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COMO FAZER INIMIGOS E AFASTAR PESSOAS

Thomaz Wood Jr.


Este livro é dedicado a todos os colegas e amigos que conseguiram

preservar o senso crítico e o bom humor durante o período de

trevas do culto do management e do conformismo...


Sumário

Apresentação

PARTE 1: FALANDO MAL DOS GENTIOS

Homo ignobilis

Os cavernícolas

Clientes selvagens

Heróis em baixa

Empurrando com a barriga

O erro tipo três

O erro tipo quatro

Voyeurs em fúria

Distopia virtual

A turma Y

Na contramão

Sexo verde

PARTE 2: FALANDO MAL DAS CORPORAÇÕES

Enxofre e naftalina

A praga de Colbert
Insensatez e insensibilidade

Pulmões e cérebros

Mal amadas, mal entendidas

Na beira do abismo

Depois das horas

A armadilha do groupthinking

Déficit de atenção

O futuro em cores

O encontro das águas

Homo mobilis

PARTE 3: FALANDO MAL DA GESTÃO

A vida como extensão da empresa

Na turma do fundão

RH negativo

Clonagem arriscada

Salsicheiros e pasteleiros

Leituras fugazes

O futuro do management

Revolucion!
Impostos em fúria

Corrida de obstáculos

Empregos vitalícios

PARTE 4: FALANDO MAL DA CRISE

A crise e os bodes

Troca de cena

Humores em transe

Tragédia nórdica

Marolas e vagalhões
Apresentação

Como Fazer Inimigos e Afastar Pessoas reúne ensaios escritos a

partir de um olhar crítico sobre as organizações e seus

habitantes. O título, naturalmente, é uma paródia do conhecido


Como fazer amigos e influenciar pessoas, de Dale Carnegie. De

fato, se pensarmos em uma “célula tronco” dos livros de auto-

ajuda empresarial, este seria a obra de Carnegie.

O fato é que há sete décadas o curioso volume mantém uma carreira


de sucesso. Nada menos do que 15 milhões de cópias foram

vendidas. Os preceitos contidos no livro venceram as fronteiras

do espaço e do tempo. Os clones Carnegie espalharam-se pelo


comércio e pela indústria, pelo litoral e pelo planalto

(central), pelas letras e pela mídia.

Este escriba prefere tomar a rota oposta e apresentar aos

leitores uma visão crítica sobre a vida nas organizações. Os


ensaios deste libro estão divididos em quatro partes: a primeira

parte é composta por 12 textos focados no indivíduo, suas

posturas e seus comportamentos; a segunda parte também é composta


por 12 textos, voltados para o estranho mundo das organizações; a

terceira parte é composta por 11 textos, que focalizam as

práticas de gestão; e a quarta parte compreende cinco textos, que


tratam do momento de crise vivido a partir do final de 2008.

Como Fazer Inimigos e Afastar Pessoas, da mesma forma que outros

volumes que o antecederam, foi escrito para o leitor de tempo

escasso, porém determinado a buscar conhecimento bem


fundamentado. Os capítulos são curtos, porém foram escritos com
base em pesquisas. Todos os textos foram norteados pelo dever e

pelo prazer de exercer um olhar crítico sobre a vida executiva.

Boa leitura!

São Paulo, julho de 2009.


PARTE 1: FALANDO MAL DOS GENTIOS
Homo Ignobilis

Na chamada era do conhecimento, segmentos consideráveis da

população parecem sofrer de anorexia intelectual: eles hostilizam

o saber e celebram a ignorância.

Circulam freqüentemente pela Internet listas de atrocidades

lingüísticas cometidas por estudantes em exames vestibulares. Há


alguns anos, uma safra auspiciosa, embalada por questões

ambientais, produziu impagáveis reflexões sobre a “dificuldade de

achar os pandas na Amazônia”, a “extinção do micro-leão dourado”


e a poluição das “bacias esferográficas”. Muito antes de Al Gore,

nossos jovens já haviam chegado à conclusão de que a questão

ambiental “é um problema de muita gravidez” e que, para resolvê-


lo, não se deve preservar “apenas o meio ambiente, e sim todo

ele”. Em suma, como bem sumariou um luminar: “vamos deixar de

sermos egoístas e pensarmos um pouco em nós mesmos”. Sejam


verdadeiras ou apenas fruto de algum malicioso bem humorado, o
fato é que tais pérolas bem representam a condição educacional

das hordas locais.

Frente a tais manifestações de “exuberância intelectual”,

conservadores e nostálgicos costumam deplorar a degradação do


ensino público e relembrar momentos passados, não tão soturnos,

da educação pindoramense. Os lamentadores bem poderiam se

associar aos vizinhos do norte. Lá como cá, a tendência para a


lamúria é perene, a cruzar gerações e a produzir reflexões e

provocações.

Em 1963, Richard Hofstadter publicou sua seminal obra “Anti-

intellectualism in American Life”, relacionando a tendência anti-


intelectual da sociedade à ação dos religiosos, dos políticos e

dos empresários. Segundo o autor, tais atores envolvem sua

retórica como conceitos como moralidade, democracia, utilidade e


praticidade para fomentar nos indivíduos desconfiança e

ressentimento contra o mundo da mente e a vida intelectual.

Em 1987, Allan David Bloom lançou “Closing of the American Mind”.

A obra trazia uma crítica da universidade contemporânea e da


sociedade centrada no interesse individual. Bloom lamentava a

desvalorização dos grandes livros do pensamento ocidental e a

emergência de uma cultura popular que embalava os novos


estudantes, incapazes de buscar um sentido filosófico para a

vida, e movidos apenas pela satisfação de desejos imediatos de

reconhecimento e sucesso comercial.

Vinte anos depois, uma nova obra – “The Age of American Unreason”
– assinada por Susan Jacoby, faz eco às duas primeiras. Em
declarações sobre o livro, a autora se mostra assustada com

demonstrações de ignorância na mídia e na vida cotidiana. Ainda

pior é o que percebe como uma hostilidade geral ao conhecimento,


uma mistura catastrófica que combina anti-intelectualismo – a

percepção de que muito conhecimento pode ser algo perigoso – e

anti-racionalismo – que reflete o primado da opinião sobre os


fatos e as evidências. Segundo declarou ao The New York Times, os

cidadãos de hoje não são apenas ignorantes sobre conhecimento

científico, cívico e cultural, como não acreditam que tal


conhecimento tenha alguma importância. A tenebrosa frase “não

sei, não quero saber e tenho raiva de quem sabe” nunca foi tão

popular.

Jacoby alinha três causas para o estado das coisas: primeiro, as


deficiências do sistema educacional, que segue prolongando os

anos de escolaridade, porém não gera evidências de que os

estudantes estejam aprendendo mais; segundo, a força do


fundamentalismo religioso, com sua antipatia pela ciência; e

terceiro, a influência dos liberals (esquerdistas) norte-

americanos sobre as universidades, a promover a cultura pop, e a


tornar trivial e superficial o aprendizado no ensino superior.

Em um artigo publicado no jornal The Washington Post, a própria

Jacoby condena o inexorável movimento ladeira abaixo, catalisado

pela superação da cultura escrita pela cultura do vídeo. A autora


relaciona a popularização do uso deste tipo de tecnologia ao

decréscimo da capacidade de concentração por períodos mais longos

de tempo. A onipresença da mídia eletrônica e visual estimula a


cultura da distração, e avança contra indivíduos susceptíveis,
sem defesas. Conforme o público se torna mais impaciente com o

processo de conseguir informação por meio da linguagem escrita,

aceleram-se os processos de comunicação, o que contribui para a


erosão do conhecimento geral. Enquanto as taxas de leitura

declinam, o uso de computadores, de Internet e de videogames

sobe.

Em um mundo cada vez mais dependente do conhecimento, é paradoxal


que o reconhecimento da importância da educação e do intelecto

conviva com o anti-intelectualismo, com o obscurantismo

corporativo ou religioso e com celebrações sem pudor da mais pura


ignorância. É como se inexoráveis forças ambientais induzissem os

indivíduos a um novo tipo de patologia: a anorexia intelectual.


Os cavernícolas

Só Platão explica o comportamento de alguns publicitários e de

seus pares nos domínios mercadológicos corporativos.

Em meados de agosto, o Conselho Superior do Audiovisual (CSA)

francês anunciou que proximamente os canais de TV das terras de

Voltaire não poderão mais exibir programas com a indicação de que


são destinados a crianças com menos de três anos de idade. Havia

causado irritação nos franceses as declarações veiculadas por

dois canais – Baby TV, lançado na França em 2005, e Baby First,


criado em 2007, com emissões a partir da Grã-Bretanha – de que a

programação para a audiência infantil traria supostos benefícios.

Segundo o jornal Le Monde, especialistas consultados pela CSA


avaliaram que a TV representa uma ameaça ao desenvolvimento de

crianças com menos de três anos de idade. Assistir TV favorece a

passividade, provoca agitação, gera problemas de sono, dificulta


a concentração e retarda o desenvolvimento da linguagem.

Na França e em outros países a TV é há muito tempo objeto de

preocupação para educadores, psicólogos e formuladores de

políticas públicas. No Brasil, as crianças de quatro a 11 anos de


idade passam quase cinco horas por dia diante da TV, mais tempo

do que convivendo com a família ou na escola. A informação é


assinada por Ana Lucia Villela, presidente do Instituto Alana,

uma organização sem fins lucrativos, no website www.alana.org.br.

O Instituto Alana desenvolve, desde 2005, o Projeto Criança e

Consumo, que tem como objetivo fomentar “a consciência crítica da


sociedade brasileira a respeito das práticas de consumo de

produtos e serviços por crianças e adolescentes”. A

mercantilização da infância e da juventude, o consumismo, a


erotização precoce, a obesidade infantil, a violência na

juventude, o materialismo excessivo e o desgaste das relações

sociais são os temas prioritários do Projeto. O Projeto visa


disseminar a informação apoiar a educação, porém sua equipe

também realiza uma ação direta de denúncia contra abusos dos

meios de comunicação. basta Ligar a TV para confirmar que


crianças são alvos costumeiros de publicitários e profissionais

de marketing.

Significativamente, o website do Instituto Alana registra dezenas

de notificações e ações jurídicas contra empresas que endereçam


mensagens publicitárias a crianças. A lista inclui pesos pesados

do cenário corporativo local, tais como C&A, CadBury Adams,

Cartoon Network, Coca-Cola, Editora Abril, Kellog, Nestlé, Sadia


e Unilever. Muitas das empresas mencionadas possuem listas de

valores e códigos de ética, mas parecem ignorar ou interpretar de

forma “peculiar” o Estatuto da Criança e do Adolescente e outros


instrumentos legais que tratam da matéria.

As peças relacionadas no website revelam um quadro triste da

“criação” publicitária. Uma peça para TV mostra o DVD de bordo do


Renault Scénic como a solução perfeita para “disciplinar”

crianças em uma suposta viagem de férias. O próximo passo talvez

seja promover diretamente pílulas tranqüilizantes para crianças


ativas. Comerciais de sandálias Havaianas e de serviços

telefônicos da Claro projetam jogos sensuais, próprios dos

adultos, em grupos de crianças de seis ou sete anos de idade. O


que deveria ser visto como constrangedor torna-se “engraçadinho”.

A Mattel coloca suas tradicionais Barbies a serviço do consumismo

kitsch e do mau gosto, enquanto a Candide persegue o mesmo fim,


porém usando um personagem mais ou menos real: a apresentadora

Xuxa.

Alguns publicitários e seus pares dos domínios mercadológicos

parecem ter enveredado pelo século 21 como cavernícolas do século


20, herdeiros do laissez-faire de outras eras. Assemelham-se aos

prisioneiros da célebre caverna de Platão, acorrentados ao chão e

impossibilitados de sair. Seguem a interpretar o mundo segundo as


sombras projetadas na parede à frente.

Caso deixassem a caverna, se espantariam com um mundo exterior

cheio de implicações e conseqüências. Borboletas batem asas na

Amazônia e já se forma um tornado no Texas. Talvez se


surpreendessem ao saber que fumar causa danos à saúde, que

dirigir alcoolizado causa acidentes e que fixar outdoors

emporcalha a cidade. Quiçá até notassem que os ursos polares


andam reclamando do calor e que “tirar vantagem de tudo” não é

mais o lema de algumas profissões.


No entanto, a vida segue tranqüila dentro da caverna. Na caverna

não há borboletas amazônicas, ameaça à camada de ozônio,

aquecimento global, infância roubada, consumismo e outros temas


aborrecidos da vida real. Na caverna, a conversa gira em torno de

insights geniais, campanhas criativas, verbas espetaculares e

platéias deslumbradas com tanta criatividade. Não há crise de


consciência, porque não há consciência. Não há crise moral,

porque não há moral. Na caverna, há somente cavernícolas, muitos

deles.
Clientes selvagens

A considerar o comportamento de alguns clientes, talvez seja

pertinente criar o Provicon – o Programa de Proteção e Defesa das

Vítimas dos Consumidores.

Ouço, constrangido, gravações de um call center. A seqüência, que

une quatro chamadas e soma 20 minutos, retrata a epopéia de um


cliente mal atendido. O ritmo é de filme policial. Os diálogos

são de teatro do absurdo. O primeiro ato (ou chamada) revela o

despreparo do atendente, que não registra a solicitação do


cliente, confunde seu nome e coloca-o repetidamente em espera. O

cliente responde com desmedida irritação: recusa-se a repetir as

informações prestadas, insinua as limitações mentais do


atendente, ameaça processá-lo e exige falar com um superior. De

cliente mal atendido, transforma-se em destemido guerreiro, a

invocar códigos e regulamentos: “aos amigos, tudo; aos inimigos a


lei”.

O segundo ato traz o cliente em embate com o requisitado

superior. Belicoso, ele delata o atendente, exige retratação e

clama por compensação. Ciente de sua limitada autonomia, o


superior, que, afinal, não é assim tão superior, esmera-se na

retratação, porém nega a compensação. Em um crescendo de

irritação, o guerreiro pragueja e esbraveja. Transforma o


superior em “mané”, lembra-o de seu minguado salário e ameaça

suprimir, pela força de suas relações pessoais, seu emprego.

O terceiro ato mostra o cliente triunfante. Sua compensação é

autorizada pelo superior do superior. Seu pedido será atendido.


Vitória, afinal. Porém, a conquista não lhe é suficiente. É

preciso que o inimigo seja humilhado e aprenda uma inesquecível

lição. O massacre, impetrado pelo sádico, atravessa bons cinco


minutos. O superior é levado seguidamente às cordas, nocauteado

até sentir o peso do adversário, aceitar a derrota e suplicar por

perdão. O cliente já não é um simples guerreiro. É também


inquisidor e justiceiro. Sua missão é sagrada, redentora: usar o

chicote e a palmatória para salvar a alma dos pecadores.

O quarto ato conclui o drama. O cliente – guerreiro, justiceiro,

inquisidor e missionário – é traído pelo destino. Depois de


contundentes vitórias, sua entrega sofre um atraso, o que lhe

remove o chão e a razão. A quarta ligação é marcada pelo delírio.

Sua ira transborda na forma de um fluxo trôpego e ininteligível


de blasfêmias. A vítima é uma humilde atendente que, sem defesa,

agarra-se ao seu script como a uma bóia salva-vidas. A tensão

cresce até o esperado desfecho: o corte seco da ligação. Desce a


cortina.

Os call centers constituem um fenômeno emergente no mundo do

trabalho. Suas condições de trabalho são comumente comparadas

àquelas das tecelagens inglesas da Revolução Industrial: a mão de


obra é abundante e tem baixa qualificação, o trabalho é árduo e

estafante, o controle é impiedoso e a remuneração é ínfima.


Na pré-história dos call centers encontra-se Murray Roman, um

norte-americano que, em meados da década de 1960, criou uma nova

técnica de vendas. Roman reuniu um grupo de atores desempregados,


coloco-os em uma sala repleta de telefones e pagou salários de

fome para que dessem vida a um tosco roteiro de venda. Foi um

sucesso. Nos anos 1980 e 1990, o desenvolvimento do setor foi


catalisado pelo avanço das tecnologias de informação e de

comunicação. Empresas especializadas cresceram vertiginosamente,

cruzando barreiras regionais e nacionais, em busca de mão de obra


barata.

Quem viu um, viu todos. Call centers são geralmente alojados em

salões amplos, o espaço dividido em dezenas ou centenas de

cubículos. A inspiração das linhas de montagem é nítida: os


atendentes têm seus tempos e movimentos minuciosamente

controlados; as gravações são monitoradas e o tempo de

atendimento é acompanhado. As falas, do “bom dia” até o “obrigado


por ligar”, são determinadas por scripts pré-definidos. As

conseqüências do sistema são conhecidas: alto nível de estresse,

distúrbios mentais, altas taxas de absenteísmo e de rotatividade.

Os dois tipos de call centers – as centrais de televendas e as


centrais de atendimento – são alvos comuns de reclamações. As

primeiras são criticadas por invasão de privacidade. Quem não foi

interrompido no trabalho ou no repouso por uma oferta irrecusável


de um novo (e inútil) cartão de crédito? As últimas são

criticadas pela dificuldade de conseguir contato e pela má

qualidade dos serviços. Alguns países vêm estabelecendo controles


para evitar abusos.
Porém, quem controla a incivilidade dos clientes? Seqüências,

como a descrita acima, são cada vez mais comuns, a revelar que

Pindorama ecoa ainda costumes e abusos da casa grande e da


senzala. Talvez, além do Procom, deva-se criar o Provicom: o

Programa de Proteção e Defesa das Vítimas dos Consumidores.


Heróis em baixa

O culto aos executivos-chefes transformou-os em celebridades e

engordou suas contas bancárias. No entanto, estudos científicos

trazem dúvidas sobre o seu impacto no desempenho das empresas.

Se formos ingênuos a ponto de acreditar nas manchetes das

revistas de negócios, concluiremos que Carlos Ghosn salvou a


Nissan, Lou Gerstner fez o elefante IBM dançar, e Jack Welch

levou as ações da General Electric aos céus. Por detrás da

despudorada adoração, repousa uma premissa: executivos-chefes são


peças vitais nas engrenagens corporativas. Sua inspiração e sua

transpiração abrem trilhas e levam suas empresas ao sucesso.

Honras e glórias lhes são devidas.

Tome-se o caso emblemático de Steve Jobs e da Apple. Jobs foi um


dos fundadores da icônica organização, em 1976. Uma década e

muitos computadores vendidos depois, foi afastado da própria

empresa. Retornou nos anos 1990, para comandar uma reviravolta


coroada por sucessos com o iMac, o iPod e o iPhone. O turn-around

e os novos produtos iluminaram a estrela de Jobs e inflaram sua

legião de adoradores. Em 2004, Jobs anunciou um diagnóstico de


tumor no pâncreas. Desde então, sua saúde tornou-se tema público,

acompanhado de perto pelo mercado financeiro. Anúncios oficiais

da empresa, boatos e até mesmo notícias falsas sobre a condição


física de Jobs fazem as ações da Apple oscilar, roubando em

poucas horas bilhões de dólares do valor da empresa.

Harris Collingwood, em um artigo para o periódico The Atlantic,

parte do caso de Jobs para introduzir uma intrigante questão:


quanta diferença um executivo-chefe pode realmente fazer? Até a

década de 1970, os presidentes de empresa eram figuras apagadas,

tecnocratas que eram vistos, e se viam, como peças de uma


engrenagem maior. Sua missão era manter, com discrição, a máquina

em funcionamento. Porém, a partir do final dos anos 1970

começaram a surgir celebridades no mundo corporativo. Lee


Iacocca, na Chrysler, e Bill Gates, na Microsoft, além dos

citados Steve Jobs Jack Welch, Lou Gerstner e Carlos Ghosn

tiveram seus feitos registrados em incontáveis capas de revistas,


artigos e livros. Além de beneficiar os próprios executivos, o

fenômeno movimentou a indústria editorial, fomentou as atividades

das empresas de eventos corporativos e alimentou consultores de


recursos humanos, estratégia e gestão da mudança.

Apesar da crescente oferta de fábulas de sucesso, Collingwood

observa que a importância do executivo chefe não é obvia. As

investigações sobre o tema começaram na década de 1930 e seus


resultados são polêmicos. Chester Barnard, pioneiro estudioso da

vida corporativa, considerava o executivo chefe como uma força

vital, a prover sentido e direção para a empresa, induzindo os


liderados a fazerem mais do que a simples obrigação profissional.

Nem todos os seus pares concordam. Em um estudo empírico

publicado em 1972 na revista científica American Sociological


Review, Stanley Lieberson e James O’Connor argumentam que a
influência do executivo-chefe sobre o desempenho organizacional é

relativamente pequena. Os pesquisadores investigaram 167 empresas

e constataram que fatores ligados ao ambiente (por exemplo,


disponibilidade de capital e grau de estabilidade do mercado) e à

organização (por exemplo, posição da empresa frente aos

concorrentes) têm maior efeito sobre os resultados do que a ação


do executivo-chefe.

James March, professor de Stanford e decano do estudo das

organizações, afirma que em qualquer organização bem gerenciada

os candidatos ao posto de executivo-chefe são tão parecidos em


termos de educação, competências e perfil psicológico que a

escolha é irrelevante. O que importa é ter alguém no cargo.

Arremata March: “é difícil dizer a diferença entre duas lâmpadas;


porém, se você retirar todas elas, fica difícil ler no escuro”.

Jeffrey Immelt, atual presidente da General Electric, faz coro a

March, afirmando, literalmente, que nos anos 1990 qualquer um


poderia ter gerenciado bem a GE, até mesmo um pastor alemão!

Mostrando as nuanças do tema, mm estudo conduzido por três

professores de Harvard – Noam Wasserman, Bharat Anand, e Nitin

Nohria – concluiu que os executivos-chefes podem fazer mais


diferença em algumas indústrias do que em outras. Setores muito

regulados ou estáveis dão pouca margem de manobra à ação

gerencial. Setores instáveis e competitivos, por outro lado,


exigem criatividade, iniciativa e agilidade de seus líderes.

Collingwood fecha seu artigo com uma frase de Jeffrey Pfeffer, um

professor de Stanford notório por suas posturas críticas: “Bons


líderes podem fazer uma pequena diferença positiva; maus líderes

podem fazer uma enorme diferença negativa”. A considerar a

conduta de certos líderes pindoramenses, a máxima de Pfeffer vale


também ao sul da Linha do Equador.
Empurrando com a barriga

Trabalho científico procura lançar luzes sobre um dos nossos mais

irritantes hábitos: a mania de deixar para o dia seguinte o que

deveríamos fazer hoje.

No patoá cotidiano, empregamos a expressão “empurrar com a

barriga”. Ela vem assim mesmo, no infinitivo, ou então no


gerúndio, como no título deste capítulo. No entanto, o termo

apropriado na fala pátria é procrastinar. Substituímos o segundo

pelo primeiro para tornar a pouco edificante mania mais


simpática. Empurrar com a barriga é coisa de boa-praça.

Procrastinar soa quase delinqüente. E é difícil de falar, como se

a língua lutasse para sincronizar seus movimentos com os músculos


faciais, o palato a reprimir, sem sucesso, a sublevação das

partes inferiores. O significado tampouco é dos mais dignos.

Procrastinar (apud Houaiss) é adiar, deixar para depois,


delongar, postergar. Em suma, coisa boa não é.

Não obstante, a feiúra não lhe subtrai popularidade:

procrastinamos o início da dieta, as resoluções de ano novo e o

check-up médico; procrastinamos tudo que parece enfadonho e tudo


que demanda muito trabalho; procrastinamos decisões difíceis e

ações impopulares; procrastinamos no trabalho e na vida pessoal;

procrastinamos o namoro (por temer o casamento) e o casamento


(por temer o divórcio); as vezes procrastinamos a vida e até

tentamos procrastinar a morte.

A popularidade e a irracionalidade do ato – a procrastinação –

sempre despertaram a curiosidade dos estudiosos do comportamento


humano. Porque, afinal, sabotamos ou prejudicamos a nós mesmos

deixando para amanhã o que devemos fazer hoje? Porque preferimos

a agonia da espera em lugar de fazer de uma vez o que precisamos?


Terá nossa herança genética nos programado para adiar e

postergar? Terá nossa mente uma perversão instalada que nos isola

do senso de urgência?

Alguns psicólogos apostam em nossa baixa auto-estima e em nossa


insegurança. Se estivermos incertos do sucesso ou temermos os

resultados, adiaremos o quanto pudermos a tarefa. Outros

pesquisadores notam a falta nossa falta de autocontrole. Sem


disciplina, tendemos a agir de forma impulsiva e pouco racional,

adiando atividades para as quais deveríamos dar prioridade.

Naturalmente, embora às vezes seja completamente irracional,


aceitamos como deveras humano tentar adiar atividades pouco

estimulantes, difíceis ou simplesmente aborrecidas.

Em um número da revista científica Psychological Science, Sean M.

McCrea e mais três colegas pesquisadores tentam uma outra


explicação. A conclusão, que recebeu atenção da imprensa européia

e norte-americana, é que agimos em tempo quando recebemos tarefas

concretas, porém tendemos a adiar o trabalho quando enxergamos as


tarefas de uma forma mais abstrata, ou seja, quando percebemos
uma atividade como distante do aqui e agora, tendemos a confiná-

la em um futuro vago e longínquo.

Em um experimento realizado com estudantes, os pesquisadores

observaram que quase todos que foram induzidos a pensar em termos


concretos completaram suas tarefas dentro do prazo, enquanto que

mais da metade daqueles que foram induzidos a pensar de forma

mais abstrata perderam seus prazos. Se os resultados forem


generalizáveis, então simplesmente apresentar certas tarefas de

forma mais detalhada e objetiva pode aumentar a possibilidade de

tê-las resolvidas dentro do prazo.

Os resultados têm inegável interesse para o mundo corporativo, no


qual o comportamento de empurrar com a barriga chega a ser

endêmico. Nos últimos anos, mudanças no ambiente de trabalho, com

a introdução de novos sistemas e modelos de gestão, de


incontáveis prêmios e certificações, criaram uma camada de fumaça

e vapor sobre as organizações. Administrar perdeu parte de seu

caráter prático para se transformar em atividade abstrata, cheia


de metáforas, estórias e fábulas. Muita reunião para pouca ação.

