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SPEC L DÉJÀ-VU
ÉJA |
A ESTRANHA SENSAÇÃO DE JÁ TER VIVIDO ALGO
ANO XIII
No 308
SILÊNCIO
Exercícios práticos
ajudam a aumentar
o equilíbrio interno
APRENDIZAGEM
A importância
de escrever à mão para
memorizar informações
TELEPATIA
A capacidade de
“ler mentes” não
tem nada de sobrenatural,
basta praticar
RISCOS E BENEFÍCIOS
Usados como medicamento, compostos da
cannabis aliviam sintomas de dor crônica,
depressão, epilepsia e câncer. Mas o uso
excessivo pode causar danos físicos e mentais
carta da editora
Baseado em pesquisas
alar em maconha fora de grupos homogêneos, com formas muito similares de pensar, é quase
F sempre sinônimo de polêmica: raramente há consenso. Nem a ciência nos oferece esse conforto.
O consumo apresenta riscos? Sim, como ocorre com qualquer substância psicoativa, o uso exces-
sivo causa prejuízos à saúde física e mental, em especial na adolescência. Recentemente, pesquisado-
res das universidades Northwestern e Harvard avaliaram o funcionamento neurológico de jovens com
idades entre 18 e 25 anos, divididos em grupos de usuários e não usuários, os submeteram a exames
de ressonância magnética e concluíram que o consumo recreativo de cannabis pode estar associado a
alterações no sistema de recompensa.
Diversos artigos apontam que mesmo o uso casual da droga pode prejudicar o cérebro de jovens, tor-
nando-os pouco interessados em atividades prazerosas que não incluam o uso da erva. Embora muitos
que combatem o uso recorram a estudos como esse para embasar suas opiniões, é preciso considerar que
os pesquisadores não levaram em conta a influência de outras substâncias, como álcool e tabaco.
Aliás, uma pesquisa publicada pelo periódico The Lancet mostra o álcool como a quarta droga mais
perigosa, atrás do crack, da heroína e da metanfetamina. O tabaco aparece em oitava posição e a maco-
nha, em 12ª.
Mas também há benefícios no uso da maconha em determinados casos? Muitos estudos mostram
que sim. Além de diminuir a intensidade e frequência de crises de epilepsia em circunstâncias especí-
ficas, compostos da cannabis estimulam o apetite (um grande benefício para pacientes que precisam
manter o peso) e ajudam a aliviar náuseas que atormentam pessoas com câncer, submetidas à quimio-
terapia. Além disso, a maconha tem propriedades que interrompem a transmissão dos sinais de dor e
ainda podem proteger os neurônios dos danos causados por traumas.
Outra “contradição”. Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade de British Columbia (UBC)
revelou evidências de outro uso da maconha: a redução de danos para medicamentos com alta capacidade de
dependência, como os analgésicos, muitas vezes usados de maneira desenfreada nos Estados Unidos. “Cons-
tatamos que as pessoas recorrem à cannabis como uma droga de saída para reduzir o uso de substâncias po-
tencialmente mais nocivas, como medicação para dor, os opiáceos”, conta Zach Walsh, professor de psicologia
na UBC. O estudo, publicado no periódico científico Clinical Psychology Review, também indica evidências de
que a cannabis pode ajudar contra sintomas de depressão, estresse pós-traumático e ansiedade social. Porém,
o uso não é recomendado para aqueles que apresentam sinais de transtorno bipolar ou psicose. O problema é
que nem sempre as pessoas sabem que são predispostas a apresentar esses quadros psiquiátricos. Ou seja, faz
mal? Sim. Faz bem? Sim. Depende de quem consome – e de quanto, como e quando se usa.
Boa leitura.
