário, a conforme afirmam Ferreira e Mendes (2003), são modos de agir em conjunto
conquista de uma identidade social pela qual dos trabalhadores, através da discussão e da cooperação, para eliminar o
o reconhecimento surge, possibilitando ao in- custo negativo do trabalho, (re)significar o sofrimento, fazer a gestão das
divíduo pertencer a uma comunidade e a uma contradições e transformar a organização, as condições e as relações sociais
cultura. Contudo, nem sempre é fácil obter o em fonte de prazer e bem-estar. As estratégias defensivas interpõem-se entre
sentimento de pertença. Acima de qualquer a organização do trabalho e o funcionamento psicológico, actuando como
coisa, o indivíduo precisa de se sentir reco- uma espécie de amortecedor contra as pressões organizacionais.
nhecido pela sua produtividade, pelo valor Ferreira & Mendes (2003) explicam que as estratégias defensivas ocorrem
que adiciona à organização á qual pertence. durante um determinado tempo e têm a função de preservar o Eu contra os
Manter-se motivado, interessado e produti- conflitos e as emoções desadaptativas. Entretanto, alertam que, apesar de
vo requer um elevado gasto de energia psí- protegerem os indivíduos, actuam pela transformação, pela suavização da
quica, principalmente em tempos de elevada realidade, podendo, desse modo, mascarar o sofrimento e diminuir a acção
taxa de desemprego e alta competitividade. contra as pressões do trabalho. Nessa perspectiva, tornam-se instrumentos
A falta de reconhecimento, a insatisfação no de exploração por parte da organização cujo objectivo é o aumento de produ-
trabalho, condições físicas de trabalho inade- tividade, além de que, a constante utilização das estratégias defensivas pode
quadas, relacionamento difícil com a equipe levar à alienação e, quando fracassam, tornam-se ineficazes e conduzem à
de trabalho, pressão, orientações contraditó- doença.
rias para a execução das tarefas, são factores
também relevantes e causadores de sofrimento
mental. Como se pode constatar, inúmeros são Conclusão
os factores que podem ou não ser desencade-
Este trabalho foi desenvolvido com o objectivo de estudar a relação entre
adores do sofrimento mental no trabalhador.
o trabalho e a saúde mental nas organizações. Com esta pesquisa foi possível
Este, por sua vez, caso não consiga gerir os
analisar até que ponto uma organização do trabalho pode ser construída de
seus sentimentos frente a estas questões e não
forma a criar um espaço de subjectividade. O local de trabalho é um espaço
seja capaz de se adaptar às novas realidades,
onde o trabalhador exprime a sua subjectividade, e a constrói.
ou criar mecanismos para aliviar essas ten-
As organizações submetem continuamente o trabalhador a métodos e téc-
sões, a sua saúde ficará afectada assim como a
nicas que o avaliam, analisam, mas não procuram conhecer o seu potencial
sua relação com o trabalho.
criativo, ou seja, procuram acções sem o devido conhecimento daquilo que o
indivíduo vive e sente.
Estratégias de defesa As investigações em psicodinâmica do trabalho dos últimos dez anos de-
monstram que a introdução e rápida generalização dos novos métodos de ava-
do trabalhador na relação liação individual de desempenho, levada a cabo pela gestão dos recursos huma-
nos das organizações, têm um papel fulcral na destruição das possibilidades do
com o trabalho trabalho colectivo, da cooperação e da solidariedade. Estes novos métodos de
organização do trabalho estão implicados nos processos de servidão voluntária
Estratégias são um conjunto de sentimen- e de deterioração da saúde mental no trabalho; pois ao invés da entreajuda e da
tos, representação e tendências comportamen- solidariedade, a solidão e o medo invadem o mundo do trabalho. O poder, a in-
tais que sobrevêm automaticamente, quando justiça, o assédio e a ameaça de despedimento apresentam-se como principais
um indivíduo percebe uma ameaça psíquica, desencadeadores do isolamento do indivíduo no contexto do trabalho. Com a
o que o protege da angústia, de uma tomada sobrevalorização do desempenho individual, a solidariedade e a cooperação
de consciência dos conflitos e perigos internos desmoronam-se e assim é afectada a saúde mental no trabalho. Para recuperar
e externos, ou lhe permitem acomodar-se de aquilo que foi destruído no decorrer deste progresso nocivo é necessária uma
uma forma mais fácil, sem necessariamente
Pessoas &
57 _ Sintomas