Em suma, um ambiente que não só favorece a procrastinação, como

também premia os procrastinadores. Neste novo ambiente, para cada


decisão banal, é preciso penetrar no obscuro mundo dos modelos

teóricos e discutir coerências improváveis. Mais abstração

levando a mais procrastinação.

O pior é que a torpe mania gera efeito dominó. As organizações


são hoje sistemas fortemente interconectados, nos quais cada área

ou profissional depende de outros, e condiciona o trabalho de


outros. Se uma dessas “peças” atrasa sua tarefa ou deixa de

cumprir seu prazo, gera uma onda de ineficiência em toda o

sistema. Somem-se estas ineficiências e chega-se ao resultado:


custos altos, baixa rentabilidade, serviços de má qualidade,

clientes mal atendidos e imagem prejudicada. Conclusão:

procrastinar pode ser humano, mas é feio; portanto, usemos com


moderação.
O erro tipo três

Segundo renomados pesquisadores, na raiz de algumas grandes

catástrofes contemporâneas está nossa tendência de resolver da

forma certa os problemas errados.

Há pouco mais de dez anos, as montadoras instaladas em Pindorama

viviam um momento bem diferente do atual. Diante da situação


econômica desfavorável e da retração do consumo, elas tinham seus

pátios inundados com um mar de veículos novos e reduziam a

produção. Enquanto isso, um grande fornecedor de autopeças,


embora ligado por cordão umbilical às montadoras, agia como se

habitasse um planeta distante. Seu diretor industrial, orgulhoso

de seus quadros e de suas máquinas, comemorava mais um recorde de


produção. O paradoxo era óbvio: como seria possível para um

fornecedor quebrar recordes se seus principais clientes estavam

reduzindo drasticamente a produção? De fato, milagre não havia. A


empresa em questão produzia, mas não vendia. Os estoques de

produto acabado lotavam seus armazéns e eram levados para

armazéns externos, alugados em ritmo de emergência e a preço de


ouro. A queda do faturamento obrigava a empresa a captar dinheiro

em bancos para comprar matéria prima. A situação era, de fato,

surreal: a empresa tomava empréstimos para produzir em


velocidades cada vez maiores, e estocar, a um custo cada vez mais
alto, um produto que seus clientes não queriam. Felizmente, a

insensatez foi descoberta e o prejuízo contido.

Situações como esta são muito comuns. A todo o momento, nas

empresas, é possível identificar esforços sinceros para resolver


da forma mais eficaz possível determinados problemas. No entanto,

em muitos casos, esses problemas são os problemas errados. No

caso acima, um enorme esforço da equipe de produção havia sido


realizado para eliminar gargalos e maximizar o uso dos

equipamentos e recursos. A questão real, no entanto, situava-se

além da fronteira da produção: era uma questão de mercado.

Esse é o tema do novo livro dos veteranos pesquisadores Ian I.


Mitroff e Abraham Silvers: Dirty Rotten Strategies: How We Trick

Ourselves and Others into Solving the Wrong Problems Precisely, a

ser lançado em 2008 pela Stanford University Press. Mitroff e


Silvers denominam a conduta acima de erro tipo três. Os erros do

tipo um e dois tiveram seu uso consagrado pela estatística: o

erro tipo um refere-se a rejeitar como falsa uma hipótese


verdadeira e o erro tipo dois refere-se a aceitar como verdadeira

uma hipótese falsa. Em síntese, o erro tipo três refere-se a

solucionar de forma correta o problema errado.

A idéia do erro tipo três veio do estatístico John Tukey, que


argumentava que a maior parte dos erros ocorrem porque tentamos

resolver os problemas errados e não porque falhamos em conseguir

as soluções certas para os problemas certos. A denominação de


erro tipo três foi dada por Howard Raiffa, um pesquisador da

teoria das decisões.


O ponto de partida de Mitroff e Silvers foi o trabalho de Jerome

Groopman, um hematologista de Harvard. Groopman analisou a

questão dos erros médicos. Seu argumento é que parte considerável


desses erros resulta da forma padronizada como os médicos são

formados e da pressão a que são submetidos para agir com

assertividade e rapidez. Em lugar de considerar diversas


possibilidades de problemas e diagnóstico, a formação e a prática

dos médicos os força a usar certas rotinas para tratar problemas

complexos. Falta análise crítica. Os resultados podem ser,


eventualmente, fatais.

A dificuldade com a maior das situações nas quais surgem os erros

tipo três é que nós acreditamos saber, de antemão, qual é a raiz

de um problema. Parte considerável dessa questionável premissa,


segundo os autores, se deve ao sistema de “des-educação” (sic).

Explica-se: na escola, em todos os níveis, somos induzidos a

confundir “exercícios” com “problemas”. Somos treinados para


resolver exercícios, que tem soluções lógicas e únicas, e não

problemas, que são complexos, exigem análises amplas e podem

levar a múltiplas soluções. Então, levamos tal distorção para a


vida profissional e tentamos resolver situações complexas com o

uso de ferramentas simples.

Ambiciosa, a obra de Mitroff e Silvers procura ir além dos casos

específicos e compreender os padrões que permeiam as situações


que levam ao erro tipo três. Seu foco ultrapassa as fronteiras

corporativas e repousa sobre grandes temas da atualidade norte-

americana: o caro e criticado sistema de saúde (objeto de um


documentário de Michael Moore), as meias verdades e inverdades
utilizadas para justificar a guerra do Iraque, o fiasco do

atendimento das vítimas do furacão Katrina, e o polêmico fenômeno

das mega-igrejas e a “reinvenção de Deus”. Além do erro tipo


três, os autores também mencionam o erro tipo quatro. Deste,

trataremos no próximo capítulo.


O erro tipo quatro

Mais grave do que resolver da forma certa os problemas errados é,

visando benefício próprio, induzir intencionalmente os outros a

resolver os problemas errados.

No capítulo anterior, este escriba comentou o livro de Ian I.

Mitroff e Abraham Silvers: Dirty Rotten Strategies: How We Trick


Ourselves and Others into Solving the Wrong Problems Precisely, a

ser lançado em 2008 pela Stanford University Press. O argumento

central da obra é que as distorções do sistema educacional e


certas condições na prática profissiomal nos levam a cometer o

que os autores denominam de erro tipo três. Os erros do tipo um e

dois tiveram seu uso disseminado pela estatística: o erro tipo um


refere-se a rejeitar como falsa uma hipótese verdadeira e o erro

tipo dois refere-se a aceitar como verdadeira uma hipótese falsa.

O erro tipo três refere-se a solucionar de forma correta o


problema errado.

A obra explica também o erro tipo quatro, que significa

intencionalmente resolver os problemas errados. O erro tipo três

é produto da simples ignorância ou de uma prática profissional


irrefletida. O erro tipo quatro, por sua vez, ocorre quando, em

detrimento dos outros e para benefício próprio, certos indivíduos


ou grupos intencionalmente forçam outros a resolver problemas

segundo sua própria definição dos problemas.

Segundo Mitroff e Silvers, o erro tipo quatro ocorre quando, por

exemplo, as grandes corporações utilizam táticas eticamente


condenáveis para gerar lucros desmedidos às custas do bem estar

da população, afirmando que tudo faz parte da “ordem natural das

coisas”; ou ainda quando o governo utiliza técnicas de


manipulação da informação para promover políticas desastrosas

para a sociedade. A antipatia com o governo republicano norte-

americano e com as grandes corporações marca boa parte do livro.

O capítulo cinco é dedicado à mídia. Para Mitroff e Silvers, a


mídia é um exemplo contundente do erro tipo quatro, ao induzir a

tolerância a abusos do governo. Os autores também a condenam por

utilizar as mais sofisticadas formas de “irrealidade” para nos


distrair, reduzindo nossa habilidade de lidar com as cada vez

mais complexas formas de realidade. A irrealidade mediática,

observam, não faz apenas com que o irreal pareça real, mas também
com que o irreal, povoado por celebridades, pseudo-problemas e

pseudo-soluções, pareça melhor do que o real.

Segundo os autores, a mídia parece ter abandonado seu papel

fundamental de reportar a realidade, migrando tenazmente para a


atividade de criação e a disseminação da irrealidade. Para

determinar se um problema – social, cultural ou corporativo –

precisa de solução ou não, primeiro temos que reconhecê-lo. No


entanto, a existência de problemas parece cada vez mais

determinada pelo reconhecimento pela mídia. A mídia em geral, e a


TV, em especial, se tornaram as principais fontes de legitimação

de agendas políticas, sociais e culturais. Se não aparece na

mídia, simplesmente não aconteceu.

No Brasil, a mídia de negócios teve, a partir dos anos 1990, um


papel marcante na mudança dos valores e comportamentos. Ela

promoveu o indivíduo-marca de sabão, sempre preocupado com a

própria aparência e com a própria carreira; ela também ajudou a


disseminar incontáveis modas gerenciais, de grande apelo e

benefício duvidoso; ajudou a tornar empresários e executivos

modelos de conduta e, principalmente, contribuiu para levar a


linguagem dos negócios para o governo, a sociedade e a cultura.

Em suma, a mídia de negócios criou, por meio de seus textos,

prêmios e rankings de empresas, uma irrealidade contra a qual a


realidade das organizações e dos profissionais passou a ser

medida.

Mitroff e Silvers listam cinco fatores responsáveis pela ascensão

da irrealidade: primeiro, o fato de que a vida moderna ganhou um


nível de complexidade além da nossa capacidade individual de

compreensão; segundo, a incapacidade da educação, fragmentada e

reducionista, de fazer frente a tal contexto; terceiro, o aumento


exponencial dos anestesiantes “sistemas de produção de

irrealidade” – shows da TV, jogos eletrônicos etc.; quarto,

forças econômicas, sociais e culturais que transformam a


sociedade em unidade produtora e consumidora da irrealidade; e

quinto, a dificuldade de refletir e agir de forma sistêmica,

pensando nos problemas a partir de múltiplas perspectivas.


Para os autores, o processo contínuo de criação da irrealidade

vem acompanhado do emburrecimento da população, da

comercialização das coisas e das pessoas, da aceitação de


comportamentos bizarros e anti-sociais como coisas normais, e da

distorção da realidade e da verdade. Mitroff e Silvers não são

pessimistas. Porém, a leitura de seu livro deixa a amarga


sensação de que o excesso de luzes parece estar levando a uma

nova idade das trevas.


Voyeurs em fúria

A cada quatro anos, turbas de conformistas, de variadas latitudes

e idênticas atitudes, unem-se em uma orgia comunal, a celebrar a

superioridade da euforia sobre a alegria.

Hoje, uma boa medida de popularidade é o número de citações

obtidas no Google. Tome-se, por exemplo, o termo football e


retornarão nada menos do que 564 milhões de citações, superando

God (545 milhões) e Christ (apenas 131 milhões). Significativo!

Insira-se o nome das celebridades relacionadas ao citado esporte


e resultarão cifras igualmente astronômicas. O inglês Beckham

conta com mais de 31 milhões de citações e o brasileiro Ronaldo

chega a quase 24 milhões. Outro inglês, Harry Potter, com 162


milhões de citações, supera-os com folga. Entretanto, é bruxo e

pratica outro esporte. Do outro lado da fama, este pobre escriba

não chega a insignificantes 60 mil citações, o que leva a deduzir


que duas chuteiras valem aproximadamente 500 penas.

Trata-se, sem dúvida, de um fenômeno. O New York Times, há quatro

anos, dedicava apenas espaços secundários ao mais globalizado dos

esportes. Hoje, o diário mais lido da Internet faz chamadas na


primeira página, traz longas matérias e mantém um blog exclusivo.

Da pátria mãe do esporte, o semanário The Economist advoga que a

Copa do Mundo é o principal evento esportivo do mundo, superando


as Olimpíadas. Rationale: a Copa é mais igualitária, mais

surpreendente e menos propensa a manipulações por governos e

ditadores. Será?

Aos excêntricos, que teimam em ignorar o fenômeno, restam o


isolamento e a perplexidade. É o caso deste escriba, que na vida

assistiu a uma única peleja. Foi no ano de 1998, na terra de

Asterix, em uma abertura festiva de Copa do Mundo. No pasto plano


à frente perfilaram-se 22 atletas, sendo que 11 representavam

Pindorama e 11 outros defendiam a pátria dos saiotes. Aberta a

partida, a curiosidade de marciano não durou mais do que doze


minutos. Então, a vista se perdeu a atenção se esvaiu. Teria sido

diferente com uma partida de críquete ou um torneio de bocha?

Provavelmente, não.

Exercitar esqueleto e músculos é uma maneira muito prazerosa e


saudável para manter o espírito alerta, a coluna reta, a mente

aberta e o coração tranqüilo. Espiar trotes cansados, alternados

com desabaladas correrias e pontapés, é meramente enfadonho. Não


menos bizarro é testemunhar os malabarismos romanescos de

talentosas penas, a acrescentar genialidade e poesia a movimentos

incertos e desarmônicos. Nas linhas desses magos, encontros


aborrecidos transmutam-se em lutas épicas, momentos insossos

ganham matizes políticas e ascensões fortuitas ressurgem como

tratados sociológicos. Tudo isso ficaria recolhido aos


subterrâneos da civilização, não fosse a incontrolável histeria

da mídia, a fazer eco em parcela considerável da população.

Então, por motivos que escapam ao senso comum, embates de pouco


brilho transformam voyeurs em selvagens, a brandir buzinas e

explodir rojões madrugada afora.

Na entrada do terceiro milênio, o esporte em questão soma

religião, mercado e espetáculo. É religião, porque é marcado por


uma fé de fanático, que turva a razão e a sensibilidade. É

mercado, porque é dominado pelo comércio das pernas, da imagem e

dos sonhos. É espetáculo, por que foi transformado em show


mundial, com mídias especializadas e celebridades próprias, tudo

acompanhado em tempo real por turbas globais, conformistas e

esbaforidas.

A perseverar as tendências atuais de hiper-especialização e


hiper-comercialização, o futuro será ainda mais frenético e

eufórico. Aos atletas, assessorias e entourage, serão acrescidos

torcedores profissionais. Eles serão recrutados em todo o mundo,


ganharão maquiagem e fantasia, e preencherão ordenadamente as

arenas esportivas. De Liverpool e de São Paulo, serão trazidos

exemplares mais violentos, destinados a erupções controladas de


selvageria. Do Rio de Janeiro, virão os tagarelas profissionais,

mestres da incontinência verbal. De Estocolmo e de Buenos Aires,

virão exuberantes loiras, postas a adornar pontos estratégicos


das arquibancadas. Da África e da China, virão os atletas, em

grande quantidade e com baixo custo. Da Califórnia e da Índia,

virão os gurus da auto-ajuda, para garantir a harmonia e a auto-


estima das equipes. Fotógrafos e cinegrafistas, dirigidos por

magos da publicidade, ensaiarão e produzirão momentos de

espontaneidade e vivacidade. Escritores de grande talento e baixa


renda serão recrutados para elaborar épicos e fábulas.
Fabricantes de cerveja e de tênis comandarão todo o espetáculo,

explorando cada oportunidade de merchandising. Pelas TVs,

Internet e fones móveis, as hordas continuarão a acompanhar o


show, uivando e disparando rojões em momentos precisos. Ao menos

não estarão pelas ruas roubando, dirão as avós.


Distopia virtual

A Internet ampliou extraordinariamente nosso acesso a

informações. Porém, sua influência sobre a forma como lemos e

pensamos pode ser menos gloriosa.

A edição de julho e agosto da revista The Atlantic traz na capa

uma incômoda questão: “estará o Google nos tornando estúpidos?”


Nicholas Carr assina a matéria de 4.193 palavras e muitas

provocações. A perspectiva crítica não é nova. Nos anos setenta,

a IBM e seus paquidérmicos mainframes serviram de inspiração para


o temível HAL, o computador de “2001: Uma Odisséia no Espaço”, de

Stanley Kubrick. Nos anos noventa, não faltaram teorias

conspiratórias contra a Microsoft ou libelos contra os efeitos


danosos do PowerPoint e do MS-Word. O alvo do momento é a

onipresente Google, por seus ambiciosos planos de “organizar o

conhecimento humano”.

O incômodo humano com os avanços tecnológicos é antigo. Como


lembra Carr, Sócrates lamentava o desenvolvimento da escrita. O

ateniense viveu entre 470 a.C. e 399 a.C. e foi um dos fundadores

da filosofia ocidental, mas não deixou registros. Salvou-nos


Platão, que o transformou em personagem de seus diálogos.

Sócrates temia que as pessoas passassem a contar com a palavra

escrita como um substituto para o conhecimento que antes levavam


em suas mentes, tornando-se portadoras de grandes quantidades de

informações, mas sem lhes compreender propriamente o significado.

Isso faria com que fossem consideradas sábias, quando na verdade


eram essencialmente ignorantes.

No século XV, com o desenvolvimento dos sistemas de impressão,

por Johannes Gutenberg, uma nova onda de temores afligiu os

pensantes. O medo que então se instalou foi que a ampliação da


disponibilidade de livros provocasse preguiça intelectual,

tornasse os indivíduos menos estudiosos e enfraquecesse suas

mentes.

Não se pode dizer que os medos eram infundados. Muitos efeitos


negativos foram comprovados como verdadeiros, assim como enormes

benefícios que não foram inicialmente previstos. Da mesma forma,

não se deve ignorar os incômodos gerados pela disseminação das


novas tecnologias, ainda que as vantagens percebidas sejam

inegáveis.

Em 1882, lembra Carr, a visão de Friedrich Nietzsche começara a

falhar. Escrever, para o filósofo, transformara-se em agonia.


Salvou-o uma máquina de escrever. Porém, a tecnologia cobrou seu

preço. O texto de Nietzsche tornou-se mais compacto e

telegráfico. O meio havia transformado o conteúdo, a forma de


escrever e, portanto, a forma de pensar. Se o mesmo é verdade

para as tecnologias atuais, então estamos diante de um novo

desafio.

A convivência intensa com websites, emails, orkuts, facebooks e


you-tubes está alterando o uso que fazemos da memória e
interferindo em nossa atividade cerebral. As novas mídias provêm

informações e ainda influenciam a forma como refletimos sobre o

que vemos e lemos. Temos cada vez mais dificuldade para enfrentar
textos longos e densos. Concentração e contemplação tornaram-se

capacidades raras. A atenção se dispersa, os olhos lacrimejam, a

cabeça pesa. Estamos nos acostumando a pensar em soluços, em


ziguezague.

Estudos mostram que adotamos na Internet um comportamento similar

ao zapping diante da TV. Saltamos de página em página de forma

quase randômica. Não lemos, no sentido tradicional da palavra,


acompanhando uma trajetória ou mergulhando, pela pena do autor,

em imagens e sentidos. Na Internet, embarcamos em uma navegação

desorientada, por um mar de signos que nem sempre se relacionam.


Terminamos as jornadas como o turista que visita cinco países em

sete dias e retorna considerando-se conhecedor da cultura

européia. Maryanne Wolf, uma psicóloga da Tufts University, teme


que o novo estilo de leitura enfraqueça nossa capacidade de

leitura mais profunda. Na Internet, segundo ela, apenas

decodificamos informações. Por excesso de informação e pressão de


tempo, não avaliamos ou interpretamos os textos.

Para Carr, o quartel general da Google, na Califórnia – o

Gloogleplex – é a igreja maior da Internet, e sua religião é o

taylorismo. Carr se refere à administração científica e aos


estudos de tempos e movimentos desenvolvidos no início do século

XX por Frederick Winslow Taylor. Seus métodos, ao buscar ganhos

de produtividade, transformavam operários em autômatos. Segundo a


visão dos senhores da Google, a Internet deve ser uma máquina
hiper-eficiente, um algoritmo perfeito, a permear toda a

atividade cerebral da nossa Era do Conhecimento. O que Taylor fez

pelo trabalho manual, a Google está fazendo pelo trabalho mental,


dispara o autor. Talvez estejamos, de fato, nos transformando em

“homens panqueca”, amplos e finos, capazes de nos conectarmos com

uma vasta rede, mas sem profundidade alguma. Como afirmava o


filósofo praiano Bordallo, muito antes da Internet: no fundo, é

raso.
A turma Y

Nem tão parecida, nem tão diferente das que a antecederam, a

geração que agora trilha os primeiros passos da carreira

profissional traz oportunidades e desafios para as empresas.

Todos os anos, as escolas de administração, engenharia e

similares despejam centenas e centenas de novos recrutas no


mercado de trabalho. A fauna é rica e variada em termos de

formação, ambição e vontade de trabalhar.

Há pelo menos duas décadas as grandes empresas dedicam grande

atenção a este grupo. Os programas de trainees buscam


identificar, entre os mais promissores talentos das melhores

escolas, aqueles que supostamente conduzirão as organizações pelo

século XXI.

As expectativas de parte a parte são altas. Os noviços desejam


boas condições de trabalho e esperam remuneração compatível. As

empresas querem que seus escolhidos tornem-se verdadeiros agentes

de mudança, a espanar as teias de aranha e a lubrificar as


engrenagens enferrujadas.

Apesar dos recursos empregados na seleção e na preparação dos

noviços, frustrações são comuns. Boca-a-boca, circulam histórias

sobre trainees que se demitem no meio do processo de


desenvolvimento e sobre choques entre trainees e veteranos.

Conhecer o perfil e as demandas deste grupo é prioridade para as

empresas. Afinal, projeta-se (ou teme-se), a eles o futuro


pertence.

Estudos têm denominado a turma nascida entre o final da década de

1970 e o início da década de 1990 de geração Net ou de geração Y.

Ainda que imperfeita, a classificação ajuda a identificar alguns


traços comuns a esta lavra demográfica do final do milênio

passado.

Grown Up Digital: How the Net Generation is Changing Your World

(Editora McGraw-Hill), livro do guru de gestão Don Tapscott,


ocupa-se dessa questão. A obra é atraente e fácil de ler, porém é

também reducionista e apresenta um retrato excessivamente róseo

da realidade. Portanto, a leitura exige boa dose de desconfiança


e aguçado olhar crítico.

Tapscott considera a turma Y mais esperta e ágil que suas

antecessoras, e também mais preocupada com a sociedade e com a

justiça. Em suma, a safra recente, muito superior à geração


anterior, de sacos de batatas, educada diante da TV e acostumada

a atividade cerebral mínima. A turma Y valoriza a liberdade de

escolha, gosta de personalizar tudo que têm e faz, avalia


criticamente tudo e todos, exige integridade e transparência,

espera que o trabalho (ou o estudo) seja agradável e divertido,

gosta de trabalhar em grupo, espera que tudo aconteça rápido e


crê que a inovação deve fazer parte do cotidiano.
Naturalmente, este perfil gera impactos para as empresas, nem

todos positivos. Primeiro, o gosto pela velocidade alimenta a

impaciência. A turma Y acredita que a carreira é uma montanha a


ser escalada com rapidez. Sempre com pressa, aposta nas redes de

contatos e no gerenciamento da impressão para materializar seus

desejos. Frequentemente, domina mais a retórica do que o métier.


Continuamente pressionadas, as empresas cedem às suas vontades,

promovendo os mais ambiciosos. Frustrações e tombos rondam o

horizonte.

Segundo, a visão crítica e a expectativa de integridade e


transparência podem facilitar mudanças positivas. De fato, elas

ecoam tendências recentes em gestão, de adoção de condutas

éticas, de sistemas abertos de governança, de programas de


responsabilidade social e de comunicação mais aberta. Entretanto,

muito do que se vê nas empresas é maquiagem. A colisão entre a

utopia tímida e jovem da turma Y e o pragmatismo calejado das


empresas pode gerar conflitos e atitudes cínicas, por parte dos

noviços.

Terceiro, o desejo que o trabalho seja agradável e divertido,

nutrido por um hedonismo juvenil, que é, aliás, sinal dos tempos,


pode privilegiar o presente em detrimento do futuro. De fato, o

mundo parecer existir para que a turma Y o goze, aqui e agora.

Tal postura dificulta a realização de projetos de longo alcance,


que exigem disciplina e tolerância a pequenos fracassos.

Quarto, a tendência de trabalhar em grupo, também louvável, pode

transformar-se em prática para inglês ver. Hoje, poucos problemas


corporativos podem ser resolvidos sem uma perspectiva coletiva.

No entanto, para trabalhar em grupo é preciso somar postura

cooperativa com boa dose de disciplina. Quando tais


características estão ausentes, prevalece um simulacro de

trabalho em grupo: muitas reuniões e comitês, avalanches de

mensagens eletrônicas e celulares eternamente em fúria. Porém,


muito pouco trabalho produtivo.

Com a turma Y, tudo mudará para ficar como exatamente como está?

Talvez não. A turma Y quiçá não seja assim diferente das

anteriores. Entretanto, ao mergulhar em organizações construídas


por e para suas antecessoras, surgirão tensões e conflitos, que a

transformarão e às empresas que à absorverem.


Na contramão

Para fazer frente aos tediosos Jogos Olímpicos, nada melhor do

que o Campeonato Mundial de Ciclismo de Marcha Única.

Poucos eventos são mais aborrecidos do que as Olimpíadas.

Provavelmente só a Copa do Mundo de Futebol e os concursos de

beleza com os jogos podem rivalizar. Durante algumas semanas,


rebentos privilegiados de todo o mundo, submetidos a intenso

condicionamento físico e opressiva lavagem cerebral, comportam-se

como ciborgues, exibindo-se em movimentos mecânicos diante de


platéias hipnotizadas. Alguns já retornam destruídos, física e

psicologicamente. Outros duram ainda alguns anos e sobrevivem a

outros jogos, usando o nome e a fama para vender bugigangas e


espalhar exemplos duvidosos para hordas de consumidores.