3
sumário | setembro 2018
especial • déjà-vu
16 capa
Como a ciência explica
a estranha sensação de
“reviver” uma situação
38 Você já viu isso!
MACONHA De repente surge aquela impressão de já termos
vivido algo – e a sensação é, quase sempre, de
riscos e estranhamento. Há hipóteses interessantes sobre
44 Outra forma
de captar a realidade
Cientistas acreditam que, se compreenderem
essa experiência, ampliarão os conhecimentos
sobre o funcionamento da consciência, distúrbios
da memória e a maneira como interpretamos a
realidade
21 Possíveis relações
biológicas com autismo
Estudo com modelos animais sugere que
sistema endocanabinoide pode estar alterado em
casos de transtorno do espectro autista (TEA)
MARKETING/WEB CENTRAL DE
Diretora: Carolina Martinez ATENDIMENTO AO LEITOR
52 A arte de ouvir o silêncio Gerente de marketing:
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percepção
6
6
percepção
D
esde pequenos aprendemos uma série de coisas
só observando o mundo que nos cerca. Nos pri-
meiros anos de vida começamos a entender a tris-
teza, alegria, desilusão e ciúmes dos outros como
correlatos emocionais de nossos comportamentos. “Não chora,
mamãe”, provavelmente dirá a garotinha ao ver a mãe emocio-
nada por alguma razão. Por volta dos 4 anos, as crianças dão
os primeiros passos em direção ao domínio das habilidades
sociais: copiam gestos, imitam palavras e atitudes e, geralmen-
te, desenvolvem simpatias. Dessa forma, sinalizam que fazem
parte dos mesmos círculos de que todos nós participamos para
nos tornar “membros da tribo”, capazes de compartilhar com-
portamentos socialmente
Estímulos emocionais que contagiantes como chorar,
captamos e a maneira bocejar, sorrir, gargalhar e
fazer caretas de nojo.
como os interpretamos se
Imaginar o que se pas-
transformam em respostas
sa com a outra pessoa, por
e desencadeiam reações
qual razão alguém fez ou
físicas, como transpiração, disse determinada coisa
taquicardia e aumento da nos confere alguma sensa-
pressão arterial ção de tranquilidade, como
se o mundo a nosso redor
izesse sentido e, contornado pela lógica, se tornasse menos
ameaçador. Esse tipo de intuição surge naturalmente para a
maioria de nós – mas não para todos. Pessoas com autismo
não dispõem desse recurso. O transtorno do desenvolvimento
afeta uma pessoa em cada 500 (essa cifra varia, dependendo
de como deinimos o distúrbio). Atualmente, tem sido adota-
7
percepção
9
percepção
Neurônios-espelho
É por meio das interações sociais que aprendemos o que é
importante para nossa sobrevivência e a nos identiicar com
as emoções dos outros, reconhecer seus desejos, perspecti-
vas, intenções. Tudo que nosso semelhante faz ou deixa de
fazer nós podemos compreender, já que nosso cérebro tem
a capacidade de organizar uma representação da vida interior
10
percepção
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percepção
A dor alheia
Para aprofundar a pesquisa desse fenômeno, 16 casais volun-
tários participaram de um experimento muito original. A mulher
se submetia à ressonância magnética funcional e o marido ou
namorado sentava-se ao lado dela. A mão esquerda de ambos
estava conectada a eletrodos, pelos quais recebiam descar-
gas elétricas de diferentes intensidades. As mais fortes doíam
como uma picada de abelha, mas duravam apenas um segun-
do e não deixavam marcas. Em um monitor, setas de cores
diferentes mostravam para a mulher se o parceiro estava re-
cebendo os choques e a que intensidade. Um não via o rosto
do outro, guiavam-se apenas pelos sinais do
monitor.
Quando a mulher recebia uma descarga de
baixa intensidade, todo o circuito de assimilação
da dor de seu cérebro era ativado: ínsula, córtex
somatossensorial primário e secundário, córtex
cingular anterior, tálamo, cerebelo e certas re-
giões do tronco cerebral. Essas eram justamen-
12
percepção
13
percepção
14
capa • maconha
Possibilidades
te
da
Estudos recentes
indicam que compostos
da maconha podem
proteger o cérebro dos
efeitos do trauma, aliviar
espasmos da esclerose múltipla
e reduzir crises epilépticas.
Trabalho preliminar mostra
que as substâncias têm
potencial para retardar
o crescimento de tumores
e reduzir a lesão cerebral
em casos de Alzheimer
capa • maconha
A
polêmica a respeito da Cannabis sativa, a maco-
nha, é antiga, mas vem se tornando cada vez mais
atual, à medida que surgem novos estudos a res-
peito dos efeitos da substância nas funções cere-
brais (como atenção, motivação, memória), bem como dos
riscos da utilização e de seu potencial terapêutico. Inúmeras
pesquisas publicadas nos útimos anos – muitas delas feitas
em tubos de ensaio e animais, mas algumas executadas em
humanos – sugerem que os canabinoides, ingredientes ati-
vos da maconha, podem ter usos medicinais, até além dos
reconhecidos e aprovados legalmente em alguns países.