transformação da organização do trabalho, de central na construção da saúde e da identidade dos indivíduos e que a sua
modo a restabelecer as condições necessárias influência se manifesta para além do dia de trabalho e se estende para toda a
para a cooperação. vida familiar e social (Dejours, 1993, 1994, 1997, 2004, 2010).
A psicodinâmica do trabalho considera que A escuta proposta pela Psicodinâmica do Trabalho é realizada de forma
as vivências de prazer-sofrimento não são rela- colectiva e desenvolvida a partir de um processo de reflexão sobre o próprio
ções lineares. Cada trabalhador é influenciado trabalho. É a partir desse processo reflexivo que o indivíduo se torna capaz de
pelo modelo de organização ao qual está sub- se reapropriar da realidade do seu trabalho, e é essa reapropriação que per-
metido, e pela forma como percebe e interpre- mite a mobilização dos trabalhadores promovendo as mudanças necessárias
ta esse modelo, baseado nos seus processos para tornar esse trabalho mais saudável. Essa escuta dá-se em grupos, enten-
psicológicos internos e na gestão colectiva didos como uma ampliação do espaço público de discussão, o que possibilita
da organização do trabalho. A psicodinâmica a transformação de compreensões individuais em reflexões colectivas.
propõe-se estudar os aspectos menos visí- Considera-se possível construir um clima organizacional onde o trabalha-
veis que são vivenciados pelos trabalhadores dor sinta prazer no que faz. Para isso, a psicodinâmica do trabalho não se
ao longo do processo produtivo, tais como: propõe a inserir conteúdos no âmbito organizacional, mas em conhecer os
mecanismos de cooperação, reconhecimento, significados construídos no trabalho através da fala dos trabalhadores. O tra-
sofrimento, inteligência, interesse-motivação e balho precisa de ser sentido pelo indivíduo como um objectivo de vida, como
as estratégias defensivas que se desenvolvem forma de gerar saúde e produtividade. O campo do trabalho é um local onde
e se estabelecem a partir das situações de tra- o trabalhador exprime as suas características singulares e a sua expectativa
balho. Refere que o trabalho é um elemento de vida.

Bibliografia
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Atlas. zacionais no pessoal de enfermagem de dois hospitais públicos. Dissertação de
Mestrado em Psicologia, Instituto de Psicologia. Brasília: Universidade de Brasília.
®
máquinas e equipamentos
A universidade Católica Portuguesa afir-
ma-se, também, pela ligação à socieda-
de civil e, a Psicologia do Trabalho e das
Organizações, tem procurado contribuir
directamente para a solução dos proble-
mas sociais e económicos da região, pela
ligação estreita ao tecido empresarial,
pela investigação produzida e pela re-
flexão conjunta Universidade-Empresas,
aqui simbolicamente representadas pela:
Mebra, Ferrolho, MD, Aliança Artesanal
(Namorar Portugal) e Casa Batalha.
Congresso Internacional
de Psicologia do Trabalho e
das Organizações
International Congress of Work
and Organizational
Psychology

www.congressos.facfil.eu

12 e 13 julho 2012
Faculdade de Filosofia
Universidade Católica Portuguesa
Braga

Áreas Temáticas / Thematic Areas:


Prazer e Sofrimento no Trabalho / Pleasure and Suffering at Work
Diagnóstico Organizacional / Organizational Diagnosis
Trabalho, Férias e Recovery Experiences / Work, Vacations and Recovery Experiences
Mobbing, Clima e Cultura / Mobbing, Climate and Culture
Liderança / Leadership
Conflito e Negociação / Conflict and Negotiation
Direitos e Deveres dos Trabalhadores / Rights and Obligations of Employees
Organização, Espaço Europeu e Informação on-line / Organization, European Area and on-line
information
O Trabalho e as Tecnologias da Informação e da Comunicação / Work and Information and
Communication Technologies

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