Não foi diferente na versão chinesa. Entre uma abertura kitsch e

um encerramento idem, o tempo foi preenchido com saltos,

cambalhotas, números, gritos e lágrimas. Consta que a festa


serviu ao propósito chinês, de mostrar ao mundo a ascensão da

nova potência. Afinal, nada mais apropriado para sinalizar o

culto da competitividade que abraçou a gigantesca nação asiática.

Competitividade é uma idéia central na vida dos atletas


olímpicos. Competitividade é também uma idéia central em economia
e em administração de empresas. O conceito costuma referir-se ao

desempenho de uma empresa, de um setor de atividades ou de um

país, ou à sua capacidade de vender e distribuir bens ou serviços


em um determinado mercado. Nas últimas décadas, competitividade

tornou-se um conceito fetiche. Ser competitivo é ser melhor que

os outros. N´algumas plagas, os mais promissores são atazanados


desde a primeira infância. As escolas, os clubes e a mídia pisam

e repisam valores relacionados à competitividade e à vitória. Um

pouco mais de flexibilidade ou velocidade podem condenar uma


criança a anos de disciplina militar, tutores rigorosos e

horizontes estreitos.

Nos século XX, as olimpíadas foram, aos poucos, revertendo a

máxima de Pierre de Frédy, o Barão de Coubertin, pai dos jogos


modernos. A primazia da participação cedeu lugar à busca

insaciável por vitórias e recordes. O papel educacional e

inclusivo dos esportes cedeu lugar para as fábricas de ciborgues


hiper-alimentados e hiper-treinados. Política e “cartolagem”

avançaram sobre as quadras, campos e raias. A mercantilização e a

espetacularização completaram o trabalho.

Entretanto, ainda há esperanças. Na contramão das tediosas


olimpíadas situa-se o fabuloso Campeonato Mundial de Ciclismo de

Marcha Única (Single Speed World Championship). Consta que a

“disputa” teve início em 1999, quando diversos ciclistas


aglutinaram-se no Rancho Cucamonga (sim, ele existe e fica na

Califórnia). Desde então, o campeonato teve edições em Berlim,

Estocolmo e diversas cidades norte-americanas.


Os organizadores são extremamente zelosos quanto ao nível de

desorganização da prova. Afinal, não querem perder a aura

alternativa. As linhas de partida e de chegada são cuidadosamente


incertas e uma piscina infantil é cuidadosamente preenchida com

gelo e cerveja. Não beber é equivalente ao doping, pois confere

vantagem desleal aos concorrentes sóbrios. Juízes postam-se


durante o trajeto penalizando os mais velozes com tapas na bunda.

Os mais afoitos, que escapam da fiscalização, são vaiados pelos

expectadores. Os patrocinadores corporativos são evitados com


galhardia, especialmente os fabricantes de automóveis, que,

segundo alguns participantes, “estão arruinando o planeta”.

Matéria veiculada no New York Times registra que Rachel Lloyd, a

primeira mulher a completar a prova em 2008, parou e desmontou de


sua bicicleta antes da linha de chegada, relutante de ganhar o

primeiro prêmio, uma tatuagem alusiva à “conquista”. Porém,

convencida pela multidão, cruzou a linha e recebeu o prêmio.

Naturalmente, usar bicicleta de marcha única para subir e descer


morros pode parecer um estúpido, mas não faltam interessados.

Afinal, nos aclives mais acentuados basta descer da bicicleta e

empurrá-la, sob os aplausos entusiasmados da audiência. Como


prova da popularidade, na corrida de 2008 as 400 vagas foram

preenchidas nove minutos após a abertura das inscrições.

Em lugar das coloridas e aerodinâmicas roupas de ciclismo, os

participantes do Campeonato Mundial de Ciclismo de Marcha Única


apresentam-se para a prova paramentados de forma criativa: eles e

elas participam vestidos como escoteiros, com orelhas de coelho,


usando pijamas e até mesmo fantasiados com sungas inspiradas pelo

personagem Borat. A idéia é não levar a prova a sério. O que

importa é que o local seja aprazível, a companhia agradável e a


diversão garantida. Para os interessados no espírito anti-

olímpico ou melhor, no verdadeiro espírito olímpico, recomenda-se

o blog da prova: http://sswc08.blogspot.com/.


Sexo verde

Se o prezado leitor não é capaz de deter o desmatamento da

Amazônia ou salvar da extinção o antílope tibetano, que ao menos

seja ecológico na cama.

Circulou pelo mundo virtual um decálogo de práticas sexuais

criado pelo Greenpeace. Se o prezado leitor havia se entusiasmado


com o vídeo da campanha Forest Love, estrelado por plantas que se

acariciavam sensualmente, e também produzido pela decana ONG,

então chegou o momento de levar a luta pelo meio ambiente para


uma nova frente: sua cama.

Comece pela questão energética. Apague as luzes e dê sua

contribuição para a preservação da camada de ozônio. Mais sexo no

escuro significa menor consumo de energia. No entanto, se o


leitor é do tipo visual, que precisa ver para ter, a solução é

simples: basta transar de dia. Resolvida a matriz energética,

enfrente à não menos crítica questão da água. Afinal, além do


petróleo, a água também está se tornando um bem caro e raro.

Estima-se que mais de um bilhão de pessoas no mundo não tem

acesso à água limpa. Solução: banho a dois. A natureza agradece.

O casal gosta de temperar sua paixão com frutas? Ótimo, nada mais
natural, mas não deixem de observar a procedência genética dos
suprimentos. Afinal, sabe-se pouco sobre os efeitos do uso de

alimentos geneticamente modificados sobre a saúde e menos ainda

sobre o seu uso em atividades íntimas. Não corram riscos.

O mar inspira o romance? Excelente, mas não esqueça que, embora


certas iguarias marinhas tenham fama de afrodisíacos, os oceanos

estão sendo destruídos. A saída é apelar para a flora amazônica,

rica em substâncias milagrosas. Mares limpos, consciência


tranqüila e prazer vitaminado: combinação perfeita.

O leitor é do tipo que se entusiasma com acessórios? Perfeito,

mas cuidado com os materiais. A produção de PVC, por exemplo,

cria e libera dioxina, um dos componentes químicos mais tóxicos


que existe. Prefira couro e borracha. Se o caso for de

equipamentos de madeira, garanta a origem certificada e o selo

verde. Afinal, você não quer ver seu prazer ligado ao


desmatamento da Amazônia. A ocasião pede o uso de lubrificantes?

Tudo bem, mas cuidado com os derivados de petróleo. As empresas

petrolíferas estão destruindo o planeja, mas você não precisa


fazer o mesmo. Opte por similares naturais.

O Greenpeace nasceu no início da década de 1970 para se tornar a

mais conhecida organização de defesa do meio ambiente do mundo.

No início dos anos 1990, a organização chegou a contar com quase


cinco milhões de membros. Hoje, são quase três milhões de

membros, um número ainda impressionante. América Latina e Ásia,

regiões nas quais o desenvolvimento econômico mais ameaça o meio


ambiente, estão no centro de seu alvo estratégico.
Durante muitos anos, a organização foi marcada pela personalidade

de David McTaggard, um canadense de origem escocesa. McTaggard

era fascinado pelo Sul do Pacífico, tinha um pequeno barco e


velejava de ilha em ilha. Em 1972, fez contato o Comitê Não Faça

Onda, que protestava contra os testes nucleares franceses no Atol

de Mururoa, na Polinésia francesa. McTaggard aderiu à causa e


rapidamente se tornou seu mais fiel guerreiro. Seus

enfrentamentos com os franceses lhe renderam algumas escoriações

e fama mundial.

Sob seu comando, Não Faça Onda transformou-se em Greenpeace,


galvanizou milhares de indivíduos ao redor do mundo em torno da

causa ambiental e deu origem a um estilo espetacular de ação. Sua

estética sempre explorou a audácia, o choque e o confronto. Seus


meios sempre foram a comunicação de impacto e a publicidade.

Com os anos, o Greenpeace cresceu e se internacionalizou. Tornou-

se, segundo alguns observadores, grande e complexo demais para

uma organização cuja imagem ainda era de um grupo de idealistas


em botes de borracha enfrentando inimigos poderosos para salvar

baleias e protestar contra o lixo radioativo: os “guerreiros do

arco-íris”. McTaggard deixou o comando e retirou-se para uma


fazenda italiana em 1991.

Como outras organizações similares, o Greenpeace procura manter

sua identidade e seus valores diante de um mundo em

transformação. Seus métodos espetaculares perderam força em uma


sociedade dominada pelo espetáculo do consumo. Sua retórica foi

absorvida pelo mundo corporativo e adotada por seus mais


tradicionais inimigos. Algumas companhias petrolíferas agora se

declaram campeãs da causa das energias limpas. A energia nuclear

deixou de ser o bicho-papão dos anos 1970 e até fabricantes de


tabaco hoje publicam balanços sociais. Os fatos continuam milhas

náuticas atrás do discurso, mas fatos são pouco relevantes na

sociedade do espetáculo. Felizmente, o lema “faça amor, não faça


a guerra” continua atual.
PARTE 2: FALANDO MAL DAS CORPORAÇÕES
Enxofre e naftalina

Com freqüência irritante, o mundo corporativo ofende nossas

narinas com odores desagradáveis. Deixar de respirar não é opção.

Segundo a Wikipedia, a enciclopédia livre, que afirma facilitar a

nossa vida, o enxofre é um elemento químico de símbolo S, número

atômico 16 e que se encontra, à temperatura ambiente, em estado


sólido. Trata-se de um não-metal de coloração amarela, frágil e

que desprende um conhecido odor de ovo podre, ao misturar-se ao

hidrogênio. Segundo a mesma fonte, a naftalina, ou naftaleno, é


um hidrocarboneto aromático. Trata-se de uma substância

cristalina branca, volátil, que se obtém por destilação do

alcatrão da hulha. A naftalina é um híbrido de ressonância de


três estruturas canônicas e, como o enxofre, tem odor peculiar,

reconhecido nas populares esferas anti-traça.

Além das propriedades odoríferas óbvias, enxofre e naftalina têm

também propriedades metafóricas. O enxofre é comumente associado


a Mefistófeles, ao mundo subterrâneo e às trevas. Recentemente, o

enxofre foi também associado a um alto dignitário de uma nação

amiga; no caso, o presidente George W. Bush, dos Estados Unidos.


A associação, de cunho irônico, foi feita por um outro alto

dignitário de uma nação também amiga, o presidente Hugo Chávez,

da Venezuela.
Por sua vez, a prosaica naftalina não se presta a associações tão

marcantes. Perde em dramaticidade, porém rivaliza em

popularidade. Conserva até mesmo certa brejeirice, provavelmente


por despertar sentimentos de nostalgia nas narinas crescidas no

último quartil do século passado. O cheiro de naftalina está

associado ao que é velho, anacrônico, fora de propósito ou


deslocado no tempo. Não há registro que o alto dignitário norte-

americano tenha retrucado o intempestivo colega venezuelano, mas

poderia tê-lo associado, por seu estilo e retórica, ao cheiro de


naftalina.

Além das bancadas de laboratório e da tribuna da ONU, enxofre e

naftalina também disputam a primazia odorífera no mundo

corporativo. Muitos executivos hoje abraçam causas filantrópicas,


comemoram balanços sociais e juram proteger a fauna e a flora.

Porém, não escapa às narinas mais treinadas um indelével cheiro

de enxofre. De seu lado, os sindicatos rosnam, uivam e


esbravejam. O som e a fúria continuam a entorpecer os ouvidos,

mas o que chega ao olfato é o odor que emana do discurso antigo e

gasto: o cheiro de naftalina.

A crise econômica arrancou os telhados dos bancos de


investimentos e das montadoras de automóveis. Das exóticas e

sofisticadas práticas bancárias desprendeu-se nauseabundo odor

sulfuroso, que rapidamente atormentou governos e pequenos


investidores. Das linhas de montagem emanou inconfundível odor de

naftalina, embora não se saiba se a origem é a gestão arcaica ou

os produtos anacrônicos.
Os bancos de investimento talvez se juntem ao clube dos

sulfurosos históricos: os fabricantes de armas, de bebidas

alcoólicas e de tabaco; um seleto e poderoso grupo, formado por


especialistas em evasão lógica e flexibilidade moral. Pelo

noticiário, nota-se que o clube está em franca expansão. Os

próximos associados provavelmente serão os laboratórios


farmacêuticos, acusados, em um relatório da União Européia, de

utilizar táticas condenáveis para proteger suas drogas mais

lucrativas contra a entrada de genéricos. No dito clube, os


sócios blasfemarão contra os órgãos reguladores, organizações não

governamentais e outros detratores. Objetivos e matreiros,

discutirão métodos para manipulação da opinião pública, evasão


fiscal e lavagem verde.

Por sua vez, as montadoras de automóveis provavelmente ganharão

título e carteirinha do clube da naftalina. Talvez seus

executivos estranhem as instalações decadentes, a piscina


abandonada, as salas mofadas e os carpetes puídos. Entretanto, lá

encontrarão seus camaradas das empresas estatais e das

universidades públicas. Corteses, trocarão longos monólogos e


discretos bocejos, discorrerão com pompa sobre glórias passadas,

invocarão heróis e feitos d’outras gerações e lamentarão as

injustiças e a má sina. Em ocasiões especiais, eles alugarão


arranjos florais e convidarão autoridades eclesiásticas, civis e

militares para a outorga de honrarias e a entrega de prêmios.

Então, se submeterão a discursos longos e vazios, entremeados por


aplausos formais.
Enquanto o clube do enxofre e o clube da naftalina crescem e

prosperam, diminui a nossa sensibilidade nasal. Entorpecidos,

percebemos cada vez menos as emissões gasosas e habituamo-nos ao


mau cheiro. Neutralizado o olfato, as emissões turvarão nossa

visão, paladar, tato e audição. Aos poucos, elas embotarão nosso

senso crítico e corromperão nosso julgamento. Haverá resistência


possível? Não se sabe, mas deixar de respirar não é opção.
A praga de Colbert

A burocracia nasceu para estruturar o Estado moderno e atender os

cidadãos. Porém, com o tempo, as organizações burocráticas

costumam se desvirtuar e se voltar para os interesses de seus

próprios funcionários.

Balzac deixou a frase para a história: “A burocracia é um sistema


gigantesco gerido por pigmeus”. Seu país, a França, teve a

duvidosa honra de cunhar o termo. A palavra burocracia combina o

termo bureau (escritório ou mesa de trabalho, em francês) com o


termo krátos (poder, regra ou governo, em grego).

Consta que origem remonta ao ano de 1665, quando o rei Luís XIV

nomeou Jean-Baptiste Colbert como controlador geral das finanças.

Colbert reorganizou o comércio e a indústria e perseguiu os


corruptos. Para garantir a atuação justa do Governo, exigiu que

os funcionários seguissem regras rígidas, aplicadas a todos. O

rigor e a inflexibilidade de Colbert levaram Jean Claude Marie


Vincent, administrador do comércio, a criticar as resoluções, as

quais considerava impeditivas para a atividade comercial. Para

ilustrar a sua crítica, Vincent criou o termo bureaucratie,


referindo-se, de forma pejorativa, à concepção e aplicação de

regras, sem considerar as consequências práticas.


A burocracia fundamenta-se na idéia de que todas as funções são

executadas por profissionais habilitados e balizadas por certos

princípios: o caráter legal das normas e regulamentos, a


formalização da comunicação e a divisão racional do trabalho. O

sistema nasceu para ser a materialização da racionalidade. Porém,

pelas mãos dos burocratas, converteu-se em um monstro que todos


aprendemos a temer e a abominar.

A lista de disfunções e vícios associados à burocracia é longa. A

burocracia afirma que, diante dela, todos somos iguais. No

entanto, a igualdade de tratamento costuma vir acompanhada pela


impessoalidade, pela negligência e pela ineficácia. A burocracia

sacraliza as regras, que passam de meios a fins. Entre resolver

um problema e seguir uma norma, o burocrata comumente opta por


seguir a norma. Lixe-se o cidadão. A burocracia muda apenas

lentamente, quando muda. O ambiente pode transformar-se

radicalmente, mas a burocracia não se adapta. Tende a tornar-se


anacrônica. A burocracia organiza-se como um sistema neutro e

justo. Entretanto, a sua complexidade e o seu porte facilitam o

nepotismo, os abusos de poder e a corrupção. O resultado é um


sistema central em nossas vidas, do qual não conseguimos escapar,

mas que costumamos odiar. A burocracia consegue somar a

ineficiência ao poder ameaçador, a incompetência dos amanuenses


lerdos à manipulação interesseira dos funcionários corruptos.

Dentro do sistema, os burocratas buscam incessantemente a

“expansão geográfica e demográfica”. Quadros inchados significam

mais gente a coordenar, mais serviço a controlar e mais poder a


exercer. Assim, a burocracia combina negligência no serviço ao
cidadão com a capacidade de inventar trabalho para si mesma.

John Kenneth Galbraith registrou para a posteridade: “A tendência

da burocracia é achar objetivo em qualquer coisa que se esteja


fazendo”.

Na burocracia pública ou na burocracia privada, os burocratas

procriam sem parar. Donald Keough, ex-CEO da Coca-Cola e autor de

TheTen Commandments for Business Failure, comentou em alusão à


própria multinacional: “Tendo despendido os meus primeiros anos

no negócio de gado de meu pai, verifiquei que se colocarmos a

mistura certa de machos e fêmeas, acabaremos por obter muito mais


animais. As burocracias multiplicam-se do mesmo modo. Eis como

funcionam: põe-se um gestor em um lugar e, decorridos dezoito

meses, ele tem uma assistente. A assistente torna-se um gestor


júnior – e o que se observa? Outra assistente. O ritmo continua”.

Nas burocracias, as regras originalmente estabelecidas para

garantir clareza e eficiência, deixam de ser meios e se

transformam em fins. Por sua vez, os burocratas controlam o


sistema como se protegessem sua própria vida, pois sentem que

mudanças podem reduzir seu poder ou sua autoridade. Com o tempo,

os burocratas isolam-se em seus castelos, os abusos tornam-se


corriqueiros e eventuais mudanças enfrentam barreiras

intransponíveis.

Em Pindorama, muitas empresas e órgãos públicos mantêm padrões

inaceitáveis de atendimento e de relacionamento com os cidadãos.


Do poder judiciário às estatais, do sistema de saúde ao sistema

de educação, observemos casos gritantes de desperdício de


recursos e de desrespeito aos contribuintes. Todos temos

histórias de horror para contar. A situação não é diferente em

algumas empresas privadas. Além de vitimar os seus clientes e


funcionários, estas organizações também vitimam a si próprias. No

embate entre as forças para mudança e os interesses

estabelecidos, os últimos continuam vencendo.


Insensatez e insensibilidade

Certas organizações tratam seus parceiros e colaboradores com mal

disfarçado desdém, como se fizessem um grande favor por permitir

que eles a elas se associem.

Para ter um bom hospital, é preciso ter bons médicos; para ter

uma boa escola, é preciso ter bons professores; para ter uma boa
empresa é preciso ter bons profissionais e fornecedores; e para

ter uma boa editora, é preciso ter bons autores ... ou não? A

considerar o caso narrado em seguida, para alguns a premissa pode


não ser tão óbvia.

Tome-se o caso da prestigiosa editora X. Sim, vamos manter-lhe o

nome incógnito, que de nada nos serviria granjear antipatias.

Pois ocorre que X é uma das mais respeitadas editoras de


Pindorama. Seu catálogo contém admiráveis clássicos, suas capas

são esmeradas e suas obras exalam cultura e bom gosto. Sua

excelência editorial merece aplauso e seu crescimento nos resgata


a crença de que ainda existem adultos que lêem.

Porém, aquele que visitar sua página de “envio de originais” na

Internet descobrirá que naquela casa do saber autores não são bem

vindos. Estranho e paradoxal, porém verdadeiro. Pois lá consta:


“Não publicamos auto-ajuda, esoterismo, marketing, ficção-
científica, guias de turismo, culinária, didáticos e livros

técnico-científicos”. Bravo! Até aqui, um bom começo. E a esta

bem vinda escolha, segue-se: “livros e projetos em versão


eletrônica não serão avaliados”. Ótimo! Nada como o velho papel

para marcar a tradição das belas letras. Então, escapa-lhe de uma

linha a outra a civilidade: “A editora se reserva o direito de


não confirmar o recebimento de originais, seja por telefone, fax

ou e-mail”. Puxa, será que custa tanto enviar uma carta

simpática, reconhecendo o esforço do autor, a sua dedicação e o


seu idealismo? E a prosa fica ainda pior: “Dado o grande número

de originais que nos chegam, caso queira confirmar o recebimento

utilize o serviço de carta registrada dos Correios”. Direto e


duro: quer saber da sua amada criança? Vire-se. E, por fim, o

golpe final: “Os originais não aceitos serão remetidos a empresas

de reciclagem de papel. Por favor, não telefone ou envie


mensagens sobre o envio de sua obra, pois elas não serão

respondidas”. Bonito, não? Então, o idolatrado rebento, depois de

longa gestação e terríveis dores de parto vai terminar é no


lixão. E não adianta reclamar ou procurar os desalmados, porque

resposta não haverá mesmo.

A esta altura, estará a se perguntar o gentil leitor: de onde

veio tanta deselegância e insensibilidade? Terão sido os


iluminados funcionários da prestigiosa editora arrematados entre

os mais empedernidos matutos do serviço público federal, entre

aqueles que rosnam para o público e esmeram-se em dificultar a


vida dos semelhantes? Pior, e se a moda pega? E se alastra pelos

hospitais, que passam a destratar seus médicos e a esnobar seus


fornecedores. E se alastra pelas escolas, que passam a maltratar

seus professores. E se alastra pelas empresas, que passam a

desdenhar suas legiões de terceiros e a assediar seus prestadores


de serviços. Talvez os ditos estabelecimentos operem por algum

tempo sem perceber os danos causados, o quanto dure o instável

equilíbrio entre o estoque de sádicos e a quantidade de


masoquistas. Então, o clima organizacional se deteriorará, a

gestão entrará em declínio e os resultados iniciarão uma firme

trajetória, rumo ao solo.

Nesse nosso mundo de mercados e corporações, indivíduos assumem


alternativamente os papéis de produtores e de consumidores. Hoje,

indivíduos e comunidades estão entrelaçados na arena de produção

e consumo, seus membros comunicam-se, espalham impressões. O


autor da nossa editora X pode ser no momento seguinte o professor

que indica os seus livros. O fornecedor de uma empresa pode ser

no momento seguinte um cliente importante. Se forem maltratados,


eles talvez prefiram buscar as obras e serviços de um concorrente

mais simpático, ou menos obtuso. Tratar mal um autor, um

fornecedor ou um terceiro pode gerar consequências negativas, que


se propagam e transcendem a relação original.

O que provoca o rude comportamento? Simples: miopia e

incivilidade. Miopia, pela incapacidade de perceber o que está a

além de alguns poucos palmos do nariz. Incivilidade, pela


dificuldade em expressar um comportamento respeitoso e cortês.

Como mudar? Este escriba propõe uma receita singela. Primeiro,

abrir os olhos e fazê-los girar em todas as direções,


complementando o movimento com o corpo de forma a perceber todo o
espaço a volta: as costas e a frente, o céu e o chão, o metro e o

horizonte. Segundo, abraçar os mais básicos princípios de

civilidade: que melhores palavras tragam posturas mais elevadas,


e que estas nutram atitudes mais gentis.
Pulmões e cérebros

O fumo está para o pulmão assim como a TV está para o cérebro. A

batalha contra o fumo está em estágio avançado. A luta contra a

TV está apenas começando.

Estima-se que haja no mundo mais de um bilhão de fumantes. Cinco

milhões de indivíduos morrem por ano por causas relacionadas ao


tabaco. Nos anos 1940, o cigarro ganhou glamour, com uma ajuda

providencial do cinema, e tornou-se produto de massa. Na década

de 1950, surgiram os primeiros estudos relacionando tabaco e


câncer de pulmão. Os fabricantes reagiram com um intenso esforço

de lobby e relações públicas. Nas décadas seguintes, o embate se

intensificou. Nos países desenvolvidos, cresceu o cerco aos


fumantes o vício passou a ser estigmatizado. Além do mal causado

a si mesmo, o fumante socializa o prejuízo com seus pares – os

fumantes passivos – e com o sistema de saúde. Todos pagamos por


seu duvidoso prazer. Entretanto, apesar do esforço de ativistas e

legisladores, a indústria do tabaco continua crescendo,

especialmente nos países em desenvolvimento, o que reflete o


poder das corporações envolvidas tanto quanto a ignorância e a

incivilidade dos fumantes.

O cigarro atinge o pulmão. A TV atinge o cérebro. Não são poucas

as similaridades entre as duas pragas: ambos são fenômenos de


massa, de escala mundial; ambos tem seus efeitos danosos

conhecidos; ambos envolvem grandes interesses econômicos; ambos

são associados ao lazer e ao prazer; e ambos controlam lobbies


poderosos. As diferenças também são significativas, com vantagem

para a pequena tela: a TV atinge praticamente toda a população da

Terra, é fonte de poder e influência, constitui moeda de troca em


barganhas políticas e emprega certa classe artística, muito hábil

e criativa na defesa de seus interesses.

Ativistas anti-TV não costumam se iludir. Eles conhecem o

monstrengo que enfrentam e são modestos em suas expectativas. Em


lugar de propor banir o meio, o que só um improvável surto de

iluminação e civilidade poderia viabilizar, eles buscam objetivos

mais realistas, tais como coibir o abuso na publicidade e


controlar as horas de exposição de crianças ao efeito hipnótico

da do lixo eletrônico. Quem se dispuser a realizar uma pesquisa

em periódicos científicos acerca da influência da TV sobre


crianças e adolescentes encontrará um quadro alarmante: a maioria

esmagadora dos artigos trata de impactos negativos do meio sobre

a sociabilidade, os comportamentos, o desempenho escolar e a


alimentação.

Em um estudo pioneiro publicado na década de 1970 no Journal of

Communication, Patricia Edgar, uma especialista australiana,

pesquisou 296 famílias sem TV. Suas conclusões foram expressivas.