Alguns
A questão, porém, não se restringe à compreen-
estudos
são dos efeitos neurológicos que o consumo provoca.
sugerem É preciso antes entender alguns pontos importan-
que o THC e o tes. O composto químico da maconha que induz
canabidiol podem a alucinações, o delta-9-tetraidrocanabinol
aumentar o fluxo de (THC), foi isolado em 1964. Vários outros
sangue no cérebro, componentes foram descritos desde
trazendo o oxigênio então, inclusive o canabidiol (com-
e nutrientes para os posto que não provoca euforia),
neurônios em risco; usado por pacientes com epilepsia.
No inal da década de 1980 e início dos
esse mecanismo,
anos 1990, cientistas passaram a identiicar e
porém, não
a mapear dois grupos de moléculas, conhecidos
é totalmente
como receptores, no sistema nervoso central e no
compreendido sistema imune, que ajudam canabinoides a se ligarem
a células. Essa interação parece desempenhar um papel
crítico sobre diversos efeitos da maconha. O cérebro dispõe
de pequenas quantidades de seus próprios canabinoides, os
endocanabinoides, que também se ligam a esses receptores.
17
capa
USO MEDICINAL: Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que o derivado canabidiol não seja tratado como
droga; substância tem sido empregada no tratamento de doenças neurológicas e para aliviar sintomas de câncer
19
capa • maconha
20
capa • maconha
O
s endocanabinoides se diferenciam dos neu-
rotransmissores clássicos, entre outros fatores,
por terem um sistema de transmissão retrógra-
do, ou seja, se propagam do neurônio pós-si-
náptico para o pré-sináptico. Na prática, isso signiica que os
endocanabinoides e os receptores CB1 influenciam eventos
que ocorrem no neurônio pré-sináptico, como a liberação de
neurotransmissores como GABA e glutamato, envolvidos no
balanço inibitório-excitatório das células.
Assim, os receptores CB1 influenciam de forma indireta a
“O aumento liberação da dopamina, pois “inibem o efeito inibidor” do
de dopamina, GABA sobre a dopamina, de forma que esta é libe-
efeito indireto rada em diversas estruturas do cérebro, incluindo
da droga, afetou as que fazem parte do sistema de recompen-
a busca natural por sa – por isso há aumento de dopamina no
recompensa social; o cérebro quando há aumento da dispo-
22
capa • maconha
24
capa • maconha
Maconha:
um pequeno
guia Contra ou a favor? Para
formar qualquer opinião, é
fundamental compreender
informações básicas.
No Brasil, o uso é proibido
tanto para uso recreativo
quanto medicinal
por Fernanda Teixeira
capa • maconha
R
elatos de 2700 a.C. descrevem o cultivo e uso
da Cannabis sativa, a maconha, como analgésico e
ansiolítico na China. No inal do século 19, cigarros
da planta e extrato líquido eram vendidos em far-
mácia – indicados, por exemplo, para induzir ao sono e con-
trolar a bronquite crônica. Depois de décadas de proibição
da cannabis e seus derivados ao longo do século 20, estados
americanos e alguns países começaram a liberar o uso mé-
dico da planta.
Nesses locais, a prescrição médica se baseia no equilíbrio
das proporções de dois itocanabinoides (os componentes
que interagem com o sistema endocanabinoide do cérebro)
principais: tetraidrocanabinol (THC) e canabidiol (CBD). Ou seja:
variedades padronizadas da planta são receitadas de acordo
com a maior ou menor porcentagem desses canabinoides.
26
capa • maconha
Política no Brasil
A cannabis é atualmente proibida no Brasil, seja
para qualquer tipo de uso. Portar a droga é crime,
independentemente da quantidade. Os critérios
que definem traficante (revendedor) e usuário
(consumidor) não são objetivos, dependem de
quantidade e circunstâncias de apreensão. Mas as
penalidades são mais brandas no segundo caso.