O grupo estudado constituía uma elite econômica e cultural: os

adultos eram mais escolarizados e ganhavam mais do que a média da

população. Mais de 90% eram membros de clubes e outras


organizações e 96% afirmavam ter muitos livros em casa. Mais de
40% eram tocavam instrumentos musicais e mais de 60% apreciavam

música clássica. Quase todos as famílias justificavam sua opção

por crer que o tempo deve ser ocupado com atividades mais nobres
do que assistir TV. Alguns dos entrevistados registraram o

sentimento de frustração e inutilidade que sentiam quando

passavam algum tempo na frente da pequena tela. Outros compararam


a sensação de assistir TV ao consumo de drogas: a atividade reduz

a sensibilidade e provoca uma preguiçosa inércia, além de

restringir e condicionar a dinâmica familiar. Segundo os


respondentes, a vida comunitária estava se deteriorando e parte

da responsabilidade era da TV: como menos tempo e disponibilidade

para contato pessoal, os indivíduos estavam se tornando menos


sensíveis aos problemas de seus vizinhos, e menos inclinados a

atuar em seu meio social.

Desde a década de 1970, muita coisa mudou (para pior): surgiram a

TV shopping, a TV a cabo, a TV digital e os canais


especializados. O poder de sedução aumentou. O escritor Gore

Vidal, na pele da inesquecível personagem Myra Breckinridge, em

livro dos anos 1960, descreve a primeira geração da TV como um


ajuntamento de criaturas pálidas e desatentas, incapazes de

enfrentar leituras mais complexas do que textos de tablóides e

aptas a reagir somente ao ritmo frenético dos comerciais. As


novas gerações são ainda mais pálidas e incapazes de articular

idéias. Elas são conformistas, individualistas, avessas a

esforços intelectuais, impacientes, culturalmente rasas e


consumistas. A TV certamente não é o único vilão, mas não se pode

menosprezar sua capacidade de imbecilizar a audiência. Como


registrou Sergio Augusto nas páginas da revista Bravo! (dos bons

tempos): “a TV não suporta conversa séria, profunda e consistente

... tudo nela descamba para o circo”. Na arquibancada, a platéia


dócil e narcotizada grunhe, baba e ronca.
Mal amadas, mal entendidas

Multinacionais geram grandes impactos sobre a economia e a

sociedade. Dois estudos avaliam a reação destas empresas a

tendências políticas e o efeito de seus investimentos sobre

empresas locais.

A empresa multinacional é uma invenção do século XX que entrou


firme e forte no século XXI. Derrubado o muro e abatidos outros

ícones, as multis avançaram céleres sobre velhos e novos

cenários. Sua capacidade de adaptação é notável e sua influência


sobre a economia, a sociedade e a cultura continua em alta.

Apetite para crescer e disponibilidade de capital seguem

alimentando fusões e aquisições. Nada no horizonte revela sinais


de fraqueza ou de declínio.

Naturalmente, tanto alcance e poder não escapam das consciências

mais críticas. O documentário A Corporação, dirigido por Jennifer

Abbott e Mark Achbar, lançado em 2003, é um bom exemplo: seu


olhar crítico fê-lo transformar-se em peça didática de cursos de

Administração de Empresas. O filme descreve, em tom irônico e

didático, a gênese e a evolução da grande empresa. O argumento


central é que o mau comportamento corporativo – o descaso com o

meio ambiente, a exploração de mão de obra barata em países

pobres, a manipulação do consumidor e práticas ilegais de


negócios – não se deve apenas a executivos destrambelhados ou

algumas “maçãs podres”. Os desvios, sugerem os autores, vem de

uma personalidade doentia.

A linha narrativa é pontuada pela comparação entre os


comportamentos exibidos pelo “personagem principal” e os sintomas

associados a um indivíduo psicopata: impermeabilidade em relação

aos sentimentos alheios, incapacidade de manter relações


duradouras, desinteresse pela segurança dos outros, tendência

para mentir ou ocultar a verdade, incapacidade de experimentar

sentimentos de culpa e inépcia para se conformar a normas


sociais. Cosem a tese Noam Chomsky, Naomi Klein e Michael Moore e

outras personalidades conhecidas. O filme tem méritos, mas não

pretende ser equilibrado ou neutro. Seu objetivo é registrar o


lado escuro da vida corporativa.

Com menos emoção e mais ciência, alguns trabalhos acadêmicos tem

sido publicados sobre as grandes empresas. Temas em foco: seus

comportamentos e seus impactos sobre a economia e a sociedade.


How Do MNCs Vote in Developing Country Elections?, publicado por

Paul M. Vaaler na revista The Academy of Management Journal,

número 1 de 2008, traz um amplo estudo sobre o comportamento das


multinacionais diante de eleições em nações em desenvolvimento. O

autor estudou 35 eleições presidenciais, de 1987 a 2000, em 17

países, inclusive o Brasil.

Muitas equações e exaustivas análises depois, Vaaler comprovou o


que o senso comum já lhe indicava: as empresas multinacionais

percebem maiores riscos quando um governo de direita tende a dar


lugar a um governo de esquerda. Daí, reduzem seus investimentos.

O inverso também se mostrou verdade: a percepção de riscos

diminui e os investimentos crescem quando um governo de esquerda


tende a dar lugar a um governo de direita. Quase um século depois

dos 12 dias que abalaram o mundo, executivos ainda sofrem

taquicardia quando vislumbram um couraçado Potenkim, real ou


imaginário, pela proa. Ruim para as empresas, que perdem

negócios; ruim para os países, que perdem investimentos.

Um outro artigo, The Impact of MNE Strategy on Indigenous

Enterprises: Horizontal Spilovers and Crowding Out in Developing


Countries, publicado por Jennifer W. Spencer na revista The

Academy of Management Review, número 2 de 2008, discute os

efeitos dos investimentos realizados por empresas multinacionais


em países em desenvolvimento.

Governos costumam oferecer benesses fiscais e outras vantagens a

investidores estrangeiros. Espera-se que tais esforços se

revertam em geração de riqueza e melhores condições de vida para


as populações. Em certas condições, a entrada de novas empresas

traz novos produtos, serviços, tecnologias e técnicas de

produção. No entanto, críticos apontam que tais investimentos


também geram efeitos negativos sobre as empresas locais,

provocando maior competição por mercados, por fornecedores e pela

mão de obra.

Spencer advoga que estes dois grupos de efeitos costumam ocorrer.


Os efeitos negativos são mais visíveis em curto prazo e os

efeitos positivos são mais notáveis em médio prazo. A autora


também argumenta que os impactos dependem das condições das

empresas locais: quando mais preparadas, elas tendem a ganhar com

o novo contexto. Deveria, portanto, ser do interesse dos


formuladores de políticas públicas entender os mecanismos e as

condições que permeiam tais investimentos, de forma a tomar

decisões que maximizem os impactos positivos e minimizem os


impactos negativos. A orientação para tais decisões vem do que se

denomina, quando existe, política industrial.


Na beira do abismo

A crise econômica elevou as águas acima do respiradouro da

General Motors. Asfixiada, a icônica empresa luta para

sobreviver.

Na década de 1950, a General Motors era a maior empresa norte-

americana. Seu presidente, Charles E. Wilson, foi nomeado como


Secretário da Defesa. Questionado pelo Senado sobre o conflito de

interesses, Wilson registrou para a posteridade que acreditava

que o “o que era bom para o país, era bom para a General Motors e
vice-versa”. A máxima permaneceu válida por décadas. Porém,

parece ter sido revogada.

No dia 30 de março de 2008, o governo norte-americano divulgou um

relatório com uma avaliação contundente sobre a resposta da


empresa às condições exigidas pelo pacote financeiro aprovado no

final de 2008. O documento aponta as chagas da mega-corporação:

primeiro, a GM vem perdendo terreno para seus competidores há


décadas; segundo, a empresa conta com excesso de marcas com

desempenho sofrível; terceiro, parte considerável dos lucros da

empresa vem de SUVs, um segmento ameaçado pela preferência por


veículos mais econômicos; quarto, os consumidores vêem os carros

da GM como produtos de qualidade inferior, o que demanda

descontos e corrói as margens de lucro; quinto, a GM está pelo


menos uma geração atrás da Toyota no desenvolvimento de carros

“verdes”; e sexto, os passivos legados atingirão níveis

insustentáveis nos próximos anos. Não é pouco!

Os autores do relatório reconhecem o progresso feito pela empresa


nos últimos anos, porém consideram o esforço insuficiente para

criar um modelo viável de negócio. Primeira consequência: a saída

de Rick Wagoner, à frente da empresa desde 2000. Agora, a GM terá


mais 60 dias para apresentar um plano mais agressivo. O que virá

pela frente? Difícil prever. Quiçá surja no horizonte uma figura

salvadora, como Carlos Ghosn, que reverteu um processo similar na


Nissan, alguém capaz de dobrar a complicada rede de grupos de

interesse que envolve a empresa. O caminho alternativo é a

bancarrota, na qual a recuperação da empresa, ou o que sobrar


dela, ficará a cargo de juízes e interventores.

Quem perde e quem ganha com a situação? As mudanças terão efeitos

devastadores sobre empregados e cidades nas quais a GM tem

atividades. O choque também atingirá a cadeia produtiva espalhada


pelo mundo. O impacto sobre as subsidiárias européias, chinesa e

brasileira é difícil de avaliar. Por outro lado, concorrentes

diretos, como Toyota, Honda, Ford e Nissan terão uma oportunidade


para avançar no mercado.

A GM foi fundada em 1908. Nos anos 1920, ultrapassou a Ford em

vendas. Enquanto a Ford permanecia focada em técnicas de

produção, a GM criava o novo modelo de organização para a


corporação multinacional contemporânea. Seguiram-se décadas de
expansão, até os anos 1980, quando os carros japoneses iniciaram

sua entrada no mercado norte-americano.

Como outras grandes empresas, a GM foi diversas vezes denunciada

por condutas duvidosas. O documentário Taken for a Ride (1996),


dirigido por Jim Klein e Martha Olson, conta a primeira grande

trama. Nos anos 1920, a empresa orquestrou o desmantelamento do

sistema de transporte público baseado em bondes elétricos. A


iniciativa levou à substituição do transporte de massa pelo

transporte individual, com as consequências para a vida urbana

que todos conhecemos.

Em 1938, um alto executivo da empresa ganhou uma medalha de


Hitler em reconhecimento pela tecnologia que permitiu à Alemanha

invadir a Polônia. Em 1939, Alfred Sloan defendeu a continuidade

dos negócios (sólidos e lucrativos) com os nazistas.

Michael Moore, o espalhafatoso documentarista, cutucaria a


empresa em 1989, em Roger & Me. O filme mostra os efeitos

dramáticos do fechamento de fábricas da GM sobre a cidade de

Flint. Um novo ataque à empresa seria engendrado por outro


documentarista, Chris Paine, em Who Killed the Electric Car? O

filme trata do EV-1, projeto abortado na década de 1990.

Entretanto, o mais ácido retrato da empresa está no livro On A

Clear Day You Can See General Motors, de Patrick J. Wright,


baseado nas memórias do controvertido executivo John Z. DeLorean.

Para DeLorean, a incapacidade da empresa para competir se devia a

falhas de gestão e pura irresponsabilidade, a permear um sistema


que cerceava a iniciativa e tornava a liderança e a inovação

impossíveis. O livro foi publicado em 1979.

Empresas nascem, crescem e morrem. Grandes empresas criam casulos

para si próprias e rejeitam mudanças, mesmo quando sua


sobrevivência depende delas. Seus executivos pilotam sem olhar à

frente, mirando pelo retrovisor as glórias passadas, No Brasil, a

lenta agonia da Varig oferece lições similares. O quartel general


da GM fica em Detroit, no Renaissance Center. Significativo,

muito significativo!
Depois de horas

Trabalhos científicos investigam porque as jornadas de trabalho

são tão longas, quais as conseqüências e o que pode ser feito a

respeito.

Imagine o prezado leitor a seguinte pesquisa: toma-se uma amostra

de executivos de empresas pequenas, médias e grandes. Então,


pergunta-se a eles sobre a duração de suas jornadas de trabalho.

Boas chances há de, entre resmungos e olhares de desânimo, ouvir

o pesquisador histórias de terror sobre jornadas diárias de 12,


14 horas, notebooks e smartphones a invadir lares, noites e

finais de semana; e ainda relatos de frustrações, crises de

estresse e úlceras. Como chegamos a este ponto?

O senso comum aponta o início do flagelo para os primeiros anos


da década de 1990. Com a abertura de mercado, as empresas viram-

se diante de ameaças e oportunidades nunca dantes experimentadas.

Acossadas, elas correram aos oráculos e gurus, e deles receberam


dietas amargas e urgentes. Níveis hierárquicos foram cortados,

quadros foram extirpados e áreas inteiras foram terceirizadas. Os

sobreviventes foram brindados com o duvidoso privilégio de


produzir gordos desempenhos com magros recursos. Sua reação

automática à ampliação das demandas e das responsabilidades foi

acrescentar mais velocidade e mais horas de trabalho.


Entretanto, quem se der ao trabalho de olhar os bastidores pode

detrás dos frenéticos palcos corporativos se deparará com uma

realidade curiosa. Tome o caso de uma conhecida empresa de


consultoria, famosa por seus serviços e célebre por seu exigente

regime de trabalho. Em seu despojado escritório, a jornada tem

início oficial às nove horas da manhã. Porém, quem ali aportar


neste horário, somente encontrará estagiários. Os garbosos

consultores chegarão depois das 10 horas, para seguir um ritual

preciso de leitura de jornais, reuniões imprecisas e conversas


etéreas. Pouco trabalho de fato ocorre antes do almoço, que é

precedido de discussões detalhadas sobre culinária Thai, opções

fusion e japoneses tradicionais. Às 15 horas, a trupe estará de


volta para mais reuniões e conversas desnorteadas. N’algum

momento, algum trabalho deverá ser feito. Então, alguns

consultores entrarão em transe e, por horas, dedicar-se-ão à


pirotecnia das apresentações PowerPoint e das planilhas Excel.

Tresloucados, concorrerão entre si pelo reconhecimento público

destinado ao “último a deixar o escritório”, fato que será


comentado nas manhãs seguintes. O caso pode ser extremo, mas não

é exceção. Remova-se, em uma jornada de 12 ou 14 horas de um

executivo, rituais de postergação e embromação, e restará pouco


tempo para trabalho realmente útil.

Passadas quase duas décadas, as longas jornadas de trabalho

passaram a integrar o cotidiano de milhares de empresas em

Pindorama e alhures. O que poderia ter sido um período


transitório de adaptação a uma nova ordem, consolidou-se como

prática corporativa, que combina muitas horas no trabalho com


poucas horas de trabalho. Outros oráculos e gurus vieram, agora

para alertar para as conseqüências nefastas do estado das coisas.

Seu bloco de receitas infalíveis agora inclui técnicas para


gestão do tempo, fórmulas para conduzir reuniões mais produtivas

e até mesmo dicas para enfrentar as avalanches diárias de

mensagens eletrônicas. Tudo lógico e razoável, porém insuficiente


para reduzir as longas jornadas.

O assunto também entrou na agenda de pesquisadores, que em 2008

pariram dois interessantes conjuntos de estudos sobre o tema. No

início do ano, o Journal of Business Ethics lhe dedicou uma


edição especial, organizada por Ronald J. Burke. No segundo

semestre, foi lançado o livro The Long Hours Culture: Causes,

Consequences and Choices, uma coletânea também organizada por


Burke, em parceria com Cary L. Cooper. Os textos procuram

examinar os efeitos das longas jornadas sobre a saúde do

indivíduo, da família e da organização.

Hoje, parte considerável das organizações opera em regime 24/7,


sob intensa pressão competitiva. As tecnologias de comunicação e

informação permitem trabalhar em qualquer lugar, a qualquer

momento. Ao mesmo tempo, com as estruturas mais enxutas, há menos


oportunidades para promoção, o que conflita com a crescente

ambição dos executivos. Tais condições geram uma cultura de

trabalho perversa, que estimula as longas jornadas. A situação se


perpetua porque indivíduos e organizações percebem os benefícios

imediatos das longas jornadas, em termos de aumento das tarefas

realizadas, porém não percebem as conseqüências de médio prazo:


estresse, problemas familiares e queda da produtividade. Reverter
a cultura das longas jornadas envolve um esforço coletivo, que

compreende reinventar o trabalho, enfrentar o faz de conta

corporativo e fazer algumas escolhas pessoais, duras escolhas,


sobre o que queremos e sobre quanto estamos dispostos a pagar.
A armadilha do groupthink

Nas empresas e em outras organizações, a coesão grupal e a

uniformidade de opiniões podem provocar o isolamento da realidade

e gerar decisões temerárias.

Wall Street, o centro financeiro norte-americano, foi eleito sem

concorrência o vilão da crise atual. Em uma entrevista concedida


ao jornal The Washington Post, Warren Bennis, decano professor de

liderança da Universidade do Sul da Califórnia, examina as raízes

comportamentais do drama econômico. Para Bennis, os líderes das


instituições financeiras perderam o contato com a realidade. O

problema não está nas “maçãs podres”, mas na seleção contínua dos

gananciosos mais espertos das melhores escolas de negócios, a


criar um sistema fechado, uma cultura corporativa auto-centrada,

que perdeu a capacidade de perceber a realidade fora de seus

limites.

Toda organização socializa seus funcionários, provendo-lhes


definições, explícitas ou implícitas, do que é considerado certo

e errado. Empresas industriais valorizam o perfeccionismo dos

engenheiros. Agências de propaganda estimulam a agressividade dos


vendedores. Instituições financeiras promovem a ambição pelo

dinheiro e o desejo de riqueza. Sem a contraposição de controles

e princípios éticos, estas características podem gerar


comportamentos patológicos, isolando os gestores do ambiente

externo e tornando-os auto-referenciados. É a armadilha do

groupthink, ou pensamento grupal.

O termo groupthink foi cunhado na década de 1950 pelo sociólogo


William H. Whyte, para explicar como grupos se tornavam reféns de

sua própria coesão, tomando decisões temerárias e causando

grandes fracassos. Na literatura de gestão, o caso da tentativa


de invasão da Baía dos Porcos é tido como exemplo clássico. Em

abril de 1961, um grupo de exilados cubanos, treinados e

equipados nos Estados Unidos, tentaram invadir a ilha e derrubar


o jovem governo de Fidel Castro. A CIA e o governo norte-

americano apostavam no sucesso rápido de mais uma aventura

caribenha. O ataque durou menos de uma semana, resultou em


centenas de mortes de lado a lado e azedou de forma irremediável

a relação entre Cuba e os Estados Unidos.

Análises posteriores atribuíram o fracasso da operação à

incompetência da CIA. A agência teria superestimado o apoio dos


cubanos à causa dos rebeldes e baseado suas decisões em premissas

otimistas, que não se concretizariam. Após o episódio, diretores

importantes foram forçados a renunciar. Consta que Che Guevara,


irônico, chegou a enviar uma mensagem ao presidente John F.

Kennedy, agradecendo pela invasão, que teria fortalecido

substancialmente a causa revolucionária.

Os manuais de gestão definem groupthink como um processo mental


coletivo que ocorre quando os grupos são uniformes, seus

indivíduos pensam da mesma forma e o desejo de coesão supera a


motivação para avaliar alternativas diferentes das usuais. Os

sintomas são conhecidos: uma ilusão de invulnerabilidade, que

gera otimismo e pode levar a correr riscos; um esforço coletivo


para neutralizar visões contrárias às teses dominantes; uma

crença absoluta na moralidade das ações dos membros do grupo; e

uma visão distorcida dos “inimigos”, comumente vistos como


iludidos, fracos ou simplesmente estúpidos.

Organizações marcadas pelo groupthinking exercem enorme pressão

sobre seus membros. Diante de ameaças à conformidade, elas

neutralizam ou expulsam os mais rebeldes. Com o tempo,


desenvolvem sofisticados sistemas de auto-censura, inibindo

visões críticas. Essas organizações podem se tornar ambientes

silenciosos, caracterizados pelo cinismo ou pelo medo de expor


posições que contradigam a visão oficial.

Tão antigo quanto o conceito são as receitas para contrapor a

patologia: primeiro, é preciso estimular o pensamento crítico e

as visões alternativas à visão dominante; segundo, é necessário


adotar sistemas transparentes de governança e procedimentos de

auditoria; e, terceiro, é desejável renovar constantemente o

grupo, de forma a oxigenar as discussões e o processo de tomada


de decisão.

Os estudos clássicos sobre groupthink foram feitos sobre grandes

fiascos militares norte-americanos: a citada tentativa de invasão

da Baía dos Porcos, em 1961, a escalada da Guerra do Vietnã, de


1964 a 1967, e a Guerra do Iraque, iniciada em 2003. Para cada
uma destas grandes catástrofes há centenas de pequenas tragédias,

que ocorreram, e continuam a ocorrer, no mundo dos negócios.

Este escriba desconhece estudos realizados em Pindorama sobre o

tema. Perdem os pesquisadores locais a chance de explorar


riquíssimo material, nas hostes corporativas e, especialmente,

nos chamados poderes do descampado central. Quiçá a capital

federal possa entrar inteira para o Livro dos Recordes, como o


maior caso de groupthink do mundo.
Déficit de atenção

Do cruzamento das modernas tecnologias com a ansiedade por

acompanhar tudo o que acontece a nossa volta ganha força uma nova

patologia corporativa.

O Distúrbio do Déficit de Atenção (DDA) é um mal conhecido.

Comumente, vem acompanhado de hiperatividade. Estima-se que


atinja 5% da população. Indivíduos vitimados pelo DDA apresentam

comportamentos como falta de foco, impulsividade e inquietação. A

lista de sintomas inclui dificuldade para concentrar-se, falta de


atenção a detalhes, incapacidade para ouvir os outros,

dificuldade para seguir instruções, desorganização, dificuldade

para realizar atividades que exigem esforço mental contínuo e


incapacidade para planejar tarefas.

Agora, aplique a lista aos seus colegas de trabalho e

provavelmente constatará que boa parte deles apresenta alguns, ou

talvez a maioria, desses sintomas. Isso não equivale a um


diagnóstico médico e não faz de seus colegas portadores do DDA,

mas revela muito sobre a vida nos ambientes de trabalho

contemporâneos.

Então, imagine a cena: você chegou mais cedo ao escritório,


determinado a finalizar aquele projeto que repousa há semanas em
sua mesa. Avança corajoso para a sua sala, liga seu computador e

se põe a abrir planilhas e textos. Sua determinação dura exatos

14 minutos. Surge uma pequena dúvida técnica: qual métrica será


usada para avaliar o retorno sobre o investimento? Concentração.

A tela imóvel a sua frente começa a incomodar. Distraidamente,

você abre um site de notícias. Corre os olhos pelas manchetes e


já vai voltar para sua tarefa. Entretanto, uma notícia lhe chama

a atenção: mais um maníaco embriagado dirigindo pela contramão.

Impressionante! Os links trazem mais um, dois casos, uma


epidemia! 12 minutos depois, você finalmente se lembra de sua

tarefa. Volta constrangido à planilha, desiste de escolher a

métrica e começa a trabalhar nas justificativas qualitativas.


Seguem-se seis minutos de produtivo “corta e cola”.

Repentinamente, toca o telefone: um cliente desesperado pede sua

ajuda para resolver um problema urgente que, aliás, não é urgente


nem tampouco justifica o desespero. Cinco telefonemas e 45

minutos depois, o problema está resolvido, seu humor um pouco

abalado e a concentração perdida. Mas você não desiste. Retoma,


com um pouco de angústia, sua tarefa. Estuda uma estratégia para

avançar o que puder antes da reunião com a diretoria. Passam-se

mais sete minutos de valiosos avanços, quando você nota que o


ícone de chegada de mensagens, no canto da tela, pisca seguidas

vezes. Talvez alguma coisa realmente urgente. Seguem-se 32

minutos de eliminação de SPAMs, leituras de longas mensagens que


não lhe deveriam ser destinadas e respostas a perguntas que não

lhe deveriam ter sido feitas. Irritado, você finalmente volta a

sua tarefa, mas tem apenas tempo para fechar os documentos e se


preparar para a reunião. Seu projeto? Fica para outro dia.
Meses reproduzindo esta frustrante rotina e você provavelmente

estará preparado para um livro de auto-ajuda. Solução para as

suas dores talvez não encontre, mas ao menos você não irá se
sentir tão sozinho e desamparado. O livro Distracted: The Erosion

of Attention and the Coming Dark Age, de Maggie Jackson, é mais

uma peça do vasto arsenal editorial visando tirar dinheiro das


angústias executivas. Marci Alboher, do New York Times, teve a

paciência de ler o livro, do qual extraiu a seguinte lista de

efeitos da nova, ou não tão nova, praga corporativa:


profissionais trocam de tarefas a cada três minutos e, uma vez

distraídos, levam meia hora para retomar o foco original;

interrupções e seus respectivos tempos de retomada consomem 28%


do dia de trabalho; funcionários que são rotineiramente

interrompidos e não conseguem focar adequadamente suas tarefas

são mais aptos a se sentirem frustrados, pressionados e


estressados; em reuniões nas quais todos estão verificando seus

emails, as oportunidades para fazer um trabalho coletivo crítico

e criativo são perdidas. Triste, não?

Será a tecnologia a grande culpada? Somente se nos contentarmos


com um bode expiatório. A tecnologia pode piorar as coisas, porém

a verdadeira raiz talvez seja nossa ansiedade por acompanhar tudo

o que acontece a nossa volta. Para enfrentar o problema, alguns


profissionais adotaram há algum tempo espaços “sagrados” na

agenda, no qual se isolam de seus pares e se desligam

temporariamente dos meios de comunicação. Alboher lembra que


funcionários da IBM adotaram as “Think Fridays”, nas quais são

evitados o correio eletrônico, as reuniões e outros tipos de


interrupções. Outras empresas têm criado salas “silenciosas”;

leia-se, sem conexões telefônicas ou informáticas. O passo

essencial no sentido de recuperar a capacidade de foco cabe,


obviamente, à auto-disciplina dos indivíduos.
O futuro em cores

Pesquisa da consultoria PricewaterhouseCoopers, feita com apoio

da Universidade de Oxford, revela três cenários para o mundo

corporativo nas próximas décadas.