A exceção vale unicamente para remédios com
maior quantidade de CBD que de THC, obtidos
por meio de importação.
27
capa • maconha
Legalização
Regulamentação É importante mudar leis de forma a
É o que vai determinar o controle da venda e permitir o cultivo próprio e produção
acesso à substância. Interferência do Estado de cannabis para comercialização. Pode
pode variar de acordo com cada país. Por contemplar somente o uso medicinal
exemplo: em alguns estados americanos, a ou também o recreativo, dependendo
maconha é vendida apenas para uso medicinal, de cada país ou, no caso dos Estados
em dispensários, com receita médica. Na Unidos, estado. Nesse país, 23 estados
Holanda, o uso recreativo é permitido em locais e Washington permitem o uso medicinal
específicos, que vendem a droga com índices – quatro deles permitem também o
controlados de canabinoides, bem explícitos ao recreativo. Envolve muitas discussões,
consumidor. pois demanda regulamentação.
capa • maconha
Descriminalização
Nesse caso, o porte da droga
para consumo próprio deixa
de ser crime. Mas o tráfico
continua sendo proibido
THC X CBD
SÃO OS COMPONENTES DA
MACONHA MAIS ESTUDADOS.
Vantagens de
escreve
à mão
Tomar notas de próprio punho pod
o processo de aprendizagem do qu
acreditam que processo ajuda a ret
31
cognição
32
sexualidade
Idosos
buscam respostas sobre
sexo na internet
U
ma pesquisa sugere que um nú-
Falar sobre o tema
mero crescente de idosos conti-
costuma ser tabu tanto
nua a ter vida sexualmente ativa,
para os mais velhos,
quanto para seus o que colabora com a saúde e a
cuidadores e parentes; felicidade. Embora boa parte hesite em discu-
felizmente, a tecnologia tir questões íntimas com o médico, um novo
pode ser muito estudo revela que muitos têm lançado mão
útil na hora de de comunidades online para ter entre si as
procurar informações respostas e o apoio de que necessitam.
34
34
sexualidade
35
sexualidade
36
DISPONÍVEL NA LOJA SEGMENTO
especial • déjà-vu
Você já
viu isso!
De repente surge aquela impressão de já
termos vivido algo – e a sensação é, quase
sempre, de estranhamento: é o que chamam
de déjà-vu. Neurologistas e psicólogos
tentam compreender esse misterioso
fenômeno da percepção temporal
38
especial • déjà-vu
V
ocê já se “lembrou” de ter vivido determinado mo-
mento segundos antes de ele ter ocorrido? A sensa-
ção costuma ser acompanhada de certo desconfor-
to. Mas quando foi isso? Será possível? Esse tipo de
experiência de déjà-vu, a sensação difusa de já ter vivido antes
uma nova situação exatamente da mesma forma, é comum.
Algumas pessoas chegam a sentir esse momento como irreal,
como num sonho. O sentimento de poder prever com exatidão
o que vai acontecer no momento seguinte também não é raro.
E, vez por outra, um lugar parece estranhamente conhecido
para uma pessoa, apesar de ela ter certeza de nunca ter esta-
do lá antes. Por isso, desde tempos imemoriais os déjà-vus são
considerados indícios de vidas passadas e de renascimentos.
Para o psicólogo e neurocientista Akira O’Connor, pesquisa-
dor da Universidade de Saint Andrews, na
Há mais de um
Escócia, o fenômeno pode ser resultado
século, Sigmund de uma espécie de “checagem da memó-
Freud levantou ria”, realizada periodicamente pelo cérebro.
a hipótese de Em um estudo, ele e sua equipe procura-
que déjà-vus ram induzir o déjà-vu em 21 voluntários e
resultariam os submeteu a exames de ressonância
do desejo de magnética (veja texto na pág. 48). Ele previa
recapitular eventos que durante os exames de neuroimagem
reprimidos, fossem ativadas as regiões cerebrais as-
sociadas à memória (como o hipocampo),
funcionando
mas o pesquisador se surpreendeu com
como mecanismo
o resultado: o que constatou foi um maior
de defesa contra funcionamento das partes que participam
experiências das tomadas de decisões. Para O’Connor,
traumáticas os resultados apresentados na Conferên-
39
especial • déjà-vu
Não é alucinação
Também estudioso do assunto, o neurocientista Uwe Wolfradt,
professor do Instituto de Psicologia da Universidade Martin, em
Halle-Wittenberg, na Alemanha, entrevistou mais de 220 estu-
dantes a respeito dessa experiência. Segundo ele, 80% disse-
ram acreditar que, durante um déjà-vu, estavam se lembrando
inconscientemente de um acontecimento que haviam esque-
cido temporariamente. Essa noção lembra a ideia de Sigmund
Freud (1856-1939) de que déjà-vus resultam do desejo de re-
capitular eventos reprimidos. Ou seja, um mecanismo de defe-
sa contra experiências traumáticas.