A fascinação pelo futuro já reuniu seita mais numerosa. O século

XX, inundado por grandes inovações tecnológicas, nutriu


incontáveis devaneios. As viagens espaciais, por exemplo,

alimentaram gerações de sonhadores. Porém, o ciclo de grandes

utopias – tecnológicas, políticas e sociais – encerrou-se pouco


antes do final do milênio. As gerações seguintes foram germinadas

nos fornos do individualismo, do conformismo e do hedonismo.

Vivem para o presente. Miram o passado com relutância. Vêem o


futuro sem grande interesse. Comparadas às grandes inovações

disseminadas nas gerações passadas, as atuais são insípidas,

inodoras e incolores. Poder comunicar-se em tempo real, por meio


de uma linha de telefone fixo, com outra pessoa a milhares de

quilômetros de distância, representou uma enorme ruptura. Fazer o

mesmo por uma conexão móvel ou por um computador é apenas fazer o


mesmo de uma outra forma.

A fascinação com o futuro também perdeu espaço no mundo

corporativo. As técnicas de formulação de cenários para

planejamento estratégico conheceram seu apogeu nos anos 1970. A


equipe da Shell, ao conseguir antever a crise do petróleo do

início daquela década, ganhou merecida fama e ajudou a atrair

outras grandes empresas para a prática. Algumas multinacionais


chegaram a mobilizar centenas de funcionários em exercícios

detalhados e demorados de análise de cenários. No entanto, com o

passar do tempo, o interesse pelos exercícios futurológicos


declinou, mantendo-se apenas como atividade esporádica e

assessória. Em uma Era que cultua o presente, cujos gestores

raramente desviam os olhos além dos resultados do trimestre, não


é fácil mobilizar corações e mentes para mirar uma ou duas

décadas à frente.

Um estudo, realizado pela consultoria PricewaterhouseCoopers

(PWC), com apoio do Instituto James Martin para a Ciência e a


Civilização, da Universidade de Oxford, contrapõe este quadro de

pouco entusiasmo para o com o porvir. O trabalho identificou uma

série de forças que terão influência sobre o contexto empresarial


nas próximas décadas, formulando um modelo que se assenta em dois

eixos de tendências: “individualismo versus coletivismo” e

“integração corporativa versus fragmentação”. A partir destes


eixos, foram criados três cenários, para os quais foram

designadas cores: o mundo azul, o mundo verde e o mundo laranja.

No mundo azul, as grandes empresas se consolidam ao longo de uma

década de fusões e aquisições. Elas dominam o mundo, fazendo


sombra a muitos países. A tecnologia determina a agenda e as

preocupações ambientais tornam-se secundárias. O aumento do poder

das grandes corporações gera um abismo entre os profissionais que


trabalham em grandes empresas e aqueles que tem que se sujeitar a
condições de instabilidade e poucos benefícios em pequenas

empresas. O adestramento de funcionários começa aos 16 anos de

idade. Aos 18, muitos já estão ligados a uma empresa e a formação


universitária é gerida pela corporação. No topo da hierarquia, os

executivos comportam-se como celebridades do show business, com

agentes a representá-los no mercado de trabalho.

No mundo verde, a responsabilidade social domina a agenda


corporativa, com preocupações ligadas a mudanças demográficas,

clima e sustentabilidade. Tais questões transformam-se em

direcionadores para a estratégia. Negócios “verdes” tornam-se


centrais para as empresas. O lobby ambientalista ganha poder e os

consumidores direcionam o comportamento corporativo.

Regulamentação e controle social determinam o grau de liberdade


das empresas. A responsabilidade social corporativa deixa de ser

altruísmo ou comportamento de fachada e se torna um imperativo

dos negócios. Empresas e empregados passam a se eleger de acordo


com as credenciais sócio-ambientais.

No mundo laranja, as empresas se subdividem em redes de

colaboração, compostas por empresas menores, especializadas. A

fragmentação é compensada pelo emprego maciço de modelos de


cooperação, apoiados pela tecnologia. As carreiras passam a ser

caracterizadas pela autonomia e por contratos de curto prazo,

flexíveis. Cada indivíduo torna-se responsável por sua carreira e


por seu desenvolvimento. Associações profissionais emergem como

locus de suporte mútuo.


O estudo não aposta em um ou outro mundo, advoga que os três

cenários provavelmente ocorrerão, com predominância de um ou

outro em certas regiões geográficas ou determinados setores da


economia. Por razões metodológicas e didáticas, o trabalho revela

apenas três cores. A paleta do mundo real, como se sabe,

apresenta muitas outras possibilidades, assim como a trajetória


humana.
O encontro das águas

O fenômeno amazônico tem um (imperfeito) análogo corporativo: as

grandes fusões e aquisições envolvem rios caudalosos, que levam

algum tempo para se misturarem, quando se misturam.

Para os turistas que visitam a Amazônia, um passeio tradicional é

o encontro das águas. A atração acontece na confluência entre o


rio Negro, de água preta, escura, e o rio Solimões, de água

barrenta. Em lugar de se misturarem no ponto da junção, as águas

dos dois rios correm separadas, lado a lado, por mais de seis
quilômetros. O fenômeno se deve à diferença entre a densidade, a

temperatura e a velocidade das águas dos dois rios. O rio Negro

corre a cerca de 2 km/h, a uma temperatura de 22°C, enquanto que


o rio Solimões corre a cerca de 4 a 6 km/h, a uma temperatura de

28°C.

Fenômeno similar está acontecendo longe da (por enquanto)

verdejante Amazônia, nos domínios corporativos do mundo


industrializado e também entre grandes empresas da emergente

Pindorama,. Trata-se da integração entre empresas, processo que

segue fusões e aquisições. O marco inicial costuma ter data


certa, mas a integração efetiva demanda, como no caso do rio

Negro e do rio Solimões, bons e acidentados quilômetros de

convivência.
Cumpre registrar que não se trata de fato novo. Desde os anos

1980, aumentaram consideravelmente os casos de encontros de

águas. Como tudo no mundo contemporâneo, também desta feita a


causa foi a tal da globalização. Afinal, foi a cria da dupla

Thatcher & Reagan que originou as pressões competitivas,

facilitou o acesso ao capital e decretou a necessidade de


consolidação industrial.

A balburdia competitiva gerou fortes reflexos nas hostes

corporativas. Tome-se um caso célebre. Em 1998, foi anunciada a

fusão entre a alemã Daimler-Benz e a norte-americana Chrysler,


dando origem a Daimler-Chrysler. A retórica oficial falava em

fusão de iguais, em complementaridade estratégica e grandes

sinergias a explorar. Propagandas nas revistas de negócios


mostravam o lado humano da nova empresa, com fotos de operários

felizes dos dois lados do Atlântico. Na prática, os dois rios

nunca se misturaram. Frustrações e atritos marcaram a breve


história da empresa. Em 2007, cada empresa voltou a seguir o seu

curso. Agora, é a italiana Fiat que se apresenta como salvadora

da combalida empresa norte-americana. Serão as águas do rio Pó


miscíveis com as águas do rio Detroit? Acionistas, consumidores e

trabalhadores torcem para que sejam, e que a mistura seja muito,

muito rápida.

Loquazes executivos costumam fazer eco ao discurso dos gurus da


gestão: expressões tais como “DNA corporativo”, “compartilhamento

de valores”, “cultura forte” e “identidade forte” passaram a

integrar o jargão corporativo. Por detrás do palavrório de


sentido nebuloso encontra-se a busca da uniformidade e de
fundamentos comuns. Na prática, entretanto, os sucessivos

processos de fusão e aquisição promovidos pelas empresas estão

dando origem a organizações extremamente fragmentadas,


caracterizadas pelo que começa a ser denominado de hibridismo.

O termo hibridismo deriva da palavra latina hybrida, hibrida ou

ibrida, que tem o sentido de insulto ou ultraje. Tal sentido se

deve ao fato de que plantas ou animais de raças ou espécies


diferentes não serem capazes de produzir descendentes comuns. Daí

ser o produto do cruzamento considerado um insulto ou ultraje ao

ciclo natural. Semelhanças com certos casos de fusão ou aquisição


podem ser mais do que coincidência.

Nas empresas que passam por fusões e aquisições, o hibridismo

pode se manifestar de diversas formas: na existência de sistemas

e processos redundantes; no canibalismo entre marcas e produtos;


e, principalmente, no choque entre diferentes culturas de

trabalho e na disputa por cargos e funções. Para os gestores, a

questão do ritmo de integração tem sido um grande foco de


atenção. Apressar os rios pode gerar conflitos, perdas de quadros

qualificados e riscos para os negócios. Deixar que os próprios

rios determinem a velocidade de integração pode resultar em


acomodação ao status quo e gerar processos lentos, incapazes de

produzir resultados. Achar o ritmo certo é o grande desafio.

Em 2009, Pindorama oferece, além do fenômeno das águas

amazônicas, diversos espetáculos corporativos. E outros


provavelmente virão. Em jogo, está a consolidação de grandes

grupos econômicos brasileiros. Para aqueles diretamente


envolvidos, os desafios e as emoções serão fortes. Para a

audiência, será uma boa oportunidade para aprender sobre um

processo cada vez mais comum nas empresas. No trajeto, talvez o


discurso da identidade, da cultura e do DNA corporativo dê lugar

para uma postura mais realista, que aceite a realidade múltipla,

instável e híbrida das organizações contemporâneas; uma postura


que busque mais a convivência entre as diferenças do que a

uniformização.
Homo mobilis

Avanços nas tecnologias de comunicação e informação estão

viabilizando novos arranjos organizacionais e novas formas de

trabalho.

No início da década de noventa, William H. Davidow e Michael S.

Malone aproveitaram o fascínio com a tecnologia de informação e


fizeram de seu livro The Virtual Corporation um best seller. Para

revitalizar as corporações, bradavam os autores, era preciso

reinventar a gestão e reinventar o trabalho. Com argumento


similar, muitas outras obras se seguiram. Alguns termos

permaneceram, outros sucumbiram: e-business, e-commerce, tele-

trabalho, cadeia virtual de valor... a lista é longa.

Agora, um novo conceito-fetiche parece ter emergido, tentando


capturar o fugidio espírito da época. O argumento é que os

avanços recentes das tecnologias de comunicação (leia-se:

telefonia celular) e de informação (leia-se: Internet) estão


viabilizando novas configurações organizacionais e mudando a

forma como trabalhamos. Em suma, a convergência tecnológica está

nos transformando em “novos nômades”.

Os nômades originais compunham – e ainda compõem – comunidades


itinerantes, que se movem em lugar de se fixarem em um local.
Estima-se que existam hoje de 30 a 40 milhões deles circulando

pelo mundo. Sobre os novos nômades não há estimativas. No

entanto, acredita-se que eles estejam se multiplicado mais do que


os leporídeos.

Um novo nômade é fácil de reconhecer: ele, ou ela, não tem

horário ou local fixo de trabalho. Seu escritório é o mundo, ou

qualquer local que proporcione acesso à Internet. Sua ferramenta


de trabalho é BlackBerry, do qual não se separa nem em audiências

papais. Aliás, como alerta a revista The Economist, em uma

matéria sobre o tema, o que define o novo nômade não é o que ele
carrega, mas o que ele deixa para trás. Como seu primo beduíno,

que não carrega grande quantidade de água, porque sabe como

encontrá-la, nos oásis, o novo nômade não carrega documentos ou


arquivos, porque pode ter acesso a eles aonde estiver.

O novo nômade descende do tele-trabalhador dos anos 1990. A

principal diferença é que seu antecessor ficava preso a uma base,

em sua casa, enquanto que o novo espécime tem liberdade de


movimentação. O novo nomadismo eleva a um novo patamar a

flexibilidade de uso do espaço e do tempo. Naturalmente, isso

enfraquece ainda mais a separação entre família e trabalho, e faz


com que o batente invada as mais improváveis horas de descanso e

lazer.

Modismo ou não, algumas manifestações do fenômeno são notáveis.

Muitas empresas têm sido criadas sem local físico de trabalho.


Seus sócios e funcionários trabalham a partir de suas casas e dos

escritórios de clientes. As reuniões internas acontecem em cafés


e restaurantes. O arranjo pode funcionar muito bem, desde que os

indivíduos sejam autônomos e auto-motivados.

O fenômeno também é percebido nas empresas tradicionais. Muitas

delas estão esvaziando seus escritórios e incentivando que seus


funcionários a trabalhar de forma remota. O enxugamento dos

escritórios, aliás, traz uma série de benefícios. Grandes

escritórios tendem a se converter em bolhas, que se isolam do


mundo e parecem regidas por regras e rituais próprios. Ambientes

deste tipo consomem muito recurso, produzem processos inúteis,

reuniões intermináveis e disputas de poder entre grupos.

O novo nomadismo está também reduzindo os encontros pessoais.


Progressivamente, profissionais da mesma empresa ou de diferentes

empresas estão diminuindo a demanda por reuniões face-a-face e as

substituindo por contatos mais constantes, e menos estruturados,


por intermédio de meios eletrônicos.

A influência, também segundo The Economist, chega até a

arquitetura. As construções do século XX foram marcadas pela

especialização. O espaço de trabalho era ser projetado


especificamente para este fim. Com a nova tendência, novos

espaços estão sendo criados para abrigar trabalho, vida social e

lazer. A sede da Google, na Califórnia, e um novo prédio criado


pelo arquiteto Frank Gehry para o Massachusetts Institute of

Technology, em Boston, são celebrados exemplos dessa onda.

Naturalmente, nem tudo são flores neste admirável mundo novo. O

novo nomadismo significa maior liberdade de ação. Porém, se não


aprendermos rapidamente a lidar com ela, nos tornaremos algozes
de nós mesmos, trabalhando em ritmo 24/7. James Katz, professor e

pesquisador da Rutgers University, explica seu pessimismo.

Segundo ele, hoje os indivíduos não avaliam mais o que deveriam


atingir, mas o que poderiam atingir. Como as tecnologias dão a

impressão de abrir oportunidades infinitas, os indivíduos sentem-

se inadequados e infelizes, pois crêem que não aproveitam as


enormes possibilidades que lhes são oferecidas. A vida de oásis

em oásis pode não ser paradisíaca quanto fazem crer as

propagandas de celulares.
PARTE 3: FALANDO MAL DA GESTÃO
A vida como extensão da empresa

Um modesto ensaio sobre como uma centenária invenção ianque

ganhou o mundo, chegou a Pindorama nos anos 1990 e está mudando

nossos comportamentos e atitudes.

O humor é um conceito geralmente aplicado aos indivíduos.

Dizemos, de nossos pares, que são bem-humorados, que tem senso de


humor ou que estão de mau humor. O conceito de humor também pode

ser aplicado, correndo-se certo risco de fazer generalizações

indevidas, a países. Se aceitarmos tal risco, então podemos


afirmar que nosso instável país já experimentou vários humores.

Pindorama já teve a alcunha de tristes trópicos, local de exílio

e desterro, já foi a varonil nação do futuro, a terra ufanista do


“ame-o ou deixe-o” e o eufórico e barulhento país do carnaval.

Nos anos 1980, nosso humor mal resistiu às más notícias do front

econômico. Flertamos com a depressão (depois da recessão),

tornamo-nos violentos e quase enterramos nossa combalida


cordialidade. Na década seguinte, nosso humor sofreu com as

turbulências das mudanças econômicas, perdemos nossas ilusões

políticas e ficamos mais céticos. Agora, por obra da providência


divina e do mercado de commodities, vivemos um interlúdio bem-

aventurado, catalisado por boas novas, milagrosamente


enfileiradas e cuidadosamente exploradas. Aqui e acolá, tentam

nos convencer que nunca fomos tão felizes.

Este modesto ensaio propõe uma singela contribuição ao

entendimento das variações do humor nacional. Especula este


escriba que a nação pindoramense abraçou, desde meados da última

década, um novo humor, um humor catalisado pela adoção da

cartilha neo-liberal na economia e pela ascensão do gerencialismo


no mundo das empresas e do trabalho.

Como noutras plagas, o novo humor incentivou o individualismo,

transformou reclusos executivos em celebridades e incentivou

profissionais a se verem como marcas de sabão, a serem


incessantemente promovidas e vendidas, pela melhor oferta, no

mercado de trabalho. E não ficou por aí. O novo humor ultrapassou

as fronteiras corporativas, ganhou as ruas, a vida social, o


governo e as artes. Nada lhe escapou. Talvez ele não seja, ainda,

o humor oficial, absoluto, como ao norte do Rio Grande, mas já é

um humor de referência, cujos desígnios não são sequer


discutidos, porque foram assimilados e tornados “naturais”.

Veremos, a seguir, uma singela evidência de sua existência. Em

seguida, exploraremos suas origens e suas manifestações.

Um antropólogo que decida passar alguns quartos de hora em um


escritório executivo poderá observar in loco alguns traços

curiosos do mundo corporativo. Quiçá possa até mesmo estabelecer

hipóteses sobre o imaginário e o comportamento de seus


habitantes. Pelas estantes e mesas, o visitante encontrará

pitorescos livros de gestão e vistosas revistas de negócios.


Provavelmente, se assombrará com o exotismo e a criatividade dos

títulos e das manchetes. A literatura de negócios e de gestão

mistura a estrutura das fábulas infantis, a liberdade criativa da


ficção científica e o apelo pseudo-psicológico da auto-ajuda. Os

autores do ramo parecem ter especial apreço por hipérboles e

metáforas. Não temem o ridículo. Alguns parecem agir sob


inspiração messiânica, seguros de que serão compreendidos, e

imitados, por seus rebanhos.

Qualquer gerente, ou candidato a gerente, sabe que a ascensão

profissional está condicionada ao domínio de um intrincado


vocabulário, um palavrório cheio de anglicismos, neologismos e

siglas. Aos desavisados, as idéias parecem densas e

significativas, porém os conceitos são irritantemente imprecisos,


vagos. Parece ser este o segredo do encontro entre a

destrambelhada oferta com a não menos destrambelhada demanda.

Alguns gestores contemporâneos apresentam comportamento maníaco-

depressivo: seu humor oscila entre momentos marcados por temores


e preocupações com a própria sobrevivência e momentos de euforia,

marcados por sonhos de grandeza e pela elaboração de estratégias

de ascensão. Muitos leitores adotam a literatura de negócios e


gestão com fervor religioso. Tratam-na como guia espiritual para

enfrentar chagas e oportunidades da vida corporativa.

Nem sempre foi assim. O espetáculo da vida corporativa já mais

sóbrio, sem a apelação e a pirotecnia atuais. Há duas décadas,


quem visitasse o escritório de um executivo, se depararia com um

ambiente diferente do atual, com decoração mais comportada e


sóbria. No centro, uma mesa de madeira escura, as gavetas

trancadas à chave. Ao lado, um arquivo metálico de pastas

suspensas, de cor verde oliva, igualmente fechado. Junto à


parede, uma estante impecavelmente arrumada, a exibir manuais

técnicos e, vez por outra, biografias de Winston Churchill e do

General Patton. No meio do papelório, a conferir pompa e


circunstância ao ambiente, pastas, desenhos e cadernos de folhas

quadriculadas, repleto de números e contas. Há duas décadas, o

ocupante da alcova burocrática era um austero empresário,


preocupado com problemas da linha de produção, com os controles

de preço impostos pelo governo e com a inflação. Seu dia era

ocupado com a leitura e análise de relatórios, a realização de


cálculos.

A mudança ocorridas nas duas últimas décadas nos escritórios

corporativos reflete mais do que tendências decorativas. O que

ocorreu nas últimas décadas foi uma mudança de forma e conteúdo


do trabalho gerencial. Faz parte da história do que os

especialistas chamam hoje de gerencialismo, uma história ainda

mais ampla e antiga, de mais de 100 anos, cujos efeitos são


sentidos no nosso dia a dia, porém nem sempre são notados ou

compreendidos.

O gerencialismo é usualmente entendido como um conjunto de

teorias, métodos e práticas, as quais evoluem ao longo do tempo e


destinam-se a garantir o melhor desempenho possível para as

empresas. O gerencialismo é também visto como uma ideologia,

prima-irmã do neo-liberalismo, que tem na base a crença de que a


aplicação de melhores ferramentas de gestão pode resolver

problemas empresariais, sociais e econômicos.

Seu surgimento ocorreu no início do século XX, com a criação das

escolas de gestão. Nas primeiras escolas norte-americanas, o


corpo de professores era formado por gestores trazidos

diretamente das fábricas, para partilhar sua experiência prática

com os pupilos. Embora parecesse um caminho natural, este


expediente passou, com o tempo, a ser criticado. Afinal, uma

solução que funciona bem em uma empresa pode causar um desastre

em outra empresa.

A primeira tentativa de escapar dos limites do conhecimento


estritamente prático e trazer ciência para a gestão se deu pela

adoção dos princípios de “gerenciamento científico”, de Frederick

Winslow Taylor (1856-1915), o mestre dos cronômetros e dos


estudos de tempos e movimentos. Taylor foi um engenheiro obcecado

por eficiência industrial, que legou ao mundo ao mundo os famosos

estudos de tempos e movimentos. Também é de sua lavra o princípio


da separação entre o trabalho de planejamento, realizado pelos

gerentes, e o trabalho de execução, realizado pelos

trabalhadores. Consta que ele próprio fracassou, em várias


oportunidades, como consultor industrial. Entretanto, seus

princípios e métodos perduraram, marcando gerações de

administradores e fundamentando métodos de gestão nos mais


variados setores de atividades. Semelhanças entre a cozinha das

lanchonetes fast food, os escritórios de empresas estatais, as

linhas de montagem de automóveis e os call centers são bem mais


do que coincidências.
Nas décadas posteriores, ocorreram novas tentativas para

envernizar a tosca estrutura conceitual do gerencialismo e lhe

conferir ar de ciência respeitável. O esforço surtiu efeito: a


administração se tornou uma profissão reconhecida e popular, e o

seu campo científico ganhou reputação e respeito entre outras

comunidades. As escolas norte-americanas de gestão tornaram-se


elas próprias grandes negócios e se espalharam pelo mundo.

Comunidades de pesquisadores, inspiradas pelo modelo ianque,

espalharam-se pelo planeta e geraram clones até mesmo em


Pindorama.

No entanto, não faltam crises e críticos, a denunciar a

inutilidade das pesquisas científicas realizadas nas

universidades e a incapacidade das escolas de preparar gestores


capazes de atuar no mundo real. Outra praga que afeta o campo é o

gosto dos executivos por modas gerenciais, incessantemente

promovidas por consultores, jornalistas especializados e


professores.

Por sua vez, historiadores do gerencialismo criticam sua falsa

neutralidade e o seu conservadorismo. Segundo tais críticos, além

de constituir per se uma ideologia do capital, o gerencialismo


teria consolidado princípios de hierarquia, planejamento e

racionalidade próprios das organizações militares. Isso teria

ocorrido após o final da Segunda Guerra Mundial, com o retorno


dos militares norte-americanos e sua incorporação à vida civil,

havendo depois se propagado e consolidado ao longo de toda a

Guerra Fria.
A partir dos anos 1980, o gerencialismo sofreu forte impulso,

decorrente da adoção das chamadas políticas neo-liberais. O

movimento, como se sabe, teve início no Reino Unido e nos Estados


Unidos. Pontificando sob um país decadente, a primeira ministra

Margareth Thatcher apostou seu mandato na recuperação de valores

vitorianos de trabalho duro, motivação, ambição criativa e


independência, adaptando-os ao momento. Do outro lado do

Atlântico, Ronald Reagan cruzou o desfiladeiro que partia da

depressiva Era Carter, buscando a salvação no individualismo e no


empreendedorismo.

O novo humor alimentou e foi alimentado pela adoção de políticas

neo-liberais. Cada um em seu nível de atuação, eles se casaram,

se complementaram e iniciaram uma feliz vida a dois. O


gerencialismo estava para as empresas e para os indivíduos assim

como o neo-liberalismo estava para as instituições e para os

países.

Reformado pelo humor emergente, o gerencialismo passou a ser


visto como a melhor resposta aos desafios da globalização, senão

a única resposta para evitar o declínio econômico de empresas, de

regiões e de países. Seus valores, modelos e técnicas migraram


rapidamente do Reino Unido e dos Estados Unidos para outros

países desenvolvidos e, então, para a Europa do Leste, para a

Ásia e para a América Latina.

Empresas e governos abraçaram rapidamente o novo credo. Cinco


princípios compuseram um ideário que rapidamente se consolidou:

primeiro, a crença inabalável na liberdade de mercado (o retorno


da “mão invisível”); segundo, a visão dos indivíduos como

empreendedores de si mesmos (you Inc., copiado no Brasil como

você S.A., que se tornou título de revista de auto-ajuda);


terceiro, o culto da excelência como meio para o desenvolvimento

individual e coletivo; quarto, a crença que as tecnologias

gerenciais são válidas em todas as latitudes, longitudes e


altitudes; e quinto, que estas mesmas tecnologias gerenciais, por

suas qualidades (e também por seus poderes mágicos) são capazes

de garantir os melhores resultados para as empresas.

Com o tempo, o novo humor ganhou status de credo, e este


organizou uma igreja em torno de si. A sustentá-la, três vistosos

pilares: as empresas de consultoria, as escolas de negócios e a

mídia de negócios. Cada um destes pilares contribuiu, a sua


maneira, para o aperfeiçoamento do novo credo. Abençoados na

união, os componentes desta sagrada trindade cresceram e se

multiplicaram.

Pindorama absorveu o novo credo com algum atraso, porém abraço-o


com vigor de noviço. Como em outros países, aqui também o grande

impulso veio das reformas econômicas neo-liberais. Desde o início

do século XX, a condução da economia local foi marcada pela falta


de apreço à ortodoxia. No entanto, no final dos anos 1980 e

início dos anos 1990, o Brasil passou a liberalizar a economia e

a seguir as cartilhas recomendadas pelos organismos


internacionais. As mudanças decorrentes – os programas de

privatização, o movimento de fusões e aquisições, o aumento da

competição entre empresas e a terceirização – geraram, como em


outros países, forte demanda de serviços de consultoria e
educação, e contribuíram para criar um terreno fertilíssimo para

o avanço do novo credo.

Consultores, educadores e editores responderam prontamente à nova

demanda. As maiores empresas mundiais de consultoria aqui se


instalaram ou, se já instaladas, aumentaram seus quadros e

ampliaram suas atividades. Durante toda a década de 1990, a

indústria do conselho instigou corações e mentes a abraçar as


novas ondas gerenciais que iam surgindo no horizonte. As escolas

de negócios também cresceram vertiginosamente. Um de seus mais

vistosos produtos, o MBA, foi associado a propriedades mágicas,


como um passaporte capaz de levar seu titular para posições de

destaque no topo da pirâmide corporativa. A mídia de negócios não

ficou atrás. Ela cresceu e prosperou, traduzindo, adaptando e


criando incansavelmente novos títulos.

A mídia de negócios é, aliás, o melhor ponto de observação do

novo humor e do novo credo. O leitor que se dispuser a um breve

mergulho nas revistas de negócios e nos livros de gestão, notará


facilmente a homogeneidade de conteúdo e estilo. Como uma

companhia teatral de peça única e carreira ininterrupta, a mídia

especializada replica edição após edição, livro após livro, seus


conteúdos. Aqui e ali, pequenas adaptações e mudanças, apenas

para garantir o sabor de novidade a um modelo que é considerado

um grande sucesso.

No teatro corporativo retratado na mídia, o palco é sempre o


mundo globalizado, habitado por empresas transnacionais e

profissionais cosmopolitas. Os personagens são freqüentemente


gerentes heróis que, por seus feitos extraordinários,

transformam-se em celebridades. Suas realizações são validadas

por experts acima de qualquer suspeita, gurus da consultoria ou


professores de grandes escolas de negócios. As sagas são narradas

à moda das fábulas infantis, temperadas com grandes desafios e

impressionantes vitórias. Não há espaço para ambigüidades e meios


tons: certo e errado, bom e ruim, superior e inferior, velho e

são noções sempre claras e bem definidas. Paradoxos e

contradições não existem e o pragmatismo resolve todos os


dilemas: “vivemos em um mercado livre e vitorioso, de destino

irreversível, no qual as empresas buscam constante renovação para

se manterem competitivas, e seus funcionários devem pensar e agir


como empreendedores autônomos e responsáveis”.

Como em toda igreja, também no templo do gerencialismo uma

prática de cultos se estabeleceu. Em lugar de padres e

sacerdotes, subiram ao púlpito gurus e curandeiros. Em lugar de


elegias e preces, passaram a ser compilados e disseminados

pungentes testemunhos de sucesso empresarial. Em lugar de

histórias de redenção individuais, foram identificadas histórias


de redenção empresarial. Pouco pão e muito circo. Para manter o

público em contínuo êxtase, foram adicionados gurus locais aos já

renomados, porém algumas vezes envelhecidos, gurus estrangeiros.


Para adornar os templos, foram providenciados ícones, ídolos

recém canonizados, por façanhas reais ou fabricadas, à frente de

grandes corporações.

Embora o novo credo seja único, monolítico, seus cultos são


sempre renovados. Os sacerdotes do gerencialismo estão sempre
próximos de seus fiéis; aliás, eles confundem-se com seu rebanho.

Consultores aperfeiçoam permanentemente seus modelos e

ferramentas durante os projetos realizados nas empresas.


Jornalistas mantêm amplas redes de contatos, das quais extraem as

“últimas novidades”, editando-as e dourando-as para seu público.

Professores, em cursos executivos, ensinam tanto quanto aprendem


com seus estudantes.

Sólida, a nova igreja avançou firme e forte na troca de milênios.

Ela passou quase incólume pelo estouro da bolha da Internet e, em

Pindorama, superou com tranqüilidade o avanço da estrela


vermelha. Acreditou na onisciência, na inevitabilidade das

eternas forças do mercado; não se abalou. Apostou na

neutralidade, reformou aqui e acolá seu discurso e seguiu


imperturbável seu curso. Alguns gurus perderam sua aura, mas

foram prontamente substituídos. Algumas modas feneceram, sob o

peso de seu fracasso, mas outras rapidamente surgiram.

O novo humor e o novo credo ultrapassaram as fronteiras da


economia e dos negócios. Avançaram pelos órgãos de governo, pela

educação, pela saúde e pelas artes. Sua presença é discreta,

porém visível. Empreendedorismo, sucesso e carreira são hoje


temas recorrentes nos jornais, nas revistas semanais e até nas

publicações femininas. As revistas de celebridades e as revistas

de negócios tornaram-se primas próximas, a partilhar valores e


estilos, e, eventualmente, editores e jornalistas.

Jovens vestibulandos hoje tomam decisões de escolha de carreira

com base em na avaliação futura do mercado e em conceitos de


retorno sobre o investimento. Profissionais recém formados

sentem-se cada vez mais atraídos por ganhos rápidos no mercado

financeiro. Em todas as faixas etárias, cresce o fascínio por


criar negócios, tornar-se executivo ou empresário. A paixão pela

carreira (rápida) substituiu a paixão pelo trabalho (sério). A

conversa de negócios segue invadindo a vida social, as rodas de


amigos, as relações.

Talvez tenhamos que aceitar a chateação como efeito colateral

associado ao progresso econômico. Ou, quem sabe, tenhamos apenas

que esperar pacientemente até que seu ciclo se complete e um novo


humor lhe tome o lugar. E desejar que seja menos aborrecido do

que o atual.
Na turma do fundão

Pesquisa científica compara as práticas gerenciais de mais de

4.000 empresas de 12 países. Pindorama faz companhia para Grécia

e Índia no fundo da classe.

Não é preciso ser um gênio consultor para saber que as empresas

locais são mal geridas. As patologias corporativas são visíveis e


notórias: os intrincados jogos de poder da alta gestão, a

letargia e o permanente estado de confusão mental dos

administradores, e o frenesi amalucado dos profissionais, sempre


apagando incêndios criados ou imaginários. A má gestão vitima

consumidores, cidadãos e funcionários. Das pequenas às grandes

empresas, das organizações sociais às burocracias estatais, quem


conhece por dentro as empresas locais, costuma se perguntar: como

pode tal despautério funcionar?

Não deve servir de consolo, mas as empresas locais não estão

sozinhas no fundo da classe. Elas têm a companhia de congêneres


indianas, gregas, chinesas e até mesmo suecas e norte-americanas.

Um estudo, conduzido pelos economistas Nick Bloom, da

Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, e John Van Reenen,


da London School of Economics, no Reino Unido, procura iluminar o

fundo, o meio e a frente da classe. Revela que maus


comportamentos existem em todo lugar, mas a incidência em

Pindorama está além do tolerável.

Os pesquisadores partiram de uma questão antiga: como explicar as

diferenças de produtividade entre empresas? Economistas costumam


atribuir tais diferenças a uma “caixa preta”, na qual repousariam

as misteriosas “práticas gerenciais”. Administradores, por sua

vez, são hábeis em escrever livros sobre as “melhores práticas


gerenciais”, mas têm incrível dificuldade para provar

cientificamente que o que propõem realmente gera efeitos

positivos duradouros.

Bloom e Van Reenen pesquisaram mais de 4.000 empresas industriais


em 12 países, incluindo Pindorama. Para garantir a consistência

científica, eles desenvolveram um questionário com 18 práticas

gerenciais, agrupadas em três temas: o primeiro tema é o


monitoramento, ou quão bem as empresas acompanham suas próprias

atividades e as aperfeiçoam de forma contínua; o segundo tema é o

estabelecimento de metas, ou quão bem as empresas definem seus


objetivos e as ações para atingi-los; e o terceiro tema é o

sistema de incentivo, ou quão bem as empresas gerenciam seus

funcionários, premiando e mantendo aqueles que tem melhor


desempenho. Cada prática gerencial foi avaliada a partir de uma

escala de 1 (pior prática) a 5 (melhor prática), por

entrevistadores treinados.

Tomando-se o conjunto de 18 práticas, agrupadas nos três temas,


os pesquisadores obtiveram índices gerais para os 12 países. Na

frente da classe, com uma média de 3,3, surgiu os Estados Unidos,


a pátria mãe do management. Em seguida, com médias superiores a

3,1, vieram Alemanha, Suécia e Japão. O Brasil ficou no fundo da

classe, com uma média de 2,7, pouco a frente da Grécia, China e


Índia.

Além de variar entre países, o índice varia entre as empresas

dentro de um mesmo país, o que não deve surpreender. Mesmo os

países melhor colocados, como Estados Unidos e Alemanha, têm


algumas empresas no fundo da classe, fazendo companhia para o

batalhão de empresas brasileiras e indianas.

Mas o que condiciona a qualidade das práticas gerenciais? Bloom e

Van Reenen identificaram três fatores. O primeiro fator é a


competição: um mercado mais aberto e competitivo elimina as

empresas mais incompetentes e induz a melhoria contínua das

práticas gerenciais das empresas mais competentes. É o velho e


bom darwinismo, aplicado ao mundo dos negócios. O segundo fator é

o controle e a gestão familiar. Empresas que são controladas e

gerenciadas por famílias tendem a apresentar piores práticas e


pior desempenho, especialmente quando o critério de escolha do

primeiro executivo é o de primogenitura, ou seja, o herdeiro do

comando é o filho mais velho. O terceiro favor é o grau de


internacionalização. Empresas multinacionais e até mesmo empresas

domésticas que exportam costumam freqüentar a frente da classe.

Para as empresas, boas práticas gerenciais estão relacionadas com

produtividade, lucratividade e perenidade dos negócios. Uma


gestão mais avançada também tem reflexos positivos sobre a
qualidade de vida dos empregados e até mesmo do consumo de

energia.

Os resultados da pesquisa levam a uma conclusão e uma indagação.

A conclusão é que, apesar de Pindorama ter um grande contingente


de firmas no fundão, trazê-las para frente da classe não requer

milagres. De fato, as práticas gerenciais avaliadas na pesquisa

são simples, conhecidas e consagradas. A indagação é a seguinte:


o que estarão ensinando os milhares programas de graduação e pós-

graduação de administração do país? Para explicar tal mistério,

talvez seja necessária uma nova pesquisa.


RH negativo

Empreendedor inglês destila ironia contra a área de Recursos

Humanos. Em foco: a notável capacidade de inventar trabalho para

garantir e aumentar o próprio espaço.

Luke Johnson é um empreendedor inglês de múltiplos interesses e

habilidades. Entre os negócios que dirige, ou dirigiu, encontram-


se restaurantes, pizzarias, redes varejistas, o maior sistema

inglês dedicado a cirurgias odontológicas, uma empresa de

recrutamento de pessoal, uma agência de propaganda e design, o


Channel 4 e uma empresa de private equity. Além da carteira,

aprendeu também a usar a pena. Foi, por oito anos, colunista do

Sunday Telegraph. Hoje, publica suas provocações no Financial


Times.

Em uma coluna publicada em 2008, Johnson destila maldades contra

a área de Recursos Humanos. A abertura e o trecho inicial dão o

tom do texto: “O brilhante chefão da Avis Robert Townsend, em seu


livro Up the Organisation, sugere despedir todo o departamento de

pessoal. De fato, eu reduzi radicalmente o RH em diversas

empresas que dirigi, e tudo nos negócios melhorou”.

Em seguida, o escriba-empresário consubstancia a sua lógica de


ataque. Para ele, a legislação trabalhista, abundante e complexa,
precisa ser cuidada por alguém; leia-se: os gestores de recursos

humanos. Assim, eles se tornam um mal necessário para viabilizar

os negócios. Como outras partes da estrutura de gestão, recursos


humanos é mais uma despesa nas costas dos trabalhadores

produtivos. Outras áreas produzem e vendem. Os “amorfos serviços

de apoio apenas consomem”, declara o britânico.

Terceirizar tais serviços pode ser uma saída inteligente. Se os


sub-contratados não tiverem bom desempenho, basta substituí-los.

O problema, segundo Johnson, é a fascinação que muitos executivos

parecem nutrir pelo RH. O resultado é conhecido: com estrutura e


orçamento para gastar, a área expande seu trabalho e gera um

espiral movido pela criação de necessidades e o desenvolvimento

de sistemas.

Então, consultores são contratados para criticar os sistemas


existentes (ou a falta deles), especialistas são trazidos para

desenvolver soluções complexas para problemas inexistentes e o

quadro de pessoal é ampliado para dar conta do trabalho


inventado. Somam-se meses de reuniões e workshops, a gerar mais

reuniões e mais workshops. Com o passar do tempo, uma gigantesca

parafernália se instala, em nome das mais modernas práticas


gerenciais. Para promovê-las e disseminá-las, pode-se contar com

uma extensa rede externa de consultores de panacéias,

especialistas em receitas mágicas, organizadores de eventos


surreais, professores da ciência das brisas e ventos e editores

de publicações de auto-ajuda.
Aparentemente, as primeiras empresas a embarcar nas sucessivas

ondas de novidades de RH usufruem os benefícios do pioneirismo.

Não em termos de melhoria na gestão, mas em duvidosos prêmios e


garantia de fotos de seus sorridentes executivos nas revistas

especializadas.

Johnson observa que os executivos conhecem o poder do RH. Afinal,

a área controla avaliações de desempenho, salários e bônus, e


pode influenciar promoções, demissões e mudanças na estrutura

organizacional. Enfrentá-la pode ser politicamente arriscado,

especialmente para alpinistas ambiciosos, a investir suor e


sangue na escalada da pirâmide organizacional. Por outro lado,

cultivar uma política de “boa vizinhança” e seguir as ondas pode

embalar docemente a ascensão.

A provocação do mordaz Johnson pode facilmente ser ampliada.


Gerar burocracia inútil, com o objetivo de garantir o emprego ou

ampliar o espaço, não é privilégio de RH. Profissionais de

tecnologia de informação, de marketing e comunicação são também


habilíssimos em justificar a sua própria existência e tem

habilidades especiais de crescimento e multiplicação.

Entretanto, há de se reconhecer que o fenômeno ocorre em toda a

pirâmide organizacional. Na base, grupos organizados e sindicatos


fazem o que podem para garantir seu espaço, seja ou não legítimo.

O meio da pirâmide, ocupado por profissionais qualificados e

gerentes, depois de sofrer por anos com reengenharias e


downsizings, adquiriu notável capacidade de defesa, que alimenta

a propensão ao inchaço. O topo, mais escassamente povoado que as


bases, sempre operou, e continua operando, por regras próprias,

geralmente orientadas a preservar seus ocupantes.

Johnson deposita esperanças na reversão do quadro econômico. Para

ele, os períodos de expansão econômica, como o que vivemos nos


últimos anos, facilitam o crescimento da burocracia e o inchaço

das áreas de apoio. Entretanto, quando a atividade econômica

desacelera, as empresas são obrigadas e se livrar dos excessos.


Leia-se: cortar os gordurosos quadros de RH e seus mirabolantes

sistemas. Será?
Clonagem arriscada

Na pátria-mãe do management, avança a crítica contra o ensino e a

pesquisa em Administração. Enquanto isso, Pindorama emula

práticas anacrônicas.

Analisada a superfície, o campo da Administração de Empresas é um

grande sucesso. Nos Estados Unidos, pátria-mãe do management, os


indicadores são invejáveis. Em 1975, existiam 35.758 programas de

MBA. Em 2.000, o número havia subido para 112.258. A demanda por

conhecimento na área fez florescer um ramo da indústria


editorial, com livros e revistas especializados. A Harvard

Business Review, título mais popular do gênero, tem uma

circulação estimada de 500.000 exemplares, sendo 50% fora dos


Estados Unidos. Com a globalização, cresceram também as empresas

de consultoria e os programas de educação executiva, um filão

lucrativo para as escolas de negócios. Em paralelo, surgiu uma


vigorosa comunidade acadêmica, voltada para o desenvolvimento do

conhecimento no campo. A Academy of Management, principal

organização, conta, hoje, com quase 18.000 membros, e suas


revistas científicas estão entre as mais citadas no meio.

Nas últimas décadas, o modelo norte-americano ganhou o mundo. A

sigla MBA passou a ser vendida como passaporte para o sucesso

profissional nas mais diversas latitudes. Os livros de pop-


management e os gurus da gestão cruzaram oceanos, encontraram

platéias dóceis e fascinadas, e produziram clones locais. Até

mesmo o modelo de organização científica foi exportado. Existe,


hoje, uma European Academy of Management, uma Asian Academy of

Management e até uma Ibero-american Academy of Management.

Curiosamente, não há encontro científico sério que não discuta a

crise no campo. Primeiro, veio o ilustríssimo Henry Mintzberg, a


desancar o modelo MBA, acusando-o de formar atores perigosos,

capazes de causar grandes prejuízos às empresas. Depois, vieram

Jeffrey Pfeffer e Christina T. Fong, a sugerir que os programas


de MBA significavam mais uma interrupção de carreira do que um

impulso na carreira. Seguiram-se críticas à comunidade científica

e sua forte tendência a torre de marfim, auto-centrada, incapaz


de produzir pesquisa relevante para a prática, e ignorada pelos

executivos.

Em um ensaio publicado no Academy of Management Journal, Rita G.

McGrath, da Columbia University, admite e disseca a crise.


Segundo a pesquisadora, o sistema criou e institucionalizou

práticas que se tornaram anacrônicas. A crise é confirmada pelo

aumento das críticas, pela perda de prestígio dos programas de


MBA e pela crescente percepção de que a pesquisa no campo tende a

ser inútil para a prática gerencial.

Pindorama, entre outras nações, também mimetizou o modelo em

crise, com adaptações e distorções. Nos anos 1990, por aqui


explodiu o número de programas de Administração de Empresas. A

qualidade, como era esperado, não acompanhou a quantidade. Nas


escolas-hotel, preocupadas em extrair a máxima ocupação de suas

salas de aula, os professores são contratados em regime precário

e induzidos a longas jornadas, em troca de pequenos salários.


Sorte similar tiveram os programas de MBA. A sigla foi tão usada

e abusada que perdeu o sentido original; transformou-se em um

contrato de compra de diploma a prestação: uns fingem que


aprendem, outros fingem que ensinam, algumas moedas trocam de

mãos e a vida segue seu curso.

Enquanto isso, a academia local, como outras, tenta simular os

vizinhos do norte. A cada ano, são gerados milhares de artigos de


duvidoso rigor e improvável utilidade. Aqui como lá, críticos há,

geralmente entre os mais experientes. Aqui como lá, também não

faltam bons propósitos e inovações. Aqui como lá, entretanto,


mantém o sistema uma anacrônica malha de práticas e processos,

alimentada pelo baixo clero burocrático e por outras tantas

almas, amantes do status-quo. De seu lado, nem sempre atendidas


pelas instituições de ensino, as empresas ensaiam, com resultados

heterogêneos, soluções para suas demandas de treinamento e

desenvolvimento: criam universidades corporativas e contratam


pequenas empresas e profissionais autônomos.

Qual o futuro das escolas de negócios? McGrath e colegas sugerem

medidas práticas para mudar o quadro, tais como atrair para as

escolas professores de tempo parcial, com experiência executiva,


incentivar a pesquisa aplicada, desenvolver programas mais curtos

e afinados com as demandas dos estudantes e das empresas, e

aproximar a pesquisa do ensino. Lá como cá, motivos para mudar


não faltam. Porém, os daqui são mais prementes. Pindorama
permanece um rincão mal gerido, suas organizações de todos os

naipes a desperdiçar recursos e perder oportunidades. Os

primeiros 50 anos da Administração de Empresas no país não


estiveram à altura das necessidades. Talvez os próximos possam

ser um pouco melhores.


Salsicheiros e pasteleiros

Em um texto injurioso, o escriba utiliza uma metáfora

gastronômica para descrever o pálido estado das coisas da geração

de conhecimento sobre gestão.

O mês de outubro tem lugar reservado na agenda científica: é o

mês de distribuição do conhecido prêmio Ig Nobel, uma paródia do


prêmio Nobel. A premiação é organizada pela revista Annals of

Improbable Research e apresentada em uma cerimônia em Harvard,

nos Estados Unidos. Em 2008, dois brasileiros receberam a


duvidosa láurea, por seus estudos sobre o impacto dos tatus nas

escavações arqueológicas. Merecido! A área de gestão nunca

recebeu um prêmio Ig Nobel, o que é uma grande injustiça, dada a


quantidade de inutilidades curiosas produzidas pelo campo.

Hoje, a pesquisa científica em gestão é uma atividade

globalizada, organizada na forma de uma grande e complexa linha

de montagem. Curiosamente, este sofisticado sistema produtivo,


freqüentemente movido por recursos públicos, produz apenas para

si mesmo. Funciona como uma grande fábrica de salsichas, gerida

por doutores salsicheiros, que produzem suas tripas recheadas nas


mais variadas qualidades, mas sempre para consumo próprio.
O Sistema Internacional de Salsichas (SIS) se organizou a partir

dos Estados Unidos e continua sendo dominado pelos ianques

(sempre eles!). Três componentes dominam o modelo: os centros de


pesquisa, sediados nas escolas de negócios, os eventos acadêmicos

e as revistas científicas.

Nos centros de pesquisa trabalham os PhDs. São tipos

sofisticados, que zelam pelos mais rigorosos métodos de produção


de salsichas. De tempos em tempos, eles selecionam noviços, que

serão socializados nas artes e artimanhas da produção de

salsichas. Formados, eles darão continuidade aos rituais e


tradições do métier.

Quando o sol dá as caras e a temperatura se torna mais amena, os

doutores salsicheiros internacionais se deslocam para os mais

aprazíveis locais do planeta, hospedam-se em bons hotéis e


apresentam orgulhosos aos colegas e admiradores, suas mais belas

criações. Nestas ocasiões, bebem, dançam e, apresentando-se a

ocasião, cometem adultério.

O principal objetivo de vida dos doutores salsicheiros é revelar


ao mundo suas salsichas científicas, o que acontece nos

principais periódicos acadêmicos. Tais periódicos, sabe-se bem,

raramente são lidos. De fato, nem mesmo os próprios doutores


salsicheiros costumam ler estes volumosos e impenetráveis

compêndios. Porém, isso é de importância menor, já que o que

movimenta as carreiras dos doutores salsicheiros são as


publicações, não a utilidade de suas idéias.
Enquanto isso, o mundo real das empresas segue seu ritmo

enfurecido de mudanças, algumas substantivas e radicais, outras

aparentes ou efêmeras. Como os doutores salsicheiros não lhes


atendem as necessidades de conhecimento e análise, recorre-se a

um outro oráculo, formado pelos mestres pasteleiros.

Os mestres pasteleiros são diferentes dos doutores salsicheiros.

Eles não se prendem a questões de rigor e desconhecem métodos


científicos. Gostam mesmo é de falar de sua experiência prática,

nem sempre comprovada, e de suas maravilhosas poções mágicas,

capazes de curar qualquer mal corporativo. O produto principal


dos mestres pasteleiros é o pastel de vento, que é oferecido na

forma de palestras, livros ou artigos em revista de grande

circulação. A falta de recheio é amplamente compensada com


simpatia, pirotecnia e obviedades. O sucesso dos mestres

pasteleiros foi tanto que, à semelhança do Sistema Internacional

de Salsichas (SIS), criou-se também um Sistema Internacional de


Pastéis (SIP), com seus gurus, congressos, revistas e livros.

Pindorama, nos últimos anos, produziu clones dos dois sistemas.

Temos tanto um Sistema Nacional de Salsichas (SNS) quanto um

Sistema Nacional de Pastéis (SNP). Nossos doutores salsicheiros


desenvolvem suas salsichas nas nossas melhores universidades,

formam noviços e encontram-se anualmente, a beira-mar ou no

campo, para trocar receitas e dançar ao som de New York, New


York. A produção de salsichas é acompanhada com cuidado nos

nossos mais afamados templos do saber. O foco é a produtividade.

Para aumentar a produção, empregam-se as mais variadas


artimanhas. Enquanto isso, fora das torres de marfim, os mestres
pasteleiros espalham palestras motivacionais e técnicas

infalíveis de gestão. Eventualmente, um doutor salsicheiro torna-

se mestre pasteleiro ou um mestre pasteleiro entra para a


confraria dos doutores salsicheiros. E, por que não?

Nota: o escriba reconhece que a metáfora pode ser considerada

ofensiva e conta com a compreensão com dos verdadeiros produtores

de salsichas e pastéis (mesmo os de vento), do tipo utilizado


para alimentação.
Leituras fugazes

No próximo verão, esqueça os livros populares de gestão e suas

receitas de pedra filosofal. É melhor ocupar com a mente com

diversão de qualidade que entupi-la com pseudo-ciência.

In Search of Excellence (Vencendo a Crise, no Brasil) é um dos

mais populares livros de gestão de todos os tempos. No final da


década de 1970, a consultoria McKinsey havia lançado dois grandes

projetos de pesquisa. O primeiro e mais importante foi alocado ao

escritório de Nova Iorque e teve como tema estratégia. O segundo


projeto, o primo pobre, foi destinado ao escritório de São

Francisco e teve como tema estrutura e pessoas.

Curiosamente, foi este projeto de segunda classe que entraria

para a posteridade. Thomas J. Peters e Robert H. Waterman Jr., os


consultores responsáveis, não tinham teoria ou modelo em mente,

mas contaram com um orçamento generoso para viajar pelo mundo e

conversar com executivos.

Os registros dos dois consultores teriam terminado em um arquivo


morto, não fosse uma solicitação para que os resultados fossem

apresentados para a Siemens. Consta que Peters produziu um

massacre de 700 slides que durou dois dias. Os sobreviventes


ficaram tão impressionados (ou estupefatos), que propagaram a
fama de Peters de volta para os Estados Unidos, originando uma

segunda apresentação para a PepsiCo. Este segundo compromisso fez

com que Peters sintetizasse os resultados da pesquisa em oito


tópicos, supostamente as condições responsáveis pelo sucesso das

melhores empresas: orientação para ação, proximidade com o

consumidor, empreendedorismo, foco nas pessoas, foco na geração


de valor, conhecimento do negócio, estrutura enxuta e combinação

astuta entre centralização e autonomia.