40
especial • déjà-vu
Estímulos subliminares
Uma teoria da psicologia da cognição diz que nós podemos
ter a sensação de que uma pessoa, um local ou um aconteci-
mento nos são familiares mesmo quando já experimentamos
anteriormente apenas um aspecto determinado deles – como
um odor característico – em outro contexto. Esse elemento
unitário – que nós, porém, esquecemos ou percebemos na
época apenas inconscientemente – desencadeia uma sen-
sação de familiaridade que é transferida
Na maioria para toda a “composição”.
dos casos, o Algumas suposições também se baseiam
no processamento inconsciente de infor-
fenômeno ocorre
mações, airmando que falhas de aten-
na sequência de
ção seriam as responsáveis pelo déjà-vu:
uma situação de ao dirigir um carro, por exemplo, você se
tensão, quando, concentra no trânsito. Você vê uma mulher
após o período de blusa vermelha na calçada, com um
de vigilância e cachorrinho na coleira, mas não registra a
depois de cansaço, cena conscientemente. Um instante de-
finalmente pois, você tem de parar no semáforo e tem
relaxamos tempo de olhar em volta com calma. Nes-
se momento, a mulher que atravessa com
41
especial • déjà-vu
42
especial • déjà-vu
Outra forma
de captar
a realidade
Durante a vivência, duvidamos da realidade por
uma fração de segundo. Para neurocientistas,
observar o fenômeno pode ajudar a entender
melhor a consciência, os distúrbios de memória
e como o cérebro produz uma imagem contínua
do que experienciamos
44
especial • déjà-vu
45
especial • déjà-vu
47
especial • déjà-vu
Fabrique
seu próprio
déjà-vu
Pesquisador criou técnica para que voluntários
tivessem a impressão de já ter ouvido
determinada palavra, quando na verdade
apenas haviam feito uma associação
com outras de sentido próximo
48
especial • déjà-vu
O
estudo metodológico sobre a sensação de ter
vivido algo que não foi experienciando de fato
não é simples, já que o fenômeno não se anun-
cia, algumas pessoas nunca o têm e outras ra-
ramente o experimentam. Por causa disso, cientistas quase
sempre têm de coniar na memória dos voluntários quando
eles relatam o fenômeno – o que nem sempre garante in-
formações precisas.
Para driblar essas diiculdades, o psicólogo e neurocien-
tista Akira O’Connor, pesquisador da Universidade de Saint
Andrews, na Escócia, desenvolveu técnicas para estimular
voluntários que participavam de seus experimentos a viver
experiências de déjà-vu. Para induzir os participantes a essa
sensação, O’Connor e sua equipe liam para eles uma lista de
palavras relacionadas, como cama, travesseiro, noite, sono.
49
especial • déjà-vu
O’Connor e sua
equipe liam uma
lista de palavras
relacionadas,
como cama,
travesseiro,
noite, sono. No
entanto, não
pronunciavam
o vocábulo que
uniria todas No entanto, não pronunciavam o vocábulo
elas: nesse que uniria todas elas: nesse caso, “dormir”.
caso, “dormir” Se nessas circunstâncias alguém per-
guntasse aos participantes se acredita-
vam tê-la ouvido, muitos teriam a falsa
lembrança de que sim. Mas o que O’Connor fazia na verdade
era indagar aos voluntários se tinham ouvido alguma pala-
vra que começava pela letra d, ao que eles respondiam que
não. E depois lhes perguntava se tinham ouvido o vocábulo
“dormir”. Os participantes estavam conscientes de que não
podiam tê-la escutado (pois começa por d).