Lançado como livro em um momento em que a auto-estima norte-

americana andava em baixa, devido ao avanço dos produtos


japoneses, In Search of Excellence encontrou um público ansioso

por ouvir que a América ainda tinha grandes empresas. O livro foi

traduzido em dezenas de idiomas e vendeu milhões de cópias.


Entretanto, o tempo encarregou-se de mostrar que as companhias

excelentes não eram tão excelentes e que a receita não era

infalível. De fato, várias empresas citadas enfrentaram


dificuldades financeiras, o que levou alguns críticos a apontar a

falta de rigor científico da obra.

Em 2001, surgiu um rival para In Search of Excellence. Em Good to

Great (Empresas Feitas para Vencer, no Brasil), o autor Jim


Collins imitou e aperfeiçoou a pseudo-ciência de Peters e

Waterman, atingindo sucesso comparável. Em seu “estudo”, Collins

identificou 11 organizações que haviam conseguido passar de boas


empresas para grandes empresas, espécimes excepcionais da fauna

corporativa. Para o autor, estas 11 grandes empresas exibiam

traços comuns, relacionados a liderança, gestão de talentos,


tomada de decisão, foco e visão. Para convencer as mentes mais
exatas, Collins provou que todas elas haviam experimentado 15

anos de desempenho excepcional no mercado de ações.

Agora, nos chegam dois estudos, publicados na revista acadêmica

Academy of Management Perspectives, que analisam os métodos e as


conclusões de Collins. O primeiro estudo foi conduzido por Bruce

G. Resnick e Timothy L. Smunt, da Wake Forest University; o

segundo estudo foi conduzido por Bruce Niendorf e Kristine Beck,


da University of Wisconsin. A conclusão é contundente, porém não

é surpreendente. O método usado por Collins não é sustentado por

uma análise criteriosa do desempenho das empresas, ou seja, as


“11 grandes” não são melhores do que seus pares. Vale registrar

que no seleto grupo estavam a cadeia Circuit City, concordatária

desde novembro de 2008, e a Fannie Mae, uma das protagonistas da


crise imobiliária atual.

De fato, há mais em comum entre In Search of Excellence e Good to

Great, além de venderem milhões de exemplares e adornarem as

estantes de executivos em todo o Planeta. Ambos parecem estudos


científicos, mas não são. Ambos sugerem receitas certas para o

sucesso, porém seus resultados não são generalizáveis.

Ora, a lógica de produção e venda de best-sellers de gestão é

conhecida: uma idéia sedutora, embalada por uma redação charmosa,


algum senso comum e profusão de dados. Difícil mesmo é entender o

comportamento de centenas de executivos, que adquirem tiragens

inteiras para distribuir a seus liderados, e professores, que


usam os duvidosos volumes em suas aulas.
Neste verão, se o prezado leitor foi presenteado com um best-

seller de gestão, sugere-se enterrá-lo a sete palmos e utilizar o

tempo de lazer com boa literatura de entretenimento. Aliás, não


há escassez de bons títulos de ficção. É melhor ocupar com a

mente com diversão de qualidade que entupi-la com pseudo-ciência

e idéias imperfeitas.
O futuro do management

Distantes das grandes ondas de novidades da gestão empresarial,

os monges de New Skete desenvolveram uma abordagem revolucionária

para treinamento e desenvolvimento.

A gestão de empresas é, ao mesmo tempo, um campo científico e uma

atividade prática. O campo científico é habitado por


pesquisadores apaixonados por teorias de notória elegância e

ínfima utilidade. A prática é dominada por profissionais

fascinados por técnicas de apelo fácil e eficácia pouca. A década


passada foi pródiga em novidades para as duas tribos. Porém,

pouca coisa sobreviveu à troca dos noves por zeros. No vazio

instalado pelo novo milênio, talvez seja o momento para as


abordagens cross-over, que trazem conhecimentos e técnicas de

outras áreas e às adaptam ao universo corporativo.

Se o prezado leitor está entre os devotos de Peter Drucker, não

perde as palestras dos curandeiros internacionais e de seus


clones locais, busca nos grandes líderes empresariais modelos

para a sua carreira e acredita que as empresas podem mudar o

mundo, então uma leitura recomendável para este final de verão


talvez seja “How to be your dog’s best friend”, escrito pelos

monges de New Skete. Bem estruturada e escrita em prosa fácil, a

obra vem particularmente de encontro às necessidades dos gestores


de recursos humanos de grandes empresas. Os livros e vídeos dos

monges de New Skete já venderam centenas de milhares de

exemplares e os autores vêm recebendo reconhecimento


internacional. Sua abordagem para o treinamento e o

desenvolvimento, refinada por décadas de árduo trabalho

fundamenta-se em uma sólida filosofia, segundo a qual “o


entendimento é a chave para a comunicação, a compaixão e a

comunhão”.

O volume supra citado trata, em mais de 300 páginas, de temas

clássicos no campo: seleção, análise de pedigree, treinamento,


uso adequado de incentivo e disciplina, e qualidade de vida. A

leitura certamente inspirara os leitores. O conceito de pedigree,

por exemplo, amplia consideravelmente a idéia de curriculum


vitae, pois inclui informações genéticas, dados sobre

antepassados e um amplo rol de certificados de aptidão física e

mental. O livro é bem vindo também pelos alertas contra certas


práticas temerárias, como a aquisição de filhotes em lojas.

Segundo os autores, não há garantias para a procedência de tais

filhotes, que são produzidos em verdadeiras fábricas e tratados


como gado de corte. Eles seriam, deduz-se, os equivalentes de

recém-formados vindos de escolas fast-food de Administração ou de

MBAs, flagelos que grassam aqui como n’outras plagas.

No capítulo oito, dedicado ao treinamento, merecem destaque as


aulas de obediência. Os autores chamam a atenção para importância

da escolha de um bom treinador e para as atividades de

counseling. Os capítulos seguintes tratam dos incentivos e da


disciplina, uma questão ainda tabu, mas que, segundo os monges,
deve ser encarada. A polêmica é marcada por posições

contraditórias: alguns especialistas tomam como premissa que os

métodos de treinamento devem compreender somente reforço


positivo; outros, no entanto, advogam que, eventualmente, o uso

da força pode constituir uma abordagem razoável e adequada,

harmonizando-se com a dinâmica natural. Assim como em alcatéias e


matilhas o macho alfa disciplina, pela força, os demais membros

da comunidade, em centrais de atendimento e mesas de operação, um

capataz robusto ou um diretor autoritário podem garantir o


atendimento das metas corporativas.

Para os gestores que enfrentam problemas crônicos com o ambiente

organizacional, mal conseguem gerir os conflitos de sua equipe e

tem como desafio incluir a organização na lista das “melhores


empresas para se trabalhar”, a sexta parte do livro – com o

título de “Problemas” – certamente abrirá trilhas. O capítulo 43,

por exemplo, traz uma interessante tipologia de comportamentos


agressivos, incluindo a agressão por medo, a agressão

territorial, a agressão entre machos e a agressão genética e

agressão treinada. A leitura deveria ser obrigatória para aqueles


que trabalham em diretorias de grandes empresas industriais.

Além de bons conselhos e fotografias elucidativas, o livro traz

histórias exemplares, como a do Chow Chow Boris e a do Rottweiler

Sasha. Muito leitores certamente se identificarão com esses


simpáticos personagens. Em tempo: os monges de New Skete são

especializados em pastores alemães. Porém, suas técnicas se

aplicam a outras raças e certamente seduzirão gestores


interessados em transformar seus colaboradores em uma matilha
corporativa bem disciplinada e produtiva. Muitos leitores

provavelmente reconhecerão no livro práticas há muito

disseminadas em suas empresas.


Revolução química

Estão em desenvolvimento centenas de drogas para a melhoria da

cognição. As que vingarem poderão revolucionar a gestão

empresarial... ou não.

Deu no The Economist: “Preparem-se para drogas que vão melhorar a

memória, a concentração e o aprendizado”. Se os ingleses


escreveram, deve ser coisa séria. A linha lógica é irretocável.

As fontes são irrepreensíveis. Há milhares de anos, buscamos

substâncias para melhorar nossa mente e nossa resistência.


Tentamos de tudo: folhas, raízes e qualquer coisa que pudesse ser

mastigada, cheirada ou injetada. No século passado, cadeias

produtivas complexas se organizaram em torno das mais diversas


substâncias legais e ilegais. Na ponta da produção: a motivação

das grandes margens de lucro. Na ponta do consumo: o

inconformismo com as restrições da mente humana.

Agora, além dos guerrilheiros colombianos, das gangues mexicanas


e dos senhores feudais afegãos, os grandes laboratórios

farmacêuticos também prometem nos liberar de nossos restritos

limites. As novas drogas atendem pelo nome de cognition


enhancers, ou drogas que melhoram a cognição. Segundo The

Economist, as novas drogas atuam nos processos neurais

relacionados a atividades mentais tais como atenção, percepção,


aprendizado, memória, linguagem, planejamento e tomada de

decisão. Citando fontes científicas, a revista britânica revela

que pesquisadores estão trabalhando em mais de 600 drogas para o


tratamento de distúrbios neurológicos. Nem todas chegarão aos

estágios finais de desenvolvimento e de comercialização, mas é

razoável supor que um bom número delas chegará nos próximos anos
às farmácias, trazendo inegáveis benefícios para os doentes e

despertando a cobiça dos não doentes.

Oficialmente, elas estão sendo desenvolvidas para tratar os

efeitos do Mal de Alzheimer, os Distúrbios de Déficit de Atenção,


o Mal de Parkinson e a esquizofrenia. Entretanto, é certo que o

uso não irá se limitar aos doentes. Como em outros casos, a mão

invisível do mercado, com a providencial ajuda de gerentes de


produto, unirá a “boa vontade” dos grandes laboratórios com a

voracidade consumista das hordas populares.

Ainda que a nova “revolução química” seja primariamente focada

nos consumidores individuais, os grandes laboratórios


provavelmente encontrarão nas aplicações corporativas um valioso

nicho de mercado. O impacto das novas drogas sobre a vida nas

empresas não é difícil de imaginar. Dentro de 10 ou 15 anos, as


gerências de recursos humanos serão ocupadas majoritariamente por

médicos. Eles distribuirão ansiolíticos fartamente a todos os

executivos, facilitando jornadas diárias de 16 horas, sem


ansiedade ou estresse. Medicamentos de efeito direto sobre os

neurotransmissores serão usados para aguçar o foco e a

concentração, características inexistentes nas diretorias das


empresas de Pindorama, o que facilitará a realização de
atividades hoje raras, como o planejamento estratégico.

Executivos indecisos e gerentes inertes receberão drogas

especialmente projetadas para aguçar sua capacidade de tomar


decisões. Procurados por empresas estatais e órgãos públicos,

fabricantes se mobilizarão para atender gigantescos pedidos, em

regime de urgência.

Além de impactos sobre os indivíduos e sobre a gestão das


empresas, as novas drogas provocarão grandes mudanças sobre as

escolas de negócios e as empresas de consultoria. Para tentar

sobreviver, elas estabelecerão parcerias com os grandes


laboratórios e com as escolas de medicina. As fábricas de MBAs

perderão pouco a pouco sua função e as aulas serão substituídas

por pílulas de supressão da criatividade para gerentes de


produção, drágeas de embotamento ético para especialistas em

finanças, e xaropes de indução de bipolaridade para executivos de

marketing. As aulas de recursos humanos serão substituídas, com


vantagens, por tratamentos com Florais de Bach. Igualmente

ameaçadas, as empresas de consultoria tentarão substituir seus

administradores por médicos e psiquiatras. Clientes depressivos,


que se acham vítimas eternas do mercado e do governo, receberão

poderosos estimulantes. Empresas envolvidas no passado em grandes

falcatruas receberão drogas para inibição de memórias ruins,


tornando seus funcionários mais felizes e produtivos.

Paradoxalmente, as empresas-cliente concluirão que não precisam

mais de consultores ou de MBAs, mas apenas de bons convênios


farmacêuticos. Com isso, as fábricas de atores e a indústria do
conselho entrarão em depressão. Neste caso, não haverá droga

capaz de salvá-las.

Nota do autor: este capítulo não foi escrito sob o efeito de

drogas de melhoria da cognição. Portanto, este escriba não se


responsabiliza pela qualidade das previsões aqui registradas,

fruto de sinapses aleatórias e neurotransmissores descontrolados.


Revolución

Chegou nossa hora! Vamos aproveitar a erupção de latinidad e

seqüestrar de vez os arreios do destino. Nacionalizemos as

escolas de administração!

“Desde el Amazonas brasileño nos ha llegado un mensaje. El eco

viene de los Andes y la Patagonia. De las aguas del Caribe los


vientos la traen. Lo repiten los tambores en Norteamérica y

veloces correos atraviesan Argentina, Uruguay, Paraguay y Chile.

En Bolivia sale la voz de las minas, la misma que baja de las


alturas de Machu Picchu. En Ecuador, Colombia y Venezuela lo

cantan. Nicaragua lo hace poema y es serio manifiesto en El

Salvador, Honduras, Guatemala y Panamá. Las Antillas lo bailan.


La palabra sale del Amazonas y se echa a andar por toda la

América y en todos los pueblos se preparan largos viajes, como

esos que se emprenden desde el dolor a la esperanza. Y de todos


los continentes del continente Americano, de todos los mundos que

lo pueblan, hombres y mujeres se echan a andar.”

É isso, leitores. Fidel, Chavez e Morales estão a dar o tom.

Chegou a hora de tirar do baú os discos da Mercedez Soza e


Geraldo Vandré. Ponham a girar o prato da velha vitrola e ignorem

a chiadeira. Apurem novamente os ouvidos para os melodiosos

sopros andinos. Ressuscitem o Tarancón, o Raíces de América e o


Francisco Buarque. Não esqueçam de desfraldar o velho poste do

Che, quiçá perdido n’algum canto poeirento da estante, entre os

tomos de Cortázar, Galeano, Garcia Marques e Neruda. E preparem o


triunfal retorno das chinelas franciscanas e das batas indianas

(agora, naturalmente, todas elas made in China).

Não podemos ficar para trás e perder novamente o bonde da

história. Caracas, La Paz e Quito deram o exemplo: a ordem é


estatizar. Mas, não! O petróleo já é nosso e o gás também.

Controle dos meios de produção? Coisa do passado. A verdadeira

revolución está nos corações e mentes. Estamos na Era do


Conhecimento. Então, vamos nacionalizar as escolas de

Administração. Isso mesmo. Pindorama já conta aos milhares os

cursos de gestão. Os MBAs, fascínio dos ingênuos e incautos, se


espalharam do Oiapoque ao Chuí. É a hora para criar a GesBras, a

grande estatal de gestão brasileira.

O momento é esse. Chega de marionetes a serviço de ideologias

ianques. Daqui para frente, tudo vai ser diferente. Tomaremos o


controle efetivo dos conteúdos e dos métodos. Afinal, é uma

questão de soberania. Não podemos mais tolerar o abuso do jargão

alienígena e o domínio das teorias distantes da nossa realidade.


Doravante, as aulas serão proferidas na língua pátria. Basta de

benchmarking, Masters in Business Administration, mentoring,

coaching e outros anglicismos de efeito pirotécnico. Revogaremos


todas as panacéias e modas gerenciais. Será terminantemente

proibido citar casos da Disney, da Procter&Gamble, da General

Elektric e do Wal-Mart. Leitores da Harvard Business Review serão


enquadrados. Admiradores de Michael Porter e Jack Welch serão
reeducados em Sierra Maestra e em Chiapas. Vamos cultuar os

heróis da terra e as grandes marcas locais, tais como ... bem,

com o tempo vamos achar alguma coisa.

Instituiremos a Comandancia General del Ejército de Liberación


Organizacional. Baniremos os Druckers e os Kotlers, os Fords e os

Sloans. Promoveremos os autênticos líderes nativos. Estudaremos

os feitos de Bolívar, Zapata e Zumbi. Do exterior, apenas a nata


da intelligentsia Bolchevique. Melhores práticas de organização

do trabalho? Inspiraremos-nos nas fazendas coletivas chinesas.

Comunicação em equipes de alta performance? Recorreremos à práxis


gramsciniana. Governança corporativa? Assimilaremos as lições

históricas da nomemklatura soviética. Change management?

Estudaremos as lições do Sub-comandante Marcos, o herói mascarado


das serras mexicanas. Convergência estratégica? Miraremos a vasta

obra literária dos grandes líderes norte-coreanos.

Sob a liderança de uma sagaz vanguarda revolucionária,

transformaremos radicalmente os métodos e as práticas


corporativas. O quéchua e o tupi farão florescer um novo jargão

pós-monetarista. Contra as nefastas forças do neo-liberalismo e

da qualidade total, promovermos reflexões estratégicas em Machu


Picchu e no Titicaca. Ali, na terra dos mais altivos condores, os

executivos do futuro se encontrarão para discutir rumos e

dialéticas. Avançaremos com o timoneiro glauberiano, que há mais


de três décadas nos exortava: “Em Eldorado não existe fome, nem

desemprego, nem miséria, nem violência, nem feiúra. Nós somos um

povo belo, forte e viril como nossos índios ... Abramos trilhas
nas florestas, fundemos mil cidades onde antes eram países
selvagens! E pontes entre os rios, estradas cortando desertos,

máquinas arrancando o minério da terra!” Avante!


Tributos em fúria

Pesquisa revela retrato dos impostos incidentes sobre as empresas

em 178 países e sugere caminhos para o aperfeiçoamento dos

sistemas de tributação.

O mundo corporativo é cheio de palavras-fetiche, às quais costuma

se creditar poderes sobrenaturais. É o caso do conceito de


competitividade. Se uma empresa for competitiva, investidores

disputarão suas ações, clientes procurarão seus serviços e

executivos lhes oferecerão seus préstimos. Em suma: a vida lhe


sorrirá. Porém, se uma empresa não for competitiva, poderá ser

tragada para o lado escuro do mercado, declinar e desaparecer nas

trevas.

De onde vem esse conceito mágico? Segundo os bons manuais do


ramo, a competitividade é fruto de três conjuntos de fatores:

primeiro, os fatores internos à empresa, tais como a estratégia,

a gestão, a capacidade de produção, a tecnologia e os quadros


profissionais; segundo, os fatores estruturais, tais como a

existência de concorrência e o nível de maturidade do mercado; e

terceiro, os fatores sistêmicos, tais como o contexto econômico e


a infra-estrutura do país. Conclusão número um: para que uma

empresa seja competitiva, não basta ser excelente nos fatores


internos; é preciso contar com os bons ventos do ambiente

empresarial e econômico.

Assim é que muitas empresas esmeram-se, vertem suor e sangue.

Porém, sofrem as conseqüências de se encontrarem em um ambiente


econômico desfavorável, que lhes corrói a competitividade com

impostos elevados, estradas intransitáveis e juros impagáveis.

Outras, mais afortunadas, assustariam o observador mais cuidadoso


com suas temerárias práticas de gestão. Entretanto, repousam em

um ambiente favorável, tem acesso a capital e não dependem de

portos e aeroportos congestionados . Daí, mesmo conduzidas com


proverbial incompetência, geram lucros com facilidade. Conclusão

número dois: o mundo corporativo é, de fato, injusto!

Bem, como a competitividade não depende somente das empresas,

então melhorar o ambiente de negócios deve ser uma missão


coletiva. Melhor o ambiente de negócios, mais competitivas serão

as empresas, o que é melhor para elas e, portanto, melhor para

todos. Patriótico, não? Pois bem, o fato é que o ambiente


econômico brasileiro vem se tornando, gradualmente, mais ameno,

com a estabilidade econômica e a elevação do poder de compra. No

entanto, entre alguns outros, um tópico continua sendo objeto de


preocupação: a questão dos impostos.

Em sua carta de número 305, o IEDI – Instituto de Estudos para o

Desenvolvimento Industrial – sumariza a pesquisa Paying Taxes

2008: The Global Picture, realizada pelo Banco Mundial em


associação com a consultoria PricewaterhouseCoopers. O estudo

envolveu 178 países, avaliando três indicadores principais: o


peso da carga tributária, o número de pagamentos realizados e as

horas despendidas para cumprir os requisitos da legislação

tributária. Os três indicadores, combinados, geraram um ranking.


Entre os dez países melhor colocados, encontram-se Cingapura,

Hong Kong, Irlanda e Nova Zelândia. Entre os dez últimos

colocados, encontram-se a Venezuela, a Bolívia, a Bielorússia e a


Jamaica. O Brasil, sempre varonil, ocupa uma desabonadora 137ª.

Conclusão número três: podemos melhorar muito.

A disparidade entre países é notável: em Hong Kong, as empresas

pagam apenas quatro impostos, com alíquotas baixas. Na


Bielorússia, há 11 impostos, sendo dez pagos mensalmente e um

trimestralmente, totalizando 124 pagamentos por ano. Na Síria, os

formulários devem se entregues pessoalmente ao fisco, para


verificação pelos funcionários. Na Suécia, em contrapartida, tudo

pode ser feito por um formulário único, on-line.

O estudo conclui que seria vantajoso para os governos e para as

empresas simplificar os sistemas tributários e reduzir a carga de


impostos. A arrecadação aumentaria se o número de tributos fosse

reduzido e se o sistema fosse racionalizado e informatizado. De

fato, esta é a tendência: nos últimos três anos, 65 países


aperfeiçoaram seus sistemas tributários, sendo a redução de

alíquotas de imposto de renda das empresas a reforma mais

freqüente. Resultado, a tributação total caiu, porém a


arrecadação aumentou.

Este e outros estudos indicam tendências e caminhos para

mudanças. A equação a ser resolvida não é trivial. Entretanto, na


raiz das dificuldades para mudar o sistema não estão questões

técnicas, mas um amálgama indigesto que reúne desinteresse

político, múltiplas incompetências, inércia burocrática e a ação


(ou falta de ação) de grupos de interesse. Segundo a frase

atribuída a Benjamim Franklin, não se pode ter certeza de nada

nesta vida, exceto a morte e os impostos. A morte, por enquanto,


não é negociável. Os impostos podem, ao menos, serem

racionalizados.
Corrida de obstáculos

Pesquisa revela as barreiras enfrentadas pelas empresas

exportadoras brasileiras. No alvo de empresários e executivos

está a inoperância e a ineficácia do governo.

Comércio internacional é tema constante na agenda corporativa.

Exportações criam fontes de receitas, viabilizam a expansão dos


negócios e ajudam a fortalecer a imagem e a marca. O comércio

internacional é também tema estratégico na agenda do poder

público. Alterações nas regras que governam as transações entre


países podem estimular o desenvolvimento e gerar riquezas. Podem

também impactos negativos sobre setores inteiros, com

conseqüências sociais e políticas nefastas.

A cobertura da mídia leva a crer que o comércio mundial já viveu


dias mais esperançosos. Segundo o noticiário econômico, o

fracasso da Rodada de Doha, no final de julho, teria espalhado

ceticismo por todas as latitudes, representando um lamentável


revés para o causa do livre comércio. O esforço em questão teve

início em 2001, com o objetivo de flexibilizar as regras de

comércio. A reunião de Genebra, ocorrida em julho, tinha uma


agenda de 20 pontos. Nada menos do que 18 pontos foram vencidos.

O desacordo sobre o 19º ponto, relacionado a mecanismos de


proteção para agricultores de países em desenvolvimento, selou o

fim do encontro.

Ainda que o colapso tenha gerado frustração, o paciente segue

firme. A progressiva liberalização comercial vem fazendo com que


o comércio entre nações cresça a um ritmo superior ao do PIB

mundial. O Brasil ainda é um participante modesto. Segundo dados

de 2006, da Organização Mundial do Comércio, o Brasil detém uma


fatia de 1,1% das exportações de mercadorias (23ª posição no

ranking) e 0,6% das exportações de serviços (35ª posição no

ranking). Então, cabe perguntar: que barreiras e dificuldades


enfrentam as empresas brasileiras? O que as impede de ter maior

presença no comércio mundial.

Manoel de Andrade e Silva Reis, professor da FGV-EAESP e

coordenador do Centro de Excelência em Logística e Cadeias de


Abastecimento, divulgou uma ampla pesquisa sobre a

competitividade de empresas brasileiras. O trabalho compilou

percepções de 258 empresas, gerando a identificação dos


principais entraves ao aumento das exportações.

Para contrapor o tratamento usual do tema, que costuma refletir

interesses políticos e econômicos, o estudo estabeleceu como

primeiro passo a identificação de todos os fatores que podem


constituir barreiras para a exportação. O levantamento originou

nada menos do que 172 gargalos, organizados em oito categorias

gerais: das condições macro-econômicas à atratividade dos


mercados, da qualidade da gestão à estrutura logística, dos

sistemas de informação às dificuldades com a legislação, e da


onisciente burocracia à mal resolvida questão tributária. Segundo

o coordenador da pesquisa, a identificação dos gargalos é um

resultado importante, pois mostra a amplitude da questão e sugere


que medidas de aperfeiçoamento devem envolver esforços

coordenados das empresas e do governo.

Outra constatação relevante da pesquisa é que as dificuldades

encontradas pelas empresas exportadoras são similares,


independentemente do porte, segmento de atuação, experiência de

exportação ou tipo de carga. Quase todas as empresas pesquisadas

apontaram como principais barreiras à exportação a inoperância ou


ineficácia do governo, a dificuldade de oferecer preços

competitivos (devido à infra-estrutura precária e a burocracia),

os tributos excessivos e o anacronismo da legislação. Na outra


ponta, entre os fatores que menos afetam as exportações, foram

identificadas as ineficiências internas e a dificuldade de acesso

a recursos financeiros. Em suma, nossos executivos e empresários


acreditam que fizeram a lição de casa e que gerenciam empresas

competitivas, mas que continuam sendo prejudicados pela má

vontade do governo.

Haveria nessa percepção uma ausência de senso crítico em relação


às próprias limitações e uma certa nostalgia do estado protetor?

Manoel Reis declarou a este escriba que parece estar ainda muito

presente na memória empresarial o paternalismo do estado.


Portanto, pode ainda haver “uma expectativa das empresas de que o

governo faça mais por elas, em detrimento das mesmas assumirem

que depende mais delas próprias o desempenho”. Por outro lado,


solicitado a comparar o Brasil com outros países, o coordenador
da pesquisa chama a atenção para a ausência de planejamento

integrado e para a falta de continuidade das ações voltadas para

o estímulo ao comércio exterior em nosso país. Se falta às nossas


empresas um esforço mais incisivo de melhoria da qualidade de sua

própria gestão, falta ao governo implantar diretrizes mais

inteligentes e perenes, que facilitem a vida das empresas.


Empregos vitalícios

Em meio a um mar de empregos precários e incertezas, ainda

existem ilhas de estabilidade. Perguntar ofende: deveriam

existir?

As posições em torno da proteção ao emprego materializam-se em um

debate em preto e branco. Defensores apontam as vantagens dos


vínculos duradouros e postam-se a favor de leis que garantam a

estabilidade e coíbam os abusos dos empregadores. Críticos

alinham-se pela flexibilidade e advertem que o emaranhado legal


existente prejudica empregadores e empregados. Argumentam que

barreiras para demitir resultam em inibições para contratar.

Na vida real, prevalecem os tons de cinza. A informalidade

persiste. Para vastas camadas da população, nunca houve outra


condição. Arranjos quase-informais, operando nas margens da

legislação, passaram também a fazer parte da paisagem

profissional. No extremo oposto, algumas categorias, invejadas


pelas demais, tem amplas garantias e perpetuam vantagens e

privilégios.

Um passeio pelo mundo revela enorme variedade de contextos

institucionais e sistemas de proteção. Em todas as latitudes,


sistemas mais flexíveis ganham espaço. Entretanto, alguns rincões
ainda conservam fartos sistemas de proteção. Temperam-no com

robustas doses de ética e comprometimento com o trabalho.

Em uma edição do jornal britânico Financial Times, Peter Lorange

publicou uma diatribe contra os empregos vitalícios para


professores nas escolas de administração: a chamada tenure.

Lorange fez doutorado em Harvard, foi professor em Wharton e no

MIT e dirigiu por muitos anos o IMD (International Institute for


Management Development).

O conceito de tenure (na prática, uma garantia de emprego

vitalício) tem origens na Idade Média, quando os professores

necessitavam de proteção contra políticos, de forma a garantir


liberdade de trabalho e de expressão. Do ponto de vista das

escolas, o sistema traz dois benefícios: atrai jovens

profissionais, que procuram ter o melhor desempenho possível


durante o período probatório, e estimula um comprometimento em

longo prazo entre professores e a instituição.

Para conquistar tenure, um acadêmico deve provar-se digno,

superando um calvário que inclui aulas, pesquisas e atividades


administrativas. A condição fundamental, entretanto, é a

publicação de artigos em periódicos científicos de primeira

linha. O sistema é central nas carreiras acadêmicas nos Estados


Unidos, sendo adotado, com variações, em outras partes do mundo.

Nos últimos anos, no entanto, perdeu espaço. Nas escolas de

administração, assim como em outras faculdades, o número de


posições sem garantira de emprego vem crescendo mais do que o

número de posições com garantia de emprego.


Em paralelo, crescem as críticas ao sistema. Lorange lista duas

delas: primeiro, o sistema favorece o individualismo em lugar de

trabalhos em parceria, que são essenciais para explicar os


fenômenos empresariais atuais; e segundo, o sistema induz os

candidatos a se conformarem ao status-quo e “jogarem para

ganhar”, em lugar de correr riscos com temas relevantes, porém


ainda novos. Lorange acredita que acadêmicos devem contribuir

para o desenvolvimento do campo continuamente. Portanto, seu

desempenho deve ser medido em uma base regular e não somente


durante o período probatório que antecede a concessão de

estabilidade.

Outro antigo crítico do sistema é Russell L. Ackoff, um pioneiro

em educação em gestão. Segundo Ackoff, muitos acadêmicos se


aposentam intelectualmente após conseguir a garantia de emprego,

eles simplesmente param de pensar. Assim, o sistema torna-se uma

proteção para a incompetência e para a acomodação.

Pindorama reproduz a situação com os tons carregados. Aqui nos


trópicos, a maioria dos professores de gestão tem empregos

precários, com jornadas longas. Do outro lado da curva de graças

do destino encontra-se uma casta de eleitos, que passa poucas


horas em sala de aula e tem garantia de emprego. Deveria

retribuir o privilégio com contribuições para o progresso

científico e para a melhoria da gestão das organizações. Na


prática, não é o que ocorre.

Faz sentido manter o sistema de privilégios? Do ponto de vista

dos resultados, não. Remover as proteções tornaria as condições


de trabalho uniformemente ruins? Não, se no lugar dos privilégios

fosse implementado um sistema de avaliação, que medisse

continuamente a contribuição de cada professor e servisse de base


para a renovação de suas condições de trabalho.

As críticas de Lorange e Ackoff se aplicam a professores de

administração e também a outros profissionais, na academia e fora

dela. A questão é espinhosa e esbarra em interesses corporativos.


No entanto, a história insinua que anacronismos podem persistir

por algum tempo, porém terminam soterrados.


PARTE 4: FALANDO MAL DA CRISE
A crise e os bodes

Será o combalido homo economicus a próxima vítima das convulsões

financeiras?

O leitor que correr os olhos pelas capas da revista britânica The

Economist dos últimos 20 meses terá o desprazer de observar uma

crise sendo anunciada, aliás, sendo repetidamente anunciada.


Vejamos as manchetes: 24 de março de 2007 – “O problema com o

mercado imobiliário americano”; 22 de setembro de 2007– “A crise

de crédito provocará uma recessão?”; 17 de novembro de 2007 – “A


vulnerável economia americana”; 5 de abril de 2008 – “Concertando

o mercado financeiro... e o risco de errar”. No segundo semestre

de 2008, começa o mergulho: 20 de setembro, a imagem mostra um


rodamoinho sugando Wall Street – manchete: “O que virá a

seguir?”; 4 de outubro, a capa traz uma figura humana, solitária,

que observa o abismo à sua frente – manchete: “O mundo no


limite”.

O capitalismo sempre viveu aos trancos e barrancos. A períodos de

grande crescimento seguem-se tempos de ajustes, freqüentemente

marcados por recessões. O purgatório iniciado tem causas


conhecidas e amplamente comentadas: dinheiro aos borbotões, vindo

da Ásia e do Oriente Médio, apetite por riscos do lado de cá do


Atlântico e controles que não acompanharam a imaginação dos magos

financeiros.

Fruto das circunstâncias, a bolha da vez estourou, vitimando

pessoas físicas e jurídicas. Como efeito colateral, entupiu as


artérias vitais da economia, que provém a força vital do planeta

material: o crédito. Como se não bastasse, dinamitou a etérea

base de confiança e fé que sustenta as atividades econômicas.


Acordados de longo sono, os patrões de bancos centrais ensaiaram

titubeante contra-ofensiva. Usaram armas bem conhecidas e outras

ainda pouco testadas. O paciente tremeu, gemeu e esboçou alguns


sinais vitais. Os familiares acompanham preocupados, alternando

estados de desengano e alívio.

Enquanto isso, emergentes preparam-se para submergir, assistindo

os bem aventurados picos de otimismos se transformarem em vales


de pessimismo. Diante das lentes e das telas, economistas

maravilhosos exibem suas teorias voadoras. O que deu errado? O

que fez mutuários, investidores e ingênuos de toda classe tomarem


decisões insensatas e engrossarem a manada que levou o mundo às

cordas?

Das explicações e evocações, uma fila de bodes expiatórios é

empurrada cena adentro: primeiro, os vilões especuladores de Wall


Street, de olhares circunspetos e gravatas irrepreensíveis;

seguem-lhes os desatentos donos da política monetária, acossados,

porém ainda cheios de fleugma e perícia; logo atrás vêm os


sonolentos legisladores, com ar atônico e retórica evasiva; e os

chineses; e os árabes... haja palco para tanto bode. Observando o


picadeiro, os nostálgicos entoam o clássico refrão “eu avisei” e

taxam o esquisito rebanho de chibarrada neo-liberal. Pudera!

Atento à lotação caprina, o colunista David Brooks, do New York

Times, quis logo adicionar seu próprio bode. E o fez com apuro:
para Brooks, o culpado da grande celeuma não é outro senão o

próprio homo economicus, o ser mítico da economia, o homem

racional e perfeitamente informado que toma decisões analíticas


para maximizar sua riqueza e minimizar seu esforço.

Brooks evoca as máximas do provocador Nassim Nicholas Taleb,

professor da Universidade de Nova Iorque e autor de textos

visionários sobre a crise atual. Taleb sintetiza algumas décadas


de reconhecimento sobre a racionalidade limitada do homo

economicus e advoga que nossos cérebros não são mais capazes de

dar conta da complexidade do ambiente.

Os fatos da vida: primeiro, damos mais atenção as informações que


comprovam o que já sabemos do que aquelas que contradizem o que

achamos; segundo, ao olhar para o futuro, somos mais

influenciados por eventos recentes do que por eventos ocorridos


há mais tempo; terceiro, gostamos de simplificar e torcer os

fatos em torno de uma única causa; e quarto, tendemos a celebrar

nossa suposta capacidade de decisão e ação, mesmo quando os


resultados são apenas fruto da sorte. A estes, outros fatos da

vida poderiam ser acrescentados: quinto, seguimos a turba, pois

acreditamos que algo é melhor quando muita gente está fazendo;


sexto, damos maior peso para pequenos ganhos obtidos no curto

prazo do que para maiores ganhos obtidos no longo prazo; e


sétimo, confiamos excessivamente em nossas próprias previsões.

Com tanto viés a turvar as decisões, não é difícil entender a

celeuma atual, e fica fácil afirmar que outros abalos virão.

Em seu website, Taleb declara: “O meu maior hobby é provocar as


pessoas que levam muito a sério a si mesmas e à qualidade de seu

conhecimento, e que não tem coragem de dizer: eu não sei...”.

Entre economistas e executivos não lhe faltarão alvos.


Humores em transe

Ao norte, a crise avança e empresas vão à lona. Ao sul, é preciso

cautela para evitar que ações defensivas, por parte das empresas,

agravem o quadro já desfavorável.

Ler manchetes econômicas ameaçava tornar-se uma atividade

enfadonha. Nunca tantas notícias boas chegaram a tantos leitores


otimistas por tanto tempo: emprego em alta, inflação sob

controle, taxa de juros em baixa, fábricas fabricando e

consumidores consumindo. Finalmente, seguiríamos a ordem natural


das coisas, rumo a um destino glorioso.

Então, começaram os revezes. Ao contrário das frentes frias, que

vêm do sul, as más notícias vieram do norte: dinheiro em fuga,

banqueiros em pânico e executivos de pires na mão. Nosso recém


conquistado otimismo relutou, mas acabou se rendendo aos fatos e

às fotos. Recolheu-se, contrariado, e deixou que o pessimismo lhe

tomasse o lugar nas primeiras páginas.

Nos domínios corporativos, até meados de 2008, um clima de


euforia emoldurava decisões sobre estratégias de expansão e sobre

investimentos. Executivos em frenesi corriam atrás das

oportunidades e lutavam como podiam para superar os obstáculos ao


crescimento: os gargalos de produção, os atrasos nas entregas dos

fornecedores e a falta crônica de recursos humanos capacitados.

NO final de 2008, em poucas semanas, o novo humor se instalou:

investimentos foram adiados e projetos de expansão foram


paralisados; contratações foram suspensas e planos de demissão

começaram a ser articulados. O frenesi executivo se manteve,

porém agora orientado para amenizar a queda e mitigar o prejuízo.

Gerenciar empresas em períodos de desaceleração econômica não é


simples nem agradável. Envolve contrariar interesses e tomar

decisões amargas. As empresas locais – as que sobreviveram às

turbulências das últimas décadas – têm ampla experiência com


situações de crise. Durante os anos 1980, elas enfrentaram um

longo inverno, que alternou períodos de magras taxas de

crescimento com períodos de recessão. A cada sinal de crise, seus


executivos acionavam as alavancas conhecidas: demitiam operários

e reprimiam despesas.

Nos anos 1990, a abertura de mercado mudou as regras do jogo.

Atônitas, as empresas locais foram ao norte buscar novas caixas


de ferramentas. Foi a época áurea das grandes panacéias

gerenciais, de muito brilho e pouco efeito. Neófitos, seus

executivos trouxeram martelos inadequados para os nossos pregos e


chaves-de-fenda que espanavam nossos parafusos. Mas algo ficou.

Para as empresas, a situação atual apresenta peculiaridades. A

principal diferença, em relação às situações anteriores, é que a

crise atual chega a empresas que, durante muitos anos, investiram


no enxugamento dos quadros e na racionalização dos processos
internos. Hoje, elas estão mais sólidas e, supostamente, mais

aptas a enfrentar as dificuldades. Porém, tem menos gordura para

cortar.

As primeiras vítimas dos cortes de custos são os alvos de praxe:


verbas para viagem e treinamento, e atividades consideradas não

essenciais. Programas de responsabilidade social e patrocínios

podem também ser afetados. Outro alvo usual é o custo das sedes
corporativas. Ao longo do tempo, as sedes costumam exibir um

comportamento de sanfona: crescem e diminuem ao sabor das

pressões internas e dos ventos externos. Em épocas de bonança,


elas incham, sob a pressão constante dos executivos pela criação

de novas áreas e de novos postos. Quando o horizonte se torna

sombrio, áreas inteiras são dizimadas e cabeças são cortadas.

Além dessas medidas profiláticas, crises também exigem decisões


estratégicas, sobre quais projetos e investimentos deverão ser

paralisados, adiados ou eliminados. Uma decisão focada no curto

prazo poderá melhorar o fluxo de caixa no ano seguinte, porém


impedirá que a empresa aproveite o momento de recuperação que

virá após a crise.

Paradoxalmente, as ações individuais tomadas para garantir a

sobrevivência em curto prazo têm como efeito colateral a piora do


quadro geral. Ao deixar de investir, as empresas não apenas

comprometem seu próprio futuro, como também reduzem a atividade

econômica no presente, aprofundando a crise e tornando sua


superação ainda mais difícil para todos.
Crises geram movimentos contundentes no ambiente empresarial, com

ganhadores e perdedores. As empresas fracas costumam ser

condenadas ao inferno, donde sairão apenas pela benesse d’algum


anjo salvador. As empresas medianas seguem para o purgatório,

onde pagarão suas penas e rezarão pela abertura de uma porta para

o andar superior. Às empresas fortes estará reservado o paraíso.


Com disponibilidade de caixa, elas poderão sair ainda mais fortes

e maiores da turbulência.
Tragédia nórdica

A euforia, seguida de catástrofe, vivida pela distante e hiper-

desenvolvida Islândia, faz refletir sobre a suscetibilidade

humana ao consumo inconsequente.

Para o apreciador de estereótipos, a Islândia se resume à cantora

Björk e gelo, muito gelo. Entretanto, o país situado no extremo


norte do oceano Atlântico tem uma história milenar, cultura

marcante e uma das sociedades mais desenvolvidas do planeta.

Infelizmente, a Islândia está sendo palco de uma história


coletiva de horror, relacionada à crise financeira mundial.

O povoamento da Islândia teve início no remoto ano de 874. Ao

longo dos séculos, povos nórdicos e celtas lá se estabeleceram.

De 1262 a 1918, o país foi parte das monarquias da Noruega e da


Dinamarca. No século passado, com a independência, a Islândia se

desenvolveu rapidamente, dando ênfase para um sistema de bem

estar social que se tornou exemplar.

Na década de 1990, o país de aproximadamente 300 mil habitantes


exibia invejáveis índices econômicos e de desenvolvimento humano.

Era o primeiro do mundo em gastos de saúde, segundo em

expectativa de vida e segundo em uso per capta de eletricidade.


Toda a sua energia vinha de 200 vulcões ativos e sua principal
atividade econômica era a indústria da pesca. A renda média por

habitante situava-se em estupendos 25 mil dólares.

Porém, em 2000, teve início um processo de mudança que culminaria

com a crise atual. Uma edição da revista The Atlantic sintetiza


os passos. Na virada do milênio, os bancos foram privatizados e

assumidos por executivos com boas conexões políticas, porém pouca

experiência no ramo. A regulação e os requisitos de reservas eram


mínimos. Resultado: os bancos tiveram grande liberdade para

captar recursos (frequentemente no exterior) e emprestá-los. O

impacto foi espetacular, influenciando o mercado de ações, que


cresceu a uma taxa média de 44%, de 2001 a 2007.

A população participou da festa, usando o crédito fácil para

comprar carros e casas. A renda per capta atingiu, em 2007, a

marca de 65 mil dólares por habitante. Naturalmente, junto com a


renda cresceram os débitos, frequentemente tomados em moeda

estrangeira. Enquanto a coroa islandesa, a moeda local,

permanecesse forte, não haveria problemas.

Então, em 2008, com a crise financeira, os bancos e investidores


deram-se conta de que os bancos islandeses estavam a tal ponto

“alavancados” que nem mesmo o governo local poderia salvá-los. As

dívidas não tinham a mais remota correspondência com ativos


reais, capazes de sustentá-las. Consequência: a torneira de

crédito começou a ser fechada e a coroa islandesa entrou em queda

livre, levando os devedores à bancarrota.

Após a falência do Lehman Brothers, no segundo semestre, os


empréstimos interbancários congelaram. Então, os três maiores
bancos islandeses, que somavam dívidas superiores a 10 vezes o

PIB do país, entraram em colapso e foram nacionalizados. E mais:

o mercado de ações foi temporariamente fechado, a dívida do país


foi rebaixada e a coroa islandesa deixou de funcionar como moeda

internacional. Seguiu-se uma intrincada operação de salvamento,

envolvendo a Noruega, a Dinamarca, a Rússia e o Fundo Monetário


Internacional. Em janeiro de 2009, a coalizão que sustentava o

governo entrou em colapso, e um novo grupo assumiu o poder.

Para observadores distantes, como este escriba, a tragédia

islandesa traz à mente questões incômodas. O que faz um país,


rico, socialmente equilibrado e culturalmente avançado entrar em

tal fria? O que teria motivado os sofisticados islandeses a

abraçar tão entusiasticamente a ciranda financeira? Terá sido a


luxúria e o deslumbre com a possibilidade de ter dinheiro fácil?

Terá sido uma pandemia de consumismo? Ou a simples vontade de

sair do marasmo de uma vida excessivamente previsível? Afinal, se


a tragédia vitimou a bem educada e bem informada Islândia, o que

poderia ocorrer se populações menos esclarecidas forem expostas a

condições similares? Comportar-se-iam tal qual infelizes


aborígines no primeiro contato com o álcool? O desdobramento da

situação talvez traga algumas respostas, mas para algumas

questões talvez tenhamos que esperar até a próxima crise.

Enquanto isso, os consternados islandeses enfrentam um duplo


desafio: vencer uma dura recessão e buscar de uma solução para

uma equação insolúvel, já que a dívida acumulada é impagável. O

que deveriam fazer os islandeses? Nigel Holmes e Megan McArdle,


autores da matéria veiculada na revista The Atlantic listam, com
ironia, quatro alternativas. Embolsar o empréstimo do FMI, seguir

para Las Vegas e tentar a sorte nas cartas? Entrar o mais rápido

possível para União Européia e adotar o Euro como moeda? Pedir a


Björk que organize um concerto beneficente? Ou simplesmente

voltar a pescar? Escolha difícil.


Marolas e vagalhões

Um breve balanço das reações das empresas brasileiras ao contexto

da crise revela alguns acertos e velhos erros.

Um turista que deixasse Pindorama no verão de 2008 e retornasse

no inverno de 2009 notaria sensíveis mudanças nos domínios

corporativos: os planos de expansão deram lugar a cenários de


contenção, os projetos de investimento cederam espaço para a

austera administração do fluxo de caixa e a busca por pessoal

qualificado foi trocada pela redução de quadros.

A crise, de matriz ianque, atingiu os trópicos. Afinal, no mundo


financeiro, ninguém é inocente. Algumas empresas sofreram com

vagalhões; outras, mais afortunadas, foram atingidas por pequenas

marolas. Em uma mesa redonda, organizada em 2009 por este escriba


na FGV-EAESP, Eduardo Dal Lago, sócio-diretor da consultoria

Synthese, discutiu os efeitos da crise e as reações das empresas.

A crise elevou o grau de imprevisibilidade, antítese da

estabilidade e da confiança, matérias primas essenciais para os


negócios. A nova condição de navegação, com nevoeiro espesso, mar

revolto e ameaças de icebergs, parece ter surpreendido capitães e

tripulações. Enquanto o crédito se esvaia, a inadimplência de


clientes crescia. Enquanto a valorização do dólar aumentava o
preço dos insumos importados, concorrentes lançavam-se em guerras

de preços.

Além de provocar estragos nos fluxos de caixa, a crise também

afetou as operações. Uma empresa de embalagens, que dividia sua


produção entre clientes da indústria farmacêutica e clientes da

indústria de cosméticos, observou os pedidos dos primeiros

declinarem, enquanto os últimos mantinham os níveis anteriores à


crise. Em uma maternidade e hospital paulistano, o efeito da

crise foi similar. Enquanto a maternidade perdeu clientes, que

provavelmente adiaram o crescimento da família para um momento


mais propício, o hospital assistiu a um aumento do número de

cirurgias, programadas por pacientes temerosos que seus empregos,

e portanto seus planos de saúde, não resistissem à crise.


Mudanças deste tipo desorganizam as operações e exigem reações

rápidas, podendo afetar negativamente os prazos de entrega e a

qualidade do atendimento.

E como as empresas reagiram ao novo contexto? Dal Lago apontou


quatro grupos de ações. O primeiro foi adotar soluções de curto

prazo, em detrimento de visões de médio e longo prazo. Em uma

situação de crise, é esperado que as empresas trabalhem com


cenários negativos, congelem investimentos e evitem contratações.

Porém, quando se acredita piamente na catástrofe, pode-se

estimular, inadvertidamente, o pior cenário. Ao interromper


projetos quase terminados e bloquear de forma completa

contratações, algumas empresas podem ter comprometido receitas

que superariam os investimentos realizados.


O segundo foi priorizar questões financeiras e de mercado, em

detrimento de questões relacionadas a pessoas e comunicação.

Obviamente, quando a solvência da empresa é colocada em risco, é


preciso controlar cuidadosamente os sinais vitais. Conforme

observou Dal Lago: “se o navio corre risco de afundar, primeiro é

preciso cuidar dos botes salva-vidas; o bem estar dos passageiros


fica para depois”. Porém, a falta de atenção, por períodos

prolongados, com o clima organizacional e com a comunicação pode

levar à deterioração da gestão, à perda de talentos e a prejuízos


irreversíveis.

O terceiro foi centralizar o poder, reduzindo a autonomia do

nível operacional e da linha de frente. A medida faz sentido. A

centralização da tomada de decisão aumenta a agilidade. No


entanto, o efeito positivo pode ser anulado se os tomadores de

decisão tentarem ampliar sua alçada, resolvendo não apenas “o que

deve ser feito”, mas também “como deve ser feito”.

O quarto foi adotar fórmulas clássicas e pretensamente testadas


de redução de custos, em lugar de soluções mais criativas,

voltadas para questões estratégicas. Diante da retração do

mercado, muitas empresas foram rápidas nos cortes de custos e nas


demissões. Algumas aproveitaram o momento para fazer ajustes que

deveriam ter sido feitos há muito tempo. Por outro lado, deixaram

de ver que a crise, como todo momento de mudança, gera também


oportunidades. Infelizmente, a atenção dos capitães parece estar

focada demais nos problemas do momento, impedindo-os de pensar em

rotas alternativas.
Infelizmente, além de seus efeitos materiais óbvios, a crise

trouxe muitas empresas e muitos executivos de volta a uma

conhecida e anacrônica zona de conforto, caracterizada pelo foco


no curto prazo, pela agitação em torno de ações de efeito apenas

cosmético e pela falta de visão estratégica. Para as organizações

que caírem nessa armadilha restará apenas uma boa desculpa para
os maus resultados. Aquelas que a evitarem provavelmente sairão

da crise mais fortes e mais aptas a lidar com a incerteza.


[Quarta capa]

COMO FAZER INIMIGOS E AFASTAR PESSOAS

Os livros de gestão, especialmente aqueles voltados para o

público executivo, costumam tratar do “mundo ideal”, das

experiências bem sucedidas e da “coisa certa a ser feita”. Neles,


não há decisões erradas, gestores que falham ou corporações que

fracassam. Falta-lhes, pode-se dizer, realidade. Como fazer

inimigos e afastar pessoas reúne uma coleção de ensaios escritos


sob a perspectiva crítica.

Esta obra está organizada em quatro blocos:

o Falando mal dos gentios

o Falando mal das corporações

o Falando mal da gestão

o Falando mal da crise

Sobre o autor

Thomaz Wood Jr. é professor da FGV-EAESP e sócio da Matrix-

Consultoria e Desenvolvimento Empresarial. Atualmente, pesquisa a

internacionalização de empresas brasileiras e as indústrias


criativas. Sua prática de consultoria inclui a coordenação de

projetos de transformação organizacional e de estratégia

empresarial. Ele publicou mais de 50 artigos acadêmicos e 15


livros na área de gestão, incluindo Organizações espetaculares,

Gurus, curandeiros e modismos empresariais e Mudança

organizacional. O autor colabora desde 1996 com a revista


CartaCapital, na qual os textos deste livro foram originalmente

publicados.

Aplicação

Leitura indicada a empresários, executivos e estudantes de

Administração de Empresas interessados em uma visão crítica sobre


as organizações e sobre a vida executiva.

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