Simultaneamente, porém, a ideia lhes parecia muito fami-
liar. Segundo reconhece o próprio psicólogo, um problema
desse tipo de método é que os participantes frequentemente
dizem aos pesquisadores o que acreditam que querem ou-
vir. “Com boa intenção, alguns tentam nos convencer de que
realmente tiveram um déjà-vu, embora saibamos que não é
um fenômeno real, e sim um análogo experimental, apenas
similar”, diz O’Connor. Essa constatação não chega a compro-
meter o estudo, mas diiculta alguns aprofundamentos.
50
saúde mental
A arte de ouvir
o silêncio
S
ão seis da tarde. Nesta época do ano, a noite cai cedo
e mergulha a floresta numa doce penumbra. O vento
brando nas árvores, o repique dos sinos da igreja ao
longe, depois os do templo protestante, como um eco.
Os pássaros se calam. Um farfalhar e alguns estalos sugerem a
presença de animais selvagens. Aqui na região costumamos to-
par com corças e javalis, sem falar num número impressionante
de aves de rapina, corvos e gatos errantes. O crepúsculo é tran-
quilo, como se o próprio tempo estivesse suspenso. O inverno é
tão relaxante para quem sabe ouvi-lo!
Sim: ouvir o silêncio, o espaço entre as palavras, a calma na
tempestade e a passagem do tempo. Reaprender a provar: o
sabor de um instante,
o aroma de um prato,
Alguns segundos de silêncio
a espuma dos dias e
“roubados” de nossa rotina
o calor do fogo. Rea-
atarefada são como um desvio
prender a sentir: o
da estrada monótona da rotina, contato das mãos, um
podem mudar o estado mental coração que bate, o
e o tom de um dia inteiro espaço que se abre e
o tempo que para...
Mas vale assinalar o fato de que o silêncio não tem nada a ver
com a ausência de barulho. Todo mundo já viveu a experiên-
cia do ilimitado em algum momento: caminhando no coração
de uma floresta; parando subitamente em meio a uma multidão
em movimento; voltando para casa de ônibus no meio da noite;
escutando as conversas de amigos – de longe – sem realmente
ouvi-las... Todas as vezes, o silêncio estava à espreita.
Entre as palavras, entre as imagens habituais, entre as sensa-
ções familiares, existe um universo paralelo, uma calma absolu-
53
saúde mental
que surja uma nova percepção do seu fóbicos e inacessível aos orça-
corpo e uma nova percepção do mundo mentos mais modestos, preferi
que o cerca. Respire profundamente
sentindo o ar passar por suas narinas. propor aqui experiências mais
Faça essas pausas visuais de três poéticas completamente gra-
minutos a cada duas horas tuitas.
O universo sonoro é mais rico e
sua busca pelo silêncio, sem dúvida,
bem diferente da nossa. De tanto conviver com esses especia-
listas, aprendi a erguer minhas próprias orelhas com entusiasmo
e curiosidade em todas as direções. Ouvir mais me conecta ao
momento presente e – em última instância – ao silêncio.
Quando volto à agitação da cidade, quase sempre preciso fa-
zer o caminho oposto. É bem difícil, depois de passar horas de-
54
saúde mental
55
saúde mental
Pelo menos
uma ou duas vezes por
semana, almoce sozinho e em
silêncio, sem o celular por perto.
tornos do mundo icam mais níti-
Uma solidão consentida e luminosa.
dos. E isso não é nada se com- Nessa pausa você dedicará tempo a
parado a todas as descobertas mastigar cada pedaço, saboreando com
consciência a sua refeição. Você vai
que você poderia fazer se paras-
perceber que o tempo desacelera e que
se algumas vezes ao longo do dia um imenso espaço de tranquilidade
e olhasse para o céu. Nosso minu- pode surgir mesmo no meio
de um dia agitado.
to de silêncio parece parar o tempo.
57
livros | lançamentos
O câncer revisitado
Autora especializada no acompanhamento de pessoas
com doenças terminais partilha sua experiência
em tom ao mesmo tempo delicado e assertivo
59
livros | caixa lúdica
A menina feita de
feito de nuvens
Com delicadeza, livro conta a história de uma garotinha
com vitiligo, uma doença autoimune caracterizada pela
despigmentação da pele
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